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Formação de professores Culturas

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Coleção
ANPED SUDESTE 2011
 Livro 2
Formação de Professores, Culturas
Desafios à Pós-graduação em Educação em suas múltiplas
dimensões
Helena Amaral da Fontoura
Marco Silva
Organizadores
Rio de Janeiro
ANPEd Nacional
2011
Coleção
ANPED SUDESTE 2011
Livro 2
Helena Amaral da Fontoura
Marco Silva
Organizadores
Rio de Janeiro
ANPEd Nacional
2011
Formação de Professores, Culturas
Desafios à Pós-graduação em Educação em suas múltiplas
dimensões
FICHA TÉCNICA
Copyright © 2011 by authors
Categoria
E-book online egresso de evento de associação científica nacional. [Ref. X Encontro de Pesquisa em
Educação da Região Sudeste. “Pós-Graduação em Educação na Região Sudeste em suas múltiplas
dimensões”; evento da ANPEd Sudeste 2011 (http://www.fe.ufrj.br/anpedinha2011/sobre.html)]
ISBN Coleção ANPED SUDESTE 2011
978-85-60316-12-0
Título/subtítulo
Formação de Professores, Culturas: desafios à Pós-graduação em Educação em suas múltiplas
dimensões
Organizadores
Helena Amaral da Fontoura e Marco Silva
ISBN
978-85-60316-14-4
Ficha Catalográfica
 Formação de Professores, Culturas: desafios à Pós-graduação em Educação em suas
múltiplas dimensões/ Helena Amaral da Fontoura e Marco Silva (orgs.). Rio de Janeiro:
ANPEd Nacional, 2011.
 
Modo de acesso: Disponível em: http://www.fe.ufrj.br/anpedinha2011/livro2.html
Textos convidados para mesas temáticas do X Encontro de Pesquisa em
Educação da Região Sudeste. “Pós-Graduação em Educação na Região
Sudeste em suas múltiplas dimensões”, realizado na UFRJ, UNIRIO e UERJ,
entre 10 e 13 de julho de 2011.
 Bibliografia.
 ISBN 978-85-60316-14-4
 1. Educação 2. Formação de professores 3. Culturas.
Permitidos o download, o arquivamento, a reprodução e a retransmissão
[por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação]
desde que citada a fonte.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Concepção do projeto e responsabilidade editorial
Helena Amaral da Fontoura e Marco Silva
Editores
ANPEd Nacional-Associação Nacional de Pesquisadores em Educação (CNPJ:30018410/0001-20)
End. com.: Rua Visconde de Santa Isabel, 20 - conj 206-208 Vila Isabel - Rio de Janeiro - RJ - CEP:
20560-120 Fone: (0xx21) 25761447 Telefax: (0xx21) 3879.5511 anped@anped.org.br
Apoio
CAPES – Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
Faperj – Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro
Planejamento, supervisão e edição geral
Helena Amaral da Fontoura e Marco Silva
Concepção visual (capa e layout)
Marco Silva e Nayara Machado
Obtenção do ISBN na Biblioteca Nacional
Esther Costa
Revisão e edição final dos textos
Helena Amaral da Fontoura e Marco Silva
Revisão Técnica e Normalização (NBR ABNT 6023/2002 e 10520/2002)
Alexandre Alves
Diagramação e editoração eletrônica dos textos
Priscila Evangelista - Editora Forma Diagramação - www.formadiagramacao.com.br
Data de publicação
Julho de 2011
Endereços para correspondência
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Avenida Pasteur, 250 fundos, sala 234 - CEP:22290-902 - Campus da Praia Vermelha
tel: (21)2295-4047 / (21)2295-4047 
e-mail:ppge@fe.ufrj.br
EDITADO NO E DISTRIBUÍDO A PARTIR DO BRASIL
EDITED IN AND DISTRIBUTED FROM BRAZIL
Conselho Editorial
Ahyas Siss
Carmen Teresa Gabriel
Claudia Fernandes
Elisângela Bernardo
Jane Paiva
Helena Amaral da Fontoura
Marcelo Andrade
Marco Silva
Maria Cecília Fantinato
Maria Inês Marcondes de Souza
Maria Isabel Ramalho Ortigão
Mônica Mandarino
Rita de Cássia Frangella
Sonia Maria De Vargas
Sumário
PREFÁCIO ................................................................................................................. 8
FORMAÇÃO DE PROFESSORES, CULTURAS: CONHECIMENTOS EM BORDADO .
................................................................................................................................ 14
HELENA AMARAL DA FONTOURA (FFP/UERJ)
MARCELO ANDRADE (PUC-RIO)
MARIA CECÍLIA FANTINATO (UFF)
RITA FRANGELLA (FEBF/UERJ)
SONIA MARIA DE VARGAS (UCP)
PESQUISAS SOBRE FORMAÇÃO DE PROFESSORES: TENSÕES E PERSPECTI-
VAS DO CAMPO ...................................................................................................... 24
MARLI ANDRÉ (PUC-SP)
FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA: DO DIREITO DOS PROFESSORES À ES-
CRITA E À LEITURA LITERÁRIA .............................................................................. 37
SONIA KRAMER (PUC-RIO)
COMO ALGUÉM APRENDE A SER PROFESSOR? ................................................. 50
SÔNIA MARIA CLARETO (UFJF)
RESSIGNIFICAÇÕES PARA A PRÁTICA PEDAGÓGICA EM MATEMÁTICA: PRÉ-
REQUISITO DO EDUCANDO E ESCUTA DOCENTE............................................... 62
MARIA DO CARMO S. DOMITE (USP)
O PAPEL DA FORMAÇÃO INICIAL NA CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES PROFIS-
SIONAIS DE ALUNAS DO CURSO DE PEDAGOGIA............................................... 70
RITA DE CÁSSIA DE ALCÂNTARA BRAÚNA (UFV)
PESQUISA EM PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO E A FORMAÇÃO DE PROFES-
SORES: TENSÕES E DESAFIOS CURRICULARES NO TEMPO PRESENTE ........ 81
ANA MARIA F. C. MONTEIRO (UFRJ)
A FORMAÇÃO COMO POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO E TRANSFORMA-
ÇÃO DE MATRIZES PEDAGÓGICAS..................................................................... 107
ECLEIDE CUNICO FURLANETTO (UNICID)
A LEITURA NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR E O PAPEL DO PROFESSOR NA
FORMAÇÃO DO ALUNO LEITOR ........................................................................... 119
PEDRO BENJAMIN GARCIA (UCP)
DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DA DOCÊNCIA E ESPAÇOS VIRTUAIS DE
FORMAÇÃO: O CASO DO PORTAL DOS PROFESSORES DA UFSCAR ............. 129
ALINE M. DE M. R. REALI (UFSCAR)
CURRÍCULOS, CONHECIMENTOS, CULTURAS E COTIDIANOS ESCOLARES EM
NARRATIVAS E IMAGENS ..................................................................................... 144
CARLOS EDUARDO FERRAÇO (UFES)
EDUCAÇÃO E CULTURAS: APROXIMAÇÕES E DISTANCIAMENTOS ................. 172
SANDRA PEREIRA TOSTA (PUC- MINAS)
OS SENTIDOS DA CULTURA NA ESCOLA DE ENSINO FUNDAMENTAL............. 188
MARIA DE LOURDES RANGEL TURA (PROPED/UERJ)
SENTIDOS DA CULTURA ESCOLAR: DISCIPLINAS ESCOLARES E IDENTIDADES
DOCENTES ........................................................................................................... 199
MARIA INÊS PETRUCCI ROSA (UNICAMP)
SOBRE OS AUTORES .......................................................................................... 210
8
PREFÁCIO
FAZER PESQUISA EM EDUCAÇÃO:
ENTRE TRADIÇÃO E TRADUÇÃO
CARMEN TERESA GABRIEL - UFRJ
CLAUDIA FERNANDES - UNIRIO
Na primeira quinzena de julho de 2011, reuniram-se no Rio de Janeiro,
ao longo de quatro dias, diferentes pesquisadores e estudantes de pós-
graduação stricto sensu vinculados aos 42 programas de Pós Graduação em
Educação da Região Sudeste. Como nas edições anteriores, o propósito desse
evento - o X Encontro de Pesquisa em Educação da Região Sudeste – Pós-
Graduação em Educação na Região Sudeste em suas múltiplas dimensões
- foi de refletir, discutir e compartilhar questões de pesquisa, quadros teóricos,
percursos metodológicos e resultados que fazem parte do nosso cotidiano
profissional. Discussões historicamente contextualizadas que se tornam
possíveis nesse Brasil que nos é contemporâneo indicando os desafios
políticos e os dilemas epistemológicos para quem fala do campo educacional,
do lugar de pesquisador e de formador de pesquisadores.
9
Essa coletânea, composta pelos textos encomendados para compor
as mesas temáticas desseevento, transpira, pois, os ares desses nossos
tempos. Mas não só. É possível perceber, e não poderia ser diferente, as
marcas das permanências que falam das tradições disciplinares do nosso
campo. Desse modo essa coletânea reafirma o lugar do fazer pesquisa em
educação entre a tradição e a tradução, um movimento incessante e inacabado
de procura de fixação de uma identidade que coloque esse fazer no interior
da fronteira móvel que estabelece o que é e o que não é legitimo ao terreno
da cientificidade.
Os títulos de cada um dos três volumes - Vol. 1 Formação de
Professores, Culturas; Vol. 2 Práticas Pedagógicas, Linguagens e Mídias ,
e Vol. 3 Políticas Públicas, Movimentos Sociais – expressam bem o
movimento pendular anteriormente mencionado e não deixam de ser uma
forma possível de narrar esse movimento. Com diferentes perspectivas
teóricas, recortes e enfoques, os textos, organizados nesses três volumes,
retomam antigas interrogações, revisitam temáticas clássicas do campo,
questões que intervém sistematicamente ao longo de sua trajetória constituindo-
se como a força de sua tradição. Do mesmo modo, abordam temas que
emergem como objeto de pesquisa no campo educacional em nossa
contemporaneidade, aceitando os desafios postos pelas exigências e
demandas de nosso presente.
O termo “tradição” que utilizamos está longe de significar a tentativa
de recuperar a “pureza” do passado ou um retorno às raízes ou, ainda, a
necessidade de redescobrir unidades e certezas que são sentidas como
perdidas. Reconhecer a importância do passado na construção da identidade
de um campo científico é reconhecer a nossa condição de ser-afetado, como
pesquisadores e professores, pelo passado. Afinal dizer a identidade de um
campo científico é também responder questões como quem pesquisa, quando
, o quê e por quê.
Essa coletânea deixa ver que é sempre possível, em determinados
presentes históricos, combinar passados e futuros de formas diferenciadas,
isto é tramar enredos diferentes e, até mesmo, opostos de uma história
possível desse campo. Desse modo o conjunto de textos desses três volumes
permite colocar em evidência permanências e mudanças sejam de temas,
enfoques teóricos ou apostas metodológicas, nos oferecendo uma dessas
histórias possíveis.
10
Entre essas permanências destacamos duas marcas do campo que
perpassam esses textos: a pluralidade teórica e a busca de afirmação de sua
cientificidade. Importa sublinhar que a presença desses traços de continuidade
pode se manifestar textualmente de diferentes formas: na escolha do quadro
teorico-metodológico, na análise crítica de determinados discursos
hegemônicos, em propostas alternativas de leituras do campo, por exemplo.
Afirmar a permanência de alguns traços não significa necessariamente a defesa
dos mesmos. Uma análise crítica dessas permanências significa que elas
continuam dentro dos limites do campo de possibilidades de reflexão no âmbito
educacional.
No que se refere à primeira marca mencionada, trata-se de sua
identidade múltipla e multifacetada decorrente do fato de o campo educacional
se constituir como campo de conhecimento a partir de uma pluralidade de
campos científicos. Com efeito, a constituição do campo educacional como
campo de produção de conhecimento tem vocação multidisciplinar desde o
momento inicial do processo de autonomização do campo, na década de 20,
com os Pioneiros da Educação (Anísio Teixeira, Fernando Azevedo, Lourenço
Filho, Sampaio Dória, Afrânio Peixoto) e a criação do INEP com Lourenço
Filho em 1937. A criação do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais
CBPE, com Anísio Teixeira em 1952, teve por finalidade realizar estudos
sociológicos, antropológicos, estatísticos, psicológicos e históricos sobre a
realidade educacional brasileira. Os Centros Regionais de Pesquisa
Educacionais em Belo Horizonte, Recife, Salvador, São Paulo e Porto Alegre
mantinham uma articulação com as universidades dessas localidades,
marcando de certa forma, o ponto de partida do fazer pesquisa em educação
no Brasil. À época, a agregação de diferentes tradições disciplinares confere
maior status ao campo educacional e possibilitava maiores condições de
interpretar a complexidade dos fenômenos educativos.
Esse processo a partir da segunda metade do século XX tendeu a
se ampliar e se intensificar por questões que extrapolam o campo educacional.
O debate epistemológico contemporâneo coloca em evidência a
potencialidade do entrecruzamento das fronteiras disciplinares e/ou entre
campos científicos para a construção de possibilidades de leitura dos
fenômenos sociais contemporâneos. Nesse contexto, o campo educacional
reforça sua tradição, incorporando perspectivas e interlocuções teóricas que
de alguma forma deslocam algumas de suas linhas divisórias internas. Os
textos que configuram essa coletânea dialogam com antigos e novos campos
11
de estudo para tratar de temáticas clássicas ou emergentes no campo
educacional.
No entanto o reconhecimento dessa identidade híbrida do ponto de
vista teórico nem sempre foi utilizado como argumento de positividade para a
afirmação da cientificidade do campo educacional. Se, como mencionado
anteriormente, a estratégia de agregar as contribuições de diferentes horizontes
teóricos funcionou como estratégia de aquisição de maior status,
paradoxalmente, essa heterogeneidade dificultou e dificulta, muitas vezes, o
enfrentamento com outros campos disciplinares na luta pela afirmação da
legitimidade da cientificidade do campo educacional.
Não é por acaso a presença de debates recorrentes no campo
educacional que giram em torno de questões como rigor e qualidade das
pesquisas nessa área. Vários são os argumentos desenvolvidos para
questionar tanto a legitimidade buscada como a legitimidade da própria busca.
Discursos que persistem em colocar a educação como “o lugar da aplicação
de conhecimentos produzidos em outros campos” ainda estão presentes em
muitos textos educacionais que circulam atualmente.
A luta contra esse esvaziamento epistemológico do campo
educacional negando-lhe o seu lugar crucial na produção de grades de
inteligibilidade dos fenômenos sociais tem sido uma de suas outras marcas
de permanência. Hoje essa luta apresenta resultados positivos palpáveis. Com
efeito a pesquisa e a pós-graduação em educação no Brasil conquistaram,
nos últimos anos, ao lado das demais áreas, um lugar de destaque e de
importância, pelos investimentos feitos tanto em nível federal quanto no âmbito
das agências estaduais. Os destacados avanços e conquistas também são
frutos dos esforços da comunidade acadêmica que em suas tentativas de
estabelecer, cada vez mais, vínculos com a sociedade (fóruns, conferências,
entre outros), busca produzir o conhecimento socialmente referenciado. Essa
coletânea se insere nesse movimento. Os diferentes textos em suas diferenças
mostram como essa busca pela cientificidade do campo tem permitido a
emergência de novos problemas, novas metodologias, novos enfoques, sem,
no entanto perder o rigor científico entendido como o limite radical, pactuado
entre as diferentes ciências sociais, que define o que é considerado como
estando dentro ou fora desse contexto discursivo.
O desafio que se coloca para o fazer pesquisa em educação consiste
assim em continuar buscando caminhos teorico-metodológicos que possam
equacionar a tensão entre a potencialidade analítica - oriunda dessa abertura
12
à incorporação de diferentes contribuições - e a afirmação da especificidade
das questões formuladas a partir desse campo. Esse segundo pólo da tensão
nos remete a outra questão cara ao campo educacional e que se relaciona
igualmente ao segundo traço de permanência destacado: a busca da afirmação
da sua cientificidade.
O que está em jogo aqui diz respeito aos argumentos desenvolvidos
para fixar o que é específico a esse campo. Uma das críticas endereçadas às
produções da área e quevai no sentido de questionar a sua possibilidade de
produzir conhecimento cientifico, está diretamente vinculada a um dos
argumentos muito utilizados para a fixação das questões específicas à
educação. Trata-se principalmente de sua imbricação nas questões políticas
mais candentes, justificada pelas características do terreno no qual as
pesquisas educacionais tendem a eleger como empiria.
Nesse jogo, a fronteira no campo educacional, entre o engajamento
político-teórico em termos da explicitação de nossas escolhas de projetos
societários - presente no fazer pesquisa de qualquer campo científico- e a
militância política pautada na crença de um único caminho de mudança
possível, tende a tornar-se bastante tênue. Dito de outra maneira, em nome
de uma especificidade de nossa área, o fazer pesquisa em educação tem
que estar sempre atento para não fixar um “deve ser” que seja muito mais da
ordem da prescrição do que da aposta política.
Esse risco é proporcional ao volume e complexidade das demandas
e exigências da educação básica e superior no Brasil desde a primeira década
do século XX. Uma situação de injustiça social e educacional que se manifesta
tanto em termos do acesso desigual aos bens culturais, entre eles o
conhecimento sistematizado produzido em contexto escolar, como em termos
dos critérios utilizados para legitimar esses conhecimentos a serem ensinados.
Do mesmo modo e pautada no entendimento político, como
anteriormente mencionado, a pesquisa educacional é muitas vezes interpelada
para oferecer soluções para os problemas que afligem o cotidiano das escolas
e universidades como se esse tipo de pragmatismo fosse o que justificasse a
própria existência do campo.O desafio, nesse caso, para os pesquisadores
do campo educacional, é marcar uma posição entre o tempo de reflexão,
necessário para a produção do trabalho científico, e o tempo da ação política
pautada pela urgência. Reflexão e urgência, rigor e engajamento têm marcado
a trajetória desse campo exigindo posicionamentos por parte de seus
pesquisadores. Os textos dessa coleção apontam que esse posicionamento
13
não precisa ser dicotômico e que formas possíveis de articular esses pólos já
estão disponíveis no campo educacional.
Por fim, vale ainda ressaltar que formato dessa coleção em três
volumes - reunindo os textos de cada dois dos seis eixos temáticos em torno
dos quais se organizou o evento – procurou, ao propor essa configuração,
não apenas evidenciar, como já mencionado, o movimento pendular - entre
tradição e tradução - do campo. Ele também expressa a tônica dos trabalhos
apresentados e discutidos ao longo do evento. Temas clássicos como
formação de professores, práticas pedagógicas ou políticas públicas foram
discutidos a partir de diferentes enfoques em função dos diálogos
estabelecidos com as contribuições teóricas disponíveis na atualidade e das
urgências políticas de nossa sociedade como, por exemplo, a questão da
construção de uma escola inclusiva ou da formação de jovens e adultos. Em
alguns casos, o estreitamento desses diálogos permitiu a emergência no
campo de outras temáticas como a questão cultural, os movimentos sociais
ou as linguagens, novas tecnologias e mídias, que tendem a ocupar, nos
debates, um lócus onde os problemas de pesquisa do campo educacional
passam a ser formulados.
Terminamos convidando os leitores a participar desse movimento, e
entrar nessa roda de conversa com suas leituras, olhares e projetos. Afinal, o
tema “Pós-Graduação em Educação na Região Sudeste em suas múltiplas
dimensões” proposto para o X Encontro de Pesquisa em Educação da Região
Sudeste, representou mais uma oportunidade de construção do conhecimento,
favorecendo o debate e o enriquecimento politico-institucional em um espaço
de adensamento e socialização da produção acadêmica que venha a dar
visibilidade às tensões e questões específicas do fazer pesquisa educação.
JULHO DE 2011
14
FORMAÇÃO DE PROFESSORES, CULTURAS:
CONHECIMENTOS EM BORDADO
HELENA AMARAL DA FONTOURA (FFP/UERJ)
MARCELO ANDRADE (PUC-RIO)
MARIA CECÍLIA FANTINATO (UFF)
RITA FRANGELLA (FEBF/UERJ)
SONIA MARIA DE VARGAS (UCP)
O mais importante do bordado
É o avesso
É o avesso
O mais importante em mim
É o que eu não conheço
O que eu não conheço
O que de mim aparece
É o que dentro de mim Deus tece
Quando te espero chegar eu me enfeito, eu me enfeito
Jogo perfume no ar
Enfeito meu pensamento
Às vezes quando te encontro
15
Eu mesma não me conheço
Descubro novos limites
Eu perco o endereço
É o segredo do ponto
O rendado do tempo
É como me foi passado o ensinamento
O que eu não conheço (Jorge Vercillo e J. Velloso)
INTRODUÇÃO
Apresentamos aqui um texto que borda conhecimentos e saberes
em duas áreas, uma área aparentemente saturada deles: a formação de
professores, e outra em ativa constituição: a discussão sobre culturas e sua
implicação em educação. Os autores que nos vieram para bordar junto trazem
seus pontos de pesquisa, cada um tecido à sua maneira, com suas cores e
padronagens, a nós cabe tecer esse imenso tapete de contribuições. O que
trazemos de nosso para esse ‘descobrir novos limites’?
DIÁLOGOS INICIAIS
Com Marli André, a partir da análise de produções na área de
educação nos últimos anos, aprendemos que fazer pesquisa em formação
de professores pode sempre vir a ser (re) descoberta. Faz um balanço dos
principais avanços na área e indica aspectos a serem fortalecidos
Ao trazer o campo como autônomo, fala também da possibilidade
de construção dessa autonomia dos professores que constituem esse campo,
uma conquista a ser construída. Aponta as escolhas metodológicas como
concentradas em perspectivas que incluem os envolvidos como colaboradores,
parcerias que vêm sendo enfatizadas.
Fala da substituição da ideia de formação continuada por
desenvolvimento profissional docente, muito mais na linha de continuum, do
‘rendado do tempo’ que se vai construindo fruindo saberes e sabores.
Arrematando os pontos, traz a autora: Pode-se concluir que o que as
pesquisas revelam sobre o campo da formação de professores é um
conhecimento parcelado, incompleto. Aponta ainda que quanto aos
resultados das pesquisas, há muito que melhorar, tanto na forma de
apresentação quanto na precisão. Bordados a (re)bordar...
16
Sonia Kramer traz a formação ligada à escrita e leitura literária, área
cara à sua trajetória de pesquisadora. Somos parte do que escolhemos
investigar e o que pesquisamos é parte constitutiva de nós. Afirma que os
professores têm direito à escrita e à leitura literária como parte do processo
de formação cultural que deve constituir sua formação nas duas
modalidades. Declara seu objetivo central ser a formação de professores
como leitores, mas também vê a escrita como parte da formação.
Leitura imposta e desprazerosa, escrita envergonhada e escondida,
parte dos relatos colhidos em suas investigações pelo campo da formação
relacionada às áreas em tela. Leitura como fruição, experiência, aventura,
compartilhamento, esse é o desejo expresso da autora, como o ‘enfeite de
pensamento’ de nosso compositor epigrafado. Em depoimento pessoal,
escreve a autora: Ler para mim sempre foi parte de uma possibilidade de
sentir o mundo, compreender o mundo, as pessoas, o sofrimento, a injustiça
e as conquistas. Com a literatura, lembro e esqueço, me indigno, rio, choro,
sofro e tenho prazer. Usando o avesso [do bordado] fala de possibilidades de
trabalho compartilhando sua experiência.
Sonia Clareto indaga como aprendem os professores,
problematizando aspectos de sua formação. “Formar: produzir uma forma.”
Mais uma vez aparece o avesso[do bordado] quando se indaga a autora: “Como
operar no avesso da forma-professor? Como se constitui este avesso? Olhar
para o avesso da forma requer uma compreensão do mundo como um coletivo
de forças.”
Foca nas políticas cognitivas que animam o processo de constituiçãoda forma-professor. Lançando mão, como recurso de escrita, das três
metamorfoses anunciadas pelo Zaratustra de Nietzsche, identifica três modos
pelos quais podemos olhar a formação do professor: o modo-camelo (valores
a serem carregados), o modo-leão (valores a serem negados) e o modo-
criança (valores em permanente processo de criação).
Diz da formação não se tratar apenas de saber algo, no sentido de
reconhecer este algo ou constituir uma ‘imagem mental’ para este algo. Trata-
se, diferentemente, de um processo de produção de si e do mundo. Esta
noção se aproxima do tornar-se o que se é de Nietzsche. Aprendizagem como
processo de invenção de si e do mundo. Abertura. Fendas. Finaliza a autora
propondo uma formação de um modo mais amplo, formação como cultivo.
Cultivo de si e do mundo.
17
A escuta sensível e a ampliação do olhar estão na base da reflexão
de Maria do Carmo Domite, que se baseia na abordagem dialógica
paulofreireana de ensino-aprendizagem, para rediscutir a formação de
professores de matemática e a re-significação da sua prática pedagógica.
O trabalho traduz a perspectiva teórico-metodológica da
etnomatemática, na qual a autora tem centrado suas pesquisas. Questiona-se
o ensino da matemática focado fundamentalmente na memorização de
fórmulas e procedimentos decorados e reivindica uma prática pedagógica
diferenciada que coloque, no centro das preocupações dos professores, os
conhecimentos primeiros dos educandos. Tomados como ponto de partida,
esses conhecimentos, constituídos em contextos culturais diversos,
recheados de memória, símbolos e raciocínio, poderão ser um elo positivo
no processo de construção de um pensamento mais crítico e elaborado
das idéias matemáticas.
Rita de Cássia Braúna discute a construção da identidade profissional
do pedagogo por meio do relato da pesquisa realizada junto a alunas do curso
de pedagogia da Universidade Federal de Viçosa. Como o estudo demonstra,
o curso de pedagogia não foi a primeira opção das alunas no vestibular,
representando para muitas a possibilidade de acesso ao ensino superior. Neste
sentido a autora argumenta sobre a importância da formação inicial na
constituição da identidade profissional das pedagogas, ressaltando que a
identificação das alunas com a profissão se deu ao longo de sua formação no
curso de pedagogia, no qual desenvolveram saberes disciplinares e
pedagógicos-didáticos... assim como os saberes experenciais vivenciados
em atividades curriculares e extracurriculares.
Nesse processo formativo, as experiências nos estágios assumem
papel significativo na construção identitária por se constituírem locus
privilegiado da articulação teoria-prática. As vivências em espaços
específicos de atuação profissional e o relacionamento com os diferentes
atores sociais envolvidos no cenário escolar - professores, gestores e alunos
- possibilitam rever e recriar conceitos, estruturando novas formas de ensinar
e aprender.
Focalizando o processo de formação de professores nas
universidades brasileiras, Ana Maria Monteiro focaliza a tradição curricular
instituída desde a década de 30, caracterizando aspectos do modelo de
formação pautado na racionalidade técnica e instrumental que deu origem
a currículos marcados por uma dicotomia que permanece como um grande
desafio a ser superado.
18
Em seu bordado, articula a formação de professores com o
conhecimento, comenta contribuições recentes de pesquisa em seu campo
de expertise, o currículo e a didática, no sentido de auxiliar a compreensão e
o enfrentamento de desafios expressos nos questionamentos feitos à “má-
formação dos professores”. Contribui com nossa reflexão quando discute
questões sobre o exercício da profissão docente no contexto das atuais
políticas curriculares, sugerindo aspectos a serem superados para que o
trabalho docente se dê de forma contextualizada historicamente, uma formação
em perspectiva democrática.
O trabalho de Ecleide Furnaletto explora outras dimensões da
formação, para além da formação em contextos sistemáticos. Para esta autora,
o professor constrói suas ‘matrizes pedagógicas’ em múltiplas e diferenciadas
experiências da trajetória de vida, com pais, professores, ou outros adultos
significativos. Este aprende também a ser professor a partir da literatura, do
cinema e do teatro, ou ao brincar com os colegas, pois ao aprender, podemos
nos apropriar dos conteúdos ensinados, como também das maneiras de
ensinar e aprender daqueles que nos ensinam.
De acordo com a autora, as matrizes pedagógicas de cada professor
não começam a se constituir nos cursos de formação, mas estão enraizadas
em instâncias muito mais profundas de sua psique e vão se delineando
com base nas relações estabelecidas com o outro e nos significados
atribuídos a elas pelos sujeitos. Ao narrar suas histórias, os sujeitos se
encontram com experiências que, ao serem elaboradas, alargam a consciência
a respeito do vivido, favorecendo uma produção de conhecimento enraizada
na vida e nos dilemas de professores e alunos. Assim, os espaços de
formação, ao acolherem as experiências de formação que compõem as
matrizes pedagógicas dos professores, acolhem também sua potência
transformadora que desaloja o professor, retirando-o da segurança dos textos
conhecidos, obrigando-o a buscar novos textos que articulem a teoria e
experiência e expressem essa articulação. Esses trânsitos o instigam a
descobrir uma nova expressão que requer um novo discurso e uma nova
escrita pedagógica, que emerge não da repetição, mas da elaboração da
própria experiência em confronto com a experiência do outro.
Pedro Benjamin Garcia propõe-se a refletir sobre o papel da leitura
na formação, seja este leitor o professor ou o aluno, mediados pela instituição
escola. Pensar a leitura como formação é buscar o que trans-forma o sujeito
cuja identidade não é estática nem definitiva. [...] admitir a leitura como
algo que forma o sujeito implica em pensar na subjetividade do leitor. Reflete
sobre sua experiência em rodas de leitura que acontecem em diferentes
19
contextos educativos, construindo espaços de escuta, diálogo e negociação
de significados. Nas rodas de leitura a palavra circula, com o predomínio da
oralidade. Forma de expressão mais característica do meio rural, a oralidade
também se impõe nas grandes metrópoles, como conseqüência da crescente
sofisticação das tecnologias. Cada roda de leitura é uma aventura quase
sempre imprevisível, com um sabor de novidade. Como experiência de
formação, a leitura abre um campo de conhecimento que aumenta as
chances de cada leitor se tornar autor e ator de sua própria história.
Dada a necessidade atual de proporcionar formação continuada de
alta qualidade a um contingente cada vez maior de professores, a Educação a
Distância (EAD) tem sido uma alternativa, como nos lembra Aline Reali, nem
sempre mais barata e nem menos eficaz do que a modalidade presencial.
Esta autora apresenta em seu texto o potencial formativo do Portal dos
Professores da UFSCar, que, como espaço de pesquisa, tem possibilitado a
investigação de vários aspectos relacionados aos processos de aprendizagem
profissional da docência.
Aline Reali considera que os processos de ensino e aprendizagem
profissional mediados por diferentes plataformas de comunicação assíncrona
têm emergido como um campo importante, pois possibilitam não apenas o
desenvolvimento de processos reflexivos individuais como ainda em
comunidades. As oportunidades de interação entre profissionais da área
educacional, por meio de discussões on-line ou trocas de correspondência,
fomentam o diálogo, a conversação, a troca de informações como também
a construção de soluções aos dilemas relacionados às práticas docentes.
Assim, o Portal dos Professores tem sido uma ferramenta de pesquisa e de
intervenção viva, em contínua evolução, que favorece a transposição de
barreiras físicas e temporais em ações de formaçãocontinuada de professores
que refletem e maximizam o potencial de oportunidades de aprendizagem do
século 21.
MAIS ALGUNS PONTOS: COLOCANDO MAIS LINHAS E AGULHAS
O bordado aqui apresentado vai sendo tecido a muitas mãos, das
quais nos chegam mais linhas, novas cores, outras agulhas. E tudo isso no
mesmo bastidor de bordado.
As discussões e dimensões ressaltadas acerca da problemática da
formação docente e, por conseguinte, a atuação dos professores nos tempos
atuais, destaca a complexidade da ação educativa que não pode se pensar
20
dissociada de um contexto socio-político-histórico em que se dá. Contudo, se
essa afirmação parece ser simples e que não foge do lugar comum de debates
sobre o tema, se faz necessário dizer que esse contexto, ainda que
considerado em suas múltiplas dimensões, não se sustenta sob a ilusão de
uma possível estabilização e homogeneização de sentidos e práticas; mais
que plural, são contextos que se dão no reconhecimento/embate/perturbação
da diferença; um contexto em que, usando a imagem de Bauman (2011), a
vida se apresenta em fragmentos, mas que teimam em não serem
simplesmente passíveis de encaixe, mas que descortinam uma ambivalência
de perspectivas.
Assim, temos observado que o diálogo posto exige e, como já
destacou Hall (1997)1, põe a centralidade da cultura em evidência. Nesse
sentido, pensar a docência, a formação e ação educativa se dá num terreno
instável, que rompe com a segurança de um projeto único e que convida a
pensar projetos, diálogos, culturas...
Maria de Lourdes Tura, a partir da sua trajetória de pesquisa em
escolas de ensino fundamental, argui como se dá esse diálogo complicado,
nos convoca a pensar nos muitos sentidos de cultura na escola. A pesquisadora
destaca em seu estudo a polissemia do próprio conceito de cultura,
problematizando a idéia de cultura escolar, discutindo essa como o complexo
de significações, sentidos, diferenças e pluralidades, que fazem parte das
instituições educativas, chamando atenção que o que se dá na escola é uma
formação híbrida, num espaço de cruzamento de diferentes culturas, em
articulação com culturas locais. Assim, propõe a autora, é preciso discutir como
se dão essas articulações, sem pôr essa questão em foco, não é possível
adentrar na complexidade do processo de ensinar-aprender.
Maria Inês Petrucci traz para a discussão a cultura a partir da
significação das práticas nos fazeres cotidianos, assim sendo plural e no
diálogo entre discursos e práticas. Em sua pesquisa aborda a noção de
disciplina escolar, entendendo-a como construção sócio-histórica, e ao trazer
as narrativas de professores busca adensar a discussão acerca dos
movimentos-deslizamentos-cruzamentos próprios da cultura escolar,
interrogando a questão da identidade docente, percebendo-a e
problematizando-a como construção cultural, no amálgama da cultura e da
cultura escolar.
1 HALL, Stuart. A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções de nosso tempo. Educação e
Realidade, Porto Alegre, v. 22, n. 2, pp. 15-46, jul/dez., 1997.
21
Pelas mãos de Sandra Tosta, iniciamos um ponto novo, que borda e
entrelaça a pesquisa em educação e a pesquisa em antropologia. Trata-se,
segundo a autora, de uma “fusão de horizontes”– onde antropologia e
educação, por princípio, gozam de uma vocação interdisciplinar. Assim,
vamos percebendo os avanços teóricos e empíricos mais consistentes sobre
o fazer pesquisa sobre o fenômeno educativo. Fazer que fica iluminado pela
etnografia. De forma sutil e densa, Sandra Tosta nos brinda com um novo
riscado para este bordado da pesquisa em educação. Riscado que funde
horizontes e promove constantes diálogos entre pesquisadores de diversos
matizes.
E o que nos revela este desenho, que é riscado e tecido no diálogo
entre educação e culturas? Ele nos indica – com olhar de quem olha por
dentro – as exigências de conhecer o outro, de entendermos o fato educacional
com um olhar mais alargado, descentrado, permitindo captar dimensões da
condição humana que exigem uma percepção mais cautelosa e atenta sobre
a complexidade da trama social, tal como se apresenta na
contemporaneidade, nos afirma a autora. Não é uma defesa de simplesmente
unir antropologia e educação de forma justaposta ou hierarquizada. Mas, uma
parceria – um tecer a muitas mãos – que se faz como resultado do esforço
intelectual e da consciência de questões comuns. Educação e culturas como
o entrelaçar de pontos em comuns, não sobrepostos, mas articulados.
O risco traçado por Sandra Tosta nos mostra a historicidade e a
epistemologia da pesquisa qualitativa em educação. Trata-se de um esforço
tecido desde os anos 70, que redefiniu – redesenhou – a compreensão do
próprio campo científico em termos de delimitação teórica e de suas
possibilidades de investigação. Esta nova perspectiva ganha força nos anos
80 e interpela a tentativa de se explicar o fenômeno educativo
predominantemente pelos métodos de mensuração. Assim, a etnografia –
esta maneira própria do antropólogo se perguntar pela totalidade e pela
diferença – ganha um espaço definitivo nas pesquisas educacionais. A tal
ponto de se constituir num bastidor propício para o nosso bordado.
Pensar e repensar a diferença também são objetivos das pesquisas
de Carlos Eduardo Ferraço. Mas não só! Bordando a diferença como “ponto
górdio”2 das culturas, dos conhecimentos, dos cotidianos e dos currículos e
dialogando [ou tecendo] com Michel de Certeau e Nilda Alves, o autor nos
propõe olhar para estes múltiplos objetos entrelaçados – culturas,
conhecimentos, cotidianos e currículos – como espaçostempos [Assim,
2 SEMPRINI, Andrea. Multiculturalismo. Bauru, SP: Edusc, 1999.
22
mesmo! Junto e misturado. Tecido e entretramados], como teoriasprátias
produtoras de imagensnarrativas, como redes capazes de nos fazer entender
a escola e seus agentes.
Para Ferrraço, a relação entre cultura e currículo tem potencializado
diferentes propostas de trabalho e/ou concepções de cultura, currículo,
escola e conhecimento nos cotidianos escolares. Assim, ela toma como
ponto de partida [ou de um tipo de bordado] os fragmentos narrativos de
professores e estudantes de escolas municipais de Vitória, ES. Sua tentativa
revelada de texto-escrita-ensaio nos desvela as potencialidades das pesquisas
educacionais na perspectiva dos estudos culturais. Sua pesquisa – tal como a
de Tosta – nos coloca diante do outro, o não-eu – às vezes, desconhecido; às
vezes, ocultado – para entrarmos nas práticas realizadas nas redes tecidas
e compartilhadas pelos sujeitos enquanto sujeitos; e não mais como meros
objetos de nossas pesquisas.
Este riscado que é entretecido – entre a educação e a cultura, a
pedagogia e a antropologia, o currículo e a teoria da diferença – tem permitido
a pesquisa educacional problematizar, nos últimos anos, a descontinuidade
como forma de entendimento e a lógica marginalizada como uma experiência
de conhecimento. Nesta perspectiva, faz-se necessário trazer a noção de
hibridização para falar de teoriaspráticas inventadas nos cotidianos das
escolas, afirma Ferraço. A perspectiva do hibridismo, da tradução cultural, da
complexidade e da descolonização nega, segundo o autor, o essencialismo
de uma dada cultura, como se a cultura hegemônica fosse a única original ou
originária. Para ele, todas as formas de cultura estariam sempre em um
contínuo processo de hidridação e, porque não dizer, de tecelagem de um
bordado novo, que precisa ser re-desenhado, desmanchado e tecido
novamente.
E se fosse dada aos objetospesquisados a oportunidade de fazerem
as suas perguntas aos sujeitospesquisadores? Vale o dado [quem é que deu
o dado?] ou o fato [quem é que fez o fato?] trazido por Ferraço de uma turma
de estudantes da 8ª série: Por que vocês estão fazendo essa pesquisa com
essas perguntas? Qual a utilidade desse questionário? Alguém vai,
realmente, ler tudo? Redesenhar e tecer a pesquisaem educação, com o
viés e as agulhas da cultura, significa também afirmar que não sabemos todas
as respostas.
23
O DIREITO DO BORDADO
Acrescentamos aos compositores de nossa música epígrafe, ‘o mais
importante é o que eu [ainda] não conheço’, já que pensamos a formação
docente como um sempre processo, assim como nossos outros em diálogo
e a discussão sobre culturas implicada nas reflexões educacionais nos traz
vários ‘não-saberes’ a serem articulados, desvelados, incluídos, (re)pensados.
Assim, ao dar visibilidade à produção cotidiana da escola entendendo-
a como produção cultural, rompe-se com uma lógica positivista de produção
do conhecimento pedagógico, evidenciando também seu caráter político. Há
uma tensão que pode ser percebida nas reflexões trazidas pelos
pesquisadores – e aqui não estamos objetivando pô-las em exame ou criticá-
las, mas assumi-las como indícios, como nos convida a pensar Ginzburg
(2001)3: há uma disputa acerca do sentido de docência, formação e cultura
tensionado não entre o binômio conhecimento – competência, mas no
cruzamento de outros espaços, algo que denuncia ou contesta – se justa ou
injustamente somente se pode decidir analisando-se situações concretas - e
o convite que esse livro traz é perseguir/discutir os caminhos de deslocamentos
e ressignificações da formação de professores no terreno da cultura.
3 GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela
Inquisição. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
24
PESQUISAS SOBRE FORMAÇÃO DE
PROFESSORES: TENSÕES E PERSPECTIVAS DO
CAMPO
MARLI ANDRÉ (PUC-SP)
Este texto está organizado em três partes: primeiramente, discute-
se a problemática da constituição do campo de estudos chamado “formação
de professores”, com apoio nos escritos de estudiosos da temática. Em
seguida, são apresentados resultados de uma síntese integrativa de pesquisas
sobre formação de professores, que buscou analisar temas, metodologias,
referenciais e resultados de dissertações e teses defendidos nos programas
de pós-graduação em Educação, com o propósito de verificar suas
contribuições à delimitação do campo. Na parte final, faz-se um balanço dos
principais avanços da pesquisa na área e uma indicação dos aspectos que
precisam ser fortalecidos.
25
FORMAÇÃO DE PROFESSORES: UM CAMPO DE ESTUDOS AUTÔNOMO?
Até o final dos anos 1990, o tema da formação docente esteve muito
vinculado ao campo de estudos da Didática. Ao fazer uma análise da produção
científica de 20 Encontros de Didática e Prática de Ensino, Oliveira (2000, p.
174) constatou que as temáticas do evento estavam sendo cada vez mais
dominadas por questões relacionadas à formação de professores. Pela falta
de espaço específico, a produção científica sobre formação docente ficou
aninhada, por um certo tempo, no campo da Didática. Mas pouco a pouco a
produção foi crescendo e tomando vida própria. Nas palavras de Marcelo (1999,
p. 24) foi se “apresentando progressivamente como uma potente matriz
disciplinar”. De fato, aumentou muito, nos últimos dez anos, o número de
estudos e pesquisas sobre o tema e na mídia são cada vez mais frequentes
as alusões ao importante papel da formação de professores para promover
as mudanças necessárias na educação. Ao lado disso, periódicos científicos
têm dado grande atenção ao tema, o que pode ser comprovado pela publicação
de números especiais ou por seções inteiramente dedicadas ao tema (ver,
por exemplo: a Revista Educação e Sociedade n. 99, de 2007 e os Cadernos
de Pesquisa n. 124, de 2005).
Marcelo (1999, pp. 24-26) aponta cinco indicadores que poderiam
atestar a constituição do campo de formação de professores: objeto próprio,
metodologia específica, uma comunidade de cientistas que define um código
de comunicação próprio, integração dos protagonistas na pesquisa e a
consideração da formação de professores como um elemento fundamental
na qualidade da ação educativa, por parte dos administradores, políticos e
pesquisadores. Passemos a examinar cada um desses critérios no cenário
da educação brasileira:
Ter um objeto próprio é sem dúvida um importante critério para
delimitar uma área de estudo. Podemos identificar tanto nos escritos de vários
estudiosos da temática, quanto em encontros científicos, em especial nas
reuniões anuais do Grupo de Trabalho Formação de Professores da ANPEd,
esforços reiterados para clarificar o que constitui realmente o objeto da
formação docente.
Nos escritos, encontramos diferentes formas de olhar para a questão,
o que enriquece o debate. Por exemplo, para alguns pesquisadores o foco da
formação docente deve estar nos processos de aprendizagem da docência
(Mizukami et al., 2002). Já Imbernón (2002) concebe a formação docente
como um processo contínuo de desenvolvimento profissional, que tem início
26
na experiência escolar e prossegue ao longo da vida, incluindo questões
relativas a salário, carreira, clima de trabalho, estruturas, níveis de participação
e de decisão. Para Marcelo Garcia (1999) o que constitui o objeto da formação
são os processos de formação inicial ou continuada, que possibilitam aos
professores adquirir ou aperfeiçoar seus conhecimentos, habilidades,
disposições para exercer sua atividade docente, de modo a melhorar a
qualidade da educação que seus alunos recebem. Essa definição, bastante
abrangente, tem sido aceita por estudiosos da área, que reconhecem o foco
de atenção nos processos de preparação, profissionalização e socialização
dos professores.
Em anos bem recentes, temos encontrado o conceito de
desenvolvimento profissional docente em substituição à formação continuada
(Nóvoa, 2008; Imbernón, 2009; Marcelo, 2009). A preferência pelo seu uso é
justificada por Marcelo (2009, p. 9) porque marca mais claramente a concepção
de profissional do ensino e porque o termo “desenvolvimento” sugere evolução
e continuidade, rompendo com a tradicional justaposição entre formação inicial
e continuada. Essas justificativas parecem muito razoáveis e convincentes,
porém ao se decidir adotar o desenvolvimento profissional docente como
objeto da área de formação de professores, deve-se ter em mente sua
amplitude e, portanto, assumir todas as consequências que essa opção
acarreta.
Outro indicador da configuração de uma área de estudos é a utilização
de metodologia própria. Na investigação das problemáticas de formação
docente há alguns tipos de pesquisa que têm sido mais frequentes, como a
história de vida e a pesquisa-ação. As várias modalidades de pesquisa
colaborativa também vêm sendo progressivamente apontadas como
estratégias adequadas de formação do professor pesquisador e de produção
compartilhada de conhecimentos.
Um terceiro elemento, citado por Marcelo Garcia, que indica a
constituição de um campo de estudos autônomo é a criação de uma
comunidade de cientistas que se empenha na elaboração de um código de
comunicação próprio por meio das pesquisas e das sociedades que fomentam
conhecimento e formação. Quanto a esse aspecto, podemos encontrar alguns
indicadores na comunidade científica brasileira de que a formação docente
vem agregando grupos de pesquisadores em eventos, publicações e fóruns
de debates. Um dos exemplos é a criação do Grupo de Trabalho (GT)
Formação de Professores, que integra a Associação Nacional de Pós-
graduação e Pesquisa em Educação – ANPEd, uma das agremiações
científicas mais respeitadas da área. Esse GT recebe, para as Reuniões
27
Anuais, um grande número de textos baseados em pesquisas e abre espaço
para importantes discussões sobre o objeto e as metodologias de pesquisa,
assim como sobre as políticas de formação docente. Outro exemplo foi a
realização, em 2006, do I Encontro de Grupos de Pesquisa sobre Formação
de Professores do país, que permitiu mapear a produção acadêmica e localizar
as questões que merecem maior atenção na área. Nesse encontro foi aventadaa hipótese da criação de um periódico científico centrado na temática da
formação docente, proposta que se concretizou em 2009 com o lançamento
do primeiro número da Revista Brasileira de Pesquisa sobre Formação de
Professores, uma iniciativa importante para a conquista da autonomia da área.
Somando-se aos anteriores, outro elemento que, segundo Marcelo
Garcia, sinaliza a definição de um campo de estudos próprios é a incorporação
ativa dos próprios protagonistas, os professores, nos programas de pesquisa,
assumindo papel importante tanto no seu desenho quanto na sua efetivação,
ou seja, no planejamento, coleta, análise dos dados e na divulgação dos
resultados. Podemos apontar como exemplo, no Brasil, o projeto Universidade-
Escola Pública, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
(FAPESP), que no final dos anos 1990 abriu uma linha de financiamento
específico para projetos que envolvam parceria entre pesquisadores da
universidade e professores das escolas públicas. Várias iniciativas similares
vêm tomando corpo em vários pontos do país.
Um indicador adicional de constituição da área é a insistente atenção
dos políticos, administradores e investigadores à formação dos professores
como peça-chave da qualidade do sistema educativo. Esse talvez seja o
aspecto mais visível de configuração da área no Brasil, pois temos ouvido
frequentes depoimentos de políticos e visto inúmeras matérias em jornais e
revistas que enfatizam o papel crucial da formação docente na melhoria da
educação brasileira.
Os cinco indicadores sugeridos por Marcelo Garcia (1999) foram
bastante úteis para identificar os passos que vêm sendo dados pela área de
formação de professores no Brasil, na conquista de sua autonomia. Há, no
entanto, vários aspectos dessa trajetória que precisam ser melhor conhecidos,
como por exemplo, os objetos e metodologias que vêm sendo priorizados
nos estudos e pesquisas da área, para avaliar sua contribuição à constituição
do campo.
28
PESQUISAS SOBRE FORMAÇÃO DE PROFESSORES: QUE OBJETOS E
METODOLOGIAS?
Que objetos são priorizados nas pesquisas que vêm sendo realizadas
na área de formação dos professores? Quais as metodologias e técnicas de
coleta de dados mais utilizadas? Que autores ou referenciais fundamentam
essas pesquisas? Quais as tendências mais evidentes? Tem havido mudança
nessas tendências ao longo do tempo?
Essas questões orientaram a síntese integrativa da produção científica
sobre formação de professores. Como a maior parte da pesquisa brasileira é
produzida no âmbito dos programas de pós-graduação, tomou-se a produção
acadêmica dos pós-graduandos da área de Educação como um recorte
representativo da pesquisa na área. Os dados aqui discutidos são baseados
numa meta-análise das dissertações e teses defendidas na área de Educação
no ano de 2007, usando-se ainda para fins de comparação, dados de meta-
análise anterior (André, 2009).
Um exame geral das pesquisas da área de Educação mostra o
crescimento dos programas de pós-graduação e das pesquisas nos últimos
anos. Em 2003 havia 58 programas de pós-graduação em educação, em 2007
eram 73, havendo um correspondente aumento no número de dissertações e
teses defendidas no período: em 2003 foram 2.104 e em 2007, 2.810.
O aumento no volume de trabalhos científicos foi acompanhado por
um aumento muito grande do interesse dos pós-graduandos pelo tema da
formação de professores. Nos anos 1990 o percentual dos trabalhos da área
de Educação que tratavam do tema da formação docente girava em torno de
6-7%. No início dos anos 2000, esse percentual cresceu sistematicamente,
atingindo 22% em 2007, o que mostra uma ascensão muito rápida.
A mudança não foi, porém, apenas no volume de pesquisas sobre
formação docente, mas também nos objetos de estudo. Nos anos 1990, a
grande maioria das pesquisas centrava-se nos cursos de formação inicial:
Licenciatura, Pedagogia e Escola Normal (76% das pesquisas). Nos anos
2000 a temática priorizada passou a ser identidade e profissionalização
docente. O foco agora é o professor, suas opiniões, representações, saberes
e práticas, chegando a 53% do total dos estudos sobre formação docente,
em 2007.
Parece haver, por parte dos pós-graduandos, uma intenção de dar
voz ao professor e de conhecer melhor o seu fazer docente. Pode-se, no
29
entanto, indagar: investigar as opiniões, representações, saberes e práticas
do professor, para quê? Para constatar o que eles pensam, dizem, sentem,
fazem? Não seria isso muito pouco? Parece importante ir muito além, procurar
entender o contexto de produção desses discursos e práticas. Queremos
conhecer mais e melhor os professores e seu trabalho docente porque temos
a intenção de descobrir os caminhos mais efetivos para alcançar um ensino
de qualidade, que se reverta numa aprendizagem significativa para os alunos.
Isso supõe, por um lado, um trabalho colaborativo entre pesquisadores da
universidade e os professores das escolas, para fazer um diagnóstico da
situação e delinear propostas de intervenção na realidade, as quais serão
implementadas e passarão por uma avaliação conjunta, para serem melhoradas
e novamente implementadas e assim por diante. Por outro lado é preciso
haver um movimento, no interior dos cursos de formação inicial, para reformular
o currículo, testar novas formas de articulação entre instituições formativas e
escolas, propor projetos inovadores de formação.
A eleição do professor como objeto de estudo por parte da maioria
dos pesquisadores poderia ser associada, à primeira vista, ao conceito de
desenvolvimento profissional, que de acordo com Marcelo (2009, p. 7) é
entendido “como um processo individual e coletivo que se deve concretizar
no local de trabalho do docente: a escola; e que contribui para o
desenvolvimento de suas competências profissionais, através de experiências
de índole diferente, tanto formais como informais”. Uma definição tão ampla
e abrangente pode levar a uma interpretação de que falar do professor é falar
de seu desenvolvimento profissional. Mas é preciso certo cuidado antes de
qualquer conclusão precipitada.
O próprio Carlos Marcelo (2009) nos alerta que o conceito sofreu
modificações na última década, em decorrência da evolução em nosso
entendimento de como ocorrem os processos de aprender a ensinar. Dessa
forma, o desenvolvimento profissional passa a ser considerado como “um
processo a longo prazo, no qual se integram diferentes tipos de oportunidades
e experiências planificadas sistematicamente para promover o crescimento e
o desenvolvimento profissional”. Nesta atualização do conceito fica mais claro
o caráter intencional envolvido nos processos de desenvolvimento profissional
e a importância do planejamento. Marcelo (2009, p.15) enfatiza ainda que
esses processos visam promover a mudança, ou seja, auxiliar os professores
a aprender a ensinar. Para quê? Para que possam ter uma ação mais eficaz
em sala de aula. Nesse sentido dá-se grande importância à análise das
representações, crenças, preconceitos dos docentes que vão afetar suas
aprendizagens e possibilitar ou dificultar as mudanças. Marcelo (2009, p. 7)
30
destaca ainda a identidade profissional como um elemento inseparável do
desenvolvimento profissional e menciona tanto os vários fatores que a
influenciam (como a escola, as reformas e contextos políticos), como suas
implicações, ou seja: “o compromisso pessoal, a disponibilidade para aprender
a ensinar, as crenças, os valores, o conhecimento sobre as matérias que
ensinam e como as ensinam, as experiências passadas, assim como a própria
vulnerabilidade profissional”.
Essas considerações nos levam a rever a hipótese de associação
entre o principal foco das pesquisas dos pós-graduandos – o professor – e o
conceito de desenvolvimento profissional. Aquelas pesquisas se limitam a
analisar as representações, concepções, saberes e práticas dos professores.
Fixam-seem uma das pontas da questão, deixando de articulá-los aos
contextos em que surgiram, as circunstâncias em que foram produzidas e as
medidas a serem tomadas para promover a aprendizagem da docência. Pode-
se concluir que o que as pesquisas revelam sobre o campo da formação de
professores é um conhecimento parcelado, incompleto.
É preciso melhorar esse aspecto para fortalecer o campo na mesma
direção em que sugere Zeichner (2009) quando analisa as pesquisas norte-
americanas sobre formação de professores. Um dos pontos que o autor
destaca para o fortalecimento da investigação sobre formação docente é que
as pesquisas focalizem mais as conexões entre características dos
professores, formação, aprendizagem e prática docente (p. 19). Da mesma
forma, no Brasil, precisa-se incrementar as pesquisas que articulem as
concepções do professor, os processos de aprendizagem da docência e
suas práticas de ensino.
Há ainda um apontamento geral que se deve fazer a respeito do
objeto privilegiado pelos pesquisadores brasileiros sobre formação de
professores: ao mudarem radicalmente o foco – dos cursos de formação,
para o professor – podem vir a reforçar uma visão da mídia, com amplo apoio
popular, de que o professor é o principal (talvez o único) responsável pelo
sucesso/fracasso da educação. Não há dúvida que o professor tem um papel
fundamental na educação escolar, mas há outros igualmente importantes como
as condições de trabalho, o clima institucional, a atuação dos gestores
escolares, as formas de organização do trabalho na escola, os recursos
materiais e humanos disponíveis, a participação dos pais, as políticas
educativas. A pesquisa deve ajudar a superar as crenças e a visão do senso
comum, não pode submeter-se a eles.
31
Outro apontamento importante a fazer é que tal concentração na
temática do professor desviou a atenção dos pesquisadores dos cursos de
formação inicial. Desde o início dos anos 2000 vem caindo radicalmente o
número de estudos sobre formação inicial, chegando a 18% do total das
pesquisas, em 2007. Esse fato causa muita preocupação porque ainda há
muito a conhecer sobre como preparar os docentes para enfrentar os desafios
da educação no século XXI.
Complementando a análise dos temas, foram examinados os
referenciais teóricos e autores que deram suporte aos estudos.
Reconhecendo-se a precariedade de nossas constatações por estarem
baseadas em análise de resumos de dissertações e teses, pode-se, mesmo
assim, identificar algumas tendências nos dados referentes a 2007. Apenas
metade dos resumos citaram os referenciais ou os autores que lhes deram
suporte. Nestes, foram mencionados mais de uma centena de nomes, dos
quais apenas quatro autores (Nóvoa, Tardif, Vygotski, Paulo Freire) apareceram
em no máximo sete estudos diferentes (de um total de 298). A grande maioria
foi citada uma única vez. Os poucos estudos que mencionaram o referencial
teórico apontaram a psicologia sociohistórica e o materialismo histórico
dialético. O que esses dados nos dizem? Que a formação de professores é
uma área pouco consistente teoricamente? Ou é uma área que requer múltiplos
enfoques, o que dificulta a citação de uma diretriz teórica?
Em termos gerais, os dados referentes aos autores mais citados e à
tendência teórica mais acentuada sugerem certo modismo, com influência de
propostas de autores estrangeiros, o que provoca alguns questionamentos:
será que as nossas pesquisas sobre formação de professores têm levado
em conta a especificidade de nossos contextos? Será que os pesquisadores
têm procurado adaptar propostas gestadas em outros países à nossa
realidade?
O exame da metodologia das dissertações e teses defendidas no
ano de 2007 mostra que há uma grande fragilidade na área: muitos estudos
não descrevem os passos seguidos; a grande maioria não esclarece o tipo e
o número de sujeitos participantes, alguns nem indicam os instrumentos
utilizados. Nota-se que em alguns casos há mais preocupação em identificar-
se como pesquisa qualitativa ou como estudo de caso, do que em descrever
os procedimentos metodológicos seguidos.
Nas pesquisas em que foi possível identificar a metodologia,
observou-se, como nas meta-análises anteriores (André, 2009) que o tipo de
metodologia mais frequente é o microestudo, ou seja, estudos de situações
32
muito particulares, abrangendo um número pequeno de sujeitos (de 3 a 15
em média), referindo-se a uma porção muito restrita da realidade. A justificativa
para esses recortes tão estreitos é via de regra o atendimento aos prazos
exíguos definidos pelas agências avaliadoras ou financiadoras da pós-
graduação. Mas não se pode deixar de perguntar: que contribuições teórico-
metodológicas estudos tão limitados podem oferecer? Por que não tornar
mais efetivos os grupos de pesquisa, que possibilitariam trabalhos conjuntos,
com referenciais teóricos comuns e recortes específicos passíveis de
aprofundamento? Nesse sentido, o papel dos orientadores parece ser crucial.
Não se pode ainda esquecer das condições necessárias para a produção do
conhecimento científico, como espaço e tempo para pesquisa; recursos
materiais, humanos e financeiros; e preparo adequado dos pesquisadores,
sem os quais haverá certamente comprometimento da qualidade da produção.
Nos anos mais recentes, coerente com as investigações que têm
como foco as representações, saberes e práticas do professor, encontra-se
um número significativo de trabalhos científicos que se baseiam em coleta de
depoimentos escritos e orais e histórias de vida. Essas metodologias vão
acentuando um caminho mais promissor para a investigação na área. Também
cresceu muito, nos últimos anos, o número de pesquisas colaborativas, o que
é um elemento positivo na configuração do campo, conforme os critérios de
Marcelo Garcia (1999).
Em muitas pesquisas, porém, é evidente a falta de domínio dos
fundamentos dos métodos. Por exemplo, um autor indicou a utilização do
estudo de caso e na coleta de dados aparece apenas a análise documental.
Outro autor classificou sua pesquisa como “teórico-bibliográfica, partindo de
informações colhidas em visitas e entrevistas do corpo docente e do gestor
de seis escolas”. O que seria isso?
Quanto às técnicas de coleta de dados, observa-se uma evolução
positiva nos últimos anos: pesquisadores passam a utilizar o questionário,
que havia sido banido das pesquisas nos anos 1990, o que mostra uma
diminuição do preconceito sobre dados quantitativos. Além disso, outro aspecto
positivo nas pesquisas recentes é a combinação de duas ou mais técnicas de
coleta. Pesquisadores parecem se dar conta de que questões tão complexas
como as que envolvem a formação docente precisam ser investigadas sob
múltiplos ângulos. Surgem novas formas de coleta de dados como os grupos
de discussão, o grupo focal, o registro escrito, o relato autobiográfico, a
videografia. Uma pergunta que permanece é se o uso desses procedimentos
estaria sendo acompanhado pelos devidos cuidados que uma pesquisa
33
científica requer, ou seja, se a preocupação com o rigor está realmente
presente.
Um aspecto que não fez parte das meta-análises anteriores, mas
que decidiu-se incluir no levantamento de 2007, foi a análise dos resultados
das pesquisas. Objetivava-se verificar se, de maneira geral, os pesquisadores
indicavam os resultados dos estudos e se esses estavam relacionados aos
objetivos propostos e se eram decorrentes da metodologia utilizada.
Em cerca de 30% dos resumos das pesquisas de 2007 não há
menção aos resultados, o que surpreende e provoca uma grande indagação:
o estudo não produziu resultados ou foi o pesquisador que não conseguiu
chegar a uma conclusão?
Nos resumos em que são indicados os resultados, constatou-se que
uma parcela (cerca de 50%) tem relação com os objetivos propostos, como
por exemplo, na pesquisa cujo objetivo foi “investigar o papel das TICs no
processo de formação em serviço deprofessores do ensino fundamental” e
que conclui que “a formação foi significativa no que tange ao aprimoramento
dos professores em relação às novas tecnologias de informação e
comunicação e na melhoria da atuação dos profissionais junto a seus alunos
com incidência direta sobre o processo de ensino-aprendizagem”. Observa-
se que os resultados estão relacionados aos objetivos, mas poderiam ser
expressos em termos mais específicos (qual foi o aprimoramento? O que
melhorou na aprendizagem dos alunos?).
Outro exemplo é o de uma pesquisa que tinha como objetivo
“investigar o processo de transformação experienciado por uma professora
de Matemática em um trabalho colaborativo” e cujos resultados foram assim
explicitados: “A análise dos dados indicou cinco fatores que contribuíram para
o processo de (trans)formação experienciado pela professora. Os dois
primeiros dizem respeito aos desejos da professora e os demais fatores
referem-se à segurança da professora em realizar as atividades de
investigação”. Houve, neste caso, uma melhor explicitação dos resultados do
que no exemplo anterior, mas ainda há uma falta de precisão.
Em cerca de 50% dos estudos que mencionam resultados, há
constatações muito genéricas, pouco relacionadas aos dados, como nos
exemplos que seguem:
a) ... “necessidade de se retomar a formação continuada de
professores”;
b) ... “necessidade de mudança nos cursos de licenciatura”;
34
c) ... “necessidade de apoio das políticas públicas em prol do
aumento de tempo de estudo coletivo dos professores”;
d) ... “a formação continuada não é a única responsável pela melhoria
da qualidade do ensino”.
Esses exemplos mostram mais a repetição de ideias prevalentes
antes de realizar a pesquisa do que resultados baseados nos dados, o que
sinaliza a necessidade de um cuidado maior dos pesquisadores ao reportar
os resultados dos seus estudos.
QUAIS AS CONTRIBUIÇÕES E QUAIS AS OMISSÕES?
Com base na análise das dissertações e teses dos pós-graduandos,
podemos concluir que a pesquisa trouxe alguns avanços na delimitação do
campo de formação de professores.
Se ao analisar a produção científica dos anos 1990 havíamos
identificado o tratamento isolado “dos cursos de formação e da práxis, da
formação inicial e continuada” (André et. al., 1999, p. 309), pudemos constatar,
nos anos 2000, uma tentativa de superação dessa dicotomia, quando o foco
privilegiado das pesquisas passa a ser as concepções, as representações,
os saberes e as práticas do professor. Ao desenvolver esses estudos, os
pesquisadores tentavam obter dados que vinculassem as experiências e
práticas do professor com sua formação, o que constitui um avanço em relação
ao que era feito na década anterior, pois mostra uma concepção da formação
docente como um continuum, o que condiz com a literatura recente da área.
Um outro elemento que mostra o avanço das pesquisas é a
combinação de diferentes formas de coleta de dados. Muitos pesquisadores
associaram a entrevista com o exame de documentos, outras vezes com
questionário ou observação. Tal variedade de fontes de coleta possibilita uma
apreensão mais rica das questões sobre formação de professores.
No entanto, ainda há muito que aperfeiçoar na pesquisa para que
haja uma contribuição efetiva na configuração do campo, porque embora o
propósito seja nobre, o tratamento dos dados das pesquisas, em geral, deixa
muito a desejar. As análises ficam restritas aos depoimentos dos sujeitos, o
que gera um conhecimento muito pontual. O exame da metodologia dos
estudos, como foi comentado, indicou um grande percentual de microestudos
– que se caracterizavam por estudos de fenômenos muito localizados,
35
envolvendo, em geral, tomada de depoimentos de um pequeno número de
sujeitos e análises situadas. Torna-se necessário dar um passo além,
aprofundar as análises e interpretações, de modo que se possa gerar um
conhecimento mais abrangente e consistente.
O deslocamento do foco das pesquisas – dos cursos para o professor
– tem seu lado positivo por tentar romper a separação entre formação inicial e
continuada, entre formação e prática docente, mas o alerta deve ser mantido
não só em termos de que é preciso adensar as análises, o que implica
aprofundamento teórico e metodológico, mas também no que tange à ampliação
dos aspectos a serem investigados. Uma área tão complexa requer estudos
que contemplem múltiplas dimensões, que recorram a múltiplos enfoques e
abranjam uma variedade temática.
Em mapeamento anterior (André, 2009) indicamos vários temas
silenciados nas pesquisas dos pós-graduandos sobre formação docente; tais
como as condições de trabalho, planos de carreira e organização sindical dos
docentes; a dimensão política na formação do professor, assim como a
formação docente para atuar em movimentos sociais, em ONGs, com
população indígena e com a diversidade cultural. No levantamento das
dissertações e teses de 2007 verificamos que essas lacunas ainda
permanecem. Dos 298 estudos analisados, apenas 10 (3%) focalizaram as
condições de trabalho dos docentes, apenas 13 (4%) investigaram as políticas
de formação.
Quanto aos resultados das pesquisas, há muito que melhorar, tanto
na forma de apresentação quanto na precisão. O que se encontrou nas
pesquisas de 2007 foram, em muitos casos, registros muito genéricos dos
achados, nem sempre vinculados aos objetivos ou à metodologia. Em outros
casos, os resultados eram reportados, sem que ficasse explícito o que
exatamente e o quanto havia sido alcançado. Com tal imprecisão, fica muito
difícil determinar as contribuições da pesquisa.
REFERÊNCIAS
ANDRÉ, Marli E. D. A. A produção acadêmica sobre formação de professores: um estudo
comparativo das dissertações e teses defendidas nos anos 1990 e 2000. Formação Docente
– Revista Brasileira de Pesquisa sobre Formação Docente, v. 1, n. 1, ago/dez 2009, pp. 41-
56 (http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br)
36
ANDRÉ, M. et al. Estado da arte da formação de professores no Brasil. Educação e Sociedade,
Ano XX, n. 68, dezembro 1999, pp. 301-309
GARCIA, Carlos Marcelo. Formação de professores. Para uma mudança educativa. Porto:
Porto Editora, 1999.
IMBERNÓN, F. Formação docente e profissional. São Paulo: Cortez Editora, 2000, 3. ed.
(Coleção Questões de Nossa Época, v.77)
MARCELO, C. Desenvolvimento profissional: passado e futuro. Sísifo. Revista das Ciências
da Educação, n. 08, jan/abr 2009, pp. 7-22
MIZUKAMI, Maria das Graças N. et al. Escola e aprendizagem da docência. São Carlos, São
Paulo: Edufscar, 2002.
NÓVOA, A. O regresso dos professores. Livro da Conferência “Desenvolvimento Profissional
de Professores para a Qualidade e para a Equidade da Aprendizagem ao longo da Vida”.
Lisboa, 2007. Editado pelo Ministério de Educação, Portugal, 2008.
OLIVEIRA, M. R. N. S. “20 anos de Endipe”. In: CANDAU, V.M. (org.) Didática, Currículo e
Saberes Escolares. Rio de Janeiro: DP&A, 2000, pp. 161-176.
ZEICHNER, K. Uma agenda de pesquisa para a formação docente. Formação Docente –
Revista Brasileira de Pesquisa sobre Formação Docente, v. 1, n.1, ago/dez 2009, pp. 13-40
(http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br)
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FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA: DO
DIREITO DOS PROFESSORES À ESCRITA E À
LEITURA LITERÁRIA
SONIA KRAMER (PUC-RIO)
Desde os meus dez anos, é para mim uma espécie de dogma o fato de
que eu consisto de
 muitas pessoas, das quais de forma alguma estou consciente. Creio
que são elas que determinam o que me atrai ou me repugna nas pessoas
que encontro. Foram elas o pão e o sal de meus primeiros anos. São
elas a verdadeira vida secreta de meu intelecto.
(Elias Canetti, 1987, p. 105)
Estou este ano celebrando quarenta anos de magistério. Ao longo
desta trajetória, me interessam todos os temas que significam a possibilidade
de uma educação contra a barbárie. A escrita deste texto traz a oportunidade
de tratar de uma dupla inserçãoe compromisso que o tema me oferece, na
38
defesa de um aspecto central na concepção e na prática da formação inicial e
da formação continuada: os professores têm direito à escrita e à leitura literária
como parte do processo de formação cultural que deve constituir sua formação
nas duas modalidades.
De um lado, venho estudando o que leem e escrevem professores:
entrevistando-os, ouvindo e registrando relatos, tento compreender suas
relações com a escrita na vida e no trabalho. Em diversos projetos de pesquisa
que desenvolvi, muitos professores falavam da importância da família na criação
do gosto de ler e do papel secundário desempenhado pela escola; contavam
como era forçada a leitura, muitos já tinham gostado de ler um dia, outros
diziam de muitas lembranças – boas ou más – que a conversa de leitura e
escrita neles suscitava, do dever de ler imposto pela escola em que tinham
sido alunos. Eram histórias de desprazer, imposição, obrigatoriedade, de
vontade de não ler. A escola produz não leitores?, perguntei em outro momento
(Jobim e Souza e Kramer, 1996). A leitura na escola se fecha em leitura da
escola, onde notas, “provas de livros”, fichas e apostilas com resumos das
histórias ocupam o tempo e o espaço que poderiam ser destinados a
simplesmente ler e desfrutar o livro? A aversão por textos literários, pela
literatura, é ensinada na escola?
De outro lado, venho trabalhando com literatura na minha experiência
como professora, na graduação e na pós-graduação, em disciplinas direta ou
indiretamente vinculadas ao tema. Essa prática se dá de diferentes formas, já
relatadas em outros textos (Kramer, 1995; 2003; 2010; Oswald e Kramer,
2001) e tem como diretriz a conciliação de duas noções: as pessoas (e,
portanto, os professores), que não são leitores viveram histórias de imposição
e constrangimento a ler; as pessoas (e, portanto, os professores) podem se
tornar leitores e para isso precisam ser iniciados com liberdade. Nos meus
cursos regulares, dados como formação inicial – em particular os voltados à
Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa e Literatura Infantil – e nas ações
diretas e nos trabalhos de consultoria e intervenção a creches, pré-escolas e
escolas, na formação continuada, é meu objetivo central a formação dos
professores como leitores.
Também tenho me dedicado ao tema da escrita como parte da
formação. Em entrevistas, estudantes de Pedagogia e professores relatam
que quando jovens jogaram fora, queimaram, rasgaram textos que escreveram,
por vergonha, timidez, medo de mostrar para o outro e ser criticado, ou porque
a própria escola ensinou a temer a folha em branco e a tremer diante dela
(essa escola onde com frequência se escreve não para ser lido, mas para ser
corrigido. Aprendi com a pesquisa e com a formação que a possibilidade de
39
ler e de escrever e de aprender com essas práticas desempenha um papel
central na constituição do sujeito. E que é possível tornar professores pessoas
que leem e escrevem, superando a atitude de jogar a culpa nos outros. Na
minha prática de professora, busco alternativas para que passem a ler, voltem
a ler, para que não tremam diante da folha em branco. Entender a leitura e a
escrita como experiência tem sido fundamental nesse processo e este é o
foco do texto que apresento.
Assim, o objetivo deste texto é refletir sobre leitura e a escrita como
experiência central na formação inicial e na formação continuada. Inicialmente,
trato do conceito de experiência; em seguida de formação e, no terceiro item,
das práticas na direção da leitura e da escrita.
O AVESSO: LEITURA E ESCRITA COMO EXPERIÊNCIA
Grandes são os avanços no campo teórico, a revolução conceitual e
a mudança no nosso conhecimento sobre as formas e os processos de ler e
escrever. Desde Paulo Freire (1976) e seu entendimento da alfabetização
como ação cultural, passando pelos estudos da sociolinguística, da sociologia
da linguagem e da psicolinguística, chegando à história da leitura e à
antropologia, temos enfrentado questões do letramento que nos situam em
outro patamar de reflexão, de discussão crítica e de proposição de políticas e
de práticas.
Tomando por base a teoria crítica da cultura e da modernidade, em
especial Walter Benjamin (1987a, 1987b), a narrativa é diálogo e rememoração,
com papel central na constituição do homem como sujeito social, enraizado
na coletividade. Tomo de empréstimo a denúncia que o filósofo faz à perda da
capacidade de narrar em consequência do definhamento da experiência do
homem moderno, sem diferenciar modernidade e pós-modernidade, mas
considerando que o processo se agrava e acentua. Benjamin distingue vivência
(reação a choques) e experiência (vivido que é pensado, narrado): na vivência,
a ação se esgota no momento de sua realização (por isso é finita); na
experiência, a ação é contada a um outro, compartilhada, se tornando infinita.
Esse caráter histórico, de permanência, de ir além do tempo vivido e de ser
coletiva constitui a experiência.
Mas o que significa entender a leitura e a escrita como experiência?
A leitura pode ser fruição, divertimento, prática que informa, comunica, avisa.
Não proponho uma definição exclusiva nem penso que toda a leitura e toda a
escrita precisam ser feitas como experiência, nem que se não for experiência
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não é leitura nem escrita. Instrumentalizar é também necessário, importante,
tal como o é divertir-se, envolver-se, praticar. Apenas me parece que para se
constituir como formadoras a leitura e a escrita precisam se concretizar como
experiência. E é disso que trato aqui.
Tomemos a leitura. Está ela sendo praticada como passatempo ou
como algo que passa para além do seu tempo de realização, do tempo vivido?
É a segunda modalidade de ação leitora que me interessa. O leitor leva rastros
do vivido no momento da leitura para depois ou para fora do momento imediato
– isso torna a leitura uma experiência. Sendo mediata ou mediadora, a leitura
levada pelo sujeito para além do dado imediato, permite pensar, ser crítico da
situação, relacionar o antes e o depois, entender a história, ser parte dela,
continuá-la, modificá-la.
Na contemporaneidade falta tempo também de ler e escrever. Faltam
textos de qualidade e de contextos que incentivem a leitura como experiência.
Vivemos o paradoxo de que muito se fala sobre leitura, mas os livros que
continuam vendendo mais são os didáticos. No Brasil, em muitos municípios
não há bibliotecas ou livrarias. Há tempo e espaço para leituras que sejam
feitas como experiência? Há livros e políticas culturais que favoreçam tais
práticas?
Levar algo da leitura para além do seu tempo, para além do momento
mesmo em que se realiza – aqui reside a dimensão de experiência que chamo
de avesso. Por quê? Por considerar como experiência o processo de leitura
ou de escrita (o ato, a prática, a forma) que engendra uma reflexão sentida
sobre aspectos fundamentais da vida humana; leitura compartilhada – ainda
que seja com o autor – daquilo que a gente pensa, sente ou vive. Leitura que
provoca a ação de pensar e sentir criticamente as coisas da vida e da morte,
os afetos e suas dificuldades, os medos, sabores e dissabores; que permite
conhecer questões relativas ao mundo social e às tantas e tão diversas lutas
por justiça (ou o combate à injustiça). Compreender a leitura desse modo, a
partir desse olhar teórico, tem implícito o reconhecimento de valores
menosprezados pela sociedade contemporânea: valores tais como
generosidade, solidariedade e coletividade – enquanto se enfatiza o culto do
indivíduo, de suas necessidades e de sua esperteza em passar a perna no
outro, levar vantagem, obter lucros e poder.
Quando penso na leitura como experiência (na escola, na sala de
aula ou fora delas), refiro-me a momentos onde fazemos comentários sobre
livros ou revistas que lemos, trocando, negando, elogiando ou criticando,
contando mesmo. Enfim, situações onde

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