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Coleção ANPED SUDESTE 2011 Livro 2 Formação de Professores, Culturas Desafios à Pós-graduação em Educação em suas múltiplas dimensões Helena Amaral da Fontoura Marco Silva Organizadores Rio de Janeiro ANPEd Nacional 2011 Coleção ANPED SUDESTE 2011 Livro 2 Helena Amaral da Fontoura Marco Silva Organizadores Rio de Janeiro ANPEd Nacional 2011 Formação de Professores, Culturas Desafios à Pós-graduação em Educação em suas múltiplas dimensões FICHA TÉCNICA Copyright © 2011 by authors Categoria E-book online egresso de evento de associação científica nacional. [Ref. X Encontro de Pesquisa em Educação da Região Sudeste. “Pós-Graduação em Educação na Região Sudeste em suas múltiplas dimensões”; evento da ANPEd Sudeste 2011 (http://www.fe.ufrj.br/anpedinha2011/sobre.html)] ISBN Coleção ANPED SUDESTE 2011 978-85-60316-12-0 Título/subtítulo Formação de Professores, Culturas: desafios à Pós-graduação em Educação em suas múltiplas dimensões Organizadores Helena Amaral da Fontoura e Marco Silva ISBN 978-85-60316-14-4 Ficha Catalográfica Formação de Professores, Culturas: desafios à Pós-graduação em Educação em suas múltiplas dimensões/ Helena Amaral da Fontoura e Marco Silva (orgs.). Rio de Janeiro: ANPEd Nacional, 2011. Modo de acesso: Disponível em: http://www.fe.ufrj.br/anpedinha2011/livro2.html Textos convidados para mesas temáticas do X Encontro de Pesquisa em Educação da Região Sudeste. “Pós-Graduação em Educação na Região Sudeste em suas múltiplas dimensões”, realizado na UFRJ, UNIRIO e UERJ, entre 10 e 13 de julho de 2011. Bibliografia. ISBN 978-85-60316-14-4 1. Educação 2. Formação de professores 3. Culturas. Permitidos o download, o arquivamento, a reprodução e a retransmissão [por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação] desde que citada a fonte. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Concepção do projeto e responsabilidade editorial Helena Amaral da Fontoura e Marco Silva Editores ANPEd Nacional-Associação Nacional de Pesquisadores em Educação (CNPJ:30018410/0001-20) End. com.: Rua Visconde de Santa Isabel, 20 - conj 206-208 Vila Isabel - Rio de Janeiro - RJ - CEP: 20560-120 Fone: (0xx21) 25761447 Telefax: (0xx21) 3879.5511 anped@anped.org.br Apoio CAPES – Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico Faperj – Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro Planejamento, supervisão e edição geral Helena Amaral da Fontoura e Marco Silva Concepção visual (capa e layout) Marco Silva e Nayara Machado Obtenção do ISBN na Biblioteca Nacional Esther Costa Revisão e edição final dos textos Helena Amaral da Fontoura e Marco Silva Revisão Técnica e Normalização (NBR ABNT 6023/2002 e 10520/2002) Alexandre Alves Diagramação e editoração eletrônica dos textos Priscila Evangelista - Editora Forma Diagramação - www.formadiagramacao.com.br Data de publicação Julho de 2011 Endereços para correspondência Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro Avenida Pasteur, 250 fundos, sala 234 - CEP:22290-902 - Campus da Praia Vermelha tel: (21)2295-4047 / (21)2295-4047 e-mail:ppge@fe.ufrj.br EDITADO NO E DISTRIBUÍDO A PARTIR DO BRASIL EDITED IN AND DISTRIBUTED FROM BRAZIL Conselho Editorial Ahyas Siss Carmen Teresa Gabriel Claudia Fernandes Elisângela Bernardo Jane Paiva Helena Amaral da Fontoura Marcelo Andrade Marco Silva Maria Cecília Fantinato Maria Inês Marcondes de Souza Maria Isabel Ramalho Ortigão Mônica Mandarino Rita de Cássia Frangella Sonia Maria De Vargas Sumário PREFÁCIO ................................................................................................................. 8 FORMAÇÃO DE PROFESSORES, CULTURAS: CONHECIMENTOS EM BORDADO . ................................................................................................................................ 14 HELENA AMARAL DA FONTOURA (FFP/UERJ) MARCELO ANDRADE (PUC-RIO) MARIA CECÍLIA FANTINATO (UFF) RITA FRANGELLA (FEBF/UERJ) SONIA MARIA DE VARGAS (UCP) PESQUISAS SOBRE FORMAÇÃO DE PROFESSORES: TENSÕES E PERSPECTI- VAS DO CAMPO ...................................................................................................... 24 MARLI ANDRÉ (PUC-SP) FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA: DO DIREITO DOS PROFESSORES À ES- CRITA E À LEITURA LITERÁRIA .............................................................................. 37 SONIA KRAMER (PUC-RIO) COMO ALGUÉM APRENDE A SER PROFESSOR? ................................................. 50 SÔNIA MARIA CLARETO (UFJF) RESSIGNIFICAÇÕES PARA A PRÁTICA PEDAGÓGICA EM MATEMÁTICA: PRÉ- REQUISITO DO EDUCANDO E ESCUTA DOCENTE............................................... 62 MARIA DO CARMO S. DOMITE (USP) O PAPEL DA FORMAÇÃO INICIAL NA CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES PROFIS- SIONAIS DE ALUNAS DO CURSO DE PEDAGOGIA............................................... 70 RITA DE CÁSSIA DE ALCÂNTARA BRAÚNA (UFV) PESQUISA EM PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO E A FORMAÇÃO DE PROFES- SORES: TENSÕES E DESAFIOS CURRICULARES NO TEMPO PRESENTE ........ 81 ANA MARIA F. C. MONTEIRO (UFRJ) A FORMAÇÃO COMO POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO E TRANSFORMA- ÇÃO DE MATRIZES PEDAGÓGICAS..................................................................... 107 ECLEIDE CUNICO FURLANETTO (UNICID) A LEITURA NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR E O PAPEL DO PROFESSOR NA FORMAÇÃO DO ALUNO LEITOR ........................................................................... 119 PEDRO BENJAMIN GARCIA (UCP) DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DA DOCÊNCIA E ESPAÇOS VIRTUAIS DE FORMAÇÃO: O CASO DO PORTAL DOS PROFESSORES DA UFSCAR ............. 129 ALINE M. DE M. R. REALI (UFSCAR) CURRÍCULOS, CONHECIMENTOS, CULTURAS E COTIDIANOS ESCOLARES EM NARRATIVAS E IMAGENS ..................................................................................... 144 CARLOS EDUARDO FERRAÇO (UFES) EDUCAÇÃO E CULTURAS: APROXIMAÇÕES E DISTANCIAMENTOS ................. 172 SANDRA PEREIRA TOSTA (PUC- MINAS) OS SENTIDOS DA CULTURA NA ESCOLA DE ENSINO FUNDAMENTAL............. 188 MARIA DE LOURDES RANGEL TURA (PROPED/UERJ) SENTIDOS DA CULTURA ESCOLAR: DISCIPLINAS ESCOLARES E IDENTIDADES DOCENTES ........................................................................................................... 199 MARIA INÊS PETRUCCI ROSA (UNICAMP) SOBRE OS AUTORES .......................................................................................... 210 8 PREFÁCIO FAZER PESQUISA EM EDUCAÇÃO: ENTRE TRADIÇÃO E TRADUÇÃO CARMEN TERESA GABRIEL - UFRJ CLAUDIA FERNANDES - UNIRIO Na primeira quinzena de julho de 2011, reuniram-se no Rio de Janeiro, ao longo de quatro dias, diferentes pesquisadores e estudantes de pós- graduação stricto sensu vinculados aos 42 programas de Pós Graduação em Educação da Região Sudeste. Como nas edições anteriores, o propósito desse evento - o X Encontro de Pesquisa em Educação da Região Sudeste – Pós- Graduação em Educação na Região Sudeste em suas múltiplas dimensões - foi de refletir, discutir e compartilhar questões de pesquisa, quadros teóricos, percursos metodológicos e resultados que fazem parte do nosso cotidiano profissional. Discussões historicamente contextualizadas que se tornam possíveis nesse Brasil que nos é contemporâneo indicando os desafios políticos e os dilemas epistemológicos para quem fala do campo educacional, do lugar de pesquisador e de formador de pesquisadores. 9 Essa coletânea, composta pelos textos encomendados para compor as mesas temáticas desseevento, transpira, pois, os ares desses nossos tempos. Mas não só. É possível perceber, e não poderia ser diferente, as marcas das permanências que falam das tradições disciplinares do nosso campo. Desse modo essa coletânea reafirma o lugar do fazer pesquisa em educação entre a tradição e a tradução, um movimento incessante e inacabado de procura de fixação de uma identidade que coloque esse fazer no interior da fronteira móvel que estabelece o que é e o que não é legitimo ao terreno da cientificidade. Os títulos de cada um dos três volumes - Vol. 1 Formação de Professores, Culturas; Vol. 2 Práticas Pedagógicas, Linguagens e Mídias , e Vol. 3 Políticas Públicas, Movimentos Sociais – expressam bem o movimento pendular anteriormente mencionado e não deixam de ser uma forma possível de narrar esse movimento. Com diferentes perspectivas teóricas, recortes e enfoques, os textos, organizados nesses três volumes, retomam antigas interrogações, revisitam temáticas clássicas do campo, questões que intervém sistematicamente ao longo de sua trajetória constituindo- se como a força de sua tradição. Do mesmo modo, abordam temas que emergem como objeto de pesquisa no campo educacional em nossa contemporaneidade, aceitando os desafios postos pelas exigências e demandas de nosso presente. O termo “tradição” que utilizamos está longe de significar a tentativa de recuperar a “pureza” do passado ou um retorno às raízes ou, ainda, a necessidade de redescobrir unidades e certezas que são sentidas como perdidas. Reconhecer a importância do passado na construção da identidade de um campo científico é reconhecer a nossa condição de ser-afetado, como pesquisadores e professores, pelo passado. Afinal dizer a identidade de um campo científico é também responder questões como quem pesquisa, quando , o quê e por quê. Essa coletânea deixa ver que é sempre possível, em determinados presentes históricos, combinar passados e futuros de formas diferenciadas, isto é tramar enredos diferentes e, até mesmo, opostos de uma história possível desse campo. Desse modo o conjunto de textos desses três volumes permite colocar em evidência permanências e mudanças sejam de temas, enfoques teóricos ou apostas metodológicas, nos oferecendo uma dessas histórias possíveis. 10 Entre essas permanências destacamos duas marcas do campo que perpassam esses textos: a pluralidade teórica e a busca de afirmação de sua cientificidade. Importa sublinhar que a presença desses traços de continuidade pode se manifestar textualmente de diferentes formas: na escolha do quadro teorico-metodológico, na análise crítica de determinados discursos hegemônicos, em propostas alternativas de leituras do campo, por exemplo. Afirmar a permanência de alguns traços não significa necessariamente a defesa dos mesmos. Uma análise crítica dessas permanências significa que elas continuam dentro dos limites do campo de possibilidades de reflexão no âmbito educacional. No que se refere à primeira marca mencionada, trata-se de sua identidade múltipla e multifacetada decorrente do fato de o campo educacional se constituir como campo de conhecimento a partir de uma pluralidade de campos científicos. Com efeito, a constituição do campo educacional como campo de produção de conhecimento tem vocação multidisciplinar desde o momento inicial do processo de autonomização do campo, na década de 20, com os Pioneiros da Educação (Anísio Teixeira, Fernando Azevedo, Lourenço Filho, Sampaio Dória, Afrânio Peixoto) e a criação do INEP com Lourenço Filho em 1937. A criação do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais CBPE, com Anísio Teixeira em 1952, teve por finalidade realizar estudos sociológicos, antropológicos, estatísticos, psicológicos e históricos sobre a realidade educacional brasileira. Os Centros Regionais de Pesquisa Educacionais em Belo Horizonte, Recife, Salvador, São Paulo e Porto Alegre mantinham uma articulação com as universidades dessas localidades, marcando de certa forma, o ponto de partida do fazer pesquisa em educação no Brasil. À época, a agregação de diferentes tradições disciplinares confere maior status ao campo educacional e possibilitava maiores condições de interpretar a complexidade dos fenômenos educativos. Esse processo a partir da segunda metade do século XX tendeu a se ampliar e se intensificar por questões que extrapolam o campo educacional. O debate epistemológico contemporâneo coloca em evidência a potencialidade do entrecruzamento das fronteiras disciplinares e/ou entre campos científicos para a construção de possibilidades de leitura dos fenômenos sociais contemporâneos. Nesse contexto, o campo educacional reforça sua tradição, incorporando perspectivas e interlocuções teóricas que de alguma forma deslocam algumas de suas linhas divisórias internas. Os textos que configuram essa coletânea dialogam com antigos e novos campos 11 de estudo para tratar de temáticas clássicas ou emergentes no campo educacional. No entanto o reconhecimento dessa identidade híbrida do ponto de vista teórico nem sempre foi utilizado como argumento de positividade para a afirmação da cientificidade do campo educacional. Se, como mencionado anteriormente, a estratégia de agregar as contribuições de diferentes horizontes teóricos funcionou como estratégia de aquisição de maior status, paradoxalmente, essa heterogeneidade dificultou e dificulta, muitas vezes, o enfrentamento com outros campos disciplinares na luta pela afirmação da legitimidade da cientificidade do campo educacional. Não é por acaso a presença de debates recorrentes no campo educacional que giram em torno de questões como rigor e qualidade das pesquisas nessa área. Vários são os argumentos desenvolvidos para questionar tanto a legitimidade buscada como a legitimidade da própria busca. Discursos que persistem em colocar a educação como “o lugar da aplicação de conhecimentos produzidos em outros campos” ainda estão presentes em muitos textos educacionais que circulam atualmente. A luta contra esse esvaziamento epistemológico do campo educacional negando-lhe o seu lugar crucial na produção de grades de inteligibilidade dos fenômenos sociais tem sido uma de suas outras marcas de permanência. Hoje essa luta apresenta resultados positivos palpáveis. Com efeito a pesquisa e a pós-graduação em educação no Brasil conquistaram, nos últimos anos, ao lado das demais áreas, um lugar de destaque e de importância, pelos investimentos feitos tanto em nível federal quanto no âmbito das agências estaduais. Os destacados avanços e conquistas também são frutos dos esforços da comunidade acadêmica que em suas tentativas de estabelecer, cada vez mais, vínculos com a sociedade (fóruns, conferências, entre outros), busca produzir o conhecimento socialmente referenciado. Essa coletânea se insere nesse movimento. Os diferentes textos em suas diferenças mostram como essa busca pela cientificidade do campo tem permitido a emergência de novos problemas, novas metodologias, novos enfoques, sem, no entanto perder o rigor científico entendido como o limite radical, pactuado entre as diferentes ciências sociais, que define o que é considerado como estando dentro ou fora desse contexto discursivo. O desafio que se coloca para o fazer pesquisa em educação consiste assim em continuar buscando caminhos teorico-metodológicos que possam equacionar a tensão entre a potencialidade analítica - oriunda dessa abertura 12 à incorporação de diferentes contribuições - e a afirmação da especificidade das questões formuladas a partir desse campo. Esse segundo pólo da tensão nos remete a outra questão cara ao campo educacional e que se relaciona igualmente ao segundo traço de permanência destacado: a busca da afirmação da sua cientificidade. O que está em jogo aqui diz respeito aos argumentos desenvolvidos para fixar o que é específico a esse campo. Uma das críticas endereçadas às produções da área e quevai no sentido de questionar a sua possibilidade de produzir conhecimento cientifico, está diretamente vinculada a um dos argumentos muito utilizados para a fixação das questões específicas à educação. Trata-se principalmente de sua imbricação nas questões políticas mais candentes, justificada pelas características do terreno no qual as pesquisas educacionais tendem a eleger como empiria. Nesse jogo, a fronteira no campo educacional, entre o engajamento político-teórico em termos da explicitação de nossas escolhas de projetos societários - presente no fazer pesquisa de qualquer campo científico- e a militância política pautada na crença de um único caminho de mudança possível, tende a tornar-se bastante tênue. Dito de outra maneira, em nome de uma especificidade de nossa área, o fazer pesquisa em educação tem que estar sempre atento para não fixar um “deve ser” que seja muito mais da ordem da prescrição do que da aposta política. Esse risco é proporcional ao volume e complexidade das demandas e exigências da educação básica e superior no Brasil desde a primeira década do século XX. Uma situação de injustiça social e educacional que se manifesta tanto em termos do acesso desigual aos bens culturais, entre eles o conhecimento sistematizado produzido em contexto escolar, como em termos dos critérios utilizados para legitimar esses conhecimentos a serem ensinados. Do mesmo modo e pautada no entendimento político, como anteriormente mencionado, a pesquisa educacional é muitas vezes interpelada para oferecer soluções para os problemas que afligem o cotidiano das escolas e universidades como se esse tipo de pragmatismo fosse o que justificasse a própria existência do campo.O desafio, nesse caso, para os pesquisadores do campo educacional, é marcar uma posição entre o tempo de reflexão, necessário para a produção do trabalho científico, e o tempo da ação política pautada pela urgência. Reflexão e urgência, rigor e engajamento têm marcado a trajetória desse campo exigindo posicionamentos por parte de seus pesquisadores. Os textos dessa coleção apontam que esse posicionamento 13 não precisa ser dicotômico e que formas possíveis de articular esses pólos já estão disponíveis no campo educacional. Por fim, vale ainda ressaltar que formato dessa coleção em três volumes - reunindo os textos de cada dois dos seis eixos temáticos em torno dos quais se organizou o evento – procurou, ao propor essa configuração, não apenas evidenciar, como já mencionado, o movimento pendular - entre tradição e tradução - do campo. Ele também expressa a tônica dos trabalhos apresentados e discutidos ao longo do evento. Temas clássicos como formação de professores, práticas pedagógicas ou políticas públicas foram discutidos a partir de diferentes enfoques em função dos diálogos estabelecidos com as contribuições teóricas disponíveis na atualidade e das urgências políticas de nossa sociedade como, por exemplo, a questão da construção de uma escola inclusiva ou da formação de jovens e adultos. Em alguns casos, o estreitamento desses diálogos permitiu a emergência no campo de outras temáticas como a questão cultural, os movimentos sociais ou as linguagens, novas tecnologias e mídias, que tendem a ocupar, nos debates, um lócus onde os problemas de pesquisa do campo educacional passam a ser formulados. Terminamos convidando os leitores a participar desse movimento, e entrar nessa roda de conversa com suas leituras, olhares e projetos. Afinal, o tema “Pós-Graduação em Educação na Região Sudeste em suas múltiplas dimensões” proposto para o X Encontro de Pesquisa em Educação da Região Sudeste, representou mais uma oportunidade de construção do conhecimento, favorecendo o debate e o enriquecimento politico-institucional em um espaço de adensamento e socialização da produção acadêmica que venha a dar visibilidade às tensões e questões específicas do fazer pesquisa educação. JULHO DE 2011 14 FORMAÇÃO DE PROFESSORES, CULTURAS: CONHECIMENTOS EM BORDADO HELENA AMARAL DA FONTOURA (FFP/UERJ) MARCELO ANDRADE (PUC-RIO) MARIA CECÍLIA FANTINATO (UFF) RITA FRANGELLA (FEBF/UERJ) SONIA MARIA DE VARGAS (UCP) O mais importante do bordado É o avesso É o avesso O mais importante em mim É o que eu não conheço O que eu não conheço O que de mim aparece É o que dentro de mim Deus tece Quando te espero chegar eu me enfeito, eu me enfeito Jogo perfume no ar Enfeito meu pensamento Às vezes quando te encontro 15 Eu mesma não me conheço Descubro novos limites Eu perco o endereço É o segredo do ponto O rendado do tempo É como me foi passado o ensinamento O que eu não conheço (Jorge Vercillo e J. Velloso) INTRODUÇÃO Apresentamos aqui um texto que borda conhecimentos e saberes em duas áreas, uma área aparentemente saturada deles: a formação de professores, e outra em ativa constituição: a discussão sobre culturas e sua implicação em educação. Os autores que nos vieram para bordar junto trazem seus pontos de pesquisa, cada um tecido à sua maneira, com suas cores e padronagens, a nós cabe tecer esse imenso tapete de contribuições. O que trazemos de nosso para esse ‘descobrir novos limites’? DIÁLOGOS INICIAIS Com Marli André, a partir da análise de produções na área de educação nos últimos anos, aprendemos que fazer pesquisa em formação de professores pode sempre vir a ser (re) descoberta. Faz um balanço dos principais avanços na área e indica aspectos a serem fortalecidos Ao trazer o campo como autônomo, fala também da possibilidade de construção dessa autonomia dos professores que constituem esse campo, uma conquista a ser construída. Aponta as escolhas metodológicas como concentradas em perspectivas que incluem os envolvidos como colaboradores, parcerias que vêm sendo enfatizadas. Fala da substituição da ideia de formação continuada por desenvolvimento profissional docente, muito mais na linha de continuum, do ‘rendado do tempo’ que se vai construindo fruindo saberes e sabores. Arrematando os pontos, traz a autora: Pode-se concluir que o que as pesquisas revelam sobre o campo da formação de professores é um conhecimento parcelado, incompleto. Aponta ainda que quanto aos resultados das pesquisas, há muito que melhorar, tanto na forma de apresentação quanto na precisão. Bordados a (re)bordar... 16 Sonia Kramer traz a formação ligada à escrita e leitura literária, área cara à sua trajetória de pesquisadora. Somos parte do que escolhemos investigar e o que pesquisamos é parte constitutiva de nós. Afirma que os professores têm direito à escrita e à leitura literária como parte do processo de formação cultural que deve constituir sua formação nas duas modalidades. Declara seu objetivo central ser a formação de professores como leitores, mas também vê a escrita como parte da formação. Leitura imposta e desprazerosa, escrita envergonhada e escondida, parte dos relatos colhidos em suas investigações pelo campo da formação relacionada às áreas em tela. Leitura como fruição, experiência, aventura, compartilhamento, esse é o desejo expresso da autora, como o ‘enfeite de pensamento’ de nosso compositor epigrafado. Em depoimento pessoal, escreve a autora: Ler para mim sempre foi parte de uma possibilidade de sentir o mundo, compreender o mundo, as pessoas, o sofrimento, a injustiça e as conquistas. Com a literatura, lembro e esqueço, me indigno, rio, choro, sofro e tenho prazer. Usando o avesso [do bordado] fala de possibilidades de trabalho compartilhando sua experiência. Sonia Clareto indaga como aprendem os professores, problematizando aspectos de sua formação. “Formar: produzir uma forma.” Mais uma vez aparece o avesso[do bordado] quando se indaga a autora: “Como operar no avesso da forma-professor? Como se constitui este avesso? Olhar para o avesso da forma requer uma compreensão do mundo como um coletivo de forças.” Foca nas políticas cognitivas que animam o processo de constituiçãoda forma-professor. Lançando mão, como recurso de escrita, das três metamorfoses anunciadas pelo Zaratustra de Nietzsche, identifica três modos pelos quais podemos olhar a formação do professor: o modo-camelo (valores a serem carregados), o modo-leão (valores a serem negados) e o modo- criança (valores em permanente processo de criação). Diz da formação não se tratar apenas de saber algo, no sentido de reconhecer este algo ou constituir uma ‘imagem mental’ para este algo. Trata- se, diferentemente, de um processo de produção de si e do mundo. Esta noção se aproxima do tornar-se o que se é de Nietzsche. Aprendizagem como processo de invenção de si e do mundo. Abertura. Fendas. Finaliza a autora propondo uma formação de um modo mais amplo, formação como cultivo. Cultivo de si e do mundo. 17 A escuta sensível e a ampliação do olhar estão na base da reflexão de Maria do Carmo Domite, que se baseia na abordagem dialógica paulofreireana de ensino-aprendizagem, para rediscutir a formação de professores de matemática e a re-significação da sua prática pedagógica. O trabalho traduz a perspectiva teórico-metodológica da etnomatemática, na qual a autora tem centrado suas pesquisas. Questiona-se o ensino da matemática focado fundamentalmente na memorização de fórmulas e procedimentos decorados e reivindica uma prática pedagógica diferenciada que coloque, no centro das preocupações dos professores, os conhecimentos primeiros dos educandos. Tomados como ponto de partida, esses conhecimentos, constituídos em contextos culturais diversos, recheados de memória, símbolos e raciocínio, poderão ser um elo positivo no processo de construção de um pensamento mais crítico e elaborado das idéias matemáticas. Rita de Cássia Braúna discute a construção da identidade profissional do pedagogo por meio do relato da pesquisa realizada junto a alunas do curso de pedagogia da Universidade Federal de Viçosa. Como o estudo demonstra, o curso de pedagogia não foi a primeira opção das alunas no vestibular, representando para muitas a possibilidade de acesso ao ensino superior. Neste sentido a autora argumenta sobre a importância da formação inicial na constituição da identidade profissional das pedagogas, ressaltando que a identificação das alunas com a profissão se deu ao longo de sua formação no curso de pedagogia, no qual desenvolveram saberes disciplinares e pedagógicos-didáticos... assim como os saberes experenciais vivenciados em atividades curriculares e extracurriculares. Nesse processo formativo, as experiências nos estágios assumem papel significativo na construção identitária por se constituírem locus privilegiado da articulação teoria-prática. As vivências em espaços específicos de atuação profissional e o relacionamento com os diferentes atores sociais envolvidos no cenário escolar - professores, gestores e alunos - possibilitam rever e recriar conceitos, estruturando novas formas de ensinar e aprender. Focalizando o processo de formação de professores nas universidades brasileiras, Ana Maria Monteiro focaliza a tradição curricular instituída desde a década de 30, caracterizando aspectos do modelo de formação pautado na racionalidade técnica e instrumental que deu origem a currículos marcados por uma dicotomia que permanece como um grande desafio a ser superado. 18 Em seu bordado, articula a formação de professores com o conhecimento, comenta contribuições recentes de pesquisa em seu campo de expertise, o currículo e a didática, no sentido de auxiliar a compreensão e o enfrentamento de desafios expressos nos questionamentos feitos à “má- formação dos professores”. Contribui com nossa reflexão quando discute questões sobre o exercício da profissão docente no contexto das atuais políticas curriculares, sugerindo aspectos a serem superados para que o trabalho docente se dê de forma contextualizada historicamente, uma formação em perspectiva democrática. O trabalho de Ecleide Furnaletto explora outras dimensões da formação, para além da formação em contextos sistemáticos. Para esta autora, o professor constrói suas ‘matrizes pedagógicas’ em múltiplas e diferenciadas experiências da trajetória de vida, com pais, professores, ou outros adultos significativos. Este aprende também a ser professor a partir da literatura, do cinema e do teatro, ou ao brincar com os colegas, pois ao aprender, podemos nos apropriar dos conteúdos ensinados, como também das maneiras de ensinar e aprender daqueles que nos ensinam. De acordo com a autora, as matrizes pedagógicas de cada professor não começam a se constituir nos cursos de formação, mas estão enraizadas em instâncias muito mais profundas de sua psique e vão se delineando com base nas relações estabelecidas com o outro e nos significados atribuídos a elas pelos sujeitos. Ao narrar suas histórias, os sujeitos se encontram com experiências que, ao serem elaboradas, alargam a consciência a respeito do vivido, favorecendo uma produção de conhecimento enraizada na vida e nos dilemas de professores e alunos. Assim, os espaços de formação, ao acolherem as experiências de formação que compõem as matrizes pedagógicas dos professores, acolhem também sua potência transformadora que desaloja o professor, retirando-o da segurança dos textos conhecidos, obrigando-o a buscar novos textos que articulem a teoria e experiência e expressem essa articulação. Esses trânsitos o instigam a descobrir uma nova expressão que requer um novo discurso e uma nova escrita pedagógica, que emerge não da repetição, mas da elaboração da própria experiência em confronto com a experiência do outro. Pedro Benjamin Garcia propõe-se a refletir sobre o papel da leitura na formação, seja este leitor o professor ou o aluno, mediados pela instituição escola. Pensar a leitura como formação é buscar o que trans-forma o sujeito cuja identidade não é estática nem definitiva. [...] admitir a leitura como algo que forma o sujeito implica em pensar na subjetividade do leitor. Reflete sobre sua experiência em rodas de leitura que acontecem em diferentes 19 contextos educativos, construindo espaços de escuta, diálogo e negociação de significados. Nas rodas de leitura a palavra circula, com o predomínio da oralidade. Forma de expressão mais característica do meio rural, a oralidade também se impõe nas grandes metrópoles, como conseqüência da crescente sofisticação das tecnologias. Cada roda de leitura é uma aventura quase sempre imprevisível, com um sabor de novidade. Como experiência de formação, a leitura abre um campo de conhecimento que aumenta as chances de cada leitor se tornar autor e ator de sua própria história. Dada a necessidade atual de proporcionar formação continuada de alta qualidade a um contingente cada vez maior de professores, a Educação a Distância (EAD) tem sido uma alternativa, como nos lembra Aline Reali, nem sempre mais barata e nem menos eficaz do que a modalidade presencial. Esta autora apresenta em seu texto o potencial formativo do Portal dos Professores da UFSCar, que, como espaço de pesquisa, tem possibilitado a investigação de vários aspectos relacionados aos processos de aprendizagem profissional da docência. Aline Reali considera que os processos de ensino e aprendizagem profissional mediados por diferentes plataformas de comunicação assíncrona têm emergido como um campo importante, pois possibilitam não apenas o desenvolvimento de processos reflexivos individuais como ainda em comunidades. As oportunidades de interação entre profissionais da área educacional, por meio de discussões on-line ou trocas de correspondência, fomentam o diálogo, a conversação, a troca de informações como também a construção de soluções aos dilemas relacionados às práticas docentes. Assim, o Portal dos Professores tem sido uma ferramenta de pesquisa e de intervenção viva, em contínua evolução, que favorece a transposição de barreiras físicas e temporais em ações de formaçãocontinuada de professores que refletem e maximizam o potencial de oportunidades de aprendizagem do século 21. MAIS ALGUNS PONTOS: COLOCANDO MAIS LINHAS E AGULHAS O bordado aqui apresentado vai sendo tecido a muitas mãos, das quais nos chegam mais linhas, novas cores, outras agulhas. E tudo isso no mesmo bastidor de bordado. As discussões e dimensões ressaltadas acerca da problemática da formação docente e, por conseguinte, a atuação dos professores nos tempos atuais, destaca a complexidade da ação educativa que não pode se pensar 20 dissociada de um contexto socio-político-histórico em que se dá. Contudo, se essa afirmação parece ser simples e que não foge do lugar comum de debates sobre o tema, se faz necessário dizer que esse contexto, ainda que considerado em suas múltiplas dimensões, não se sustenta sob a ilusão de uma possível estabilização e homogeneização de sentidos e práticas; mais que plural, são contextos que se dão no reconhecimento/embate/perturbação da diferença; um contexto em que, usando a imagem de Bauman (2011), a vida se apresenta em fragmentos, mas que teimam em não serem simplesmente passíveis de encaixe, mas que descortinam uma ambivalência de perspectivas. Assim, temos observado que o diálogo posto exige e, como já destacou Hall (1997)1, põe a centralidade da cultura em evidência. Nesse sentido, pensar a docência, a formação e ação educativa se dá num terreno instável, que rompe com a segurança de um projeto único e que convida a pensar projetos, diálogos, culturas... Maria de Lourdes Tura, a partir da sua trajetória de pesquisa em escolas de ensino fundamental, argui como se dá esse diálogo complicado, nos convoca a pensar nos muitos sentidos de cultura na escola. A pesquisadora destaca em seu estudo a polissemia do próprio conceito de cultura, problematizando a idéia de cultura escolar, discutindo essa como o complexo de significações, sentidos, diferenças e pluralidades, que fazem parte das instituições educativas, chamando atenção que o que se dá na escola é uma formação híbrida, num espaço de cruzamento de diferentes culturas, em articulação com culturas locais. Assim, propõe a autora, é preciso discutir como se dão essas articulações, sem pôr essa questão em foco, não é possível adentrar na complexidade do processo de ensinar-aprender. Maria Inês Petrucci traz para a discussão a cultura a partir da significação das práticas nos fazeres cotidianos, assim sendo plural e no diálogo entre discursos e práticas. Em sua pesquisa aborda a noção de disciplina escolar, entendendo-a como construção sócio-histórica, e ao trazer as narrativas de professores busca adensar a discussão acerca dos movimentos-deslizamentos-cruzamentos próprios da cultura escolar, interrogando a questão da identidade docente, percebendo-a e problematizando-a como construção cultural, no amálgama da cultura e da cultura escolar. 1 HALL, Stuart. A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções de nosso tempo. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 22, n. 2, pp. 15-46, jul/dez., 1997. 21 Pelas mãos de Sandra Tosta, iniciamos um ponto novo, que borda e entrelaça a pesquisa em educação e a pesquisa em antropologia. Trata-se, segundo a autora, de uma “fusão de horizontes”– onde antropologia e educação, por princípio, gozam de uma vocação interdisciplinar. Assim, vamos percebendo os avanços teóricos e empíricos mais consistentes sobre o fazer pesquisa sobre o fenômeno educativo. Fazer que fica iluminado pela etnografia. De forma sutil e densa, Sandra Tosta nos brinda com um novo riscado para este bordado da pesquisa em educação. Riscado que funde horizontes e promove constantes diálogos entre pesquisadores de diversos matizes. E o que nos revela este desenho, que é riscado e tecido no diálogo entre educação e culturas? Ele nos indica – com olhar de quem olha por dentro – as exigências de conhecer o outro, de entendermos o fato educacional com um olhar mais alargado, descentrado, permitindo captar dimensões da condição humana que exigem uma percepção mais cautelosa e atenta sobre a complexidade da trama social, tal como se apresenta na contemporaneidade, nos afirma a autora. Não é uma defesa de simplesmente unir antropologia e educação de forma justaposta ou hierarquizada. Mas, uma parceria – um tecer a muitas mãos – que se faz como resultado do esforço intelectual e da consciência de questões comuns. Educação e culturas como o entrelaçar de pontos em comuns, não sobrepostos, mas articulados. O risco traçado por Sandra Tosta nos mostra a historicidade e a epistemologia da pesquisa qualitativa em educação. Trata-se de um esforço tecido desde os anos 70, que redefiniu – redesenhou – a compreensão do próprio campo científico em termos de delimitação teórica e de suas possibilidades de investigação. Esta nova perspectiva ganha força nos anos 80 e interpela a tentativa de se explicar o fenômeno educativo predominantemente pelos métodos de mensuração. Assim, a etnografia – esta maneira própria do antropólogo se perguntar pela totalidade e pela diferença – ganha um espaço definitivo nas pesquisas educacionais. A tal ponto de se constituir num bastidor propício para o nosso bordado. Pensar e repensar a diferença também são objetivos das pesquisas de Carlos Eduardo Ferraço. Mas não só! Bordando a diferença como “ponto górdio”2 das culturas, dos conhecimentos, dos cotidianos e dos currículos e dialogando [ou tecendo] com Michel de Certeau e Nilda Alves, o autor nos propõe olhar para estes múltiplos objetos entrelaçados – culturas, conhecimentos, cotidianos e currículos – como espaçostempos [Assim, 2 SEMPRINI, Andrea. Multiculturalismo. Bauru, SP: Edusc, 1999. 22 mesmo! Junto e misturado. Tecido e entretramados], como teoriasprátias produtoras de imagensnarrativas, como redes capazes de nos fazer entender a escola e seus agentes. Para Ferrraço, a relação entre cultura e currículo tem potencializado diferentes propostas de trabalho e/ou concepções de cultura, currículo, escola e conhecimento nos cotidianos escolares. Assim, ela toma como ponto de partida [ou de um tipo de bordado] os fragmentos narrativos de professores e estudantes de escolas municipais de Vitória, ES. Sua tentativa revelada de texto-escrita-ensaio nos desvela as potencialidades das pesquisas educacionais na perspectiva dos estudos culturais. Sua pesquisa – tal como a de Tosta – nos coloca diante do outro, o não-eu – às vezes, desconhecido; às vezes, ocultado – para entrarmos nas práticas realizadas nas redes tecidas e compartilhadas pelos sujeitos enquanto sujeitos; e não mais como meros objetos de nossas pesquisas. Este riscado que é entretecido – entre a educação e a cultura, a pedagogia e a antropologia, o currículo e a teoria da diferença – tem permitido a pesquisa educacional problematizar, nos últimos anos, a descontinuidade como forma de entendimento e a lógica marginalizada como uma experiência de conhecimento. Nesta perspectiva, faz-se necessário trazer a noção de hibridização para falar de teoriaspráticas inventadas nos cotidianos das escolas, afirma Ferraço. A perspectiva do hibridismo, da tradução cultural, da complexidade e da descolonização nega, segundo o autor, o essencialismo de uma dada cultura, como se a cultura hegemônica fosse a única original ou originária. Para ele, todas as formas de cultura estariam sempre em um contínuo processo de hidridação e, porque não dizer, de tecelagem de um bordado novo, que precisa ser re-desenhado, desmanchado e tecido novamente. E se fosse dada aos objetospesquisados a oportunidade de fazerem as suas perguntas aos sujeitospesquisadores? Vale o dado [quem é que deu o dado?] ou o fato [quem é que fez o fato?] trazido por Ferraço de uma turma de estudantes da 8ª série: Por que vocês estão fazendo essa pesquisa com essas perguntas? Qual a utilidade desse questionário? Alguém vai, realmente, ler tudo? Redesenhar e tecer a pesquisaem educação, com o viés e as agulhas da cultura, significa também afirmar que não sabemos todas as respostas. 23 O DIREITO DO BORDADO Acrescentamos aos compositores de nossa música epígrafe, ‘o mais importante é o que eu [ainda] não conheço’, já que pensamos a formação docente como um sempre processo, assim como nossos outros em diálogo e a discussão sobre culturas implicada nas reflexões educacionais nos traz vários ‘não-saberes’ a serem articulados, desvelados, incluídos, (re)pensados. Assim, ao dar visibilidade à produção cotidiana da escola entendendo- a como produção cultural, rompe-se com uma lógica positivista de produção do conhecimento pedagógico, evidenciando também seu caráter político. Há uma tensão que pode ser percebida nas reflexões trazidas pelos pesquisadores – e aqui não estamos objetivando pô-las em exame ou criticá- las, mas assumi-las como indícios, como nos convida a pensar Ginzburg (2001)3: há uma disputa acerca do sentido de docência, formação e cultura tensionado não entre o binômio conhecimento – competência, mas no cruzamento de outros espaços, algo que denuncia ou contesta – se justa ou injustamente somente se pode decidir analisando-se situações concretas - e o convite que esse livro traz é perseguir/discutir os caminhos de deslocamentos e ressignificações da formação de professores no terreno da cultura. 3 GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela Inquisição. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. 24 PESQUISAS SOBRE FORMAÇÃO DE PROFESSORES: TENSÕES E PERSPECTIVAS DO CAMPO MARLI ANDRÉ (PUC-SP) Este texto está organizado em três partes: primeiramente, discute- se a problemática da constituição do campo de estudos chamado “formação de professores”, com apoio nos escritos de estudiosos da temática. Em seguida, são apresentados resultados de uma síntese integrativa de pesquisas sobre formação de professores, que buscou analisar temas, metodologias, referenciais e resultados de dissertações e teses defendidos nos programas de pós-graduação em Educação, com o propósito de verificar suas contribuições à delimitação do campo. Na parte final, faz-se um balanço dos principais avanços da pesquisa na área e uma indicação dos aspectos que precisam ser fortalecidos. 25 FORMAÇÃO DE PROFESSORES: UM CAMPO DE ESTUDOS AUTÔNOMO? Até o final dos anos 1990, o tema da formação docente esteve muito vinculado ao campo de estudos da Didática. Ao fazer uma análise da produção científica de 20 Encontros de Didática e Prática de Ensino, Oliveira (2000, p. 174) constatou que as temáticas do evento estavam sendo cada vez mais dominadas por questões relacionadas à formação de professores. Pela falta de espaço específico, a produção científica sobre formação docente ficou aninhada, por um certo tempo, no campo da Didática. Mas pouco a pouco a produção foi crescendo e tomando vida própria. Nas palavras de Marcelo (1999, p. 24) foi se “apresentando progressivamente como uma potente matriz disciplinar”. De fato, aumentou muito, nos últimos dez anos, o número de estudos e pesquisas sobre o tema e na mídia são cada vez mais frequentes as alusões ao importante papel da formação de professores para promover as mudanças necessárias na educação. Ao lado disso, periódicos científicos têm dado grande atenção ao tema, o que pode ser comprovado pela publicação de números especiais ou por seções inteiramente dedicadas ao tema (ver, por exemplo: a Revista Educação e Sociedade n. 99, de 2007 e os Cadernos de Pesquisa n. 124, de 2005). Marcelo (1999, pp. 24-26) aponta cinco indicadores que poderiam atestar a constituição do campo de formação de professores: objeto próprio, metodologia específica, uma comunidade de cientistas que define um código de comunicação próprio, integração dos protagonistas na pesquisa e a consideração da formação de professores como um elemento fundamental na qualidade da ação educativa, por parte dos administradores, políticos e pesquisadores. Passemos a examinar cada um desses critérios no cenário da educação brasileira: Ter um objeto próprio é sem dúvida um importante critério para delimitar uma área de estudo. Podemos identificar tanto nos escritos de vários estudiosos da temática, quanto em encontros científicos, em especial nas reuniões anuais do Grupo de Trabalho Formação de Professores da ANPEd, esforços reiterados para clarificar o que constitui realmente o objeto da formação docente. Nos escritos, encontramos diferentes formas de olhar para a questão, o que enriquece o debate. Por exemplo, para alguns pesquisadores o foco da formação docente deve estar nos processos de aprendizagem da docência (Mizukami et al., 2002). Já Imbernón (2002) concebe a formação docente como um processo contínuo de desenvolvimento profissional, que tem início 26 na experiência escolar e prossegue ao longo da vida, incluindo questões relativas a salário, carreira, clima de trabalho, estruturas, níveis de participação e de decisão. Para Marcelo Garcia (1999) o que constitui o objeto da formação são os processos de formação inicial ou continuada, que possibilitam aos professores adquirir ou aperfeiçoar seus conhecimentos, habilidades, disposições para exercer sua atividade docente, de modo a melhorar a qualidade da educação que seus alunos recebem. Essa definição, bastante abrangente, tem sido aceita por estudiosos da área, que reconhecem o foco de atenção nos processos de preparação, profissionalização e socialização dos professores. Em anos bem recentes, temos encontrado o conceito de desenvolvimento profissional docente em substituição à formação continuada (Nóvoa, 2008; Imbernón, 2009; Marcelo, 2009). A preferência pelo seu uso é justificada por Marcelo (2009, p. 9) porque marca mais claramente a concepção de profissional do ensino e porque o termo “desenvolvimento” sugere evolução e continuidade, rompendo com a tradicional justaposição entre formação inicial e continuada. Essas justificativas parecem muito razoáveis e convincentes, porém ao se decidir adotar o desenvolvimento profissional docente como objeto da área de formação de professores, deve-se ter em mente sua amplitude e, portanto, assumir todas as consequências que essa opção acarreta. Outro indicador da configuração de uma área de estudos é a utilização de metodologia própria. Na investigação das problemáticas de formação docente há alguns tipos de pesquisa que têm sido mais frequentes, como a história de vida e a pesquisa-ação. As várias modalidades de pesquisa colaborativa também vêm sendo progressivamente apontadas como estratégias adequadas de formação do professor pesquisador e de produção compartilhada de conhecimentos. Um terceiro elemento, citado por Marcelo Garcia, que indica a constituição de um campo de estudos autônomo é a criação de uma comunidade de cientistas que se empenha na elaboração de um código de comunicação próprio por meio das pesquisas e das sociedades que fomentam conhecimento e formação. Quanto a esse aspecto, podemos encontrar alguns indicadores na comunidade científica brasileira de que a formação docente vem agregando grupos de pesquisadores em eventos, publicações e fóruns de debates. Um dos exemplos é a criação do Grupo de Trabalho (GT) Formação de Professores, que integra a Associação Nacional de Pós- graduação e Pesquisa em Educação – ANPEd, uma das agremiações científicas mais respeitadas da área. Esse GT recebe, para as Reuniões 27 Anuais, um grande número de textos baseados em pesquisas e abre espaço para importantes discussões sobre o objeto e as metodologias de pesquisa, assim como sobre as políticas de formação docente. Outro exemplo foi a realização, em 2006, do I Encontro de Grupos de Pesquisa sobre Formação de Professores do país, que permitiu mapear a produção acadêmica e localizar as questões que merecem maior atenção na área. Nesse encontro foi aventadaa hipótese da criação de um periódico científico centrado na temática da formação docente, proposta que se concretizou em 2009 com o lançamento do primeiro número da Revista Brasileira de Pesquisa sobre Formação de Professores, uma iniciativa importante para a conquista da autonomia da área. Somando-se aos anteriores, outro elemento que, segundo Marcelo Garcia, sinaliza a definição de um campo de estudos próprios é a incorporação ativa dos próprios protagonistas, os professores, nos programas de pesquisa, assumindo papel importante tanto no seu desenho quanto na sua efetivação, ou seja, no planejamento, coleta, análise dos dados e na divulgação dos resultados. Podemos apontar como exemplo, no Brasil, o projeto Universidade- Escola Pública, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), que no final dos anos 1990 abriu uma linha de financiamento específico para projetos que envolvam parceria entre pesquisadores da universidade e professores das escolas públicas. Várias iniciativas similares vêm tomando corpo em vários pontos do país. Um indicador adicional de constituição da área é a insistente atenção dos políticos, administradores e investigadores à formação dos professores como peça-chave da qualidade do sistema educativo. Esse talvez seja o aspecto mais visível de configuração da área no Brasil, pois temos ouvido frequentes depoimentos de políticos e visto inúmeras matérias em jornais e revistas que enfatizam o papel crucial da formação docente na melhoria da educação brasileira. Os cinco indicadores sugeridos por Marcelo Garcia (1999) foram bastante úteis para identificar os passos que vêm sendo dados pela área de formação de professores no Brasil, na conquista de sua autonomia. Há, no entanto, vários aspectos dessa trajetória que precisam ser melhor conhecidos, como por exemplo, os objetos e metodologias que vêm sendo priorizados nos estudos e pesquisas da área, para avaliar sua contribuição à constituição do campo. 28 PESQUISAS SOBRE FORMAÇÃO DE PROFESSORES: QUE OBJETOS E METODOLOGIAS? Que objetos são priorizados nas pesquisas que vêm sendo realizadas na área de formação dos professores? Quais as metodologias e técnicas de coleta de dados mais utilizadas? Que autores ou referenciais fundamentam essas pesquisas? Quais as tendências mais evidentes? Tem havido mudança nessas tendências ao longo do tempo? Essas questões orientaram a síntese integrativa da produção científica sobre formação de professores. Como a maior parte da pesquisa brasileira é produzida no âmbito dos programas de pós-graduação, tomou-se a produção acadêmica dos pós-graduandos da área de Educação como um recorte representativo da pesquisa na área. Os dados aqui discutidos são baseados numa meta-análise das dissertações e teses defendidas na área de Educação no ano de 2007, usando-se ainda para fins de comparação, dados de meta- análise anterior (André, 2009). Um exame geral das pesquisas da área de Educação mostra o crescimento dos programas de pós-graduação e das pesquisas nos últimos anos. Em 2003 havia 58 programas de pós-graduação em educação, em 2007 eram 73, havendo um correspondente aumento no número de dissertações e teses defendidas no período: em 2003 foram 2.104 e em 2007, 2.810. O aumento no volume de trabalhos científicos foi acompanhado por um aumento muito grande do interesse dos pós-graduandos pelo tema da formação de professores. Nos anos 1990 o percentual dos trabalhos da área de Educação que tratavam do tema da formação docente girava em torno de 6-7%. No início dos anos 2000, esse percentual cresceu sistematicamente, atingindo 22% em 2007, o que mostra uma ascensão muito rápida. A mudança não foi, porém, apenas no volume de pesquisas sobre formação docente, mas também nos objetos de estudo. Nos anos 1990, a grande maioria das pesquisas centrava-se nos cursos de formação inicial: Licenciatura, Pedagogia e Escola Normal (76% das pesquisas). Nos anos 2000 a temática priorizada passou a ser identidade e profissionalização docente. O foco agora é o professor, suas opiniões, representações, saberes e práticas, chegando a 53% do total dos estudos sobre formação docente, em 2007. Parece haver, por parte dos pós-graduandos, uma intenção de dar voz ao professor e de conhecer melhor o seu fazer docente. Pode-se, no 29 entanto, indagar: investigar as opiniões, representações, saberes e práticas do professor, para quê? Para constatar o que eles pensam, dizem, sentem, fazem? Não seria isso muito pouco? Parece importante ir muito além, procurar entender o contexto de produção desses discursos e práticas. Queremos conhecer mais e melhor os professores e seu trabalho docente porque temos a intenção de descobrir os caminhos mais efetivos para alcançar um ensino de qualidade, que se reverta numa aprendizagem significativa para os alunos. Isso supõe, por um lado, um trabalho colaborativo entre pesquisadores da universidade e os professores das escolas, para fazer um diagnóstico da situação e delinear propostas de intervenção na realidade, as quais serão implementadas e passarão por uma avaliação conjunta, para serem melhoradas e novamente implementadas e assim por diante. Por outro lado é preciso haver um movimento, no interior dos cursos de formação inicial, para reformular o currículo, testar novas formas de articulação entre instituições formativas e escolas, propor projetos inovadores de formação. A eleição do professor como objeto de estudo por parte da maioria dos pesquisadores poderia ser associada, à primeira vista, ao conceito de desenvolvimento profissional, que de acordo com Marcelo (2009, p. 7) é entendido “como um processo individual e coletivo que se deve concretizar no local de trabalho do docente: a escola; e que contribui para o desenvolvimento de suas competências profissionais, através de experiências de índole diferente, tanto formais como informais”. Uma definição tão ampla e abrangente pode levar a uma interpretação de que falar do professor é falar de seu desenvolvimento profissional. Mas é preciso certo cuidado antes de qualquer conclusão precipitada. O próprio Carlos Marcelo (2009) nos alerta que o conceito sofreu modificações na última década, em decorrência da evolução em nosso entendimento de como ocorrem os processos de aprender a ensinar. Dessa forma, o desenvolvimento profissional passa a ser considerado como “um processo a longo prazo, no qual se integram diferentes tipos de oportunidades e experiências planificadas sistematicamente para promover o crescimento e o desenvolvimento profissional”. Nesta atualização do conceito fica mais claro o caráter intencional envolvido nos processos de desenvolvimento profissional e a importância do planejamento. Marcelo (2009, p.15) enfatiza ainda que esses processos visam promover a mudança, ou seja, auxiliar os professores a aprender a ensinar. Para quê? Para que possam ter uma ação mais eficaz em sala de aula. Nesse sentido dá-se grande importância à análise das representações, crenças, preconceitos dos docentes que vão afetar suas aprendizagens e possibilitar ou dificultar as mudanças. Marcelo (2009, p. 7) 30 destaca ainda a identidade profissional como um elemento inseparável do desenvolvimento profissional e menciona tanto os vários fatores que a influenciam (como a escola, as reformas e contextos políticos), como suas implicações, ou seja: “o compromisso pessoal, a disponibilidade para aprender a ensinar, as crenças, os valores, o conhecimento sobre as matérias que ensinam e como as ensinam, as experiências passadas, assim como a própria vulnerabilidade profissional”. Essas considerações nos levam a rever a hipótese de associação entre o principal foco das pesquisas dos pós-graduandos – o professor – e o conceito de desenvolvimento profissional. Aquelas pesquisas se limitam a analisar as representações, concepções, saberes e práticas dos professores. Fixam-seem uma das pontas da questão, deixando de articulá-los aos contextos em que surgiram, as circunstâncias em que foram produzidas e as medidas a serem tomadas para promover a aprendizagem da docência. Pode- se concluir que o que as pesquisas revelam sobre o campo da formação de professores é um conhecimento parcelado, incompleto. É preciso melhorar esse aspecto para fortalecer o campo na mesma direção em que sugere Zeichner (2009) quando analisa as pesquisas norte- americanas sobre formação de professores. Um dos pontos que o autor destaca para o fortalecimento da investigação sobre formação docente é que as pesquisas focalizem mais as conexões entre características dos professores, formação, aprendizagem e prática docente (p. 19). Da mesma forma, no Brasil, precisa-se incrementar as pesquisas que articulem as concepções do professor, os processos de aprendizagem da docência e suas práticas de ensino. Há ainda um apontamento geral que se deve fazer a respeito do objeto privilegiado pelos pesquisadores brasileiros sobre formação de professores: ao mudarem radicalmente o foco – dos cursos de formação, para o professor – podem vir a reforçar uma visão da mídia, com amplo apoio popular, de que o professor é o principal (talvez o único) responsável pelo sucesso/fracasso da educação. Não há dúvida que o professor tem um papel fundamental na educação escolar, mas há outros igualmente importantes como as condições de trabalho, o clima institucional, a atuação dos gestores escolares, as formas de organização do trabalho na escola, os recursos materiais e humanos disponíveis, a participação dos pais, as políticas educativas. A pesquisa deve ajudar a superar as crenças e a visão do senso comum, não pode submeter-se a eles. 31 Outro apontamento importante a fazer é que tal concentração na temática do professor desviou a atenção dos pesquisadores dos cursos de formação inicial. Desde o início dos anos 2000 vem caindo radicalmente o número de estudos sobre formação inicial, chegando a 18% do total das pesquisas, em 2007. Esse fato causa muita preocupação porque ainda há muito a conhecer sobre como preparar os docentes para enfrentar os desafios da educação no século XXI. Complementando a análise dos temas, foram examinados os referenciais teóricos e autores que deram suporte aos estudos. Reconhecendo-se a precariedade de nossas constatações por estarem baseadas em análise de resumos de dissertações e teses, pode-se, mesmo assim, identificar algumas tendências nos dados referentes a 2007. Apenas metade dos resumos citaram os referenciais ou os autores que lhes deram suporte. Nestes, foram mencionados mais de uma centena de nomes, dos quais apenas quatro autores (Nóvoa, Tardif, Vygotski, Paulo Freire) apareceram em no máximo sete estudos diferentes (de um total de 298). A grande maioria foi citada uma única vez. Os poucos estudos que mencionaram o referencial teórico apontaram a psicologia sociohistórica e o materialismo histórico dialético. O que esses dados nos dizem? Que a formação de professores é uma área pouco consistente teoricamente? Ou é uma área que requer múltiplos enfoques, o que dificulta a citação de uma diretriz teórica? Em termos gerais, os dados referentes aos autores mais citados e à tendência teórica mais acentuada sugerem certo modismo, com influência de propostas de autores estrangeiros, o que provoca alguns questionamentos: será que as nossas pesquisas sobre formação de professores têm levado em conta a especificidade de nossos contextos? Será que os pesquisadores têm procurado adaptar propostas gestadas em outros países à nossa realidade? O exame da metodologia das dissertações e teses defendidas no ano de 2007 mostra que há uma grande fragilidade na área: muitos estudos não descrevem os passos seguidos; a grande maioria não esclarece o tipo e o número de sujeitos participantes, alguns nem indicam os instrumentos utilizados. Nota-se que em alguns casos há mais preocupação em identificar- se como pesquisa qualitativa ou como estudo de caso, do que em descrever os procedimentos metodológicos seguidos. Nas pesquisas em que foi possível identificar a metodologia, observou-se, como nas meta-análises anteriores (André, 2009) que o tipo de metodologia mais frequente é o microestudo, ou seja, estudos de situações 32 muito particulares, abrangendo um número pequeno de sujeitos (de 3 a 15 em média), referindo-se a uma porção muito restrita da realidade. A justificativa para esses recortes tão estreitos é via de regra o atendimento aos prazos exíguos definidos pelas agências avaliadoras ou financiadoras da pós- graduação. Mas não se pode deixar de perguntar: que contribuições teórico- metodológicas estudos tão limitados podem oferecer? Por que não tornar mais efetivos os grupos de pesquisa, que possibilitariam trabalhos conjuntos, com referenciais teóricos comuns e recortes específicos passíveis de aprofundamento? Nesse sentido, o papel dos orientadores parece ser crucial. Não se pode ainda esquecer das condições necessárias para a produção do conhecimento científico, como espaço e tempo para pesquisa; recursos materiais, humanos e financeiros; e preparo adequado dos pesquisadores, sem os quais haverá certamente comprometimento da qualidade da produção. Nos anos mais recentes, coerente com as investigações que têm como foco as representações, saberes e práticas do professor, encontra-se um número significativo de trabalhos científicos que se baseiam em coleta de depoimentos escritos e orais e histórias de vida. Essas metodologias vão acentuando um caminho mais promissor para a investigação na área. Também cresceu muito, nos últimos anos, o número de pesquisas colaborativas, o que é um elemento positivo na configuração do campo, conforme os critérios de Marcelo Garcia (1999). Em muitas pesquisas, porém, é evidente a falta de domínio dos fundamentos dos métodos. Por exemplo, um autor indicou a utilização do estudo de caso e na coleta de dados aparece apenas a análise documental. Outro autor classificou sua pesquisa como “teórico-bibliográfica, partindo de informações colhidas em visitas e entrevistas do corpo docente e do gestor de seis escolas”. O que seria isso? Quanto às técnicas de coleta de dados, observa-se uma evolução positiva nos últimos anos: pesquisadores passam a utilizar o questionário, que havia sido banido das pesquisas nos anos 1990, o que mostra uma diminuição do preconceito sobre dados quantitativos. Além disso, outro aspecto positivo nas pesquisas recentes é a combinação de duas ou mais técnicas de coleta. Pesquisadores parecem se dar conta de que questões tão complexas como as que envolvem a formação docente precisam ser investigadas sob múltiplos ângulos. Surgem novas formas de coleta de dados como os grupos de discussão, o grupo focal, o registro escrito, o relato autobiográfico, a videografia. Uma pergunta que permanece é se o uso desses procedimentos estaria sendo acompanhado pelos devidos cuidados que uma pesquisa 33 científica requer, ou seja, se a preocupação com o rigor está realmente presente. Um aspecto que não fez parte das meta-análises anteriores, mas que decidiu-se incluir no levantamento de 2007, foi a análise dos resultados das pesquisas. Objetivava-se verificar se, de maneira geral, os pesquisadores indicavam os resultados dos estudos e se esses estavam relacionados aos objetivos propostos e se eram decorrentes da metodologia utilizada. Em cerca de 30% dos resumos das pesquisas de 2007 não há menção aos resultados, o que surpreende e provoca uma grande indagação: o estudo não produziu resultados ou foi o pesquisador que não conseguiu chegar a uma conclusão? Nos resumos em que são indicados os resultados, constatou-se que uma parcela (cerca de 50%) tem relação com os objetivos propostos, como por exemplo, na pesquisa cujo objetivo foi “investigar o papel das TICs no processo de formação em serviço deprofessores do ensino fundamental” e que conclui que “a formação foi significativa no que tange ao aprimoramento dos professores em relação às novas tecnologias de informação e comunicação e na melhoria da atuação dos profissionais junto a seus alunos com incidência direta sobre o processo de ensino-aprendizagem”. Observa- se que os resultados estão relacionados aos objetivos, mas poderiam ser expressos em termos mais específicos (qual foi o aprimoramento? O que melhorou na aprendizagem dos alunos?). Outro exemplo é o de uma pesquisa que tinha como objetivo “investigar o processo de transformação experienciado por uma professora de Matemática em um trabalho colaborativo” e cujos resultados foram assim explicitados: “A análise dos dados indicou cinco fatores que contribuíram para o processo de (trans)formação experienciado pela professora. Os dois primeiros dizem respeito aos desejos da professora e os demais fatores referem-se à segurança da professora em realizar as atividades de investigação”. Houve, neste caso, uma melhor explicitação dos resultados do que no exemplo anterior, mas ainda há uma falta de precisão. Em cerca de 50% dos estudos que mencionam resultados, há constatações muito genéricas, pouco relacionadas aos dados, como nos exemplos que seguem: a) ... “necessidade de se retomar a formação continuada de professores”; b) ... “necessidade de mudança nos cursos de licenciatura”; 34 c) ... “necessidade de apoio das políticas públicas em prol do aumento de tempo de estudo coletivo dos professores”; d) ... “a formação continuada não é a única responsável pela melhoria da qualidade do ensino”. Esses exemplos mostram mais a repetição de ideias prevalentes antes de realizar a pesquisa do que resultados baseados nos dados, o que sinaliza a necessidade de um cuidado maior dos pesquisadores ao reportar os resultados dos seus estudos. QUAIS AS CONTRIBUIÇÕES E QUAIS AS OMISSÕES? Com base na análise das dissertações e teses dos pós-graduandos, podemos concluir que a pesquisa trouxe alguns avanços na delimitação do campo de formação de professores. Se ao analisar a produção científica dos anos 1990 havíamos identificado o tratamento isolado “dos cursos de formação e da práxis, da formação inicial e continuada” (André et. al., 1999, p. 309), pudemos constatar, nos anos 2000, uma tentativa de superação dessa dicotomia, quando o foco privilegiado das pesquisas passa a ser as concepções, as representações, os saberes e as práticas do professor. Ao desenvolver esses estudos, os pesquisadores tentavam obter dados que vinculassem as experiências e práticas do professor com sua formação, o que constitui um avanço em relação ao que era feito na década anterior, pois mostra uma concepção da formação docente como um continuum, o que condiz com a literatura recente da área. Um outro elemento que mostra o avanço das pesquisas é a combinação de diferentes formas de coleta de dados. Muitos pesquisadores associaram a entrevista com o exame de documentos, outras vezes com questionário ou observação. Tal variedade de fontes de coleta possibilita uma apreensão mais rica das questões sobre formação de professores. No entanto, ainda há muito que aperfeiçoar na pesquisa para que haja uma contribuição efetiva na configuração do campo, porque embora o propósito seja nobre, o tratamento dos dados das pesquisas, em geral, deixa muito a desejar. As análises ficam restritas aos depoimentos dos sujeitos, o que gera um conhecimento muito pontual. O exame da metodologia dos estudos, como foi comentado, indicou um grande percentual de microestudos – que se caracterizavam por estudos de fenômenos muito localizados, 35 envolvendo, em geral, tomada de depoimentos de um pequeno número de sujeitos e análises situadas. Torna-se necessário dar um passo além, aprofundar as análises e interpretações, de modo que se possa gerar um conhecimento mais abrangente e consistente. O deslocamento do foco das pesquisas – dos cursos para o professor – tem seu lado positivo por tentar romper a separação entre formação inicial e continuada, entre formação e prática docente, mas o alerta deve ser mantido não só em termos de que é preciso adensar as análises, o que implica aprofundamento teórico e metodológico, mas também no que tange à ampliação dos aspectos a serem investigados. Uma área tão complexa requer estudos que contemplem múltiplas dimensões, que recorram a múltiplos enfoques e abranjam uma variedade temática. Em mapeamento anterior (André, 2009) indicamos vários temas silenciados nas pesquisas dos pós-graduandos sobre formação docente; tais como as condições de trabalho, planos de carreira e organização sindical dos docentes; a dimensão política na formação do professor, assim como a formação docente para atuar em movimentos sociais, em ONGs, com população indígena e com a diversidade cultural. No levantamento das dissertações e teses de 2007 verificamos que essas lacunas ainda permanecem. Dos 298 estudos analisados, apenas 10 (3%) focalizaram as condições de trabalho dos docentes, apenas 13 (4%) investigaram as políticas de formação. Quanto aos resultados das pesquisas, há muito que melhorar, tanto na forma de apresentação quanto na precisão. O que se encontrou nas pesquisas de 2007 foram, em muitos casos, registros muito genéricos dos achados, nem sempre vinculados aos objetivos ou à metodologia. Em outros casos, os resultados eram reportados, sem que ficasse explícito o que exatamente e o quanto havia sido alcançado. Com tal imprecisão, fica muito difícil determinar as contribuições da pesquisa. REFERÊNCIAS ANDRÉ, Marli E. D. A. A produção acadêmica sobre formação de professores: um estudo comparativo das dissertações e teses defendidas nos anos 1990 e 2000. Formação Docente – Revista Brasileira de Pesquisa sobre Formação Docente, v. 1, n. 1, ago/dez 2009, pp. 41- 56 (http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br) 36 ANDRÉ, M. et al. Estado da arte da formação de professores no Brasil. Educação e Sociedade, Ano XX, n. 68, dezembro 1999, pp. 301-309 GARCIA, Carlos Marcelo. Formação de professores. Para uma mudança educativa. Porto: Porto Editora, 1999. IMBERNÓN, F. Formação docente e profissional. São Paulo: Cortez Editora, 2000, 3. ed. (Coleção Questões de Nossa Época, v.77) MARCELO, C. Desenvolvimento profissional: passado e futuro. Sísifo. Revista das Ciências da Educação, n. 08, jan/abr 2009, pp. 7-22 MIZUKAMI, Maria das Graças N. et al. Escola e aprendizagem da docência. São Carlos, São Paulo: Edufscar, 2002. NÓVOA, A. O regresso dos professores. Livro da Conferência “Desenvolvimento Profissional de Professores para a Qualidade e para a Equidade da Aprendizagem ao longo da Vida”. Lisboa, 2007. Editado pelo Ministério de Educação, Portugal, 2008. OLIVEIRA, M. R. N. S. “20 anos de Endipe”. In: CANDAU, V.M. (org.) Didática, Currículo e Saberes Escolares. Rio de Janeiro: DP&A, 2000, pp. 161-176. ZEICHNER, K. Uma agenda de pesquisa para a formação docente. Formação Docente – Revista Brasileira de Pesquisa sobre Formação Docente, v. 1, n.1, ago/dez 2009, pp. 13-40 (http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br) 37 FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA: DO DIREITO DOS PROFESSORES À ESCRITA E À LEITURA LITERÁRIA SONIA KRAMER (PUC-RIO) Desde os meus dez anos, é para mim uma espécie de dogma o fato de que eu consisto de muitas pessoas, das quais de forma alguma estou consciente. Creio que são elas que determinam o que me atrai ou me repugna nas pessoas que encontro. Foram elas o pão e o sal de meus primeiros anos. São elas a verdadeira vida secreta de meu intelecto. (Elias Canetti, 1987, p. 105) Estou este ano celebrando quarenta anos de magistério. Ao longo desta trajetória, me interessam todos os temas que significam a possibilidade de uma educação contra a barbárie. A escrita deste texto traz a oportunidade de tratar de uma dupla inserçãoe compromisso que o tema me oferece, na 38 defesa de um aspecto central na concepção e na prática da formação inicial e da formação continuada: os professores têm direito à escrita e à leitura literária como parte do processo de formação cultural que deve constituir sua formação nas duas modalidades. De um lado, venho estudando o que leem e escrevem professores: entrevistando-os, ouvindo e registrando relatos, tento compreender suas relações com a escrita na vida e no trabalho. Em diversos projetos de pesquisa que desenvolvi, muitos professores falavam da importância da família na criação do gosto de ler e do papel secundário desempenhado pela escola; contavam como era forçada a leitura, muitos já tinham gostado de ler um dia, outros diziam de muitas lembranças – boas ou más – que a conversa de leitura e escrita neles suscitava, do dever de ler imposto pela escola em que tinham sido alunos. Eram histórias de desprazer, imposição, obrigatoriedade, de vontade de não ler. A escola produz não leitores?, perguntei em outro momento (Jobim e Souza e Kramer, 1996). A leitura na escola se fecha em leitura da escola, onde notas, “provas de livros”, fichas e apostilas com resumos das histórias ocupam o tempo e o espaço que poderiam ser destinados a simplesmente ler e desfrutar o livro? A aversão por textos literários, pela literatura, é ensinada na escola? De outro lado, venho trabalhando com literatura na minha experiência como professora, na graduação e na pós-graduação, em disciplinas direta ou indiretamente vinculadas ao tema. Essa prática se dá de diferentes formas, já relatadas em outros textos (Kramer, 1995; 2003; 2010; Oswald e Kramer, 2001) e tem como diretriz a conciliação de duas noções: as pessoas (e, portanto, os professores), que não são leitores viveram histórias de imposição e constrangimento a ler; as pessoas (e, portanto, os professores) podem se tornar leitores e para isso precisam ser iniciados com liberdade. Nos meus cursos regulares, dados como formação inicial – em particular os voltados à Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa e Literatura Infantil – e nas ações diretas e nos trabalhos de consultoria e intervenção a creches, pré-escolas e escolas, na formação continuada, é meu objetivo central a formação dos professores como leitores. Também tenho me dedicado ao tema da escrita como parte da formação. Em entrevistas, estudantes de Pedagogia e professores relatam que quando jovens jogaram fora, queimaram, rasgaram textos que escreveram, por vergonha, timidez, medo de mostrar para o outro e ser criticado, ou porque a própria escola ensinou a temer a folha em branco e a tremer diante dela (essa escola onde com frequência se escreve não para ser lido, mas para ser corrigido. Aprendi com a pesquisa e com a formação que a possibilidade de 39 ler e de escrever e de aprender com essas práticas desempenha um papel central na constituição do sujeito. E que é possível tornar professores pessoas que leem e escrevem, superando a atitude de jogar a culpa nos outros. Na minha prática de professora, busco alternativas para que passem a ler, voltem a ler, para que não tremam diante da folha em branco. Entender a leitura e a escrita como experiência tem sido fundamental nesse processo e este é o foco do texto que apresento. Assim, o objetivo deste texto é refletir sobre leitura e a escrita como experiência central na formação inicial e na formação continuada. Inicialmente, trato do conceito de experiência; em seguida de formação e, no terceiro item, das práticas na direção da leitura e da escrita. O AVESSO: LEITURA E ESCRITA COMO EXPERIÊNCIA Grandes são os avanços no campo teórico, a revolução conceitual e a mudança no nosso conhecimento sobre as formas e os processos de ler e escrever. Desde Paulo Freire (1976) e seu entendimento da alfabetização como ação cultural, passando pelos estudos da sociolinguística, da sociologia da linguagem e da psicolinguística, chegando à história da leitura e à antropologia, temos enfrentado questões do letramento que nos situam em outro patamar de reflexão, de discussão crítica e de proposição de políticas e de práticas. Tomando por base a teoria crítica da cultura e da modernidade, em especial Walter Benjamin (1987a, 1987b), a narrativa é diálogo e rememoração, com papel central na constituição do homem como sujeito social, enraizado na coletividade. Tomo de empréstimo a denúncia que o filósofo faz à perda da capacidade de narrar em consequência do definhamento da experiência do homem moderno, sem diferenciar modernidade e pós-modernidade, mas considerando que o processo se agrava e acentua. Benjamin distingue vivência (reação a choques) e experiência (vivido que é pensado, narrado): na vivência, a ação se esgota no momento de sua realização (por isso é finita); na experiência, a ação é contada a um outro, compartilhada, se tornando infinita. Esse caráter histórico, de permanência, de ir além do tempo vivido e de ser coletiva constitui a experiência. Mas o que significa entender a leitura e a escrita como experiência? A leitura pode ser fruição, divertimento, prática que informa, comunica, avisa. Não proponho uma definição exclusiva nem penso que toda a leitura e toda a escrita precisam ser feitas como experiência, nem que se não for experiência 40 não é leitura nem escrita. Instrumentalizar é também necessário, importante, tal como o é divertir-se, envolver-se, praticar. Apenas me parece que para se constituir como formadoras a leitura e a escrita precisam se concretizar como experiência. E é disso que trato aqui. Tomemos a leitura. Está ela sendo praticada como passatempo ou como algo que passa para além do seu tempo de realização, do tempo vivido? É a segunda modalidade de ação leitora que me interessa. O leitor leva rastros do vivido no momento da leitura para depois ou para fora do momento imediato – isso torna a leitura uma experiência. Sendo mediata ou mediadora, a leitura levada pelo sujeito para além do dado imediato, permite pensar, ser crítico da situação, relacionar o antes e o depois, entender a história, ser parte dela, continuá-la, modificá-la. Na contemporaneidade falta tempo também de ler e escrever. Faltam textos de qualidade e de contextos que incentivem a leitura como experiência. Vivemos o paradoxo de que muito se fala sobre leitura, mas os livros que continuam vendendo mais são os didáticos. No Brasil, em muitos municípios não há bibliotecas ou livrarias. Há tempo e espaço para leituras que sejam feitas como experiência? Há livros e políticas culturais que favoreçam tais práticas? Levar algo da leitura para além do seu tempo, para além do momento mesmo em que se realiza – aqui reside a dimensão de experiência que chamo de avesso. Por quê? Por considerar como experiência o processo de leitura ou de escrita (o ato, a prática, a forma) que engendra uma reflexão sentida sobre aspectos fundamentais da vida humana; leitura compartilhada – ainda que seja com o autor – daquilo que a gente pensa, sente ou vive. Leitura que provoca a ação de pensar e sentir criticamente as coisas da vida e da morte, os afetos e suas dificuldades, os medos, sabores e dissabores; que permite conhecer questões relativas ao mundo social e às tantas e tão diversas lutas por justiça (ou o combate à injustiça). Compreender a leitura desse modo, a partir desse olhar teórico, tem implícito o reconhecimento de valores menosprezados pela sociedade contemporânea: valores tais como generosidade, solidariedade e coletividade – enquanto se enfatiza o culto do indivíduo, de suas necessidades e de sua esperteza em passar a perna no outro, levar vantagem, obter lucros e poder. Quando penso na leitura como experiência (na escola, na sala de aula ou fora delas), refiro-me a momentos onde fazemos comentários sobre livros ou revistas que lemos, trocando, negando, elogiando ou criticando, contando mesmo. Enfim, situações onde
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