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capítulo 1 • 23
1.3 Periodização da História da Ética
1.3.1 As Origens
Com a vitória da democracia escravista, 
no século V a.C., surgem na Grécia, parti-
cularmente em Atenas, os primeiros pro-
blemas éticos referentes à vida pública 
na pólis (cidade) ocasionados pelo novo 
regime político.
É nesse sentido que a Ética relacio-
na-se de maneira primordial com a Po-
lítica, isto é, com o comportamento humano na vida em sociedade. Ou, como 
será definida mais tarde, como a práxis do bem comum.
Originalmente, a pólis grega é a fortaleza dos homens livres, capazes de se 
defenderem, incluindo aí a defesa à propriedade da terra, porque o direito à 
cidadania, naquele momento histórico, é inseparável da posse da terra.
A partir do século V a.C., a cidade-fortaleza se transforma na pólis democrá-
tica, na qual a nobreza, ligada à propriedade de terras, terá de repartir o poder 
com a aristocracia surgida do comércio. A pólis se constitui como o Estado (ci-
dade-estado) dos homens livres, que possuem o direito à cidadania, à proteção 
das leis e à participação nos destinos sociais (políticos, econômicos e militares) 
da cidade. Dessa sociedade estão excluídos, portanto, os não livres: estrangei-
ros, mulheres, crianças e os escravos, que são considerados como instrumen-
tos de trabalho (“mercadorias”: drapodon, que significa criatura vivente com 
pés humanos), equivalentes a um bem móvel do proprietário de terras. 
Nesse período, a virtude objetiva – que fundamenta as relações humanas na 
polis – é a justiça. Ela é a síntese de todas as virtudes morais subjetivas, pelo fato 
de conferir-lhes um sentido social. É por ela que o homem virtuoso torna-se um 
bom cidadão. Assim sendo a justiça é a virtude da sociedade e da cidadania.
É nesse contexto que os jovens aristocratas devem ser preparados para a 
vida política, ou seja, para participarem das assembleias (agôn) em praça pú-
blica (ágora) sobre o destino da pólis.
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Com Sócrates tem-se o ensino da virtude através da dialética; teve participação ativa na 
vida da cidade, dominada pela desordem intelectual e social, submetida à demagogia 
dos que sabiam falar bem. Convidado a fazer parte do Conselho dos 500, manifesta sua 
liberdade de espírito combatendo as medidas que julgava injustas, mantendo-se inde-
pendente em relação às lutas travadas entre os partidos da democracia e da aristocra-
cia. Acreditando em uma voz interior, realiza a tarefa de educador público e gratuito. “O 
homem mais justo de seu tempo”, diz Platão, foi condenado à morte sob acusação de 
impiedade e de corrupção da juventude. Seria sua morte o fracasso da filosofia diante 
da violência dos homens? Ou não, indicaria ela que o filósofo é um servidor da razão, 
e não da violência, acreditando mais na força das ideias do que na força das armas? 
(JAPIASSÚ, 2001, p. 251-252). 
Em Platão, a educação, tem uma finalidade claramente política: conduzir 
o cidadão pelo caminho da luz, da virtude e da justiça, para desempenhar com 
adequação o seu papel na polis. Para Platão, conhecer o Bem, significa tornar-se 
virtuoso. Aquele que conhece a justiça não pode deixar de agir de modo justo. 
Dois pontos fundamentais emergem da discussão platônica sobre questões 
éticas. O indivíduo que age de modo ético é aquele que é capaz de autocontrole, 
de “governar a si mesmo”. Entretanto, a possibilidade de agir corretamente e 
de tomar decisões éticas depende de um conhecimento do bem, que é obtido 
pelo indivíduo por meio de um longo e lento processo de amadurecimento.
Finalmente, em Aristóteles, aponta-se para uma educação sistemática, que 
enaltece os valores intelectuais e éticos subordinando os valores materiais 
e sensíveis. 
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A Ética a Nicômaco, de Aristóteles foi o primeiro tratado de ética da tradi-
ção ocidental e também pioneiro no uso do termo “ética” no sentido em que 
empregamos até hoje, como um estudo sistemático sobre as normas e os prin-
cípios que regem a ação humana e com base nos quais essa ação é avaliada em 
relação a seus fins. Na concepção aristotélica, a felicidade está relacionada à re-
alização humana e ao sucesso naquilo que se pretende obter, o que dá se aquilo 
que se faz é bem-feito, ou seja, corresponde à excelência humana e depende de 
uma virtude (areté) ou qualidade de caráter que torna possível essa realização. 
Algum tempo depois, a destruição da autonomia das cidades-estado, causa-
da pela ascensão dos grandes impérios (macedônio e romano), leva os filósofos 
estóicos e epicuristas a não mais relacionar a Ética com a pólis, mas sim com o 
kósmos (universo) e assim, não depender mais de uma determinada comunida-
de, caracterizada por sua organização social.
ATENÇÃO
Compreende-se educação como atribuição do Estado a fim de dar condições para o cidadão 
(animal político) desenvolver suas potencialidades, participando da vida política e, com isso, 
atingir a felicidade. Sua concepção é de que o homem, é um “animal político” submetido ao 
Estado que, pela educação, obriga-o a realizar a vida moral, pela prática das virtudes: a vida 
social é um meio, não o fim da vida moral. A felicidade suprema consiste na contemplação da 
realização de nossa forma essencial (JAPIASSU, 2001).
A passagem do mundo antigo para o mundo medieval ocorre por volta do sé-
culo IV, quando o cristianismo torna-se a religião oficial, e o modelo escravista 
é substituído pelo regime de servidão.
A fragmentação econômica e política é característica do mundo feudal, no 
qual a religião cristã desponta como a única fonte de unidade social.
A Ética, nesse contexto, aparece profundamente impregnada por um senti-
mento religioso. A natureza humana, que anteriormente achava sua realização 
na pólis, agora a encontra na transcendência do mundo, na cidade celeste.
O cristão, além de ser cidadão do mundo, exercitar as qualidades e virtudes 
morais e defender uma ordem social justa, é, também, aquele que crê em Deus, 
criador de tudo e doador da vida, e, pela virtude da fé, espera que a vida históri-
ca, pessoal e social tenha uma dimensão eterna.
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Surge, então, uma norma moral baseada na revelação de Deus. Essa acaba 
estabelecendo a Filosofia como serva da Teologia (philosophia ancilla theologiae). 
Sendo assim, a Ética, no mundo medieval, é compreendida como uma dou-
trina moral, e a Justiça se aproxima da piedade e da santidade, condicionada 
pelas formulações sacras do Direito Canônico.
Para os primeiros pensadores cristãos, como Agostinho de Hipona (354-430 
d.C.), o Direito Natural, que por razão do pecado original vinculou-se à corrup-
ção, parece, muitas vezes, não se conformar com a vontade divina.
Essa constatação leva a Igreja a refletir sobre a relação entre a lei divina e a 
lei do mundo, concluindo sobre a necessidade de se restaurar o Direito Natural, 
o qual deveria ser entendido como a imagem da lei divina na alma humana. 
O Direito Canônico, no qual a lei humana, como as necessidades e atividades 
jurídicas dos fiéis, estava subordinada à autoridade da Igreja, que tinha o dever 
de zelar por uma ordenação justa e santa da vida social.
Outra concepção filosófica importante na idade média é o tomismo. Os 
princípios fundamentais da metafísica tomista giram em torno da noção de es-
sência e existência de SER Supremo que é Deus, enquanto criador de tudo o que 
existe, é a expressão da perfeição e da bondade, bem como é o responsável por 
todas as leis que regem o movimento do universo – sua criação. 
Dentro dessa perspectiva, o homem é um ser racional, social e político (con-cepção aristotélica) que participa da essência de seu criador e tem nele a cau-
sa suficiente para a sua existência (concepção tomista). A existência do mal no 
mundo é fruto da capacidade de liberdade, inerente ao homem, e que o torna 
capaz de optar entre o bem e o mal, servindo-se dos atributos da vontade e da 
razão que são os fundamentos do agir humano e, portanto, de seu comporta-
mento ético/moral. Mas essa maneira de pensar ultrapassou os muros dos con-
ventos e os monastérios e foi além da idade moderna. 
ATENÇÃO
A questão social, sob a ótica da Igreja Católica, perde sua conotação clássica e transforma-
se numa questão de ordem moral: a única forma de salvar a humanidade das sequelas da 
questão social e das propostas comunistas e liberais estava na cristianização dos indivíduos, 
da família e da sociedade. Assim, a questão social se transforma numa questão de moralismo.
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Embora os primeiros problemas éticos do Ocidente tenham surgido com os 
gregos, o problema da distinção entre Ética, Moral e Direito só aparece na mo-
dernidade, com a autonomia das ciências e a passagem do teocentrismo para o 
antropocentrismo (VASQUEZ, 2000, p. 279-281).
Verifica-se, então, uma separação entre o bem (ideal) e o que é bom (real), 
entre o legal (jurídico) e o legítimo (justo).
Enquanto na Idade Média, a Filosofia está subordinada à Teologia, e ética e 
religião estão estreitamente ligadas; a Igreja se torna guardiã da moral exercendo 
um controle rigoroso sobre a conduta dos cidadãos, associada ao poder civil, na 
modernidade (séc. XVI-XIX), começa a se desenvolver uma nova tendência que 
desvincula definitivamente o agir do homem de uma concepção teocêntrica de 
mundo. As guerras de religião dos séculos XVI e XVII acentuam as divergências 
entre as Igrejas cristãs e contribuem para despertar a busca de uma moral “na-
tural” ou “puramente racional”, que esteja acima das diferenças confessionais.
Há uma ruptura entre Metafísica e Ética e, consequentemente, com a tutela 
religiosa. A Ética, originada dessa tendência, atingirá seu ponto culminante no 
pensamento do filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804), para quem o ho-
mem, e não mais Deus, apresenta-se como legislador supremo. 
De acordo com Immanuel Kant, o faktum moral é sempre constituído da 
mesma forma: pelo dever e pela liberdade. O dever é incondicionado, expres-
sando uma necessidade que se pronuncia, não pela natureza, mas pela razão, 
através de uma norma e de um fim. Em outras palavras, espera-se que o dever 
tenha seu fundamento, não na sensibilidade empírica ou na contingência das 
circunstâncias, mas unicamente nas leis racionais, válidas para todos os ho-
mens em todas as condições.
A liberdade, por sua vez, deve ser entendida como capacidade de eleger uma 
ação possível. Trata-se, tal como o dever, de um faktum a priori da razão que en-
frenta, como algo absoluto, a realidade espaço-temporal. Nesse sentido, dever e 
liberdade estão incorporados na essência do homem.
O projeto moderno, sintetizado no lema da Revolução Francesa (liberdade, 
igualdade e fraternidade), não ficou isento de críticas, na tentativa de enqua-
drar tudo na razão e na ciência, a modernidade acabou identificando a razão 
com o poder. 
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1.3.2 Ética na Grécia antiga
Segundo Valls (1986), a reflexão grega sobre a ética se deu como uma pesquisa 
sobre a natureza do bem moral, na busca de um princípio absoluto da conduta 
procede do contexto religioso, onde pode-se encontrar o início de muitas ideias 
éticas, tendo como formulações mais conhecidas: “nada em excesso” e “conhe-
ce-te a ti mesmo”.
Sócrates usava o método da maiêutica que consistia em interrogar o inter-
locutor até que este chegue por si mesmo à verdade, sendo o filósofo uma espé-
cie de “parteiro das ideias”. Há uma procura da verdade no interior do próprio 
homem, através do questionamento busca-se fazer um “parto” desta verdade 
interior. Tal ato era realizado em duas partes:
1. No primeiro momento levava seus interlocutores a duvidarem de seu 
próprio conhecimento a respeito de determinado assunto.
2. Em um segundo momento os leva a conceber de si mesmos uma nova 
ideia, uma nova opinião sobre o assunto em questão. 
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Sócrates acreditava que o conhecimento poderia ser encontrado pelas res-
postas a perguntas propostas de forma perspicaz.
Nome: Sócrates (Σωκράτης) 
Escola/Tradição: Filosofia grega
Data de nascimento: c. 469 / 470 a.C. 
Local: Atenas 
Data de falecimento 399 a.C. * 
Local: Atenas 
Principais interesses: Epistemologia, 
ética 
Influenciado por: Parmênides 
Influências: Filosofia ocidental, mais 
especificamente Platão, Aristóteles, Aris-
tipo, Antístenes
capítulo 1 • 29
[...] Sócrates foi chamado, muitos séculos depois, “o fundador da moral”, porque a sua 
ética (e a palavra moral é sinônimo de ética, acentuando talvez apenas o aspecto de 
interiorização das normas) não se baseava simplesmente nos costumes do povo e dos 
ancestrais, assim como nas leis exteriores, mas sim na convicção pessoal, adquirida 
através de um processo de consulta ao seu “demônio interior” (como ele dizia), na ten-
tativa de compreender a justiça das leis. (VALLS, 1986, p. 19) 
Assim, Sócrates, passou a ser considerado como o primeiro grande pensa-
dor da subjetividade.
Platão parte das ideias de que todos os ho-
mens buscam a felicidade, sendo que a maioria 
das doutrinas gregas colocava a busca de felici-
dade no centro das preocupações éticas. Ao pes-
quisar as noções de prazer, sabedoria prática e 
virtude, colocava-se sempre a questão: onde está 
o Sumo Bem?
Parece acreditar numa vida após a morte e por 
isso prefere uma vida de virtudes ao prazer terreno. 
Dessa forma os homens deveriam procurar a con-
templação das ideias, tendo como o conceito mais 
importante a ideia do Bem.
O sábio não é, então, um cientista teórico, mas um homem virtuoso ou que busca a 
vida virtuosa e que assim consegue estabelecer, em sua vida, a ordem, a harmonia e o 
equilíbrio que todos desejam. O sábio faz penetrar em sua vida e em seu ser a harmonia 
que vem do hábito de submeter-se à razão. Dialética e virtude devem andar juntas, pois 
a dialética é o caminho da contemplação das ideias e a virtude é esta adequação da 
vida pessoal às ideias supremas. (VALLS, 1986, p.26)
Aristóteles foi discípulo de Platão e este de Sócrates; Aristóteles foi um es-
critor enciclopédico e sistematizador, sua produção revelou seu vasto conheci-
mento nos mais variados campos. Para Aristóteles, Platão escreveu a Repúbli-
ca não só com intenções metafísicas, mas com intenções de levantar questões 
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como política e consequentemente ética, esta última como sendo a conduta 
coletiva e individual dos homens.
Partindo da correlação entre o Ser e o Bem, Aristóteles insiste sobre a varie-
dade dos seres e daí conclui que os bens devem variar, pois para cada ser deve 
haver um bem, conforme a natureza ou essência deste ser.
O homem se diferencia das outras espécies por ser uma entidade racional, 
capaz de tecer ideias próprias, portanto, pode-se considerar o pensamento como 
algo extremamente especial, divino, assim quem o valoriza e pratica esse exercício 
racional é sábio, não necessitando de muitas outras coisas.
De acordo com Valls (1986), para Aristóteles, a função do homem era fazer 
com que sua alma encontrasse o equilíbrio entre a virtude e a razão. As virtudes 
humanas se dividiam em duas: a intelectual ligada à busca pela sabedoria e a 
virtude moral enfatizandoa ação ponderada, atitudes moderadas, prudentes.
 Esse movimento de interiorização da reflexão e de valorização da subjetivi-
dade ou da personalidade se inicia com Sócrates e parece culminar com Kant, 
já no final do século XVIII.
1.3.3 A ética de Kant
Kant buscava uma ética de validade universal que se apoiasse apenas na igual-
dade fundamental entre os homens, sua filosofia se volta sempre, em primeiro 
lugar, para o homem, e se chama filosofia transcendental porque busca encon-
trar no homem as condições de possibilidade de conhecimento verdadeiro e do 
agir livre. No centro das questões éticas, aparece o dever, ou obrigação moral, 
uma necessidade diferente da natural, ou da matemática, pois necessidade para 
uma liberdade. O dever obriga moralmente a consciência moral livre, e a von-
tade verdadeiramente boa deve agir sempre conforme o dever e por respeito ao 
dever. (VALLS, 1986).
Kant por influência do movimento iluminista1 acredita na igualdade básica 
entre os homens, desse modo, precisa chegar a uma moral igual para todos, uma 
moral racional, a única possível para todo e qualquer ser racional.
1 Segundo o dicionário Aurélio, o movimento iluminista partia da confiança na razão e nas ciências como motores do 
progresso.
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Esta moral não se interessa essencialmente pelos aspectos exteriores, empíricos e 
históricos, tais como leis positivas, costumes, tradições, convenções e inclinações pes-
soais. Se a moral é a racionalidade do sujeito, este deve agir de acordo com o dever e 
somente por respeito ao dever: porque é dever, eis o único motivo válido da ação moral. 
(VALLS, 1986, p. 20)
De acordo com Valls (1986), Kant considera que os conteúdos éticos nun-
ca são dados do exterior, assim cada um de nós tem uma forma de dever, essa 
fórmula se expressa em várias formulações, no chamado imperativo categórico, 
desta forma “devo proceder sempre de maneira que eu possa querer também 
que minha máxima se torne uma lei universal”.
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1.4 Quadro de doutrinas éticas fundamentais ao longo da História 
da Filosofia
1.4.1 A ética no sistema filosófico aristotélico
Na filosofia aristotélica, ética e política constituem as chamadas ciências práti-
cas, aquelas que têm no homem seu fundamento e sua finalidade, ou seja, dife-
rentemente das teoréticas, como a física e a metafísica, que versam sobre objetos 
universais cuja existência independe de qualquer interferência ou vontade hu-
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mana, o conhecimento das ações humanas lida com o que pode ou não acon-
tecer, de acordo com a decisão do agente. A ética, portanto, refere-se ao estudo 
da natureza humana e das possibilidades nela inscritas, isto é, corresponde ao 
exame da finalidade natural da vida humana, o que explica sua afluência com a 
política, posto que para Aristóteles o homem é um ser essencialmente político 2 .
Os estudos de Aristóteles em filosofia moral são desenvolvidos coerente-
mente ao conjunto de seu sistema filosófico. Sabemos que esse filósofo, dife-
rentemente de seu mestre Platão, localiza os inteligíveis necessariamente nos 
sensíveis, admitindo sua dissociação apenas sob o ponto de vista conceitual, 
ou seja, sua teoria renuncia ao dualismo ontológico platônico para o qual o 
plano dos inteligíveis e o plano dos sensíveis existem separadamente. Assim, 
no sistema filosófico aristotélico, em que as formas existem exclusivamente na 
matéria, adquire relevância a tese das quatro causas, que pretende explicar a 
formação de todas as coisas que observamos no mundo e confere sentido acen-
tuadamente teleológico ao pensamento de Aristóteles.
Para situarmos os problemas éticos no horizonte da filosofia de Aristóteles, 
convém relembrarmos brevemente os pontos cardeais de sua teoria. As quatro 
causas são a material, a eficiente, a formal e a final. A causa material consiste 
na matéria de que uma coisa é feita; a eficiente corresponde ao elemento que 
age sobre a matéria, transformando-a; a formal é precisamente o conteúdo que 
define algo como sendo o que é; e a final compreende o fim previamente deter-
minado para o qual se destinam os seres, isto é, o motivo último pelo qual exis-
tem. Há, nessa concepção, uma supremacia da causa final, que, subordinando 
todas as outras causas a si, quer dizer, fazendo delas simples meios para sua re-
alização, evidencia o sentido teleológico expresso na atualização de potências.
Nas relações aristotélicas entre ato e potência, vigora o pressuposto de que 
o fim de algo – sua forma final – está potencialmente contido em seu começo 
e, consequentemente, a completa atualização de uma potência é a realização 
plena da natureza de um ser. Nesse devir, as coisas tornam-se naturalmente o 
que são ou, em termos mais claros, cumprem-se as potencialidades presentes 
em sua natureza.
2 É preciso destacar que a palavra política em Aristóteles, bem como nos gregos antigos em geral, tem significado 
amplo e profundo, abrangendo a totalidade das relações sociais que configuram a pólis, desde os meios pelos quais os 
seres humanos asseguram sua sobrevivência até o domínio público constituído pelos cidadãos. Nesse sentido é que se 
deve entender a definição aristotélica do homem como ser naturalmente político, densamente registrada no início de 
sua obra A política, quando declara que o homem fora da sociedade não é propriamente um homem, mas uma besta 
ou um deus (2202, p. 5).
capítulo 1 • 33
Sob esse prisma é que Aristóteles desenvolve suas reflexões éticas, a saber, 
concebendo-se a dimensão moral do homem em perfeita equivalência com a 
finalidade prescrita pela natureza para a vida humana. Nesse sentido, a exce-
lência humana, a areté, é a atualização da potência contida na natureza dos ho-
mens ou, em outras palavras, é a consecução da função humana estabelecida 
pela natureza. A expressão função humana tem significado muito bem defini-
do na filosofia de Aristóteles, especificamente por seu citado aspecto teleológi-
co, pelo qual os seres desenvolvem-se no horizonte de sua forma plena. Assim 
sendo, função humana é sinônimo de fim para o qual tende naturalmente o ho-
mem, a explicitação total de sua forma, o que torna a ética aristotélica o estudo 
sistemático sobre a finalidade natural da vida dos homens.
Entretanto, Aristóteles observa que a atualização da potência é menos cer-
ta nos seres humanos do que nos demais seres da natureza, pois o percurso 
dos homens à areté é afetado pelas intervenções dos próprios agentes huma-
nos, com seus desejos e suas escolhas que, com relativa frequência, contra-
riam sua capacidade racional para a vida virtuosa. Afinal, se a excelência hu-
mana, como veremos, é a vida racional virtuosa, por outro lado, a natureza do 
homem é mista, abrigando também faculdades irracionais que são constante 
ameaça à primazia natural da razão.
1.4.2 A finalidade da vida humana e a felicidade como bem supremo
A investigação minuciosa das questões morais é efetuada por Aristóteles em seu 
livro Ética a Nicômaco, no qual, coerentemente aos seus conceitos filosóficos mais 
gerais, dedica as primeiras reflexões à identificação da finalidade da vida dos ho-
mens. Em termos exatos, as páginas iniciais procuram delimitar filosoficamente 
o significado do bem, que, em sua expressão máxima, coincide com a função hu-
mana. E mais uma vez é necessário indicar o distanciamento de Aristóteles perante 
Platão, pois, na concepção do filósofo estagirita, o bem não é uma ideia suprema 
e intangível, acima da existência concreta dos seres humanos, sendo, ao contrário, 
algo passível de ser atingido pelas atividades dos homens.
Em sua acepção ampla, o bem aristotélico é justamente a finalidade dos seres 
e das práticas humanas. Assim,recorrendo a alguns exemplos, o bem da medi-
cina é a saúde, o bem de uma construção é o edifício, o bem da alfaiataria é a 
vestimenta, e o bem do escravo é servir a seu senhor. Em todas essas situações, os 
bens mencionados são igualmente meios para outros fins: a saúde e os préstimos 
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da escravidão são meios para se viver, bem como as roupas e as casas são meios 
para vestir e morar. Considerando-se que, na filosofia de Aristóteles, a superiori-
dade de algo é sempre diretamente proporcional ao seu grau de autossuficiência, 
um bem supremo é o que é necessariamente um fim em si mesmo, sem jamais 
ser meio para outro fim. Portanto, todos os bens exemplificados concorrem para 
uma função maior, contribuindo para a finalidade da vida humana.
Esse bem supremo para os homens – a finalidade de suas vidas –, segundo 
Aristóteles, é a felicidade. A autossuficiência da felicidade explicita-se no fato de 
que ela é perseguida pelos seres humanos invariavelmente como um fim em si 
mesmo, e jamais como aquisição intermediária que proporciona o acesso a um 
bem maior. De acordo com o filósofo, para que tal conclusão seja aceita, basta ob-
servar que muitos homens procuram as riquezas com a convicção de que em sua 
posse reside a felicidade, outros dedicam-se a atrair para si as honrarias públicas, 
julgando o prestígio social como fonte de felicidade, e há ainda os que se empe-
nham no desenvolvimento de suas virtudes, identificando-as com a felicidade. O 
ponto comum dessas diferentes escolhas é o fim visado pelos homens: a felicida-
de. Em contrapartida, não é factível supor que alguém busque a felicidade para 
com ela alcançar as riquezas, as honrarias ou as virtudes. A felicidade, portanto, 
é o bem excelente porque é exclusivamente um fim para os seres humanos, nada 
havendo além dela que possa ser almejado pelos homens 3.
Ao constatar a felicidade como o bem autossuficiente para os homens, 
e tendo antes declarado a equivalência deste com a finalidade da vida dos 
seres humanos, Aristóteles elabora a seguinte interrogação filosófica: qual 
é o fim a que se destina naturalmente a vida humana? Com as reflexões de-
senvolvidas em torno dessa questão, o filósofo pretende evidenciar o con-
teúdo da felicidade, conceito central em sua teoria ética. Trata-se, então, de 
investigar aquilo que é específico nos homens, dotando-lhes de uma finali-
dade vital diferente daquelas que caracterizam os demais seres vivos, tema 
este que é claramente contemplado no trecho seguinte:
3 Na história da filosofia moral, o bem recebe diferentes conceituações. Nas teorias éticas hedonistas, caso, por exem-
plo, da escola epicurista na Grécia helenística, o bem ou bom é sinônimo de prazer. Nas filosofias utilitaristas, como 
são as teses de Jeremy Bentham e de John Stuart Mill, o bem equivale àquilo que é vantajoso ou o útil para o maior 
número de pessoas na sociedade. Em Immanuel Kant, conforme estudaremos nos próximo capítulo, o bem consiste 
na boa vontade.
capítulo 1 • 35
Estaríamos nós autorizados a supor que enquanto o carpinteiro e o sapateiro têm funções 
ou ocupações que lhes são pertinentes, o ser humano como tal não tenha alguma e não 
esteja, por natureza, destinado a desempenhar qualquer função? Não devemos nós, ao 
contrário, supor que, como o olho, a mão, o pé e cada um dos membros do corpo tem 
conpiscuamente uma função própria, do mesmo modo um ser humano tem, igualmente, 
uma certa função que supera todas as funções de seus membros particulares? Qual, en-
tão, poderia ser essa função precisamente? O mero ato de viver parece ser compartilhado 
pelas mesmas plantas e estamos buscando a função peculiar do ser humano. Diante 
disso, devemos pôr de lado a atividade vital de nutrição e crescimento. A seguir na escala 
vemos alguma forma de vida sensitiva, porém esta, igualmente, parece ser compartilhada 
por cavalos, bois e animais em geral. Resta, assim, o que pode ser denominado de vida 
ativa da parte racional do ser humano. (ARISTÓTELES, 2007, p. 49-50).
Assim, Aristóteles ressalta que, como na natureza e na pólis todas as coisas 
prestam-se a um fim, é lícito supor uma função específica para os seres huma-
nos. Afirma, em seguida, que o propósito da vida humana não consiste na sim-
ples atividade vital de nutrição e crescimento, condição que compartilha com 
a totalidade dos seres vivos, tampouco se localiza nas sensações, posto que a 
vida sensitiva é comum aos animais. A finalidade natural da vida dos homens 
encontra-se na faculdade que existe exclusivamente na alma humana, isto é, 
o princípio racional. Dessa forma, o fim ao qual se direcionam os homens é a 
atividade racional virtuosa ou, em linguagem diferente, a felicidade é exercício 
contínuo da razão ao longo de uma vida.
Sendo assim, no horizonte filosófico aristotélico, a felicidade não coincide 
com os bens do corpo, a sensualidade e o deleite de objetos materiais, o que man-
teria o homem como ser indiferenciado no conjunto da animalidade, do mes-
mo modo que não está no prestígio social das honrarias públicas, pois estes são 
sempre exteriores ao próprio homem, e a vida feliz não pode se realizar na de-
pendência de opiniões alheias. A felicidade corresponde, isto sim, à efetivação da 
natureza do ser humano em uma existência virtuosamente orientada pela razão 4.
4 É importante salientar que, embora Aristóteles afirme que os bens do corpo e os bens exteriores são inferiores aos 
bens da alma, ele não declara que são totalmente dispensáveis É certo que a vida consagrada aos prazeres do corpo e ao 
acúmulo de riquezas perverte a natureza, mas também é correto que a satisfação das necessidades corporais e a posse 
de bens materiais são elementos sem os quais não se atualizam as virtudes dos seres humanos, quer dizer, não há propria-
mente felicidade. Também é necessário acrescentar que o filósofo não ignora que circunstâncias adversas representem 
riscos à felicidade, mas considera que o homem virtuoso tem condições de reagir de maneira equilibrada diante delas.
36 • capítulo 1
1.4.3 O homem como ser político
Essa definição da felicidade como atividade humana racional torna-se mais 
compreensível se a situarmos na concepção teleológica aristotélica, segundo 
a qual as coisas transcorrem adequadamente se seguem o curso determinado 
pela natureza, no qual os inferiores são submetidos aos superiores e o todo é 
sempre mais perfeito do que as partes. Para Aristóteles, a natureza dispõe a fê-
mea ao domínio do macho, o escravo ao domínio do senhor, as crianças ao do-
mínio dos adultos e a alma irracional ao domínio da alma racional. A vigência 
da razão virtuosa, por seu turno, é viável apenas na sociedade política, natural-
mente superior aos indivíduos, portanto.
Em seu livro A política, Aristóteles descreve essa hierarquia natural a par-
tir das relações domésticas, a primeira unidade social para a qual se inclinam 
os seres humanos (2002, p. 9-65). No interior desses núcleos familiares, escra-
vos, crianças e mulheres estão sob a dependência do homem livre, ou melhor, 
submetidos, respectivamente aos poderes despótico, paternal e marital. Nessa 
ordenação natural, sublinha-se o predomínio da razão sobre aquilo que é irra-
cional, caracterizando uma supremacia que se verte em benefícios para todos.
O poder paternal sobre os filhos e marital sobre a esposa é justificado pela 
carência de razão das crianças e das mulheres, que, consequentemente, depen-
dem do comando racional do homem – pai e marido – para a condução de suas 
vidas, com a única diferença de que os descendentes do sexo masculino, ao al-
cançarem a idade adulta, serão plenamente capazes de usar sua própria razão, 
emancipando-se do princípio racional paterno.
Nãoé diferente a fundamentação aristotélica do poder do senhor sobre os 
escravos, explicada na suposta inferioridade natural destes últimos, que, con-
quanto capazes de perceber a razão em seu senhor, não conseguem jamais fazer 
uso próprio da razão, limitando sua contribuição à sociedade ao labor de seus 
corpos. Desse modo, ainda que o poder do senhor sobre o escravo, despótico, 
seja exercido para atender somente aos interesses do primeiro, a dominação 
é estabelecida pela natureza em benefício de ambos, pois o escravo teria pior 
sorte se fosse entregue a si mesmo. Não sendo naturalmente capaz de liberda-
de, tem no senhor a dimensão racional que lhe falta. Sendo a virtude sempre 
algo conforme a natureza, o mérito do escravo é resignar-se ao domínio do seu 
senhor, executando devidamente os serviços que lhe são ordenados.
capítulo 1 • 37
Nesse sentido, Aristóteles estende sua argumentação à composição da pó-
lis ou sociedade política, compreendida como construção prescrita pela na-
tureza aos homens, não apenas por permitir maior estabilidade econômica e 
segurança militar, mas, sobretudo, pela finalidade de promover o bem viver 
dos homens, ou seja, a vida racional virtuosa. Dito de outro modo, assim como 
escravos, crianças e mulheres não têm autonomia e não podem existir por si, 
mas somente integrados no poder da sociedade doméstica, os indivíduos e as 
associações intermediárias não existiriam verdadeiramente fora do todo, quer 
dizer, da sociedade política para a qual são naturalmente propensos. O poder 
político, por sua natureza, diferencia-se dos poderes despótico, paternal e mari-
tal. Esses poderes domésticos, afinal, são exercidos por um superior sobre seus 
inferiores, e, além disso têm por fim o benefício específico de alguns, enquanto 
o poder do Estado é partilhado entre iguais, os cidadãos, e visa o bem comum.
Essa sociabilidade inscrita na natureza dos homens, na qual os seres hu-
manos realizam concretamente sua humanidade, exprime-se no conceito de 
philia, sobre o qual Aristóteles discorre em Ética a Nicômaco (2007, p. 235-264). 
Definida pelo filósofo como uma das exigências indispensáveis da vida, pois 
não seria pensável alguém escolhendo uma existência sem amigos, a philia ou 
amizade é discriminada em três tipos, de acordo com os motivos nos quais se 
sustentam: o útil, o agradável e o bem.
Na amizade alicerçada na utilidade, os amigos se vinculam apenas por inte-
resses próprios, ou seja, pelos benefícios que se possam extrair da relação, sendo 
que esta termina tão logo deixe de oferecer vantagens às partes envolvidas. Si-
tuação análoga verifica-se na amizade que se sustenta naquilo que é agradável, 
isto é, no prazer que se obtém na companhia do outro, sem que haja um afeto 
autêntico entre os amigos, pois desaparecendo o bem-estar que a presença de 
determinada pessoa proporciona, encerra-se também a amizade que se sente por 
ela. Ambas as formas de amizade, erguidas sobre a utilidade ou sobre o agradá-
vel, são imperfeitas, segundo Aristóteles, porque não existem pelo que os amigos 
são em si mesmos, mas pelo benefício pessoal ofertado pela amizade.
A amizade perfeita é aquela em que os amigos se associam pelo afeto desin-
teressado que nutrem um pelo outro, desconsiderando-se qualquer benefício 
adicional que a relação apresente. Na amizade pelo bem, os amigos admiram-
se pelo que, de fato, são e desejam o melhor um ao outro, constituindo-se o sen-
so de comunidade no qual vigora a noção de bem comum, finalidade natural da 
sociedade política.
38 • capítulo 1
1.4.4 A ética do justo meio
A conceituação aristotélica da felicidade como a vida racional virtuosa, o bem su-
premo do homem que se concretiza na sociedade política, não deve nos condu-
zir à falsa conclusão de que o filósofo preconiza um controle repressivo da razão 
sobre as inclinações irracionais da alma humana. Ao contrário, Aristóteles não 
apenas reconhece a importância dos apetites e das paixões na vida dos homens, 
como atribui ao desejo uma condição motriz no ser humano: os homens são seres 
desejantes cujas ações visam sempre a um fim agradável ou não doloroso. Apro-
ximando-se naturalmente do que promete prazer e evitando o que acena com a 
dor, os homens revelam sua semelhança com os animais. Porém, relacionando-
se adequadamente com o prazer e a dor, afirmam-se como seres virtuosos.
O homem virtuoso não ignora o prazer e a dor, estabelecendo, isso sim, uma 
relação racional com ambos, pela qual experimenta os sentimentos certos nas 
ocasiões pertinentes. Ao invés do conflito entre razão e desejo, temos a conflu-
ência de ambos, de tal modo que não se deseja nada além daquilo que é condi-
zente com a finalidade da vida, ou seja, sente-se prazer em agir virtuosamente.
Nessa perspectiva, o filósofo situa a mediania moral como ponderação en-
tre os extremos, localizando o vício na carência e no excesso. O vício é o con-
trário da virtude. Enquanto esta é a excelência moral, o que, em Aristóteles, 
consiste na vida racional do homem em sociedade, o vício é a imoralidade do 
homem. Como vimos, de acordo com a filosofia moral aristotélica, o bem situa-
se sempre na natureza, é conforme o que é natural, e o mal é o que se desvia do 
que é prescrito pela natureza. Assim, se a finalidade natural humana é a exis-
tência racional, o homem que se movimenta somente pelas paixões perverte 
sua natureza, enredando-se nos vícios. 
A mediania ou, como é mais conhecida, a ética do justo meio corresponde 
ao ajuste entre a intensidade dos sentimentos experimentados pelos indivídu-
os e as exigências apresentadas pelas situações. Portanto, dentre as virtudes 
enumeradas por Aristóteles, estão a coragem, a generosidade, a brandura, a 
espirituosidade e a moderação, que são termos médios, respectivamente entre 
temeridade e covardia, prodigalidade e mesquinhez, irascibilidade e desalento, 
bufonaria e indelicadeza, e desregramento e insensibilidade5 .
5 Aristóteles alerta que algumas paixões implicam necessariamente o mal, não admitindo a virtude da mediania. É o 
caso da malevolência, da inveja e da impudência.
capítulo 1 • 39
A coragem é a virtude do homem que teme as situações que, de fato, devem 
ser temidas, por apresentarem riscos desnecessários para si e para as pessoas 
de sua comunidade, mas que não hesita em enfrentar os perigos quando as cir-
cunstâncias exigem tal postura para a preservação do bem comum. O covarde, 
por sua vez, a tudo teme, aterrorizando-se com quaisquer ameaças, ainda que 
sejam mínimas ou improváveis. Na outra extremidade, o temerário excede-se 
em ousadia, expondo-se a toda sorte de situações adversas e comprometendo 
a própria finalidade da vida ou, o que é pior, muitas vezes fazendo questão de 
exibir uma coragem que sequer sente.
Justa medida igualmente é a generosidade, que consiste no uso apropriado 
dos recursos financeiros em benefício das pessoas que necessitam e que têm 
merecimento para tanto. O generoso dispõe suas riquezas ao bem comum nas 
ocasiões certas, sem negar aos outros auxílios ao alcance de suas possibilida-
des e sem se desfazer de seu patrimônio em gastos supérfluos. Na deficiência 
da generosidade existe a mesquinhez, o apreço exagerado aos valores econô-
micos, impedindo a cessão de dinheiro em circunstâncias que justificariam as 
doações. Em sentido oposto age quem é tomado pela prodigalidade, que des-
perdiça seus bens materiais utilizando-os sem critérios, frequentemente em-
pregando-os com pessoas e situações impróprias, ou mesmo em quantidades 
que ultrapassam largamente sua base financeira.
A brandura, por seu turno, é a virtude relativa à ira. O homem brando sen-
te cólera nas ocasiões que assim o exigem, quando, por exemplo,alguém de 
sua estima é vítima de uma injustiça, manifestando-a de modo ponderado e 
sem inclinar-se a procedimentos vingativos. Desalento e irascibilidade são os 
vícios dessa paixão. No primeiro caso, constata-se a indisposição de indignar-
se ante quaisquer situações, por mais absurdas ou agressivas que sejam. No 
segundo caso, a cólera assume proporções descontroladas e não diferencia os 
acontecimentos que realmente a solicitam daqueles em que esse sentimento é 
inoportuno, estendendo-se ainda para além dos momentos em que a ensejam 
e, comumente, resultando em ações profundamente ofensivas.
A espirituosidade é o meio termo entre a indelicadeza e a bufonaria. Indeli-
cado é quem não reage educadamente em encontros sociais de entretenimen-
to, persistindo em um mau humor explícito nas mais descontraídas conversa-
ções. O bufão, por outro lado, destaca-se por valer-se de sua irreverência com 
o propósito de chamar a atenção para si, fazendo de tudo objeto de diversão e, 
com isso, tornando seu humor desmedido e sua presença inconveniente. Nes-
40 • capítulo 1
sas questões, é o espirituoso quem procede com mediania (equilíbrio), condu-
zindo-se de maneira bem-humorada e divertindo-se com outros nas ocasiões 
que favorecem a descontração sem o risco da vulgaridade.
A moderação ou temperança, por fim, concerne aos prazeres do corpo – be-
bida, alimentação, sexualidade –, aos apetites que são comuns aos seres huma-
nos e aos animais em geral. Remetem, portanto, claramente às relações entre 
razão e desejo sob o prisma aristotélico da virtude, pois a moderação pode ser 
definida justamente como a harmonização do desejo com a racionalidade, na 
qual os prazeres são vividos na intensidade e nas ocasiões oportunas, sem ca-
rências ou excessos. Uma vida pervertida nos prazeres corporais excessivos in-
corre no vício do desregramento, pelo qual o homem mistura-se à animalidade. 
Uma vida que despreza completamente os prazeres corporais – situação muito 
rara, segundo Aristóteles – é acometida de uma insensibilidade que nega a pró-
pria natureza humana.
1.4.5 As ações voluntárias e a vida virtuosa
Após explanarmos sobre algumas das virtudes da mediania aristotélica, é im-
portante examinarmos como o filósofo caracteriza as ações nas quais se pode 
identificar a presença ou a ausência de virtude nos indivíduos. O ponto de par-
tida de Aristóteles para a investigação das condutas que se prestam à avaliação 
moral é a divisão do comportamento humano em dois tipos básicos: ações in-
voluntárias e ações voluntárias.
No capítulo anterior, assinalamos que são involuntárias as ações perpetradas 
por compulsão ou ignorância. Aristóteles usa a palavra ignorância, nesse contexto, 
não em seu significado geral de ausência de saber, referindo-se, isto sim, ao des-
conhecimento, por parte do agente, das circunstâncias que envolvem a execução 
de um ato. Nas ações desse tipo, o indivíduo não tem à sua disposição todas as in-
formações necessárias à ponderação sobre as implicações de sua conduta e, assim 
sendo, não pode ser responsabilizado pelas consequências – exceto se a condição de 
ignorância das circunstâncias for resultado de sua negligência. Como compulsórios 
o filósofo designa os atos cujas origens são absolutamente exteriores aos indivíduos 
que os praticam, isto é, trata-se de condutas nas quais os agentes não têm a mínima 
possibilidade de escolha, sendo integralmente conduzidos por uma força externa a 
capítulo 1 • 41
se comportar de determinada maneira. É o que ocorre quando alguém, subjugado 
fisicamente por outros indivíduos, é impedido de agir como gostaria ou obrigado a 
proceder de um modo que, na ausência da compulsão, não procederia.
Aristóteles observa, porém, que, entre as ações absolutamente compul-
sórias e as praticadas livremente pelos indivíduos, existem condutas mistas, 
nas quais os agentes realizam escolhas, embora estas sejam profundamente 
restringidas e condicionadas pela especificidade das situações em que estão 
envolvidos. Nessas ocasiões extraordinárias, a margem de escolhas é extrema-
mente reduzida, e o indivíduo, dispondo de poucas alternativas, opta por aque-
la que lhe parece menos prejudicial, conduzindo-se de maneira diferente do 
que faria em situações cotidianas comuns. 
Um exemplo de ação desse tipo é quando um sujeito, sob ameaça de terceiros, 
é forçado a escolher entre a morte de um familiar que é mantido em cativeiro e a 
realização de uma operação financeira ilegal. Ao agente, nesse caso, oferecem-se 
duas possibilidades, sendo muito provável, entretanto, que nenhuma delas seja 
do seu agrado e que ele jamais as escolheria em um contexto de total liberdade. 
Por esse motivo, ações dessa natureza são denominadas por Aristóteles de intrin-
secamente involuntárias e circunstancialmente voluntárias (2007, p. 89).
As ações voluntárias, por seu turno, são aquelas que têm seu autêntico 
ponto de partida no agente que conhece as circunstâncias que envolvem sua 
conduta, o que inclui as condutas derivadas das paixões, como a ira e o dese-
jo. Dessa maneira, segundo Aristóteles, as ações voluntárias não transcorrem 
necessariamente sob o princípio da razão, abrangendo também as práticas hu-
manas que classificamos como impulsivas ou intempestivas, como do mesmo 
modo o são as ações dos animais e das crianças.
Em outras palavras, as ações voluntárias nem sempre implicam a realização 
de uma escolha. Para esclarecer convenientemente a questão, o filósofo deli-
mita o conceito de escolha, recorrendo, para tanto, ao seu cotejamento com o 
desejo, a vontade e a opinião.
Muito embora a escolha não desconsidere os desejos, escolha e desejo não 
são sinônimos, o que é constatado pelo fato de que é possível desejar algo e, en-
tretanto, escolher não fazê-lo. Nem ao menos à vontade, que, na filosofia aristo-
télica, distingue-se do desejo por envolver a dimensão racional, a escolha pode 
ser absolutamente identificada, pois a vontade referencia-se em objetos que 
42 • capítulo 1
nem sempre são passíveis de serem alcançados pela ação. Para usarmos um 
exemplo oferecido pelo próprio Aristóteles, um homem pode ter vontade de ser 
imortal, mas jamais poderá escolher ser imortal, posto que não se trata de algo 
que ele seja capaz de atingir com suas ações. Por fim, escolha não deve ser con-
fundida com opinião, pois, embora seja comum que alguém escolha fazer ou 
deixar de fazer algo em decorrência da opinião que se tem sobre isso, a opinião 
versa sobre os mais diversificados temas, não se atendo ao que efetivamente 
pode ser transformado pela interferência dos homens.
A escolha, portanto, é definida como a ação voluntária antecedida por deli-
beração, que consiste no exame das alternativas disponíveis à conduta humana 
e na investigação racional sobre os meios adequados para se alcançar os fins 
moralmente pretendidos. Nessa perspectiva, a deliberação contempla aquilo 
que tem nas ações humanas o seu fundamento, não se relacionando com coisas 
eternas ou imutáveis, como os ciclos da natureza ou a posição dos astros celes-
tiais, pois estes não são objetos de escolha. Essas ações voluntárias escolhidas 
contêm um valor moral, realizando a virtude na forma de um desejo delibera-
do, ou melhor, na confluência do princípio desejante com o princípio racional.
Essa convergência entre desejo e razão, característica do comportamento 
virtuoso, não é decorrência necessária e imediata do conhecimento do bem, ou 
seja, desviando-se da ética intelectualista socrática, o filósofo declara que a sa-
bedoria não é condição suficiente da virtude. Nesse momento, é importante fri-
sar que Aristóteles diferencia as virtudes intelectuais das virtudes morais, sen-
do que as primeirasconsistem no conhecimento em si, e as últimas, das quais 
estamos tratando neste texto, dizem respeito ao comportamento humano 6. 
É certo que as virtudes morais não existiriam sem o conhecimento, sen-
do, aliás, uma das virtudes intelectuais, a prudência, a sabedoria prática que 
permite aos homens a escolha dos meios corretos para a consecução de ações 
virtuosas. Entretanto, o acesso às virtudes intelectuais não se desdobra natural-
mente em virtudes morais, sendo imprescindível o desenvolvimento do hábito 
para a confluência entre razão e desejo.
Para auxiliar a compreensão dessa necessidade de atualização moral pelo há-
bito, é interessante acompanharmos a definição formal que Aristóteles apresen-
ta da virtude, quando tenta concebê-la como paixão, capacidade ou disposição:
6 Neste texto, exceção feita a esse momento específico, ao empregarmos a palavra virtude, estamos nos referindo às 
virtudes morais.
capítulo 1 • 43
Um estado de alma é ou uma paixão, uma capacidade ou uma disposição, de modo 
que a virtude tem que ser uma dessas três coisas. Por paixão quero dizer desejo, ira, 
medo, confiança, inveja, júbilo, amizade, ódio, saudade, ciúme, compaixão e geralmente 
aqueles estados de consciência (ou sentimentos) que são acompanhados por prazer 
ou dor. As capacidades são as faculdades em função das quais se pode afirmar de nós 
que somos suscetíveis às paixões, por exemplo, sermos capazes de sentir ira, dor ou 
compaixão. As disposições são os estados de caráter formados devido aos quais nos 
encontramos bem ou mal dispostos em relação às paixões; por exemplo, estamos mal 
dispostos para a ira se estivermos predispostos a nos enraivecer com demasiada vio-
lência ou sem violência suficiente; estamos bem dispostos para a ira se habitualmente 
sentimos uma raiva moderada – analogamente com respeito às outras paixões.
De acordo com Aristóteles, portanto, as virtudes não são sinônimas de paixão 
porque ninguém pode ser julgado bom ou pervertido por suas paixões, mas pelo 
modo como as experimenta; também porque as virtudes expressam escolhas, en-
quanto não escolhemos as paixões que sentimos. Em sentido igual, não se pode 
identificar a virtude com a capacidade de sermos afetados pelas paixões, uma vez 
que isso nada informa acerca da bondade ou da maldade de um homem.
A virtude, então, como o próprio texto citado indica, é uma disposição, 
particularmente aquela pela qual um ser humano atualiza sua potência para 
a areté ou, em linguagem mais direta, torna-se um ser moral. Assim sendo, na 
concepção aristotélica, a virtude não nos é dada pela natureza, tampouco se 
desenvolve em direção contrária a esta; ela consiste, precisamente, em uma dis-
posição natural que deve ser concretizada na introdução do hábito.
Os hábitos virtuosos, diz Aristóteles (2007, p. 67-68), são assimilados pela 
educação, compreendida, em termos práticos, como um conjunto de exercí-
cios virtuosos constantes. Nos exemplos oferecidos pelo próprio filósofo, assim 
como os construtores tornam-se mestres em seu ofício à medida que constro-
em casas e os tocadores de liras tornam-se músicos exímios pelo exercício de 
seu ofício, os homens tornam-se moderados, corajosos e justos ao praticarem 
a moderação, a coragem e a justiça. Em uma só expressão, tornam-se virtuosos 
ao praticarem a virtude.

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