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4 Filosofia – Professor Simão Cavalcante Sumário PLANO DE ENSINO ................................................................................................ 05 Ementa ............................................................................................................... 05 Objetivos ............................................................................................................ 05 Conteúdo programático ..................................................................................... 06 Avaliação ........................................................................................................... 06 Aula 1 – INVESTIGANDO O QUE É FILOSOFIA .............................................. 07 1.1 Filosofia ....................................................................................................... 07 1.2 Quem pode ser o filósofo? ........................................................................... 10 1.3 Ética e Moral ............................................................................................... 11 Aula 2 – O PROBLEMA DO CONHECIMENTO .................................................. 15 2.1 O que é o conhecimento? ............................................................................. 15 2.2 Relações indivíduo-natureza e conhecimento-cultura ............................... 16 2.3 Possibilidades de conhecimento ................................................................ 17 2.4 Os caminhos do conhecimento .................................................................. 17 2.5 Divisões do conhecimento ......................................................................... 18 2.6 Relações entre sujeito e objeto .................................................................. 20 2.7 Conhecimento e consciência ..................................................................... 20 Aula 3 – HISTÓRICO DA FILOSOFIA ................................................................. 23 3.1 Caminho histórico da construção do conhecimento humano-filosófico e científico ............................................................................................................ 23 3.2 Filosofia na Antiguidade ............................................................................. 25 3.3 Filosofia na Idade Média ............................................................................. 33 3.4 Filosofia na Modernidade ............................................................................ 41 Aula 4 – A CRISE DA RAZÃO .............................................................................. 50 4.1 Contexto da Crise ....................................................................................... 50 4.2 Principais expoentes da crise ..................................................................... 52 4.3 O século XX e os desafios da filosofia ....................................................... 55 Aula 5 – OS DESAFIOS DA FILOSOFIA NA PÓS-MODERNIDADE ................ 60 5.1 Pós-Modernidade ......................................................................................... 60 5.2 Refletindo sobre as novas tecnologias ........................................................ 62 REFERENCIAS ....................................................................................................... 65 5 Filosofia – Professor Simão Cavalcante PLANO DE ENSINO Ementa Nesta disciplina o aluno terá a oportunidade de construir uma compreensão sedimentada por princípios filosóficos e éticos voltados para o ensino do Serviço Social, com a finalidade de pensar criticamente a partir de diferentes aspectos que envolvem o indivíduo através de indagações e reflexões sobre os assuntos existentes em seu cotidiano, respeitando a diversidade de nossa composição social, mas despertando para o entendimento e reflexão sobre o conhecimento. o b je ti v o s Conceituar filosofia apontando suas relações com a vida em sociedade e seus significados subjetivos para cada ser social. Contextualizar a antigüidade clássica a partir da identificação das características dos Sofistas, Sócrates, Platão, Aristóteles e do período helenista. Identificar os principais paradigmas do pensamento filosófico medieval ligados à ética e à cidadania. Caracterizar o pensamento de Santo Agostinho e Tomás de Aquino. Identificar as características do liberalismo em John Locke e Jean Jacques Rouseau. Contextualizar filosoficamente a ética iluminista de Immanuel Kant. Compreender as principais características da pós-modernidade. Caracterizar a contestação do poder da razão feita por Karl Marx e Sigmund Freud. Analisar as concepções éticas de Jürgen Habermas e Jean-Paul Sartre. 6 Filosofia – Professor Simão Cavalcante CONTEÚDO Programático Aula 1 – Investigando o que é Filosofia. Aula 2 – O problema do Conhecimento. Aula 3 – Histórico da Filosofia. Aula 4 – A Crise da Razão e a Filosofia. Aula 5 – Os desafios da Filosofia na Pós-Modernidade. Avaliação TIPO: Sumativa interna, Processual e diagnóstica. Participação; Desempenho individual; INSTRUMENTOS Planejamento e execução dos trabalhos; Apresentação (argumentação e clareza); Avaliação e autoavaliação. CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO: Organização das ideias (raciocínio lógico); Clareza de expressão; Domínio conceitual; Desenvolvimento, coerência e adequação das respostas dadas às questões propostas; Pontualidade (na frequência e entrega de atividades). REGISTRO: Nota em diário (0 a 10 pontos). 7 Filosofia – Professor Simão Cavalcante Investigando o que é Filosofia Metas da Aula Apresentar conceitos que possibilitem o entendimento da filosofia e sua importância para a construção do conhecimento sobre si mesmo e sobre o mundo. 1.1 Filosofia Para início de conversa, leia, atentamente, este trecho do livro Alice no país das maravilhas de Lewis Carroll: O Gato apenas sorriu quando viu Alice. Ele parecia bem natural, ela pensou, e tinha garras muito longas e muitos dentes grandes, assim ela sentiu que deveria tratá-lo com respeito. “Gatinho de Cheshire”, começou, bem timidamente, pois não tinha certeza se ele gostaria de ser chamado assim: entretanto ele apenas sorriu um pouco mais. “Acho que ele gostou”, pensou Alice, e continuou. “O senhor poderia me dizer, por favor, qual o caminho que devo tomar para sair daqui?” “Isso depende muito de para onde você quer ir”, respondeu o Gato. “Não me importo muito para onde...”, retrucou Alice. “Então não importa o caminho que você escolha”, disse o Gato. “... contanto que dê em algum lugar”, Alice completou. “Oh, você pode ter certeza que vai chegar”, disse o Gato, “se você caminhar bastante” (Disponível em: <http://www.alfredo- braga.pro.br/biblioteca/alice-3.html>). O termo filosofia vem do grego philos (amigo) e sophos (sabedoria, conhecimento). O filósofo é, portanto, o amigo do conhecimento. A maioria de vocês já deve ter ouvido falar da filosofia. Talvez alguns pensem que filosofia é algo difícil, “coisa de gente doida”, “ocupação de quem está no mundo da lua”. Isto não lhe lembra a história de Alice frente ao gato no início deste texto? Quem sabe, o filósofo, por se preocupar em pensar os problemas e buscar algumas respostas, ocupe no imaginário da sociedade um espaço reservado para estes problemas que parecem sem sentido. Esse tipo de pensamento a respeito da filosofia deve-se ao fato devivermos em uma sociedade em que o ato de pensar criticamente perdeu um A u la 1 8 Filosofia – Professor Simão Cavalcante pouco a sua razão de ser. Na maioria das vezes, quando precisamos resolver algum problema, é comum recorrermos aos especialistas de plantão. Ou seja, há sempre a nossa disposição alguém que sabe mais do que nós e que pode pensar a solução do problema. Estes dias, ficamos sabendo da existência do personal organizer – que é um especialista em pensar soluções de organização para a bagunça de seus clientes. Vamos, aos poucos, perdendo o interesse em procurar por nós mesmos a solução para os nossos problemas. Na realidade, filosofamos o tempo todo no cotidiano, no plano dos valores pessoais, sociais, econômicos, políticos. Filosofar significa também uma forma de conhecimento que procura responder às grandes questões que os seres humanos se colocam, entre outras, são: por que existem as coisas e não o nada? Quem sou eu? O que devo fazer? Como devo agir em relação aos outros? Qual o sentido de tudo? A filosofia não é nem melhor, nem pior que as demais formas de conhecimento (religião, arte, ciência, senso-comum). O ponto de partida é o pensamento – aqui entendido como coerência lógica de seus argumentos e raciocínios. Diferentemente da teologia, que parte da fé e dos livros sagrados; da ciência, que utiliza a experimentação; da arte, que utiliza a intuição estética e do senso-comum, que parte do conhecimento vulgar e cotidiano, a filosofia utiliza-se da razão e busca manter a coerência de suas reflexões. Esses conhecimentos, no entanto, interrelacionam-se. Os pressupostos de uma ciência têm na sua base uma concepção filosófica. O senso comum é ponto de partida para filosofar, para o desenvolvimento das ciências. As religiões são analisadas pelos filósofos e demais ciências sociais, enquanto valores vivenciados pelas pessoas. Por exemplo, um grupo religioso, que por razões doutrinárias não pode receber transfusões de sangue, colaborou financeiramente para a invenção do sangue artificial. Para muitos, o exercício filosófico é complicado pela diversidade de respostas encontradas para questões sobre as quais não há um consenso. Ao contrário do que estas pessoas pensam, vemos que esta é a riqueza da filosofia, pois há sempre espaço para criar algo novo. Renée Descartes, pai da filosofia moderna e um dos mais 9 Filosofia – Professor Simão Cavalcante importantes filósofos do século XVI, afirma “(...) na filosofia havia sobre um assunto, tantas opiniões quantas fossem as cabeças a pensá-lo” (DESCARTES, 1962, p. 46). Nessa linha de raciocínio, vamos analisar diferentes concepções do que seja a filosofia. Em seu livro Convite à Filosofia, Marilena Chauí (1997, p. 16-17) apresenta quatro conceitos: visão de mundo: de um povo, de uma civilização ou de uma cultura. É um conceito muito amplo e genérico que não permite, por exemplo, distinguir a filosofia da religião; sabedoria de vida: a filosofia seria uma contemplação do mundo e dos homens para nos conduzir a uma vida justa, sábia e feliz. Esse conceito nos diz somente o que se espera da filosofia (a sabedoria interior), mas não o que é e o que faz a filosofia; esforço racional para conceber o universo como uma totalidade ordenada e dotada de sentido. Este conceito dá à Filosofia a tarefa de explicar e compreender a totalidade das coisas, o que é impossível; fundamentação teórica e crítica dos conhecimentos e das práticas: a filosofia se interessa por aquele instante em que a realidade natural e histórica tornam-se estranhas, espantosas, incompreensíveis. Quando o senso comum já não sabe o que pensar e dizer e as ciências ainda não sabem o que pensar e dizer. Segundo Chauí, esse último conceito é o mais abrangente, pois concebe a filosofia como análise das condições das ciências, da religião, da moral, como reflexão sobre si mesma e como crítica das ilusões e preconceitos individuais e coletivos das teorias científicas, políticas. “(...) a Filosofia é a busca do fundamento e do sentido da realidade em suas múltiplas formas” (CHAUI, 1997, p. 16-17). O termo vulgar vem de vulgo, aquilo que diz respeito às pessoas em geral. Porém, o termo vulgar assumiu uma conotação moralista, o que lhe confere um sentido de baixaria, coisa feita por gente sem educação. Neste caso, utilizamos vulgar como aquilo feito pela maioria das pessoas, deixando de lado a questão moralista e resgatando o sentido original da palavra. 10 Filosofia – Professor Simão Cavalcante Karl Marx afirma que a filosofia deve não só interpretar o mundo, mas transformá-lo. Isto é, a filosofia também pode ser compreendida como uma atividade que pode transformar o mundo por meio da ação de homens e mulheres preocupados em construir o futuro de acordo com seus princípios. 1.2 Quem pode ser Filósofo? No século XX, Antônio Gramsci (1891-1937), filósofo italiano, afirma que todos os seres humanos podem ser filósofos. Acompanhe, a seguir, como Gramsci defende esta idéia. Deve-se destruir o preconceito muito difundido de que a filosofia seja algo muito difícil pelo fato de ser a atividade intelectual própria de uma determinada categoria de cientistas especializados ou de filósofos profissionais e sistemáticos. Deve-se, portanto, demonstrar, preliminarmente, que todos os homens são „filósofos‟, definindo os limites e as características desta „filosofia espontânea‟ peculiar a „todo o mundo‟, isto é, a filosofia que está contida: 1) na própria linguagem, que é o conjunto de noções e de conceitos e não, simplesmente, de palavras gramaticalmente vazias de conteúdo; 2) no senso comum e no bom- senso; 3) na religião popular e, conseqüentemente, em todo sistema de crenças, superstições, opiniões, modos de ver e de agir que se manifestam naquilo que se conhece geralmente por „folclore‟ (GRAMSCI, 1995, p. 11). A filosofia da qual fala Gramsci é, muitas vezes, inconsciente porque não é refletida e está permeada pelo viver cotidiano. Para que esta filosofia espontânea, isto é, vivenciada diariamente, possa contribuir para a construção de um sentido e a formação da consciência do sujeito, é necessário um segundo momento: o da crítica. Gramsci indaga esse momento nos seguintes termos: [...] é preferível pensar sem disto ter consciência crítica, de uma maneira desagregada e ocasional, isto é, „participar‟ de uma concepção de mundo „imposta‟ mecanicamente pelo ambiente exterior, ou seja, por um dos vários grupos sociais nos quais todos estão envolvidos desde sua entrada no mundo consciente (...) ou é preferível elaborar a própria concepção de O termo crítica vem do grego krínein¸ que significa julgamento, apreciação, bom senso. Saiba mais... 11 Filosofia – Professor Simão Cavalcante mundo de uma maneira crítica e consciente e, portanto, em ligação com este trabalho próprio do cérebro, escolher a própria esfera de atividade, participar ativamente na produção da história do mundo, ser o guia de si mesmo e não aceitar do exterior, passiva e servilmente, a marca da própria personalidade? (GRAMSCI, 1995, p. 12). Essa é, como vocês podem perceber, uma das mais esclarecedoras definições de filosofia, pois a vê como essencial para a formação da consciência das pessoas. 1.3 Ética e Moral É muito comum, no dia-a-dia, utilizar-se os termos ética e moral como se fossem sinônimos. Pretendemos demonstrar neste tópico que se trata de conceitos distintos. Em comum possuem o fato de regular o agir humano, mas diferem quanto ao modo como se dá esse processo.Para Heráclito, o ethos designa a morada do homem. O ethos é a casa do homem, onde surgem os atos humanos – o fundamento da práxis. Para Heráclito a ética está vinculada à índole interior, ao estado de consciência da pessoa. O ethos é o espaço a partir do qual a Consciência se manifesta no homem. É algo íntimo, presente nele e não assimilado do exterior. Não é algo introjetado, mas aquilo que está presente nele. A ação ética surge de dentro para fora, tendo a Consciência como fonte que impulsiona para o reto agir. Em termos de Educação temos a “escolha da consciência”. Para Aristóteles, o ethos diz respeito ao comportamento que resulta de um constante repetir-se dos mesmos atos. Hábito. Modo de ser ou caráter que se vai adquirindo ao longo da existência. Ethos-hábitos-atos. Para Aristóteles o ethos não é algo que já esteja no homem e sim aquilo que foi adquirido por meio de hábitos. A ação expressa aquilo que foi assimilado previamente do exterior. Por isso não é inato. A ação ética surge de fora para dentro. São atos repetidos. Em termos de Educação, Práxis: os gregos chamavam práxis à ação de levar a cabo alguma coisa: significa ainda o conjunto de ações que o homem pode realizar e, neste sentido, a práxis se contrapõe à teoria. No marxismo significa interpendência entre a teoria e a prática, ou seja, uma prática refletida e uma teoria que vise a transformar o mundo. 12 Filosofia – Professor Simão Cavalcante temos o ensino – a formação de hábitos. Esse foi o ponto de partida para o uso posterior da palavra moral, os costumes que devem ser introjetados por meio da educação moral. Quando a palavra ethos foi transliterada – escrever com o nosso alfabeto uma palavra – predominou a conceituação utilizada por Aristóteles, ou seja, com o significado de hábito ou costume. Moral: Vem do latim mos, moris, que significa maneira de se comportar regulada pelo uso. Daí vem costume, com as palavras do latim moralis, morale, relativo aos costumes. Os costumes são diferentes em épocas e locais diferentes. A moral está vinculada ao sistema dominante, aos costumes daquela sociedade, e é relativa; já a ética é universal. Se os hábitos são diferentes em culturas diferentes, os princípios universais, a busca do bem, a preservação da vida, etc., são constantes e estão acessíveis, em qualquer lugar onde o homem estiver, pois ali estará sua mente. Por influência de Aristóteles, e devido à transformação do ethos como morada em costumes, a ética, no seu sentido primordial dado por Heráclito, acabou sendo confundida com a moral tradicional. Se no grego havia dois sentidos para o ethos, no latim foi usada só uma palavra – mores (costumes). E, assim, costumes, vinculados aos hábitos, foi o significado que prevaleceu. A ética é a ação em conformidade com a consciência. É uma ação sempre refletida e fruto da escolha livre e consciente – até para infringir uma norma, se for o caso. Não se trata de uma ação que vise apenas a seguir o senso comum ou o politicamente correto, para não ferir as aparências, a imagem ou aquilo que é externo. A ética é, antes de tudo, expressão da índole pessoal. Não defendemos com isto o relativismo, ou que tudo é lícito por ser fruto da deliberação pessoal, inclusive a violência. Pelo contrário, a ação livre e consciente está sempre de acordo com aqueles princípios universais, especialmente o respeito pela dignidade do outro como absolutamente outro em sua dignidade como pessoa humana. Por sua vez, a moral se expressa como um conjunto de normas, regras, leis, hábitos e costumes que definem de antemão o certo e o errado, o permitido e o proibido, desejado ou indesejado. Por ser um conjunto de regras externas a nossa 13 Filosofia – Professor Simão Cavalcante consciência, deve ser cumprida necessariamente. Como não possui a adesão pessoal, seu não cumprimento resultará em algum tipo de sanção. Enfim, quando se percebe o clamor na sociedade por novos códigos de normas (e de sanções), não se discute a ética, mas apenas mais um código moral. Dessa forma, perde-se o espaço para a reflexão e tomada de decisões tendo em vista as conseqüências de nossos atos, e deixa-se a cargo de terceiro, com os méritos e deméritos, o papel de guardião da ética, enquanto exime-se de assumir a condução da própria vida. A ação moral é muito menos exigente porque o esforço em pensar novas possibilidades de ação não chega a ser cogitado. Viver no mundo da ética implica caminho muito mais espinhoso, mas recompensador, tendo em vista que podemos atuar de forma autônoma, construtiva e responsável. **************************Atividades 1. Qual o ponto de partida da filosofia? 2. Apresente os quatro conceitos de filosofia definidos por Marilena Chauí. a) visão de mundo: b) sabedoria de vida: c) esforço racional: d) fundamentação teórica e crítica dos conhecimentos e das práticas: 3. (Upe 2013) A filosofia, no que tem de realidade, concentra-se na vida humana e deve ser referida sempre a esta para ser plenamente compreendida, pois somente nela e em função dela adquire seu ser efetivo. (VITA, Luís Washington. Introdução à Filosofia, 1964, p. 20.) Sobre esse aspecto do conhecimento filosófico, é CORRETO afirmar que a) a consciência filosófica impossibilita o distanciamento para avaliar os fundamentos dos atos humanos e dos fins aos quais eles se destinam. b) um dos pontos fundamentais da filosofia é o desejo de conhecer as raízes da realidade, investigando-lhe o sentido, o valor e a finalidade c) a filosofia é o estudo parcial de tudo aquilo que é objeto do conhecimento particular. d) o conhecimento filosófico é trabalho intelectual, de caráter assistemático, pois se contenta com as respostas para as questões colocadas. e) a filosofia é a consciência intuitiva sensível que busca a compreensão da realidade por meio de certos princípios estabelecidos pela razão. 14 Filosofia – Professor Simão Cavalcante 4. Quanto a diferenciação entre moral e ética, responda o que se pede: a) Defina o que é ética? b) O que é ser ético? c) Por que é tão difícil ser ético? d) O que são valores morais? e) Por que a ética é essencial para que haja equilíbrio em uma sociedade? d) Qual a diferença entre ética e moral? 5. Reflita sobre o texto a seguir “Muitos políticos vêm facilitado seu nefasto trabalho pela ausência da filosofia. Massas e funcionários são mais fáceis de manipular quando não pensam, mas tão-somente usam de uma inteligência de rebanho. É preciso impedir que os homens se tornem sensatos. Mais vale, portanto, que a filosofia seja vista como algo entediante” (JASPERS, citado por ARANHA; MARTINS, 1996, p. 77). Elabore um texto de 15 linhas sobre o seu posicionamento pessoal a respeito da reflexão abordada. 15 Filosofia – Professor Simão Cavalcante O problema do Conhecimento Metas da Aula Apresentar conceitos que possibilitem o entendimento do conhecimento e de suas possibilidades problematizando a partir de situações cotidianas e existenciais. 2.1 O que é o conhecimento? Uma frase para começar: “Conhece-te a ti mesmo?” Essa célebre frase atribuída o Filósofo Sócrates nos impulsiona ao caminho do conhecimento. O conhecimento constitui uma relação de ação e reação do indivíduo sobre o meio em que está inserido. O conhecimento está relacionado ao posicionamento frente a fatores como: limites, desafios e estímulos. O panorama acerca do conhecimento está voltado para a relação estabelecida entre o sujeito que pretende alcançar o conhecimento e o objeto conhecido que proporciona o conhecimento. Atualmente o fluxo de informaçõesque recebemos é constante, muitas vezes não damos conta de tantas novidades que adentram a nossa vida nos fazendo refletir sobre o mundo que nos rodeia. Não é algo novo a pretensão de alcançar o conhecimento. Mas, afinal o que é conhecimento? Quanta a origem do conhecimento percebemos que de acordo com estudos realizados ao longo de nossa história, podemos hoje contar com inúmeras hipóteses, ideias e conceitos sobre o conhecimento. Para os antigos gregos, anterior ao ordenamento existente havia o caos, que representava o abismo profundo. Portanto, refletir sobre o conhecimento e suas implicações nos insere em um universo composto por várias perguntas e A u la 2 16 Filosofia – Professor Simão Cavalcante consequentemente reflexões sobre o que é realmente o conhecimento ou como podemos chegar a ele ou até mesmo como o absorvermos e posteriormente propagamos as ideias assimiladas. Com o tempo, o indivíduo com a finalidade de compreender e dominar passou a utilizar o conhecimento como ferramenta para assimilar as coisas que envolvem os processos da natureza e que por ele serão compartilhados ao longo de sua existência. Portanto, dentro desse contexto, a permanente e intensa busca pelo conhecimento torna possível a sobrevivência da espécie humana. A necessidade do indivíduo de sobreviver às adversidades encontradas no meio estimulou e continua estimulando a sua ação sobre ele. 2.2 Relações indivíduo-natureza e conhecimento-cultura Para entendermos a relação entre o indivíduo e a natureza, é preciso compreender que o indivíduo a princípio tinha um comportamento instintivo, com o passar do tempo, suas atitudes sofreram um reformulação, o que possibilitou o desenvolvimento de sua inteligência, causando um aprimoramento de suas ações diante da realidade existente. Em muitos casos, a abordagem de um determinado assunto pode contar com recursos didáticos, como os filmes, que se forem utilizados de forma eficaz, será um instrumento que auxiliará no desempenho do conteúdo exposto pelo professor. As sociedades ao longo do tempo buscaram meios para se relacionar com a natureza, e o conjunto dessas práticas desenvolvidas, transmitidas e assimiladas entre os indivíduos de uma sociedade denominou-se cultura. Uma cultura não se sobrepõe a outra, cada cultura possui os seus elementos que são compartilhados com os membros integrantes. Na Antiguidade, o conhecimento predominante foi o conhecimento mítico. Posteriormente, os gregos desenvolveram bases teóricas e práticas favorecendo o desenvolvimento do conhecimento filosófico-científico. 17 Filosofia – Professor Simão Cavalcante 2.3 Possibilidades de conhecimento Mesmo em meio às crenças e aos sentimentos, podemos identificar em textos épicos de Hesíodo e Homero e também nos conhecimentos rudimentares dos gregos do século VI a.C, aspectos que envolvem a Astronomia, com a preocupação dos indivíduos com o entendimento do universo e da realidade existente. 1. Conhecimento mítico: A palavra “mito” advém do grego mithos e quer dizer “fábula”. Sua utilização está ligada ao imaginário. O mito pode ser relacionado a um tipo de conhecimento que tem como característica o sobrenatural. Esse conhecimento tenta explicar a origem do mundo e seus processos naturais, assim como o comportamento humano. Nas sociedades em que o conhecimento mítico foi presente, ele era manifestado oralmente. A relação entre a sociedade e o mito que se estabelece nela, surge das raízes que sustentam tal sociedade, e o fato do questionamento seria uma forma de entender o próprio passado dessa sociedade, a sua existência. A partir disso, encontramos o dogmatismo. 2. Dogmatismo: Corresponde a doutrina que atribui ao indivíduo à capacidade de alcançar a verdade, ou seja, encontrar o conhecimento. Dentro do aspecto religioso, associamos ao dogmatismo uma verdade considerada indiscutível. Muitas religiões têm seu princípio fundamentado na revelação divina. 3. Ceticismo: Doutrina pela qual considera a incapacidade do indivíduo de encontrar o conhecimento. Porém dentro do ceticismo, podemos observar variações quanto as suas definições. Os céticos considerados moderados atribuem a capacidade humana de alcançar o conhecimento como algo relativo, em contrapartida os céticos radicais são inflexíveis em suas colocações afirmando a impossibilidade do indivíduo de chegar a uma certeza. 2.4 Os caminhos do conhecimento O período que corresponde ao século VI a.C até o final do século V a.C, está relacionado ao período pré-socrático ou cosmológico, onde houve uma preocupação em desvendar os mistérios existentes e assim desencadear uma crise na tradição 18 Filosofia – Professor Simão Cavalcante mítica, ocasionando o questionamento dos primeiros filósofos sobre a origem do universo, e consequentemente sobre o que é o Ser. Podemos fazer uma ligação entre esses acontecimentos e atribuindo assim o surgimento ou nascimento de uma preocupação com o conhecimento. Essa preocupação posteriormente passou a ser entendida como um problema a ser resolvido pelos primeiros filósofos. A capacidade de observar o mundo, suas possibilidades e assim adquirir o saber sem dependência do caráter religioso ou mítico, propiciou uma nova estrutura de posicionamentos frente ao desconhecido. Para os primeiros filósofos, era possível a explicação física e espiritual do mundo através da razão. Afinal, a palavra problema advém do grego obstáculo, e para eles o problema deveria ser superado. A manifestação do conhecimento pode ser compreendida de diferentes modos: afirmações ou negações, na tentativa de estabelecer uma relação indivíduo-mundo, respeitando as variações pertinentes ao tempo e ao espaço, tempo esse referente à época e espaço ao lugar. Com o surgimento da Filosofia, o indivíduo passa a utilizá-la como ciência do conhecimento, na perspectiva de solucionar os problemas cotidianos. A história cultural da humanidade nos mostra que o indivíduo através da práxis social, atividade coletiva ou política, sempre esteve ligada a busca do conhecimento. Afinal, é através da transmissão de seus valores que a sociedade transcende ao próprio conhecimento. Para entender o “conhecimento”, é preciso identificar os vários tipos de conhecimento. 2.5 Divisões do conhecimento O Conhecimento Assistemático é o Conhecimento empírico (vulgar) que pode ser denominado a partir de ações não planejadas, obtido por meio do acaso, através de experimentos e também observações. O conhecimento empírico também é conhecido 19 Filosofia – Professor Simão Cavalcante como conhecimento vulgar, proveniente da cultura popular. Possui como características o pensamento intuitivo, inexato e imediatista. O Conhecimento sistemático pode ser divido em três: científico, filosófico e teológico. CONHECIMENTO TIPO CARACTERÍSTICAS ASSISTEMÁTICO Empírico (vulgar) Intuitivo Inexato Imediatista SISTEMÁTICO Científico Racional Sistemático Exato Verificável Filosófico Raciocínio Reflexão humana Teológico Formação moral Crença religiosa O Conhecimento Científico é baseado na verificação através da metodologia científica. O conhecimento científico está associado à sistematização e exatidão de dados pertinentes ao conhecimento. A sua aplicabilidade consiste em tornar inteligíveis questões que envolvem o universo e os indivíduos de maneira explicativa e lógica. Possui como características o pensamento racional, sistemático, exato e verificável. O Conhecimento Filosófico é caracterizado por conceitos subjetivos,através de provas especulativas. O conhecimento filosófico busca respostas para questões referentes ao universo e aos indivíduos, refletindo criticamente sobre esses fenômenos. A compreensão de valores que dão sentido as ações humanas também estão relacionadas a esse conhecimento. Possui como características de pensamento o raciocínio e a reflexão humana. O Conhecimento Teológico depende da formação moral e das crenças absorvidas pelos indivíduos ao longo de sua existência, refletem a sua maneira compreender o mundo. Em função da subjetividade que caracteriza esse tipo de conhecimento, é entendido que ele não deve ser confirmado nem negado, pois a sua origem prevê que sua adesão é atribuída as crenças de cada um ou de um grupo. Possui como características de pensamento a formação moral e a crença religiosa. 20 Filosofia – Professor Simão Cavalcante 2.6 Relações entre sujeito e objeto Como se dá a relação entre o sujeito e o objeto a ser conhecido? O conhecimento surge como mediação entre um objeto a ser conhecido e o sujeito que busca o conhecimento sobre o objeto. Sua efetivação não se dá somente através de experiências, no campo empírico, mas também no campo ideal de dados, a partir da nossa consciência com representações do nosso intelecto. Campo empírico - experiência sensível entre o sujeito e o objeto. Campo ideal - ideias e representações oriundas da consciência. O objetivo do conhecimento é buscar a assimilação intelectual de um objeto para o exercício de domínio e supostamente de utilização. 2.7 Conhecimento e Consciência Podemos relacionar o conhecimento absorvido pelo indivíduo com a sua consciência. No ponto de vista das teorias do conhecimento, a consciência corresponde uma atividade que tem relações coma a sensibilidade e a intelectualidade de um indivíduo. Para melhor compreensão dessa relação apresentamos algumas denominações da consciência: 1. Consciência mítica: está associada ao conhecimento do mito que narra os fenômenos referentes à criação. O mitos se relacionam com aspectos humanos como: medo, poder, esperança, felicidade, etc. 2. Consciência religiosa: associa-se à consciência mítica. As duas retratam a existência e a importância do sobrenatural, chegando a dimensão do que consideram sagrado. 3. Consciência intuitiva: corresponde ao saber imediato, pode ser denominada como insight. A intuição pode ser utilizada como uma verdade considerada provisória na busca por verdades científicas. 4. Consciência moral e senso moral: a consciência moral refere-se aos valores assimilados durante a vida de um indivíduo. Podemos dizer que a consciência moral está presente nas relações interpessoais e intersubjetivas que derivam das 21 Filosofia – Professor Simão Cavalcante relações familiares, das amizades, do âmbito profissional, etc. O senso moral é a maneira pela qual avaliamos a nossa situação e as dos demais indivíduos segundo conceitos de justiça ou injustiça, certo ou errado, etc. 5. Consciência racional: é a relação com o conhecimento racional, ou seja, a passagem da intuição para a razão, assim como do senso comum para conhecimento racional. **************************Atividades 1. Apresente as três principais possibilidades do conhecimento. 2. Quanto as divisões do conhecimento enumere corretamente a 2ª coluna a partir da 1ª: ( 1 ) Conhecimento científico ( ) é caracterizado por conceitos subjetivos, através de provas especulativas. Busca respostas para questões referentes ao universo e aos indivíduos, refletindo criticamente sobre esses fenômenos. ( 2 ) Conhecimento filosófico ( ) é baseado na verificação através da metodologia científica. Eestá associado à sistematização e exatidão de dados pertinentes ao conhecimento. ( 3 ) Conhecimento teológico ( ) depende da formação moral e das crenças absorvidas pelos indivíduos ao longo de sua existência, refletem a sua maneira compreender o mundo. A sequência correta é a) 1 – 2 – 3. b) 3 – 2 – 1. c) 3 – 1 – 2. d) 2 – 1 – 3. 3. Apresente as principais características (quanto ao pensamento) do conhecimento a) Científico: b) Filosófico: c) Teológico: 4. Apresente as principais denominações da consciência. 5. Como você se relaciona com a sua consciência? 6. O Indivíduo e sua consciência: Estudo de casos. (Atenção: os casos mencionados são hipotéticos.) 22 Filosofia – Professor Simão Cavalcante Caso 01 Um pai de família honesto perante aos preceitos da sociedade, encontra-se desempregado, com 04(quatro) filhos e uma esposa com sérios problemas de saúde, carente de cuidados médicos.Então esse indivíduo recebe uma proposta de emprego,em um ambiente de corrupção, ao aceitar essa oferta,terá que se corromper diante do contexto.O que ele deve fazer? Aceitar o emprego e dar suporte a sua família, aceitando corromper-se? Ou deverá agir de encontro aos seus valores e recusar o emprego oferecido a ele? Caso 02 Uma senhora presencia um furto em um pequeno estabelecimento comercial praticado por uma criança, sabendo que criança segundo o Estatura da Criança e do Adolescente (ECA), não comete crime, mas sim Ato Infracional, a Senhora identifica que essa criança encontra-se maltrapilha e aparenta fome.Qual deverá ser a sua atitude diante da situação? Ela deverá sinalizar ao responsável estabelecimento sobre o furto na tentativa de impedir a continuidade de mau comportamento? Ou silenciar diante do fato? A criança não é um marginal e correrá o risco de receber uma “punição” excessiva. Qual deve ser a sua atitude? Qual a sua opinião em relação aos casos apresentados? O que você faria diante dessas situações? 23 Filosofia – Professor Simão Cavalcante Histórico da Filosofia Metas da Aula Apresentar os períodos da história da filosofia. Contextualizar a antigüidade clássica e identificar características dos Sofistas, Sócrates, Platão, Aristóteles e do período helenista. Analisar as características da filosofia na Idade Média e na Modernidade a partir da visão e produção dos principais filósofos desse período. 3.1 Caminho histórico da construção do conhecimento humano-filosófico e científico Podemos dividir a História da Filosofia em 07 (sete) períodos. São eles: 1. FILOSOFIA ANTIGA: (século VI a.c até VI depois de cristo) 1.1 Período Pré-socrático ou cosmológico (Século VI a.C até o final do século V a.C): Compreensão e entendimento sobre a origem do universo e seus fenômenos, relacionado à explicação da natureza. 1.2 Período Socrático ou antropológico (Século V a.C até o final do século IV a.C): Questões ligadas ao comportamento humano, como a ética e a justiça estão relacionadas a esse período da Filosofia. 1.3 Período Sistemático (Final do século IV a.C até o final do século III a.C): Caracterizado pelo processo de sistematização de conceitos referentes a tudo o que foi pensado e refletido até esse momento. O personagem central é Aristóteles. 1.4 Período Helenístico ou Greco-romano (Final do século III a.C até o século VI depois de Cristo): Momento caracterizado por transformações na cultura grega a partir da influência do Império Romano e posteriormente do Cristianismo. 2. FILOSOFIA PATRÍSTICA (século I até o século VII): Questões relacionadas à religião tais como: criação, pecado original e temas ligados ao comportamento A u la 3 24 Filosofia – Professor Simão Cavalcante são características desse período. É marcada pela tentativa de harmonizar os conceitos do Cristianismo com o pensamento filosófico greco-latino. A Patrística teve em Santo Agostinho(354-430), o seu representante mais significativo. O filósofo procurou respostas para a resolução de questões conflitantes do cotidiano. Ele admitia que o conhecimento seria possível tanto pelo aspecto sensível quanto pelo aspecto inteligível.Segundo ele,o aspecto inteligível tinha um caráter mais elevado. Sua inspiração para as teorias é baseada na filosofia platônica. 3. FILOSOFIA MEDIEVAL OU ESCOLÁSTICA (século VIII até o século XIV): A Idade Média foi caracterizada pela influência religiosa, baseada nos princípios e nos limites determinados pela Igreja Católica, o que causou um atraso no debate filosófico. O período também sofreu influências de conceitos platônicos e aristotélicos. A referência desse período na Filosofia, foi a Escolástica conhecida como a principal Filosofia medieval. A Escolástica representa à tentativa de conciliar fé e razão. O principal expoente da Escolástica foi São Tomás de Aquino (1225-1274), que através de seus pensamentos fez alusões aos conceitos aristotélicos. 4. FILOSOFIA DA RENASCENÇA (século XIV até o século XVI): Historicamente o período é caracterizado pela transição do pensamento teocêntrico, centrado em Deus, para o pensamento antropocêntrico, centrado no homem. Outra característica é o resgate de obras de autores greco-latinos. 5. FILOSOFIA MODERNA (século XVII até o século XVIII): Período caracterizado pela reflexão como elemento imprescindível para o raciocínio filosófico. A possibilidade de conhecimento e transformação pelos indivíduos são características marcantes desse período. 6. FILOSOFIA DA ILUSTRAÇÃO OU ILUMINISMO (meados do século XVIII ao início do século XIX): O objetivo principal consiste em propiciar aos indivíduos a chamada “luz”, ou seja, a iluminação para uma nova realidade, rompendo com a mentalidade presente no período medieval baseada no Teocentrismo. Através da luz, o indivíduo atingiria a razão e por meio desta, alcançaria a liberdade. As transformações ocorridas influenciaram em vários 25 Filosofia – Professor Simão Cavalcante aspectos da vida dos indivíduos, entre eles, a parte social, envolvendo a moralidade, o cotidiano, a técnica, além do contexto político e artístico. 7. FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA (meados do século XIX aos dias atuais): As características que seguem a Filosofia Contemporânea são as questões que envolvem o indivíduo no contexto social. As transformações ocorridas desde meados do século XIX impulsionaram mudanças na mentalidade e no comportamento dos indivíduos em âmbito social. Podemos apontar como mudança no panorama histórico referente a esse período, a ascensão da Burguesia ao poder vigente, Guerras Mundiais e avanços científicos. 3.2 Filosofia na Antiguidade No século V a.C., conhecido como Século de Péricles, auge da democracia, Atenas tornou-se o centro da vida cultural e política da Grécia. O ideal de educação aristocrática, baseado em Homero e Hesíodo, do guerreiro belo e bom em que a virtude (arete = ser bom naquilo que faz, excelência) maior era a coragem, é substituído pela educação do cidadão, a formação do bom orador, que é aquele que participa das decisões da pólis, argumentando e persuadindo os outros. 3.2.1 O movimento Sofista Para educar os jovens desse novo período, surgem os Sofistas (sábios, especialistas do saber). Eles eram cidadãos da Hélade (toda Grécia), não só de uma cidade-estado. Os Sofistas elaboraram teoricamente e legitimaram o ideal da nova classe em ascensão, a dos comerciantes enriquecidos. Para os Sofistas, o pensamento dos filósofos até então estava cheio de erros, era contraditório e não tinha utilidade para a vida da pólis (cidade). É inútil procurar as causas primeiras das coisas, a metafísica, sem antes estudar o homem em profundidade e determinar com exatidão o valor e o alcance de sua capacidade de conhecer. O interesse dos Sofistas era essencialmente humanístico. 26 Filosofia – Professor Simão Cavalcante A realidade e a lei moral, para os sofistas, ultrapassam a capacidade cognitiva do homem: ele não pode conhecê-las. Tudo o que o homem conhece é arquitetado por ele mesmo: “O homem é a medida de todas as coisas” (Protágoras). Não pode haver conhecimento verdadeiro, absoluto, mas somente conhecimento provável. O fim supremo da vida para os sofistas é o prazer. O movimento sofístico tinha como pilar de sustentação a opinião e a retórica, cuja técnica definia o homem público. E foi com essa idéia de formação dos jovens na técnica de instrumentos da oratória e retórica que se basearam os Sofistas, respondendo às necessidades da democracia grega. 3.2.2 Sócrates Sócrates viveu em Atenas entre 469 e 399 a.C. O Oráculo de Delfos lhe revelou que era o homem mais sábio da Grécia. Sócrates concluiu que era o mais sábio porque tinha consciência da sua própria ignorância. Sua vocação era ajudar os homens a procurar a verdade. Seu objetivo era incitar os homens a se preocuparem, antes de tudo, com os interesses da própria alma, procurando adquirir sabedoria e virtude. Antes de conhecer as causas primeiras, os princípios metafísicos, é preciso conhecer-se a si mesmo, saber qual é a essência do homem. O homem é a sua alma. Alma é a razão, o lugar, sede de nossa atividade pensante e eticamente operante. É preciso educar os homens para que cuidem mais de sua alma do que do corpo. Dotado de espírito arguto e questionador, a grande preocupação de Sócrates era com a moral, era descobrir o que era justo, verdadeiro e bom. Assim as indagações filosóficas mais urgentes devem ser: O que é bom? O que é certo? O que é justo? Sócrates afirmava que o homem pecava por falta de conhecimento. Se tivesse conhecimento das coisas, não pecaria. Portanto, conhecimento era virtude, sendo a ignorância a maior causa do mal. Metafísica: do grego metâ tà physikò = depois dos tratados da física. Assim, a palavra significa literalmente depois da física (Metha = depois, além; Physis = física). É também definida como a parte da filosofia que procura os princípios e as causas primeiras. 27 Filosofia Professor Simão Cavalcante Para o conhecimento verdadeiro sobre o bem, o mal e a justiça, utilizava na praça pública, junto aos jovens e a todos os que o seguiam, inclusive Platão, o método de pergunta e resposta. Seu método foi posteriormente denominado maiêutica – parturição das idéias. Sócrates extraía aos poucos do interlocutor o conhecimento através da lógica, impregnada de ironia. Sócrates deixa embaraçado e perplexo aquele que está seguro de si mesmo, faz com que o homem veja os seus problemas, desperta curiosidade e o estimula a refletir, não ensina a verdade, mas ajuda cada um a descobri-la nele mesmo. Para ele, aprender não é coisa fácil, só lenta e progressivamente se chega ao conhecimento da verdade. Seu objetivo, por meio da dialética e da ironia, era desmascarar a falsa sabedoria e chegar a um conhecimento da natureza humana. Podia-se chegar ao conhecimento verdadeiro com muito trabalho intelectual. A ética socrática baseava-se no respeito às leis e, portanto, à coletividade. Vislumbrava nas leis um conjunto de preceitos de obediência incontornável, independentemente de essas serem justas ou injustas. Entendia o direito como um instrumento de coesão em favor do bem comum. É pela submissão às leis que a ética da cidade se organiza, já que a ética do coletivo está sempre acima da ética do individual. Os poderosos da época viram-se ameaçados pela atitude filosófica de Sócrates: ele provocava o pensamento crítico e os jovens poderiam começar a questionar as suas ações. Sócrates tornou-se uma figuramuito polêmica, amada e odiada por muitos. Foi preso sob acusação de corrupção da juventude e de não acreditar nos deuses da cidade. Seu julgamento ficou célebre e foi condenado com duas opções de pena: ou exilar-se ou morrer (ingerindo um veneno – a cicuta). Fanarete, a mãe de Sócrates, era parteira. Talvez daí venha a influência para o seu método. Saiba mais... 28 Filosofia – Professor Simão Cavalcante Coerente com sua postura e sua filosofia de que “mais vale um homem infeliz no sentido de estar permanentemente inquieto com a busca da verdade, do que viver como um porco satisfeito”, Sócrates escolhe beber cicuta, ficando para a posteridade seu amor à verdade, ao desapego aos bens materiais, à postura ética frente a si próprio e a sua sociedade. Aceitou a morte como prova de que ele defendia o valor da lei como elemento de ordem do todo. Magee (2001, p. 23), ao falar sobre a postura de Sócrates, afirma que: [...] nenhum outro filósofo teve mais influência do que Sócrates, tendo sido o primeiro a ensinar a prioridade da integridade pessoal em termos do dever da pessoa para consigo mesma, e não para com os deuses, a lei ou quaisquer outras autoridades. Além disso, buscou, mais do que ninguém, o princípio de que tudo deve estar aberto ao questionamento – não pode haver respostas taxativas e inflexíveis, porque elas próprias, como tudo o mais, estão abertas ao questionamento. Desde então, o método de pergunta e resposta, instigando o aluno a pensar, para buscar a verdade, constitui, por excelência, o método pedagógico utilizado amplamente no processo de ensino-aprendizagem. 3.2.3 Platão Diferentemente de seu mestre Sócrates, que nada escreveu, Platão escreveu cerca de duas dezenas de diálogos, verdadeiras peças literárias. Por meio desses diálogos, expõe, na primeira etapa, as idéias de Sócrates e, na segunda, suas próprias idéias. Fundou sua escola com o nome de Academia cujos estudos básicos eram aritmética, geometria, astronomia e as harmonias do som, cujo objetivo era preparar os jovens para se iniciarem nas indagações filosóficas. De sua obra, dois diálogos são considerados pelos historiadores os mais famosos: a República, que se ocupa, sobretudo, da natureza da justiça (e, portanto, da ética), no qual traça o plano do Estado ideal, e o Banquete, uma investigação sobre a natureza do amor. Platão acompanhou e vivenciou o drama da acusação de Sócrates e registrou o acontecimento nos diálogos: o Crítias, a Apologia e o Fédon. A Apologia narra o discurso feito por Sócrates em sua própria defesa em seu julgamento e é a justificativa de sua vida. 29 Filosofia Professor Simão Cavalcante Para você compreender melhor a concepção de Platão sobre ética, vamos explicar, resumidamente, algumas idéias desse filósofo sobre como conhecemos a realidade e o que é a realidade. Segundo ele, existem dois tipos de realidade: o mundo em que vivemos, do qual temos apenas um conhecimento sensível, aparente, e um mundo ideal, que são as essências com existência própria. A doutrina das idéias é a intuição fundamental de Platão da qual derivam todos os outros conhecimentos. Platão demonstra a existência do mundo das idéias da seguinte forma: a) Reminiscência: não tiramos as idéias universais da experiência, mas sim da recordação de uma intuição do que se deu em outra vida; b) O verdadeiro conhecimento: a ciência só é possível quando são trabalhados conceitos universais. Para isso, deve existir o mundo inteligível, universal; c) Contingência: idéia necessária e estática para que se explique o nascer e o perecer das coisas. As idéias, segundo Platão, são incorpóreas, imateriais, não-sensíveis, incorruptíveis, eternas, divinas, imutáveis, auto-suficientes, transcendentes. A República é um diálogo escrito no século IV a.C. por Platão. Nesse diálogo são questionados os assuntos da organização social. Nesta obra, Platão nos apresenta a alegoria da caverna (Mito da Caverna). Nela são apresentadas questões importantes sobre o viver, ação e ética. Visite o site <http://pt.wikipedia.org/wiki/Mito_da_caverna> e aprofunde as questões que surgirem após a reflexão. Tente aproximar isso de sua prática profissional. 30 Filosofia – Professor Simão Cavalcante 3.2.4 Aristóteles Aristóteles (384-322 a. C.) nasceu em Estagira, na Trácia, em 384 a.C., na fronteira com a Macedônia. Seu pai era médico e serviu a Corte da Macedônia. Aos 17 anos, vai a Atenas e entra na Academia de Platão, na qual permanece por 20 anos, até a morte de Platão. Com a morte de Platão (347 a.C.) volta a Macedônia e torna-se preceptor de Alexandre Magno. Em 336 a.C., volta novamente a Atenas. Em Atenas abriu uma escola chamada Peripatética, pois dava suas lições em um corredor do Liceu (Perípatos). O interesse da Escola de Aristóteles está nas ciências naturais. Platão escreveu suas obras em forma de diálogo; Aristóteles, porém, preferiu o Tratado, pois permitia mais clareza, ordem e objetividade. A atividade filosófica, segundo Aristóteles, nasce da admiração. Os homens foram levados a filosofar, sendo primeiramente abalados pelas dificuldades mais óbvias e foram progredindo pouco a pouco até resolverem problemas maiores. O filosofar deve estar destituído de conotação utilitária e interesseira. A Filosofia é a ciência das causas primeiras, é de todas as ciências a única que é livre, pois só ela existe por si. As outras ciências podem até ser mais necessárias que a filosofia, mas nenhuma se lhe assemelha em excelência. Seu nome era Aristócles, mas pelo vigor físico e extensão de sua testa recebe o apelido de Platão, platôs em grego significa amplitude, largueza, extensão. Platão foi discípulo de Sócrates por cerca de 10 anos. Filho de família nobre, entrou na escola de Sócrates para se preparar para a política. Ficou, porém, decepcionado com as injustiças praticadas pelo governo e pela condenação de Sócrates à morte, abandonando sua aspiração à política. Com a condenação de Sócrates, Platão deixa Atenas e vai a Megara, temendo perseguições do governo de Atenas. Em 387 a.C., volta a Atenas e funda a Academia. A Academia é, por muitos, considerada a primeira universidade que existiu a estrutura do programa da academia era a geometria e a matemática. Durante séculos, a academia foi o centro de atração para todos os estudiosos. Platão morre em 347a.C. 31 Filosofia – Professor Simão Cavalcante Aristóteles rejeitou a teoria das idéias de seu mestre Platão, privilegiando o mundo concreto. A observação da realidade, segundo Aristóteles, leva-nos à constatação da existência de inúmeros seres individuais concretos e mutáveis que são captados por nossos sentidos. Partindo da realidade sensorial-empírica, a ciência deve buscar as estruturas essenciais de cada ser. É a partir da existência do ser que devemos atingir a sua essência em um processo de conhecimento que caminha do individual ao universal. Para isso, ele elege a experiência como fonte de conhecimento, mostrando que as formas são a essência das coisas, que não há separação entre os objetos e as formas: essas são imanentes àqueles. As idéias não existem fora das coisas: dependem da existência individual dos objetos. Então, comparando as interpretações de Platão e Aristóteles sobre como podemos conhecer a realidade, constatamos que elas são radicalmente diferentes. Magee (2001) comenta que estas duas posições são [...] os dois arquétipos das duas principais abordagens conflitantes que têm caracterizado a filosofia ao longo da história.De um lado há filósofos que atribuem um valor apenas secundário ao conhecimento do mundo tal como apresentado a nossos sentidos, acreditando que nossa preocupação última precisa ser com algo que está por „trás‟, „além‟ ou „oculto sob a superfície‟ do mundo. Do outro lado, há os que acreditam que este mundo é em si mesmo o objeto mais adequado para nossa preocupação e nosso filosofar. Para efeitos de nossos objetivos, destacamos para você o eixo central do pensamento de Aristóteles sobre Ética e Política. 3.2.5 O Helenismo Atualmente, percebe-se certa apatia das pessoas em relação às questões sociais e políticas. Para a maioria, o que importa é cada um se preocupar consigo mesmo e não se envolver nas questões coletivas. Vejamos o que esse cenário tem a ver com o assunto em pauta. No Século IV a.C. Atenas perde sua hegemonia e independência para os macedônios. Podemos datar esse período entre a morte de Aristóteles em 322 a.C. e o começo da Era Cristã. Nesse longo período a cultura e a língua gregas desempenharam papel preponderante nos três grandes reinos helênicos, a Macedônia, a Síria e o Egito. 32 Filosofia – Professor Simão Cavalcante Após a decadência política e econômica da Grécia Antiga, com a invasão por Alexandre Magno da Macedônia, a cultura construída pelos gregos permanece e se expande por meio das conquistas de Alexandre, constituindo o fenômeno hoje conhecido por helenismo. Seu Império se estendia por quase todo o mundo conhecido pelos gregos antigos, da Itália à Índia, incluindo boa parte do que hoje é chamado de Oriente Médio, junto com vastas áreas do Norte da África. As cidades-estados gregas perderam sua independência e foram absorvidas pelo império de Alexandre, perdendo seu predomínio cultural. Entretanto, esse imperador, aonde chegava, fundava novas cidades e incentivava o casamento dos gregos com mulheres locais, tornando-se essas populações cosmopolitas. Mas seu ethos e sua língua permaneceram gregos em toda parte. Formam-se, então, populações multirraciais e multilíngües. Caem, desta forma, preconceitos racistas contra bárbaros e escravos, pois Alexandre instruiu milhares de jovens bárbaros na arte da guerra. Tentou equiparar os bárbaros e escravos com os gregos. A cultura helênica (grega) torna-se helenística na difusão entre os vários povos e raças. A Hélade teve que assimilar alguns elementos desses povos, dos romanos, por exemplo, a praticidade. A cidade mais importante deste império foi Alexandria, fundada por Alexandre no norte da África, capital cultural deste império e durou cerca de trezentos anos, desde a queda das cidades-gregas no século IV a.C. até o surgimento do Império romano no século I a.C. O declínio da pólis não corresponde ao nascimento de organismos políticos fortes capazes de ser referência moral e acender novos ideais. As monarquias helenísticas, nascidas após a dissolução do império de Alexandre (323 a.C.), foram organismos instáveis. De cidadão, o homem grego torna-se súdito. Das “virtudes civis”, passa-se a determinados conhecimentos técnicos que não podem ser domínio de todos, porque requerem estudos e disposições especiais. O administrador da coisa pública torna-se funcionário, soldado, mercenário. Há um desinteresse para com as coisas do Estado, da Política. 33 Filosofia – Professor Simão Cavalcante O helenismo é pouco propício à profundeza e originalidade. Os três grandes filósofos de Atenas, Sócrates, Platão e Aristóteles se transformaram em fonte de inspiração para diferentes correntes filosóficas, sobressaindo a preocupação com a Ética. Após a perda da independência da pólis, o cidadão grego se sente inseguro e perdido. A via da salvação é refugiar-se em si mesmo, em sua solidão interior. As grandes perguntas do período são: o que é felicidade? Qual é o bem supremo? O mundo helenístico forma indivíduos. Quebra-se o laço entre ética e política, homem- cidadão. Em 146 a.C, a Grécia perde totalmente a liberdade tornando-se uma província romana. 3.3 Filosofia na Idade Média A Idade Média é o longo período que vai de 476 (queda do Império Romano do Ocidente) até 1453 (queda do Império Romano do Oriente, tomada de Constantinopla pelos Turcos–Otomanos). O antigo império romano foi se dividindo pouco a pouco em três espaços culturais diferentes. A cultura cristã de língua latina formou-se na Europa, cuja capital era Roma. Já na Europa oriental surgiu um núcleo cultural cristão de língua grega, cuja capital era Bizâncio. O norte da África e o Oriente Médio tinham pertencido ao Império Romano. Nessas regiões desenvolveu-se, na Idade Média, uma cultura muçulmana de língua árabe. Em conseqüência, a filosofia grega tomou três rumos diferentes. A cultura católico-romana no ocidente, a cultura romano-oriental e a cultura árabe. No período medieval, os únicos letrados, e que, portanto, tinham acesso ao conhecimento, eram os monges. Então a temática da época estava relacionada à tentativa de conciliar a fé com a razão. O Método da disputa era típico da filosofia medieval e consistia na exposição de idéias filosóficas em que a tese era apresentada e devia ser refutada ou defendida por argumentos tirados da Bíblia, de Aristóteles, Platão ou de outros padres da Igreja. Esse método era conhecido também como Princípio da Autoridade. 34 Filosofia – Professor Simão Cavalcante O período medieval tinha a concepção de que o homem teria a natureza sujeita ao pecado e ao descontrole das paixões, o que exige vigilância constante, cabendo ao Estado intimidar os homens para que agissem corretamente. Há, dessa forma, uma estreita ligação entre política e moral, com a exigência de se formar o governante justo, que consiga obrigar, muitas vezes pelo medo, a obediência aos princípios da moral cristã. O Estado medieval tem em suas mãos o poder temporal, voltado para as necessidades mundanas. A igreja possui o poder espiritual, voltado para os interesses da salvação da alma, que é o objetivo e horizonte ético central do homem medieval e deve encaminhar o rebanho para a verdadeira religião por meio da força da educação e da persuasão. A fé popular nem sempre se manifestava nos termos pretendidos pela doutrina católica. Havia uma série de crenças e ações, denominadas heresias, que se chocavam com os dogmas da Igreja. O papa Gregório IX criou, em 1231, os tribunais da inquisição que tinham como objetivo combater as heresias. Os tribunais da inquisição atuaram em vários reinos cristãos: Itália, França, Alemanha, Portugal e, sobretudo, Espanha. Pressionada pelas monarquias católicas, a inquisição atuou no combate aos movimentos contrários à ordem social dominante, desempenhando também papel de repressão social e política. A formação da sociedade feudal–medieval se dá efetivamente com a instalação de um modo de produção: o feudalismo. A insegurança provocada pelas invasões dos séculos IX e X obrigou as populações a se protegerem. Muitas pessoas migraram da cidade para o campo. Construíram-se vilas fortificadas e castelos cercados por muralhas. Cada um se defendia como podia. Os mais fracos procuravam ajuda de nobres poderosos. Já os camponeses, que buscavam a proteção dos senhores de terra, foram submetidos à servidão. Um fator histórico relevante é que, com a decadência da escravidão, desestruturação do Império Romano e as invasões dos povos considerados “bárbaros”, há uma transformação nas relações de trabalho e na sociedade em geral que resultou na estruturação da sociedade feudal. O sistema feudal tem como características principais: a terra é o principal meio de produção e pertencia aos senhores feudais; 35 Filosofia– Professor Simão Cavalcante a sociedade é rigidamente hierarquizada, tendo como classes sociais: senhores feudais, clero e servos; os trabalhadores tinham direito ao usufruto e à ocupação das terras, mas nunca à propriedade delas. Os senhores, por meio dos laços feudais, tinham o direito de arrecadar tributos sobre os produtos ou sobre a própria terra; existência de um sistema de deveres entre senhores e servos. Os servos trabalhavam em regime de servidão, no qual não se goza de plena liberdade, mas, também, não se é escravo; os servos eram os que efetivamente trabalhavam; os senhores feudais e o clero viviam do trabalho dos outros. A servidão na sociedade feudal perdurou um longo tempo porque havia forte solidariedade entre as famílias senhoriais, cumprimento irrestrito de compromissos e juramentos, e também pela presença da igreja sancionando esses compromissos, definindo claramente o lugar das classes servis nessa comunidade. Desse modo, os senhores conseguem não só manter pleno domínio da situação, mas também fazer com que essa dominação fosse aceita pelos dominados. Essa situação, que se manteve durante séculos sem contradições e conflitos, começou a mudar no século XIV. A crise da sociedade feudal foi fruto da fome, doenças (peste negra), Guerra dos Cem Anos (Entre Inglaterra e França), insurreições camponesas, etc. Com a desestruturação da sociedade feudal, surgem os primeiros sinais da constituição lenta e permanente de um novo modo de produção: o capitalista. Nesse longo período, portanto, a igreja romana dominava a Europa, ungia e coroava reis, organizava cruzadas à terra santa e criava, em volta das catedrais, as primeiras universidades e escolas. 3.3.1 Patrística e Escolástica O grande problema enfrentado pela filosofia na Idade Média foi defender a fé cristã dos questionamentos feitos pela filosofia. Justificar racionalmente a fé e assim propagá-la ao mundo inteiro. 36 Filosofia – Professor Simão Cavalcante Vejamos como os dois principais movimentos filosóficos do período – a Patrística representada por Agostinho de Hipona, e a escolástica, por Tomás de Aquino – se desdobram nessa tarefa. 3.3.1.1 A Patrística Na primeira etapa de formação da Idade Média, em relação ao pensamento da igreja, destaca-se a filosofia chamada Patrística (entre séc. II e VII d.C), cuja principal figura é Santo Agostinho. É o período da história da filosofia caracterizado pelo esforço feito pelos apóstolos Paulo e João e pelos primeiros padres da Igreja para conciliar a nova religião – o Cristianismo – com o pensamento filosófico dos gregos e romanos, pois somente com tal conciliação seria possível convencer os pagãos da nova verdade e convertê-los a ela. A filosofia patrística tem a tarefa religiosa de evangelização e defesa da religião cristã contra os ataques teóricos e morais que recebia dos antigos. A Patrística foi obrigada a introduzir idéias desconhecidas para os filósofos greco-romanos: a idéia de criação do mundo, pecado original, encarnação e morte de Deus, juízo final, fim dos tempos e ressurreição dos mortos. Como pode existir o mal se tudo foi criado por Deus? Para impor as idéias cristãs, os padres as transformaram em dogmas que são verdades reveladas por Deus por meio da bíblia e dos santos. Por serem divinos, os dogmas eram considerados irrefutáveis e inquestionáveis. Quanto aos temas centrais do período, fé e razão, os pensadores assumiam três posições distintas. São elas: fé e razão são irreconciliáveis: a fé é superior à razão; fé e razão são conciliáveis: a razão é subordinada a fé; fé e razão são irreconciliáveis: cada uma tem um campo de atuação específico. 37 Filosofia – Professor Simão Cavalcante 3.3.1.2 Santo Agostinho Agostinho nasceu em Tagaste, atual Argélia, norte da África em 354. Foi bispo de Hipona, também norte da África, por isso é conhecido como Agostinho de Hipona. Sua vida pode ser dividida em dois períodos distintos: antes da conversão e depois da conversão ao cristianismo. Antes da conversão Agostinho interessa-se principalmente por retórica e filosofia. Depois da conversão, concentra seu interesse, sobretudo, na Sagrada Escritura e na teologia. Santo Agostinho cria uma doutrina para conciliar a filosofia grega, principalmente o pensamento de Platão, com o cristianismo. Antes de sua conversão ao cristianismo, adotou a doutrina maniqueísta do profeta persa Mani, do século III d. C, que partia do princípio de que o universo é o campo de batalha entre as forças do bem e do mal, da luz e da treva. Considerava, esse profeta, que a matéria é má, mas o espírito é bom, sendo cada ser humano uma mistura de ambos, com uma luz que vem da alma que anseia libertar-se da matéria do seu corpo. Entretanto, Agostinho abandonou essa doutrina e buscou a fonte nos textos de Platão e de Plotino, também grego (204-269 d.C.), que seguiu o pensamento místico de Platão. Embora não professasse a religião cristã, Plotino exerceu enorme influência nos dois maiores filósofos cristãos, Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino. O cristianismo, centrado, sobretudo, nas práticas morais, não apresentava uma filosofia. Cristo não se preocupava em discutir questões filosóficas. Portanto, unir a filosofia platônica de um lado e, do outro, uma religião não-filosófica, abriu perspectivas para a união desses dois campos. Nos anos próximos de sua morte, Agostinho vivenciou o desmoronamento do Império Romano. O mundo civilizado que conheceu estava sendo destruído, entre outras razões, pelas invasões de hordas, chamadas pelos romanos de bárbaros. 38 Filosofia – Professor Simão Cavalcante 3.3.1.3 Escolástica No longo período histórico de formação da Idade Média (entre os séc. IV ao XIII - período áureo da Idade Média), grandes civilizações desenvolveram-se em outras partes do mundo. Nesse período, o Islã prosperou em todo o território do que fora o Império de Alexandre, disseminando-se pela África do Norte até a Espanha. Foi o mundo islâmico que preservou grande parte da cultura clássica, como, por exemplo, as obras de Aristóteles que, no século XIII, foram reintroduzidas na Europa, além de levar sua cultura com grande efeito transformador para o desenvolvimento intelectual europeu. Também, nesse longo período, a civilização chinesa desenvolveu amplamente sua cultura e, de igual modo, os japoneses. O período de reflorescimento da cultura européia é conhecido também sob a denominação de Escolástico. Nos séculos IX, X, XI e XII são debatidas muitas questões filosóficas que preparam o advento de ouro do século XIII. Por que Escolástico? Ao longo desse período, são criadas escolas, as futuras universidades, onde teólogos, professores e alunos debatem temas filosóficos à luz da religião. No século XIII, renasce o pensamento filosófico europeu, de forma sistemática, e refloresce a cultura. Ocorre um grande intercâmbio entre filósofos árabes e cristãos, são construídas as grandes catedrais góticas francesas; na Inglaterra, são fundadas as Universidades de Oxford e Cambridge, onde se iniciam pesquisas lideradas por Rogério Bacon. As universidades surgem também em Paris e em outras cidades importantes, onde se desenvolvem as disputas filosóficas à luz da teologia, ou seja, da fé católica, cujos pensadores, padres e alunos, buscam fundamentar os dogmas da Igreja com base no raciocínio filosófico. 39 Filosofia – Professor Simão Cavalcante 3.3.1.4 Tomás de Aquino Nasceu em Roccasecca, Itália, em 1225. Em 1239 entrou para a Universidade de Nápoles e poucodepois para a ordem dos dominicanos. Depois de obter o grau de mestre em teologia, ensinou essa disciplina na Universidade Sorbonne em Paris e mais tarde assumiu o cargo de teólogo papal na corte pontifícia. Passou seus últimos anos no convento de Nápoles, compondo a Suma Teologia, comentando Aristóteles e pregando ao povo. Tomás de Aquino sobressai nesta tarefa quando, ao estudar a filosofia de Aristóteles, introduzida pelos árabes, absorve-a e sistematiza o pensamento teológico da Igreja Católica. O problema das relações entre fé e razão é também a temática central do pensamento de Tomás de Aquino. Na obra Suma Teológica, Tomás de Aquino expõe sua doutrina básica no estudo do que significava a justiça como problema ligado à ação humana. No que se diz respeito à natureza humana, Santo Tomás definia que o homem é composto de corpo e de alma, sendo aquele o material para o aperfeiçoamento da alma, criado por Deus. Aperfeiçoamento que se dá porque a alma animal pode ser sensitiva ou intelectual. É na atividade intelectual do homem que ele particulariza e diferencia sua alma. Para ele, a filosofia deveria subordinar-se à revelação, que é critério único de verdade. Tomás definiu o termo justiça mesclado no conceito de ética, afirmando assim, com base nas influências aristotélicas, que justiça é uma vontade perene de dar a cada um o que é seu. Caracterizando a justiça como igualdade de pessoas, exteriorizada no comportamento dessas pessoas em poder discernir o que é seu e o que não é. 40 Filosofia – Professor Simão Cavalcante No século XIX, a Igreja Católica escolhe sua obra para fundamentar o dogma cristão. Para Tomás, fé e razão não podem se contradizer na medida que ambas emanam de Deus. Em conseqüência, filosofia e teologia não podem apresentar verdades divergentes, apenas diferem pelo método: a filosofia parte das coisas criadas para alcançar Deus, enquanto a teologia tem como ponto de partida Deus. No âmbito de nosso estudo, vamos compreender a filosofia ética de Tomás de Aquino: O “bem” transcendental é objeto da ética. O bem é uma realidade que se apresenta como uma perfeição e que é, portanto, o fim de uma aspiração para um outro ser. Para Tomás de Aquino, o bem supremo, Deus, é contemplado com plena felicidade por determinação da alma racional, cujas virtudes o filósofo distingue entre teologais e cardinais naturais. As Teologais só são acessíveis ao homem por meio da graça de Deus: fé, amor, esperança, em que o amor ordena todos os atos humanos para o fim divino supremo. As Cardinais são definidas como perfeição das faculdades naturais. Assim é preciso buscar na razão a sabedoria e a inteligência; na vontade, a justiça; no esforço, a coragem; no desejo, a temperança. Para Tomás, as virtudes definem a atitude interior do homem; a ordem exterior e as ações são dirigidas pelas leis. O legislador supremo é Deus, pois é o legislador de todo o universo. A lei eterna é a sabedoria divina que tudo dirige. A participação da razão humana na lei eterna é pela lei natural. Por outro lado, a liberdade de querer não está limitada pela lei divina. Somente em relação à natureza destituída de razão é que a lei age por necessidade interna. Para o homem, entretanto, a lei assume um caráter de uma lei normativa e, nessa medida, o homem participa da providência divina, pois é capaz de prever para si e para os outros. É preciso fazer o bem e evitar o mal. Finalizando, Tomás de Aquino, ao elaborar seu tratado teológico com base na filosofia aristotélica, buscando também fontes no pensamento judaico e islâmico, demonstrou, na época, que havia compatibilidade entre pensamento filosófico e crença cristã. Procurou, entretanto, distinguir sempre filosofia e religião, razão e fé. 41 Filosofia – Professor Simão Cavalcante 3.4 Filosofia na Modernidade A partir do século XI, ou seja, na baixa Idade Média, a Europa passa por um processo de reurbanização provocado pela intensa atividade comercial desenvolvida com o oriente. Em torno dos castelos medievais, vão se formando pequenas aglomerações urbanas. Na maioria dos casos, são pessoas expulsas dos feudos devido ao excedente populacional. O comércio e outros ofícios passam a ser a ocupação dessas pessoas. A maioria desses centros urbanos nascentes encontra-se no caminho de grandes rotas comerciais. O que se percebe com isso é o fortalecimento das famílias comerciais, o crescimento dos centros urbanos, o enfraquecimento dos antigos senhores feudais. A burguesia, classe social emergente, sente-se prejudicada, pois, atrelada aos padrões tributários e políticos da sociedade feudal, não pode se desenvolver de forma satisfatória. Para que o capitalismo comercial, então, nos seus primórdios, possa progredir, a burguesia necessita de se desvincular do poder da Igreja e da estrutura feudal. Essas transformações, juntamente com as grandes navegações e a conseqüente conquista do continente americano, constituem o embrião da formação do capitalismo na Europa e nos Estados Unidos, a revolução econômica, cultural, social e política do mundo ocidental. Com a redescoberta das obras dos pensadores greco-romanos, foi possível retomar valores como o uso da razão e a vida política em uma sociedade republicana. Isso despertou o desejo de liberdade em relação ao poder teológico político dos papas Renascimento: o movimento intelectual e cultural que caracterizou a transição da mentalidade medieval para a mentalidade moderna ficou conhecido como Renascimento. Esse nome se dá porque muitos artistas, intelectuais e cientistas do século XV e XVI quiseram recuperar ou retomar a cultura antiga, greco-romana, que esmorecera na Idade Média, buscar novos caminhos para a investigação científica. O Renascimento iniciou-se na Itália, principalmente nas cidades de Florença, Veneza e Roma. 42 Filosofia – Professor Simão Cavalcante e imperadores. A cultura grega foi redescoberta, graças a um contato mais estreito com os árabes na Espanha e com a cultura bizantina. É aqui que se encontram, em uma só, as três correntes de pensamento que preservaram a cultura grega, as quais haviam se separado no início da Idade Média, quais sejam: cultura católico-romana no ocidente (Roma), cultura romano-oriental (Bizâncio) e cultura árabe. Para os renascentistas, Roma, Atenas, Esparta são tomadas como modelo de cidade, por representar o ideal republicano. Tê-las por modelo significa valorizar a vida ativa da prática política contra o ideal de contemplação e submissão imposto pela Igreja. Dessas atitudes, teremos, como conseqüência, as duas principais características do mundo renascentista: o humanismo antropocêntrico e o racionalismo. Para o humanismo antropocêntrico, o ser humano é o centro da vida política e cultural. Essa proposição tem um claro sentido de se opor ao teocentrismo (Deus como ponto de partida das explicações). Porém, não se quer afirmar o ser humano de qualquer maneira, mas como portador de uma racionalidade capaz de desvendar os segredos da natureza e colocá-la a serviço do homem. O racionalismo quer também promover os valores do indivíduo como alguém separado de qualquer sistema de dominação ou sujeição porque os renascentistas desenvolvem uma crença totalmente nova no homem e em seu valor, o que se opunha frontalmente à Idade Média, quando se enfatizava apenas a natureza pecadora do homem. O homem passou a ser visto, agora, como algo infinitamente grandioso e valioso. Essa nova visão de homem levou a uma nova concepção de vida. O homem não existia apenas para servir a Deus,
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