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15
Matéria da AV1: Tema 01 (Módulos 01,02 e 03); Tema 02 (Módulos 01,02 e 03); Tema 03 (Módulos 01 e 02) 
Planos de aula das Semanas 01, 02, 03, 04, 05 e 06
REVISÃO:
Tema 01 História da Filosofia Antiga
Módulo 1
SOFISTAS × FILÓSOFOS
Na democracia ateniense, as capacidades da oratória e da retórica se valorizaram extremamente. Como o debate, o diálogo público e a discussão eram as maneiras de se portar no conselho, tornou-se comum que quem conseguisse se comunicar mais persuasivamente alcançasse, com facilidade maior, os objetivos almejados. Diferentemente dos filósofos, os sofistas não se preocupavam com saber da origem do mundo nem tentavam entender a physis (em uma tradução aproximada, tudo o que é a “natureza”). 
Estavam mais preocupados diretamente com as questões morais e políticas, isto é, os temas mais pragmáticos da vida pública. Em vez de olhar para o alto e especular, miravam o pequeno, o próximo, aquilo em que podemos influir diretamente. Em vez de tentar explicar o mundo de uma vez só, como os pré-socráticos, esforçaram-se para dar conta, buscavam o melhor jeito de influir na vida de sua própria sociedade. Ou seja, em vez da abstração, pregava-se a materialidade.
A diferença entre pré-socráticos e sofistas é clara. Os pensadores originais (PRÉ-SOCRÁTICOS, 1985) tentaram explicar a origem das coisas, buscando responder à dúvida sobre por que as coisas existem em vez de simplesmente não haver nada. Para isso, criaram explicações das causas de tudo, como ser a água o motivo inicial (Tales de Mileto), ou o ar (Anaxímenes), ou o fogo (Heráclito). Os sofistas afirmavam que “o homem é a medida de todas as coisas”, como famosamente disse Protágoras de Abdera, um dos mais famosos sofistas. Tal frase – uma espécie de resumo da filosofia sofista – já demonstra que o diálogo sofista era mais concreto. Há, ao menos, duas formas – uma quase antagônica à outra – de interpretá-la, e ambas reforçam esse aspecto mais “pé no chão”. Em primeiro lugar, mostra a tentativa de se criar um conjunto de regras pessoais (daí o homem ser a medida) para a tomada de decisões, para fazer escolhas, para, enfim, viver.
Seguindo esse raciocínio, essas normas seriam baseadas em uma visão mais próxima do humano, sem a necessidade da descoberta de um âmbito superior ou secreto, algo que fosse alcançável apenas por procedimentos complicadíssimos. Era uma proposta mais acessível, portanto, e que, além do caráter mais democrático, poderia ser ensinada. Isto é, a verdade na qual estamos apoiados não seria algo distante e imóvel no tempo e no espaço, como sugere, por exemplo, o filósofo pré-socrático Parmênides, mas poderia ser entendida a partir de uma leitura pessoal, imanente, “humana”.
Em contrapartida, tal afirmação reforça um pensamento baseado apenas no homem de forma individual, no sujeito em si – um pensamento que cai facilmente em um relativismo rasteiro, sem qualquer fundamento ou parâmetro mais fixo, para que não se ficasse à mercê das variações de humor de quem quer que fosse.
Os valores perdem a pretensão de universalidade, a ambição de atingir o absoluto se torna infundada, e a própria noção de totalidade parece improvável. O homem é a medida de todas as coisas, mas que homem? Se não haveria algo “por trás” do homem para lhe garantir qualquer estabilidade mais perene, se as verdades seriam tão passageiras assim, restaria se tornar cada vez mais hábil em usar as palavras – e convencer os demais que você é o “homem” que é a medida de todas as coisas. Disso resulta o sucesso dos sofistas!
Tal pensamento mais humanista – e, portanto, mais fragilizado do ponto de vista da universalização e da estabilidade – não era uma exclusividade dos sofistas. Foi aproveitando essa pretensa liberdade de expressão que Sócrates, segundo os escritos deixados por Platão – visto que ele mesmo nunca escreveu nenhuma linha –, destacou-se: ele queria tentar criar parâmetros ideais que não dependessem apenas do homem.
SÓCRATES: O IGNORANTE MAIS SÁBIO DOS HOMENS
O fato que mais marcou sua vida: a declaração do oráculo do deus Apolo, localizado na famosa cidade de Delfos, bem no centro da Grécia, de que ele, Sócrates, seria o homem mais sábio de todos. Sócrates se perguntava por que exatamente ele – humilde filho de uma parteira com um escultor – seria o mais sábio entre todos. A única resposta que conseguiu encontrar foi o fato de ele ser o único entre todos a duvidar das próprias certezas.
Essa sua ignorância era o sinal de sua sabedoria, porque fazia com que ele, ao menos, soubesse de algo: de que nada sabia. Daí vem a famosa frase: “Só sei que nada sei” (que não foi dita exatamente assim, mas o sentido é esse mesmo). A partir desse momento, Sócrates entendeu que sua tarefa era revelar a seus concidadãos a ignorância de todos. Começava, assim, sua missão. O “mais sábio entre todos os homens” queria fazer com que as pessoas se conhecessem, se encontrassem, fugissem de pseudoverdades, não acreditassem em falsas ideias ou meras opiniões. O importante era se descobrir, mergulhar dentro de si, racionalmente, e perceber o que era a verdade.
O confronto entre a filosofia socrática e a retórica dos sofistas era uma constante. O diálogo platônico Górgias (famoso sofista) é um exemplo disso. Na obra, contada – ressalte-se – do ponto de vista socrático, há o choque entre a integridade moral, que seria uma característica dos filósofos, e a busca por poder político, imputações feitas aos sofistas. Sócrates acusa os sofistas de serem amorais, sem se importar com as necessidades de buscar o que seria o certo e evitar o errado, sem se interessar em distinguir o que é nobre do que é vergonhoso.
Os sofistas, por sua vez, dizem que a filosofia seria uma retórica inferior, um brinquedo lógico. Na melhor das hipóteses, um jeito de educar os jovens, jamais uma ferramenta decente para os adultos. Sócrates rebatia dizendo que a retórica, técnica oratória ensinada pelos sofistas, era, no máximo, um truque para agradar as pessoas, e que apenas a filosofia produzia uma verdadeira tékhnē que busca a bondade das almas. Seu objetivo seria, por fim, produzir bons cidadãos. O embate entre as duas escolas de pensamento no diálogo é tamanho que sobra para a democracia ateniense, vista ali como impossível de ser boa. Mas não para por aí! A política, continua o incansável Sócrates, deveria ser confundida com a filosofia e produzir bons cidadãos, que “conhecem a si mesmos”, como estava escrito no oráculo de Delfos e como o filósofo repetia sempre. Aqueles que não são comedidos, não são racionais, não se entendem, são incapazes de ter amizades e, assim, de viver em comunidade.
MÓDULO 2
A CONSTRUÇÃO DA CIDADE E SEUS HABITANTES A república.
O ponto de partida da criação da cidade perfeita é a defesa da especialização. Platão acreditava que especialistas em apenas uma habilidade ou um ofício são muito mais produtivos nos seus trabalhos que um não especialista ou alguém que atue em mais de uma frente. Em sua cidade bela, justa e verdadeira, é preciso garantir a maior produtividade dos indivíduos, sem desvio de atenção para coisas “supérfluas”, como a arte narrativa, teatral ou pictórica que mostra a história de confrontos raivosos, traições, vinganças, sentimentos que atrapalham a harmonia e o equilíbrio. Nesse caso, sobra para os poetas, rapsodos, atores, coristas, empresários e artífices, sobretudo os que produzem “adereços femininos” – em suma, toda essa laia artística. Estes, ele quer fora da cidade ideal.
Em vez deles, para povoar tal cidade, Platão sugere uma série de profissões mais “úteis” para o bem de todos e a felicidade geral. E a mais útil de todas, de acordo com o filósofo, é a do guardião, porque, além de proteger a cidade de ataques externos, é dessa classe que sai, também, o legislador, que poderá produzir as melhores leis do povoado. Platão não acredita que possa haver harmonia social sem que as pessoas verdadeiramente creiam em seu íntimo que essa é a ordem natural das coisas. Sem moldar as almas, diria Platão, não se constrói ou se muda uma sociedade.
A UNIDADE,O CONSERVADORISMO E O REI FILÓSOFO
Criticando Atenas por ser uma sociedade “democrática”, Platão propõe outra forma de organizar os agrupamentos populacionais. Em vez do poder de muitos (democracia), portanto, de gente pouco especializada – e que podia condenar inocentes, como no caso socrático –, ou de poucos e ricos (oligarquia); ou em vez de o poder ficar na mão de apenas uma única pessoa – e essa pessoa querer todo o poder para si (tirania); o poder deveria ser entregue para uma única pessoa, sim, mas alguém extremamente especializado. Segundo Platão, era necessária uma compreensão racional da eterna realidade da verdade, que poderia ser incentivada por uma educação especial em todas as ciências matemáticas. É nesse momento que aparece a mais famosa alegoria da história da filosofia, O Mito da Caverna.
POLÍTICO
Uma das principais sugestões da obra é a tecedura (ato de tecer algo): um estadista é aquele que consegue não apenas saber o momento apropriado (em grego, a palavra usada é kairós) de aplicar seus conhecimentos específicos, mas também aquele com a capacidade de entremear os diferentes elementos da sociedade para que ela se torne única.
 O raciocínio filosófico, explica que esse político-estadista modelo seria um personagem capaz de providenciar respostas infalíveis para todas as perguntas sobre a legislação dessa sociedade. Mas ele seria ainda mais sábio que qualquer conjunto de leis, adaptando-se para as questões cotidianas, que não podem ser previstas pelas letras frias.Platão sugere que esse político ideal possa até mesmo ignorar as leis principalmente porque se mostram pouco flexíveis, o que seria um problema insolúvel em um mundo feito mais de fatos aleatórios que de qualquer previsão. Se houvesse alguém capaz de abarcar tamanho conhecimento exigido sobre como governar uma nação, seria um desperdício deixá-lo à mercê de qualquer constituição. Na ausência de um político ideal como esse, Platão sugere que fiquemos mesmo com a legislação, de maneira a conservar o ensinamento deixado no passado, uma vez que as leis são “imitações da verdade executadas o mais perfeitamente possível sob a inspiração daqueles que sabem” (PLATÃO, 1930).
MÓDULO 3
Aristóteles
A ÉTICA DA FELICIDADE E DA FILOSOFIA
Em Ética à Nicômaco ele aborda em sua completude a “filosofia sobre os assuntos humanos” (ARISTÓTELES, 2017). O que é certo é o tema da obra: mais do que tratar de deveres e obrigações, a ética aristotélica quer fazer com que nós encontremos nada mais, nada menos, que a felicidade. Em grego, a palavra é eudaimonia (que traduzimos por felicidade) e quer dizer algo como “ter um bom daimon”.
A felicidade, para Aristóteles, não tem nada de sobrenatural nem de banal. Ele tenta construir uma argumentação e uma profunda reflexão para tentar escapar das pegadinhas de confundir felicidade com sentimentos mais imaturos ou com prazeres momentâneos, ou, simplesmente, com a mera satisfação de um desejo. Felicidade, para ele, é algo que demonstra a excelência específica humana, sua virtude (areté, em grego).
De acordo com Aristóteles, para ser feliz – esse tipo de felicidade virtuosa –, é necessário viver bem como um ser humano. E, como sempre estamos dentro de algum tipo de comunidade, vivendo gregariamente, o bem viver tem sempre relação com a organização desse agrupamento de pessoas, o que reforça o argumento de que ética e política são duas partes da mesma preocupação.
Mas, para Aristóteles, virtude não é um termo vinculado a uma aleatoriedade, algo com o que nascemos, bastando sermos sortudos. É um traço de nossa personalidade, um meio pelo qual conseguimos atingir algo, no sentido que ficou preservado na expressão “em virtude de”. Pode-se dizer que somos felizes em virtude de sabermos utilizar, ao máximo possível, as potencialidades que são características nossas. Ou seja, seremos felizes se conseguirmos alcançar o que é o “bem” humano. Esse seria o objetivo de toda vida humana – e, se não houvesse esse objetivo, a vida seria vazia e sem sentido. Todavia, dizer que ser feliz é explorar ao máximo nossas virtudes ou alcançar o que é o bem humano não explica muito a questão.
PARA COMEÇAR, O QUE SERIA O BEM HUMANO?
A começar, ele explica que, muitas vezes, o “bem” é um problema social: é determinado pela comunidade em que você está inserido. O que é bom para um grupo pode ser visto como ruim para outro, e vice-versa. Esse, inclusive, é mais um argumento para a interconexão entre ética e política, mas ainda não soluciona nossa questão. Para ajudar a explicar o que seria esse bem, que, por sua vez, seria a finalidade da vida, ele repara em quais virtudes o bem é associado e percebe que são as pessoas corajosas, generosas e justas aquelas chamadas de boas. Contudo, ficamos ainda na dúvida sobre o que é exatamente o bem. O que dá para suspeitar é que haveria uma associação virtuosa entre algo bem vivido (ou feito) e a finalidade da vida. “Na medicina, é a saúde; na estratégia, a vitória; na arquitetura, uma casa”, escreve Aristóteles.
Aristóteles (2017) sugere, então, que haveria três tipos de vidas que poderiam ser consideradas bem vividas: uma vida de prazeres, uma vida política e uma vida devotada à contemplação e ao estudo filosófico. Após tratar de justiça, amizade e outros temas, ele descarta uma vida só de prazeres (ao menos alguns deles), considerando que deveríamos nos preocupar com assuntos mais “importantes”, segundo seu ponto de vista (ARISTÓTELES, 2017).
É só um pouco antes de terminar a obra que Aristóteles conclui que a razão é a “a melhor coisa que existe em nós” e, portanto, nada mais justo que considerá-la o caminho para saber o “fim” do homem, o que traria mais felicidade a ele. Além disso, a razão é completamente autossuficiente, não depende de nada nem de ninguém, é pura, não poder ser contaminada e tem uma durabilidade razoavelmente independente de fatores externos: com a devida tranquilidade, pode se entreter com os próprios pensamentos em muitos lugares e muitas situações (ARISTÓTELES, 2017). O objetivo último da vida humana, portanto, seria a felicidade, que é a atividade intelectual porque a “sabedoria filosófica é reconhecidamente a mais aprazível das atividades virtuosas”.
AS DIFERENTES CONSTITUIÇÕES
Assim como Platão, Aristóteles também era contrário à democracia, ao menos da maneira como era feita por Atenas. A democracia era o mau governo da maioria, que beneficiaria apenas alguns, em vez de focar em todos os cidadãos, em um bem comum. Na obra, Aristóteles mostra como o homem é um animal político. Ele tenta propor a melhor maneira de organização social possível, indaga a respeito de quem poderia governar sobre os outros e sobre que bases se apoiaria. Aristóteles faz, em geral, uma defesa de uma constituição (Politeia) – ou seja, certa organização dos habitantes de um Estado – que beneficie o bem comum, em vez de priorizar apenas algumas pessoas, como os próprios governantes. Para tanto, o filósofo lista seis possibilidades de governo:
Monarquia e tirania – o governo de apenas um.  
Aristocracia e oligarquia – o governo de poucos.
Politeia (Constituição) e democracia – o governo de muitos.
Vejamos a diferença entre os termos: apenas os primeiros (monarquia, aristocracia e politeia constitucional) teriam essa preocupação com o bem comum, que Aristóteles menciona como a mais importante característica de uma constituição. Os segundos termos (tirania, oligarquia e democracia) mostram as degenerações, como boas ideias podem sempre descarrilar para priorizar uma, poucas ou, no máximo, algumas pessoas.
Tema 02 História da Filosofia Medieval
INTRODUÇÃO
Estamos iniciando um percurso que nos levará aos elementos fundamentais da história da Filosofia medieval. Primeiro, entenderemos esse conceito, que consistiu em um diálogo entre a fé religiosa e a razão grega. Em seguida, veremos suas etapas e seus principais expoentes:
Patrística: Concepção mais estritamente teológica da moral, do direito e da política (a da patrística em geral e de Agostinho em particular) – baseada no platonismo e na Bíblia,em que “Deus” era o centro das reflexões. Santo Agostinho de Hipona (354 d.C.-430 d.C.). Por “patrística” entende-se o período do pensamento teológico e filosófico dos “padres da Igreja” (séculos II a VIII). 
Escolástica: Concepção mais estritamente filosófico-metafísica (a da escolástica em geral e de Tomás em particular) – baseada no aristotelismo e na Bíblia, em que a “essência” ou “razão” das coisas passou a ocupar um lugar decisivo. Santo Tomás de Aquino (1225-1274).
Nominalismo e a escolástica ibérica: Concepção jurídico-científica (no sentido moderno) – baseada na investigação da razão empírica, à parte da teologia e da metafísica das essências. No estágio final, de transição para a Filosofia moderna – com o nominalismo, de Guilherme de Ockham (1285-1349), e a escolástica ibérica, de Francisco de Vitória (1483-1546), em Salamanca, e Francisco Suárez (1548-1617), em Coimbra –, a razão filosófica foi se tornando cada vez mais independente da revelação bíblica.
CONCEITO DE FILOSOFIA MEDIEVAL
Entre os intelectuais cristãos, a Filosofia nunca constituiu uma ciência ou investigação independente da teologia. Para os gregos, a “Filosofia” significava — etimologicamente — “o amor à sabedoria”. Para os cristãos, a “verdadeira Filosofia” era o Evangelho de Cristo, que, na fé cristã, é a própria Sabedoria em pessoa. Assim, para os teólogos católicos, a Filosofia era um instrumental capaz de auxiliar a razão iluminada pela fé a conceituar os mistérios revelados.
Gilson (2020), importante filósofo contemporâneo e historiador da Filosofia medieval, perguntou-se se havia sentido em falar de uma “Filosofia cristã”. Ele considerou que é possível abstrair do todo da investigação teológica um conjunto de reflexões filosóficas originais em relação àquelas de origem grega.
São exemplos desses temas:
O FATO DE O MUNDO TER UM INÍCIO: O que deixou sua marca na própria Ciência moderna.
A VALORIZAÇÃO DO MUNDO VISÍVEL, DA MATÉRIA E DO CORPO: Uma vez que estes foram criados por Deus.
A SUPERVALORIZAÇÃO DO SER HUMANO: Pois é revelado como “pessoa”, “imagem” de Deus, dotado de alma espiritual e chamado a uma vocação transcendente.
A VALORIZAÇÃO DA MULHER, DA INFÂNCIA, DOS QUE SOFREM, DOS QUE PADECEM DE ESCRAVIDÃO: Porque que também são “pessoas” pelas quais Cristo morreu.
A VALORIZAÇÃO DO TEMPO E DA HISTÓRIA: Visto que nela Deus intervém.
O INCREMENTO DA NOÇÃO DE “MEMÓRIA”: Posto que Deus está presente em seu fundo.
O INCREMENTO DA INVESTIGAÇÃO SOBRE O PROBLEMA DO “MAL”: Auxiliada pela noção bíblica de uma criação essencialmente “boa” e do “pecado”
O INCREMENTO DAS NOÇÕES DE “LEI” E DE “CONSCIÊNCIA”: A voz de Deus manifesta-se à consciência e aí dita seus juízos, audíveis ao homem reto.
MÓDULO 1: AGOSTINHO
A CIDADE DE DEUS E A JUSTIÇA
Em A Cidade de Deus, Agostinho (2006) defende que uma sociedade se forma a partir do amor de vários indivíduos pelo mesmo objeto. Ele exemplifica com os espetáculos: os espectadores ignoram-se mutuamente, mas, ao admirarem a performance do ator, também passam a nutrir simpatia uns pelos outros.  “Cidade” é o conjunto de homens unidos pelo amor comum a certo objeto. E haveria fundamentalmente duas cidades:
A Cidade de Deus - Unida pelo amor divino e que dirige sua existência temporal à glória de Deus.
A Cidade dos homens - Unida pelo amor às coisas temporais, de costas para Deus.
É por isso que Agostinho preocupou-se com a arte de governar, pois, para ele, a política deve contemplar o homem em sua plenitude constituída de corpo e de alma. Portanto, não haverá política verdadeira se esta não estiver ligada a Deus. Nesse contexto, dirigia-se aos que pretendiam governar a “Cidade dos homens” para que não se esquecessem desse princípio e, assim, fizessem da cidade terrena uma antecipação da “Cidade de Deus”: a Pátria Celestial. Se os que governam não pensarem na política como uma arte e que esta não pode ser pensada sem a presença de Deus, não haverá concórdia na cidade terrena. Assim, as virtudes não serão praticadas e os vícios reinarão.
Embora a Igreja Católica seja a realidade que encaminha a vida dos homens à Cidade de Deus definitiva, a divisão entre esta e a Cidade dos homens não corresponde exatamente à divisão entre Igreja e mundo, porque há quem esteja na Igreja com o corpo, mas com o coração no mundo; e há quem esteja no mundo, mas ingressará na Igreja e na Cidade divina. O conjunto dos homens que vivem em uma cidade é chamado de “povo” por Agostinho.
Há um fim comum a toda sociedade, seja qual for, e este fim é, segundo Agostinho, a “paz”. A paz que as sociedades desejam é pura tranquilidade de fato, mas a paz verdadeira é a que satisfaz plenamente as vontades de todos tão bem que, ao ser obtida, nada mais se deseja. Afinal, “uma coisa não é a ventura da cidade e outra a do homem, pois toda cidade não passa de homens que vivem unidos” (AGOSTINHO, 2006).
A condição fundamental para que a paz seja permanente é a ordem. Para que um conjunto de partes concorde na busca de um mesmo fim, é preciso que cada qual esteja em seu lugar e desempenhe sua própria função corretamente. Assim:
A paz do corpo é o equilíbrio bem ordenado dos apetites ou das paixões.
A paz da alma racional é o acordo entre o conhecimento e a vontade.
A paz doméstica é a concórdia dos moradores da mesma habitação quanto ao comando e à obediência.
A paz da cidade é a concórdia da família estendida a todos os cidadãos.
A paz da cidade cristã é uma sociedade ordenada de homens que amam a Deus e se amam mutuamente em Deus.
A paz, em tudo, é a tranquilidade da ordem, o bem soberano
Obviamente, Agostinho considera a paz da Cidade dos homens uma paz aparente, uma desordem. Por essa razão, ainda que seus ensinamentos expressem a transitoriedade da cidade terrena e a definitiva paz na cidade celestial, ele chamava atenção daqueles que não praticavam as virtudes. Assim, promoviam os vícios que desqualificam os sentidos da política terrena.
A justiça é a virtude que realiza a ordem, que dá a cada um o que é devido: subordina o inferior ao superior, mantém a igualdade entre coisas iguais e dá a cada um o que lhe pertence. A justiça deriva da lei eterna, que nos ordena conservar a ordem e impedir que ela seja perturbada. Essa lei imutável ilumina nossa consciência moral como a luz do Mestre interior — que é Cristo, “o Verbo que ilumina todo homem” — ilumina nossa inteligência.
MÓDULO 2
Santo Tomás de Aquino é o maior expoente do período escolástico da teologia e Filosofia católica, cujo nome deriva das “escolas” monásticas ou catedralícias, nas quais eram ensinadas a teologia e as “artes liberais”:
Trivium: Artes da linguagem (gramática, retórica e lógica).
Quadrivium: Artes das relações numéricas (aritmética, geometria, astronomia, música).
O “método” da escolástica madura era a disputatio, que consistia em um embate dialético de opiniões contrárias e favoráveis a determinada tese. As “sumas” buscavam compendiar todo o saber teológico e filosófico, reunindo as teses dos padres da Igreja e dos filósofos, confrontando-as entre si e com a Bíblia, e buscando a melhor solução para os problemas filosóficos e teológicos.
ÉTICA DA LEI NATURAL E DAS VIRTUDES
Assim como para Agostinho, para Aquino (2011), a lei eterna de Deus é participada à mente humana como “lei natural”, e o papel de tal lei — como de todas — é orientar o homem à sua finalidade e felicidade, que é Deus. Como conteúdo, essa lei é um hábito — que Tomás também chama de “sindérese” — dos princípios da vida moral. Vejamos o primeiro desses princípios: “O bem é o que todos desejam”. Dele deriva o primeiro preceito da lei natural: “O bem deve ser feito, e o mal, evitado”. A razão prática apreende como bem as coisas para as quais o homem tem uma inclinação natural: seguir vivendo, propagar a espécie e educar os filhos, buscar a verdade e viver em sociedade.
A virtude é definida por Aquino (2011) como “uma boa qualidade da mente pela que se vive retamente, da qual ninguém usa mal, produzida por Deus em nós sem intervenção nossa”. Em sentido lato, “virtudes” são aquelas humanas,que se destinam aos fins da razão humana e que podem ser obtidas pela reiteração dos atos. Contudo, para Santo Tomás de Aquino a virtude em sentido próprio é a “infusa”, inseparável da virtude teologal da caridade, com a qual Deus incrementa as virtudes humanas ou cardeais — prudência, justiça, fortaleza e temperança — para o cumprimento do fim último e sobrenatural da vida humana, que é o próprio Deus.
Vejamos um pouco sobre cada virtude cardeal, pois esse é um conhecimento filosófico de grande densidade existencial:
Prudência
Esta é a virtude pela qual o homem aplica os princípios da sindérese (hábito) ou lei natural à situação concreta. Por ela, conhecendo a verdade dos princípios e da situação, o homem atua com justiça. O querer e o agir devem ser conformes à verdade. A unidade viva de sindérese e prudência é o que chamamos de “consciência”. A prudência é cognoscitiva e imperativa: apreende a realidade para, depois, ordenar o querer e o agir. O essencial na prudência é que o saber da realidade se transforma em império prudente, e este, em ação boa. Sem a vontade do bem em geral, o esforço por descobrir o prudente e o bom aqui e agora seria ilusório e vão.
Justiça
Esta é a constante e perpétua vontade de dar a cada um o seu direito. A matéria da justiça é a operação exterior, é proporcionada à outra persona, à qual estamos ordenados pela justiça. A justiça legal é a mais preclara (notável) entre todas as virtudes morais, na medida em que o bem comum é preeminente sobre o bem singular de uma pessoa considerada individualmente. A justiça particular também sobressai entre as outras virtudes morais por duas razões: a primeira se toma pelo sujeito, porque se acha na parte mais nobre da alma, na vontade; a segunda razão deriva de parte do objeto, porque o justo comporta-se bem a respeito de outro, e, assim, a justiça é, de certo modo, um bem de outro.
Fortaleza
Sua essência não é se expor a qualquer risco, mas entregar-se, de maneira razoável, ao verdadeiro valor do real. A autêntica fortaleza supõe uma valoração justa das coisas, tanto das que se arrisca como das que se espera proteger ou ganhar. O bem do homem é a realização de si conforme a razão, e o bem da razão vem da prudência. A justiça quer realizar esse bem. A fortaleza e a temperança o conservam (com primazia da fortaleza). Ser forte não é o mesmo que não ter medo: a fortaleza supõe o medo do homem ao mal, e sua essência é não deixar que o medo a force ao mal ou a impeça de realizar o bem. O mais próprio da fortaleza é a resistência e a paciência, e não o ataque, pois o mundo real é de tal forma, que só o caso de extrema gravidade exige a mais profunda força anímica do homem.
Temperança
O sentido da temperança é realizar a ordem no interior do homem, com absoluta ausência de egoísmo. Dela brota a tranquilidade do espírito. A tendência natural ao prazer sensível que se obtém na comida, na bebida e no deleite sexual manifesta as forças naturais mais potentes que atuam na conservação do homem. Essas energias vitais, que se puseram no ser humano para conservar no indivíduo e na espécie a natureza, dão as três formas originais do prazer e destroem a ordem interior quando se desordenam. Disso resulta que as funções mais específicas da temperança sejam a abstinência e a castidade (ordenação do comer, do beber e da sexualidade segundo a razão). Quando a exigência natural do homem de vingar uma injustiça desemboca em desatada cólera, é destruído o que deveria ser edificado à base de mansidão e doçura. Inclusive a natural ânsia de conhecer pode degenerar, sem temperança, em ansiedade ou em mania patológica. Santo Tomás de Aquino chama essa depravação de “curiosidade” e a temperança que a modera, de “estudiosidade”. Castidade, sobriedade, humildade e mansidão, junto com a estudiosidade, são formas da temperança. Luxúria, desenfreio, soberba e uma cólera irracional, junto com a curiosidade, são formas da destemperança.
POLÍTICA
Para Aquino (2011), o homem é um “animal sociável e político”: desprovido de instrumentos que lhe garantam automaticamente a sobrevivência, mas dotado de razão para buscar os meios da existência, ele não pode, sozinho, encontrar tudo que necessita. Portanto, a vida social lhe é natural. A política é a arte de dirigir a multidão à consecução do bem comum — e não meramente um jogo de luta pelo poder —, para a qual é imprescindível a presença de um governante que saiba harmonizar os interesses presentes na sociedade, subordinando-os aos interesses mais gerais. 
O fundamental no governo é a orientação da sociedade ao bem comum. Tomás de Aquino reconhece à sociedade o direito de destituir o governante instituído ou de lhe refrear o poder, caso abuse tiranicamente dele. O fim da sociedade humana é a vida virtuosa, mas o fim último do homem é a fruição divina. Assim, o fim último da multidão também é chegar à fruição divina. Disso resulta que os governantes humanos devam estar sujeitos à Igreja, que realiza a obra de Cristo de conduzir os homens à bem-aventurança eterna.
Trata-se não de confusão entre Estado e Igreja (teocracia), mas de uma distinção sem separação, com uma subordinação do Estado, não nos assuntos eminentemente políticos, e sim naquilo que toca à salvação dos homens. É nesse contexto que Santo Tomás de Aquino apresenta as três condições exigidas para uma boa vida da multidão: A unidade da paz. O procedimento virtuoso dos cidadãos, isto é, a ação em conformidade com o bem moral que se expressa na lei natural. A abundância do necessário para o viver bem.
MÓDULO 3 O Nominalismo e a Escola Ibérica
GUILHERME DE OCKHAM
Com sua Filosofia “nominalista”, Guilherme (ou William) de Ockham iniciou o processo fideísta (Crença religiosa que não busca o diálogo com a Filosofia) e racionalista (Pensamento filosófico que não busca o diálogo com a teologia) que caracteriza a Modernidade, com suas separações entre fé e razão, graça e natureza, Igreja e Estado, as quais quebram a harmonia buscada por Agostinho e Tomás de Aquino.
NOMINALISMO METAFÍSICO-TEOLÓFICO E EPISTEMOLÓGICO
Aos poucos, a teologia e a Filosofia/ciência tornaram-se estranhas, “sem assunto”: a Revelação sobrenatural não seria mais o suplemento de uma busca natural pelo Criador, pela vida eterna e pelo bem, e não faria mais sentido falar de “preâmbulos da fé” — os pontos máximos da Filosofia metafísica ou “teologia natural”, que tangenciam os problemas da fé revelada. Essa separação foi a base sobre a qual apoiaram-se Lutero (1483-1546) e a Reforma Protestante, de sabor fideísta, e Descartes (1596-1650) e sua Filosofia, de sabor racionalista.
COMO, EXATAMENTE, OCKHAM IMPULSIONOU ESSE PROCESSO?
O fideísmo e o racionalismo são do mesmo gênero: dá para explicar um pelo outro e o outro pelo primeiro. Ockham coloca Deus tão acima da razão humana que a exclui de si mesma. De outra parte, ele minimiza de tal modo o poder metafísico da razão, que necessariamente não alcançará o que é propriamente espiritual e divino (que ficarão a cargo de uma fé desarrazoada). A Onipotência, e não mais a Inteligência ou o “Logos”, torna-se o atributo divino por excelência. Exatamente pelo fato de que o mundo não foi feito segundo uma Razão Eterna ou segundo Razões Eternas, nele, não existem essências (quididades) imutáveis e universais, mas apenas entes ou essências (coisas) singulares. Assim, o problema do conhecimento é conduzido à solução nominalista: os conceitos serão meros “nomes" ou “símbolos” que agregarão realidades similares, pois o “conceito universal” seria tão somente uma apreensão “confusa” de uma realidade única.
NOMINALISMO MORAL
No campo moral, desaparecendo o conceito de “essência” ou “natureza” universal (associado à criação segundo paradigmas eternos), também desapareceu o conceito de “lei natural” e surgiu uma “liberdade de indiferença”: o ato humano será moralmente bom ou mau na medida em que se conformar ou não à obrigação legal imposta por Deus (que poderia nos mandar odiá-lo, segundo Ockham). Na nova moral nominalista, não existia mais um “sentido” (a busca do bem) queenvolve toda a vida e todos os seus atos, mas atos individuais desconexos que poderiam ser perfeitamente realizados na direção contrária, se Deus “mudasse de ideia”. No campo religioso, as ideias de Ockham influenciaram diretamente a reforma luterana, o que excede nosso campo.
NOMINALISMO POLÍTICO
A autoridade papal é puramente espiritual e religiosa, ainda que também tenha algum poder temporal sobre determinados bens físicos ou materiais com vistas ao fim espiritual, e na medida em que é necessário para o cumprimento de sua missão de salvação. Porém esse poder temporal é de origem humana, e seu uso foi transferido ao papa pelo imperador. O imperador, por sua vez, recebeu o poder do povo romano e somente pode transmiti-lo dentro das limitações do mandato recebido. Portanto, Ockham não impugna a instituição divina do papado nem seu direito a reger os assuntos espirituais conforme a lei divino-positivo e o direito natural (como ele o entende), mas opõe-se vigorosamente às pretensões da Cúria (corte papal) de intervir nos assuntos temporais no imperium. Ele preconiza coordenação e cooperação de ambas as potestades.
ESCOLAS DE SALAMANCA E COIMBRA E O “DIREITO DAS GENTES”
Francisco de Vitória
Na sua elaboração das relações de poder e de radicação do poder civil do soberano, é visível a ruptura de Vitória com a escolástica medieval – que defendia a origem divina do poder civil e, por isso, postulava a supremacia papal em assuntos temporais –, estabelecendo que o poder civil do príncipe não tinha origem em Deus, mas através da eleição do Estado.
Não há lugar para o anarquismo, nem existe nada de definitivo sobre as formas concretas de organização política. Todos os povos podem escolher para si mesmos a forma de governo que consideram idônea. Toda república pode ser castigada pelo pecado do rei, segundo o princípio de solidariedade entre o governante e os governados, que são corresponsáveis pelas culpas do governante.
Vitória criou o direito das gentes (ius gentium), precursor de nosso Direito internacional, que justifica, sobre a base da solidariedade internacional dos povos — e não sobre o direito natural, como concebido classicamente por Agostinho e Tomás de Aquino —, uma espécie de fraternidade universal dos homens entre si.
Francisco Suárez
Francisco Suárez separaria a lei natural do conceito de “transgressão” ou “pecado”, e entenderia o direito das gentes como um mínimo de costumes internacionais comuns. Com isso, todo o arcabouço jurídico-político moderno já está montado para ser edificado.
Suárez distingue o direito “das gentes” do direito natural. Assim, o direito “das gentes” não manda nada que seja por si mesmo necessário para a retidão ou a conduta, nem proíbe nada que seja essencial e intrinsecamente mau. Tudo isso pertence ao direito natural. O direito “das gentes” não forma parte do direito natural tampouco distingue-se dele por ser um direito específico dos homens. O direito “das gentes” é simplesmente humano e positivo, e seus preceitos diferenciam-se dos preceitos do Direito civil pelo fato de não estarem formados por leis escritas e sim por costumes, não deste ou daquele Estado, mas de todas ou quase todas as nações.
Afinal, o direito humano é de duas classes: escrito e não escrito. O direito não escrito está formado por costumes, e, se foi estabelecido pelos costumes de um só povo e a ele só obriga, segue sendo Direito civil. Se, pelo contrário, foi estabelecido pelos costumes de todos os povos e se a todos obriga, esse é o direito “das gentes” propriamente dito, segundo Suárez. Com isso, o Direito internacional identifica-se com os costumes universais positivos e compreende apenas o mínimo comum de práticas extremamente indispensáveis para a manutenção de uma comunidade internacional pacificada. Estamos, aqui, longe da necessidade (moral) de uma adequação universal aos costumes ideais e conformes com a lei natural, que uma sociedade objetivamente mais justa poderia ter alcançado e desejaria difundir (sem violência). Portanto, estamos na origem de certo relativismo ético político, já que o indispensável são apenas os costumes universais de fato, e não aqueles do direito natural
Tema 03 História da Filosofia Moderna
MÓDULO 01 O Humanismo
CONTEXTO HISTÓRICO
No que diz respeito à Filosofia, suas principais contribuições para a tradição foram as reflexões sobre as noções de indivíduo e de governo a partir de certa ideia de humanismo herdada da Antiguidade Clássica. Essa herança permitia pensar as questões de maneira cada vez mais descolada dos valores e das visões de um mundo teocêntrico, sem que isso implicasse as especificidades da era moderna. No caso, analisaremos a novidade desse período a partir dos conceitos de três autores: Michel de Montaigne (1533-1592), Étienne de La Boétie (1530-1563) e Nicolau Maquiavel (1469-1527). Discutiremos sobre a nova noção de indivíduo a partir da obra de Montaigne, falaremos sobre o problema da servidão voluntária a partir de Étienne de La Boétie e terminaremos com as reflexões de Maquiavel sobre o Estado.
MICHEL DE MONTAIGNE
Seus ensaios costumam ser textos que misturam anedotas autobiográficas, citações de autores da Antiguidade Clássica e reflexões aguçadas sobre os mais variados temas, dos mais clássicos (como ensaios sobre a natureza do conhecimento ou sobre a amizade) aos mais mundanos (sobre o sono ou sobre estar bêbado). Apesar dessa variedade – ou justamente por ela –, a Filosofia elaborada por Montaigne acabou atravessando toda a sua obra. Ela pode ser resumida, nas palavras do próprio autor: “Não busco apreender o ser, mas sim sua passagem”
Seu pensamento era, portanto, uma tentativa de analisar a experiência sem se ater a qualquer ideia ou doutrina prévia, de modo que é possível tomar Montaigne como um herdeiro do ceticismo da Antiguidade Grega. É essa sensibilidade com as transformações do indivíduo, mas que não deixa de olhar atentamente para o mundo ao redor (como em seus comentários sobre um contato com indígenas no ensaio Os canibais, que nos permite situar Montaigne como um dos pensadores mais fundamentais desse momento. Seu pensamento pode ser compreendido, portanto, a partir de dois pontos centrais: seu ceticismo e seu ensaísmo literário.
O ceticismo é uma das tradições mais antigas da Filosofia e tem como princípio certa desconfiança sobre nossa experiência da realidade, o que forçaria o filósofo a suspender o que pensa sobre suas experiências. A radicalidade dessa posição pode ser vista em um de seus pais fundadores: Pirro de Élis (360 a.C.- 270 a.C.). Montaigne herdou de Pirro e dos céticos a desconfiança do que sentimos. O que Montaigne fez com essa suspensão foi tomar o mundo como espaço de constante reavaliação, uma vez que, diante da impossibilidade de ter certeza sobre o que vemos e o que experimentamos, restaria à Filosofia tomar como compromisso não se prender a nenhuma posição e sempre estar aberta às transformações, em nós e no mundo, que demandam mudar de posição.
Foi a partir desse compromisso filosófico que seu estilo se tornou uma questão. Diante da impossibilidade de determinar absolutamente suas reflexões, ao autor só restaria ensaiar posições, sem se preocupar se essa posição seria superada ou não. Diante das questões postas por seu ceticismo, Montaigne tornou tudo no mundo objeto de avaliação e reflexão, permitindo que comentasse seu cálculo renal e a história romana sem que um tópico fosse de antemão superior ao outro. Em Montaigne, vemos, portanto, uma ideia de humano que acaba concentrando boa parte do que foi pensado no contexto renascentista.
ÉTIENNE DE LA BOÉTIE
Se na obra de Montaigne encontramos certa imagem de indivíduo que carregamos até os dias atuais, em Étienne de La Boétie, seu amigo, vemos a formulação de um dos maiores enigmas da vida política: o problema da servidão voluntária. Apesar de um tratamento curto, o problema apresentado não deixa de ser um dos mais relevantes não apenas no contexto político do Renascimento, em que disputas políticas se acirraram no contexto de crise cada vez maiordo feudalismo, mas também diante do novo individualismo que surgia nas Filosofias humanistas do Renascimento, como nas de Montaigne.
O problema da política aparece a partir de uma questão que é até bem simples de formular: La Boétie (2020) tenta entender a relação de subordinação entre um soberano e seus súditos em um contexto de ditadura, sobretudo quando se considera que o ditador é apenas um, e o povo é numericamente superior. O que se esperaria, ao menos em termos lógicos, é que, se um ditador está no poder e age para prejudicar o povo, esse povo se apoiaria em sua superioridade numérica para retirá-lo do poder. O que parece acontecer – e é esta a questão que La Boétie põe – é que o ditador só pode se manter no poder, nessas condições, caso o próprio povo abdique de seu poder e de sua liberdade.
Para o filósofo, o poder que possibilita a ditadura estaria na maneira como o ditador maneja sua imagem, iludindo seus súditos sobre o que está em jogo, sobre seus interesses, e tentando, também, afetar seus súditos de modo afetivo. Não se trataria, porém, de um poder real, visto que ele funcionaria apenas enquanto a ilusão se mantivesse. E porque esse poder é fundado ilusoriamente seria possível enxergar uma saída: bastaria deixar de servi-lo, tomando consciência da situação. Mas, claro, sabemos que isso não é fácil, que esse é justamente o problema, e que é difícil tomar consciência de algo quando se está imerso em uma ilusão. É com isso em mente que podemos enxergar que a formulação do problema da servidão voluntária só faz sentido a partir de um contexto do Humanismo renascentista. Afinal, se o que se está tentando defender é a liberdade inata ao indivíduo singular, então esse valor só pode ser preservado se estamos inseridos em uma cultura que celebra a dignidade da vida humana. Esse é um dos pilares do pensamento elaborado no Renascimento.
NICOLAU MAQUIAVEL
A principal característica das reflexões de Nicolau Maquiavel sobre o exercício do poder é a ruptura com a visão dos autores da Idade Média e do Renascimento de que haveria uma relação direta entre a bondade do governante e a legitimidade de seu poder. À recomendação de que os governantes deveriam se comportar conforme um padrão de bondade e de ética para manter um reinado longo e pacífico, Maquiavel responde que a bondade não assegura o poder ou a capacidade de ser obedecido. A única preocupação do governante é, nas palavras de Maquiavel, a manutenção do Estado. Há uma ambiguidade intencional nessa formulação, pois o objetivo de alguém que governa é manter o território político sob seu domínio e manter sua própria situação de governante.
O que a experiência havia ensinado a Maquiavel é que bondade e retidão não são suficientes para manter o poder político. Pelo contrário, é o uso adequado do poder que fará com que os indivíduos obedeçam e com que o governante mantenha seu Estado. Maquiavel defendia que o fundamento da autoridade de um governante é a própria posse do poder, isto é, a autoridade de um governante não está separada do poder de impor essa autoridade. Em um sistema político bem ordenado, o poder se impõe por meio da legislação e do exército, mas Maquiavel identificava uma prioridade do segundo sobre o primeiro. Em suas palavras, não podia haver boas leis sem bons exércitos.
Considerando que a legitimidade das leis deriva da força coercitiva, a conclusão é que o afeto que um governante deve preferencialmente estimular em seus súditos é o medo, não o amor. Se um súdito acredita que não deveria obedecer a uma lei específica, aquilo que o forçaria a se submeter a essa lei seria o medo do poder do Estado ou o exercício efetivo deste poder. O súdito só se veria em condições de não obedecer em duas situações: se tivesse o poder de resistir ao Estado ou se estivesse disposto a aceitar as consequências da força coercitiva do Estado.
Vemos que o poder político não está separado do exercício efetivo deste poder. Maquiavel chamou de virtù as qualidades que um governante deve possuir para manter seu Estado. Não é muito adequado traduzir o termo italiano virtù por virtude, pois não são a bondade e a ética que garantem seu poder. Um governante dotado de virtù é, para Maquiavel, alguém que se caracteriza por uma “disposição flexível”, isto é, alguém que é capaz de modificar sua conduta do bem para o mal e novamente para o bem, conforme as circunstâncias exigirem.
Maquiavel também utiliza o termo virtù para descrever, em seu livro A arte da guerra, as estratégias de um general que se adapta às diferentes condições do campo de batalha. É como se a política fosse um campo de batalhas em outra escala. Assim como o general, o governante deve se valer de técnicas e estratégias adequadas para cada circunstância. Um governante dotado de virtù saberá exercer adequadamente o poder, ou seja, saberá subjugar a fortuna (Termo que designa, na obra O príncipe, os eventos que podem ameaçar a segurança do Estado).
MÓDULO 2 O Contratualismo
CONTEXTO HISTÓRICO
A Era Moderna é geralmente caracterizada pela primazia da razão e pelo desenvolvimento das Ciências Naturais. Seu início remonta à elaboração da Filosofia de René Descartes (1596-1650) no início do século XVII – momento em que a razão humana se consolidou como principal ferramenta para compreender o mundo: não foram os valores e as ideias dos cristãos que articularam as filosofias que predominaram nesse momento. É nesse contexto que uma série de questões de ordem política surge, exigindo que se pense tanto na natureza dessa nova figura do campo político – os Estados-nações modernos – quanto na origem de sua legitimação como instância de ação política. Esse aspecto, que geralmente é designado como a questão do contrato social, será o fio central deste módulo. Investigaremos, aqui, três pensadores-chave desse momento que tocam nesses problemas: Thomas Hobbes (1588-1679), John Locke (1632-1704) e Baruch de Espinosa (1632-1677).
THOMAS HOBBES
A Filosofia política de Thomas Hobbes foi marcada por um esforço de elaboração de uma estrutura estatal capaz de pôr fim às guerras religiosas que se estenderam durante o século XVI e a primeira metade do século XVII no continente europeu. O historiador alemão Koselleck (1999) afirma que todos os teólogos, filósofos da moral e juristas que antecederam Hobbes falharam nas soluções que propunham para o impasse que a Europa vivia, porque suas doutrinas apoiavam os direitos de determinada parte e, assim, incitavam ainda mais a guerra civil em vez de elaborar um ordenamento que estivesse acima das partes.
A teoria do contrato social é um método de análise do arranjo político que ocorre por meio do acordo entre partes racionais, livres e iguais entre si. Mas a astúcia de seu sistema suprarreligioso e suprapartidário, apresentado no livro Leviatã (1651), é que seu resultado – o Estado – está contido nas premissas da guerra civil. O motivo da guerra era, para Hobbes, o desejo incessante pelo poder, ao qual só a morte põe fim. A causa da guerra civil era a invocação das consciências sem um amparo externo, era a inexistência de um ordenamento que pudesse tomar os partidos como elementos de uma unidade.
Para Hobbes, a paz só seria assegurada se, na formação do Estado, essa moral se convertesse em dever de obediência. Note que o problema hobbesiano envolve a passagem do âmbito da convicção, a que Hobbes havia reduzido todos os conteúdos religiosos, para o âmbito do Estado, em que as convicções privadas são destituídas de sua repercussão política. O próprio estado de natureza, que é o reino da convicção, é definido pela ausência do Estado. À medida que os indivíduos transferem sua agência política ao soberano, a consciência individual se transforma em moral privada.
No arranjo hobbesiano, a racionalidade está associada à obediência das leis, independentemente de seu conteúdo. Em outros termos, o arranjo racional, que seria capaz de pôr fim às guerras religiosas, exigia a submissão total ao monarca. A obediência às leis soberanas só era possível se o súdito fosse capaz de separar convicçãoe ação, moral e política. Koselleck (1999) afirma que Hobbes divide o homem em duas partes: uma privada e outra pública. Os atos são submetidos à lei do Estado, mas a convicção é livre. E é justamente à ampliação desse foro interior da convicção que, como veremos, está associado o Iluminismo.
Embora Hobbes insista que o monarca deve possuir autoridade absoluta, os súditos possuem a liberdade de desobedecer ou resistir quando suas vidas estão em perigo. Isto é, os súditos mantêm o direito à autodefesa diante do poder soberano. A explicação é que se o monarca falhar em prover proteção adequada a seus súditos, extingue-se, também, o dever dos indivíduos de obedecer. Essa exceção mencionada por Hobbes mostra, por um lado, que obediência e proteção são elementos inseparáveis na formação do Estado, e, por outro, que se os súditos mantêm a capacidade de avaliar a adequação da proteção oferecida pelo monarca, o medo que caracteriza o estado de natureza não é inteiramente eliminado.
JOHN LOCKE
Ao delegar sua agência política ao soberano, os súditos ficam reduzidos à instância moral privada. Esse é o único espaço no interior do contrato social em que o Estado não legisla, em que os indivíduos gozam de certa autonomia. John Locke fornece certa consistência a esse espaço da moral ao escrever, em seu Ensaio sobre o entendimento humano, publicado em 1670, sobre os três tipos de leis que devem orientar a vida dos cidadãos:
Lei divina
Aquela que regulamenta o que é pecado e o que é dever, e da qual só se pode ter conhecimento por meio da natureza ou da revelação.
Lei civil
Aquela que regula o crime e a inocência, elaborada pelo Estado para proteger o cidadão.
Lei moral
Aquela que é a medida dos vícios e das virtudes.
Locke associa a origem das leis morais ao foro interior da consciência humana, que estava excluído do domínio do Estado. Como vimos, os súditos abdicam de sua agência política em favor do soberano, o que significa que sua ação em relação aos demais cidadãos está limitada pelas leis civis, mas isso não impede que mantenham a capacidade de formar uma opinião a respeito daqueles com quem convivem. Afirma que os indivíduos não têm poder executivo, mas conservam o poder espiritual do juízo moral, e suas opiniões sobre os vícios e as virtudes não se restringem a opiniões privadas. Os juízos morais têm caráter de lei.
Enquanto as leis do Estado se impõem por meio da coerção, os cidadãos só se submetem às leis da moral civil com base em um consentimento secreto e tácito. Entretanto, com Locke, a moral deixa de ser algo que se restringe ao foro individual. O portador da moral não é o indivíduo, mas a sociedade. Os indivíduos formam juntos uma sociedade que desenvolve suas próprias leis morais – leis que se situam ao lado das leis divinas e do Estado. Diferentemente de Hobbes, portanto, a moral entra, com Locke, no espaço público, e as opiniões privadas dos cidadãos são elevadas à condição de lei por meio do elogio e da censura. Essa é a razão pela qual Locke também chama a lei da opinião pública de lei da censura privada. A ideia é que o espaço público emana do privado. É na certeza que o foro privado tem de si que está sua capacidade de se tornar público, e é somente no espaço público que as opiniões privadas se manifestam como lei.
Para Locke (2012), a moral não é a moral hobbesiana de obediência ao soberano, mas a fonte de uma legislação que rivaliza com as leis do Estado. Enquanto a legislação do Estado se realiza diretamente pelo poder político, a lei moral tem ação indireta por meio da opinião pública. Embora não detenha os meios estatais de coerção, a lei da opinião se impõe a partir do elogio e da censura. A eficiência da lei moral está no seu alcance: ninguém pode escapar ao juízo moral. Essa característica faz dela um poder político que age de modo indireto, mas, quando considerada diretamente, permanece politicamente invisível. É mero juízo. 
BARUCH DE ESPINOSA
Entre os principais interlocutores de Hobbes na modernidade, encontramos o filósofo holandês Baruch de Espinosa. Sua Filosofia tem como principal motor tentar fornecer uma ideia de vida boa que seja construída a partir de uma investigação racional do que é o ser humano, sem qualquer apoio em valores externos, como os religiosos, por exemplo.
Em sua obra Ética, Espinosa deteve-se, sobretudo, no caráter afetivo e racional dos seres humanos. Para ele, a vida afetiva significa que os desejos dos seres humanos são sua essência (ESPINOSA, 2009). Isso quer dizer que a singularidade de um indivíduo qualquer está atrelada não ao que ele quer de maneira abstrata, mas ao que ele quer na medida em que se engajar nesse movimento. E o que os indivíduos querem, em última instância, é perseverar em seu ser (o que Espinosa chama de conatus dos seres), independentemente do que seja esse perseverar. Além disso, esse “perseverar” tem de lidar com objetos no mundo que dificultam ou impedem a realização desse desejo.
É nesse ponto que Espinosa fornece sua teoria dos afetos. Para ele, os seres humanos são, ao mesmo tempo, seres que procuram realizar seus desejos (suas finalidades), mas também são seres inicialmente ignorantes das causas que os movem. Isso significa que os indivíduos conseguem entender o que querem, mas não conseguem saber por que querem.
Essa estrutura não apenas aponta uma dificuldade de se situar no mundo, mas também deixa claro como os afetos (alegria, tristeza, esperança, medo etc.) são os modos que os homens têm para se orientar inicialmente. Os afetos não nos ajudam a entender os objetos com que nos deparamos no mundo, mas apenas seu efeito em nós – se contribuem com nosso desejo ou não. Esse seria o jeito mais simples de navegação no mundo para os humanos, de acordo com o filósofo.
Mas isso não é tudo, pois, para Espinosa, a partir de certos encontros positivos com algo que faz bem a nós mesmos, é possível desenvolver um pensamento racional sobre as coisas, isto é, experimentá-las para além de seus efeitos em nós. Podemos compreender as coisas a partir de como elas combinam conosco. O pensamento racional seria, portanto, não algo que se opõe aos afetos, mas algo que emerge e é elaborado a partir das coisas que afetam positivamente o humano. Isso tem efeitos importantes para a Filosofia política de Espinosa e em sua visão sobre a sociedade em geral.
Espinosa parte de pontos bem semelhantes aos de Hobbes para pensar no contrato social. Ele também pensa que, sem qualquer intervenção externa, os seres humanos inevitavelmente entram em disputas intermináveis, uma vez que cada um simplesmente buscaria realizar seus desejos. Também como Hobbes, ele acredita que algum tipo de autoridade política externa é necessário para frear certos impulsos e produzir alguma estabilidade política.
Diferentemente de Hobbes, porém, Espinosa não considera que os governos autoritários apresentem apenas uma forma absolutista. O autoritarismo em Espinosa significa, antes, uma estrutura que ocorre em uma escala de outra ordem que a dos humanos – uma força de outra grandeza. Isso implica, portanto, reposicionar a maneira como se enxerga o surgimento do Estado. Isso é compreensível se retomamos as ideias de Espinosa sobre o humano. Como vimos, o humano é compreendido a partir de seus afetos e de sua razão. Por um lado, ele procura realizar seu desejo de perseverar em si mesmo. Por outro, ele se depara com coisas capazes de auxiliá-lo ou configurar obstáculos.
É nesse ponto que vemos, respectivamente, a aproximação e o afastamento de Espinosa do pensamento hobbesiano. Por um lado, sendo semelhantes, é inevitável que os seres humanos acabem disputando os mesmos recursos, isto é, coisas que permitem que perseverem. Por outro lado, como são semelhantes, certos encontros podem fazer com que percebam suas semelhanças e comecem a trabalhar em conjunto. Esse trabalho em conjunto pode, inclusive, implicar a criação de estruturas entre os indivíduos que transferem o poder de seus membros para o corpo social, que é o Estado. O Estado é, portanto, um corpo composto a partir (mas nãoé redutível a) dos indivíduos que participam dele. 
Isso significa que, para Espinosa, a organização de seres humanos entre si não é algo que emerge apenas a partir de uma tentativa de afastar a disputa que há entre eles. A organização pode surgir, também, quando se dão conta dos benefícios mútuos. Vemos, portanto, que, apesar de Espinosa ver o Estado como um ponto importante para a estabilidade (e para dar fim a certo caos), essa solução não é completamente pessimista.
Além disso, essa transferência de poder dos indivíduos para o Estado não é uma renúncia absoluta. Para Espinosa, os seres individuais são essencialmente seus desejos. Isso significa, também, que eles são o que eles podem ser. O direito natural na Filosofia política de Espinosa é que um indivíduo pode fazer aquilo que ele tem capacidade de fazer. Assim, não haveria nenhuma limitação moral inata que poderia ser descoberta e utilizada para forçar a renúncia da capacidade dos indivíduos. Assim, a Filosofia política de Espinosa resguarda um espaço para que os indivíduos se revoltem contra os poderes constituídos em casos de abuso de poder ou de opressão interna. Apesar dessa possibilidade, a rebelião, porém, não é um evento normal para Espinosa. Afinal, assim como o indivíduo limitaria sua capacidade de agir em nome de uma estabilidade comunitária, o soberano tenderia a agir da mesma maneira, reduzindo sua dominação sobre seus súditos, a fim de evitar revoltas – o que não significa que as renúncias sejam simétricas.

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