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HISTÓRIA ECONÔMICA GERAL Professora Me. Carla Fabiana de Andrade Gonçalves Iori GRADUAÇÃO Unicesumar C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Distância; IORI, Carla Fabiana de Andrade Gonçalves. História Econômica Geral. Carla Fabiana de Andrade Gonçalves Iori. Maringá-Pr.: UniCesumar, 2018. 200 p. “Graduação - EaD”. 1. História. 2. Economia. 3. EaD. I. Título. CDD - 22 ed. 330.9 CIP - NBR 12899 - AACR/2 Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário João Vivaldo de Souza - CRB-8 - 6828 Impresso por: Reitor Wilson de Matos Silva Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de Administração Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de EAD William Victor Kendrick de Matos Silva Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi NEAD - Núcleo de Educação a Distância Direção Executiva de Ensino Janes Fidélis Tomelin Direção Operacional de Ensino Kátia Coelho Direção de Operações Chrystiano Minco� Direção de Polos Próprios James Prestes Direção de Desenvolvimento Dayane Almeida Direção de Relacionamento Alessandra Baron Head de Produção de Conteúdos Celso Luiz Braga de Souza Filho Gerência de Produção de Conteúdo Diogo Ribeiro Garcia Gerência de Projetos Especiais Daniel Fuverki Hey Supervisão do Núcleo de Produção de Materiais Nádila Toledo Supervisão Operacional de Ensino Luiz Arthur Sanglard Coordenador de Conteúdo Silvio Cesar de Castro Designer Educacional Bárbara Neves Projeto Gráfico Jaime de Marchi Junior José Jhonny Coelho Arte Capa Arthur Cantareli Silva Editoração Victor Augusto Thomazini Qualidade Textual Estela Pereira dos Santos Ilustração Bruno Cesar Pardinho Figueiredo Marta Sayuri Kakitani Em um mundo global e dinâmico, nós trabalhamos com princípios éticos e profissionalismo, não so- mente para oferecer uma educação de qualidade, mas, acima de tudo, para gerar uma conversão in- tegral das pessoas ao conhecimento. Baseamo-nos em 4 pilares: intelectual, profissional, emocional e espiritual. Iniciamos a Unicesumar em 1990, com dois cursos de graduação e 180 alunos. Hoje, temos mais de 100 mil estudantes espalhados em todo o Brasil: nos quatro campi presenciais (Maringá, Curitiba, Ponta Grossa e Londrina) e em mais de 300 polos EAD no país, com dezenas de cursos de graduação e pós-graduação. Produzimos e revisamos 500 livros e distribuímos mais de 500 mil exemplares por ano. Somos reconhecidos pelo MEC como uma instituição de excelência, com IGC 4 em 7 anos consecutivos. Estamos entre os 10 maiores grupos educacionais do Brasil. A rapidez do mundo moderno exige dos educa- dores soluções inteligentes para as necessidades de todos. Para continuar relevante, a instituição de educação precisa ter pelo menos três virtudes: inovação, coragem e compromisso com a quali- dade. Por isso, desenvolvemos, para os cursos de Engenharia, metodologias ativas, as quais visam reunir o melhor do ensino presencial e a distância. Tudo isso para honrarmos a nossa missão que é promover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, formando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária. Vamos juntos! Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está iniciando um processo de transformação, pois quando investimos em nossa formação, seja ela pessoal ou profissional, nos transformamos e, consequentemente, transformamos também a sociedade na qual estamos inseridos. De que forma o fazemos? Criando oportu- nidades e/ou estabelecendo mudanças capazes de alcançar um nível de desenvolvimento compatível com os desafios que surgem no mundo contemporâneo. O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens se educam juntos, na transformação do mundo”. Os materiais produzidos oferecem linguagem dialógica e encontram-se integrados à proposta pedagógica, con- tribuindo no processo educacional, complementando sua formação profissional, desenvolvendo competên- cias e habilidades, e aplicando conceitos teóricos em situação de realidade, de maneira a inseri-lo no mercado de trabalho. Ou seja, estes materiais têm como principal objetivo “provocar uma aproximação entre você e o conteúdo”, desta forma possibilita o desenvolvimento da autonomia em busca dos conhecimentos necessá- rios para a sua formação pessoal e profissional. Portanto, nossa distância nesse processo de cresci- mento e construção do conhecimento deve ser apenas geográfica. Utilize os diversos recursos pedagógicos que o Centro Universitário Cesumar lhe possibilita. Ou seja, acesse regularmente o Studeo, que é o seu Ambiente Virtual de Aprendizagem, interaja nos fóruns e enquetes, assista às aulas ao vivo e participe das dis- cussões. Além disso, lembre-se que existe uma equipe de professores e tutores que se encontra disponível para sanar suas dúvidas e auxiliá-lo(a) em seu processo de aprendizagem, possibilitando-lhe trilhar com tranqui- lidade e segurança sua trajetória acadêmica. CU RR ÍC U LO Professora Me. Carla Fabiana de Andrade Gonçalves Iori Mestrado em Desenvolvimento Regional e Agronegócio - Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), especialização em Gestão Financeira e Contábil, Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Paranavaí (FAFIPA) e graduação pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) em Ciências Econômicas. Atua como professora de Economia na Unicesumar desde 2009. Foi instrutora de matemática financeira com utilização da calculadora financeira hp-12c no SENAC. De 2002 a 2011 atuou na instituição financeira HSBC Bank Brasil S/A Banco Múltiplo como gerente de negócios. Desenvolve pesquisas na área de Economia Política. Para saber mais sobre esse currículo acesse: http://lattes.cnpq. br/9999135590410897. SEJA BEM-VINDO(A)! É uma imensa satisfação apresentar a você este material. Ele é fruto do encontro viven- ciado durante minha atividade estudantil e profissional. Isso porque é uma temática que me encanta desde a graduação em Ciências Econômicas na Universidade Estadual de Maringá, passando pela minha experiência em uma instituição financeira, quando pude perceber que o mercado obedece à “leis econômicas universais”, simultaneamente à carreira acadêmica, ao observar que a história é a ferramenta explicativa de muitas realizações do presente. Ao abrir este material, é provável que você, caro(a) aluno(a), tenha alguma expectati- va quanto ao conteúdo. Diante de projeções é sempre um desafio atender a contento. Devo antecipar, portanto, que é possível elaborar diferentes “histórias econômicas ge- rais”, ainda que os processos históricos observados sejam os mesmos. Assim, é conve- niente, nesta apresentação, demonstrar que meu compromisso é facilitar a compreen- são da dinâmica histórica que envolve a descrição “dos esforços que o homem fez ao longo dos séculos para satisfazer as necessidades materiais” (IGLESIAS, 1959, p. 27 apud SAES, 2013, p. 1). Para o desenvolvimento desse material fizemos uso de muitas obras que foram trans- formando o modo de ver a economia da autora. Contudo, devo creditar principalmente dois manuais de História Econômica Geral, que em muito contribuíram para que fosse possível essa compilação de assuntos: História Econômica Geral, do professor Cyro Re- zende (2010) e o trabalho dos professores Flávio Azevedo Marques de Saes, com Alexan- dre Macchione Saes (2013). Ao estudar física ou química há possibilidades de estudar efeitos da causa “x” sobre o evento “y”, isolando, cuidadosamente, a modificação de outras variáveis que poderiam, eventualmente, perturbá-la. Na economia não há essa possibilidade! Nas “ciências na- turais” a descobertade “leis” não modifica a natureza. Por exemplo: Newton formulou a Lei da gravitação universal, e a constante gravitacional não sofreu alterações ao longo dos séculos. A economia é uma área do conhecimento com uma peculiaridade bastante diferente das referidas acima. Trata-se de uma ciência social. A “natureza”, na economia, é a sociedade humana. Um agrupamento de indivíduos diferentes uns dos outros, que reagem aos estímulos de formas diversas, raciocinam, têm diversas “identidades” e por assim dizer, pertencem a culturas. Formam um complexo sistema de inter-relações que se modificam e se dinamizam durante o tempo. E, nesse panorama, é fundamental o domínio da história que envolve processos, pessoas, sistemas, atividades e costumes das épocas passadas para avaliar e refletir o presente. O objeto da economia não muda. O que vai variar é o comportamento da sociedade diante dos fatos históricos; a sociedade muda à medida que ela se conhece. É no intuito de aprender que a economia não tem relações estáveis e que estamos sempre em mu- dança que o presente material se apresenta. Temos, portanto, em mãos, um trabalho de cunho exploratório e bibliográfico para atender a uma demanda de caráter didático-in- formativo. APRESENTAÇÃO HISTÓRIA ECONÔMICA GERAL Leis e normas humanas transformaram algumas pessoas em escravos e outras em senhores. Destarte, você será apresentado aos Primeiros Sistemas Econômicos de forma muito breve, mas saberá que eles são a gênese do sistema atual. Será uma viagem temporal que discorrerá sobre os marcos históricos econômicos, principalmente a partir da centralização da análise no espaço europeu, área privi- legiada da assunção do sistema capitalista. Para tanto, é mister a abordagem da transição do feudalismo ao capitalismo. O processo reflexivo acerca da relevância da Revolução Industrial também será mo- tivo de trabalho. Como um dos resultados dessa transformação, será relevante en- tender a alta dos preços e a Grande Depressão por volta dos anos 1873. Esse cenário está contextualizado com a Segunda Revolução Industrial e a questão do Capital Monopolista e Imperialismo. O contexto de ampliação do espaço econômico culminará na Primeira Guerra Mun- dial, que impactará a década de 1920. O capitalismo passa por sucessivas crises e, possivelmente, a mais importante de sua história é a Grande Depressão de 1929, assunto, entre outros, da Unidade IV. Por fim, os mecanismos do capitalismo em sua fase “tardia”, os quais enfatizam as profundas mudanças que a Terceira Revolução Industrial acarretaram ao sistema. Por fim, é um trabalho introdutório e simplificado diante da proporção que é, de fato, a História Econômica Geral, nas suas mais diversas vertentes, que não podemos abordar aqui por uma questão didática. No entanto, sem dúvida, encontraremos- -nos nas aulas em formatos de vídeos como forma complementar a esse trabalho. É certamente um trabalho realizado com muita dedicação e seriedade por parte da Unicesumar, representada aqui pelo professor Silvio Castro, coordenador do curso de Ciências Econômicas, que confiou a mim este trabalho, ao qual sou grata por ter a possibilidade de compartilhar meu conhecimento com vocês. Bons estudos! APRESENTAÇÃO SUMÁRIO 09 UNIDADE I A HISTÓRIA ECONÔMICA E OS ASPECTOS DO FEUDALISMO 15 Introdução 16 A Relação Entre Economia e História 27 A Economia na Antiguidade 33 O Feudalismo 52 Considerações Finais 57 Referências 59 Gabarito UNIDADE II O CAPITALISMO E A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL (1760-1870) 63 Introdução 64 O Desenvolvimento do Processo Capitalista de Produção 74 A Revolução Industrial 87 A Revolução Industrial e sua Amplitude 92 Considerações Finais 98 Referências 99 Gabarito SUMÁRIO 10 UNIDADE III A GRANDE DEPRESSÃO DO SÉCULO XIX, A SEGUNDA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E O CONTEXTO DAS TRANSFORMAÇÕES CAPITALISTAS (1870-1913) 103 Introdução 104 A Grande Depressão do Século XIX 107 A Segunda Revolução Industrial 112 Uma Breve Contextualização Histórica do Capitalismo e seu Alargamento Geográfico 114 O Capital Monopolista 121 Imperialismo 126 Considerações Finais 131 Referências 132 Gabarito SUMÁRIO 11 UNIDADE IV A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL À GRANDE DEPRESSÃO (1914-1933) 135 Introdução 136 A Primeira Guerra Mundial 147 O Pós-Guerra 153 A Economia Mundial e os Anos 20 156 A Grande Depressão (1929-1933) 159 Considerações Finais 164 Referências 165 Gabarito SUMÁRIO 12 UNIDADE V A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL E AS PERSPECTIVAS DO CAPITALISMO TARDIO (1933- DIAS ATUAIS) 169 Introdução 170 O Contexto da Segunda Guerra Mundial 172 A Dimensão da Segunda Guerra Mundial 177 O Capitalismo Tardio e a Financeirização do Sistema: as Peças de um Quebra-cabeças 187 Considerações Finais 194 Referências 195 Gabarito 196 CONCLUSÃO U N ID A D E I Professora Me. Carla Fabiana de Andrade Gonçalves Iori A HISTÓRIA ECONÔMICA E OS ASPECTOS DO FEUDALISMO Objetivos de Aprendizagem ■ Refletir a relação entre economia e história. ■ Conhecer a Economia na Antiguidade. ■ Reconhecer o sistema feudal e apreender aspectos do mercantilismo. Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: ■ A relação entre economia e história ■ A Economia na Antiguidade ■ O feudalismo INTRODUÇÃO Caro(a) aluno(a), o conteúdo que você encontrará nas próximas páginas foi minuciosamente construído no intuito de lograr a compreensão da íntima rela- ção da economia e da história; o nascimento da História Econômica; o processo gestacional do capitalismo: o feudalismo e o mercantilismo. É por acreditar categoricamente na primordialidade da história como ferra- menta de análise do momento presente, principalmente no que tange às questões materiais de vivência, que nos dedicamos, na primeira parte do material, a inves- tir no tratamento da relação da história e da economia. Destarte, o foco de nosso estudo se volta à atividade humana diante da sua satisfação das necessidades materiais no decorrer do tempo. Para discorrer sobre esse processo será necessário entender o nascimento da História Econômica Geral enquanto disciplina acadêmica, ou seja, enquanto área de estudo propriamente dita. Para isso, faremos uma abordagem econômica e historiográfica diante do amplo panorama dessa temática, em caráter descri- tivo, de modo a situar algumas das principais correntes de estudo da História Econômica. A Economia na Antiguidade é ponto chave na percepção de como nos- sos antepassados viviam, produziam e distribuiam os frutos de suas atividades produtivas. Seremos apresentados à sociedade feudal, como nos mostra Beaud (1987) que, por volta do século XI, concretiza-se em termos organizacionais no âmbito do senhorio, constituídos pela servidão, trabalho forçado, corveia e extorsão do sobre- trabalho (sob a forma de prestação em trabalho) do qual se beneficia o senhor, proprietário eminente e detentor das prerrogativas políticas e jurisdicionais. Por fim, o grande comércio que a circunavegação proporcionará: o período mercantilista. A riqueza de uma nação estava associada ao montante de ouro e prata que ela possuía. Alguns dos primeiros mercantilistas até mesmo acreditavam que esses metais preciosos eram o único tipo de riqueza que valia a pena alejar. Sem dúvida uma viagem no tempo econômico. Bons estudos! Introdução Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 15 A HISTÓRIA ECONÔMICA E OS ASPECTOS DO FEUDALISMO Reprodução proibida. A rt. 184do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E16 A RELAÇÃO ENTRE ECONOMIA E HISTÓRIA Nessa caminhada que estamos iniciando, caro(a) aluno(a), vamos conhecer datas, pensadores e acontecimentos, isto é, vamos trilhar a história sob a pers- pectiva econômica. É relevante apresentar que, conforme Harari (2015), a partir da dimensão temporal (há 70 mil anos) em que o Homo Sapiens começou a for- mar estruturas elaboradas chamadas culturas é que pontuamos a história. Há cerca de 13,5 bilhões de anos, a matéria, a energia, o tempo e o espa- ço surgiram naquilo que é conhecido como o Big Bang. A história des- sas características fundamentais do nosso universo é denominada físi- ca. Por volta de 300 mil anos após seu surgimento, a matéria e a energia começaram a se aglutinar em estruturas complexas, chamadas átomos, que então se combinaram em moléculas. A história dos átomos, das moléculas e de suas interações é denominada química. Há cerca de 3,8 bilhões de anos, em um planeta chamado Terra, certas moléculas se combinaram para formar estruturas particularmente grandes e com- plexas chamadas organismos. A história dos organismos é denominada biologia. Há cerca de 70 mil anos, os organismos pertencentes à espécie Homo sapiens começaram a formar estruturas ainda mais elaboradas chamadas culturas. O desenvolvimento subsequente dessas culturas humanas é denominado história (HARARI, 2015, p.11). Quadro 1 - Cronologia ANOS ATRÁS 13,5 bilhões Surgem matéria e energia. Começo da física. Aparecem átomos e moléculas. Começo da química. 4,5 bilhões Formação do planeta Terra. 3,8 bilhões Surgimento de organismos. Começo da biologia. 6 milhões Último ancestral em comum de humanos e chimpanzés. A Relação Entre Economia e História Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 17 ANOS ATRÁS 2,5 milhões Evolução do gênero Homo na África. Primeiras ferramentas de pedra. 2 milhões Humanos se espalham da África para Eurásia. Evolução de dife-rentes espécies humanas. 500 mil Surgem os neandertais na Europa e no Oriente Médio. 300 mil Uso cotidiano do fogo. 200 mil Surge o Homo sapiens na África Oriental. 70 mil Revolução Cognitiva. Surge a linguagem ficcional. Começo da história. Os sapiens se espalham a partir da África. 45 mil Os sapiens povoam a Austrália. Extinção da megafauna australiana. 30 mil Extinção dos neandertais. 16 mil Os sapiens povoam a América. Extinção da megafauna americana. 13 mil Extinção do Homo floresiensis. 12 mil Revolução Agrícola. Domesticação de plantas e animais. Assentamentos permanentes. 5 mil Primeiros reinos, sistemas de escrita e dinheiro. Religiões politeístas. 4,25 mil Primeiro império – o Império Acádio de Sargão. 2,5 mil Invenção da moeda – um dinheiro universal. Império Persa – uma ordem política universal “em prol de todos os humanos“. Budismo na Índia – uma verdade universal “para libertar todos os seres do sofrimento“ 2 mil Império Han na China. Império romano no Mediterrâneo. Cristianismo. 1,4 mil Islamismo. 500 Revolução Científica. A humanidade admite sua ignorância e começa a conquistar a América e os oceanos. O planeta inteiro se torna um só palco histórico. Ascensão do capitalismo. 200 Revolução Industrial. Família e comunidade são substituídas por Estado e mercado. Extinção em massa de plantas e animais. O presente Os humanos transcendem os limites do planeta Terra. As armas nucleares ameaçam a sobrevivência da humanidade. Cada vez mais, os organismos são moldados por design inteligente e não por seleção natural. O futuro O design inteligente se torna o princípio básico da vida? O homo sapiens é substituído por super-humanos? Fonte: Harari (2015, p. 8). A HISTÓRIA ECONÔMICA E OS ASPECTOS DO FEUDALISMO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E18 O tratamento da palavra “história” em sua abordagem etimológica (em todas as línguas românicas e em inglês) vem do grego antigo historie. Encaminha-nos para a noção de testemunha, “daquele que vê” o sentido de procurar. Podemos ir além e, em Heródoto (considerado o Pai da História), perceber o significado dessa ciência (hoje, ciência!) como “procura das ações realizadas pelos homens”. Esta é a exposição das investigações de Heródoto de Halicarnasso, para que os feitos dos homens não se desvaneçam com o tempo, nem fiquem sem renome as grandes e maravilhosas empresas, realizadas quer pelos Helenos, quer pelos Bárbaros; e, sobretudo, a razão porque entraram em guerra uns com os outros (HERÓDOTO, 1994, p. 53 apud PRIORI; MARTIN, 2010, p. 12). Em Le Goff (1995, p. 17): Mas a história pode ter ainda um terceiro sentido, o de narração. Uma história é uma narração, verdadeira ou falsa, com base na “realidade histórica” ou puramente imaginária – pode ser uma narração histórica ou uma fábula. O inglês escapa a esta última confusão porque distingue entre history e story (história e conto). A partir da etimologia, podemos entender que estamos tratando de uma busca, de uma forma investigativa, dentro de um recorte temporal – a história está intrin- secamente aliada ao tempo – em que o humano, enquanto ser social, modifica, desenvolve-se e, por assim dizer, está inserido em uma cultura. O tempo, não o chronos (cronológico) estabelecido pelo desenvolvimento das culturas, mas por aquele que, conforme Elias (1998, p. 13): Remete a esse relacionamento de posições ou segmentos pertencentes a duas ou mais sequências de acontecimentos em evolução contínua. Se as sequências em si são perceptíveis, relacioná-las representa a ela- boração dessas percepções pelo saber humano. Isso encontra uma ex- pressão num símbolo social comunicável - a ideia de “tempo”, a qual no interior de uma sociedade, permite transmitir de um ser humano para outros imagens mnêmicas que dão lugar a uma experiência, mas que não podem ser percebidas pelos sentidos não perceptivos. Contudo, o que é a história, na sua forma clássica, e como ela se relaciona com a História Econômica? Marc Bloch (2001, p.51) definiu a História como a “ciência dos homens no tempo”. Em outras palavras, conforme Saes e Saes (2013) é o estudo da atividade A Relação Entre Economia e História Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 19 humana, em suas múltiplas dimensões, na perspectiva da mudança ao longo do tempo. Em termos do foco de nosso estudo: a atividade humana voltada à satisfa- ção das necessidades materiais. Ainda podemos pensar que trata-se dos “esforços que o homem faz (fez) ao longo dos séculos para satisfazer suas necessidades materiais” (IGLÉSIAS, 1959, p. 27 apud SAES; SAES 2013, p. 1). Aquilo que con- sideramos como “essencial” se modifica de acordo com cada época. Em determinadas épocas e locais, as necessidades materiais das pessoas podem ser supridas por seu próprio esforço: numa comunidade estritamente rural, aquele que cultiva a terra e cria alguns animais pode produzir tudo (ou quase tudo) o que necessita para sobrevivência (levando em conta o que é considerado necessário naquele momento, como alimento, vestuário, habitação). Na socieda- de atual, as necessidades materiais comportam muito mais do que ali- mentos, vestuário e habitação, pois bens duráveis, como os eletrônicos, meios de transporte, lazer, cultura, etc. passaram a fazer parte do dia a dia de grande parte da população (SAES; SAES 2013, p. 2). Redes produtivas, comerciais e financeiras compõem a interligação do com- plexo sistemapara obtenção desses produtos, que se tornaram necessários no nosso cotidiano. Por exemplo, um operador financeiro no Brasil, ao almoçar em um restaurante, certamente está consumindo algum alimento produzido em outro país, talvez da América Latina, e cuja preparação exigiu o uso de uten- sílios importados provavelmente da América do Norte, da Europa ou da Ásia. Assim, da origem desses produtos à mesa do restaurante, há um vasto conjunto de empresas e trabalhadores, na maior parte das vezes desconhecidos daquele que é o consumidor final desses produtos. A teoria contemporânea tem as cicatrizes dos problemas do passado agora resolvidos, os erros do passado agora corrigidos e, não poderá ser comple- tamente entendida, exceto como um legado do passado. (Mark Blaug) A HISTÓRIA ECONÔMICA E OS ASPECTOS DO FEUDALISMO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E20 Caro(a) aluno(a), diante da sua possível expectativa acerca deste conteúdo é impor- tante que seja esclarecido que estamos diante da Economia e da História, duas (atuais) ciências que se relacionam para contribuir de maneira a procurar identifi- car as formas pelas quais os homens satisfazem suas necessidades materiais, como também de investigar de que maneira essas formas se alteram ao longo do tempo por meio de diferentes relações entre os homens que participam desse processo (trabalhadores, empresários, consumidores) e de técnicas em constante alteração. SURGIMENTO DA HISTÓRIA ECONÔMICA GERAL E a História Econômica Geral? Como surgiu? Enquanto disciplina acadêmica ela surgiu como uma reação às tendências dominantes nessas duas disciplinas. Destarte, é relevante a indicação das distintas perspectivas que definem as prin- cipais correntes da História Econômica. Isso se deve às implicações possíveis sobre a interpretação dos processos históricos. No fim do século XIX predominava na Economia a corrente marginalista (ver mais sobre a revolução marginalista no elemento textual #leitura complementar#). A figura 1 procura elucidar esse cenário. Na História prevalecia o positivismo e o historicismo, enquanto a economia perpassava a Revolução Marginalista. Figura 1 - O Século XIX e as correntes predominantes na Economia e na História. Fonte: a autora. A Relação Entre Economia e História Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 21 Segundo Saes e Saes (2013), Adam Smith via a história da economia como uma sequência de formas de atividade econômica: caça, coleta, pastoreio, agricul- tura e comércio. De modo que o pensador escocês preservava uma perspectiva histórica em suas reflexões. Essa seria a “ordem natural”, ou seja, como deveria ter acontecido ou acontecer em cada sociedade. De modo geral, os economis- tas clássicos mantiveram a preocupação em relação às mudanças da economia pontuadas em sua dimensão temporal. O surgimento e o desenvolvimento do capitalismo, para Karl Marx, é expli- cado por meio de sua vasta construção teórica. Na Alemanha, a Economia como disciplina esteve associada à chamada “Escola Histórica”. Essa corrente de pen- samento deu importância aos trabalhos históricos e, de forma geral, à descrição dos detalhes: para ela, este é o trabalho mais importante, ou pelo menos, o que em primeiro lugar se impõe às Ciências Sociais (SCHUMPETER apud SAES; SAES, 2013, p. 4). Ao apresentar o termo “escola” estamos tratando da noção que remete ao sentido de uma “corrente de pensamento”. Pois entende-se que sempre que ocorre um padrão ou programa mínimo perceptível no trabalho de grupo, formado por um número significativo de praticantes de determinada ativi- dade ou de produtores de certo tipo de conhecimento, sendo ainda impor- tante que haja uma certa intercomunicação entre estes praticantes, a consti- tuição de uma identidade em comum, frequentemente também ocorrendo a consolidação de meios para a difusão das idéias do grupo, como é o caso de revistas especializadas, controladas por seus membros ou programas vei- culados em mídias diversas. Será importante entender, ainda, que as “esco- las” podem apresentar uma referência sincrônica – relacionada a autores ou praticantes de uma mesma época – e uma referência diacrônica, no sentido de que a “escola” pode se estender no tempo e abarcar sucessivas gerações, ou ser por elas reivindicada. Fonte: autora A HISTÓRIA ECONÔMICA E OS ASPECTOS DO FEUDALISMO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E22 Na Economia Política (nome da disciplina antes da revolução marginalista), não havia nenhum historiador econômico, propriamente. Entretanto, os pensadores da Economia Política demonstravam, em suas obras, elementos ou preocupações com o que viria a ser a História Econômica como disciplina. O fato é que, com a ascensão dos marginalistas (corrente de pensamento), a perspectiva política perde espaço para os assuntos que tratam da organização dos fatores produtivos. Isso porque o foco do pensamento econômico, como já adiantamos, passa a ter uma abordagem estática. Em outras palavras, a preocupação com as transforma- ções que ocorrem no tempo, sob um caráter de evolução das relações materiais de produção, assumem outra abordagem. A atenção passa a ser para o entendi- mento do processo de formação dos preços dos bens e a alocação dos recursos, com base nas preferências dos indivíduos em determinado momento do tempo. Na perspectiva dos marginalistas, na Economia não havia espaço para a História: aliás, essa perspectiva foi formulada na polêmica sobre o Método entre os mar- ginalistas, em especial pelo austríaco Karl Menger, e a Escola Histórica Alemã, representada por G. Schmoller (SCHUMPETER, 1968, p. 177-185) Saes e Saes (2013) apresentam que o afastamento entre Economia e a História não ocorreu apenas com os marginalistas, pois esse foi um movimento mais geral que talvez, contraditoriamente, fortaleceu a História Econômica. Sem espaço para integrar seus estudos à teoria econômica, aqueles que, de algum modo, dedicavam-se à análise da história de economias nacionais, buscaram um espaço específico para sua atividade. Daí o surgimento da História Econômica como disciplina acadêmica nos países anglo-saxões, no final do século XIX e no começo do século XX. A primeira cadeira de História Econômica foi estabelecida nos Estados Uni- dos, em 1892, na Universidade de Harvard. Assumiu-a o inglês William Ashley, antigo professor de Oxford e autor de Introduction to English Economic History and Theory. Fonte: Harte (2001 apud SAES; SAES, 2013, p. 5). A Relação Entre Economia e História Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 23 A HISTÓRIA ECONÔMICA E A ESCOLA DOS ANNALES Ainda dentro do panorama da afirmação da História Econômica como disciplina, temos que, na França, o percurso que vai pautar o posicionamento da disciplina é diferente do apresentado com relação à Grã-Bretanha (paí- ses anglo-saxões). Na República Francesa, a História Econômica emergiu em oposição às correntes dominantes nos estudos de História no século XIX: a “história positivista.” Podemos, brevemente, entrar “na histó- ria da história” e verificar que o positivismo foi um movimento que passou a incorpo- rar métodos próprios no estudo dos fatos históricos. Nessa transformação, alguns dos princípios do Iluminismo, como a elabora- ção de regras e leis, foram fundamentais. Um dos grandes representantes dessa tendência de historiadores cientistas foi oalemão Leopold Von Ranke (1795-1886). O Positivismo pregava a cientifização do pensamento e do estudo hu- mano, visando a obtenção de resultados claros, objetivos e completa- mente corretos. Os seguidores desse movimento acreditavam num ide- al de neutralidade, isto é, na separação entre o pesquisador/autor e sua obra: esta, em vez de mostrar as opiniões e julgamentos de seu criador, retrataria de forma neutra e clara uma dada realidade a partir de seus fatos, mas sem os analisar. Os positivistas crêem que o conhecimento se explica por si mesmo, necessitando apenas seu estudioso recuperá-lo e colocá-lo à mostra. Não foram poucos os que seguiram a corrente positivista: Auguste Comte, na Filosofia; Émile Durkheim, na Sociolo- gia; Fustel de Coulanges, na História, entre outros, contribuíram para fazer do Positivismo e da cientifização do saber um posicionamento poderoso no século XIX (BIRARDI; CASTELANI; BELATTO, [2018], on-line). Figura 2 - Revista Annales d´Histoire Économique et Sociale, dirigida por Lucien Febvre e Marc Bloch (professores de Estraburgo) Fonte: Medievista (2014, on-line)¹. A HISTÓRIA ECONÔMICA E OS ASPECTOS DO FEUDALISMO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E24 E qual de fato era a oposição ao positivismo? Veja, estamos tratando da primeira metade do século XX. Nesse ponto cronológico, historiadores franceses, des- contentes com os pressupostos teóricos e metodológicos aplicados pela Escola Positivista, apresentam um espírito inovador, com o objetivo de transformar radicalmente os conceitos, as metodologias e as práticas aplicadas à produção histórica. A Escola dos Annales surgiu, aproximadamente, em meados da década de 1920. Liderada, inicialmente, por Lucien Febvre e Marc Bloch. Esse movi- mento teve como direção principal se opor à História Positivista, pois: havia chegado a hora de passar a história dos tronos das dominações para o dos povos e das sociedades. Quanto aos historiadores que ti- vessem a fraqueza de ainda se interessar pelo político, e praticar essa história superada, fariam o papel de retardatários, uma espécie em via de desaparecimento, condenada à extinção, na medida em que as novas orientações prevalecessem na pesquisa e no ensino (RÉMOND, 1996, p. 18-19). O que os historiadores mais jovens desejavam era, antes de mais nada, mudar o foco da história: das elites para as massas, para o trabalho, para a produção e para as trocas. Vários historiadores romperam com o domínio acadêmico do positivismo e produziram obras que incorporavam as novas preocupações, con- forme o quadro abaixo. Quadro 2 - Historiadores franceses que se opunham ao método positivista Jean Jaurés Histoire socialiste de la Révolution française (História Socialista da Revolução Francesa, 1901 – 1904) François Simiand La méthode positive en science économique (Método histórico de Ciência Social, 1903) Ernest Labrousse Esquisse du mouvement des prix et des revenus en France au XVIIIe. Siècle (Tese O movimento dos preços e das rendas na França do século XVIII, 1933) Henri Berr Revue de Synthèse (abrigava estudos de hitória que iam além do relato dos fatos) Henri Pirenne Publicava estudos sobre a história econômica e social da Idade Média. Fonte: adaptado de Saes e Saes (2013). A Relação Entre Economia e História Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 25 Na revista Annales, a proposta era deslocar a visão histórica concentrada nos fatos políticos para uma História “Total”. Consolidando, dessa maneira, a insa- tisfação latente entre historiadores e cientistas sociais das primeiras décadas do século XX em relação à historiografia dominante do século XIX. Além de recusar a História ‘acontecimental’ (o mero relato de eventos), Febvre e Bloch propunham a aproximação com as ciências sociais (So- ciologia, Antropologia, Geografia), o que permitia a busca de explica- ções para os processos históricos a partir da proposição de problemas (SAES; SAES, 2013, p. 6). HISTÓRIA ECONÔMICA E A PERSPECTIVA MARXISTA A História Econômica também perpassa a perspectiva marxista à medida que Karl Marx não apenas admite a presença da visão social de mundo na elabora- ção da ciência econômica como também a revela inseparável desta. O pensador alemão pretendeu explicitar as formas existentes, em sua época, da expressão das relações de produção e reprodução da vida, como histórica e social- mente determinadas, diferentemente do que fizeram os economistas políticos clássicos, que as naturalizaram. As proposições de Marx para a História, conforme Hobsbawm (1998), consideram que o fator econômico atua conjuntamente com Conforme Le Goff (1995), não é de se admirar que a criação da revista Annales d’histoire économique et sociale (Anais da história econômica e social), a qual deu vida ao movimento, surgiu exatamente no ano da crise de 1929. Essa crise que atingiu em cheio Wall Street, nos Estados Unidos, desmoronou as economias capitalistas da América e da Europa e levou a humanidade a questionar a ideia de progresso, arraigada há centenas de anos. Essas trans- formações, segundo François Dosse (2003, p. 34), foram observadas pelos Annales que mesmo tendo produzido a Revista em janeiro, antes da crise em outubro, “responde inteiramente às questões de uma época que desloca o olhar dos aspectos políticos para os econômicos”. Fonte: Rodrigues (2016, p. 119). A HISTÓRIA ECONÔMICA E OS ASPECTOS DO FEUDALISMO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E26 o fator social. A ação desses dois elementos explica as transformações em suas contradições. “Isso porque uma característica essencial do pensamento histórico de Marx é a de não ser nem ‘sociológico’ nem ‘econômico’, mas ambos simulta- neamente’’ (HOBSBAWM, 1998, p. 166-167). Contudo, como os fatores econômicos e sociais aparecem no paradigma historiográfico do Marxismo científico? O fator econômico se revela nas for- ças materiais de produção, também denominadas de forças produtivas. Essas são resultantes da atividade prática do homem, a qual envolve meios materiais (como matérias-primas e fontes de energia) e intelectuais (saberes técnicos e científicos) de produção. Marx desenvolveu um método próprio: o materialismo histórico. É a relação entre infra (a soma das forças produtivas e das relações de produção) e superes- trutura (envolve aspectos institucionais – ligados ao Estado, à justiça, às formas de governo e às leis – bem como ideológicos, os quais se revelam mediante ideias, dou- trinas, crenças, moralidade e produções artísticas e culturais) que permite explicar as ações, as realizações e os pensamentos humanos no tempo. Além desses dois conceitos, outros se destacam no interior da teoria marxista e exercem, na produ- ção historiográfica, reconhecida importância. Dentre esses conceitos, destacamos o “modo de produção”, o de “contradição” e o de “luta de classes”. (RODRIGUES, 2016) A HISTÓRIA ECONÔMICA, A NEW ECONOMIC HISTORY E A HISTÓRIA ECONÔMICA INSTITUCIONAL Convém registrar, ainda, o surgimento, a partir de 1960, de duas correntes cujo berço foi o ambiente universitário norte-americano: a New Economic History (mais tarde chamada também de Cliometria) e a História Econômica Institucional. A primeira nasceu com a elaboração de estudos históricos, com forte utilização de noções de teoria econômica e estimações econométricas. A segunda pode ser relacionada ao nome de Douglas North. Trata-se da História Econômica Institucional, justamente por considerar que “as instituições importam”. Sua vasta produção tem sido dedicada ao estudoda relação entre instituições e desenvol- vimento, em especial na perspectiva histórica. A Economia na Antiguidade Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 27 A HISTÓRIA ECONÔMICA E A HISTÓRIA QUANTITATIVA Enfim, podemos tratar de uma História Quantitativa. Em alguma medida, sem- pre se fez uso de dados quantitativos em estudos de História Econômica. A coleta e a elaboração sistemática desses dados é o elemento que poderia caracterizar a emergência de uma História Quantitativa. Trata-se, propriamente, de uma série de pesquisadores que se propuseram a tratar de temas de História Econômica por meio da elaboração de dados quantitativos de diversas ordens. Realizamos, até agora, um amplo panorama de caráter descritivo, de modo a situar algumas das principais correntes de estudo da História Econômica. É che- gado o momento de reconhecer o passado do homem em relação às formas de “satisfazer suas necessidades materiais”. Não deixe de considerar que a proposta do nosso trabalho é restrita do ponto de vista cronológico. Não conseguiremos abordar “todo o passado do homem”. Assim sendo, nosso objetivo central é o estudo das origens e do desenvolvi- mento do capitalismo, tendo em vista a compreensão de aspectos importantes da economia atual. Desse modo, o exame das formas de organização de siste- mas anteriores ao capitalismo deve ser feito de modo a atender a esse objetivo. A ECONOMIA NA ANTIGUIDADE Prezado(a) aluno(a), em nosso modo de ver, é de extrema importância estudar a economia na Antiguidade. Por longos milênios, a humanidade se compôs de grupos relativamente pequenos cuja cultura técnica apenas se igualava às cul- turas dos mais atrasados, “selvagens” contemporâneos, ou nitidamente inferior. As sociedades civilizadas e de complexa estrutura, por outro lado, não sur- giram como Minerva, da cabeça de Júpiter, havendo chegado à sua organização atual por meio de mudanças e progressos, obviamente experimentados a par- tir dessas atrasadas aglomerações humanas. Nesse sentido, nosso interesse se A HISTÓRIA ECONÔMICA E OS ASPECTOS DO FEUDALISMO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E28 apresenta em como os nossos antepassados viviam, produziam e distribuiam os frutos de suas atividades produtivas e, ainda, como tais técnicas e relações foram se aperfeiçoando ou modificando, até atingirem fases econômico-sociais mais adiantadas. Figura 3 - Descrição dos impérios na antiguidade Fonte: a autora. Se negligenciássemos o fato de que os grupos eram pequenos e que a sociedade é algo complexo; possivelmente não lograríamos compreender a evolução dos processos de produção e distribuição das riquezas, cujo conhecimento cons- titui, precisamente, o objeto da História Econômica. A figura 4, em destaque abaixo, busca reconhecer os primeiros sistemas econômicos para que, a partir disso, possamos partir para o nosso interesse especial: realizar a apresentação da sociedade feudal, a fim de discutir como se processou a transição do feuda- lismo ao capitalismo. A Economia na Antiguidade Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 29 PRIMEIROS SISTEMAS ECONÔMICOS Primeiros Sistemas Econômicos As civilizações hidráulicas Mesopotâmia Egito As cidades fenícias Civilização Minóica de Creta As civilizações comerciais Figura 4 - Primeiros sistemas econômicos Fonte: a autora. Há cerca de 10 mil anos, quando os sapiens (nome científico de nossa espécie humana) começaram a dedicar quase todo o seu tempo e esforço para mani- pular a vida de algumas espécies de plantas e animais, apresentando, dessa forma, uma mudança radical em seu relacionamento com a natureza, temos o que Harari (2015) chama de Revolução Agrícola. Essa transformação impactou totalmente a história da humanidade, pois o homem passa do caráter predató- rio para produtor. A existência em comunidades estáveis passa a tomar forma em detrimento do nomadismo. Em Rezende Filho (2010), temos o nome de Revolução Neolítica. Para nós, o relevante é perceber que foi um ponto de infle- xão para a humanidade, de modo que a atividade agrícola, sobretudo, permitiu que o homem passasse a diminuir a atividade braçal e passasse a ter a noção de trabalho coletivo e regular. A HISTÓRIA ECONÔMICA E OS ASPECTOS DO FEUDALISMO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E30 Paralelamente ao controle das fontes de alimentação que possibilitaram o crescimento demográfico, deu-se a diferenciação social do trabalho que permitiu o desenvolvimento de novas técnicas (cerâmica, tecelagem, fabricação de ins- trumentos de pedra polida), ligando as comunidades por um sistemas de trocas. Estabelece-se, aqui, nosso marco precursor da atividade comercial. A crescente liberação de braços da atividade básica de prover o sustento da comunidade, aliada à progressiva diferenciação social do trabalho, levou à formação de diferentes ritmos de produção e acumulação de bens econômicos, o que acabou por produzir o conceito de proprieda- de, e diferenciar diversos segmentos dentro da comunidade, de acordo com suas posses. E a difusão do conceito de propriedade levou à neces- sidade de se demarcar com precisão os limites dos lotes de terras, de se registrar o tamanho dos rebanhos, e de se mensurar o volume da pro- dução agrícola, o que induziu à invenção da escrita, com a consequente passagem para a história (REZENDE FILHO, 2010, p.13). Nesse sentido, as civilizações hidráulicas representam um papel importante nos primórdios da História Econômica Geral por caracterizarem uma área em que o homem percebeu sua produtividade ou até mesmo por suas peculiaridades das cheias dos rios. De tal modo que comunidades se fixaram dinamizando a região em torno dos vales dos rios Tigre e Eufrates, na Mesopotâmia; do Nilo, no Egito; do Ganges e do Indo, na Índia; e do Amarelo, na China. Veja a figura 5: Mesopotâmia Egito – alta produtividade agrícola; – densamente habitada; – região cercada população hostil; – dependia do comércio exterior para matérias-primas como: madeira, pedras e metais; – surgimento dos bancos. – baseada na irrigação (economia agrária considerada oásis alongado); – desertos protegiam a região de ameaças externas (sociedade isolacionista e conservadora); – pouco dependente de comércio exterior; – Estado precocemente uni�cado (faraó). Figura 5 - Civilizações hidráulicas Fonte: a autora. A Economia na Antiguidade Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 31 Por conta de condições geoclimáticas desfavorecedoras ao desenvolvimento da agricultura, algumas civilizações se voltaram para o exterior. Diante do obje- tivo de abastecerem-se, uma vez que não conseguiam produzir em quantidade suficiente. A figura 6 busca representar o caso da Civilização Minóica de Creta e das Cidades Fenícias. Civilização Minórica de Creta Cidades Fenícias – rica em madeira; – primeira economia concentrada na produção artesanal para exportação; – produção de vinhos, azeites e objetos de cerâmica. – Líbano atual; – relevo bastante acidentado, pouco propensa para agricultura; – cultivo de vinhas e oliveiras (culturas nada exigentes com relação à fertilidade do solo); – corante de púrpura; – intermediadores(comercializando e transportando) mercadorias provenientes de todo o mundo mediterrâneo. Figura 6 - As civilizações comerciais Fonte: a autora. Na intenção de maximizar as vantagens advindas da atividade comercial, as cida- des fenícias estabeleciam pontos de armazenamento de produtos localizados no litoral das regiões com as quais comerciavam. Eram as feitorias. Uma dessas, fundada no século IX a.C., deu origem à cidade de Cartago, a qual, conforme Rezende Filho (2010, p. 22) “se transformou na potência econômica dominante do Mediterrâneo ocidental, até ser derrotada por Roma, após longas guerras, em finais do século III a.C”. A HISTÓRIA ECONÔMICA E OS ASPECTOS DO FEUDALISMO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E32 Destarte, podemos apresentar as cidades-Estados gregas que: pela primeira vez na história, tornaram a escravidão absoluta na forma e dominante em extensão,transformando-a, de forma de trabalho auxi- liar e complementar, em um sistemático modo de produção. Alguns séculos mais tarde, o Estado Romano, dominando e unindo po- lítica e economicamente o “mundo civilizado” da Antiguidade Clássica, que se estendia ao redor do mar Mediterrâneo, tendo como eixo a pe- nínsula ltálica, desenvolveu, no limite, o modo de produção escravista, pioneiramente tomado preponderante pelas cidades gregas (REZEN- DE FILHO, 2010, p. 24). REPÚBLICA ROMANA No tocante à criação da República Romana (II a.C. a V D.C) é esclarecedor que a pequena cidade-Estado, em poucos séculos, tornou-se um Império. De tal modo que, conforme Rezende Filho (2010, p. 33): Roma deu unidade político-econômica à Antiguidade Clássica. E tor- nou predominantemente um sistema econômico que tinha por carac- terísticas, a escravidão como forma de trabalho, a monetarização como padrão de troca, o comércio como atividade motora, e a cidade como unidade produtiva, sem, no entanto, jamais deixar de ter como base, um substrato econômico rural. O que vimos até agora nos encaminha para nosso objetivo de compreender aspectos importantes da economia atual. De certo modo, tratamos até então dos “antepas- sados” do sistema capitalista de produção. A partir de agora, vamos acessar àquele que é, propriamente, o processo gestacional da economia capitalista: o feudalismo. As primeiras experiências da formação de Estados organizados juridicamen- te e politicamente foram vistas na Mesopotâmia. Situada no Crescente Fér- til, mais especificamente entre os Rios Tigre e Eufrates, essa região abrigou três importantes civilizações: os Assírios, os Sumérios e os Babilônios. Fonte: adaptado de Rezende Filho (2010). O Feudalismo Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 33 O FEUDALISMO Esse sistema passa a vigorar a partir do declínio do Império Romano. Contudo, primeiramente, o que é feudalismo? O que vem à sua mente ao “ouvir” essa palavra? É possível que imagens de castelos medievais, cavaleiros, armaduras, cenários e objetos lhe venham ao pensamento. Isso procede. De fato essas ima- gens pertencem à cultura da época. No entanto, ainda assim não é uma descrição completa do feudalismo. Em Ganshof (1968, p. 141) encontramos que o “feudo”, enquanto instituição jurídica, tem um significado geral: “uma concessão feita gratuitamente por um senhor ao seu vassalo para que este último pudesse dispor de sustento legítimo e ficasse em condições de fornecer ao seu senhor o serviço exigido”. Dobb (1983, p. 35) afirma que é necessário postular a definição de feudalismo que adotaremos daqui em diante. A ênfase desta definição irá repousar, não na relação jurídica entre vassalo e soberano, nem na relação entre a produção e o destino do produto, mas na relação entre o produtor direto (que pode ser um artesão em uma oficina ou um camponês cultivando alguma terra) e seu superior imediato ou senhor, e no conteúdo sócio-econômico que os co- necta. [...] esta definição irá caracterizar o feudalismo primordialmente como um modo de produção, e isto formará a essência da nossa defini- ção. Deste modo, será virtualmente idêntica ao que usualmente qualifi- camos como servidão: uma obrigação imposta ao produtor pela força e independentemente de suas vontade, para preencher a demanda econô- mica de um senhor, quer esta demanda tome a forma de serviços a pres- tar ou taxas a serem pagas em dinheiro ou em espécie, em trabalho ou no que o Dr. Neilson denominou ‘presentes para a despensa do senhor’. A HISTÓRIA ECONÔMICA E OS ASPECTOS DO FEUDALISMO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E34 Podemos perceber que o autor aborda o feudalismo como um modo de produção, cuja articulação fundamental é garantida pelas relações de servidão. Para Paul Sweezy et al. (2004), o conceito de feudalismo segundo Dobb é demasiadamente gené- rico. A contribuição de Ganshof (1968, p. 10-11), nesse sentido, nos apresenta que o feudalismo pode ser definido como um conjunto de instituições que criam e regulam obrigações de obediência e de serviço - sobretudo mi- litar - da parte de um homem livre, chamado vassalo, para com outro homem livre, chamado senhor, e obrigações de proteção e sustento da parte do senhor para com o vassalo. Em Anderson (2016, p. 20) como modo de produção, o feudalismo se define por uma unidade orgâ- nica entre economia e política, paradoxalmente distribuída em uma ca- deia de soberanias parcelares por toda a formação social. A instituição da servidão como mecanismo de extração de excedente unia a exploração econômica com a coerção político-jurídica no nível molecular da aldeia. São várias definições e todas são complementares, de modo que não podemos eleger um conceito preciso. O mais importante é que seja apreendida a concep- ção de que para além da relação senhor feudal versus trabalhador que vive no feudo (cuja condição social o define como um servo), trata-se, ainda, de uma esfera política caracterizada por uma forma de governo ou de dominação frag- mentada do ponto de vista espacial. Com a desagregação do Império Romano, houve a constituição de vários Estados Bárbaros de dimensões menores, cuja autoridade se viu progressivamente reduzida do ponto de vista geográfico. Em contrapartida, o feudo assumiu o papel de unidade política fundamental. O feudalismo apresenta um Estado descentralizado. O poder político passou a ser detido de forma privada; nesse sentido, a justiça é exercida pelo susera- no sobre seus vassalos e pelo senhor sobre os camponeses. Fonte: autora. O Feudalismo Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 35 O feudalismo em torno do ano 1000 está estabelecido com base nos moldes apresentados anteriormente. Nessa dimensão temporal, a Europa Ocidental apresentava as características definidoras do sistema: a relação suserano-vas- salo, a fragmentação do poder e o estabelecimento da servidão como relação social fundamental no campo. Em termos de organização econômica, podemos considerar o feudo como uma área de terra comumente denominada senhorio, distribuída de seguinte forma: I. Reserva Senhorial. i. Centro do domínio. ii. Terras cultiváveis. II. Lotes dos camponeses. III. Terras de uso comum. A dinâmica dessa organização se dava no centro do domínio, as atividades eram realizadas sob o controle do senhor (diretamente ou representado por preposto) e com o trabalho de servos (e, em certas épocas, também de escravos) que viviam no próprio centro do domí- nio.Eram os servos dedicados aos serviços domésticos e também aos outros ofícios (ferreiros, cervejeiros, moageiros, padeiros e outros ar- tesãos). Mais importante era a forma de cultivo das terras aráveis da reserva senhorial. Na sua forma típica, esse cultivo era realizado pelos campo- neses, obrigados a trabalhar nas terras do senhor (em geral, de dois a três dias por semana). Essa obrigação, denominada na França de cor- veia, era o elemento mais característico da servidão: se, originalmente, um camponês livre podia ter trocado sua independência pela proteção do senhor diante do perigo da guerra (daí as obrigações que ele assume em relação ao senhor, em suma, a servidão), essas obrigações ao longo do tempo, passaram a ser impostas aos camponeses pelo costume, por normas legais ou simplesmente pela força dos senhores (independen- temente da necessidade de proteção ao camponês) (SAES; SAES, 2013, p. 50). A HISTÓRIA ECONÔMICA E OS ASPECTOS DO FEUDALISMO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E36 A lista de obrigações por parte do camponês, em relação ao seu senhor, ainda pode ser estendida para: ■ Banalidades: para moer trigo, para assar pão, para fazer cerveja ou vinho, o camponês tinha a obrigação de deixar metade do produto daquilo que havia levado para ser processado, ao usar as instalações do centro do domínio. ■ Talha: tributo imposto pelos senhores com base na obrigação de um vas- salo sustentar seu chefe (e que se estendia aos servos). ■ Captação: pagamento anual justificado como doação aos senhores em troca de sua proteção (cobrado por pessoa). ■ Mão morta: quando da morte do servo, seus herdeiros deviam entregar ao senhor o melhor animal que tivessem. Nesse contexto, a Igreja era muito forte e, maior proprietária de terras. O cená- rio estava emoldurado em uma hierarquia feudal na qual o servo ou camponês era protegido pelos senhores feudais, os quais, por sua vez, deviam fidelidade e eram protegidos por senhores mais poderosos. Essa estrutura se estendia, indo até o rei. “Os fortes protegiam os fracos” (HUNT, 1989, p. 29), mas o faziam por um alto preço. Em troca de pagamento em moeda, alimentos, trabalho ou fide- lidade militar, os senhores garantiam o feudo a seus vassalos. Como escora desse sistema, estava o servo que cultivava a terra. Portanto, além das obrigações acima referidas, tinha o dízimo para a Igreja, pagamentos em troca de permissão para casar uma filha ou para um filho ingres- sar em ordens religiosas. Ah! Vale muito expor aqui, caro(a) aluno(a), o crescente poderio da Igreja do espaço temporal da Idade Média. Esse crescimento se deve, especialmente, à expansão do cristianismo pela obra de evangelização dos povos, realizada pelos padres nos territórios pertencentes ao poder de Roma e para além deles. A partir do século XI, as cruzadas deram força a uma marcante expansão do comércio. Provavelmente, você já conhece esse termo, mas vale lembrar, em breves linhas, a relevância desse movimento na história. A expressão “cru- zada” não era conhecida por esse nome no período em que ocorria. Os termos usados eram “Guerra Santa” e “Peregrinação”, os quais faziam referência ao O Feudalismo Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 37 movimento de tentativa de tomar a “Terra Santa” dos muçulmanos. Tratavam-se de tropas ocidentais enviadas à Palestina para recuperarem a liberdade de acesso dos cristãos à Jerusalém. Dessa maneira, as Cruzadas não podem ser vistas como fator externo ou acidental no desenvolvimento da Europa. Elas oportunizaram o renascimento do comércio na Europa. Muitos cavaleiros, ao retornarem do Oriente, surrupiaram cidades e organizaram pequenas fei- ras nas rotas comerciais. Houve, portanto, um significativo reaquecimento da economia no Ocidente. Anteriormente, foi abordado que, no tocante à política, houve uma frag- mentação do poder e da autoridade em uma infinidade de domínios que deram aos senhores feudais, na Europa Ocidental. Também na esfera social, surgiu uma ordem rigidamente hierarquizada e desigual. E, por fim, no campo espiri- tual esse panorama era reconhecido e aceito como natural e justificado por uma determinação divina, por meio dos ensinamentos dos Evangelhos dos primei- ros teólogos e da filosofia clássica, que era valorizada por oferecer um modelo sofisticado de articulação entre moral, ética e “análise econômica”. De acordo com Gennari e Oliveira (2009, p. 18), sintetizamos que [...] de camponeses ligada à terra e vinculada aos aristocratas pe- las obrigações em espécie e em trabalho, como contrapartida pela proteção, produziu uma ordem social rigidamente hierarquizada e diferenciada. Ao mesmo tempo, as guerras, os saques frequentes e a violência indiscriminada aceleravam a desarticulação do poder cen- tral que até então ordenava a vida, a justiça, a produção e a troca, compondo um quadro no qual o homem se via isolado, impotente e frágil, vítima fácil de circunstâncias sobre as quais não tinha o menor controle. Até aqui nossa atenção estava centrada nos eventos que ocupam os séculos XI, XII e XIII, os quais caracterizam a fase de expansão feudal (por meio do cres- cimento da população, da colonização de novas áreas e também pelo crescente volume de comércio). No entanto, em meados do século XIV, a expansão foi interrompida e vários eventos indicam a emergência de uma crise do sistema feudal (a qual também ocupa a primeira metade do século XV). A HISTÓRIA ECONÔMICA E OS ASPECTOS DO FEUDALISMO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E38 Quadro 3 - Características econômicas da Antiguidade até o Período Medieval PERÍODO CARACTERÍSTICAS CONSEQUÊNCIAS ALGUNS PENSADORES Antiguidade Clássica – 1ª fase (4000 a 1000 a.C.) Trabalho escravo; ausência de moeda; comércio incipiente; regimes teocráticos. Ausência de um pensamento econômico. Não há Antiguidade Clássica – 2ª fase (1000 a.C. ao ano 500 da era cristã) Início da preocu- pação pelos fatos econômicos. Conceitos em- brionários sobre a riqueza, valor eco- nômico e moeda. Fase inicial da economia agrária, seguida da econo- mia urbana. Gradativo desenvol- vimento do comér- cio internacional e embriões da empresa. Queda do Império Romano do Ociden- te, surgimento do feudalismo e retorno à economia agrária. Xenofonte (440 – 355 a.C.) Platão (427 – 347 a.C.) Aristóteles (384 – 322 a.C.) Catão (234 – 149 a.C.) Plínio, o Antigo (23 – 79 d.C.) Columela (fl. c. 65 A. D.) etc. Idade Média (500 a 1500 d.C.) Sistema feudal; eco- nomia artesanal e regime corporativo. Regime da servidão; economia fechada (sistema feudal). Perdurou até o século X. Ressurgimento das cidades; nascimen- to do ofício (traba- lho ambulante). A partir do século XIII, início do regime corporativo. Regulamentos rigo- rosos sobre a produ- ção e o consumo. Predominância da doutrina canônica (condenação ao empréstimo a juro e acumulação de riquezas). Subordinação da economia à moral (justo preço, justo salário, justo lucro). Economia a serviço do homem; comba- te à escravidão. Santo Tomás de Aquino (1225 – 1274) Oresmo (1328 – 1382) Alberto Magno Pennafort e outros. Fonte: Iori (2017, p. 65). O Feudalismo Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 39 Não há respostaconclusiva acerca de motivo especial para a crise do sistema feu- dal. Uma evidência é o esgotamento das áreas disponíveis para colonização. Com o crescimento populacional, novas áreas foram sendo incorporadas ao sistema feudal, porém com o crescente risco de se caminhar para terras menos férteis e, possivel- mente, aumentar excessivamente a densidade nas área mais antigas. Desse modo, as condições de subsistência do conjunto da população teriam se tornado precárias. A população continuou a crescer e a produção caiu nas terras mar- ginais ainda disponíveis para uma recuperação aos níveis da técnica existente, e o solo deteriorava por causa da pressa e do mau uso. [...] O aumento da área plantada com cereais, ainda por cima, era atingido muitas vezes à custa de uma redução das pastagens: em consequência, a criação de animais sofria, e com isto, o abastecimento de esterco para a própria terra arável. Assim, o progresso da agricultura medieval incor- ria agora em suas próprias perdas. A derrubada de fl orestas e as terras desoladas não haviam sido acompanhadas de um cuidado comparável em sua conservação (ANDERSON, 1991, p. 192). Associada a colheitas medíocres, verifi cou-se entre 1315 e 1317 uma grande fome na Europa – do Atlântico até a Rússia – sintomática da crise. Outro destaque aparece nas estimativas demográfi cas. Houve um declínio populacional, particularmente acentuado na Europa (1360 e 1371). Atribui-se essa incapacidade para garan- tir a reprodução de sua população aos efeitos destrutivos da peste negra e outras epidemias que se seguiram, apresentando seus efeitos dele- térios ao atingirem uma população debilitada por condições precárias de alimentação. Figura 7 - De triomf van de Doods, do artista Pieter Brueghel Fonte: Wikimedia Commons ([2018], on-line)². Povos medievais personifi cavam a Peste Negra como uma horrível força de- moníaca que estava além do controle e da compreensão humanos. A HISTÓRIA ECONÔMICA E OS ASPECTOS DO FEUDALISMO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E40 No tocante às epidemias não foram somente as camadas mais pobres da popu- lação, nem só a população rural que foram vitimadas. As precárias condições de subsistência da época aceleram a disseminação impactando, inclusive, nos seg- mentos mais ricos da sociedade. A crise do século XIV marca o início de um enfraquecimento relativo da classe feudal. Ao perder cerca de um terço de seus habitantes, muitas áreas rurais européias foram despovoadas e cidades abandonadas. A ação conjunta das crises agrária, demográfica e monetária, exemplificada no quadro 4 abaixo, atuava sobre um sistema econômico que realizava contí- nua expansão há três séculos. O efeito foi provocar uma crise geral do sistema. Quadro 4 - Três motivos principais para a crise feudal CRISE AGRÁRIA Incidência cíclica de más colheitas, surtos de fomes e epidemias, populações subnutridas, abate generalizado de animais domésticos, retração demográ- fica, queda sistemática do preço dos cereais, e destruições propositais de áreas cultivadas, fizeram com que a economia rural européia passasse por uma prolongada crise, que só apresentará sinais de recuperação durante o século XV, graças à reconversão agrícola e uma mudança no regime de mão-de-obra. CRISE DEMOGRÁFICA A crise demográfica foi resultado de ciclos fomes/epidemias, bem como a ação de guerras constantes. No entanto, ao efeitos mais marcantes são os re- lacionados à Peste Negra que só apresentou sinais de recuperação em 1470. Esse problema aprofundou a crise agrária e desorganizou toda a atividade produtiva-administrativa, levando a um completo desequilíbrio entre oferta e demanda, e entre preços e salários. CRISE MONETÁRIA O período de retração da oferta e da demanda, de elevação dos custos da mão-de-obra e de uma alta sem precedentes nas despesas dos Estados, as moedas em circulação tornaram-se de valor intrínseco baixíssimo, o que estimulou o entesouramento, e pressionou os preços dos produtos, agríco- las ou manufaturados, para baixo, configurando uma época de depressão acentuada. Fonte: adaptado de Rezende Filho (2010). O Feudalismo Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 41 Conforme Rezende Filho (2010), o resultado foi a desagregação do sistema eco- nômico feudal (o autor utiliza o termo “funcional” para abordar o sistema feudal), não em sua característica acidental, enquanto economia senhorial, mas em sua característica essencial, ou seja, o critério de funcionalidade. Houve sua substitui- ção, enquanto sistema econômico, pela forma alternativa de extração do excedente econômico, que sua própria expansão viabilizara: D-M_D’ (dinheiro para com- pra mercadorias que são revendidas com lucro). A partir de 1460, observa-se a retomada do crescimento populacional. Essa dimensão temporal envolve uma nova dinâmica da economia europeia, que se projeta para fora do seu espaço geográfico. Saes e Saes (2013, p. 62) apontam que “a expansão comercial e marítima da Europa a partir de meados do século XV expressou a reação da sociedade europeia ao impacto da crise feudal do século XIV”. A desorganização do feudalismo foi determinantemente marcada pela Guerra dos Cem Anos (1337-1453), a peste bubônica (1348), a fome e as revoltas cam- ponesas, como consequência houve uma redução na esfera do poder privado da nobreza feudal, um enfraquecimento dos laços de servidão, a desurbaniza- ção e a retração das atividades comerciais que vinham se desenvolvendo desde o século XI. Esse conjunto de transformações estruturou uma nova esfera de poder, que possibilitou uma nova linha de reflexão sobre os fenômenos da produção, da distribuição e do consumo, ou seja, da atividade econômica. Huberman (2016, p. 14) apresenta que As Cruzadas contribuíram para o surgimento das cidades: [...] chegou o dia em que o comércio cresceu, e cresceu tanto que afetou profundamente toda a vida da Idade Média. O século XI viu o comércio evoluir a passos largos; o século XII viu a Europa ocidental transfor- mar-se em consequência disso. As Cruzadas levaram novo ímpeto ao comércio. Dezenas de milhares de europeus atravessaram o continente por terra e mar para arrebatar a Terra Prometida aos muçulmanos. Necessitavam de provisões duran- te todo o caminho, e os mercadores os acompanhavam a fim de for- necer-lhes o que precisassem. Os cruzados que regresssavam de suas jornadas ao Ocidente traziam com eles o gosto pelas comidas e roupas requintadas que tinham visto e experimentado. Sua procura criou um mercado para esse produto. A HISTÓRIA ECONÔMICA E OS ASPECTOS DO FEUDALISMO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E42 Algumas antigas cidades do Império Romano, que não haviam desapa- recido durante a Alta Idade Média, atraíram novos elementos popu- lacionais. Maurice Dobb (1983, p. 55-56) avalia várias hipóteses sobre o surgimento das cidades, entre elas a de que os próprios senhores feudais, em algumas circunstâncias, conce- deram privilégios a comerciantes que se estabelecessem nos seus domínios para servir às necessidades do feudo. Para Saes e Saes (2013, p. 63) qualquer que seja a origem das cidades, a maior parte delas se manteve durante algum tempo, sob a jurisdição de um senhor, pois as cidades haviam sido formadas em terras de domínio feudal. Com o crescimento da população e da riqueza urbana, as cida- des puderam conquistar autonomia em relação à autoridade feudal. O crescimento das cidades, bem como consequência o comércio, rompe as amarras do feudalismo. A expansão comercial se deu deforma irregular, mas contínua nos territórios europeus, entre esses territórios e entre a Europa e o leste do Mediterrâneo. Estamos, nesse caso, no tempo dos mercadores. Podemos considerar que, a partir da segunda metade do século XV aos meados do século XVIII, estamos diante do capitalismo mercantil ou mercantilismo. “O mercanti- lismo foi tudo menos um ‘sistema’; foi primordialmente um produto das mentes de estadistas, de altos funcionários públicos e líderes financeiros e comerciais da época” (GRAY, 1948 apud GALBRAITH, 1989, p. 29). No ano 900, Veneza já comercializava com Constantinopla, sede do Império Bizantino (o Império Romano do Oriente que subsistira à queda de Roma). Fonte: autora. O Feudalismo Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 43 MERCANTILISMO Houve avanço significativo nos meios de navegação. De modo que o comércio intraeuropeu, antes apenas terrestre, deslocou-se para o Atlântico. Por consequên- cia, dá-se o estímulo fundamental para o desenvolvimento de centros comerciais em Portugal, Espanha, Inglaterra, Holanda e França. Agora, na era dos mercadores, houve um prodigioso crescimento do comércio, tanto a nível local ou quando envolvendo grandes distâncias. [...] Navios traziam produtos de terras cada vez mais remotas. Surgiam os bancos, primeiro na Itália e depois no norte da Europa. As casas de câmbio, onde moedas de diferentes países podem ser pesadas e tro- cadas, tornaram-se um traço comum da vida comercial. O mercador despontou das trevas feudais para tornar-se uma figura distintiva e, se fosse suficientemente afluente e operasse numa escala apropriada, bem vinda e prestigiada em sociedade. Em toda a Europa, a maior eminên- cia social ainda pertencia às classes proprietárias, aos descendentes dos barões feudais, muitos dos quais ainda guardavam seu instinto peculiar para o conflito armado e para a autodestruição dele decorrente. [...] Até hoje a arquitetura urbana comercial e residencial mais admirada continua sendo a dos mercadores GALBRAITH, 1989, p. 30). Nas cidades mercantis, os grandes mercadores não eram só influentes no governo, eram o próprio governo. E foram paulatinamente se tornando cada vez mais influentes nos novos Estados nacionais. Nesse contexto, de maneira generalizada, com a nobreza feudal enfraquecida, organiza-se uma nova forma de governar. Apresenta-se a convergência de esferas de poder para a figura de um monarca, expressão da unidade do reino. O primeiro instrumento de afirmação da autori- dade real caracteriza-se pela força militar permanente, com poder suficiente para promover a ordem interna e a defesa dos domínios. No entanto, a população estava desacreditada em um poder que pudesse trazer uma nova coesão social. Daí, surge a ideia de forças mercenárias. A HISTÓRIA ECONÔMICA E OS ASPECTOS DO FEUDALISMO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E44 Os exércitos não mais iriam lutar por uma ideologia, e sim objetivando paga- mento. A necessidade de metais preciosos para remunerar as tropas, que eram o sustentáculo do poder real, da ordem interna e da defesa do reino, é fundamental para compreender o conjunto das análises e práticas econômicas que surgiram nessa etapa inicial da organização do Estado Moderno (GENNARI; OLIVEIRA, 2009). Algumas características são fundamentais a serem destacadas com rela- ção ao novo formato de Estado: 1. força militar permanente; 2. sistemas centralizados de arrecadação; 3. burocracia. O suporte do Estado foi fundamental para a expansão comercial e marítima da Europa a partir de meados do século XV. Isso em parte pelo apoio material a certos empreendimentos (como o das coroas espanhola e portuguesa para as expedições de Colombo e de Cabral em direção ao Novo Mundo e para a expan- são marítima em geral) e também, sobretudo, pela adoção de medidas de política econômica que sustentaram a expansão das economias europeias rumo à cons- tituição de uma economia mundial. Figura 8: Padrão dos Descobrimentos (Monument of the Discoveries) em Lisboa, Portugal O Feudalismo Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 45 Com o Estado Nacional mais forte, uma situação conflitante se apresenta, conforme afirmam Gennari e Oliveira (2009), a moral cristã que é contra os juros, por exemplo, e o Estado tem sua demanda financeira. Em síntese, estamos diante de um processo no qual a influência dos va- lores inspirados na moralidade cristã sobre a vida econômica começa- va a ser ameaçada, de forma irreversível, pelos valores comprometidos com o fortalecimento de uma nova forma de poder, o Estado moderno (GENNARI; OLIVEIRA, 2009, p. 33). Em termos econômicos, propriamente, a acumulação de moedas e de metais pre- ciosos é o que vai definir a arte de governar no mercantilismo. Em linhas gerais, a finalidade básica do Estado, no entender mercantilista, deveria ser a de encontrar os meios necessários para que o respectivo país adquirisse a maior quantidade possível de ouro e prata. Nesse caminho, vários regulamentos foram estabeleci- dos com o objetivo de disciplinar a indústria e o comércio, impedindo ao máximo as importações e favorecendo as exportações. A proposta dos mercantilistas era que a balança comercial (exportações menos importações) fosse sempre a mais favorável possível. Isso porque, para eles, exportar mais que importar represen- taria uma compensação em ouro e prata. Figura 9 - O papel do Estado Fonte: autora. A HISTÓRIA ECONÔMICA E OS ASPECTOS DO FEUDALISMO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E46 Para os mercantilistas a riqueza de uma nação estava associada ao montante de ouro e prata que ela possuía. Alguns dos primeiros mercantilistas até mesmo acredita- vam que esses metais preciosos eram o único tipo de riqueza que valia a pena alejar. Todos eles valorizavam as barras de ouro e prata como maneira de atingir poder e riqueza. Um excesso de exportação de um país era, portanto, necessário para gerar pagamentos em moeda forte. Mesmo quando em guerra, as nações exportariam bens para o inimigo, desde que os produtos fossem pagos em ouro (BRUE, 2016). Figura 10 - Período Mercantilista e Período Medieval Fonte: Iori (2017, p. 65). O mercantilismo prevaleceu até o início do século XVII, quando ocorreu uma reação contra os excessos de absolutismo e das regulamentações. Durante seu predomínio, apresentou-se como mercantilismo espanhol, também conhecido por bulionismo, mercantilismo inglês e o mercantilismo francês. Conforme quadro abaixo. Quadro 5 - Características do mercantilismo FORMA CARACTERÍSTICA DESCRIÇÃO mercantilismo espanhol (bulionismo) bulionista Preconizava a proibição da expor- tação de lingotes de ouro para incremento da riqueza. mercantilismo inglês mercantilismo comercialista Preconizava o balanço mercantil favorável, pelo incentivo às expor- tações, por meio de contratos de importações com cláusula obrigan- do o país vendedor a adquirir certos volumes de mercadorias inglesas. mercantilismo francês mercantilismo industrialista Preconiza estimular a indústria interna, por meio de monopólios estatais. Fonte: a autora. O Feudalismo Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 47 O mercantilismo era umpreceito e, por consequência, ação intervencionista que se dava entre os Estados Soberanos. Além disso, estendia essas relações aos seus respectivos domínios coloniais. À essa relação de dominação político-econômica, entre as metrópoles e suas respectivas colônias, deu-se o nome de sistema colo- nial. Essa organização das metrópoles européias tinha várias formas, afinal os espanhóis, portugueses, ingleses ou franceses exerciam seus domínios de maneira peculiar. De qualquer modo, o objetivo principal de política mercantilista era a promoção do poder do Estado. No sentido de que a colônia desempenhava o papel de complementar a economia metropolitana, oferecendo metais preciosos ou produtos que reduzissem as importações e incrementassem as exportações para outras nações. Em outras palavras, exploravam os metais preciosos da colô- nia para enriquecer a metrópole, e a cidade central exercia monopólio sobre a colônia. O sistema era organizado visando transferir a maior parte do lucro co- mercial e do excedente econômico produzido na colônia para a metró- pole, potencializando a acumulação da burguesia mercantil e as receitas do Estado, que patrocinava a reprodução do sistema. O Estado e o in- tervencionismo mercantilista constituíam-se, assim, em pressupostos de uma política colonialista eficaz. Entretanto, como parte da acumula- ção proporcionada pela exploração colonial era apropriada pelo Estado e empregada na ampliação dos dispositivos naval, militar, burocrático e fiscal, o sistema contribuía para incrementar o poder e o intervencio- nismo estatal, integrando-se plenamente aos objetivos estratégicos da política mercantilista (GENNARI; OLIVEIRA, 2009, p. 43). As políticas portuguesas voltadas para o Brasil, nitidamente, caracterizam-se políticas mercantilistas. É bastante claro para nós, caro(a) leitor(a), que o Bra- sil colônia foi influenciado pelo mercantilismo, o qual obrigava o comércio colonial exclusivamente por intermédio das metrópoles. Com a chegada de D. João VI ao Brasil foram eliminadas as restrições mercantilistas, permitindo a instalação de indústrias nativas e o comércio direto com as demais nações. Fonte: autora. A HISTÓRIA ECONÔMICA E OS ASPECTOS DO FEUDALISMO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E48 Ao examinar a história do capitalismo, Dobb (1983) situa a fase inicial desse sistema no período da segunda metade do século XI e início do século XII, na Inglaterra. Apresenta-se, nesse momento, uma generalização do grande comércio. Sua penetração combinou com o crescimento da produção local, destinada ao mer- cado com a progressiva substituição das oficinas confiadas aos servos na reserva senhorial, para a fabricação de objetos de uso corrente pelas oficinas urbanas. A sociedade medieval era predominantemente agrária. A hierarquia social era baseada nos laços do indivíduo com a terra e a ordem social que, na íntegra, era agrícola. No entanto, os aumentos da produtividade agrícola constituíram o rompante para um encadeamento de profundas mudanças ocorridas ao longo de vários séculos e que resultaram na decomposição do feudalismo medieval e no início do capitalismo. O mais importante avanço tecnológico da Idade Média foi a substitui- ção do sistema de plantio de dois campos para o sistema de três cam- pos. Embora haja evidência de que o sistema de três campos tenha sido introduzido na Europa já no oitavo século, seu uso não se generalizou antes do século XI. O plantio anual da mesma área esgotava a terra e acabava por torná-la inútil. Assim, no sistema de dois campos, metade da terra era sempre deixada ociosa, de modo que se recuperasse do plantio do ano anterior. Com o sistema de três campos, a terra arável era dividida em três partes iguais. [...] dessa mudança aparentemente simples na tecnologia agrícola resultou um dramático aumento do pro- duto agrícola (HUNT, 1989, p. 32). O espaço temporal do qual estamos falando envolve melhoramentos na agricul- tura e, por consequência, crescimento do comércio. O avanço das vilas e cidades conduziu ao desenvolvimento da especialização rural urbana. Outro impor- tante elemento é a ampliação do comércio de longa distância. Iremos percorrer, agora, um cenário de estabelecimento de cidades industriais e comerciais para servir a essas transações. O crescimento dessas cidades, bem como seu crescente controle por capitalistas comerciantes, provocou importantes mudanças, tanto na agricultura quanto na indústria. Cada uma dessas áreas, particularmente a agricultura, teve enfraquecidos e, por fim, rompidos seus laços com a estrutura econômica e social feudal. Nessa trajetória do conhecimento histórico, estima- do(a) leitor(a), a busca por aprender sobre a construção do homem e seu tempo está nos levando para um momento de expansão do comércio de longa distância. O Feudalismo Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 49 Em Hunt (1989), vemos que as indústrias que apareciam nas novas cidades eram basicamente indústrias de exportação, nas quais o produtor estava distante do comprador final. No sistema artesanal feudal, o produtor (o mestre artesão) era também o vendedor, eles vendiam seus produtos aos comerciantes que, por sua vez, os transportavam e revendiam. Outra diferença importante é a de que o artesão feudal, de modo geral, era também fazendeiro. O novo artesão das cidades desistiu da terra para se dedicar inteiramente ao trabalho com o qual ele poderia obter uma renda monetária que poderia ser usada para satisfazer suas outras necessidades. Conforme o comércio se desenvolvia e se expandia, aumentava a necessidade de manufaturados e mais confiança na oferta levava a um crescente controle do processo produtivo pelo capitalista comerciante. Aproximadamente no século XVI, o artesão, que era proprietário de sua oficina, de suas ferramentas e maté- rias-primas e que funcionava como um pequeno produtor independente, teve seu papel modificado pelo sistema de trabalho doméstico. Nesse ponto, predo- minavam as indústrias de exportação; em outras palavras, o trabalhador já não vendia um produto acabado ao comerciante, vendia somente seu próprio trabalho. O trabalhador já não vendia um produto acabado ao comerciante. Ven- dia somente seu próprio trabalho. As indústrias têxteis estavam entre as primeiras em que o sistema de trabalho doméstico se desenvolveu. Te- celões, fiandeiros, tintureiros se encontravam numa situação em que sua ocupação e, portanto, sua capacidade de sustentar a si mesmo e suas fa- mílias, dependia dos capitalistas comerciantes, que tinham que vender o que os trabalhadores produziam a um preço suficientemente alto para pagar salários e outras contas e ainda obter lucro (HUNT, 1989, p. 10). Dessa forma, o controle capitalista se apresentava à medida que foi estendido ao processo de produção. Simultaneamente, foi criada uma força de trabalho que possuía pouco ou nenhum capital e nada tinha a vender, a não ser sua força de trabalho. Para Hunt (1989), essas duas características marcam o surgimento do sistema econômico do capitalismo. Desse modo, o Capitalismo não era apenas um sistema de produção de mercadorias, mas um sistema de acordo com o qual a força de trabalho transformou a si própria em uma mercadoria e se vendia e comprava no mercado, como qualquer outro objeto de troca. É importante res- saltar a particularidade especial da força de trabalho: é a única mercadoria que cria outra mercadoria (IORI, 2014). A HISTÓRIA ECONÔMICA E OS ASPECTOS DO FEUDALISMO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E50 Falar de “capitalismo”antigo ou medieval, porque haviam financistas em Roma e mercadores em Veneza, é um abuso de linguagem. Esses personagens jamais dominaram a produção social de sua época, asse- gurada em Roma pelos escravos e na Idade Média pelos camponeses, sob diversos estatutos da servidão (VILAR, 1975, p. 40). O capital começou a penetrar na produção em escala considerável, seja na forma de uma relação bem amadurecida entre capitalista e assalariados, em que pese uma forma menos desenvolvida da subordinação dos artesãos domésticos, que trabalhavam em seus próprios lares, seja um capitalista, próprio do assim cha- mado “sistemas de encomendas domiciliar” (IORI, 2014). Com efeito, a crise geral do feudalismo, nos séculos XIV e XV, deixa que flutuem algumas ilustres prosperidades urbanas e algumas brilhantes fortunas mercantis, essa visão é mais uma aparência que uma realidade. É o tempo do luxo, das grandes construções e dos mecenas das artes. Entretanto, não é o auge produtivo. As grandes burguesias enriquecidas vivem, daí em diante, de rendas ou compram terras feudais, imitam os grandes senho- res. Pode-se observar que são elas que sustentam sempre os senhores quando se produzem as guerras camponesas. No interior das comunidades, as lutas de classe se agravam e os sistemas representativos, que sempre foram oligárquicos, transformam-se. Por último, as cidades que haviam realizado as mais importantes “repú- blicas mercantis”, as do Mediterrâneo, caem em decadência, pelo menos relativa, devido ao fato da conquista do Oriente pelos turcos e diante do pró- ximo triunfo das rotas comerciais do Atlântico. Será agora em Flandres, na Inglaterra, em Portugal e Espanha onde aparecerão as novidades decisivas para a transformação do Ocidente europeu. De fato, a primeira etapa da for- mação do capitalismo, depois da crise dos séculos XIV e XV, não poderia ser fundada senão por um avanço das forças produtivas: o que ocorreu entre mea- dos do século XV e XVI. Foi precisamente ao longo da crise geral do feudalismo que numerosas invenções vieram modificar o nível das forças de produção. O uso da artilharia obrigou a impulsionar a produção de metal. A difusão do pensamento humano com a invenção da imprensa, os progressos da ciência e da navegação desem- penharam um papel não menos importante. Observa-se que, pela primeira vez, O Feudalismo Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 51 as técnicas industriais e as técnicas de comunicação ultrapassam a técnica agrí- cola. É o começo de um processo que colocará a indústria no primeiro plano do progresso. Apresenta-se um impulso econômico para o momento que será inter- rompido pela injeção de riqueza externa, oriunda da expansão marítima e colonial. A circunavegação da África, o descobrimento da rota das Índias por Vasco da Gama, o da América por Colombo e a volta ao mundo por Magalhães eleva- ram o nível científico e ampliaram a concepção do mundo na Europa. O grande comércio de produtos exóticos, de escravos e de metais preciosos voltava a ser aberto e extraordinariamente ampliado. Uma nova era se abria para o capital mercantil, mais fecunda que a das repúblicas mediterrâneas da Idade Média, por- que, dessa vez, constituía-se um mercado mundial e seu impulso afetava todo o sistema produtivo europeu e porque grandes Estados (e não mais simples cida- des) iriam aproveitar para, a partir daí, constituírem-se (VILAR, 1975). Nesse sentido, na próxima unidade, vamos abordar a transformação que se deu no mundo econômico por meio desse processo possibilitado pela amplia- ção de “mundo”. Trata-se do capitalismo na sua “infância”. A HISTÓRIA ECONÔMICA E OS ASPECTOS DO FEUDALISMO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E52 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao longo dos séculos, a forma pela qual os homens satisfazem suas necessidades materiais se altera, assim como aquilo que é considerado “necessário” em cada época. Destarte, apresentamos, nesta primeira unidade, a relação da economia e história. Portanto, nosso intuito no primeiro tópico abordado é, justamente, demonstrar a estreita relação do estudo que tem como objeto o modo de pro- duzir, à luz do conceito de História apresentado por Bloch (2001), que a definiu como ciência dos homens no tempo. Nessa dinâmica procuramos, também, expor que a História Econômica é uma área de pesquisa relativamente recente e que emergiu como disciplina acadêmica a partir do fim do século XIX. No universo da História Econômica, fomos apresentados aos fundamentos teóricos da Escola dos Annales, a concep- ção de história em Marx, a New Economy History, o papel de Douglas North, a Economia Institucional e a História Quantitativa. A Economia na Antiguidade foi um ponto muito relevante de conhecer e perceber a importância dos egípcios e hebreus para a sociedade atual. E apren- demos como eles viviam, produziam e distribuiam os frutos de suas atividades produtivas. Em destaque, há a importância dos rios que eram motivo de ferti- lidade do solo, resultando em boa produção que, por assim dizer, resultava em aglomerado de pessoas em busca da satisfação de suas necessidades materiais. A sociedade feudal tem extrema importância enquanto explicativa para o que viria a ser o capitalismo. Conhecemos que o feudo incluía uma espécie de concessão, por parte do rei, aos cavaleiros, uma parte de terras para ter seu sus- tento e assim poder se dedicar à guerra. A partir do século XIV, avanços nos meios de navegação permitiram ultra- passar o estreito de Gibraltar, de modo que o comércio intraeuropeu, antes apenas terrestre, deslocou-se em parte para o Atlântico. Como efeito, houve estímulo para o desenvolvimento de centros comerciais. O mundo estava sendo descoberto! 53 1. A economia da forma como a conhecemos carrega consigo “os problemas” e “erros do passado”, agora corrigidos, como afirmou Blaug (1985) no prefácio do seu livro Economic theory in retrospect. Nesse sentido, discorra sobre a rela- ção da Economia com a História. 2. “Possa ele tornar os campos produtivos como o cultivador. Possa ele multipli- car os rebanhos como um pastor de confiança. Sob seu reinado, que haja plan- tas e grãos. Que, no rio, haja água de sobra. Que no campo possa haver uma segunda colheita” (REZENDE, 2010, p. 12). Oração mesopotâmica do IIIº milênio a.C., para celebrar o ritual da união do rei com a deusa da Terra. Com relação aos primeiros sistemas econômicos, avalie as afirmativas a seguir: I. A área da Mesopotâmia e do Egito é, dentro do contexto histórico, denomi- nada de Crescente Fértil. II. As civilizações hidráulicas representam um papel importante por caracteri- zarem uma área produtiva por conta dos rios. III. Os bancos fizeram parte da vida econômica da Mesopotâmia, caracterizan- do uma economia bastante monetarizada. É correto o que se afirma em: a) Apenas na afirmativa II. b) Apenas na afirmativa III. c) Apenas nas afirmativas I e II. d) Apenas nas afirmativas I e III. e) I, II e III. 54 3. Sob qualquer prisma que se olhe, a história de Roma reflete um percurso único: “de pequena cidade-Estado de uma confederação de povos afins (latinos), em poucos séculos ela se toma capital de um Império que se estende por toda costa do mar Mediterrâneo” (REZENDE FILHO, 2010, p. 33). Nesse sentido, o sistema econômico presente no Império Romano tinha por características: a) o modo servil como forma de trabalho; b) o modo assalariado como forma de trabalho; c) a monetarização como padrão de troca; d) o escambo como padrão de troca; e) a indústria como unidade produtiva. 4. É usual colocar como sinônimos ouso de “medieval” e de feudal”. No entanto, esses termos apresentam uma diferença importante. Apresente-a. 5. A crise do século XIV marca o início de um enfraquecimento relativo da classe feudal. Apresente os três principais motivos para a crise feudal. 55 A História e a Ciência Econômica surgiram antes da História Econômica, considerando esta, propriamente, uma área de pesquisa e disciplina de cursos universitários. O Pai da Economia Política foi Adam Smith, que, em 1776 publicou A Riqueza das Nações. Te- mos nessa dimensão temporal o marco da Economia com o status de ciência. No Século XIX, uma vasta produção de estudos da então chamada Economia Política consolidou-a como uma disciplina socialmente reconhecida: Thomas Malthus, David Ricardo, Jean Baptiste Say, John Stuart Mill são alguns dos chamados economistas clássicos aos quais se agrega, em vertente distinta, crítica, Karl Marx. A revolução marginalista trouxe, a partir de 1870, uma mudança substancial no pensa- mento econômico dominante: o foco da análise econômica (podemos destacar aqui o uso do método abstrato e dedutivo, de modo que rejeitavam o método histórico. Trata- remos com mais detalhes adiante). Foi tão representativa a transformação que deu-se a troca do nome da disciplina de Economia Política para Economia: o austríaco Karl Men- ger, o suíço Leon Walras e o inglês Stanley Jevons foram pioneiros dessa nova corrente, que se consolidou como principal paradigma da teoria econômica (e que, ao menos em parte, se mantém até hoje). Já a História tem um longo passado: há, desde a Antiguidade, registros que narram eventos relevantes (como guerras, feitos de seus reis e sacerdotes etc). Desde então, a História foi objeto dos escritos de cronistas (que narravam fatos, em geral a mando de seus superiores), de filósofos (que buscavam algum “sentido” na História), mas também de escritores que se aproximavam do trabalho que seria, mais tarde, típico do historia- dor (ou seja, com base em documentos). No século XIX, houve significativas mudanças que definiram de modo mais preciso o ofício de historiador. Por um lado, técnicas de pesquisa aprimoradas permitiram a crítica rigorosa das fontes fornecendo base empí- rica mais sólida para os estudos históricos; por outro, o foco dos historiadores se tor- nou, por influência do positivismo e do historicismo, o relato ou a narração cronológica dos fatos históricos, em que predominava a história política e diplomática centrada nos “grandes homens” da época. Entendida como o estudo do passado, a história não pode- ria aspirar à condição de ciência. O objeto da História era constituído pelos fatos preté- ritos: estes eram únicos, singulares, não passíveis de repetição e experimentação. Assim, os fatos históricos não atendiam às condições necessárias para que se pudesse formular uma explicação científica. Desse modo, ao historiador cabia apenas relatar os fatos em sua ordem cronológica, de modo que a “explicação” possível na História era dada pela simples sequência desses fatos no tempo (como se, no encadeamento deles, o anterior fosse suficiente para “explicar” o seguinte). Fonte: adaptado de Brue (2016). MATERIAL COMPLEMENTAR Linhagens do Estado Absolutista Perry Anderson Editora: Unesp Sinopse: Essa obra traça o desenvolvimento dos Estados absolutistas no início do período moderno a partir de suas raízes no feudalismo europeu, avaliando suas diversas trajetórias. Ao abarcar uma variada gama de exemplos e cenários, Perry Anderson coloca o desenvolvimento dos Estados europeus no cerne das discussões sobre uma história universal, dando novo fôlego ao estudo das monarquias absolutistas e do modo de produção que gestou o sistema capitalista. Cruzada Ano: 2005 Sinopse: Balian (Orlando Bloom) é um jovem ferreiro francês, que guarda luto pela morte de sua esposa e fi lho. Ele recebe a visita de Godfrey de Ibelin (Liam Neeson), seu pai, que é também um conceituado barão do rei de Jerusalém e dedica sua vida a manter a paz na Terra Santa. Balian decide se dedicar também à esta meta, mas após a morte de Godfrey ele herda terras e um título de nobreza em Jerusalém. Determinado a manter seu juramento, Balian decide permanecer no local e servir a um rei amaldiçoado como cavaleiro. Paralelamente ele se apaixona pela princesa Sibylla (Eva Green), a irmã do rei. REFERÊNCIAS 57 ANDERSON, P. Linhagens do Estado Absolutista. 1. ed. São Paulo: Unesp, 2016. ______. Passagens da antiguidade ao feudalismo. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1991. BEAUD, M. História do Capitalismo de 1500 até nossos dias. São Paulo: Brasilien- se, 1987. BIRARDI, A.; CASTELANI, G. R.; BELATTO, L. F. B. O Positivismo, Os Annales e a Nova História. Disponível em: <http://www.klepsidra.net/klepsidra7/annales.html>. Acesso em: 6 mar. 2018. BLAUG, M. Economic theory in retrospect. 4. ed. Londres: Cambridge University Press, 1985. BLOCH, M. Apologia da história ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. BRUE, S. História do Pensamento Econômico. São Paulo: Cengage Learning, 2016. DOBB, M. H. A evolução do capitalismo. Rio de Janeiro: Zahar, 1983. DOSSE, François. A História em migalhas: dos Annales à Nova História. Bauru: EDUSC, 2003. ELIAS, N. Sobre o tempo. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. GALBRAITH, J. A. O pensamento econômico em perspectiva. São Paulo: Universi- dade de Brasília, 1989. GANSHOF, F. L. Que é feudalismo? Lisboa: Publicações Europa-América, 1968. 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A Idade Média foi assim denominada por ser o período intermediário entre a Antiguidade (associada às civilizações clássicas de Grécia e de Roma) e a Época Moderna (cujas origens remontam às Grandes Navegações, às Descobertas, ao Renascimento). O feudalismo se situa, temporalmente, dentro da Idade Média, mas as características que envolvem o feudal apontam na direção de fenômenos políticos, econômicos, sociais, jurídicos e culturais. 5. Crise Agrária, Crise demográfica e Crise monetária. U N ID A D E II Professora Me. Carla Fabiana de Andrade Gonçalves Iori O CAPITALISMO E A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL (1760-1870) Objetivos de Aprendizagem ■ Apreender aspectos gerais do processo de formação do capitalismo. ■ Compreender o conceito de Revolução Industrial. ■ Refletir os impactos da Revolução Industrial. Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: ■ O Desenvolvimento do Processo Capitalista de Produção ■ A Revolução Industrial ■ A Revolução Industrial e sua Amplitude Introdução Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 63 INTRODUÇÃO Definir capitalismo, caro(a) aluno(a), é uma ousadia diante de tão ampla circu- lação na fala popular e na literatura clássica. Tanto é que, antes de apresentar, como caráter introdutório do nosso trabalho, devo dizer que não chegamos a tal definição propriamente. Contudo, buscamos demonstrar que o capitalismo recebeu reconhecimento autorizado como categoria histórica. Nosso entender contempla, portanto, uma abordagem de capitalismo de acordo com seu desenvolvimento histórico. A busca pela essência do capitalismo, nessa perspectiva, é o modo de produção. Não no sentido de espírito empresa- rial, nem no uso da moeda para financiar uma série de trocas com o objetivo de ganho. Por modo de produção, entendemos não apenas no sentido da técnica, mas podemos compreender, também, a relação entre a propriedade dos meios produtivos e as interações sociais entre os homens, que resultavam de suas liga- ções com o processo de produção. É com o autor Pierre Vilar (1975) , Maurice Dobb (1980) e, de forma modesta, o trabalho de Iori (2014) que vamos pautar nossa reflexão no que tange à acumu- lação primitiva. Essa dinâmica está intrinsecamente relacionada com a própria capacidade de trabalho que se tornara uma mercadoria, como Marx denominou, em sua obra O Capital, e era comprada e vendida no mercado como qualquer outro objeto de troca. Na carreira do capitalismo, apresenta-se um segundo momento: o da Revolução Industrial no final do século XVIII e a primeira metade do século XIX, cuja importância foi essencialmente econômica, com reflexo na esfera polí- tica. Ela se mostrou tão decisiva para todo o futuro da economia capitalista e tão radical como estrutura e organização da indústria que Dobb (1980, p. 28) chega a relacionar como “as dores de parto do capitalismo moderno” e como “momento mais decisivo no desenvolvimento econômico e social desde a Idade Média”. Bons estudos! O CAPITALISMO E A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL (1760-1870) Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E64 O DESENVOLVIMENTO DO PROCESSO CAPITALISTA DE PRODUÇÃO Para tratar da grande revolução que modificou a história do mundo, a Revolução Industrial (século XIX), é preciso, antes de mais nada, apreender o modo capita- lista de produzir como um sistema caracterizado pelo processo da concentração dos meios de produção. Antes de caracterizarmos o momento histórico transfor- mador da sociedade moderna, vamos tratar de modo breve das características da organização econômica da sociedade dentro dessa dimensão temporal. A FORMAÇÃO DO MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA Em Iori (2014) encontramos a busca pela definição do termo “capitalismo”. Vimos que este possui ampla circulação na linguagem (escrita e falada) popular e na obra histórica dos últimos tempos. Para o presente estudo, o significado, inicialmente conferido por Karl Marx, estrutura a essência do capitalismo em um determinado modo de produção. Em relação ao modo de produção, ele não se referia apenas ao estado da técnica – o que chamou de forças produtivas –, mas ao modo pelo qual os meios de produção eram possuídos e às relações sociais entre os homens resultantes de suas ligações com o processo de produção, conforme explicita Dobb (1980). Desse modo, o Capitalismo não era apenas um sistema de produção de mercadorias, mas um sistema de acordo com o qual a força de trabalho trans- forma si própria em uma mercadoria e se vendia e comprava no mercado, como qualquer outro objeto de troca. É importante ressaltar a particularidade especial da força de trabalho: é a única mercadoria que cria outra mercadoria. O Desenvolvimento do Processo Capitalista de Produção Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 65 Ernest Mandel (1982, p. 14) afirma que o modo de produção capitalista não se desenvolveu em meio a um vácuo, mas no âmbito de uma estrutura sócio-econômi- ca específica, caracterizada por diferenças de grande importância,por exemplo, na Europa ocidental, Europa oriental, Ásia continental, Amé- rica do Norte, América Latina e Japão. As formações sócio-econômica específicas - as “sociedades burguesas” e economias capitalistas - que surgiram nessas diferentes áreas no decorrer dos séculos XVII, XIX e XX [como veremos adiante] e que em sua unidade complexa (junta- mente com as sociedades da África e da Oceania) abrangem o capi- talismo ‘concreto’, reproduzem em formas e proporções variáveis uma combinação de modos de produção passados e presentes, ou, mais pre- cisamente, de estágios variáveis, passados e sucessivos, do atual modo de produção. O sistema mundial capitalista é, em grau considerável, precisamente uma função da validade universal da lei de desenvolvi- mento desigual e combinado. Caro(a) aluno(a), um requisito histórico era a concentração da propriedade dos meios de produção em mãos de uma classe, consistindo em apenas uma parte pequena da sociedade e o aparecimento consequente de uma classe destituída de propriedade, para a qual a venda de sua força de trabalho era a única fonte de subsistência – conforme vimos na Unidade I. Mandel (1982, p. 29) descreve que “o movimento efetivo do capital manifestamente começa a partir de relações não capitalistas (feudalismo) e prossegue dentro do quadro de referência de uma troca constante, explora- dora, metabólica, com esse meio não capitalista”. A atividade produtiva era por isso suprida por ela, não em virtude de compulsão ou obrigação legal, mas na base de um contrato salarial. Torna-se claro que tal definição exclui o sistema de produção artesanal independente, no qual o artesão possuía seus próprios e modestos implementos de produção e empreendia a venda de seus próprios artigos. O papel da propriedade é fundamental nessa relação, pois, para Dobb (1980), o capital, para ser configurado nos moldes capitalistas, tem de ser necessariamente usado na sujeiçãoda força de trabalho à criação da mais-va- lia na produção. O CAPITALISMO E A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL (1760-1870) Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E66 O sistema capitalista, não se basta a partir da questão de classes (burguesia e proletariado), ou seja, o que diferencia o uso dessa definição quanto às demais é que a existência do comércio e do empréstimo de dinheiro, bem como a pre- sença de uma classe especializada de comerciantes ou financistas, ainda que fossem homens de posses, não bastava para constituir uma sociedade capitalista. Os homens de capital, por mais aquisitivos, não bastam. É fundamental apreen- der que o capital tem de ser usado na sujeição da força de trabalho à criação da mais-valia na produção (DOBB, 1980). Cada período histórico é modelado sob a influência preponderante de uma forma econômica única, mais ou menos homogênea, e deve ser caracterizado de acordo com a natureza desse tipo predominante de relação socioeconômica. Ao buscar a definição de um sistema econômico, Iori (2014) percebe, portanto, que cada etapa apresenta uma característica nas situações históricas que, simultaneamente, propicia a homogeneidade de configuração a qual- quer tempo dado, e torna os períodos de transição, quando existe um equilíbrio de elementos discretos, inerentemente instáveis. Isto, pois, a sociedade se acha constituída de maneira que o conflito e interação de seus elementos principais, ao invés do crescimento simples de algum único elemento, formam o fator principal de movimento e mudança, pelo menos no que diz respeito às transformações principais. Se esse for o caso, uma vez que o desenvolvimento tenha atingido certo nível e os diversos elementos que constituem aquela sociedade estejam dispos- tos, de certo modo, os acontecimentos deverão marchar com rapidez incomum, não apenas no sentido de crescimento quantitativo, mas no de uma alteração de equilíbrio dos elementos constituintes, resultando no aparecimento de composições novas e alterações ou mudanças mais ou menos abruptas na tessitura da sociedade. É como se em certos ní- veis de desenvolvimento, fosse acionado algo como reação em cadeia (IORI, 2014, p. 20). A força de trabalho, produzindo um valor maior do que ela vale, isto é, uma mais-valia, gerou o capital. Fonte: autora. O Desenvolvimento do Processo Capitalista de Produção Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 67 A transformação da forma medieval de exploração do trabalho excedente para a moderna não foi um processo simples que pode ser apresentado como uma tabela genealógica de descendência direta. No entanto, ainda assim, entre os redemoi- nhos desse movimento, podemos distinguir certas linhas de direção do fluxo. Tais linhas incluem não apenas modificações na técnica e o aparecimento de novos instrumentos de produção, que aumentaram grandemente a produtivi- dade do trabalho (como conheceremos adiante), mas uma crescente divisão do trabalho e, por consequência, o desenvolvimento das trocas, bem como uma crescente separação do produtor quanto à terra e aos meios de produção e seu aparecimento como um proletário. Dessas tendências orientadoras na história dos cinco séculos passados, Dobb (1980) assevera que uma importância especial se prende à última, não só porque foi tradicionalmente atenuada e decentemente encoberta por fórmulas acerca da passagem de status para contrato, mas porque, no centro do palco histórico, trouxe consigo uma forma de compulsão ao trabalho para outrem, que se mostra pura- mente econômica e “objetiva”, lançando, assim, uma base para aquela forma peculiar e mistificadora pela qual uma classe ociosa pode explorar o trabalho excedente dos outros e que é a essência do sistema moderno, o qual chamamos capitalismo. A acumulação primitiva Ao examinar a história do capitalismo, encontramos que a fase inicial desse sis- tema dá-se na Inglaterra, no período da segunda metade do século XI e início do século XII. Por uma série de fatores, foi nesse país que a pequena propriedade e o gozo dos direitos contribuíram para desenvolver, a partir do século XIV, uma classe rural precocemente comprometida na produção artesanal e na comercia- lização dos produtos. Por essa mesma razão, a diferenciação entre aldeões ricos e pobres e o incentivo de grandes lucros conseguidos sobre os campos de pasta- gem, devido à extensão da indústria de lã, trouxeram, como consequência, uma expulsão em massa dos pequenos agricultores durante os séculos XV e XVI e uma apropriação sistemática de suas parcelas, concomitantemente a das terras comunais (área do feudo de uso coletivo, como por exemplo, os bosques, flores- tas e pastos) pelos grandes proprietários. O CAPITALISMO E A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL (1760-1870) Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E68 A legislação foi impotente contra esse movimento de apropriação. Além disso, a lei acabou voltando suas armas contra pobres, desocupados e vagabundos – formas como a lei enxergava, na época, as pessoas menos favorecidas – que a lei acabou voltando suas armas. A primeira “lei dos pobres”, no reinado de Rainha Elizabeth I, preparou, sob o pretexto de ajuda obrigatória, essas futuras “casas de trabalho”, nas quais o pobre “que não tinha onde cair morto” seria colocado à dis- posição do produtor industrial (VILAR, 1975). Expropriação e proletarização são os dois termos da “acumulação primitiva” no estado puro, a perfeita separação, mediante a violência legalizada, do produtor com seus meios de produção. Por isso, Marx (1985) elegeu o exemplo inglês dos séculos XV e XVI como símbolo. É no século XVIII que o processo é concluído e somente na Inglaterra se apresenta de uma maneira radical. Vilar (1975) descreve que a colonização europeia, em escala mundial, determina outro aspecto da acumulação primitiva. Ela se realiza por mecanismos bastante variados, a saber: os saques – delicadas joias arrebatadas dos índios das ilhas, imensos tesouros dos príncipes mexicanos e incas; tudo foi diretamente transferido para a Europa. É correto que os “conquistadores” espa- nhóis e o imperador Carlos V dedicaram, essencialmente, esses primeiros lucros às suas empresas militares ou suntuárias, mas o ouro passou às mãos dos mercado- res e dos banqueiros que se converteram nos intermediários da aventura colonial. É imaginável, conforme Dobb (1980), que uma economia não pode ser base- ada, durante muito tempo, no simples e puro saque, tampouco deve-se crer que se tratou de um breve episódio. Os holandeses, que difundiram uma ver- são das crueldades espanholas na América, não foram menos cruéis nas ilhas do Extremo Oriente, as quais ocuparam no século XVII. Os ingleses na Índia (século XVIII) também usaram desse esquema pérfido. Além do que, desde o tempo da Rainha Elizabeth I, uma das grandes fontes de enriquecimento da corte real inglesa foi a pirataria, a pilhagem direta dos carregamentos espanhóis. A essa economia de pilhagem, a colonização acrescentou uma exploração con- tínua e sistemática. Historiadores constataram, na Europa do século XVI, uma chegada em massa de ouro e de prata, o que desencadeou uma “revolução nos pre- ços”. O preço dos produtos europeus subiu, e Dobb (1980) estima que o aumento foi na proporção de 1 para 4. Como os salários sobem muito menos, produz-se uma “inflação de lucros”, isto é, o primeiro grande episódio de criação capitalista. O Desenvolvimento do Processo Capitalista de Produção Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 69 No século XVI a quantidade de ouro e prata em circulação na Europa aumentou por consequência do descobrimento das minas americanas, mas ricas e fáceis de explorar. O resultado foi que o valor do ouro e da prata diminui em relação ao de outros artigos de consumo. Continu- ava-se a pagar aos trabalhadores os mesmos salários por sua força de trabalho. Seu salário-dinheiro manteve-se estável, mas seu salário di- minuiu, porque em troca da mesma quantidade de dinheiro recebiam uma quantidade menor de bens. Este foi um dos fatores que favore- ceu o crescimento do capital e o Ascenso da burguesia no século XVI (DOBB, 1980, p. 80). Esse contexto representa apenas um dos fatores que favoreceu o avanço produ- tivo no século XVI. Sob a perspectiva marxista, a quase totalidade da produção não é obtida sob o regime de assalariamento (a economia é feudal ou artesanal). É a alta dos preços que vai favorecer a instalação do assalariamento (fase prepa- ratória do capitalismo, na acumulação “primitiva”). Outra consideração é que o lucro capitalista é apenas facilitado, não é medido pela distância que se estabelece entre preços e salários; de- pende, com efeito, do tempo de trabalho incorporado numa determi- nada mercadoria, comparado com o tempo de trabalho incorporado no salário do trabalhador que o produziu, mas esse tempo de traba- lho depende de condições muito complexas (intensidade, organização, aparelhagem técnica) e não somente de variações monetárias; por úl- timo, os preços europeus não sobem no século XVI porque o ouro e a prata são “mais abundantes”, sobem porque o preço de custo do ouro e da prata diminuem; portanto, os lucros são extraídos mais do trabalho dos mineiros americanos que da exploração crescente dos trabalhado- res europeus (IORI, 2014, p. 24). Vilar (1975) descreve que o trabalho na América, em suas diferentes formas (escravismo, encomienda, metas, compromisso entre esse trabalho forçado e um salário), foi extenuante; os índios das ilhas (São Domingos, Cuba) pereceram em massa; a população do México, por sua vez, também caiu; por isso, a partir de 1600, o preço de custo do metal precioso aumentou e, portanto, o preço das demais mercadorias começou a baixar na Europa. Os lucros eram, então, obti- dos com menor facilidade e, no século XVII, a acumulação primitiva de capital foi menos intensa que no século XVI e voltou a subir no século XVIII, quando o ascenso demográfico e a exploração colonial reorganizada permitiram novamente que fossem diminuídos os preços de custo da extração mineira (ouro do Brasil, O CAPITALISMO E A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL (1760-1870) Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E70 minas mexicanas). Desse modo, vemos que a intensidade da acumulação mone- tária na Europa, condição para a instalação do capitalismo, dependeu do grau de exploração do trabalhador americano. Isso não vale somente para as minas. O ouro e a prata são mercadorias. O açúcar, o cacau, o café, as madeiras tintoriais podem provocar fenômenos análogos. A acumulação primitiva do capital europeu dependeu tanto do escravo cubano quanto do mineiro dos Andes. Nesse sentido, “O escravismo velado dos assalariados europeus, não podia instalar-se senão sobre o escravismo sem disfarce dos trabalhadores do Novo Mundo” (MARX, 1985, p. 91). Diante desse panorama, contextualiza-se o capital usurário e o capital mercantil em que a acumulação monetária é obtida, a princípio por meio do empréstimo usuário para o consumo: no nível mais baixo, em cada aldeia, o homem que tem disponibilidades monetárias pode emprestar, com juros muito elevados, ao camponês, que não tem do que viver, o necessário para comprar a semente ou uma ferramenta, ou para pagar o imposto; no nível mais alto, os grandes mercadores ou banqueiros emprestam aos grandes senhores ou aos príncipes; é mais perigoso, uma vez que pode haver falências, confiscos, mas, ao mesmo tempo, é remunerador. Apresenta-se um aspecto dialético da relação do capital usurário e mercan- til: a acumulação primitiva de capital engendra sua própria destruição. Em uma primeira fase, a alta dos preços, o aumento dos impostos reais e os empréstimos grandiosos estimulam os usurários, mas, no final, em graus diferentes, segundo países diversos, as taxas médias de juros e dos lucros tendem a se igualar e a diminuir. Então, é necessário que o capital acumulado busque outro meio de se reproduzir. É preciso que os homens de dinheiro – que haviam se mantido relati- vamente à margem da sociedade feudal – invadam todo o corpo social e tomem o controle da produção (IORI, 2014). É no curso do século XVII, menos favorável aos lucros extraídos das colô- nias, que os mercadores, aproveitando as dificuldades do artesanato corporativo e o excesso de mão de obra existente no campo, põem-se a distribuir primeiro a matéria-prima e, logo após, instrumentos de produção (matérias têxteis), tanto em domicílio entre os camponeses quanto às grandes oficinas (em geral privi- legiadas pelo Estado). O Desenvolvimento do Processo Capitalista de Produção Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 71 Dobb (1980) considera a época da “manufatura” uma importante etapa em direção ao capitalismo e a classifica em três dimensões, a saber, primeiramente, porque realiza, na indústria, a separação entre produtor e meio de produção; concorre a duras penas com o artesanato corporativo; por último, organiza a divisão do trabalho, que aumenta de modo considerável a produtividade do tra- balho individual. O domínio do capital mercantil corresponde, na Europa Ocidental, a uma nova estrutura do Estado. Às vezes, como na França, esse Estado favorece dire- tamente à manufatura. Os impostos, cuja importância aumenta, são cobrados geralmente mediante o sistema de fermes, ou seja, por companhias de financistas privados, que guardam para si grande parte dessas cobranças feitas a partir do produto nacional, trata-se de uma importante fonte de acumulação monetária. A organização do crédito e o aparecimento dos primeiros bancos estatais fazem baixar as taxas de juros usurários e, em contrapartida, mobilizam o dinheiro dos “capitalistas” nas mãos de grupos restritos e poderosos. Por último, o Estado pro- tege a produção nacional por intermédio das aduanas e da marinha nacional, pelos “atos de navegação” – que lhe reservam os transportes. A finalidade de todas essas medidas, mencionadas anteriormente, é bastante consciente. É expressa amiúde pelos economistas “mercantilistas”, que repre- sentavam, como mostrou perfeitamente Marx, a forma primitiva e ingênua do capitalismo: a finalidade de qualquer atividade é “fazer dinheiro”, a nação é rica se tem um saldo positivo de metais preciosos; pouco importa como é distribu- ído esse saldo, confundem “lucro nacional” e lucro dos comerciantes – que, por sua vez, se confundem com os industriais. O país mais característico dessa fase é a Inglaterra do final do século XVII. A evolução que sofreu desde o século XV (concentração da propriedade agrária, proletarização da mão de obra, atividade marítima e colonial) permitiu-lhe superar definitivamente os países dos pri- meiros descobrimentos (Espanha e Portugal, paralisados pelo excessivo afluxo de dinheiro e o parasitismo das rendas) e evoluir mais depressa que a Holanda (privada de recursos industriais) e a França (onde a estrutura agrária resistiu ao movimento de concentração das propriedades e de “cercamento” das terras comunais). O CAPITALISMO E A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL (1760-1870) Reprodução proibida. A rt.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E72 Foi também na Inglaterra que apareceram, no curso do século XVIII, as novi- dades que caracterizam de forma decisiva a nova era: a era capitalista. A partir do aparecimento do maquinismo, por volta de 1730, e, sobretudo, a partir de 1760, ocorre uma série de invenções que irão substituir a [...] “manufatura” pela “maquinofatura”, ou seja, que permitirão por sua vez multiplicar a produtividade do trabalho humano, reduzir este mes- mo trabalho a um mecanismo cada vez mais abstrato, cada vez menos unido ao objeto produtivo (de forma contrária ao trabalho artesanal), e, por último, utilizar uma mão de obra de força reduzida: é a mobili- zação maciça do trabalho de mulheres e crianças. Estas invenções são as que concernem à metalurgia (fundição do carvão) e, por último, à máquina a vapor. Este avanço das forças produtivas é necessário para subverter as estruturas econômicas e sociais. Daí em diante, a produ- ção industrial em massa será a fonte essencial do capital, pela distância estabelecida entre o valor produzido pelo operário e o valor que lhe é restituído sob a forma de salário por aqueles que dispõem dos novos meios de produção (máquinas, fábricas). A era da “acumulação primi- tiva” terminou. Tudo irá tornar-se “mercadoria” e as relações sociais se estabelecerão exclusivamente em termos de dinheiro. Já não há mais ‘feudalismo’ (VILAR, 1975, p. 47-48). As etapas finais da transformação desse período, portanto, abrangem o controle do capital mercantil sobre a produção industrial, o papel dos primeiros Estados nacionais e a acumulação primitiva e, por último, o novo avanço das forças de produção: produção industrial em massa e “nova agricultura” no século XVIII. A exploração cada vez mais acentuada do trabalho humano é sua consequência e seu preço. Por um lado, o século XVIII é um século de alta geral dos preços, e já falamos da fonte colonial desse fenômeno; por outro lado, é, ainda, o século das grandes fortunas edificadas sobre o ouro do Brasil, da prata mexicana, do açúcar e do rum das ilhas, do algodão da América e da Índia, tudo isso extra- ído do trabalho dos povos colonizados. Na Europa, a alta dos preços tem como consequência uma diminuição do salário individual diário real, do qual o capi- tal tira proveito. Iori (2014) constata, contudo, que o século XVIII, especialmente nos paí- ses mais avançados, como a Inglaterra, vê desaparecer se não a carestia e a falta de pão, pelo menos as fomes mortais. Como se explica isso? Deve-se em pri- meiro lugar, ao fato de que os operários trabalharam mais (mais dias ao ano) O Desenvolvimento do Processo Capitalista de Produção Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 73 e as mulheres e crianças foram postas a trabalhar também. O salário familiar aumenta até o mínimo de subsistência, mas por uma quantidade de trabalho extraordinariamente maior. A revolução agrícola e a liberdade do comércio de grão permitiram que fosse alimentado um maior número de homens e com maior regularidade. Nos países mais adiantados, era suprimido o pousio (descanso destinado à terra cultivada, interrompendo uma cultura até outra) e eram plantadas mais leguminosas e tubér- culos. Isso fez com que diminuísse os antigos lucros da especulação, quando se tirava proveito das crises de alimentação. O capital mercantil de tipo antigo se ressente, mas o capital industrial cada vez que pode diminuir o conteúdo-valor da alimentação mínima do operário, assegura um lucro sempre maior. Caro(a) aluno(a), daí em diante, o capitalismo industrial, que nesse caso merece simplesmente o nome de capitalismo, substitui as modalidades primitivas de formação do capital. Contudo, ainda nos países avançados, como a Inglaterra, a agricultura, nas mãos dos capitalistas, adapta-se à produção em massa para a venda, ou seja, ao capitalismo. Somente no século XIX, o capitalismo industrial se propagará tal como havia nascido na Inglaterra a partir de 1760. Resta considerar que um regime social não está constituído, exclusivamente, por seus fundamentos econômicos. A cada modo de produção corresponde, não somente um sistema de relações de produção, como também um sistema de direito, de instituições e de formas de pensamento. Um re- gime social em decadência serve-se precisamente desse direito, dessas instituições e desses pensamentos já adquiridos, para opor-se com to- das as suas forças às inovações que ameaçam sua existência. Isso pro- voca a luta das novas classes, das classes ascendentes, contra as classes dirigentes que ainda acham-se no poder e, determina o caráter revo- lucionário da ação e do pensamento que animam essas lutas (IORI, 2014, p. 28). O regime feudal, conforme Vilar (1975), não morreu sem se defender. E o ata- que que ele sofreu não começou somente com as formas mais desenvolvidas dos novos modos de produção. Essas formas, com efeito, só puderam triunfar quando já tinham se liberado dos inconvenientes, dos entraves que as institui- ções de tipo feudal necessariamente opunham, isto é, a história das revoluções burguesas. O CAPITALISMO E A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL (1760-1870) Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E74 É muito importante se atentar, caro(a) aluno(a), para a relevância do século XVI para a História Européia. Esse espaço cronológico representa a tênue linha divisória entre a ordem feudal decadente e o sistema capitalista que surgia. Já sabemos que tratar de História Econômica Geral é fazer uma releitura da humanidade sobre a perspectiva de como a sociedade se organizou para satisfazer suas necessidades materiais. Nesse sentido, é interessante pensar que a histó- ria apresenta três importantes revoluções. Harari (2015) apresenta a Revolução Cognitiva como marco do processo histórico, há cerca de 70 mil anos; a Revolução Agrícola por volta de 12 mil anos atrás; a Revolução Científica, que começou há apenas 500 anos. A última, à medida em que propiciou a contestação de “ver- dades”, abriu espaço para outra transformação econômica-social: a Revolução Industrial. Com o fim do feudalismo e o processo transitório do mercantilismo, o modo de produção capitalista em ascendência passa a revelar, claramente, carac- terísticas sócioeconômicas intrínsecas na Revolução Industrial. A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL A Revolução Industrial, conforme Iori (2014), é o segundo momento da carreira do capitalismo no final do século XVIII e primeira metade do século XIX. Sua importância foi essencialmente econômica, apresentando um reflexo dramá- tico sobre a esfera política. A Revolução Industrial é um marco histórico em que os limites para a produção de riquezas pelo homem foram implodidos e nunca mais deixaram de ser superados e expandidos. Moraes (2017, p. 46) afirma que o mundo como o conhecemos hoje é filho dessa transformação. Em 1776, como não poderia deixar de ser, a Inglaterra era o país mais efi- ciente e poderoso do mundo. Ela se beneficiou grandemente com o livre comércio internacional, em face do início da Revolução Industrial. Nessa época, os empre- sários foram se fortalecendo e não mais precisavam contar com a ajuda do governo, com privilégios de monopólios e com a proteção tarifária. Em conjunto A Revolução Industrial Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 75 ao desenvolvimento das fábricas, os artesãos perdiam sua vantagem competitiva. Essa situação os levou ao mercado de trabalho como trabalhadoresassalariados. A alta taxa de natalidade, bem como a taxa de mortalidade em queda, aumenta- ram a população e os trabalhadores infantis, e os camponeses irlandeses falidos, que chegavam à Inglaterra, também aumentavam a oferta de mão de obra. Essa circunstância gerou empatia por parte dos empresários em relação à doutrina laissez-faire. Os salários estavam baixos, por conta da oferta em demasia, e o Governo não precisava intervir. O marco temporal referido acima é, ainda, importante para nosso trabalho porque também apresenta uma mudança sistemática na ciência econômica. Foi justamente em 1776 que Adam Smith publicou sua obra A riqueza das nações. O pai da economia e seus contemporâneos, que viveram durante os primeiros estágios da Revolução Industrial, não puderam identificar de forma adequada a representatividade desse fenômeno e a direção que esse desenvolvimento toma- ria, ainda que em sua obra, A riqueza das nações, o pensador apresente o aumento da produtividade possível pela divisão do trabalho, por meio do famoso exem- plo da fábrica de alfinetes. Tomemos, pois, um exemplo, tirado de uma manufatura muito pequena, mas na qual a divisão do trabalho muitas vezes tem sido notada: a fabri- cação de alfinetes. Um operário não treinado para essa atividade (que a divisão do trabalho transformou em uma indústria específica) nem fami- liarizado com a utilização das máquinas ali empregadas (cuja invenção provavelmente também se deveu à mesma divisão do trabalho), dificil- mente poderia talvez fabricar um único alfinete em um dia, empenhando o máximo de trabalho; de qualquer forma, certamente não conseguirá fabricar vinte. Entretanto, da forma como essa atividade é hoje executada, não somente o trabalho todo constitui uma indústria específica, mas ele está dividido em uma série de setores, dos quais, por sua vez, a maior parte também constitui provavelmente um ofício especial. Um operário desenrola o arame, um outro o endireita, um terceiro o corta, um quarto faz as pontas, um quinto o afia nas pontas para a colocação da cabeça do alfinete; para fazer uma cabeça de alfinete requerem-se 3 ou 4 ope- rações diferentes; montar a cabeça já é uma atividade diferente, e alvejar os alfinetes é outra; a própria embalagem dos alfinetes também constitui uma atividade independente. Assim, a importante atividade de fabricar um alfinete está dividida em aproximadamente 18 operações distintas, as quais, em algumas manufaturas são executadas por pessoas diferentes, ao passo que, em outras, o mesmo operário às vezes executa 2 ou 3 delas. O CAPITALISMO E A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL (1760-1870) Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E76 Vi uma pequena manufatura desse tipo, com apenas 10 empregados, e na qual alguns desses executavam 2 ou 3 operações diferentes. Mas, embo- ra não fossem muito hábeis, e portanto não estivessem particularmente treinados para o uso das máquinas, conseguiam, quando se esforçavam, fabricar em torno de 12 libras de alfinetes por dia. Ora, 1 libra contém mais do que 4 mil alfinetes de tamanho médio. Por conseguinte, essas 10 pessoas conseguiam produzir entre elas mais do que 48 mil alfinetes por dia. Assim, já que cada pessoa conseguia fazer 1/10 de 48 mil alfinetes por dia, pode-se considerar que cada uma produzia 4 800 alfinetes diariamen- te. Se, porém, tivessem trabalhado independentemente um do outro, e sem que nenhum deles tivesse sido treinado para esse ramo de atividade, certamente cada um deles não teria conseguido fabricar 20 alfinetes por dia, e talvez nem mesmo 1 (SMITH, 1996, p. 65-66). Além de ilustrar o enorme aumento de produtividade possibilitado pela divisão do trabalho, Smith (1996) também sugere que a invenção de máquinas se tornava viá- vel pela própria divisão do trabalho: como os processos manuais são subdivididos em grande número de operações cada vez mais simples, também se torna mais fácil reproduzir essas operações simplificadas em um mecanismo. Nesse sentido, a divisão do trabalho na manufatura prepara a passagem para a grande indústria mecanizada. No longo prazo, a economia clássica (Escola de pensamento fundada por Smith) atendeu à toda sociedade, porque a aplicação de suas teorias promovia o acúmulo de capital e o crescimento econômico. Apresenta-se um novo tempo para os empresários. Agora, o status para os mercadores e industriais foi promo- vido ao que Brue (2016) chama de promotores da riqueza da nação. Eles estavam certos de que, ao buscar o lucro, estavam atendendo à sociedade. Ainda em Brue (2016), percebemos que essas doutrinas, privilegiaram materialmente os proprie- tários e gerentes das empresas, pois as ideias clássicas ajudaram a promover o clima político, social e econômico que estimulou a indústria, o comércio e o lucro. A interpretação do mundo econômico do século XIX tem de ser essencial- mente uma interpretação de sua transformação e movimento. (Maurice Dobb) A Revolução Industrial Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 77 ORIGENS DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL A definição de Revolução é imprecisa. Sabe-se, a princípio que não são meras mudanças. Encontramos em Hannah Arendt (1990) que é inegável a questão social que envolve as revoluções. E que a motivação econômica é a força motriz de toda luta política. Figura 1 - A primeira ponte de ferro fundido em Ironbridge, local de nascimento de Shropshire da Revolução Industrial Contudo, essa dinâmica transformadora não assume a mesma forma em todos os países em que ocorre. Deane (1975, p. 11) demonstra mudanças identificá- veis nos métodos e características da organização econômica, as quais, tomadas como um todo, constituem um desenvolvimento do tipo daquele que descre- veríamos como uma Revolução Industrial. Esta inclui as seguintes mudanças inter-relacionadas: 1) aplicação sistemática e generalizada do moderno conhecimento científico e empírico ao processo de produção para o mercado; 2) especialização da atividade econômica dirigida no sentido da produ- ção para os mercados nacional e internacional, ao invés de sê-lo para consumo familiar ou paroquial; O CAPITALISMO E A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL (1760-1870) Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E78 3) migração da população das comunidades rurais para as urbanas; 4) expansão e despersonalização da unidade típica de produção de modo que passa a ser baseada menos na família ou tribo do que na empresa pública ou privada; 5) movimento da força de trabalho das atividades relacionadas com a produção de bens primários para a produção de bens manufaturados e serviços; 6) uso extensivo e intensivo de recursos financeiros como um substitu- to do esforço humano e como complemento deste; 7) emergência de novas classes sociais e ocupacionais determinada pela propriedade dos meios de produção, que não a terra, ou pela relação dessas classes com os referidos meios de produção, principalmente o capital. Esse contexto de metamorfoses inter-relacionadas, ao ocorre- rem simultaneamente, constituem uma Revolução Industrial, em que pese a associação de crescimento demográfico e aumento no volume anual de bens e serviços produzidos (DEANE 1975, p. 11). Percebemos, já no primeiro item, que o contexto científico tem um papel rele- vante nessa transformação da sociedade. À medida que as pessoas passaram a admitir que não conheciam as respostas para algumas perguntas muito impor- tantes, acharam necessário procurar conhecimentos completamente novos. Essa busca objetivava a aplicabilidade desses saberes. Em 1620, Francis Bacon publicou um manifestocientífico intitulado Novum Organum [Novo instrumento], no qual afirmou que “conhe- cimento é poder”. A real prova de fogo do “conhecimento” não é se é verdadeiro, mas se nos dá poder. Os cientistas geralmente presumem que nenhuma teoria é 100% correta. Em consequência, a verdade não é um bom parâmetro de teste para o conhecimento. O parâmetro real é sua utilidade. Uma teoria que nos permite fazer novas coisas constitui conhecimento (HARARI, 2015, p. 270). O mundo das ciências transformou a humanidade. Por meio dele, o homem adquiriu capacidades gigantescas, investindo recursos em pesquisas. Trata-se de uma dinâmica que, até o ano de 1500, os humanos do mundo inteiro duvi- davam de sua aptidão para adquirir novas capacidades médicas, militares e econômicas. A descoberta da América foi o acontecimento fundacional da Revolução Científica. A Revolução Industrial Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 79 A maioria dos estudos científicos são financiados porque alguém acre- dita que eles podem ajudar a alcançar algum objetivo político, econô- mico ou religioso. Por exemplo, no século XVI, os reis e os banqueiros destinaram muitíssimos recursos para financiar expedições geográficas pelo mundo, mas nem um centavo para estudar a psicologia infantil. Isso porque os reis e os banqueiros supunham que a descoberta de no- vos conhecimentos geográficos lhes permitiria conquistar novas terras e construir impérios comerciais, ao passo que não conseguiam ver ne- nhuma vantagem em entender a psicologia infantil (HARARI, 2015, p. 282). Destarte, o advento do sistema capitalista fez uma aliança com a indústria e a tecnologia refletidos na Revolução Industrial. Depois de consolidada, essa rela- ção mudou o mundo de forma muita intensa e rápida. A primeira fase da revolução industrial teve lugar na Inglaterra e oferece especial interesse pelo fato de ter ocorrido espontaneamente sem a assistência governamental, a qual se tem constituído na tônica da maioria das revoluções industriais que se sucederam. Conforme Iori (2014), a evolução que esse país passou desde o século XV (concentração da propriedade agrária, proletarização da mão-de-obra, atividade marítima e colonial) permitiu-lhe superar definitiva- mente os países dos primeiros descobrimentos (Espanha e Portugal, paralisados pelo excessivo afluxo de dinheiro e o parasitismo das rendas) e evoluir mais depressa que a Holanda (privada de recursos industriais) e a França (onde a estrutura agrária resistiu ao movimento de concentração das propriedades e de “cercamento” das terras comunais). Marx expressou esse avanço da Inglaterra com a seguinte consideração: Os diferentes métodos de acumulação primitiva, que a era capitalista faz aparecer, dividem-se, primeiro, por ordem mais ou menos crono- lógica, entre Portugal, Espanha, Holanda, França e Inglaterra, até que esta última combina-os todos, no último terço do século XVII, num conjunto sistemático que inclui por sua vez o regime colonial, o crédito público, as finanças modernas e o sistema protecionista (MARX, 1974, p. 41). De fato, a primeira etapa da formação do capitalismo, depois da crise dos sécu- los XIV e XV, não poderia fundar-se senão por um avanço das forças produtivas: o que ocorreu entre meados do século XV e XVI. O CAPITALISMO E A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL (1760-1870) Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E80 O CARÁTER DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL A Revolução Industrial completou a transição do Feudalismo ao Capitalismo. A partir dela, finaliza-se o processo de expropriação dos produtores diretos. O Modo de produção capitalista é, então, caracterizado pela introdução da maquinofatura e pelas relações sociais de produção assalariadas. Destarte, a separação definitiva entre capital e trabalho: a industrialização é o reflexo dessa dinâmica. De modo geral há grandes divergências em relação à representatividade dessa transformação social, Carlo Cipolla, historiador italiano, atribui à Revolução Industrial um papel fundamental na história da humanidade: entre 1780 e 1850, em menos de três gerações, uma ampla revolução, sem precedente na história da Humanidade, mudou a face da Inglater- ra. Daí em diante, o mundo não foi mais o mesmo. Os historiadores frequentemente usaram e abusaram da palavra Revolução para signifi- car uma mudança radical, mas nenhuma revolução foi tão dramatica- mente revolucionária quanto a Revolução Industrial - exceto, talvez, a Revolução Neolítica. Ambas mudaram o curso da história, quer dizer, cada uma provocou uma descontinuidade no processo histórico. A Re- volução Neolítica transformou a Humanidade de uma coleção dispersa de bandos selvagens de caçadores [...] em uma coleção de sociedades agrícolas mais ou menos interdependentes. A Revolução Industrial transformou o Homem de um agricultor em um manipulador de má- quinas movidas por energia inanimada (CIPOLLA, 1973, p. 7 apud SAES; SAES, 2013, p. 141). Foi precisamente ao longo da crise geral do feudalismo, que numerosas in- venções vieram modificar o nível das forças de produção. O uso da artilharia obrigou a impulsionar a produção de metal. A difusão do pensamento hu- mano, com a invenção da imprensa, e o progresso da ciência da navegação desempenharam um papel não menos importante. Observa-se que, pela primeira vez, técnicas industriais e técnicas de comunicação ultrapassam a técnica agrícola. É o começo de um processo que colocará a indústria no primeiro plano do progresso. Fonte: adaptado de Iori (2014). A Revolução Industrial Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 81 É importante considerar que a transformação na estrutura da indústria a que se conferiu o título de Revolução Industrial não constituiu um acontecimento singular que se possa localizar entre as fronteiras de duas ou três décadas. Para Dobb (1980), apresenta-se um período de desenvolvimento desigual, em que não é possível localizar fronteira temporal de forma precisa. A essência da transfor- mação estava na mudança do caráter da produção que, em geral, associava-se à utilização das máquinas movidas por energia não humana e não animal. Marx (1985, p. 302) afirmou que a transformação crucial foi na verdade a adaptação de uma ferramenta, antes empunhada pela mão humana, a um mecanismo: quando o homem passa a atuar apenas como força motriz numa má- quina – ferramenta, em vez de atuar com a ferramenta sobre o seu ob- jeto de trabalho, podem tomar seu lugar o vento, a água, o vapor, etc., e torna-se acidental o emprego da força muscular humana como força motriz. Essas mudanças dão origem a grandes modificações técnicas no mecanismo primitivamente construído apenas para ser impulsiona- do pela força humana... além disso, a força humana é um instrumento muito imperfeito para produzir um movimento uniforme e contínuo. As mudanças supracitadas por Marx modificaram profundamente as relações de trabalho, em que pese um caráter coletivo ao processo de produção se ins- taura, expandindo a divisão do trabalho a um grau de complexidade jamais testemunhado. Outra peculiaridade, conforme Iori (2014), foi a necessidade crescente no sentido de que as atividades do produtor humano se conformas- sem aos ritmos e movimentos do processo mecânico: uma mudança técnica de equilíbrio que teve seu reflexo socioeconômico na crescente dependência do trabalho em relação ao capital e no papel, cada vez maior, desempenhado pelo capitalista como força disciplinadora e coautorado produtor humano em suas operações detalhadas. E como era antes desse cenário produtivo? Dobb (1980, p. 261) nos demons- tra que nos velhos tempos, a produção era essencialmente uma atividade hu- mana, em geral individual em seu caráter, no sentido de que o produtor trabalhava em seu próprio tempo e à sua própria maneira, indepen- dentemente dos outros, enquanto as ferramentas ou os implementos simples que usava pouco mais eram do que uma extensão de seus pró- prios dedos. O CAPITALISMO E A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL (1760-1870) Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E82 A ferramenta característica desse período, diz Mantoux (1957, p. 193), era “passiva na mão do trabalhador; sua força muscular, sua habilidade natural ou adquirida, ou sua inteligência determinam a produção até o menor detalhe”. Na situação antiga, antes do estágio da maquinofatura, o pequeno mestre independente, incor- porando em si a unidade de instrumentos de produção humana e não humana. Os elementos “não-humanos” eram elementos modestos. No contexto da Revolução Industrial, o tamanho mínimo para um processo de produção unitário se tornara grande demais para o “pequeno mestre” contro- lar. Isso porque a relação entre os instrumentos humanos e mecânicos haviam se transformado. Era necessário, a partir de então, capital para financiar o equi- pamento complexo requerido pelo novo tipo de unidade de produção. [...] criara-se um papel para um tipo novo de capitalista, não mais ape- nas como usurário ou comerciante em sua loja ou armazém, mas como capitão de indústria, organizador e planejador das operações da unida- de de produção, corporificação de uma disciplina autoritária sobre um exército de trabalhadores que, destituídos de sua cidadania econômica, tinham de ser coagidos ao cumprimento de seus deveres onerosos a serviço alheio pelo açoite alternado da fome e do supervisor do patrão (DOBB, 1980, p. 262). Foi uma metamorfose ampla, pois foi crucial em seus diversos aspectos, que mereceu integralmente o nome de Revolução Econômica. Essa foi a descrição clássica de Toynbee referenciada por Dobb (1980). O capitalismo prescinde totalmente da compulsão do trabalho. Ele não ope- ra sua extração de excedente econômico, nem se apropriando do produtor – como na escravidão-, nem do trabalho do produtor – como na economia dominial. Tampouco apropria-se dos resultados do trabalho do produtor - como na economia senhorial. O capitalismo extrai excedente dentro do próprio processo de produção, de um produtor livre, através da diferença de valor, que esse produtor recebe pela venda da mercadoria força de trabalho, em relação às mercadorias que essa força de trabalho produz. Fonte: Rezende Filho (2010, p. 138). A Revolução Industrial Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 83 A Figura 2, logo a seguir, apresenta as características dos “velhos tempos”. Com o trabalho realizado empunhando as ferramentas e dando forma à matéria- -prima. Na figura 3, por sua vez, apresentamos o padrão de produção de forma em escala e padronizada. ARTESÃO Trabalho realizado empunhando as ferramentas e dando forma à matéria-prima: o resultado da produção depende de sua habilidade no manuseio dessas fer- ramentas e também de sua energia (que define a força e a velocidade com que realiza as operações) ↓ O produto artesanal resultado da combinação da habilidade e da energia do artesão com as ferramentas específicas de seu ofício. ↓ Cada produto do artesão é uma obra única, pois depende de características subjetivas. Figura 2 - O trabalho do artesão Fonte: autora. Arnold Joseph Toynbee, nasceu em Londres no dia 14 de abril de 1889 e fa- leceu em 22 de outubro de 1975. Foi um historiador britânico que tem como magnum opus a obra Um Estudo de História (trad. de A Study of History). Nela examina em doze volumes, o processo de nascimento, crescimento e queda das civilizações sob uma perspectiva global. Fonte: a autora. O CAPITALISMO E A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL (1760-1870) Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E84 MÁQUINA Transfere-se as ferramentas das mãos do artesão para um mecanismo que procu- ra reproduzir os movimentos do artesão de forma automática e padronizada. ↓ Pode ser movido pela energia humana, embora, com a Revolução Industrial, seja mais típico o uso de energia não humana e não animal. Figura 3 - O trabalho da máquina Fonte: autora. Ao abordar a dinâmica máquina/artesão, temos de, necessariamente, conside- rar que trata-se de processo longo, cuja data inicial é difícil de estabelecer com precisão, mas que seguramente remodelou, primeiro o Reino Unido e, a seguir, grande parte do mundo. O CONTEXTO DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL No século XVIII, a Inglaterra acompanhou a Holanda no comércio e ficou atrás da França na produção. Nessa dimensão temporal, a Inglaterra ganhou supremacia tanto no comércio como na indústria. Entre 1700 e 1770, os mercados externos para os produtos ingleses cresceram mais rapidamente do que os mercados internos ingle- ses. Conforme Hunt (1989), entre 1700 e 1750, a produção das indústrias internas aumentou 7%, enquanto a produção das indústrias de exportação aumentou 76%. No período de 1750 a 1770, os respectivos aumentos foram de 7% e 80%. Esse cres- cimento acelerado, sobre a demanda externa de produtos industrializados ingleses, propiciou a Revolução Industrial. Ela, por sua vez, determinou uma das “trans- formações mais fundamentais da História da vida humana” (HUNT, 1989, p. 60). A Revolução Industrial Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 85 A sociedade inglesa, que era predominantemente agrária e rural, tornou-se industrial e urbana. Em 1801, por exemplo, somente um quarto da população inglesa era urbana, mas, na metade do século XIX, a Inglaterra liderava os paí- ses do mundo em que a população estava concentrada nas cidades. Os tecidos de algodão e lã, produzidos nas fábricas construídas na cidade de Manchester, e em outras partes do Norte da Inglaterra, passaram a ser exportados para muitos países, inclusive para o Brasil, ao lado de facas, garfos e outros utensílios de metal feitos em Birmingham e Sheffield, duas cidades originalmente pequenas que se tornaram muito importantes no decorrer do século XIX. A necessidade de ener- gia a vapor para movimentar as máquinas aumentou a demanda por carvão, o que, por sua vez, tornou a mineração outra indústria central. E a necessidade de transportar os produtos encorajou o surgimento das estradas de ferro em 1825, que deram início a uma nova era (BURKE, 2016, p. 35). O crescimento substancial da indústria alterou profundamente a vida das pessoas. A introdução da máquina, envolve, conforme Saes e Saes (2013, p. 150), “a subordinação (subsunção) real do trabalho ao capital, pois agora o capital, materializado na máquina, impõe, pelo próprio processo de trabalho, a sub- missão do trabalhador ao ritmo determinado pelo capital”. O crescimento do comércio, o aumento substancial da manufatura e das invenções, além da divi- são do trabalho, caracterizaram, a princípio, a Inglaterra do século XVIII em uma economia de mercado bem desenvolvida. Nessa conjuntura, o preconceito tradicional contra o mercado capitalista, em termos de atitudes e ideologia, já estava muito enfraquecido. Na Inglaterra daquela época, maiores quantidades de produtos industriali- zados a preços maisbaixos significavam lucros sempre crescentes. Deu-se um “surto” de atividades inventivas, pois à medida em que a procura externa crescia, os empresários viram as possibilidades de maiores lucros e, dessa maneira, era necessário inovar tecnologicamente. Nesse sentido, Saes e Saes (2013) apresen- tam que, de modo amplo, as transformações das técnicas produtivas não foram exclusividade da Revolução Industrial. Em que pese estas mudanças são centrais para a compreensão do processo de transformação econômica e social. As ino- vações técnicas se concentraram em duas indústrias, a de tecidos de algodão e a do ferro, e envolveram uma nova fonte de energia, o vapor. O CAPITALISMO E A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL (1760-1870) Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E86 Em 1769, James Watt projetou um motor com especificações tão exatas, que o simples movimento de um pistão podia ser transformado em movimento giratório. Um fabricante de Birmingham, chamado Boul- ton, associou-se a Watt e, com os recursos financeiros de Boulton, eles conseguiram iniciar uma produção, em larga escala, de motores a va- por. No fim daquele século, o vapor estava substituindo rapidamente a água como principal fonte de energia na indústria. O desenvolvimento da energia a vapor levou a profundas mudanças econômicas e sociais (HUNT, 1989, p. 62). Dobb (1980, p. 263) apresenta a opinião de Toynbee sobre as inovações técnicas: [...] foram ‘quatro grandes invenções’ o fator responsável pelo revo- lucionamento da indústria algodoeira: ‘a máquina de fiar (spinnin- g-jenny), patenteada por Hargreaves em 1770; o filatório tocado a água, inventado por Arkwright no ano anterior; o filatório Cromp- ton, introduzido em 1779; e o filatório autônomo, inventado pri- meiramente por Kelly em 1792’; embora ‘nenhuma dessas, por si só, tivesse revolucionado a indústria’, não fosse o patenteamento da má- quina a vapor por James Watt em 1769 e sua aplicação à manufatura algodoeira quinze anos depois. A estas, Toynbee acrescenta como elos cruciais no processo o tear mecânico de Cartwright de 1785 , e, afetando a siderurgia, a invenção da redução do carvão na parte inicial do século XVIII e a ‘aplicação em 1788 da máquina a vapor aos altos-fornos’. A partir dessas invenções mencionadas, iniciou-se o estágio mais decisivo da Revolução Industrial. Isso porque o vapor permitiu o abundante crescimento e desenvolvimento da indústria em larga escala, visto que o vapor não dependia, como o uso da água, da localização geográfica das fábricas e dos recursos locais. Sempre que pudesse comprar carvão a preço razoável, poderia ser construído um motor a vapor. Houve uma multiplicação de fábricas. Originam-se as “escu- ras” cidades industriais (HUNT, 1989). Caro(a) aluno(a), você já deve ter se convencido da importância da ciên- cia para o mundo tecnológico da época. E os ingleses se sentiam orgulhosos pelas realizações econômicas, tecnológicas e científicas desse período. Não obstante o ufanismo dos ingleses, o custo dessa revolução foi muito alto. As condições de trabalho eram muito ruins, para não dizer desumanas, tanto nas fábricas quanto nas minas, com longas horas corridas, salários baixos e o uso considerável de trabalho infantil, às vezes de crianças de 4 ou 5 anos de idade. A Revolução Industrial e sua Amplitude Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 87 Somente em 1833 o Factory Act tornou ilegal o emprego de crianças abaixo de 9 anos de idade, enquanto o Mines Act, de 1842, proibiu o emprego nas minas de carvão de meninos com menos de 10 anos e de meninas e mulhe- res em geral. As condições de vida nas cidades industriais eram também bastante duras em consequência da superlotação, da poluição industrial e da baixa qualidade das moradias. Essas condições foram vividamente descritas por Friedrich Engels, amigo de Karl Marx, em um livro de 1845, A situação da classe trabalhadora na Inglaterra (título original: The Condition of the Working Class in England), que se baseava em suas observações da favela de Manchester. O escritor Charles Dickens, ao lado de outros autores, também considerava seu dever denunciar as brutali- dades e as destruições que essa era, pretensamente avançada, causava. É assim que, em seus “romances industriais”, as realidades sombrias do trabalho infantil, da superpopulação urbana, do domínio desumano das máquinas, das doenças, desigualdades, injustiças e misérias, que acompanhavam a Revolução Industrial, eram vividamente colocadas diante dos olhos do público. Pode-se dizer, pois, que o sacrifício de uma ou duas gerações foi o preço pago pelo rápido cresci- mento industrial da Inglaterra. A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E SUA AMPLITUDE Tratamos anteriormente sobre as mudanças e características da organização econômica (elencamos 7 itens) do período que apresenta o contexto da revolu- ção industrial. Deane (1975) nos ensina que essas mudanças inter-relacionadas, caso ocorram simultaneamente e atinjam um nível suficiente, constituem uma revolução industrial. Ainda devemos nos atentar que, sempre estiveram asso- ciadas com um crescimento demográfico e com um aumento no volume anual de bens e serviços produzidos. O CAPITALISMO E A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL (1760-1870) Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E88 Nesse sentido, o trabalho da autora é fundamental. Ela apresenta o ponto de partida desse processo revolucionário, em que a Inglaterra mantinha uma posição mais favorável do que outros países. Daí o fato dela ser o berço desse desenvolvimento. Entretanto, ainda aprendemos que no tocante à expansão demográfica parece razoável supor-se que sem o aumento da produção que data a partir da década de 1740 o crescimento paralelo da população teria sido finalmente refreado por uma elevação na taxa de mortalidade devida aos padrões de vida em declínio. Parece igualmente provável que sem o crescimento demográfico, o qual ganhou impulso na se- gunda metade do século XVIII, a revolução industrial britânica teria sido retardada pela falta de mão-de-obra. Parece provável que sem a procura e preços crescentes, os quais refletiam inter alia o crescimen- to da população, teria havido menos incentivo para os produtores britânicos se expandirem e inovarem e, por conseguinte, que se per- deria parte do dinamismo que impulsionou a revolução industrial. Parece igualmente provável que as oportunidades de emprego em expansão criadas pela revolução industrial animaram os indivíduos a se casarem e formar famílias numa idade mais jovem do que no passado, e que aumentaram a expectativa média de vida (DEANE, 1975, p. 48). A revolução agrícola foi também fundamental na dinâmica da revolução indus- trial. Tanto que a última não seria possível sem a primeira, conforme Nurske (1953 apud Deane, 1975). Dessa forma, no que se relaciona à produção de bens e serviços, podemos destacar os aspectos essenciais das novas técnicas de pro- dução que caracterizaram a revolução agrária nos solos aráveis da Inglaterra: plantio constante, novas rotações de culturas e uma associação mais íntima entre as sagras e o estoque. Outro ponto importante atribuído ao panorama agrícola é a mudança nas atitudes empresariais. A modernidade é o transitório, o efêmero, o contingente, é a metade da arte, sendo a outra metade o eterno e o imutável. (Charles Baudelaire) A Revolução Industrial e sua Amplitude Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re irod e 19 98 . 89 Temos aí um alagarmento dos horizontes econômicos tanto no tempo como no espaço, de modo que os agricultores em geral se tornaram mais inte- ressados em produzir para um mercado nacional ou internacional do que em fazê-lo para fins de consumo regional ou doméstico, e alguns deles começaram a aderir à programação de drenagem de terras e criação de gado, programa- ção essa que implicava um retorno de capital não imediato, no sentido de na próxima colheita, em uma época mais distante. Outra mudança de atitude é o aumento na especialização econômica que refletiu no aparecimento do fazen- deiro profissional ou do trabalhador não proprietário. E, ainda, a aplicação do conhecimento científico e métodos experimentais a atividades que tinham sido anteriormente reguladas rigidamente pela tradição, pela prática comunitária ou por métodos empíricos. A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E O SISTEMA DE ORGANIZAÇÃO ECONÔMICA O ritmo da modificação econômica no século XIX, no que diz respeito à estru- tura da indústria e das relações sociais, ao volume de produção e à extensão e variedade do comércio, mostrou-se inteiramente anormal, a julgar pelos padrões dos séculos anteriores: tão anormal a ponto de transformar radical- mente as ideias do homem sobre a sociedade, por meio de uma concepção mais ou menos estática de um mundo onde, de uma geração para outra, os homens estavam fadados a permanecer na posição que lhes fora conferida ao nascer; onde o rompimento com a tradição era contrário à natureza, para uma con- cepção do progresso como lei da vida e do aperfeiçoamento constante como estado normal de qualquer sociedade sadia. A interpretação do mundo eco- nômico do século XIX tem de ser essencialmente uma interpretação de sua transformação e movimento. A cena econômica no século XIX nos proporciona uma combinação de cir- cunstâncias excepcionalmente favoráveis para o florescimento de uma sociedade capitalista. Uma era de transformação técnica, que aumentava com rapidez a pro- dutividade do trabalho, testemunhou também um aumento natural anormalmente O CAPITALISMO E A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL (1760-1870) Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E90 rápido nas fileiras do proletariado, junto com uma série de acontecimentos que ampliaram simultaneamente o campo do investimento e o mercado dos bens de consumo, em grau sem precedente. Nos séculos anteriores, o crescimento da indústria capitalista foi dificultado pelo estreitamento do mercado e sua expan- são foi ameaçada pela baixa produtividade impostas pelos métodos de produção do período, sendo esses obstáculos reforçados de quando em vez pela escassez de trabalho. Na Revolução Industrial, essas barreiras foram simultaneamente banidas e, em vez disso, a acumulação e o investimento do capital se viram, a cada ponto do quadrante econômico, diante de horizontes cada vez mais amplos para incitá-los. Somente por um singular desconhecimento da história buscar-se-ia na revolução industrial as origens do capitalismo. Estas recuam à medida em que mais se as estuda: elas são talvez mais antigas do que o comér- cio e o numerário, ou do que a distinção entre ricos e pobres. O que pertence propriamente ao regime da grande indústria, é a aplicação do capital na produção de mercadorias e a própria formação do capital no decorrer dessa produção: é a existência de uma classe capitalista que é, essencialmente, uma classe industrial (MANTOUX, 1957, p. 369). Diante dessa configuração industrializante, o capitalismo alterou as relações internacionais, caracterizou-se um escoamento de capital. A troca de merca- dorias produzidas em condições de mais alta produtividade do trabalho por mercadorias produzidas em condições de mais baixa produtividade do traba- lho era uma troca desigual, isto é, era uma troca de menos trabalho por mais trabalho. A existência de grandes reservas de trabalho barato e terra em alguns países, que ainda não haviam se industrializado, resultou em uma acumulação de capital com uma composição orgânica de capital mais baixa do que nos pri- meiros países que se industrializaram. A composição orgânica do capital é a relação de valor entre capital constan- te e capital variável. A Revolução Industrial e sua Amplitude Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 91 Muito além da técnica per se, a Revolução Industrial em discussão apresenta como traço notável pertencer a um capitalismo amadurecido, visto que o progresso técnico é um elemento do mundo econômico. Com a chegada da força a vapor, foram abolidos os limites anteriores à complexidade e tama- nho da maquinaria e magnitude das operações que esta podia executar. Em certa medida, essa revolução da técnica adquiriu até um ímpeto cumulativo próprio, em que cada avanço da máquina tendia a trazer, consequentemente, uma especialização maior das unidades da equipe humana que a operava. E a divisão do trabalho, simplificando os movimentos individuais, facilitava ainda outras invenções, pelas quais esses movimentos simplificados eram imitados por uma máquina. A Revolução Industrial se mostrou tão decisiva para todo o futuro da economia capitalista, tão radical como transformação da estrutura e organi- zação da indústria, que levou alguns autores a considerá-la como as dores do parto do capitalismo moderno e, portanto, o momento decisivo no desenvol- vimento econômico e social desde a Idade Média. Não obstante, conforme Dobb (1980), o conhecimento e juízo mais maduros de hoje indicam clara- mente que aquilo que a Revolução Industrial representou foi a transição de um estágio inicial e ainda imaturo do capitalismo, em que o modo de pro- dução pré-capitalista fora penetrado pela influência do capital subordinado a este sistema, despido de sua independência como forma econômica, mas ainda não inteiramente transformado para um estágio no qual o capitalismo, com base na transformação técnica, atingira seu próprio processo específico de produção, apoiado na unidade de produção em grande escala e coletiva da fábrica, efetuando, assim, um divórcio final do produtor quanto à participa- ção que ainda dispunha nos meios de produção e estabelecendo uma relação simples e direta entre capitalistas e assalariados (DOBB, 1980). Desse modo, caro(a) aluno(a), ao analisar esse processo transformador da história econômica, estamos habilitados a caminhar no entendimento da dinâ- mica capitalista que se movimentará para o que conhecemos como Segunda Revolução Industrial, motivo de aprendizado da nossa próxima unidade. O CAPITALISMO E A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL (1760-1870) Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E92 CONSIDERAÇÕES FINAIS Caro(a) aluno(a), nesta unidade, refletimos acerca da essência do capitalismo pautada nas relações produtivas. É possível apreender o tratamento do material histórico do capital que se reproduz e se acumula a partir das crises, violências, desequilíbrios, bem como o apoderamento e usuras. Essas tendências marcaram o fim do regime feudal e a expansão dos europeus através do mundo. Encontramos em Vilar (1975) as duas principais modalidades da dinâmica para o processo de acumulação primitiva, a saber: a expropriação agrária e proletarização das mas- sas rurais e o saque e exploração colonial. O desenvolvimento do capitalismo se classifica em uma série de estágios caracterizados por níveis diversos de maturidade e cada qual reconhecível por traços bastante distintos. No entanto, buscamos apresentar que a segunda car- reira desse sistema ocorre com a Revolução Industrial. Essa dinâmica da evoluçãodo sistema está representada por uma transição de um estágio inicial e ainda imaturo do capitalismo para outro, baseado na transformação técnica. Processo esse apoiado na unidade de produção em grande escala e coletiva da fábrica, efe- tuando, assim, o que Dobb (1980, p. 28) chama de “divórcio final do produtor quanto à participação que dispunha nos meios de produção”, de forma a estabe- lecer uma relação simples e direta entre capitalistas e assalariado. Essa transformação foi determinante na História Econômica Geral e, por assim dizer, para todo o futuro da economia capitalista. Pois, diante de uma nova configuração, com a máquina como protagonista, o capitalismo alterou as relações internacionais. Modificou-se o ritmo econômico por conta do volume de produção, a partir de então possível, e a variedade do comércio era anormal quando comparada aos padrões anteriores. Destarte, a metamorfose do mundo econômico do século XIX tem de ser essencialmente uma interpretação de sua transformação e movimento. 93 1. Os historiadores frequentemente usaram e abusaram da palavra “Revolução” para significar uma mudança radical, mas nenhuma revolução foi tão drama- ticamente revolucionária quanto a Revolução Industrial – exceto, talvez, a Re- volução Neolítica. Ambas mudaram o curso da história, ou melhor: cada uma provocou uma descontinuidade no processo histórico. “A Revolução Neolítica transformou a Humanidade de uma coleção dispersa de bandos selvagens de caçadores [...] em uma coleção de sociedades agrícolas mais ou menos inter- dependentes. A Revolução Industrial transformou o Homem de um agricultor em um manipulador de máquinas movidas por energia inanimada” (CIPOLLA, 1973 apud SAES; SAES, 2013). A respeito da Revolução Industrial, avalie as afirmações a seguir. I. Embora a Revolução Industrial, em perspectiva ampla, não se limite às transformações das técnicas de produção, estas mudanças são centrais para a compreensão desse processo. II. A Revolução Industrial foi um acontecimento que teve a Inglaterra como local inicial da sua dinâmica de desenvolvimento. III. A indústria têxtil/algodoeiro tem um importante papel no processo da re- volução industrial. IV. As condições de vida nas cidades industriais eram também bastantes tran- quilas, com alta qualidade de vida, principalmente pelo conforto das mora- dias em geral. É correto apenas o que se afirma em: a) I e IV. b) II e III. c) III e IV. d) I, II e III. e) I, II e IV. 94 2. O artesanato urbano representava uma forma de produção mercantil simples, de um tipo sem classes, camponês, em que os instrumentos utilizados eram de propriedade dos artesãos. Com a Revolução Industrial, a máquina assume papel central. Na perspectiva da transformação da esfera de produção, avalie as afirma- ções a seguir como V para verdadeiras e F para falsas. I. Cada produto do artesão é uma obra única, pois depende de característi- cas subjetivas que não se repetem em outro momento, nem pelas mãos do próprio artesão. II. O produto artesanal é o resultado da combinação da habilidade e da ener- gia do artesão com as ferramentas específicas de seu ofício. III. O propósito da máquina consiste em um mecanismo que procura reprodu- zir os movimentos do artesão de forma automática e padronizada. IV. A máquina característica da Revolução Industrial é movida por energia hu- mana ou energia animal. a) V, F, V e F. b) F, V, F e V. c) V, V, V e F. d) F, F, F e V. e) F, F, V e F. 3. O termo “capitalismo” possui ampla circulação na fala popular e na obra histó- rica dos últimos tempos. Sobre esse modo de produção, assinale a alterna- tiva correta. a) O requisito histórico, sob a concepção marxista, de sistema capitalista é a concentração da propriedade dos meios de produção nas mãos de uma classe. b) Um sistema que está pautado na produção artesanal independente, em que o artesão possui o controle da atividade produtiva. c) Para que se caracterize um sistema capitalista é fundamental apenas a pre- sença de uma classe especializada de comerciantes ou financistas, ou seja, homens de posse. d) A fase inicial do sistema capitalista se dá na Dinamarca, por volta dos anos 1550. e) O primeiro momento do capitalismo é a Revolução Industrial. 95 4. Identificamos, no decorrer da unidade, mudanças perceptíveis nos métodos e características da organização econômica, as quais, tomadas como um todo constitui um desenvolvimento do tipo daquele que descreveríamos como uma revolução industrial. Apresente essas mudanças. 5. Máquinas, multidões, cidades: o persistente trinômio do progresso, do fascínio e do medo. O estranhamento do ser humano em meio ao mundo em que vive, a sensação de ter sua vida organizada em obediência a um imperativo exterior e transcendente a ele mesmo, embora por ele produzido (BRESCIANI, 1984 p. 24). Discorra sobre as perdas diversas que o homem sofreu diante do contexto do século XIX. 96 REVOLUÇÃO INGLESA Qual o significado da Revolução Inglesa? Tratou-se efetivamente de uma Revolução? Es- sas questões nortearam o estudo do historiador inglês L. Stone, um dos integrantes do grupo de historiadores ingleses de orientação marxista que se propôs a discutir, ques- tionar e repensar o marxismo a partir da década de 50. O estudo em questão, publicado na coletânea Revoluciones y rebeliones de La Europa Moderna, analisa as causas remotas, próximas e os elementos que contribuíram para desencadear o processo revolucionário inglês do século XVII. No trecho selecionado, conclusão do estudo, o autor comenta as especificidades e o significado da Revolução Inglesa. O que caracteriza a Revolução Inglesa é o conteúdo intelectual dos diversos programas e atuações da oposição depois de 1640. Pela primeira vez na história, um rei ungido foi julgado por faltar à palavra dada a seus súditos e decapitado em público, sendo seu cargo abolido. Aboliu-se a Igreja estabelecida, suas propriedades foram confiscadas e se proclamou - e inclusive se exigiu - uma tolerância religiosa bastante ampla para todas as formas do protestantismo. Por um breve espaço de tempo, e provavelmente pela primeira vez, apareceu no cenário da história um grupo de homens que falavam de li- berdade, não de liberdades: de igualdade, não de privilégios; de fraternidade, não de submissão. Estas idéias haveriam de viver e reviver em outras sociedades e em outras épocas. Em 1647, o puritano John Davenport predisse com misteriosa exatidão que ‘a luz que acabava de ser descoberta na Inglaterra... jamais se extinguirá por completo, apesar de eu suspeitar que durante algum tempo prevalecerão idéias contrárias’. Ainda que a revolução fracassasse aparentemente, sobreviveram ideias de tolerância religiosa, limitações do poder executivo central a respeito da liberdade pessoal das clas- ses proprietárias e uma política baseada no consentimento de um setor muito amplo da sociedade. Essas idéias reaparecerão nos escritos de John Locke e se consolidarão no sistema político dos reinados de Guilherme III e Ana, com organizações partidárias bem desenvolvidas, com a transferência de amplos poderes ao Parlamento, com um Bill of Rights e um Toleration Act, e com a existência de um eleitorado assombrosamente nu- meroso, ativo e articulado. É precisamente por estas razões que a crise inglesa do século XVII pode aspirar a ser a primeira “Grande Revolução” na história mundial, e portanto, um acontecimento de importância fundamental na evolução da civilização ocidental”. Fonte: Stone (1981, p.120-121). Material Complementar MATERIAL COMPLEMENTAR A revolução industrial Phyllis Deane Editora: Zahar Sinopse: Sinopse: um ponto importante que se coloca, quando tratamos da Revolução Industrial, é desvendar as suas origens. O livro acima, publicado pela carioca Zahar em 1969,aborda essa e outras questões. Comentário: para entender o processo de transformação social é importante se aprofundar nos estudos sobre o que vem a ser conhecido como revolução industrial. A autora nos proporciona uma análise detalhada sobre esse movimento dinâmico de metamorfose da história econômica. Tempos Modernos Ano: 1936 Sinopse: essa obra-prima cômica encontra o icónico vagabundo, empregado em uma fábrica, onde as máquinas inevitável e completamente o dominam e vários percalços o levam para a prisão. Entre suas passagens pela prisão, ele conhece e faz amizade com uma garota órfã. Ambos, juntos e separados, tentam lidar com as difi culdades da vida moderna, o vagabundo trabalhando como garçom e, eventualmente, um artista. REFERÊNCIAS BRESCIANI, M. S. M. Metrópoles: A face do Monstro Urbano (as cidades no século XIX). In: Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 5, n. 8 e 9, p. 35-68, 1985. BRUE, S. História do Pensamento Econômico. São Paulo: Cengage Learning, 2016. BURKE, P. Os Ingleses. São Paulo: Contexto, 2016. (Coleção Povos e Civilizações.) DEANE, P. A Revolução Industrial. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. DOBB, M. A evolução do capitalismo. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1980. ARENDT, H. Da Revolução. 2. ed. São Paulo: Ática, 1990. HARARI, Y. N. Sapiens: Uma breve história da humanidade. 7. ed. Porto Alegre: L&PM, 2015. HUNT, E. História do Pensamento Econômico. Rio de Janeiro: Campus,1989. IORI, C. F. A. G. O sentido oculto do valor do trabalho e sua implicação no setor bancário: um estudo de caso para a cidade de Maringá-Pr e sua região metropolita- na em 2000 a 2010. 2014. Dissertação, 140 f. (Mestrado em Desenvolvimento Regio- nal e Agronegócio) – Universidade Estadual do Oeste do Paraná Toledo, Paraná. Dis- ponível em: <http://tede.unioeste.br/handle/tede/2187>. Acesso em: 7 mar. 2018. MANDEL, E. O capitalismo tardio. São Paulo: Abril cultural, 1982. MANTOUX, P. A Revolução Industrial no Século XVIII: estudo sobre os primórdios da grande indústria moderna na Inglaterra. São Paulo: Hucitec, 1957. MARX, K. O Capital: Crítica da economia política. 2. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985. (Livro 1, volume 2.) MARX, K. O Capital: Crítica da economia política. Rio de Janeiro: Civilização, 1974. (Livro 3, volume 6.) MARQUES, A. 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Alternativa a. 4. 1) aplicação sistemática e generalizada do moderno conhecimento científico e empírico ao processo de produção para o mercado; 2) especialização da atividade econômica dirigida no sentido da produção para os mercados nacional e internacional ao invés de sê-lo para consumo familiar ou paroquial; 3) migração da população das comunidades rurais para as urbanas; 4) expansão e despersonalização da unidade típica de produção de modo que passa a ser baseada menos na família ou tribo do que na empresa pública ou privada; 5) movimento da força de trabalho das atividades relacionadas com a produção de bens primários para a produção de bens manufaturados e serviços; 6) uso extensivo e intensivo de recursos financeiros como um substituto do es- forço humano e como complemento deste; 7) emergência de novas classes sociais e ocupacionais determinada pela pro- priedade dos meios de produção, que não a terra, ou pela relação dessas classes com os referidos meios de produção, principalmente o capital. Esse contexto de metamorfoses inter-relacionadas, ao ocorrer simultaneamente, constituem uma Revolução Industrial, em que pese a associação de crescimento demográfico e aumento no volume anual de bens e serviços produzidos. 5. A autora apresenta que o contexto do século XIX, nos moldes da Revolução In- dustrial, vai resultar em sentimento de perdas diversas para o homem. O merca- do passa a ser o senhor. O homem vai se deparar com situações paradoxais. A começar pelo tempo que passa a ser o tempo da máquina. Perda que implica a imposição de uma nova concepção do tempo: abstrato, linear, uniformemente dividido a partir de uma convenção entre os homens, medida de valor relacio- nada à atividade do comerciante e às longas distâncias. Tempo a ser produtiva- mente aplicado, que se define como tempo do patrão, tempo do trabalho, cuja representação aparece como imposição de uma instância captada pelo intelec- to, porém presa a uma lógica própria, exterior ao homem que o subjuga. Outra perda é no que tange à atividade de trabalho, pois o homem passa a ser uma das engrenagens do sistema. Ainda esse trabalhador vai levar uma vida agressi- va nas cidades, que se dá de forma brusca. O lugar é o lugar do trabalho, não o lugar de morar. GABARITO U N ID A D E III Professora Me. Carla Fabiana de Andrade Gonçalves Iori A GRANDE DEPRESSÃO DO SÉCULO XIX, A SEGUNDA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E O CONTEXTO DAS TRANSFORMAÇÕES CAPITALISTAS (1870-1913) Objetivos de Aprendizagem ■ Conhecer a Grande Depressão do Século XIX. ■ Refletir a importância da Segunda Revolução Industrial. ■ Analisar o contexto histórico do capitalismo do século XIX. ■ Aprender sobre o capital monopolista. ■ Identificar a noção de imperialismo. Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: ■ A Grande Depressão do Século XIX ■ A Segunda Revolução Industrial ■ Uma breve contextualização histórica do capitalismo e seu alargamento geográfico ■ O capital monopolista ■ Imperialismo INTRODUÇÃO A história econômica é marcada por crises. É interessante notar que há uma clara distinção entre aquelas surgidas antes do crescimento capitalista e as que apon- taram depois do referido sistema. Em um primeiro momento do nosso estudo, vamos aprender sobre a Grande Depressão do século XIX. Você, caro(a) aluno (a), poderá perceber que, antes do século XVIII, o tipo mais comum de crise era provocado pelo fracasso das colheitas, pelas guerras ou por algum aconte- cimento anormal, como a escassez de alimentos e outros artigos necessários, cujos preços se elevavam. A crise que vamos conhecer, que começou a existir com o advento do sis- tema capitalista, a Grande Depressão de 1873, não é devida a fatos anormais – parece parte e parcela de nosso sistema econômico. É caracterizada não pela escassez, mas pela superabundância. Nela, os preços, em vez de subirem, caíram. O segundo momento do nosso trabalho aponta um caráter intrinsecamente associado ao primeiro. As inovações tecnológicas implementadas à época intro- duziram novos materiais (ou novas formas de preparar velhos materiais), novas fontes de energia e mesmo novos produtos. Trata-se da Segunda Revolução Industrial. A vida da população foi substancialmente modificada diante da intro- dução de itens que passaram a fazer parte da vida cotidiana, destacamos aqui o papel da indústria química. A dinâmica transformadora em termos de velocidade e ordenamento da produção foi também responsável por permitir o desenvolvimento da indústria pesada e de bens de consumo duráveis. Essas mudanças vieram acompanhadasde uma tentativa sistemática de se racionalizar a produção, adotando métodos científicos na organização do trabalho. As novas técnicas somadas às fontes de energia, assim como os novos mate- riais e novos bens de consumo, foram se consolidando à dinâmica capitalista paralelamente à concentração do capital. Daí o capitalismo monopolista e o imperialismo, temas que finalizarão esta unidade e que possibilitarão a noção do que Lênin chamou de estágio superior do capitalismo. Introdução Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 103 A GRANDE DEPRESSÃO DO SÉCULO XIX, A SEGUNDA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A D E104 A GRANDE DEPRESSÃO DO SÉCULO XIX Para avançarmos no nosso conhecimento sobre o aspecto econômico da his- tória geral, optamos aqui pela abordagem cronológica. Temos, portanto, o ano de 1873 como marco de uma crise econômica conhecida pelos analistas como “Grande Depressão”. Essa dinâmica instável se estenderá em dimensão tempo- ral até 1895, quando é inaugurada a idade do imperialismo. A história é pontuada pela sequência de episódios que vão se “costurando” ao longo do tempo. Nesse sentido, a “Grande Depressão” perfaz a soma de várias crises representadas pelo ”Krash” (palavra alemã que representa derrocada) da Bolsa de Viena (1873) e Lyon (1882); o pânico das estradas de ferro nos Estados Unidos (1884); a falência da companhia encarregada da construção do canal do Panamá, na França (1889); a crise do banco Baring e a depressão do setor têxtil na Inglaterra (1890); a super construção de estradas de ferro e amplo financia- mento de ferrovias levaram a uma nova crise (1893) com uma série de falências de bancos. O ponto de partida, já referenciado acima, é o ano de 1873, considerado o marco inicial da Grande Depressão do Século XIX. Saes e Saes (2013) atribuíram a utilização desse termo “Grande Depressão” aos contemporâneos, para expres- sar, de modo particular, a situação da economia britânica. Essencialmente, sua manifestação foi o declínio do nível de preços: a deflação. Ocorreu tanto em rela- ção aos bens industriais quanto às matérias-primas e aos produtos alimentícios. Os índices de preços de atacado na Grã-Bretanha indicam claramente esse movi- mento descendente durante cerca de duas décadas. O quadro abaixo apresenta os índices de preços por atacado. A Grande Depressão do Século XIX Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 105 Quadro 1 - Grã-Bretanha: índices de preços por atacado (1871-1875 = 100) CARVÃO E METAIS FIBRAS TÊXTEIS PRODUTOS ANIMAIS GRÃOS AÇÚCAR, CHÁ, FUMO, CAFÉ E CACAU ÍNDICE TOTAL 1871-1875 100 100 100 100 100 100 1876-1880 66,7 85,4 95,4 102,6 90,2 92 1881-1885 60,7 76,9 83,7 98,6 75,1 83,5 1886-1890 61,5 66,5 67,7 84,8 56,8 70,6 1891-1895 63,6 60,3 66,0 84,6 53,7 68,3 Fonte: Saul (1968, p. 14 apud SAES; SAES, 2013, p. 213). Embora haja alguma divergência entre os movimentos dos preços por atacado dos grupos de produtos considerados, o sentido geral é de acentuada queda, indi- cando, em média, uma redução de cerca de 30% nos preços entre 1873 (pico dos preços por atacado desde 1940) e 1896 (ano em que o índice inicia novo período de elevação). A adesão de vários países ao padrão-ouro, como veremos adiante, promoveu razoável solidariedade do movimento dos preços no plano internacio- nal, fazendo com que a Grande Depressão, expressa pelo declínio generalizado dos preços, se manifestasse de modo bastante amplo. Redução do ritmo do crescimento do produto, declínio da taxa de juros, aumento dos salários reais e redução dos lucros são algumas das variáveis que acompanharam o declínio dos preços. Toda fase de industrialização é feita de movimentos cíclicos: prosperidades e quebras por crise. Tratava-se de um período de crise que, por sua vez, apresentou sua maior expressividade na Grã-Bretanha. A taxa de crescimento da produção industrial britânica declinou da média anual de 3,2% entre 1847 e 1873 e para 1,7%, entre 1873 e 1900. Nesses mesmos períodos, o salário real teve aumento anual médio de 0,6% e de 1,2% (índice referente aos trabalhadores de Londres) ou de 1,1% para 1,3% (englobando maior número de trabalhadores britânicos) (ROSTOW, 1948, p. 8 apud SAES; SAES, 2013, p. 214). A conciliação do declí- nio dos preços, o aumento do salário real e, paralelamente, a redução do ritmo de crescimento da produção industrial impactou nos lucros, de modo a ter uma participação menor na renda industrial e na renda nacional. A GRANDE DEPRESSÃO DO SÉCULO XIX, A SEGUNDA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A D E106 Quadro 2 - Lucros e renda industrial/nacional LUCROS/RENDA INDUSTRIAL LUCROS/RENDA NACIONAL 1870-1874 47,7% 29,4% 1875-1879 44,3% 26,1% 1880-1884 42,6% 25,7% 1885-1889 42,2% 25,2% 1890-1894 37,8% 22,7% Fonte: Saul (1969, p. 42 apud SAES; SAES, 2013, p. 213). Os contornos gerais da Grande Depressão podem ser delineados a partir da apresentação da situação da Grã-Bretanha. É relevante destacar que a produ- ção apresentou um crescimento reduzido diante de seu comportamento prévio. Em busca dos motivos dessa instabilidade em fins do século XIX, verificou-se uma crise com prolongado declínio dos preços. Diferente do que se conhecia até então, em que os desequilíbrios eram caracterizados por serem explosivos e menos duradouros, causados, principalmente, por más colheitas e ausência de produtos no mercado, gerando fome e miséria e canalizando o descontenta- mento das massas. Não há consenso sobre o motivo principal, o que podemos concluir, desse ponto da linha do tempo, é que a Grande Depressão do século XIX representa um momento peculiar na história do capitalismo, visto que revela alguns aspec- tos importantes da dinâmica da economia capitalista que estão interligados: 1) a crescente concentração das atividades produtivas em grandes unidades de pro- dução que favoreceu a adoção de práticas monopolistas; 2) a tendência anterior (1) foi reforçada pelas inovações tecnológicas implementadas à época, no que se convencionou chamar de Segunda Revolução Industrial. Na sequência, vamos abordar este último aspecto como explicativa para o primeiro que merecerá uma abordagem mais detalhada. A Segunda Revolução Industrial Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 107 A SEGUNDA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL A força motriz carrega consigo o caráter verdadeiramente revolucionário do pro- cesso apreendido acerca da revolução industrial. A partir desse movimento, o homem se tornou independente das forças da natureza para realizar suas tare- fas produtivas. A partir da segunda metade do século XIX, inaugurou-se uma dinâmica representada por um novo conjunto de inovações técnicas estendida a vários países. Isso ampliou muito a área central da economia-mundo e esta- beleceu uma competição acirrada, sobretudo entre a França, Holanda, Bélgica, Itália e Alemanha. Esse conjunto de inovações é denominado, segundo Rezende Filho (2010), como Segunda Revolução Industrial. O que foi, propriamente, a Segunda Revolução Industrial? Por se tratar da “segunda”, decidimos identificar (e reiterar) o que foi a primeira. Como tratamos anteriormente, uma nova forma deenergia, o vapor, representou, na primeira revolução industrial, o rompimento das limitações físicas impostas pela energia humana e as restrições de localização impostas pela energia hidráulica, dada a necessidade de a fábrica estar próxima ao curso d’água. A produção da indús- tria têxtil foi radicalmente modificada pelo vapor, acoplado às máquinas. Na sequência, foi a energia utilizada para impulsionar as locomotivas das estra- das de ferro. O carvão, como combustível para a produção de vapor, e o ferro, material crescentemente utilizado na fabricação de máquinas e equipamentos ferroviários, caracterizaram de forma extremamente simplificada, juntamente com a conjuntura apresentada, o quadro da Primeira Revolução Industrial. A Segunda Revolução Industrial apresentou novos bens de consumo que passa- ram a fazer parte do dia a dia da sociedade. A GRANDE DEPRESSÃO DO SÉCULO XIX, A SEGUNDA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A D E108 O movimento da Segunda Revolução Industrial trouxe profundas altera- ções ao sistema econômico capitalista. Rezende Filho (2010, p. 145) analisa essa metamorfose como uma mudança estrutural e organizacional que leva a ordem do capital da “infância” para a “adolescência”. Dos produtos dominantes durante a Revolução Industrial Inglesa, apenas a estrada de ferro continuou recebendo um notável impulso, ampliando-se continuamente. O ferro deixou de ser um produto indus- trializado, para se transformar em matéria-prima para o aço. O vapor de água foi substituído pela eletricidade e pelo petróleo, como fonte de energia. A indústria química permitiu a crescente independência in- dustrial das matérias-primas naturais. A fábrica conheceu seu apogeu com a introdução da linha de produção. O capital concentrou-se em es- cala jamais imaginada. A ciência tornou-se matéria auxiliar da técnica. E a administração dos negócios adquiriu caráter científico (REZENDE FILHO, 2010, p. 145). Na Unidade II, vimos que a introdução da máquina a vapor, por James Watt, propôs um novo mecanismo de propulsão que tinha auto- nomia com relação à força humana ou à força dos animais. Até aqui não há novidade! No entanto, muito além da técnica per se (Revolução Industrial, mencionada na Unidade II), estamos diante de um traço notável de um capitalismo amadurecido. Isso porque o progresso técnico é um elemento do mundo econômico e, com a chegada da força a vapor, foram abolidos os limites anteriores à complexidade e tamanho da maquinaria e magnitude das operações que esta podia executar. Ainda assim, se você, caro(a) aluno(a), leu a unidade anterior, deve estar se perguntando: cadê a novidade?! Diferentes processos técnicos viabilizaram a produção comercial de aço, material conhecido anteriormente, mas que, até então, apresentava custo ele- vado e qualidade insatisfatória. O quadro 3, em destaque a seguir, mostra alguns nomes importantes no setor produtivo da chamada Segunda Revolução Industrial. A Segunda Revolução Industrial Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 109 Quadro 3 - Alguns avanços da Segunda Revolução Industrial e seus responsáveis ALGUNS AVANÇOS DA SEGUNDA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E SEUS RESPONSÁVEIS (NO CIRCUITO DA PRODUÇÃO) 1856 - Henry Bessemer Por sua resistência e por seu baixo custo de produção, o aço logo suplantou o ferro, transformando-se no me- tal básico de confecção de instrumentos e utilitários. 1864 - Siemens-Martin O processo de Siemens-Martin, também designado processo de soleira aberta, consiste em um processo para a obtenção de aço, idealizado pelo metalurgista francês Pierre Martin e desenvolvido pelo engenheiro e físico Wilhelm Siemens (1823-1883). Resultou da adaptação de um tipo de forno regenerativo a gás, inventado pelo irmão de Wilhelm, o também enge- nheiro Friedrich Siemens (1826-1904), e utilizado na fabricação do vidro. 1873 - Gottieb Daimler Daimler se aliou a Wilhehm Maybach, na Alemanha, e depois de muitas pesquisas e estudos sobre o ciclo de motores de quatro tempos obteve, em 1876, a primei- ra patente européia para esse tipo de motor. Já no ano seguinte, esse modelo revolucionário de motor estava pronto e em funcionamento. 1878 - Thomas Gilchrist Em 1878, Sidney Gilchrist Thomas e Percy Gilchrist inventaram o “Blaenavon Bessemer Basics” ou proces- so de Thomas, que foi de importância mundial no pro- cesso de licenciamento de minérios de ferro fosfórico para ser usado na produção de aço em massa. A escala de produção expandida, os produtos de ferro de Blaenavon e as qualificações da sua força de trabalho continuam a ser exportados em todo o mundo. Gran- de “Pit” foi afundado para servir os novos trabalhos, e o novo assentamento de “Forgeside” foi construído. A população da freguesia de Blaenavon, que tinha sido minúscula antes da siderurgia ser construída, tinha crescido para 11.452, em 1891. 1880 - Gottieb Daimler e Karl Benz Ambos nascidos na Alemanha, Daimler e Benz desen- volveram o automóvel em paralelo, sem nenhuma influência de um invento sobre o outro. Fonte: adaptado de Peinado e Graeml (2007). A GRANDE DEPRESSÃO DO SÉCULO XIX, A SEGUNDA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A D E110 O aço substituiu o ferro em várias utilizações, como na construção civil, em tri- lhos, em máquinas etc. A proporção dessa mudança implicou, conforme Rezende Filho (2010), em um aumento da produção de aço, entre 1880 e 1913, em quinze vezes na Alemanha e mais de dezessete vezes nos Estados Unidos, e, nesse caso, a Grã-Bretanha perdeu a liderança. A Segunda Revolução Industrial modificou o dia a dia das pessoas à medida que bens de consumo, como telefone, gramofone, lâmpada elétrica, bicicleta, pneus, máquina de escrever, radiotelegrafia, entre outros, foram se tornando importantes. Com o dinamismo econômico oriundo dessas invenções, o tempo foi revelando que esses bens passaram a ser imprescindíveis na satisfação material da sociedade. No que tange ao campo da energia, a substituição do vapor pela eletrici- dade e pelo petróleo representou avanço sem precedentes. Cabe, aqui, a ênfase na transformação que a indústria química ocasionou na época. A partir de sua instalação, as matérias-primas puderam ser produzidas artificial e sinteticamente, tornando o homem independente da natureza. Países que não possuem jazidas de determinados produtos, ou cuja condi- ção geoclimática não permite o cultivo de plantas tintoriais, podem agora, graças à indústria química, criar esses produtos artificialmente. Anilinas, ácidos, tecidos e corantes sintéticos, alcalóides, explosivos, essências, me- dicamentos e plásticos são produzidos em grandes volumes, por essa nova indústria que ‘imita a natureza’ (REZENDE FILHO, 2010, p. 147). Em certa medida, a revolução da técnica adquiriu até um ímpeto cumulativo próprio, em que cada avanço da máquina tendia a trazer, em consequência, uma especializa- ção maior das unidades da equipe humana que a operava. E a divisão do trabalho, simplificando os movimentos individuais, facilitava ainda outras invenções, pelas quais esses movimentos simplificados eram imitados por uma máquina (IORI, 2014). A modificação da vida das pessoas, a partir da Segunda Revolução Industrial, com a introdução de novos bens de consumo é, em parte, explicativa em relação às mudanças profundas na organização do sistema econômico, principalmente na dimensão temporal dos anos 1870-1913. Outro elemento fundamental a ser reconhecido é a concentração de capital. Rezende Filho (2010)atribui ao aparecimento da indústria química e a adoção da linha de montagem como pro- vocadores de uma das principais características da Segunda Revolução Industrial: a mudança na composição do capital. A Segunda Revolução Industrial Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 111 Para que as grandes empresas se consolidassem eram necessários (e são até hoje) grandes aportes de capital. Nesse contexto, as novas indústrias encontra- ram no setor bancário seu ponto de apoio. Os custos envolvidos na implantação das indústrias químicas e das empresas com linha de montagem envolviam um longo tempo necessário para retorno do investimento. De tal forma, prolifera- ram as sociedades anônimas com a associação de capitais. Destarte, as duas últimas décadas do século XIX encontram nos bancos o exercício do controle majoritário sobre vastos complexos industriais, sem terem vínculos diretos com as atividades produtivas. A esse novo tipo de empresa capi- talista, denominado holding, soma-se também outra alteração na composição do capital, que tende a se tornar cada vez mais monopolista. A essa tendência cumulativa, juntaram-se duas outras: a primeira no sentido de uma produtividade crescente da força de trabalho e, portanto (dada a esta- bilidade ou, pelo menos, a nenhum aumento comparável de salários reais), um fundo cada vez maior de mais-valia, do qual se derivava uma nova acumulação de capital; a segunda no sentido de uma concentração cada vez maior da pro- dução e da propriedade do capital. Esta última tendência, filha da complexidade crescente do equipamento técnico, é que preparou terreno para outra transfor- mação crucial na estrutura da indústria capitalista e gerou o “capitalismo de corporação” monopolista em grande escala da era atual (DOBB, 1980, p. 270). A Segunda revolução industrial foi acompanhada por uma tentativa de racio- nalizar a produção para aumentar a produtividade. Dessa forma, as empresas passaram a adotar métodos científicos na organização do trabalho dentro da fábrica, como o taylorismo-fordismo. De maneira muito sucinta, essa metodo- logia visava, acima de tudo, ao maior controle sobre o operariado, pois interferia diretamente no tempo de trabalho e na forma de organização. Um ritmo intenso de trabalho que resulta na competitividade entre os trabalhadores. As mudanças introduzidas por Taylor e Ford, simbolizadas, respectiva- mente, no cronômetro e na esteira rolante, não foram meras inovações tecnológicas, mas verdadeiras revoluções de ordem administrativa e gerencial, pois colocou “a ciência da administração a serviço não do aumento da produção e da produtividade, mas sim do poder dos capi- talistas [...]” (SECCO, 1998, p. 55 apud CURSO NACIONAL, [2018], on-line). A GRANDE DEPRESSÃO DO SÉCULO XIX, A SEGUNDA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A D E112 As novas técnicas e fontes de energia, bem como os novos materiais e novos bens de consumo caracterizados pela Segunda revolução industrial, paralelamente à concentração do capital, foram a base para o surgimento e consolidação de gran- des empresas. Precisamente dentro do período 1870-1913 ocorreram mudanças fundamentais no capitalismo que entendemos ser importante contextualizá-las, o que se dará na sequência. UMA BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DO CAPITALISMO E SEU ALARGAMENTO GEOGRÁFICO O capitalismo, ao longo de sua existência, apresentou como constitutivos ele- mentares a mobilidade e a transformação. Em outras palavras, o sistema se movimentou (movimenta-se) e se transformou (transforma-se), graças ao rápido e intenso desenvolvimento de forças produtivas que é a sua marca. No curso do capitalismo, o estágio inicial é representado pelo grupo social dos comerciantes/mercadores. Nesse movimento, os grupos mercantis acumu- laram grandes capitais comerciais (Unidade I). Na segunda metade do século XVIII, o capitalismo ingressa em um novo estágio evolutivo. Esse caminho está estreitamente relacionado com mudanças políticas e técnicas, organizando a produção por meio da grande indústria que, conforme Netto e Braz (2012), foi um processo que culminou na subsunção real do trabalho. Se tomarmos como base, a partir de 1780 temos a configuração do estágio do capitalismo conhecido por capitalismo concorrencial (também chamado de “liberal” ou “clássico”), que perdurou até o último terço do século XIX. Essa distância temporal, de cerca de cem anos, consolidou o capitalismo nos principais países da Europa Ocidental. O capitalismo concorrencial, sustentado pela grande indústria, criou o mer- cado mundial: os países mais avançados (lembre-se que a liderança estava com a Inglaterra nesse período) buscaram matérias-primas nos rincões mais afastados do globo e inundaram todas as latitudes com as suas mercadorias, produzidas em Uma Breve Contextualização Histórica do Capitalismo e seu Alargamento Geográfico Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 113 larga escala. Lobo (1973) considera que, nos fins do século XIX, poucas eram as nações ocidentais que não adotaram o regime representativo e que, talvez, não existia nenhuma em que a legislação não favorecesse amplamente a livre con- corrência, base e condição do capitalismo liberal. A produção e a distribuição de riquezas, por todo o planeta, passaram a depen- der estreitamente do que se sabe e se providencia nas concentrações comerciais mais ricas e nas regiões mais aparelhadas. Com isso, firmou-se um dos aspectos que caracterizam a era capitalista, a saber: o mercado mundial, isto é, a interde- pendência e o profundo entrosamento de todos os mercados, com predomínio de organizações bem estruturadas de âmbito internacional e das nações mais desenvolvidas. O alargamento da base geográfica da economia mundial se dá na fase mono- polista, demonstrando a expansão das relações capitalistas para novas áreas do globo na Europa, América do Norte e Japão. O poderio da Inglaterra se desva- neceu como uma potência capitalista. O cenário internacional do capitalismo se revelou pela conquista da hegemonia dos grandes grupos econômicos em seus respectivos Estados. Daí um elemento contraditório que é o protecionismo, visto que países como Estados Unidos, Alemanha e Japão, por exemplo, passaram a adotar política interna, garantindo a expansão de suas relações comerciais. Neste período, firmaram-se no cenário internacional do capitalismo, como novas grandes potências a ameaçar e a efetivamente provocar danos ao poderio imperialista inglês, os Estados Unidos, após a Guer- ra de Secessão, a Alemanha, findas as lutas pela unificação, e o Japão, após a chamada Revolução Meiji, processos históricos estes responsá- veis pela conquista da hegemonia dos grandes grupos econômicos ca- pitalistas em seus respectivos Estados, levando tais países a adotarem internamente uma política econômica homogênea em todo o território nacional, que garantia a expansão das relações capitalistas já na fase monopolista da produção (CURSO NACIONAL, [2018], on-line). Aprendemos, na unidade anterior, que os processos revolucionários da história do capitalismo estiveram sempre associados a um crescimento demográfico e um aumento no volume anual de bens e serviços produzidos. No processo das disputas imperialistas, contados a partir de 1870, esse elemento também esteve presente paralelamente à significativa transformação na forma de organização da empresa capitalista como consequência do processo de concentraçãode capital. A GRANDE DEPRESSÃO DO SÉCULO XIX, A SEGUNDA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A D E114 Você aprenderá mais sobre isso no próximo tópico, mas podemos adiantar que o retraimento do mercado de livre concorrência deu origem a diferentes tipos de concentração e integração de empresas, tais como: consórcios, cartéis, trus- tes e holdings. De forma ampla, a figura 1 nos apresenta o cenário da organização do capital. Concorrência desenfreada entre as empresas, associada às crises sucessivas e à pressão por melhores salários e condições de trabalho exercida pelo crescente movimento operário Absorção ou eliminação das indústrias pelas suas concorrentes mais fortes ou hábeis. Monopolização e oligopolização do capital. A concentração e a centralização do capital eram sinônimos de uma acumulação capitalista operada com um número cada vez menor de detentores de capital, resultando, ao mesmo tempo, na diminuição do número de empresas e no aumento do tamanho médio das suas plantas. Figura 1 - Cenário da organização do capital Fonte: adaptado de Rezende Filho (2010). Para que possamos entender melhor esse movimento capitalista o tópico a seguir abordará de forma sistemática o tema do capital monopolista. O CAPITAL MONOPOLISTA A história dos monopólios é caracterizada principalmente por três fases temporais: considera os anos de 1800-1880 como ponto culminante do desenvolvimento da livre concorrência, em que os monopólios são “embriões” dificilmente perceptíveis; O Capital Monopolista Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 115 após a crise de 1873, apresenta-se o desenvolvimento dos cartéis, em que pese, de forma excepcional, com caráter transitório; por fim, a expansão do fim do século XIX e crise de 1900-1903, quando os cartéis se tornaram uma das bases de toda a vida econômica, “O capitalismo se transformou em imperialismo” (LÊNIN, 1982, p. 22). Desde as últimas décadas do século XIX, o capitalismo vivenciou profun- das transformações, entrando no que Lênin designou como “fase superior”, o imperialismo. A fase superior do capitalismo se caracteriza por uma série de peculiaridades que, só tomadas em conjunto, podem dar a compreensão da essên- cia do imperialismo. O sistema capitalista potencializou sua expansão face à sua capacidade de aliar crescentemente a mais-valia absoluta e relativa. O acentuado processo de concentração e centralização do capital favoreceu o surgimento da grande empresa e da estrutura oligopólica que iria tornar rígidos os mecanis- mos de funcionamento dos mercados (MATTOSO, 1993). A propriedade capitalista sobre os meios de produção e, como consequên- cia, a classe dos trabalhadores assalariados são elementos já reconhecidos por nós como constitutivos da base econômica da sociedade burguesa. No entanto, o imperialismo se apresenta como uma fase qualitativamente nova da forma socioeconômica capitalista. Para Lênin (1982), a definição de imperialismo, grosso modo, está associada à fase monopolista do capitalismo. Trata-se de uma transformação pelo capital sobre as formas da propriedade e do modo de explo- ração do trabalho. O motivo dessa metamorfose é, principalmente, o progresso da ciência e da técnica. O que mudou na transição do capitalismo de livre concorrência ao imperia- lismo clássico foi a articulação específica das relações de produção e troca entre os países metropolitanos e as nações subdesenvolvidas. Iori (2014) nos apresenta que a dominação do capital estrangeiro sobre a acumulação local de capital, na maioria das vezes associada à dominação política, passou a submeter o desenvol- vimento econômico local aos interesses da burguesia nos países metropolitanos. Não era mais a ‘artilharia leve’ de mercadorias baratas que agora bombardeava os países subdesenvolvidos, mas a ‘artilharia pesada’ do controle das reservas de capital (MANDEL, 1982, p. 37). A GRANDE DEPRESSÃO DO SÉCULO XIX, A SEGUNDA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A D E116 Paralelamente à industrialização nos países mais avançados economicamente, encontrava-se a abertura comercial das áreas subdesenvolvidas que modifica- ram o mundo do final do século XIX em diante. A futura Alemanha, unificada em 1871, e os Estados Unidos logo se tornaram economias industriais compa- ráveis à Inglaterra, abrindo áreas como pradarias norte-americanas, os pampas sul-ame- ricanos e as estepes da Rússia para a agricultura, quebrando com es- quadras de guerra a objeção da China e do Japão ao comércio exterior. Criavam-se, assim, as condições para a formação de economias depen- dentes do capital monopolista, dedicadas centralmente à exportação de produtos minerais e agrícolas (CURSO NACIONAL, [2018], on-line). A partir do desenvolvimento desigual, da acumulação de capital, da composição orgânica do capital, da taxa de mais valia e da produtividade do trabalho, conside- rada em escala mundial, forma-se a imagem de um sistema imperialista, conforme Mandel (1982). Devido à dinâmica do desenvolvimento do capitalismo de livre concorrência em seu auge, caracteriza-se uma fase particular do capitalismo. A sofisticação tecnológica foi particularmente relevante, pois somente as fábricas de grande porte se beneficiaram dos mais novos e eficientes métodos de produção. Como consequência, a concorrência foi eliminando as empresas menores. Um caminho possível (e efetivo) pelos concorrentes mais poderosos, em vez de exterminar uns aos outros, era a formação de cartéis, trustes ou a fusão para assegurar sobrevivência. A era de ouro do capitalismo de livre concorrência foi caracterizada pela vertiginosa amplificação econômica em toda a Europa. Assim como pelo fortalecimento da ordem burguesa nos principais Estados europeus. A pau- ta das exportações, significativa participação dos bens de capital ingleses, apresentava uma estatística de acréscimo de 11% para 22%, como os produ- tos carvão, ferro e aço que experimentaram crescimento considerável. Entre 1830 e 1850, a Inglaterra viveu a fase do boom ferroviário quando foram construídos cerca de dez mil quilômetros de estradas de ferro, provocando aumento vertiginoso na produção e no consumo de ferro, aço e carvão. Fonte: adaptado de Beaud (1987). O Capital Monopolista Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 117 Dentro dessa abordagem, é fundamental apresentar que o século XX marca o ponto de partida de mudança em que o antigo capitalismo deu lugar ao novo e que o domínio do capital financeiro substitui o domínio do capital em geral. O processo que direcionou a livre concorrência para a concentração e centralização de capitais ocorreu tanto nas empresas industriais quanto nos bancos. As pequenas instituições financeiras foram se integrando em fortes corporações financeiras. Isso gerou impacto no capital industrial, o qual pre- cisou se associar com o capital bancário, diante da necessidade de créditos e também objetivando a formação de sociedades anônimas por ações. Temos, aqui, o formato do capital financeiro, que passava a influir diretamente na vida das empresas. comprando e vendendo ações, promovendo fusões e associações entre os grupos empresariais e influenciando, junto aos Estados, nas diretri- zes das políticas econômicas adotadas. A fusão do capital bancário – antes tipicamenteum capital usurário, voltado a conceder empréstimos para financiamentos – com o capital produtivo, propicia grande desen- volvimento do sistema de crédito, o que vem também a favorecer de forma extraordinária a exportação do capital-dinheiro em larga escala (CURSO NACIONAL, [2018], on-line). Em outras palavras, os bancos passaram a representar não mais um mero inter- mediário (figurante) do sistema, mas, sim, um capitalista detentor de capital industrial. E a sociedade anônima, por ações ou corporação, revelou-se um cami- nho eficaz que proporcionava, a uma organização financeira, assumir controle sobre vultosas quantidades de capital. Os cartéis caracterizam acordos sobre as condições de venda, trocas, etc. Repartem os mercados entre si. Determinam a quantidade dos produtos a fabricar. Fixam os preços. Os trustes referem-se à estrutura empresarial em que várias empresas, que já detêm a maior parte de um mercado, se ajustam ou se fundem para assegurar o controle, estabelecendo preços altos para obter maior margem de lucro. Fonte: adaptado de Lênin (1982). A GRANDE DEPRESSÃO DO SÉCULO XIX, A SEGUNDA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A D E118 A combinação de concentração econômica e racionalização empresa- rial ou, na terminologia americana que agora começa a definir estilos globais, ‘trustes’ e ‘administração científica’. Ambos eram tentativas de ampliar as margens de lucro, comprimidos pela concorrência e pela queda de preços (MANDEL, 1982, p. 232). Com a passagem para o capitalismo monopolista, concretiza-se a plena expan- são da interligação capitalista no campo. A Europa continental já sentia que a antiga estrutura pré-capitalista, pautada no atendimento às necessidades de con- sumo dos produtores, estava convergindo para a produção de mercadorias. O objetivo é o lucro. Essa é a essência do sistema. E a produção passa a ter como foco a realização e a multiplicação dessa vantagem comercial. Com a acumulação do capital e o desenvolvimento das forças produtivas, esti- mulada pela concorrência intercapitalista, ampliou-se a massa de riqueza nas mãos do capitalista e deu-se o processo de concentração de capital. Esse processo acu- mulativo estimula e, ao mesmo tempo, é estimulado por inovações tecnológicas na medida em que estas permitem aos capitalistas a redução dos seus custos. Netto e Braz (2012) sugerem que a inovação é um recurso do capitalista na concorrência com seus pares. Propositadamente, a dinâmica da acumulação e do desenvolvi- mento tecnológico está intimamente relacionada à elevação orgânica do capital. Grandes massas de capital são capazes de implementar empreendimentos que envolvem elevada composição orgânica de capital. Destarte, a tendência do capi- tal, em seu movimento, diga-se excludente, é de concentrar-se. A forma utilizada é redundante na ousadia de ser objetiva: mais capital é necessário para produzir mais mais-valia. Assim, os grandes capitalistas acumulam uma massa de capi- tal cada vez maior. Isso é capitalismo, magis do latim, mais, mais e sempre mais. A centralização do capital é outra tendência da dinâmica da acumulação capitalista. Trata-se do aumento do capital pela fusão de vários outros capitais. Realiza-se pela união de capitais já existentes. Expressa-se pelos cartéis, trustes e a formação de holdings. Costa (1986) define o agrupamento de monopólios, que produz mercadorias semelhantes, como cartel. Os proprietários desses monopólios estabelecem entre si um acordo de preços, a partir de um patamar mínimo, partilham os mercados de venda, determinando as condições de contratação de força de trabalho etc. O obje- tivo é o lucro máximo para cada componente, mantida a independência de produção O Capital Monopolista Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 119 e comercialização das mercadorias. Para o autor, os trustes, ao contrário dos cartéis, perdem a independência da produção e comercialização das mercadorias, passando a obedecer uma direção única, uma companhia especial, a holding. Os donos das empresas, que aderirem ao truste, convertem-se em acionistas deste, com direitos proporcionais ao capital investido. As grandes possibilidades financeiras permitem ao truste criar empresas industriais gigantescas que asseguram o monopólio da pro- dução em todas as fases. Um exemplo atual de holding é a Itaúsa – Investimentos S. A. que, até a finalização desse trabalho, controlava empresas atuantes em diver- sas áreas como os setores financeiros, indústrias de química, eletrônica, painéis de madeira, louças e metais sanitários. Concentração e centralização, operando em conjunto, promovem os mono- pólios. Isso se dá tanto no âmbito da produção industrial quanto nos setores bancário e comercial. O setor bancário, de forma mais intensa do que no comércio, responde pela constituição de um número reduzido de poderosíssimos banqueiros. A relação entre os bancos e a indústria passou a apresentar um estreita- mento, provocado pelo acirramento da concorrência intercapitalista. O crédito de capital passava a ser utilizado como poderosa arma na luta pela eliminação de concorrentes e para a centralização de capitais. O crédito que, em seus começos, deslizava-se e, recatadamente, insinuava-se como tímido auxiliar da acumula- ção, atraindo e aglutinando em mãos de capitalistas individuais ou associados, por meio de uma rede de fios invisíveis. O dinheiro disseminado em grandes ou pequenas massas pela superfície da sociedade, logo se revela como uma arma nova e temível no campo de batalha da concorrência e termina por se converter em um gigantesco mecanismo social de centralização de capitais (IORI, 2014). O resultado de foi uma alteração no impulso principal da tendência capita- lista à expansão: a exportação de bens de consumo para regiões pré-capitalistas deu lugar à exportação de capitais (e de artigos comprados com esses capitais, especialmente vias férreas, locomotivas e instalações portuárias, isto é, aparelha- mento infra-estrutural para simplificar e baratear a exportação de matérias-primas produzidas com o capital metropolitano). Pari passu, a concentração cada vez maior do capital e a compreensão desse processo de crise, fruto do próprio cres- cimento estrutural do sistema, apresenta-se como o que Lênin (1982, p. 641) chamou de “capitalismo monopolista”. A GRANDE DEPRESSÃO DO SÉCULO XIX, A SEGUNDA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A D E120 Nessa circunstância, generaliza-se a formação da sociedade por ações que passariam a ser a forma dominante de organização das empresas nas áreas dos bancos, da indústria, da mineração, dos transportes etc. Assim, as empresas indi- viduais ou adotavam essa forma de organização ou iam sendo eliminadas na luta intercapitalista. Conforme Oliveira (2003), nesse processo de centralização de capitais, de fusões, combinações, entre outros, os bancos passavam a assumir um papel central, dada a sua posição estratégica de monopolizadores de crédito. Essa noção é fundamental para o entendimento dos assuntos que estão por vir. O processo de centralização de capitais permitia exigia o surgimento de plan- tas produtivas gigantescas. A disponibilidade concentrada de crédito de capital era condição para que as escalas de produção pudessem crescer celeremente e, por sua vez, as enormes plantas produtivas que surgiam, constituíam poderosa arma para centralização de capitais, pois, com suas economias de escala, podiam liquidar as empresas menores. O progressivo aumento das escalas de produção exigiamgigantescos montantes de capitais centralizados para que novos inves- timentos pudessem ser realizados e, desse modo, começava a tornar remota a possibilidade da formação de novos capitais individuais que concorressem com os capitais já em função (IORI, 2014). Esses fenômenos, aos quais às vezes nos referimos como a Segunda Revolução Industrial, já detalhado anteriormente, eram parte integrante da guinada de um capitalismo caracterizado por pequenas unidades competitivas para outro, em que a cena industrial e financeira é dominada por grandes concentrações de poderio econômico (MAGDOFF, 1978, p. 27). A referência à Segunda Revolução Industrial, por parte de Magdoff (1978), foi com base no desenvolvimento tecnológico e industrial que poucos países alcançaram, como os EUA, Japão e Alemanha. Desses países, o que apresentou a mais rápida monopolização das indústrias foi os EUA. Até 1870, a indús- tria Norte-Americana processava produtos agrícolas por meio de pequenas empresas que compravam matéria-prima local e na mesma região vendiam sua produção. Com o desenvolvimento da tecnologia, no final do século XIX, os grandes negócios foram incorporados na indústria e no comércio, concentrando o capital nas mãos de corporações que cresceram pela junção de várias empre- sas menores. Essas corporações passaram a utilizar redes próprias para venda Imperialismo Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 121 e marketing, elevando muito o ganho, possibilitando a aquisição das fontes de matérias-primas. Segundo o autor, “a economia dos negócios tornara-se indus- trial. As indústrias mais importantes eram dominadas por algumas fi rmas que se haviam tornado imensas empresas centralizadas e verticalmente “integradas” (MAGDOFF, 1978, p. 29). O processo de monopolização do capital não avançava na mesma velocidade e intensidade nos diferentes países já industrializados. Na Alemanha, os mono- pólios, bem como as diversas formas de associação industrial, difundiram-se mais rapidamente do que nos outros países europeus, e os cartéis foram o prin- cipal tipo de associação, chegando a monopolizar, no início do século XX, todos os setores importantes da economia. Conforme Beaud (1987, p. 72), a indústria química foi dominada pelos sucessores do consórcio I. G. Farbenindustrie; na indústria de construções mecânicas, houve o do- mínio dos consórcios Mannesmann e Klöckner; na produção de aço, dos trustes Flick,Th yssen e outros. Na indústria de guerra, pontifi cou o consórcio metalúrgico Vickers; na indústria química, o truste quími- co Imperial Chemical Industries e,no monopólio do petróleo, a Royal Dutch-Shell. Os grandes monopólios detinham, igualmente, o predo- mínio nas fi nanças e no comércio. IMPERIALISMO A noção de imperialismo, conforme Saes e Saes (2013), apareceu no século XIX em conexão com a expansão territorial das principais potências europeias e, em especial, com o chamado neocolonia- lismo: o amplo movimento de conquista e criação de colônias em vastas áreas do mundo, sobretudo na África e Ásia, no fi nal do século. Fonte: Wikimedia Commons ([2018], on-line)¹. A GRANDE DEPRESSÃO DO SÉCULO XIX, A SEGUNDA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A D E122 O termo Imperialismo se fortaleceu no desfecho do século XIX. A constitui- ção de impérios era a política que predominava como ação de várias potências europeias (e ainda dos Estados Unidos e Japão). Destarte, o modo de expressar essa política colonial, consoante à forma de análises dessa realidade de forma crítica, constitui-se em Imperialismo. Nas palavras de Saes e Saes (2013, p. 294), assim, as noções de império e Imperialismo ficaram associadas à do- minação que um Estado exerce sobre outro Estado ou nação. Por isso, o imperialismo foi identificado, antes de mais nada, com a expansão colonial do final do século XIX. Uma síntese dos principais domínios coloniais e de sua abrangência pode ser visualizada no Quadro 4 a seguir. Quadro 4 - Impérios coloniais do mundo - 1914 NÚMERO DE COLÔNIAS SUPERFICÍE (MIL KM2) SUPERFÍCIE (MIL KM2) POPULAÇÃO (MILHARES) POPULAÇÃO (MILHARES) Metrópoles Colônias Metrópoles Colônias Reino Unido 55 310 30.901 46.053 391.583 França 29 532 10.550 30.602 62.350 Alemanha 10 536 3.158 64.926 13.075 Bélgica 1 28 2.335 7.571 15.000 Portugal 8 90 2.063 5.960 9.680 Holanda 8 33 1.957 6.102 37.410 Itália 4 285 1.516 32.239 1.396 EUA 6 7.766 323 98.781 10.021 Fonte: Friedlander e Oser (1957 apud SAES; SAES, 2013, p. 296). Para Lênin, revolucionário e chefe de Estado Russo, o Imperialismo não se caracteriza apenas como a formação de impérios (por meio de conquistas de colônias), e sim como um novo e peculiar estágio de desenvolvimento do capitalismo. Fonte: Saes e Saes (2013, p. 84). Imperialismo Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 123 Saes e Saes (2013) nos apresentam que a grande potência colonial era a Inglaterra, que englobava tipos variados de territórios: se a Índia era a ‘jóia da coroa’ (somando grande área e população), as colônias ‘brancas’, mas semi-indepen- dentes, como Canadá, Austrália e Nova Zelândia, contavam com a enorme área do império colonial britânico. A França, como a Grã-Bretanha, controlava um território colonial muito maior do que o da metrópole, abrigando uma popula- ção também bastante superior. Já os extensos territórios coloniais alemães não comportavam população tão densa. A Bélgica, cujo território metropolitano é muito limitado, tinha em sua única colônia, o Congo, área muito superior à área da metrópole e o dobro da população metropolitana. A Holanda mantivera colônias bastante populosas na região asiática. Já Portugal tinha na África, em específico Angola e Moçambique, suas principais áreas coloniais. A Itália teve uma aventura colonial de pouco sucesso. E para os Estados Unidos, a área colo- nial tinha reduzida expressão. Cabe aqui uma reflexão: quais foram as causas que teriam estimulado as principais nações industrializadas a promoverem a anexação de amplos terri- tórios ultramarinos? Nos países colonizadores foram apresentadas, à época, algumas justifi- cativas para o domínio de povos “atrasados”. Por exemplo, atribuía-se às nações desenvolvidas (e brancas) o dever de transmitir aos povos atrasados as conquistas da civilização europeia. Sob uma aparência hu- manitária, estava implícito nesse “dever” a noção de que as raças bran- cas (europeias) deveriam dominar os povos “atrasados” em razão de sua superioridade física, intelectual e cultural. Razões de ordem religio- sa também foram levantadas: levar o cristianismo aos povos da África e da Ásia era uma missão a ser cumprida pelos europeus. Embora não se possa atribuir aos missionários uma pressão efetiva para a expansão colonial, é inegável que a possibilidade de ampliar sua área de ação de- pendia da conquista de novos territórios (SAES; SAES, 2013, p. 296). As transformações da produção industrial, nas últimas décadas do século XIX, criaram a necessidade de fontes de novas matérias-primas e insumos industriais, muitos deles encontrados nas áreas que foram objeto de colonização ou em áreas formalmente livres, porém fortemente ligadas às áreas industriais. Por exemplo: o petróleo, embora explorado na época, principalmente nos Estados Unidos e na Rússia, já tinha um atrativo importante nas reservas do Oriente Médio. A GRANDE DEPRESSÃO DO SÉCULO XIX, A SEGUNDAREVOLUÇÃO INDUSTRIAL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A D E124 Temos aqui um possível fator explicativo da ordem econômica para entender o Imperialismo. Consoante ao evidente desejo de vários países se afirmarem como potências mundiais, dava-se a emergência e a consolidação, no final do século XIX, dos novos países industriais em condições de com- petir com a Grã-Bretanha. Este aspecto político do colonialismo, no final do século XIX, permite entender porque colônias, que tinham muito pouco a oferecer em termos econômicos às metrópoles, foram mantidas como tal por longos períodos. Muito mais relevante era a conhecida prática de oferecer aos eleitores a glória, muito mais que reformas onerosas; e o que há de mais glorioso que conquistas de territórios exóticos e raças de pele escura, sobretu- do quando normalmente era barato dominá-los. De forma mais geral, o imperialismo encorajou as massas, e, sobretudo, as potencialmente descontentes, a se identificarem ao Estado e à nação imperiais, outor- gando assim, inconscientemente, ao sistema político e social represen- tado por esse Estado justificação e legitimidade (HOBSBAWM, 1988, p.105-106). A busca de campo de investimento em países independentes, porém não industrializados, sugere que o impulso para a expansão externa das principais potências industriais não se limitava à conquista de colônias. Por isso, a análise do Imperialismo, na perspectiva econômica, não deve se restringir ao colo- nialismo: é importante uma visão ampliada da economia mundial do período. Nesse sentido, é preciso investigar as razões econômicas que, ao lado das outras ordens, sustentaram a expansão externa das economias industrializadas do final do século XIX e início do século XX. Nesse panorama, é importante que você seja apresentado às polêmicas a res- peito do Imperialismo entre os marxistas. Podemos citar aqui Rosa Luxemburgo e Lênin. Para eles, o imperialismo expressava a crescente dificuldade do capitalismo em manter as condições para a acumulação de capital. Para Rosa Luxemburgo, as contradições do desenvolvimento do capitalismo levariam, inevitavelmente, à sua destruição. Lênin, mais propriamente, via o Imperialismo como “capita- lismo de transição, ou, mais propriamente, de capitalismo agonizante” (Lênin, 1982, p. 69). Imperialismo Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 125 As polêmicas em torno do Imperialismo refletem, em grande medida, em um momento crítico na história do capitalismo, do qual a Primeira Guerra Mundial é expressão notória, e no movimento socialista (veja a Leitura Complementar). Se, de início, a noção de imperialismo se associou à criação dos Impérios coloniais, a seguir ganhou conotação mais ampla e polêmica, procurou rela- cionar o impulso para a expansão das grandes potências com as características mais gerais de sua economia e sociedade. Nacionalismo, protecionismo, colo- nialismo, exportação de capitais e concentração do capital são elementos que, de certo modo, condicionaram as relações entre as potências europeias ao fim do século XIX, em um ambiente de crescente conflito entre elas, o que culmina na deflagração da Primeira Guerra Mundial. Assunto da nossa próxima unidade. As duas tentativas frustradas, mas significativas de alternativa ao capitalis- mo, foram a de Bela Kun na Hungria em 1918-19 e a revolta spartakista ale- mã em 1919. Desde então revoluções socialistas têm ocorrido apenas em áreas periféricas como China em 1949, Sudeste Asiático a partir de 1954, Cuba em 1959, e países africanos na década de 1970. Fonte: Rezende Filho (2010, p. 242). A GRANDE DEPRESSÃO DO SÉCULO XIX, A SEGUNDA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A D E126 CONSIDERAÇÕES FINAIS O que se tornou conhecido como a Grande Depressão, iniciada em 1873, caro(a) aluno(a), foi motivo do primeiro tópico do nosso trabalho. Trata-se de uma dimensão temporal que foi interrompida por surtos de recuperação e continu- ada em meados da década de 1890. O relevante é que esse momento passou a ser encarado como um divisor de águas entre dois estágios do capitalismo: aquele inicial e vigoroso, próspero e cheio de otimismo aventureiro, e o posterior, mais embaraçado, hesitante e obscuro. A possibilidade de crise no capitalismo nasce da produção desordenada e do fato de que a extensão do consumo, pressuposição necessária da acumulação capitalista, entra em contradição com outra condição, a da realização do lucro. Tal contradição insanável fez com que o capital buscasse compensá-la por meio da expansão do campo externo da produção, isto é, da ampliação constante do mercado. Mesmo tendo, pois, testemunhado o efeito drástico da concorrência na redu- ção de preços e margens de lucro, os homens de negócios mostravam simpatia cada maior por medidas pelas quais a concorrência pudesse ser restringida, tal como o mercado protegido ou privilegiado e o acordo de preços e produção. Essa maior preocupação com os perigos da concorrência sem barreiras veio em uma época na qual a crescente concentração da produção, principalmente na indús- tria pesada, lançava os alicerces de uma centralização maior da propriedade e do controle da política dos negócios. Essa indústria nascente estava totalmente pautada nas características da chamada Segunda Revolução Industrial. Entendemos, portanto, que os últimos 20 anos do século XIX e o começo do século XX foram marcados por uma preocupação que faz lembrar o mercanti- lismo dos séculos anteriores: as esferas privilegiadas de investimento no exterior. Consideramos essa apreensão como uma marca distintiva de um período que terá como traço dominante o capitalismo maduro, impelido pela necessidade de encontrar novas extensões no campo de investimento. 127 1. Os anos 1873-1896 foram caracterizados, sob o ponto de vista da história eco- nômica, como o período da Grande Depressão. Como se manifestou esse processo histórico? 2. A possibilidade de transformação do capitalismo se assentou sobre uma nova onda de inovações tecnológicas, conhecida como Segunda Revolução Indus- trial. Trata-se de um novo conjunto de inovações, que trouxe profundas altera- ções ao sistema econômico _____________, mudando sua organização e es- trutura. Uma característica muito relevante da Segunda Revolução Industrial é o seu caráter ____________. Visto que a _____________ tornou-se matéria au- xiliar da técnica. E a administração dos negócios adquiriu um caráter científico. Ainda é necessário destacar o papel da indústria _____________ que produziu um forte impacto nas relações homem-natureza. Diante do texto exposto, na sequência preencha as lacunas com as palavras que melhor se adequam ao texto. a) socialista, humanitário, intuição, petrolífera. b) feudal, humano ciência armamentista. c) escravista, impreciso, sabedoria, siderúrgica. d) capitalista científico ciência química. e) capitalista, linear, história, madeireira. 3. O capitalismo concorrencial, sustentado pela grande indústria criará o merca- do mundial. Diante desse contexto, discorra sobre a dinâmica do alarga- mento da base geográfica dentro do sistema capitalista. 128 4. Concentração do capital e Segunda Revolução Industrial (novas técnicas e fon- tes de energia, novos materiais e novos bens de consumo) foram a base para o surgimento e consolidação de grandes empresas, muitas delas sobrevivem até hoje. Sobre essa dinâmica, avalie as afirmações a seguir. I. No período de 1870-1913 ocorreram mudanças fundamentais no capitalis- mo, entre elas o liberalismo econômicoe a distribuição do capital no mer- cado mundial. II. A introdução de inovações técnicas no processo produtivo, nesse período, desequilibrou a relação custo de produção/preço de venda, pelo aumento da produtividade. III. A concentração de capital já era visível no começo do século XIX, a Segunda Revolução Industrial, por sua vez, reafirma esse processo. É correto o que se afirma em: a) I apenas. b) II apenas. c) I e III apenas. d) II e III apenas. e) I, II e III. 5. Em um espaço de rivalidades nacionais, a ação concreta do imperialismo se apresenta. Discorra sobre a noção de Imperialismo. 129 A partir de finais do século XVIII, quando a segurança da velha economia artesã teve seu fim por conta da Revolução Industrial, apareceram as primeiras críticas à atuação do então sistema capitalista. Os ataques se dirigiram principalmente à exploração que a ordem econômica vigente submetia as classes operárias, propondo algumas soluções alternativas, baseadas na “cooperação entre as classes”. Nesse sentido, apresentam-se aqueles que defendiam o socialismo. Vamos omitir, aqui, muito do que pode fazer parte dessa temática, para não corrermos o risco de adentrar na História do Pensamento Econômico. É necessário, contudo, apresentar os diversos tipos de socialismo: Socialismo utópico; Socialismo de Estado; Socialismo cristão; Anarquis- mo; Comunismo; Revisionismo; Sindicalismo; Socialismo da guilda; Socialismo marxista. Vamos nos deter brevemente na lógica marxista, na qual a Revolução Socialista deveria ocorrer onde o capitalismo fosse mais desenvolvido, onde suas contradições internas estivessem mais acirradas, o que na época da elaboração teórica identificava a Ingla- terra. No entanto, a primeira revolução socialista se deu no elo mais fraco da cadeia capitalista, a Rússia, conforme a definição de Lênin. As implicações foram profundas em termos de sociedade de transição que veio a surgir. A primeira Revolução Socialista ocorreu graças a um golpe político, em uma área periférica pouco industrializada - a Rússia -, houve a necessidade de se construir condições para o socialismo, recorrendo inclusive ao reforço de certos elemen- tos capitalistas. Isto implicou uma readaptação teórica dos postulados marxistas, que passaram a ser conhecidos como marxismo - leninismo (de Lênin, nome de Guerra de Vladimir Ilitch Ulianov, líder do Partido Comunista Russo de 1917 a 1924) (REZENDE FILHO, 2010, p. 243). Tratar de História Econômica Geral é o trabalho constante de entender como os homens se organizaram materialmente ao longo do tempo, isso já é sabido por nós. Por entender que o modo capitalista de produção se dinamiza e, também, modifica-se, mas que prevalece no nosso recorte temporal de estudo, é que ousamos omitir muitas informações importantíssimas sobre a dimensão cronológica entre 1917-1949, em que a Rússia (União Soviética a partir de 1922) foi o único país não capitalista do mundo. Foi a Primeira Guerra Mundial que levou a economia russa ao colapso, impondo-lhe uma demanda e ritmo que ela se mostrou incapaz de atender. A tal ponto foi a situação russa que foi necessário fazer concessões ao sistema capitalista, como disse Lênin “dar um passo para trás, para poder dar dois passos para frente”. Nesse caminhar, vamos conhecer sobre o contexto mundial e a sua Primeira Guerra na próxima unidade. Por razão da nossa limitação de apresentação didática, fica o conselho para você, caro(a) aluno(a): busque a leitura complementar ao contexto que envolve a Revolução Russa e a constituição da Economia Soviética. Assista às aulas ao vivo e os vídeos complementares. Certamente, seu entendimento acerca do sistema capitalista será agregado com o conhecimento acerca dessa temática que foi chamada por Rezen- de Filho (2010) de “alternativa ao capitalismo”. Bons estudos! MATERIAL COMPLEMENTAR [Imperialismo Global: teorias e consensos Flávio Bezerra de Farias Editora: Cortez Sinopse: Este livro critica as teorias do imperialismo global, na sua confi guração atual. Aborda essa experiência tanto para orientar a práxis de resistência quanto para encontrar uma alternativa àquela confi guração socioeconômica opressora, como uma totalidade concreta. O fi o condutor de uma iniciativa tão ampla e profunda reside em desmistifi car e superar as ideologias e as estratégias consensuais e integracionistas, que erigiram autoritariamente um sistema positivista e naturalizado diante da dinâmica de autoemancipação das massas exploradas, dominadas e humilhadas nos contextos nacionais, continentais e globais. O jardineiro fi el Ano: 2005 Sinopse: O reservado diplomata britânico Justin Quayle se muda para o Quênia com sua adorável jovem esposa Tessa, uma ativista pela justiça social. Quando Tessa é encontrada morta no deserto, as circunstâncias apontam para seu amigo, Dr. Arnold Bluhm, mas é logo esclarecido que ele não é o assassino. De luto e zangado, Justin se prepara para descobrir a verdade por trás do assassinato e, no processo, ele desenterra algumas revelações perturbadoras. REFERÊNCIAS BEAUD, M. História do Capitalismo de 1500 até nossos dias. São Paulo: Brasilien- se, 1987. COSTA, E. Imperialismo. São Paulo: Global, 1986. CURSO NACIONAL de Formação Política do Partido Comunista Brasileiro. Disponível em: <http://www.pcb.org.br/portal/docs/historia1a.pdf> Acesso em: 12 fev. 2018. DOBB, M. H. A evolução do capitalismo. Rio de Janeiro: Zahar, 1980. HOBSBAWM, E. A Era dos Impérios (1875-1914). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. IORI, C. F. A. G. O sentido oculto do valor do trabalho e sua implicação no setor bancário: um estudo de caso para a cidade de Maringá-Pr e sua região metropolita- na em 2000 a 2010. 2014. 140 f. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Regio- nal e Agronegócio) – Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Toledo, 2014. Dis- ponível em: <http://tede.unioeste.br/handle/tede/2187>. 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A produção e a distribuição de riquezas, por todo o planeta, passaram a depender estreitamente do que se sabia e provi- denciava nas concentrações comerciais mais ricas e nas regiões mais bem apare- lhadas. Com isso, firmou-se um dos aspectos que caracterizam a era capitalista, a saber: o mercado mundial, isto é, a interdependência e o profundo entrosamen- to de todos os mercados, com predomínio de bem estruturadas organizações de âmbito internacional e das nações mais desenvolvidas. O alargamento da base geográfica da economia mundial se deu na fase monopolista, demonstrando a expansão das relações capitalistas para novas áreas do globo na Europa, Améri- ca do Norte e Japão. 4. Alternativa d. 5. A noção de imperialismo, conforme Saes e Saes (2013) apareceu no século XIX, em conexão com a expansão territorial das principais potências europeias e, em especial, com o chamado neocolonialismo: o amplo movimento de conquista e criação de colônias em vastas áreas do mundo, sobretudo na África e Ásia, no final do século. U N ID A D E IV Professora Me. Carla Fabiana de Andrade Gonçalves Iori A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL À GRANDE DEPRESSÃO (1914-1933) Objetivos de Aprendizagem ■ Conhecer os aspectos da Primeira Guerra Mundial. ■ Refletir sobre os impactos do pós-guerra. ■ Aprender sobre o desempenho da economia na década de 1920. ■ Aprender sobre a queda da bolsa de 1929 e a Grande Depressão. Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: ■ A Primeira Guerra Mundial ■ O pós-guerra ■ A Economia mundial e os anos 20 ■ A Grande Depressão (1929-1933) INTRODUÇÃO Olá, querido(a) aluno (a). Você está lendo o material de forma sequencial? Se por ventura você está conhecendo a História Econômica Geral de forma a contem- plar pontos históricos diferentes, não tem problema. Saiba que, nesta Unidade IV, você vai conhecer as razões de ordem econômica que levaram à Primeira Guerra Mundial. Se me permite um conselho, eu diria para se atentar a alguns elementos da Unidade III. Por quê? A eclosão desse momento de lutas está intrin- secamente relacionada com as questões do capital monopolista. Assim, na primeira parte desta unidade, você será apresentado às questões que envolvem as disputas coloniais. De modo que analisaremos a divisão da Europa em dois blocos opostos de grandes nações: a Grã-Bretanha vai perce- ber que o “inimigo” que apresentava tendência expansionista era, na verdade, a Alemanha, e não a França e a Rússia. Os Estados Unidos entraram na guerra em 1917, a fim de fornecer apoio aos aliados com reforço militar, armamentista e financeiro. Em quatro anos de guerra, foram os norte-americanos os beneficiários em termos econômicos. Muito embora você possa apreender que as vidas humanas perdidas, bem como a incapacitação de outras tantas, impactou não somente a natureza humana da sociedade, mas também em termos econômicos, diante da redução da força de trabalho no pós-guerra. Ainda será motivo do nosso estudo como se comportou a economia mundial na década seguinte a Primeira Guerra, episódio que Hobsbawm (1995) considera como o primeiro evento da história em que, efetivamente, houve um conflito de extensão mundial. Economicamente, a Alemanha conheceu, nesse tempo, a des- valorização da sua moeda de maneira assombrosa: o período hiperinflacionário. Por fim, a queda da bolsa em 1929 e o sequente processo de Grande Depressão vieram assolar o mundo. Ficará certamente evidente que, nessa dimensão tem- poral, o mundo já está integrado, pois a crise que começou em 1929, nos Estados Unidos, impacta todo o globo negativamente. Você é meu convidado(a) especial nessa caminhada! Bons estudos! Introdução Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 135 A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL À GRANDE DEPRESSÃO (1914-1933) Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E136 A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL O nosso estudo está objetivado na atividade humana, em suas múltiplas dimen- sões, na perspectiva da mudança ao longo do tempo. Em outras palavras, você está trilhando o caminho, caro(a) leitor(a), que discorre sobre os fatos sociais. Até aqui você já deve ter percebido que estamos “costurando” os episódios e formando conjuntura(s) gradativamente. Isso exige muito cuidado e dedicação, sobretudo neste ponto que chegamos. Concordamos com Sondhaus (2013) que a Primeira Guerra Mundial e o acordo de paz, que pôs fim a ela, constituíram uma revolução global. Foram questões além das relacionadas a fronteiras e ter- ritórios (Imperialismo, tratado na unidade anterior). A guerra também viria revolucionar as relações de poder dentro das sociedades europeias. Não podemos perder de vista que o nosso trabalho envolve a descrição de como os homens se esforçaram (e se esforçam) ao longo dos séculos para satisfa- zer as necessidades materiais (conforme abordado na Unidade I). Nesse sentido, qual a perspectiva econômica da Primeira Guerra Mundial? Para Rezende Filho (2010, p. 188), embora haja uma série de motivos políticos ideológicos, que tenham levado as nações européias à formação de dois blocos antagônicos de alianças militares, as razões subjacentes da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) foram de ordem econômica. E implicaram em um impacto no sistema capita- lista de forma brutal. Mais especificamente, a busca agressiva por mercados de investimentos privilegiados e o enorme crescimento econômico da Alemanha, que ameaçava transformá-la na potência hegemônica europeia, forneceram as razões primárias para o que Rezende (2010) denomina de “guerra para uma redi- visão de mercados em nível mundial”. A Primeira Guerra Mundial Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 137 Você poderá ver no mapa, logo a seguir, o destaque para Belgrado, capital da Sérvia. Trata-se do marco da Primeira Guerra Mundial, oois, na tarde de 28 de julho de 1914, a artilharia austro-húngara começou a bombardear Belgrado. Estamos diante de um momento de instabilidade política que de todas as crises internacionais da história, nenhuma foi alvo de escrutínio mais meticuloso ou de maior número de análises acadê- micas do que a crise de julho de 1914, que começou com o assas- sinato do arquiduque Francisco Ferdinando em Sarajevo em 28 de junho, e culminou em um troca de declarações de guerra entre as grandes potências a partir de 1º de agosto. Assim que o conflito teve início, os governos de cada país buscaram reunir um registro das maquinações diplomáticas que defendiam ou justificavam suas ações e colocavam a culpa em outrem: o Império Austro-Húngaro contra a Sérvia, a Rússia contra o Império Austro-Húngaro, a Alemanha con- tra a Rússia, a França e a Grã-Bretanha contra a Alemanha. Por sua vez, os historiadores começaram a analisar a Crise de Julho enquanto a guerra ainda estava em andamento, desencadeando um longo de- bate ainda em vigor, mesmo no centenário do conflito. Os volumes de documentos diplomáticos e os milhares de estudos publicados em dezenas de línguas ao longo das décadas seguintes contribuíram para a compreensão geral da deflagração da guerra, mas, ao mesmo tempo, obscureceram alguns dos elementos centrais da Crise de Ju- lho: a guerra começou, em primeiro lugar, por causa da Sérvia, um pequeno e ambicioso país que até certo ponto se tornara refém de elementos nocivos em suas forças armadas e que, na busca de seus próprios objetivos nacionais,inflamou todo o continente; duas das potências mais fracas, Áustria-Hungria e Rússia, se comportaram com determinação pouco característica, enraizada em suas próprias dúvidas acerca de seu futuro status como grandes potências; os líde- res austro-húngaros e alemães tinham noções incompatíveis sobre a guerra que desejavam – os alemães fazendo e conseguindo o que queriam às custas de seus aliados; e, por fim, os líderes franceses, embora de início não desejassem a guerra, viram a Crise de Julho se desdobrar de tal maneira que acabou propiciando-lhes uma guerra sob as circunstâncias que consideravam as mais favoráveis (SON- DHAUS, 2013, p. 55). Essa “narração” dos fatos contribuem para nossa dimensão histórico-geográ- fica do momento vivido pelos europeus do início da Primeira Guerra Mundial. A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL À GRANDE DEPRESSÃO (1914-1933) Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E138 IMPÉRIO RUSSO AUSTRIA- HUNGRIA ALEMANHA FRANÇA GRÃ-BRETANHA BÉLGICA Países bálticos BELGRADO Figura 1 - Belgrado, marco da Primeira Guerra Mundial Fonte: adaptado de Sondhaus (2013). Para Hobsbawm (1995, p. 31), a Primeira Guerra Mundial envolveu a totalidade das grandes potências. Isso impactou na cotidianidade de milhares de vidas. O fato é que, por quatro anos, as principais nações europeias se enfrentaram em uma guerra sem tréguas, da qual participaram também o Japão e os Estados Unidos, a partir de 1917. Todas as dependências coloniais se envolveram nesse enfrentamento que terminou com a distinção entre civis e militares, além de ter provocado enormes perdas humanas. Em Saes e Saes (2013) obtemos alguns números nesse sentido e aquilo que vai além das perdas humanas ocasionadas nos campos de batalha. A Primeira Guerra Mundial Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 139 Quadro 1 - Números da Primeira Guerra Mundial PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL Aproximadamente 9 milhões entre civis e militares mortos! Aproximadamente 7 milhões se tornaram incapacitados permanentemente. Aproximadamente 15 milhões sofreram ferimentos de maior ou menor gravidade. ? As mortes de civis em decorrência da guerra, embo- ra difíceis de determinar com precisão, foram eleva- das: vítimas do conflito militar, de fome e inanição ou de doenças também morreram aos milhões: estima-se cerca de 5 milhões para a Europa (exclu- sive a Rússia) e um total de 16 milhões para a Rús- sia (incluindo militares e civis envolvidos na guerra, na revolução e na guerra civil). Adicionando a esses dados, ainda, a estimativa do déficit de nascimen- tos decorrentes da guerra. Saes e Saes atribuem à Aldcroft os dados em termos de perda populacio- nal entre 1914 e 1921 (incluindo mortes e redução da natalidade), na ordem de 50 a 60 milhões (ALD- CROFT, 2001, p. 6-8 apud SAES; SAES, 2013, p. 323). Fonte: autora. Além do sofrimento humano, economicamente é fundamental apresentar a pers- pectiva de Rezende Filho (2010, p. 188) sobre a desorganização do comércio internacional. Esta provocou destruição sem precedentes, “deslocou a área cen- tral do sistema capitalista da Europa para os Estados Unidos e causou o colapso dos Impérios Russo (onde se procura desde 1917 uma alternativa ao capitalismo) e dos multirraciais, Austro-Húngaro e Otomano”. A Primeira Guerra Mundial foi um verdadeiro divisor de águas: o mundo nunca mais será o mesmo depois dela, e as raízes, tanto da depressão da dé- cada de 1930 quanto da Segunda Guerra Mundial, podem ser encontradas na forma como os vencedores (notadamente da Inglaterra e França) impu- seram a paz aos vencidos, particularmente à Alemanha. Fonte: adaptado de Rezende Filho (2010). A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL À GRANDE DEPRESSÃO (1914-1933) Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E140 Carlo aluno(a), as questões militares fogem ao escopo do nosso material. Contudo, o modo como o mundo se transformará economicamente, está totalmente vin- culado com a Primeira Guerra Mundial. Portanto, apresentaremos de forma esquemática uma configuração desse marco da história econômica geral. Ao visualizar a figura 2, podemos observar a dinâmica da Primeira Guerra Mundial. Primeira Guerra Mundial 1ª fase: Guerra de Movimentos 2ª fase: Guerra das Trincheiras Vitória dos aliados 3ª fase: regresso à Guerra de Movimentos Novo Mapa Político Mundial Conferência de paz Tratado de Versalhes Sociedade das nações Supremacia americana Figura 2 - Esquema da dinâmica da Primeira Guerra Mundial. Fonte: adaptado de Sondhaus (2013). A primeira fase (1914-1915) é caracterizada pela movimentação das tropas e expansão territorial do conflito. A Primeira Guerra Mundial Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 141 Figura 3 - Multidão de alemães animados com a declaração da Primeira Guerra Mundial, em agosto de 1914, em Berlim Na segunda fase da guerra (1915-1917), a Alemanha invadiu a Bélgica e ten- tou invadir a França. No entanto, a França conteve o avanço dos alemães com ajuda da Grã-Bretanha. Os alemães construíram “trincheiras” para aguardar uma nova oportunidade de ataque, em setembro de 1915. Na terceira fase, os Estados Unidos entraram na guerra após ter seus navios comerciais afundados pelos ale- mães (1917). Além do que o país americano temia que a Inglaterra e a França perdessem a guerra e não pudessem pagar as dívidas assumidas. Na figura 3, uma fotografia alemã de Berlim, podemos observar que a alegria e o entusiasmo foram as marcas das manifestações nas capitais das grandes potências europeias, após a declaração de guerra em agosto de 1914”. A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL À GRANDE DEPRESSÃO (1914-1933) Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E142 Se o quadro 1 apresenta um esquema do conflito sob uma perspectiva tem- poral a figura 4 visa demonstrar a abordagem econômica. Primeira Guerra Mundial Origens da 1ª Guerra Mundial Fortes rivalidades internacionais Atentado de Saravejo (28 de junho de 2914) Novo Mapa Político Fim da Supremacia européia Eclosão da 1ª Guerra Mundial (1914-1918) Concorrência econômica Intensi�cação dos nacionalismos Política de alianças •Tríplice Aliança (1882) · Alemanha; · Império Austro-Húngaro e a · Itália. •Tríplice Entente (1904) · Inglaterra; · França e · Rússia. Figura 4 - Abordagem econômica da Primeira Guerra Mundial Fonte: autora. O capital monopolista protagonizou em um cenário econômico anterior à Primeira Guerra Mundial, juntamente com os trustes e cartéis – como apresentamos na Unidade III – no cenário europeu dos anos 1890. Isso porque novas tecnologias encareceram o processo produtivo. E o Estado se tornou um aliado da inicia- tiva privada com sua pesada intervenção na economia. Embora já saibamos dessa conjuntura das últimas décadas do século XIX, nessa contextualização podemos identificar o sentimento impregnado pelo nacionalismo e marcado A Primeira Guerra Mundial Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 143 pela concorrência imperialista. A figura 4 contribui para evidenciar as ori- gens da guerra por conta da disputa de mercados, em que a Alemanhase sentiu ameaçada por uma coalizão de potências que teria à frente da França. O povo germânico, representado por Bismarck (estadista alemão, referenciado por chan- celer de ferro) e feridos pela perda de Alsácia-Lorena, arquitetou isolar a França (MORAES, 2017, p. 156). A combinação entre um vibrante nacionalismo e do darwinismo-social da época resultou em uma integração de ideologia de guerra em que a segurança da nação e sua sobrevivência não dependeriam mais de acordos e tratados que reintroduzissem o equilíbrio ou a estabilidade perdida. A segurança só seria alcançada se o outro fosse reduzido à impotência absoluta ou mesmo eliminado (MORAES, 2017, p. 160). Para demonstrar a política mundial na dimensão temporal da Primeira Guerra, a figura 5 apresenta o mapa desse quadro institucional vigente, no qual as rela- ções entre os países era de tensão permanente e no qual blocos de alianças vão se consolidando e se expandindo. Foi no século XIX que o mundo conheceu Charles Darwin por meio da sua Teoria da Seleção Natural. A partir daí, temos o darwinismo (grupo social que dá vida ao darwinismo), Hull chama de entidade histórica, no sentido de ser entendida como a história de um sistema conceitual, que se desen- volve no espaço e no tempo: os darwinistas. A complexidade e a estrutura do trabalho é de tamanha significância científica que propagou-se o Darwi- nismo Social. As ideias evolucionistas aplicadas como instrumento de aná- lise social. A partir dos princípios do social darwinismo, ganhou força uma teoria política fundada na ideia de que a relação entre as nações é impulsio- nada por sua luta pela sobrevivência em um mundo de recursos limitados. Isso fez com que a preparação para a guerra fosse considerada o objetivo maior dos Estados. Fonte: adaptado de Moraes (2013). A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL À GRANDE DEPRESSÃO (1914-1933) Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E144 Figura 5 - Europa em blocos Fonte: Moraes (2017, p. 163). É relevante expor o crescente papel que o Estado passa a desempenhar no orde- namento da atividade econômica nesse contexto. Os preparativos bélicos dos diversos países envolvidos estavam prati- camente prontos. Desde 1910 vivia-se na Europa uma situação de “paz armada”. Os preparativos de ordem econômica, no entanto, eram ine- xistentes, pois pensava-se que a guerra seria de curta duração. Os alia- dos (Inglaterra, França e Rússia) esperavam que os recursos alemães logo se esgotariam, enquanto estes e seus aliados (Áustria-Hungria e Império Otomano), apostavam em uma rápida vitória através de uma fulminante ofensiva contra a França. Já em fi ns de 1914, no entanto, o confl ito engolfara praticamente todos os continentes e transformara-se em uma luta econômica entre os aliados e o bloco alemão, obrigando o Estado a intervir na economia a fi m de assegurar alguma possibilidade de vitória (REZENDE FILHO, 2010, p. 189). A paz armada pode ser entendida como o período de desenvolvimento da indústria bélica pelas grandes potências europeias à espera de uma guerra. A Primeira Guerra Mundial Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 145 A maximização da produtividade por meio da mobilização de todos os fatores produtivos nacionais era a estratégia predominante para o que Rezende Filho (2010) denomina de “economia de guerra”. Sobretudo a partir de 1915, a artima- nha utilizada pelos países aliados é sufocar o bloco alemão mediante um bloqueio total ao seu comércio exterior. O caminho encontrado para a retaliação alemã é o bloqueio da Rússia nos mares Báltico e Negro e, principalmente, impedir o tráfico marítimo inglês por meio da guerra submarina. Os países procuram se tornar autossuficientes, fazendo com que se produza uma notável aceleração na produção em massa, na mecanização industrial, na centralização das empresas, na emissão monetária e no controle do Estado sobre a economia como um todo. Esse impacto no comércio exterior alemão apresentou uma queda nas expor- tações de mais de 30%, e as importações caíram além de 60% do que eram em 1913. Apesar de seu crescente intercâmbio com os países neutros, como Holanda, Dinamarca, Suécia e Itália – até 1915, quando se agrupa aos aliados –, o diri- gismo estatal é precoce. Em 1914, o país germânico efetuou uma política de direcionamento das matérias-primas para a indústria de armamentos, organizou a exploração nos territórios ocupados, incentivou a descoberta de novos méto- dos produtivos e, principalmente, desenvolveu a utilização de substitutos para as matérias-primas mais raras, apoiado na enorme indústria química alemã. Harari (2015, p. n351) descreve com clareza esse contexto. Durante a Primeira Guerra Mundial, a Alemanha foi submetida a um bloqueio e sofreu escassez severa de matérias-primas, em particular o salitre, um ingrediente essencial para a fabricação de pólvora e outros explosivos. Os depósitos mais importantes de salitre ficavam no Chile e na Índia; não havia nenhum na Alemanha. É verdade, o salitre podia ser substituído pela amônia, mas esta também era cara de se produ- zir. Felizmente para os alemães, um de seus concidadãos, um químico judeu chamado Fritz Haber, havia descoberto em 1908 um processo para produzir amônia literalmente do ar. Quando a guerra eclodiu, os alemães usaram a descoberta de Haber para começar a produção in- dustrial de explosivos usando o ar como matéria-prima. Alguns acadê- micos acreditam que, se não fosse pela descoberta de Haber, a Alema- nha teria sido forçada a se render muito antes de novembro de 1918. A descoberta rendeu a Haber (que, durante a guerra, também foi pioneiro no uso de gás venenoso em batalha) um prêmio Nobel em 1918. De química, e não da paz. A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL À GRANDE DEPRESSÃO (1914-1933) Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E146 O esforço de guerra, tanto alemão quanto austríaco, baseava-se totalmente em suas próprias indústrias e capacidade tecnológica. A Alemanha adaptou sua enorme indústria química e suas indústrias de engenharia para a produção de explosivos, propulsores, detonadores, obuses, munições e armamentos. Os franceses e ingleses, por sua vez, viram-se obrigados a expandir suas indústrias bélicas, constataram que grande parte de seus recursos industriais estava obsoleta, além de carecer de toda uma gama de indústrias mais moder- nas. Antes da guerra, dependiam totalmente da Alemanha quanto aos produtos químicos. De acordo com Rezende Filho (2010), produtos como anilinas, dro- gas sintéticas e materiais para processamento fotográficos exemplificam essa relação, visto que justamente as fábricas que produziam esses produtos pode- riam, facilmente, passar a produzir explosivos. Destarte, a Inglaterra teve de criar uma indústria química a partir do nada, baseada em patentes alemãs apreen- didas. Também com relação a gêneros mais sofisticados da Segunda Revolução Industrial, como rolamentos, magnetos, velas de ignição, máquinas fotográfi- cas e aparelhos ópticos, Inglaterra e França eram parcialmente dependentes de importações alemãs. Encontramos em Harari (2015, p. 271) sobre o “casamento” da ciência e da guerra para atender a ordem do sistema econômico: Quando a Primeira Guerra Mundial se transformou em uma guerra de trincheiras interminável, ambos os lados convocaram cientistas para sair do impasse e salvar a nação. Os homens de branco atenderam o chamado, e dos laboratórios saiu um fluxo constante de novas superar- mas: aeronaves de combate, gás venenoso, tanques, submarinos, me- tralhadoras, peças de artilharia, rifles e bombascada vez mais eficazes. Como efeito dessa necessidade material, observa-se, em relação à produção especializada da Suíça, Suécia e principalmente dos Estados Unidos, o elo de dependência cada vez maior por parte da Inglaterra e da França. Galbraith (1988, p.76) afirma que o próprio Ministério das Munições britânico reco- nhece isso em duas passagens: “Durante a primeira parte de 1915, de fato, os fornecedores ultramarinos assumiram uma posição de maior importância, uma vez que o Ministério da Guerra se viu forçado a depender deles para o grosso dos suprimentos de obuses exigidos pela campanha de 1916”, e “A Grã- Bretanha dependia praticamente dos Estados Unidos para obter material para fabricação de propulsores para uma vasta proporção de seu material explosivo. O Pós-Guerra Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 147 Dependia consideravelmente dos Estados Unidos para obter aço para obuses e outros tipos de aço para máquinas-ferramentas”. Em pouco tempo, os Estados Unidos assumiram um caráter de importância vital para o esforço de guerra dos aliados. Inverteram sua posição de tomadores de empréstimos de capital europeu para a posição de maiores credores da Europa e experimentaram um enorme impulso em sua produção industrial. O PÓS-GUERRA Neste ponto, caro aluno (a), você está diante de um elemento crucial na his- tória econômica: o fato histórico, em 1917, da entrada dos Estados Unidos no conflito. A Europa perdera sua posição hegemônica para o país americano. Em novembro de 1918, marca-se a vitória da Entente, forçando os países da Aliança a assinarem a rendição. Os derrotados tiveram de assinar o Tratado de Versalhes. A Alemanha sofreu grandes perdas de territórios e colônias (Alsácia-Lorena para a França e Prússia Ocidental e Posnânia para a Polônia), além de ter de ressarcir todos os danos provocados pela guerra. A contribuição de Rezende Filho (2010) é relevante para o entendimento do desen- volvimento econômico mundial, pois a forma como esses encargos foram impos- tos à Alemanha marcaram toda a trajetória econômica da década de 1920, sendo a grande responsável pelo mais forte abalo que o capi- talismo sofreu: a depressão da década de 1930. A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL À GRANDE DEPRESSÃO (1914-1933) Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E148 O fim da Primeira Guerra Mundial, em 1918, deixou como legado uma série de efeitos sobre a economia mundo-capitalista, conforme a figura a seguir apresenta: Europa perdeu sua posição hegemônica para os Estados Unidos, que se viam credores da incrível soma de mais de 4 bilhões de dólares. Aldcroft, 2001, p. 6-8 apud Saes, 2013, p. 323 admite a perda total de população entre 1914 e 1921 (incluindo mortes e redução da natalidade) foi da ordem de 50 a 60 milhões. O Japão foi um grande bene�ciário do con�ito, acumulando uma reserva em ouro no valor de 183 milhões de libras esterlinas. Sua produção industrial ocupou os mercados que os países europeus eram incapazes de suprir adequadamente. Desorganização do comércio internacional face às enormes perdas das marinhas mercantes. Vários países periféricos viram-se obrigados a iniciar um processo incipiente de industrialização (como o Brasil, por exemplo, com ênfase nos têxteis) substituiva das importações. A contribuição das colônias para o esforço de guerra aliado foi substancial, o que levou suas elites à convicção de que alguma forma de autogoverno seria nelas permitido. A Rússia desde novembro de 1917 estava sob o governo bolchevique que declarou nula todas as obrigações contraídas pelos governos anteriores (empréstimos, �nanciamentos, etc.) Havia uma convicção geral entre os aliados de que as Potências Centrais - particularmente a Alemanha -, pagariam pelos colossais danos que a guerra causara, a �m de restaurar a antiga prosperidade européia. Quando o mundo procurava recobrar fôlego para se dedicar à tarefa de sua re- construção econômica, ocorreu um surto epidêmico. Foi provocado por um ví- rus só identificado em 1933, denominado de gripe espanhola, registrando mais vítimas fatais que a guerra de 1914-1918. Tendo seu auge em 1919, a epidemia alastrou-se pelo mundo todo, causando cerca de 27 milhões de mortes. A maio- ria delas ocorreu na África, Índia e China, e nas regiões européias muito devas- tadas pela guerra, que abrigavam populações carentes de alimentos e medica- mentos, no que foi chamado com propriedade as ‘sobras da colheita da guerra’. Fonte: Rezende Filho (2010, p. 196). O Pós-Guerra Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 149 Europa perdeu sua posição hegemônica para os Estados Unidos, que se viam credores da incrível soma de mais de 4 bilhões de dólares. Aldcroft, 2001, p. 6-8 apud Saes, 2013, p. 323 admite a perda total de população entre 1914 e 1921 (incluindo mortes e redução da natalidade) foi da ordem de 50 a 60 milhões. O Japão foi um grande bene�ciário do con�ito, acumulando uma reserva em ouro no valor de 183 milhões de libras esterlinas. Sua produção industrial ocupou os mercados que os países europeus eram incapazes de suprir adequadamente. Desorganização do comércio internacional face às enormes perdas das marinhas mercantes. Vários países periféricos viram-se obrigados a iniciar um processo incipiente de industrialização (como o Brasil, por exemplo, com ênfase nos têxteis) substituiva das importações. A contribuição das colônias para o esforço de guerra aliado foi substancial, o que levou suas elites à convicção de que alguma forma de autogoverno seria nelas permitido. A Rússia desde novembro de 1917 estava sob o governo bolchevique que declarou nula todas as obrigações contraídas pelos governos anteriores (empréstimos, �nanciamentos, etc.) Havia uma convicção geral entre os aliados de que as Potências Centrais - particularmente a Alemanha -, pagariam pelos colossais danos que a guerra causara, a �m de restaurar a antiga prosperidade européia. Figura 6 - Efeitos sobre a economia mundo-capitalista Fonte: adaptado de Rezende Filho (2010). O limite temporal entre os anos de 1918 e 1929 são assinalados por Rezende Filho (2010) como o marco das mudanças estruturais pelas quais o sistema capitalista passava. Trata-se, para o autor, da crise sistêmica que reflete sua pas- sagem da juventude para a idade madura. Com seu espaço geográfico reduzido, o capitalismo assistiu à luta de sua área central originária, a Europa, para reco- brar sua antiga posição hegemônica sobre a economia-mundo. No entanto, o novo centro, os Estados Unidos, atravessava, notavelmente, um período de prosperidade, devido mais aos créditos acumulados no período da guerra, junto aos países aliados, do que a um real alargamento de seu mercado con- sumidor interno. Conforme Saes e Saes (2013), o período da guerra, por concentrar a pro- dução bélica, criou uma demanda reprimida por muitos produtos – não só os bens duráveis, mas também de consumo corrente, não disponíveis nos anos de conflito. Além disso, o financiamento da guerra se fez, ainda que em pequena parte, por meio de empréstimos do público aos governos – por meio dos cha- mados bônus de guerra –, ou seja, uma parcela da população formou, durante a guerra, uma poupança que, ao fim, poderia ser gasta para satisfazer a demanda reprimida durante os anos de guerra. Assim, admite-se que uma demanda, represada por cerca de quatro anos, foi liberada em 1919 e gerou impulso para a expansãoda economia de alguns países. Ainda para Saes e Saes (2013), o pós-guerra demarcou na Europa Ocidental duas fases distintas. A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL À GRANDE DEPRESSÃO (1914-1933) Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E150 Quadro 2 - Fases do pós-guerra PRIMEIRA FASE Reconstrução das sociedades em um contexto complexo de destruição física e humana, de desorganização do mercado mundial, de endividamento público e de inflação. SEGUNDA FASE Em meados dos anos 1920, tem-se recuperação econômica e reorganização das antigas estruturas econômicas. Do outro lado do Atlântico, os Estados Unidos gozavam de: 1º) grande prestígio financeiro, em função dos empréstimos para a guerra e para a reconstrução européia, com Nova Iorque se tornando um novo e importante centro financeiro; 2º) grande poder industrial, e um exemplo desse contexto foi o sensacional desenvolvimento da indústria automobilística, que ultrapassava de longe, em volume industrial, as outras potências. Fonte: adaptado de Saes e Saes (2013). Esse repentino crescimento da demanda teve outro forte impacto na economia: uma abrupta elevação dos preços, em parte potencializada por políticas monetá- rias e fiscais expansionistas. Destarte, a tendência a elevar os preços, já presente durante a Primeira Guerra, acentuou-se em 1919 e 1921. Foi generalizada a infla- ção por toda a Europa. O quadro 3, a seguir, demonstra o índice de preços para o consumidor entre 1914 e 1920. Quadro 3 - Índices de preços ao consumidor (1914-1920) 1914 1918 1920 Alemanha 100 304 990 Áustria 100 1.163 5.115 Itália 100 289 467 França 100 213 371 Suécia 100 219 269 Holanda 100 162 194 Grã-Bretanha 100 200 248 Estados Unidos* 100 203 249 Fontes: Feinstein, Temin e Toniolo (1997, p. 39 apud SAES; SAES, 2013, p. 326) e Arthmar (1997, p. 94 apud SAES; SAES, 2013, p. 326). *Preços no atacado. 1913=100; 1918=jan/1919; 1920=jun/1920. O Pós-Guerra Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 151 Se o crescimento da produção foi característico de alguns países, tais como Estados Unidos, Grã-Bretanha e Japão, a infl ação se generalizou por toda a Europa, ainda que em graus distintos. Figura 7 - Contas da dona de casa em 1914 Figura 8 - Contas da dona de casa em 1918 Fonte: Wikimedia Commons¹ Fonte: Wikimedia Commons². Esse surto expansivo sofreu abrupta e profunda reversão a partir de meados de 1920. Essa reversão foi particularmente forte nos Estados Unidos. Recessão e defl ação intensas nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha atingiram outros países de forma variada. Alguns também controlaram a infl ação depois de 1920, promovendo mesmo alguma defl ação: foi o caso da Suíça, Suécia, Noruega, Dinamarca e Holanda. Outros, como a França e a Itália, continuaram a registrar algum grau moderado de infl ação. Finalmente, Alemanha, Áustria e Hungria passaram por hipe- rinfl ações em níveis inéditos na história econômica mundial (FEINS- TEIN; TEMIN; TONIOLO 1997, p. 39 apud SAES; SAES 2013, p. 326). A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL À GRANDE DEPRESSÃO (1914-1933) Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E152 No que tange ao desempenho das economias na primeira metade dos anos 1920, podemos declarar que foi variado. No caso dos Estados Unidos, retomaram o rápido crescimento, ao passo que a Grã-Bretanha, em busca do padrão-ouro, manteve-se estagnada. O índice de atividade industrial, apresentado em Saes e Saes (2013), reflete, em grande medida, a forma pela qual os países se envolve- ram com a Primeira Guerra: os mais afetados pela destruição e os que arcaram com as reparações de guerra tiveram grande dificuldade para, ainda na primeira metade dos anos 1920, retomarem o crescimento econômico. O Tratado de Versalhes, assinado em junho de 1919, definiu que as repara- ções de guerra eram devidas pela Alemanha para os vencedores, Grã-Bretanha, França, Estados Unidos e Itália. Os objetivos dos vencedores, em síntese, eram: fortalecer os países eu- ropeus para que não fossem levados pelo caminho da revolução russa (vide leitura complementar); redividir os territórios deixados em aber- to pela queda dos grandes Impérios (Austro-Húngaro, Russo, Turco e Alemão); enfraquecer a Alemanha, que quase sozinha havia derrotado as tropas aliadas; redifinir as políticas internas dos países vitoriosos; e, finalmente, garantir um acordo de paz que impossibilitasse o surgi- mento de uma nova guerra. Para tanto foi criada a “Liga das Nações”, que deveria agregar as principais potências mundiais a fim de solucio- nar pacífica e democraticamente as questões diplomáticas entre os pa- íses. Contudo, tanto o Tratado de Versalhes como a Liga das Nações se mostraram incapazes de instituir um equilíbrio de poder definitivo (SAES; SAES, 2013, p. 329). Rompeu-se o conflito, ficaram as severas punições aos que foram vencidos. O Tratado entendia que a Alemanha era a culpada pela guerra e, por esse motivo, perdeu um total de 13,5% de seu território. Teve de entregar sua frota naval para a Grã-Bretanha. Foi privada de manter uma força áerea e tinha a permis- são para um exército de apenas 100 mil homens. E, por fim, foram repassadas todas as dívidas de guerra. A Economia Mundial e os Anos 20 Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 153 A ECONOMIA MUNDIAL E OS ANOS 20 Em um tratamento muito breve, vamos abordar o contexto econômico mundial dos anos 20. É relevante a contextualização a ser apresentada, uma vez que se trata do cenário da conhecida crise de 1929, a qual estudaremos adiante. A retomada do padrão-ouro era o que Rezende Filho (2010) considera como primeiro problema com que a Grã-Bretanha se deparou. Na visão dos “econo- mistas clássicos”, o retorno ao padrão-ouro era necessário para normalização das transações internacionais e para garantir a atuação livre dos mecanismos de mercado. E assim esse sistema foi restabelecido. Relacionado à moeda com las- tro metálico estava o problema da Alemanha. Embora em 1913 o ouro representasse apenas 10% da circulação monetária total, contra 83% de títulos e depósitos bancários, ele era ainda usado como referência básica para as taxas de câmbio. O abandono do padrão-ouro que as circunstâncias da guerra obrigaram, levou os preços a variarem segundo as condições internas de cada país e a inflação passou a depender do balan- ço de pagamentos. Fonte: Saes e Saes (2013, p. 328). A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL À GRANDE DEPRESSÃO (1914-1933) Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E154 O país derrotado da Primeira Guerra Mundial viu sua economia arruinada por uma série de fatores. A enorme quantidade de títulos públicos emitidos sem las- tro durante a guerra, aliada à perda de territórios de concentração industrial e de recursos naturais e a instabilidade política são fatores que representam esse contexto. Conforme Rezende Filho (2010), em finais de 1922, a Alemanha se declarou incapaz de continuar com o pagamento das reparações, o que levou a França, que apostava todo seu futuro econômico nos pagamentos que adviriam dos germânicos, a ocupar a região do Ruhr, em 1923, para que o fornecimento de carvão garantisse o pagamento da dívida. Os efeitos psicológicos da ocupação e a onda de greves dos mineiros que se seguiu, tornaram a situação insustentável. Em fins de 1923, entretanto, o marco é abandonadopor não valer mais nada e foi criado o rentenmark para substituí-lo. Em nossa sucinta análise, devemos apre- sentar, ainda, sob a perspectiva econômica alemã, a elaboração dos Plano Dawes por parte de uma comissão internacional. Este estabeleceu novos valores anuais para o pagamento das reparações, considerando o quanto a Alemanha poderia pagar, e não quanto deveria pagar como culpada pela guerra. Além disso, garan- tiu um empréstimo de 40 milhões de libras para auxiliar nesses pagamentos. O outro pilar da economia europeia, , por seu lado, também não se com- portava mais como no pré-guerra. A França é obrigada a manter-se pela força militar em suas novas áreas da Síria e Líbano, e na Indochina a década de 1920 pauta-se pelo renascimento do sentimento nacionalista vietnamita, com uma série de greves, passeatas de protestos e incipientes movimentos de rebeldia militar. Em 1919 o Ocidente é sacudido pelas manifestações chinesas contra os acordos coloniais do Tratado de Versa- lhes e a presença do Japão em seu território. Na Índia, após o massacre de Amritsar em 1919, quando 379 homens, mulheres e crianças são mortos pelos ingleses durante manifestação pacífica, a presença inglesa não será mais aceita consensualmente. Surgem movimentos de aberta rebeldia e de resistência pacífica de Mahatma Gandhi. A Inglaterra é obrigada a conceder independência a seus ex-domínios do Canadá, Austrália, Nova Zelândia e África do Sul, graças em grande parte ao auxílio que eles lhe prestaram durante a guerra, reconhecendo que a ligação que mantinham entre si, devia-se apenas ao símbolo de uma coroa comum. E mesmo os países sujeitos ao imperialismo informal, vêem a presença econômica eu- ropeia diminuir; Argentina e Brasil, por exemplo, adquirem durante os anos 20, 64% e 50% de suas importações na Europa, contra 80 e 60% em 1913. Em resumo, sem o afluxo de capitais norte-americanos, a Europa é incapaz de aumentar tanto suas exportações como suas importações, para equipará-las aos níveis de pré-guerra (REZENDE FILHO, 2010, p. 201). A Economia Mundial e os Anos 20 Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 155 Os Estados Unidos, diferente da Europa, adentraram a década de 1920 como a maior economia industrial e financeira no mundo. Adotaram um posiciona- mento isolacionista de um país praticamente autossuficiente. Um exemplo disso é a defesa por parte do partido republicano, em 1920, por uma plataforma de ações que dava prioridade para o mercado interno, relegando a um plano secundário as considerações de ordem internacional. Tanto é que o Congresso norte-ame- ricano decidiu por não ratificar o Tratado de Versalhes. No entanto, [...] seu gigantismo industrial, comercial e financeiro revelou com o crash da bolsa de Nova Iorque, em 1929, o quanto as diferentes partes da economia mundial estavam estreitamente conectadas com a econo- mia norte-americana. A evolução da economia norte-americana na dé- cada de 1920, respondeu, portanto, a esses dois determinantes: de um lado, o isolacionismo de sua política; de outro, o peso de sua economia mundial (SAES; SAES, 2013, p. 334). Por fim, o período de 1925-1929 teve como peculiaridade sua reconstrução a partir do padrão-ouro, em uma fase de expansão significativa e desenvolvimento da eco- nomia mundial e com a incorporação das transformações da Segunda Revolução Industrial. Aprendemos com Saes e Saes (2013) que se trata de um período de fra- gilidade por conta da dependência mundial em relação às exportações de capital norte-americanas que se refletem em 1928, quando os Estados Unidos, na ten- tativa de segurar o boom em Wall Street, elevou a taxa de juros. Para compensar a queda da entrada de capitais dos Estados Unidos, vários países retornaram às políticas protecionistas, com o objetivo de ampliar as rendas das balanças comer- ciais. O impacto da crise de 1929 e da Grande Depressão evidenciou que as bases da economia mundial da década de 1920 eram frágeis e foram insuficientes para fazer frente aos problemas colocados pelos eventos do fim da década. O Tratado de Paz não contém qualquer disposição orientada para a reabili- tação econômica da Europa. Fonte: Keynes (2002, p. 157). A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL À GRANDE DEPRESSÃO (1914-1933) Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E156 A GRANDE DEPRESSÃO (1929-1933) O período que segue à deflagração da Primeira Guerra Mundial marcou o início de uma série de eventos conjunturais que, somados, refletem uma fase de profun- das rupturas na organização da economia internacional. Direta ou indiretamente, questionava-se, a partir da guerra, a influência política dos países imperialistas e a divisão geográfica do mundo entre eles e, ainda, a organização do sistema econô- mico internacional. Para Rezende Filho (2010, p. 187), trata-se de uma dimensão temporal que reflete em uma crise de crescimento do sistema capitalista, no qual acontece sua “passagem da ‘juventude’ para a idade ‘adulta’”. No sistema dos Estados Unidos, otimismo e confiança eram sentimentos inerentes ao público em geral na época que antecedeu a queda da bolsa nova ior- quina. Até fevereiro de 1928, aproximadamente, a alta do preço dos papéis seguiu assinalando o aumento dos lucros das empresas, a partir dessa dimensão tempo- ral, conforme Rezende Filho (2010), ela foi sustentada pela onda especulativa. Em meados de 1928, a construção civil foi abalada por um colapso. Assim, em 4 de dezembro de 1928, o presidente norte-americano Calvin Coolidge emitiu uma mensagem no intuito de restabelecer a credibilidade. Galbraith (1988, p. 3) nos apresenta a afirmação da autoridade americana: nenhum Congresso deste país já se terá reunido para apreciar o estado da União diante de uma perspectiva mais agradável do que a que se apresen- ta neste momento. O cenário nacional é de tranquilidade e satisfação… além de registrar o recorde absoluto de anos de prosperidade. O cenário internacional apresenta a paz e a boa vontade próprias do entendimen- to mútuo’… Afirmava o Presidente que juntamente com o país todos os legisladores podiam olhar o presente com satisfação e aguardar o futuro com otimismo. As frágeis bases sobre as quais se assentava a era de prosperidade norte-americana são ainda mais fragilizadas pela corrida especulativa, que fez, de 1923 a 1926, as transações na Bolsa de Nova Iorque subirem de 236 para 451 milhões de títulos, enquanto o preço médio de 25 títulos representativos subiu 54%. A presença dos con- sórcios de investimentos, de grandes empresas e de bancos, atuantes no mercado de ações como financiadores, demonstrava a explosão de crédito que houve, no final da década de 1920, para ser direcionado a ganhos financeiros por meio da especulação. A Grande Depressão (1929-1933) Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 157 O dia 24 de outubro de 1929 ficou marcado na história como a “Quinta-feira negra”, considerado o dia decisivo para a quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque. Hobsbawm (1995, p. 91) considera que sem esse episódio [...] com certeza não teria havido Hitler. Quase certamente não teria havido Roosevelt. É muito improvável que o sistema soviético tivesse sido encarado como um sério rival econômico e uma alternativa pos- sível ao capitalismo mundial. As consequências da crise econômica no mundo não europeu ou não ocidental[...], foram patentemente impres- sionantes. Em suma, o mundo da segunda metade do século XX é in- compreensível se não entendermoso impacto do colapso econômico. Esse dia marcou a história econômica. Rompeu-se as condições artificiais do crescimento da economia norte-americana, pois se chegou ao ponto em que os compradores não mais levavam em conta o valor intrínseco dos títulos, procurando aumentar seu patrimônio pela simples posse de ações quaisquer. Isso, naturalmente, supervalorizava todos os papéis. Nessas condições, mesmo as ações das empresas mais sólidas se encontravam megalorizadas, enquanto que as empresas de segunda linha haviam atingido preços injustificáveis, muito além do seu valor patrimonial ou de sua capacidade de remunerar, por meio de dividendos, os capitais aplicados. A observação de Romer é extremamente pertinente nesse ponto: pessoas que não são economistas geralmente vêem o crash da Bolsa de Valores de Nova York e a Grande Depressão como o mesmo evento. O declínio no preço das ações em outubro de 1929 e o tremendo declínio na produção real entre 1929 e 1933 são simplesmente vistos como parte do mesmo declínio cataclísmico da economia americana. Em contras- te, muitos economistas acreditam que os dois eventos estão mais tan- gencialmente relacionados (ROMER, 1990, p. 597 [tradução nossa]). O impacto da depressão posterior à crise de 1929 se estendeu por longos anos, de maneira que o PIB norte-americano apenas recuperou o valor referente ao período anterior ao colapso em 1937. Os eventos identificados com a Grande Depressão, dessa forma, foram muito mais traumáticos e graves do que o sim- bolismo da quebra da bolsa. Para aqueles que por definição, não tinham controle ou acesso aos meios de produção (a menos que pudessem voltar para uma família camponesa no interior), ou seja, os homens e mulheres contratados por salários, a con- sequência básica da Depressão foi o desemprego em escala inimaginável e sem precedentes, e por mais tempo do que qualquer um já experimentara. A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL À GRANDE DEPRESSÃO (1914-1933) Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E158 No pior período da Depressão (1932-3, 22% a 23% da força de trabalho britânica e belga, 24% da sueca, 27% da americana, 29% da austríaca, 31% da norueguesa, 32% da dinamarquesa e nada menos que 44 % da alemã não tinham emprego. E, o que é igualmente relevante, mesmo a recuperação após 1933 não reduziu o desemprego médio da década de 1930 abaixo de 16% a 17% na Grã-Bretanha e Suécia ou 20% no resto da Escandinávia. O único Estado ocidental que conseguiu eliminar o desemprego foi a Alema- nha nazista entre 1933 e 1938. Não houvera nada semelhante a essa catás- trofe econômica na vida dos trabalhadores até onde qualquer um pudesse lembrar (HOBSBAWM, 1995, p. 91). A repercussão da Grande Depressão afetou o mundo na década de 1930. Houve revoluções sociais, instauração de novas formas de governo e, também, criação de novas políticas econômicas. Tal peculiaridade transformou o crash da Bolsa de Nova Iorque e a depressão dele decorrente em um dos grandes temas dentre os estudos e os debates econômicos. A década de 1930 (Grande Depressão) pode ser pensada como mais um elemento desestabilizador no cenário de reorganização da economia mundial. Esse ínterim foi marcado pela permanência das incertezas herdadas da década anterior. A onda de falência dos bancos, nos Estados Unidos, o aumento do desemprego, a deflação e a crise da agricultura resultaram em um projeto global bem definido para enfren- tar essa conjuntura: o New Deal . Outro fato que merece destaque, principalmente para os estudiosos da Economia, foi a publicação da obra de Keynes, Teoria geral do emprego do juro e da moeda, em 1936. Ousamos omitir alguns elementos importan- tes para a História Econômica Geral, diante do convite, caro(a) aluno(a), para que possa conhecer obras importantes e esclarecedoras do período estudado. Galbraith, Keynes, Schumpeter, Berle e Means, entre outros. Por questões didáticas, encerraremos a Unidade IV aqui, diante da expectativa de que o cenário apresentado tenha configu- rado a Segunda Guerra Mundial, protagonista da nossa próxima unidade. Até breve! A partir do contexto da queda da bolsa de 1929 e a Grande Depressão, qual o papel do Estado na economia: um estado mais intervencionista ou mais liberal? Considerações Finais Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 159 CONSIDERAÇÕES FINAIS Hobsbawm (1995, p. 30) declarou que para os que cresceram antes de 1914, não havia continuidade – pós-guerra – com relação ao passado. “Paz” significava “antes de 1914” depois disso veio algo que não mais merecia esse ano. É sobre esse tempo infértil que estudamos na Unidade IV. Sem fecundidade, pois entendemos que a vida humana tem um valor que transcende à ordem eco- nômica. A Primeira Guerra Mundial foi o primeiro evento, efetivamente, que envolveu todas as Grandes Potências. Milhões de mortos – a nacionalidade deles não tem a menor relevância –, vidas que se foram para satisfazer os anseios das disputas coloniais. A humanidade sobreviveu, mas nunca mais foi a mesma! Apresentamos o cenário histórico da Primeira Guerra composto pela Tríplice Aliança e pela Tríplice Entente. O motivo era o de pontuar o contexto imperia- lista vigente. No entanto, após a guerra, a configuração mundial mudou! Os Estados Unidos se beneficiam e passam a ser o novo centro da economia-mundo. Vimos que foi um notável período de prosperidade americana, devido aos créditos acu- mulados no período da guerra junto aos países aliados. Contudo, revelou-se um crescimento artificial, uma vez que o país do Tio Sam se percebeu impossi- bilitado de continuar a sustentar níveis de consumo interno por uma absoluta escassez de capitais, os quais haviam se transformado em estoques ou em inves- timentos externos. Por fim, as frágeis bases sobre as quais se assentava a era de prosperidade norte-americana são ainda mais fragilizadas pela corrida especulativa, que fez, de 1923 a 1926, as transações na Bolsa de Nova Iorque subirem. A presença dos consórcios de investimentos, de grandes empresas e de bancos, atuando no mer- cado de ações como financiadores, demonstrava a explosão de crédito que houve, no final da década de 1920, para ser direcionado a ganhos financeiros por meio da especulação. Em outubro de 1929, marca-se a queda da bolsa de Nova Iorque. E o período que sucede é de Depressão e os americanos passam a sentir sinais de recuperação apenas em 1937. De forma bastante generalizada, são esses os nossos pontos abordados nesta Unidade IV. 160 1. Da I Guerra em diante, qualquer guerra do século XX, “envolve todos os cida- dãos e mobiliza a maioria; é travada com armamentos que exigem um desvio de toda a economia para a sua produção, e são usados em quantidade inima- gináveis; produz indizível destruição e domina e transforma absolutamente a vida dos países envolvidos (HOBSBAWM, 1995, p. 51). Sobre a Primeira Guerra Mundial, avalie as afirmações a seguir. I. Nas relações entre os Estados europeus que se envolveram na Primeira Guerra Mundial estão totalmente ausentes as questões relacionadas às dis- putas por expansão colonial. II. Em nenhum momento, as razões da Primeira Guerra Mundial estão relacio- nadas com questões econômicas. III. O evento que forneceu o pretexto para o início da I Guerra Mundial foi o assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando de Habsburgo, herdeiro do trono da Áustria-Hungria, em junho de 1914. É correto o que se afirma em: a) Apenas I. b) Apenas III. c) Apenas I e III. d) Apenas II e III. e) I, II e III. 2. Aqui temos a oportunidade de refletir sobre a Primeira Guerra Mundial. Diante do seu conhecimento,escreva um pequeno texto que relacione o imperia- lismo e o contexto internacional como elementos fundamentais para o conflito. 3. A definição das bases para as relações entre vencedores e derrotados da Pri- meira Guerra Mundial era um problema a ser resolvido no pós-guerra. Um dos Tratados de Paz foi o de Versalhes, assinado em junho de 1919. Discorra sobre esse importante acordo. 161 4. Durante a guerra, ao se concentrar a produção na indústria __________, criou- -se uma demanda reprimida por muitos produtos. Além disso, o financiamento da guerra se fez, ainda que em pequena parte, por meio de _____________ do público aos governos (por meio dos chamados bônus de guerra), ou seja, uma parcela da população formou, durante a guerra, uma _____________ que, ao fim, pode ser gasta para satisfazer a demanda reprimida durante os anos de guerra. Assim, admite-se que uma demanda represada por cerca de quatro anos foi liberada em 1919 e gerou o impulso para a ____________ da econo- mia de alguns países. a) têxtil, devolução, dívida, queda. b) têxtil, empréstimos, dívida, deflação. c) madeireira, restituição, poupança, inflexão. d) madeireira, empréstimos, poupança, expansão. e) bélica, empréstimos, poupança, expansão. 5. O dia 24 de outubro de 1929 ficou marcado na história como a “Quinta-feira negra”, considerado o dia decisivo para a quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque. A quebra da bolsa está associada à pior crise econômica de toda a his- tória norte-americana (SAES; SAES, 2013, p. 347). A partir do fragmento do texto apresentado, avalie as asserções a seguir e a relação proposta entre elas. A crise de 1929 e a Grande Depressão dos anos 1930 não têm nenhuma cone- xão com os eventos da década de 1920 porque O período de 1925-1929 foi caracterizado por uma fase de expansão e desen- volvimento da economia mundial com a incorporação das transformações da Segunda Revolução Industrial. A respeito dessas asserções, assinale a opção correta. a) As asserções I e II são proposições verdadeiras, e a II é uma justificativa cor- reta da I. b) As asserções I e II são proposições verdadeiras, mas a II não é uma justifica- tiva correta da I. c) A asserção I é uma proposição verdadeira, e a II é uma proposição falsa. d) A asserção I é uma proposição falsa, e a II é uma proposição verdadeira. e) As asserções I e II são proposições falsas. 162 A REVOLUÇÃO MEIJI COMO BASE PARA OCIDENTALIZAÇÃO DO JAPÃO O Japão desenvolveu um sistema econômico próprio, baseado na imposição de pesa- dos encargos em espécie ao campesinato, e na existência de oficinas e manufaturas es- tatais. Esse país viveu um rigoroso isolamento desde o século XVII tendo tido pouco rela- cionamento com o Ocidente no período da expansão ultramarina européia. No entanto, em 31 de março de 1854, foi firmado o Tratado de Kanagawa. Esse acordo provocou uma explosão de comércio entre Japão e Estados Unidos. Diga-se de passagem, essa abertura, por parte da sociedade nipônica, é resultado de uma imposição representada pelo Comodoro Perry, um norte-americano que ancorou com sua frota na baía do Edo (Tóquio) com quatro grandes navios negros a vapor com os canhões em riste apontando para a cidade. Conforme Rezende Filho (2010), o Japão foi a única nação afro-asiática atingida pela nova onda colonizadora capitalista (o imperialismo) que conseguiu passar da área externa para a área central da economia-mundo. Com esse impacto ocidental sobre o Japão, inaugurou-se um período marcado pela grande influência das pressões externas sobre o comportamento japonês. A presença ocidental era sentida como uma ameaça à segurança nacional e também como um estí- mulo à transformação. Com o marco do ano de 1868, deu-se a Revolução Meiji. Esse pro- cesso foi a base para a construção de um Estado moderno de modelo ocidental. Assim, encerrava-se o isolamento japonês e a existência de característica feudal em que o país penetrará no mundo internacional como nação moderna. No desejo de expandir sua esfera de influência na China e no Pacífico, o Japão declarou Guerra à Alemanha em agosto de 1914, aliado ao Império Britânico. Em 1918, a Alema- nha celebrou um armistício, pondo fim a mais de quatro anos de guerra. Rezende Filho (2010) apresenta que os efeitos sobre a economia-mundo capitalista era patentes. Nesse contexto, o Japão foi um dos beneficiários. Acumulou uma reserva em ouro no valor de 183 milhões de libras esterlinas. Apoderou-se de todas as colônias alemãs do Pacífico (com exceção do nordeste da Nova Guiné que foi para a Austrália). Sua produção indus- trial ocupou os mercados que os países europeus eram incapazes de suprir adequada- mente: os mercados da China; da Indochina Francesa; a demanda de material bélico da Rússia; os mercados do Chile e Peru, tradicionais clientes alemães; os mercados da costa oeste americana, a partir de 1917. Já na Segunda Guerra Mundial, o Japão integrou, com a Alemanha e a Itália, o chama- do Eixo, o que sugere alguma identidade entre seus regimes políticos. É certo que, no Japão, não encontramos algumas características do fascismo como se manifestou na Alemanha (com Hitler) e na Itália (com Mussolini). Não obstante, esses países se asse- melham por apresentar regimes cujas políticas principais eram a repressão no país e a expansão no estrangeiro. Fonte: adaptado de Rezende Filho (2010). Material Complementar MATERIAL COMPLEMENTAR As consequências econômicas da paz J. M Keynes Editora: Universidade de Brasília Sinopse: Sob o impacto das pesadas reparações de guerra impostas à Alemanha, após a I Grande Guerra Mundial, Keynes escreveu em 1919 o livro Consequências Econômicas da Paz, um dos seus escritos. Se os conselhos de Keynes para moderação das condições impostas aos perdedores tivessem sido ouvidos no Tratado de Versalhes, os frutos da humilhação e dos desequilíbrios fi nanceiros talvez não fossem colhidos na hiperinfl ação alemã de 1923, no surgimento do Nazismo e na II Guerra Mundial. Ouro Ano: 2017 Sinopse: Kenny Wells (Matthew McConaughey) é um homem americano que tem como sonho mudar de vida. Filho de pai garimpeiro, ele vê na busca pelo ouro a chance para mudar sua situação. E é por isso que ele vai atrás de um geólogo picareta para, juntos, viajarem para Indonésia em busca desta pedra dourada. Eles queriam encontrar grandes reservas do metal precioso. O que não esperavam é que, ao encontrarem o que procurava, teriam de fugir de ferozes inimigos que querem barrar seus negócios. REFERÊNCIAS GALBRAITH, J. K. 1929 - O Colapso da Bolsa. São Paulo: Pioneira, 1988. HARARI, Y. N. Sapiens: uma breve história da humanidade. 7. ed. Porto Alegre: L&PM, 2015. HOBSBAWM, E. A Era dos Extremos: O Breve Século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. KEYNES, J. M. As consequências econômicas da paz. Brasília: Universidade de Bra- sília, 2002. Disponível em: < http://funag.gov.br/loja/download/42-As_Consequen- cias_Economicas_da_Paz.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2018. MORAES, L. E. História Contemporânea: da Revolução Francesa à Primeira Guerra Mundial. São Paulo: Contexto, 2017. REZENDE FILHO, C. B. História Econômica Geral. 9. ed. São Paulo: Contexto, 2010. ROMER, C. The Great Crash and the Onset of the Great Depression (1929-1933). The Quarterly Journal of Economics, v. 105, n. 3, p. 597-624, 1990. SAES, F. A. M.; SAES, A. M. História econômica geral. São Paulo: Saraiva, 2013. SONDHAUS, L. A Primeira Guerra Mundial. São Paulo: Contexto, 2013. REFERÊNCIAS ON-LINE ¹Em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Comptes_de_la_m%C3%A9nag%- C3%A8re_en_1914-_Archives_nationlaes-AB-XIX-4012-classeur3.jpg>. Acesso em: 14 mar. 2018. ²Em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Comptes_de_la_m%C3%A9nag%- C3%A8re_en_1918-Archives_nationales-AB-XIX-4012-classeur3(2).jpg>.Acesso em: 14 mar. 2018. GABARITO 165 1. Alternativa b. 2. Embora o crescente nacionalismo tenha estimulado o espírito bélico, não havia, entre os países em guerra, divergências ideológicas significativas, seja no plano político ou econômico. Admite-se que a deflagração da guerra não era esperada nem mesmo pelos estadistas envolvidos no conflito: acreditava-se numa solu- ção pacífica para o problema. No entanto, o desenvolvimento de diversas eco- nomias industriais em crescente competição, com suas implicações – em outras palavras, o Imperialismo – levou à guerra, talvez até contra a vontade dos que a deflagraram: “[...] o desenvolvimento do capitalismo empurrou o mundo inevita- velmente em direção à uma rivalidade entre os Estados, à expansão imperialista, ao conflito e à guerra” (HOBSBAWM, 1988, p. 437 apud SAES; SAES, 2013, p. 310). 3. Em 1919 e 1920 foram estabelecidos tratados de paz separadamente com os países derrotados (Alemanha, Áustria, Hungria, Bulgária e Turquia). O mais im- portante desses Tratados foi o de Versalhes (junho de 1919), que definia as repa- rações de guerra devidas pela Alemanha aos vencedores – Grã-Bretanha, França, Estados Unidos e Itália. Os objetivos dos vencedores, em síntese, eram: fortalecer os países europeus, para que não fossem levados pelo caminho da Revolução Russa; redividir os territórios deixados em aberto pela queda dos grandes Impé- rios – Austro-Húngaro, Russo, Turco e Alemão –; enfraquecer a Alemanha, que quase sozinha havia derrotado as tropas aliadas; redefinir as políticas internas dos países vitoriosos; por fim, garantir um acordo de paz que impossibilitasse o surgimento de uma nova guerra. 4. Alternativa e. 5. Alternativa d. GABARITO U N ID A D E V Professora Me. Carla Fabiana de Andrade Gonçalves Iori A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL E AS PERSPECTIVAS DO CAPITALISMO TARDIO (1933- DIAS ATUAIS) Objetivos de Aprendizagem ■ Analisar o contexto da Segunda Guerra Mundial. ■ Reconhecer a dimensão da Segunda Guerra Mundial. ■ Refletir a abordagem do capitalismo tardio. Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: ■ O Contexto da Segunda Guerra Mundial ■ A Dimensão da Segunda Guerra Mundial ■ O capitalismo tardio e a financeirização do sistema: as peças de um quebra cabeça INTRODUÇÃO Caro(a) aluno(a), nesta unidade, vamos refletir sobre os aspectos que envolve- ram a Segunda Guerra Mundial, bem como a repercussão econômica em nível mundial. Vamos conhecer, portanto, uma série de transformações institucionais no capitalismo tardio, que vão desde o incentivo ao consumo ao regime de acu- mulação predominantemente financeiro. Reconheceremos o cenário responsável pela Segunda Guerra Mundial. Dessa forma, vamos identificar a tensão entre as relações internacionais que, desde a década de 30, permeavam o contexto mundial. Esse ínterim resultou em nações governadas por espécies de regimes totalitaristas, o que modifica totalmente o rumo da história mundial. Será motivo de nossa análise a proporção da atrocidade da Segunda Guerra Mundial. O propósito dessa abordagem é despertar a reflexão para a caracterís- tica do capital monopolista que, ao longo do tempo, demonstrou que o sistema mundial capitalista é, em grau considerável, precisamente uma função da validade universal da lei de desenvolvimento desigual e combinado (MANDEL, 1982). Vamos analisar o sistema de relações de produção e relação de trocas cor- respondentes em uma escala internacional. A partir disso, encontraremos o caminho do entendimento para a conjuntura atual do sistema, pautada em um regime de acumulação predominantemente financeiro. A contextualização se dá dentro de um ambiente econômico muito instável e imprevisível. Esta vulnerabilidade será reconhecida como resultado do aumento da aumento da concorrência intercapitalista, com o processo de globalização e os ajustes estruturais que privilegiam o mercado como instrumento de regulação. Veremos que, para sobreviver nesse ambiente inovado, as empresas passam a procurar maior flexibilidade e integração na sua forma de organização. Nesse caminho de apreender sobre a configuração da economia mundial no século XXI, só temos uma certeza: ela reserva desafios para a humanidade. Vamos lá? Introdução Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 169 A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL E AS PERSPECTIVAS DO CAPITALISMO TARDIO (1933- DIAS ATUAIS) Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. VU N I D A D E170 O CONTEXTO DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL Sob várias perspectivas, a dimensão cronológica entre as duas Guerras Mundiais testemunhou a continuação daquelas tendências imanentes que modelaram o cenário econômico na primeira década do novo século. É uma continuação em nível mais adiantado e em um ritmo acelerado. Esses dois episódios mundiais podem ser definidos como guerras de “redivisão” de mercados e colônias no interior do sistema capitalista. As relações internacionais estavam tensas ao longo da década de 30. Rezende Filho (2010) assinala a Segunda Guerra Mundial como a última tentativa, de cer- tos países da área central da economia-mundo, de recuperar suas economias pelo estabelecimento de relações imperialistas no estilo do século XIX e, estrutural- mente, como a possibilidade de tirar o sistema capitalista da Grande Depressão. O período entre guerras representou para o sistema capitalista um verdadeiro teste, experimentando sua solidez e articulação interna, através de duas guerras mundiais, dois períodos de reconstrução eco- nômica, uma longa década de profunda depressão econômica geral, e a diminuição de seu espaço geográfico pela implantação de soluções econômicas alternativas (REZENDE FILHO, 2010, p. 187). Esse período marca, também, o fim da hegemonia europeia sobre a economia- -mundo, com sua substituição pelos Estados Unidos. E, mais significativamente ainda, marca o fracasso das tentativas de imposição de posições dominantes pela via do imperialismo, encetadas pela Alemanha em 1914-1918 e em 1933-1945, pelo Japão em 1931-1945 e pela Inglaterra, França e Itália durante as décadas de 1920-1930. Os movimentos autoritários e conservadores, que surgiram no período entre guerras, assumiram sua forma comumente conhecida como fascismo. Rezende Filho (2010) apresenta quatro razões principais para esse tipo de movimento, as quais estão apresentadas a seguir, na figura 1. O Contexto da Segunda Guerra Mundial Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 171 A crise da reconversão do pós-guerra, que gerou uma enorme massa de desempregados entre os trabalhadores, fez com que ideologias políticas radicais tivessem enorme difusão, culpando a democracia pela existência das crises. A proletarização das classes médias, as quais passam a desejar um Estado forte de tendências militaristas-nacionalistas. A redução dos lucros da burguesia �nanceira-industrial, a qual quis se compensar aumentando a exploração dos trabalhadores. A ascensão dos partidos de Esquerda, principalmente após a revolução bolchevique de 1917, na União Soviética, e a fundação do Comintern em 1919, que colocava em risco a existência do sistema capitalista, fazia com que a luta de classes atingisse um ponto insuportável, segundo a ótica da burguesia e das camadas médias. Regimes autoriátios - fascismo (Itália). - nazismo (Alemanha). - Expansionismo militarista (Japão). - Franquismo (Espanha).- Salazarismo (Portugal). Figura 1 - Raízes do fascismo Fonte: adaptado de Rezende Filho (2010). Em mais de um sentido, a política nacionalista-expansionista dos Estados autoritá- rios, mais o “preço da paz” de 1918 desembocaram em um curso que, fatalmente, desencadearia um novo conflito de grandes proporções. As forças alemãs invadiram a Polônia no dia 1º de setembro de 1939 e ocu- param o país em poucas semanas, no dia 03 de setembro, Inglaterra e França declararam guerra à Alemanha. Naquele momento foi acionada toda a máquina de guerra, que só seria desativada em 1945, com a derrota do Eixo. A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL E AS PERSPECTIVAS DO CAPITALISMO TARDIO (1933- DIAS ATUAIS) Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. VU N I D A D E172 A DIMENSÃO DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL Às 5h29min45s da manhã de 16 de julho de 1945 ocorreu o momento mais notá- vel e definidor dos últimos 500 anos. Naquele exato segundo, concretizava-se a Experiência Trinity, o primeiro teste nuclear da história. O teste foi conduzido pelos Estados Unidos da América, cientistas detonaram a bomba atômica em Alamogordo, Novo México. Conforme Harari (2015, p. 259), desse ponto em diante “a humanidade teve capacidade não só de mudar o curso da história como também de colocar um fim nela”. Figura 2 - Alamogordo, 16 de julho de 1945. O fascismo nasce oficialmente em 1919 quando Mussolini funda, em Milão, na Itália, o movimento intitulado Fascio de Combatimento, cujos integrantes, os camisas pretas, opõem-se à classe liberal. Fonte: adaptado de Marques, Berutti e Faria (2012). A Dimensão da Segunda Guerra Mundial Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 173 Não podemos, no presente trabalho, desviar dos aspectos econômicos do desen- volvimento histórico. No entanto, entendemos como fundamental a sensibilização para os episódios que envolvem essa dimensão temporal. Em 06 de agosto de 1945, a cidade de Hiroshima, no Japão, foi bombardeada. Aquilo que havia “sucedido” por meio da Experiência Trinity foi aplicado pelo bombardeiro nor- te-americano B-29, apelidado de Enola Gay, que, portanto, lançou a bomba atômica (Little Boy) sobre a cidade de Hiroshima, sede do comando militar do Japão Imperial. A explosão provocou a morte imediata de mais de 100 mil pes- soas, outras 35 mil ficaram feridas e pelo menos mais 60 mil pessoas faleceram em decorrência da radiação até o final daquele ano. Em 6 de agosto de 1945, a Casa Branca comunicou o bombardeio de Hiroshima ao povo norte-americano: “acabamos de lançar sobre o Japão a força de onde o Sol tira o seu poder. Nós conseguimos do- mesticar a energia fundamental do universo”. O presidente Harry Truman declarou: “O mundo constata que a primeira bomba atômica foi lançada sobre Hiroshima, uma base militar; nós ganhamos, contra a Alemanha, a corrida da sua descoberta. Nós a utilizamos com a finalidade de reduzir a angústia da guerra e com o fim de salvar as vi- das de milhares e milhares de jovens americanos. Nós continuaremos a empregá-la até conseguirmos destruir completamente os recursos bélicos japoneses” (cf. Truman, 1955.). Em 9 de agosto de 1945, às 11h2min, uma segunda bomba nuclear, a Fat man, foi lançada por Charles Sweeney, Frederick Ashworth e outros de um bombardeiro B-29 sobre a cidade de Nagasaki. O alvo foi trocado de Kokura para Nagasaki em virtude das más condições de visibilidade. A explosão, equivalente a 22 mil toneladas de TNT, foi obtida usando 8 kg de plutônio 239, com uma bomba de 4.5 toneladas, que provocaram a morte de mais de 70 mil civis. Em 15 de agosto, Hirohito, Imperador do Japão, anunciou a capitulação incondicional de seu país. Ele tinha 46 anos, quando se dirigiu pela primeira vez ao seu povo para comu- nicar chorando, em linguagem arcaica, que o Japão perdera a guerra. Alamogordo, 16 de julho de 1945, 5:29:53 da manhã. Oito segundos depois que a bomba atômica foi detonada. O físico nuclear Robert Oppenheimer, ao ver a explosão, citou Bhagavad Gita: “Agora eu me torno a Morte, a des- truidora de mundos”. A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL E AS PERSPECTIVAS DO CAPITALISMO TARDIO (1933- DIAS ATUAIS) Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. VU N I D A D E174 O inimaginável tinha acontecido, era necessário aceitar o inaceitável: a rendição, a ocupação, a humilhação. Acabara o Grande Império. Em 2 de setembro de 1945, a rendição japonesa é assinada. Assim estava terminada a Segunda Guerra Mundial, que não acabou em 8 de maio com a capitulação do Terceiro Reich, mas em 6 e 9 de agosto de 1945, com as duas bombas que deram início à guerra fria (MOURÃO, 2005, p. 698). A partir desse cenário, fica a sugestão da tamanha atrocidade que foi a Segunda Guerra Mundial. Contudo, ela não se saldou apenas por pavorosas perdas huma- nas ou por uma alteração, por vezes lamentável, dos valores morais geralmente admitidos e que, mal ou bem, reagiam às relações entre os indivíduos e, às vezes, entre as nações. Também houve um balanço econômico cuja amplitude atingiu dimensões desconhecidas. Foi, na verdadeira acepção da palavra, uma guerra total, que utilizou recursos até o seu limite e que se traduziu por consequências igualmente capitais e diversificadas. O quadro 1, a seguir, ajuda a explicitar sobre aspectos, como a dívida pública, o nível de vida das pessoas, o controle gover- namental e a variação da produção industrial. Quadro 1 - Aspectos da Segunda Guerra Mundial DÍVIDA PÚBLICA Aumento geral da dívida pública, e em proporções frequentemente catastrófi- cas. A guerra custou à França o equivalente a 35 mil milhões de dólares, à Ingla- terra 50 mil milhões: para fazer face a este enorme déficit, a Grã-Bretanha teve de liquidar a terça parte dos seus bens no estrangeiro e endividar-se em relação aos Estados Unidos e aos seus próprios domínios; a dívida interna passou de 7 mil milhões de libras em 1939 para 22 milhões; a libra desvalorizou-se 38% em relação ao dólar. A dívida pública dos Estados Unidos passou de 46 para 263 mil milhões de dólares. NÍVEL DE VIDA Abaixamento do nível de vida das populações: racionamento de bens alimenta- res, desaparecimento, por vezes total, dos bens de consumo julgados indispen- sáveis, manutenção das “senhas de racionamentos” até cerca de 1950. CONTROLE GOVERNAMENTAL Estabelecimento de um controle governamental energético: controle dos preços e da moeda, das matérias-primas; orientação da produção; controle das trocas para tentar reduzir a fuga de capitais; A Dimensão da Segunda Guerra Mundial Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 175 VARIAÇÃO DA PRODUÇÃO INDUSTRIAL Variação da produção industrial. Em França, em Maio de 1944, o índice da produção industrial baixou para 44, contra 100 em 1938; a França perdeu mais de 1/5 das suas locomotivas, 2/3 de vagões, mas de 3/4 de embarcações mer- cantes. Verifica-se a mesma baixa, e por vezes em maiores proporções, em Itália, Países Baixos, Alemanha, Japão. Pelo contrário, a América anglo-saxônica surge como beneficiária. Os Estados Unidos, que gastaram na guerra 300 mil milhões de dólares, aumentaram consideravelmente as suas reservas monetárias, a sua produção industrial aumentou 75%, a cultura do trigo aumentou 25%. O Cana- dá, por seu turno, tornado um verdadeiro arsenal para as nações aliadas, deu um forte impulso à sua indústria aeronáutica e automobilística, aos seus estaleiros navais, à sua indústria química. E o papel destesdois países será capital para o fornecimento de alimentos e equipamento indispensável aos países arruinados e devastados. Fonte: adaptado de Marques et al. (2012). Terminada a Segunda Guerra Mundial, as nações não entraram, como esperavam alguns idealistas, em período de entendimento mútuo e de trabalho precipua- mente pacífico. Dois Estados saíram muito fortalecidos da luta: os Estados Unidos e a União Soviética. Em torno deles, não demoraram a se agrupar quase todas as demais nações, constituindo grandes blocos econômicos, chamados, respec- tivamente, de Ocidental e Oriental. Muito embora o mundo estivesse dividido entre capitalismo e comunismo, estava acentuada, a partir da guerra, a superioridade econômica dos Estados Unidos. Por outro lado, a União Soviética, apesar da destruição que sofrera durante o conflito, ostentava o mérito de ter derrotado a Alemanha na campanha do Leste Europeu (fator decisivo da vitória dos Aliados sobre os exércitos de Hitler). Saes e Saes (2013) destacam que embora EUA e URSS estivessem do mesmo lado durante a guerra, Nos países europeus, nos anos imediatamente após a guerra, o capital era o ingrediente que faltava. Isso podia ser fornecido, e o foi pelo Plano Marshall. Fonte: Galbraith (1979, p. 225). A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL E AS PERSPECTIVAS DO CAPITALISMO TARDIO (1933- DIAS ATUAIS) Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. VU N I D A D E176 compondo as forças dos Aliados junto com a Grã-Bretanha, França e outros países, depois da vitória seus governos se afastaram, dando início a um conflito potencial que, em uma ocasião, quase se tornou efetivo. A concentração dos recursos na indústria pesada e nos transportes, em detri- mento dos bens de consumo, permitiu uma rápida recuperação dos níveis de produção. Em 1950, o Produto Nacional Bruto da União Soviética era inferior apenas ao dos Estados Unidos, embora seu produto per capita ainda fosse infe- rior ao do Reino Unido, da França e da Alemanha Ocidental, conforme podemos observar a seguir. Tabela 1 - Produto Nacional Bruto e per capita em 1950 (valores em dólares de 1950) PNB TOTAL PNB PER CAPITA Estados Unidos 381 bilhões 2.536 URSS 126 bilhões 699 Reino Unido 71 bilhões 1.393 França 50 bilhões 1.172 Alemanha Ocidental 48 bilhões 1.001 Japão 32 bilhões 382 Itália 29 bilhões 626 Fonte: Kennedy (1989, p. 353 apud SAES; SAES, 2013, p. 503). O Capitalismo Tardio e a Financeirização do Sistema: as Peças de um Quebra-cabeças Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 177 Depois de 1950, a diferença entre o Produto Bruto norte-americano e o soviético se estreitou: entre 1950 e 1973, a taxa média de crescimento do PIB dos Estados Unidos foi de 3,9% ao ano e o da URSS foi de 4,8% (MADDISON, 1995, p. 80-83 apud SAES; SAES, 2013, p. 503). Esse desempenho da economia soviética pas- sou a preocupar os norte-americanos, temerosos de perderem a liderança na economia e na política mundial. Contudo, a Segunda Guerra Mundial, a reconstrução e o período de prosperi- dade que a seguiu, a descolonização, a internacionalização do capital, bem como a nova industrialização do Terceiro Mundo, marcaram um novo surto do capi- talismo em escala mundial (BEAUD, 1987, p. 301). O CAPITALISMO TARDIO E A FINANCEIRIZAÇÃO DO SISTEMA: AS PEÇAS DE UM QUEBRA-CABEÇAS A imagem que se forma é a de um sistema mundial imperialista, construído a par- tir do desenvolvimento desigual da acumulação de capital, composição orgânica do capital, taxa de mais-valia e produtividade do trabalho, elementos conside- rados em escala mundial. O que levou a Revolução Industrial a ter início no Ocidente foi o fato de ali ter sido acumulado, nos trezentos anos precedentes, o Ao fim da Segunda Guerra Mundial havia um enorme contraste entre as con- tradições econômicas dos Estados Unidos e as dos países mais diretamente envolvidos na guerra, seja do lado vencedor dos Aliados (principalmente França e Reino Unido) ou do perdedor, o Eixo (Alemanha, Itália e Japão). Fonte: Saes e Saes (2013, p. 325). A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL E AS PERSPECTIVAS DO CAPITALISMO TARDIO (1933- DIAS ATUAIS) Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. VU N I D A D E178 capital monetário e as reservas de ouro e pratas internacionais – em resultado da pilhagem sistemática do resto do mundo por meio das conquistas e do comércio colonial. Isso resultou na concentração internacional de capital em uns poucos pontos do globo, nas áreas predominantemente industriais da Europa Ocidental – e, pouco tempo depois, da América do Norte. No entanto, o capital industrial que surgia nessas áreas não tinha meios de impedir o processo interno de acu- mulação primitiva de capital pelas classes dominantes dos países mais atrasados. Ele podia, na melhor das hipóteses, diminuir o ritmo do processo. Com certas diferenças de tempo e de produtividade, ligadas ao monopólio britânico sobre os níveis mais altos de produtividade industrial, o processo de industrialização se estendeu, pouco a pouco, na era do capitalismo de livre concorrência, a um número cada vez maior de países. Com a exportação em massa de capital para os países subdesenvolvidos, para a organização da produção capitalista de matérias-primas nessas áreas, a dife- rença quantitativa na acumulação de capital e no nível de produtividade entre os países metropolitanos e os economicamente atrasados foi, subitamente, transfor- mada em uma diferença qualitativa. Esses países se tornaram dependentes, além de atrasados. A dominação do capital estrangeiro sobre a acumulação de capital sufocou o processo de acumulação primitiva de capital, e a defasagem industrial, em relação às áreas metropolitanas, alargou-se regularmente. Além disso, como a produção de matérias-primas ainda era pré-industrial ou apenas rudimentar- mente industrial, visto que os baixos custos da força de trabalho desestimulavam a constante modernização da maquinaria, essa defasagem industrial deu origem a um abismo crescente nos respectivos níveis de produtividade, que tanto expres- sava quanto perpetuava o real subdesenvolvimento. Do ponto de vista marxista, isto é, a partir de uma teoria consistente do valor do trabalho, subdesenvolvi- mento é sempre, em última análise, subemprego, quantitativamente (desemprego em massa) e qualitativamente (baixa produtividade do trabalho). É verdade que as mercadorias capitalistas criaram e conquistaram o mercado mundial capitalista, isto é, levaram aos limites extremos do mundo a domina- ção da circulação capitalista de mercadorias e o predomínio das mercadorias produzidas em grande escala na moderna indústria capitalista. Entretanto, ao mesmo tempo, a expansão internacional não implantou, por toda a parte, o modo O Capitalismo Tardio e a Financeirização do Sistema: as Peças de um Quebra-cabeças Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 179 de produção capitalista. Ao contrário, nos chamados países periféricos criou e consolidou uma mistura específica de relações de produção pré-capitalistas e capitalistas, o que impediu, nessas áreas, a generalização do modo de produção capitalista e, especialmente, da indústria capitalista em grande escala. Aí reside a causa principal da permanente crise pré-revolucionária nos países dependen- tes por cerca de meio século, a razão básica pela qual esses países provaram ser, até agora, os elos mais fracos no sistema mundial imperialista. A penetração emmassa do capital na produção de matérias-primas tornou possível a interrupção radical, após 1873, da prolongada tendência ao aumento dos preços desses materiais. O resultado não foi apenas o colapso notório no preço dos artigos agrícolas – e a grande crise da agricultura européia –, mas tam- bém uma rápida queda no preço relativo dos minérios, em comparação ao preço dos produtos na indústria capitalista de bens acabados. Em longo prazo, entre- tanto, essa tendência estava destinada a ser invertida devido aos baixos custos de reprodução da força de trabalho nos países subdesenvolvidos, em decorrência da escala maciça de subemprego e do baixo grau de produtividade do trabalho, os quais alargavam, constantemente, a diferença no nível de produtividade entre esses países e os da metrópole. Com a estagnação da produtividade nos países dependentes e, simultaneamente, com um rápido aumento na produtividade do trabalho nos países industrializados, era apenas uma questão de tempo antes que o preço das matérias-primas começasse a aumentar. A alta começou a se manifestar durante a Primeira Guerra Mundial. Para certas matérias-primas, a alta continuou durante os anos 20 até a crise econô- mica mundial de 1929-1932. As consequências dessa crise acarretaram uma súbita interrupção do processo que, entretanto, abriu novamente caminho com o surto armamentista internacional nos anos 40, atingindo seu apogeu em 1950, no início da Guerra da Coréia. A estrutura específica que o final do século XIX havia gravado sobre a economia mundial tornava-se, agora, um obstáculo adi- cional à valorização do capital ou, mais precisamente, um fator adicional para o declínio da taxa média de lucro. Assim, a lógica interna do capital ocasionou uma repartição do processo que já ocorrera nas décadas de 1950 e 1960 do século anterior. Naquele momento, quando o preço relativo das matérias-primas começou a subir rapidamente, a A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL E AS PERSPECTIVAS DO CAPITALISMO TARDIO (1933- DIAS ATUAIS) Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. VU N I D A D E180 sua produção com métodos de trabalho e relações de produção pré-capitalistas deixaram de ser uma fonte de superlucros, por meio da exploração de força de trabalho barata, e se tornou, em vez disso, um obstáculo à ulterior expansão do capital. Nos dias atuais, análogo à produção de matérias-primas por métodos que datavam do período de capitalismo manufatureiro ou do início da industriali- zação, deixa de ser uma fonte de superlucros coloniais, tornando-se um freio à acumulação de capital em escala mundial. Na fase de transição do capitalismo de livre concorrência à era do imperialismo, o capital respondera àquele desafio com uma penetração maciça no campo das matérias-primas. Quando o impe- rialismo ‘clássico’ deu lugar ao capitalismo tardio, o capital respondeu com uma penetração em massa ainda mais profunda. A partir dos anos 30 e, particular- mente, na década de 40 do século anterior, essa penetração maciça na esfera das matérias-primas conduziu – exatamente como se passara no último quarto do século XIX – a uma revolução fundamental na tecnologia, organização do tra- balho e relações de produção. No final do século XIX, tinha sido uma questão de substituir uma organização primitiva do trabalho, pré-capitalista, por méto- dos organizacionais adequados ao capitalismo manufatureiro ou à fase inicial da industrialização. Os resultados desse rearranjo na estrutura da economia mundial, no período de transição do imperialismo “clássico” ao capitalismo tardio, foram numero- sos, mas de natureza bastante contraditória. Entre outros aspectos, esse novo período foi caracterizado pelo fato de que, paralelamente aos bens de consumo industriais feitos por máquinas, surgidos no início do século XIX, deparamo-nos com matérias-primas e gêneros alimentícios produzidos por máquinas. Longe de corresponder a uma sociedade “pós industrial”, o capitalismo tardio aparece, assim, como o período em que, pela primeira vez, todos os ramos da economia se encontram plenamente industrializados; ao que ainda seria possível acrescen- tar, a mecanização crescente da esfera da circulação (excetuados os serviços de simples conserto) e a mecanização crescente da superestrutura. Portanto, os traços básicos do capitalismo tardio já podem ser derivados das leis de movimento do capital. A origem imediata da terceira revolução tec- nológica pode ser referida a quatro objetivos principais do capital nos anos 30 e 40 do século XX. O Capitalismo Tardio e a Financeirização do Sistema: as Peças de um Quebra-cabeças Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 181 A aplicação produtiva dessa nova tecnologia começou nos setores da indús- tria química para os quais a força impulsionadora decisiva é o barateamento do capital constante circulante. Do início dos anos 50, ela se difundiu gradativa- mente por um número crescente de esferas, cujo objetivo principal era a redução radical dos custos salariais diretos, isto é, a eliminação do trabalho vivo do pro- cesso de produção. Aqui, chegamos ao limite interior absoluto do modo de produção capitalista. Tal limite não reside na penetração capitalista completa no mercado mundial, isto é, na eliminação das esferas não capitalistas de produção, prende-se ao fato de que a própria massa de mais-valia diminui, necessariamente em resultado da eliminação do trabalho vivo do processo de produção, no decorrer do estágio final de meca- nização e automação. O capitalismo é incompatível com a produção plenamente automatizada na totalidade da indústria e da agricultura, porque essa situação não mais permite a criação de mais-valia ou a valorização do capital. Consequentemente, é impossível que a automação conquiste a totalidade das esferas de produção, na época do capitalismo tardio. Por motivos de sua autopreservação, o capital jamais poderia transformar todos os trabalhadores em cientistas, assim como jamais poderia automatizar a totalidade da produção material (MANDEL, 1982, p. 146). A marca distintiva do imperialismo e de sua segunda fase, o capitalismo tardio, não é um declínio nas forças de produção, mas um acréscimo no parasitismo e nos desperdícios paralelos ou subjacentes a esse crescimento. A incapacidade ine- rente ao capitalismo tardio, de generalizar as vastas potencialidades da terceira revolução tecnológica ou da automação, constitui uma expressão tão forte dessa tendência quanto à sua dilapidação de forças produtivas, transformadas em: for- ças de destruição; desenvolvimento armamentista permanente; alastramento da fome nas semicolônias, cuja produtividade média do trabalho se viu restrita a um nível inteiramente sem relação ao que é hoje possível, em termos técnicos e cientí- fico; contaminação da atmosfera e das águas; ruptura do equilíbrio ecológico etc. A pior forma de desperdício, inerente ao capitalismo tardio, jaz no mau uso das forças de produção humanas e materiais existentes. Em vez de serem usadas para o desenvolvimento de homens e mulheres livres são cada vez mais empregadas na produção de coisas inúteis e perniciosas. Todas as contradições históricas do capita- lismo estão concentradas no caráter duplo da automação. Por um lado, ela representa A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL E AS PERSPECTIVAS DO CAPITALISMO TARDIO (1933- DIAS ATUAIS) Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. VU N I D A D E182 o desenvolvimento aperfeiçoado das forças materiais de produção, que poderiam, em si mesmas, libertar a humanidade da obrigação de realizar um trabalho mecâ- nico, repetitivo, enfadonho e alienante. Por outro,representa uma nova ameaça para o emprego e o rendimento, uma nova intensificação da ansiedade, a insegurança, o retorno crônico do desemprego em massa, as perdas periódicas no consumo e na renda, o empobrecimento moral e intelectual. A automação capitalista, um desenvolvimento maciço tanto das forças produtivas do trabalho quanto das for- ças alienantes e destrutivas da mercadoria e do capital, tornou-se, dessa maneira, a quintessência objetivada das antinomias inerentes ao modo de produção capitalista. Alves (2007) nos alerta que, diante das condições de mundialização do capital, na época da produção destrutiva ou, ainda, no período de passagem para uma nova modalidade de acumulação capitalista – acumulação flexível –, que o insaci- ável movimento do capital em processo assume um caráter plenamente inovador, dado pela constituição dos circuitos globais do dinheiro, que projeta a nível glo- bal, “essa caça apaixonada pelo valor” (MARX, 1989, p.184). Nesse sentido, Alves (2007, p. 20) aponta que O surgimento de um “único mercado mundial de dinheiro e de crédito” é parte intrínseca da plena posição do capital enquanto sujeito da alta modernidade, ou da exacerbação da modernidade, com seus impactos decisivos nas esferas da cultura, da economia e da política. Além disso, a constituição do mercado mundial de dinheiro e de cré- dito e da financeirização dominante, principalmente a partir de mea- dos da década de 70, está ligada intrinsecamente, a nova modalidade de acumulação capitalista, de caráter flexível, e a própria crise do for- dismo. A cidadania global do capital tornou-se efetiva com o notável desenvolvimento do capital financeiro rumo à internacionalização dos mercados monetários e financeiros (e da própria supremacia do capital financeiro internacional). Nasce, a partir de meados dos anos 70, um sistema financeiro global altamente integrado, coordenado pelas telecomunicações instantâneas, que instaura um mercado de ações global, um mercado de futuro de mercadorias (e até de dívidas) globais. Mais do que nunca, propaga-se, de Tóquio a Londres, de Nova York a São Paulo, os denominados “em- preendimentos com papéis”, maneiras alternativas de obter lucros que não se restringe à produção pura e simples de mercadorias. Ou seja, lucros estritamente financeiros sem dar importância à produção real. O Capitalismo Tardio e a Financeirização do Sistema: as Peças de um Quebra-cabeças Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 183 A maior autonomia do sistema bancário e financeiro, o fortalecimento do capital financeiro, destruiu, em grande parte, os mecanismos de regulação do período fordista, tendo em vista que limitaram o poder do Estado. A Tríade (Estados Unidos, União Européia e Japão), na acepção de Chesnais (1996), buscava recuperar seus crescentes poderes de coordenação por meio do poder de orga- nismos internacionais, tais como FMI (o Fundo Monetário Internacional) e o Banco Mundial, longe do controle democrático, circunscrito à nação – Estado. Nessa economia com grande concentração de capital fixo e dominância dos bancos na intermediação financeira, a dinâmica de longo prazo está fun- dada na busca do aumento da produtividade social do trabalho, o que, por sua vez, impulsiona a competição pela inovação tecnológica incorporada nas mais diversas categorias. Essa possibilidade da acumulação decorre da capacidade dos bancos de emprestar e participar dos empreendimentos, diversificando o risco, apostando, na estabilidade dos seus passivos, os depósitos à vista escritu- rados em seus registros (BELUZZO, 2013). O regime do capital, em sua forma plenamente constituída, ou seja, já ancorada nas forças produtivas propriamente capitalistas, incorporou à sua dinâmica os elementos históricos que precederam e prepararam sua consti- tuição: o comércio e o crédito. O império da acumulação capitalista impôs suas regras e desregramentos aos elementos da era mercantil, aqueles que se incumbiram da dissolução da economia feudal, cujos capítulos mais dramáti- cos foram escritos pela chamada acumulação primitiva, pela expansão colonial e pela reinvenção da escravidão. Na esteira do doloroso e violento processo de mercantilização da força de trabalho – leia-se da expropriação dos produtores diretos dos meios de produção –, o regime do capital acelerou, a uma velo- cidade impressionante, a produção e reprodução dos elementos materiais da riqueza (BELLUZO, 2013). Tem-se, destarte, a “financeirização”, através do movimento contraditório de centralização e “abertura” do capital individual com a sociedade anônima. Esta supõe, necessariamente, a transferência de poder do capital industrial para o capital financeiro, eis que, ousadamente, atribuímos a isso o grande nascer do “Senhor dos Anéis”. O banco como representante do capital financeiro, a forma superior de controle das decisões. A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL E AS PERSPECTIVAS DO CAPITALISMO TARDIO (1933- DIAS ATUAIS) Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. VU N I D A D E184 Durante a chamada “era dourada” (1947-1973), a expansão do comér- cio envolvia, sobretudo, o intercâmbio de bens finais de consumo e de capital entre os parceiros do Atlântico Norte. Foi um período de expansão mundial sob hegemonia norte-americana. Esse panorama mudou a divisão internacio- nal do trabalho e o esquema centro–periferia, até então hegemonia inglesa. O espaço econômico internacional, na posteridade da Segunda Guerra Mundial, foi construído a partir do projeto de integração entre as econo- mias nacionais, proposto pelo Estado norte-americano e por sua economia. Faz-se necessário saber que, nesse ínterim, a economia mundial estava sob a égide de Bretton Woods, o poder do dólar conversível foi sustentáculo do que Belluzo (2013) entende como processos simultâneos: o déficit na conta de capi- tais, produto da expansão da grande empresa norte-americana; a reconstrução dos sistemas industriais da Europa e do Japão; a industrialização de muitos paí- ses da periferia, impulsionada pelo investimento produtivo direto em conjugação com políticas de desenvolvimento nacional. Os desequilíbrios crescentes do balanço norte-americano de pagamentos leva- ram à derrocada o sistema de conversibilidade e taxas fixas de Bretton Woods, ao impor a desvinculação do dólar em relação ao ouro em 1971 e a introdução das taxas de câmbio flutuantes em 1973. A continuada desvalorização do dólar, nos anos 60, colocou em situação complicada a economia mundial. A partir do início dos anos 80, intensificou-se o movimento de migração manufatureira para as regiões nas quais prevalecia uma relação câmbio/salários mais competitiva e ampliaram-se os desequilíbrios nos balanços de pagamentos entre os Estados Unidos, a Ásia e a Europa. Em 1944, autoridades de 44 países se reuniram em Bretton Woods, para se assegurarem de que os erros em relação ao ouro e às reparações de guerra sobre os quais Keynes havia se tornado famoso não se repetiria. Fonte: Galbraith (1979, p. 224). O Capitalismo Tardio e a Financeirização do Sistema: as Peças de um Quebra-cabeças Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 185 O fortalecimento do dólar, no período seguinte, contribuiu para que os Estados Unidos promovessem políticas de abertura comercial e impusessem a liberaliza- ção financeira. Dessa forma, suas empresas encontraram o caminho mais rápido e desimpedido para a migração produtiva, enquanto seus bancos foram investidos plenamente na função degestores da finança e da moeda universais. Isso signi- fica que os bancos norte-americanos estavam habilitados a: 1) administrar em escala global a transformação da rede de relações débito–crédito, fazendo avançar o processo de securitização; 2) comandar a circulação de capitais entre as praças financeiras e, portanto, afetar a formação das taxas de câmbio; 3) promover as mudanças na estrutura da propriedade, ou seja, organizar o jogo da concentração patrimonial e produtiva; 4) dar fluidez ao sistema de pagamentos em escala global. Nos últimos quarenta anos, a desregulamentação dos mercados e a crescente liberalização dos movimentos de capitais alteraram profundamente o jogo das regras. A partir de 1973, os regimes cambiais caminharam na direção de um sistema de taxas flutuantes. Tratava-se, diziam, de escapar das aporias da “trindade impos- sível”, ou seja, da convivência entre taxas fixas, mobilidade de capitais e autonomia da política monetária doméstica. As palavras de ordem no novo consenso procla- mavam as virtudes da abertura comercial, da liberalização das contas de capital, da desregulamentação e da “descompressão” dos sistemas financeiros domésticos. Um após o outro, os países de moeda não conversível promoveram a abertura financeira. Nos países centrais, a desregulamentação financeira rompeu os diques de segurança erigidos depois da crise dos anos 1930. As restrições às finanças pro- curavam impedir que os bancos comerciais se envolvessem no financiamento de posições “especulativas” nos mercados de riqueza (ações e imóveis), com consequên- cias indesejáveis para a solidez dos sistemas bancários. O aumento da concorrência intercapitalista, com o processo de globalização e os ajustes estruturais que privile- giam o mercado como instrumento de regulação, criou um ambiente econômico muito mais instável e imprevisível. Para sobreviver nesse ambiente, as empresas procuram ter maior flexibilidade e integração na sua forma de organização. A revolução tecnológica possibilitou maior flexibilidade e integração entre os diversos setores da empresa e desta com os fornecedores e consumidores. Da mesma forma, as novas tecnologias oportunizaram, aos grupos transnacionais, a organização do seu processo de internacionalização. O elemento-chave do novo A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL E AS PERSPECTIVAS DO CAPITALISMO TARDIO (1933- DIAS ATUAIS) Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. VU N I D A D E186 padrão tecnológico é a informática, que tornou possível armazenar e processar informações em uma velocidade sem precedente na história da humanidade. Essa revolução tecnológica é uma força inovadora que parece não ter limi- tes. Conhecida como a terceira revolução industrial – e em contraste com as duas anteriores –, ela aumentou a produtividade, especialmente com a revolu- ção da microeletrônica, mas não criou novos bens e serviços de consumo que revolucionassem o padrão de vida das grandes massas humanas. A maioria dos novos produtos é originária da segunda revolução industrial, sobretudo o que se refere ao campo eletrônico. A terceira revolução industrial tem um viés antiemprego e antissindical. Por um lado, não houve redução da jornada de trabalho acompanhando os ganhos de produtividade, como aconteceu historicamente nas duas primeiras revoluções industriais. Por outro lado, atingiu o movimento sindical, enfra- quecendo-o de forma fundamental ao promover o desemprego industrial. Isso porque o movimento sindical tem cultura industrial (secundária), e não terciária. A chamada terceira revolução industrial se desenvolveu dentro do contexto de mundialização financeira. Nesse cenário, o movimento sindical estava enfra- quecido e com muitas dificuldades de interferir no processo em curso. Diferente do que aconteceu na segunda revolução industrial, quando o sindicalismo teve ascensão e contribuiu para constituição do Estado de Bem-estar Social. O cenário da mundialização financeira, juntamente com a terceira Revolução Industrial, desencadeou uma profunda transformação do sistema econômico, tanto no plano nacional quanto no internacional. A razão podemos encontrar em sua rápida expansão, pois os ativos financeiros “viajam” em ritmo mais veloz do que o produto ou o comércio. Entendemos que a esfera financeira ganhou “autonomia” em relação à “economia real”. Em outras palavras, a partir desse momento, a acumulação de capital tinha como núcleo a esfera financeira, não mais a produtiva. Em um trabalho dessa natureza, não há espaço para uma abordagem completa e uma conclusão formal. Ainda teríamos muito mais “a conversar”, como exemplo: tratar da abertura do mercado norte-americano e do comércio mundial aos produtos chineses, que potencializou o efeito das refor- mas econômicas. Diante dessa nossa limitação fica a reflexão: teria o capitalismo ingressado em uma nova fase? Considerações Finais Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 187 CONSIDERAÇÕES FINAIS Caro(a) aluno(a)! Nesta unidade, refletimos sobre os aspectos que envolveram a Segunda Guerra Mundial. De modo que caminhamos no conhecimento/reconhe- cimento das profundas transformações, a partir da concretização de um cenário do sistema capitalista de produção, pautado por um forte crescimento tecnoló- gico. A luta armada entre as nações possibilitou um aumento brutal da produção industrial, superior à capacidade global de consumo, o que exigiu a instauração de sistemas de planejamento meticuloso e a longo prazo, e também às técnicas de marketing e publicidade, a fim de aumentar o consumo, com a predomi- nância do setor de bens e serviços sobre a atividade econômica como um todo. Esse aumento brutal da capacidade produtiva e predominância do setor terciá- rio correspondeu à instalação das denominadas sociedades de Bem-estar Social. Diante desse panorama, entendemos que o sistema capitalista possui uma dinâmica peculiar de se ressignificar diante dos seus ciclos. A partir da segunda metade da década de 1950, compensa-se a “estabilização” europeia, por meio da crescente exploração das áreas periféricas, mascarada pela mudança no padrão das exportações dos países industrializados. Analisamos o impacto das mudanças no sistema capitalista “maduro”, carac- terizado pela concentração de capital em nível monopolista e sujeito aos efeitos de uma Terceira Revolução Industrial. Nesse panorama, está na constituição, a partir de 1970, o “regime de acumulação predominantemente financeiro”. Entenda-se que as “finanças” passam ao foco da acumulação de capital, ou seja, as instituições financeiras passaram a atrair os lucros não reinvestidos e as pou- panças privadas, com a proposta de promover sua valorização em um circuito que, aparentemente, tornava-se autônomo da esfera produtiva. Em concordância com Belluzzo (2013), a Segunda Guerra e o contexto atual da organização econômica refletem no fato de que a mediação e a garan- tia do Estado são precárias, pois “a soberania é um frágil compromisso entre a natureza e a razão, o direito e a violência”. E a violência é resultado da imposi- ção seja por força física ou coação moral, o seu próprio julgamento, impostado como verdade máxima. 188 1. A Segunda Guerra Mundial, do mesmo modo que sua predecessora, levou a Europa e as vastas parcelas da Ásia à exaustão e à destruição. A capacidade de destruição se desenvolveu-se em um nível sem precedentes, sem que isso levasse ao encurtamento da guerra (Rezende Filho, 2010, p. 229). Sobre a Segunda Guerra Mundial avalie as afirmações a seguir. I. A Inglaterra e Alemanha se uniram contra a França e Estados Unidos pela luta do território da Polônia. II. ASegunda Guerra Mundial dizimou a vida de muitas pessoas, no entanto, no que concerne à questões econômicas, não impactou em prejuízos. III. A política nacionalista-expansionista dos Estados autoritários, somados ao resultado do acordo do fim da Primeira Guerra, são, além de outros elemen- tos, fatores explicativos da Segunda Guerra Mundial. É correto o que se afirma em: a) Apenas I. b) Apenas III. c) Apenas I e I. d) Apenas II e III. e) I, II e III. 189 2. Sob muitos aspectos, mas não todos, os vinte anos que separaram a Primeira da Segunda Guerra Mundial testemunharam a continuação daquelas tendên- cias imanentes que modelaram o cenário econômico na primeira década do novo século (DOBB, 1980, p. 321). I. Os movimentos autoritários e conservadores surgiram no período entre guerras. II. Esse período marca também o fim da hegemonia europeia sobre a econo- mia-mundo, com sua substituição pelos Estados Unidos. III. Não houve nenhum tipo de tensão nas relações internacionais, principal- mente ao longo da década de 1930, em que as barreiras protecionistas eram nulas. É correto o que se afirma em: a) Apenas I. b) Apenas III. c) Apenas I e II. d) Apenas II e III. e) I, II e III. 3. A marca distintiva do imperialismo e de sua segunda fase, o capitalismo tardio, não é um declínio nas forças de produção, mas um acréscimo no parasitismo e nos desperdícios paralelos ou subjacentes a esse crescimento. Discorra sobre a pior forma de desperdício do capitalismo tardio. 190 4. Alguns pilares da Era de Ouro foram colocados em xeque durante a década de 1970: o sistema monetário internacional com taxas de câmbio fixas estrutura- do em Bretton Woods; a política keynesiana de manutenção do pleno empre- go; o chamado fordismo, ou seja, a capacidade de gerar, por meio de ganhos de produtividade, a elevação dos salários reais e taxas de lucro satisfatórias, simultaneamente; a relação salarial o Estado do Bem-estar. Considerando o texto apresentado, avalie as afirmações, a seguir, acerca das mudanças do capitalismo a partir de 1973. I. O elemento-chave do novo padrão tecnológico é a informática, que tornou possível armazenar e processar informações em uma velocidade sem prece- dente na história da humanidade. II. A terceira revolução industrial se desenvolve dentro do contexto de mun- dialização financeira. III. Dá-se a volta do padrão-ouro, no que tange à conversibilidade do dólar. IV. A maioria dos novos produtos é originária da segunda revolução industrial, sobretudo aqueles que são do campo eletrônico. É correto apenas o que se afirma em: a) I e IV. b) II e III. c) III e IV. d) I, II e III. e) I, II e IV. 5. Há inúmeras propostas de entender a história do capitalismo a partir de algu- mas categorias gerais, o como capitalismo mercantil, o capitalismo industrial, o capitalismo financeiro ou, ainda, o capitalismo concorrencial e capitalismo mo- nopolista/imperialismo. Nessas e em outras propostas similares, há a noção de que o capitalismo caminha, ao longo da história, por fases sucessivas nas quais algumas características prévias são superadas por novas (SAES; SAES, 2013). A partir dessas informações, redija um texto dissertativo sobre seu entendi- mento da história do capitalismo. 191 PAZ-GUERRA No atual estado da técnica militar, precisa-se de uma centena de viaturas e mais de cem toneladas de obuses para romper de modo certeiro a resistência oferecida em um único quilômetro, por um único batalhão bem entrincheirado e com cobertura de arame... Nas fronteiras restritas, como as da Europa, muito estreitas para os efetivos enormes do recrutamento geral, metralhados pela defesa das fortificações permanentes, pouca esperança pode haver de suplantar as posições adversárias... A decisão só poderá ser tomada depois do sucesso de numerosas ações ofensivas, portanto, ao preço de um es- forço gigantesco que pressupõe uma superioridade numérica e industrial considerável. Se não fosse assim, o conflito só poderia ser resolvido pelo desgaste moral e material de um dos dois beligerantes. Nos dois casos, a luta tomaria a forma de uma luta de morte com tantas perdas e ruínas que as condições de paz, por mais vantajosas que fossem, jamais poderiam compensá-las. O conceito clássico da guerra conduz, portanto, a uma forma de conflito que não corres- ponde às possibilidades e às necessidades da Europa, atualmente. A Europa, na verdade, não se refez ainda dos inconvenientes de todo tipo provocados pela Grande Guerra. Pre- cisa de paz para se refazer e reorganizar sua economia em função dos meios modernos de produção... Por outro lado, a opinião pública, na maior parte das nações europeias, recusa-se instintivamente a aceitar a ideia da guerra... Essa convicção é um fato capital peculiar da nossa época.” Sendo assim como resolver os conflitos entre as nações?... Impõe-se novos métodos... O problema continua sem solução: consiste em forçar um Estado a subscrever obrigações que lhe são impostas, em uma palavra, a capitular. A guerra pode mudar sua forma, mas o objetivo essencial permanece o mesmo. Incapaz de subjugar, de um só golpe, o adversário, a nova guerra terá como objetivo convencê-lo a capitular, em vez de continuar a luta. A ação radical é substituída por uma ação persuasiva da força. Mas...a política só dispunha antigamente de uma margem de pressão muito fraca... o menor erro de manobra, o menor excesso podiam provo- car a guerra. A política era portanto exercida como um jogo variado de combinações e compromissos. Hoje a situação é completamente diferente: o espectro sempre pre- sente da guerra total e o temor que ela inspira fazem com que seja vista como uma solução desesperada à qual se recorrerá somente em último caso. A impotência da ação militar torna quase insensível a epiderme das nações (Anschluss, Sudetos, intervenção na Espanha, combate russo-japonês de Kuang-Tcheu-Feng), poderíamos multiplicar os exemplos de paciência espantosa das nações, comparada ao seu nervosismo anterior. Assim, essa repugnância pela guerra total, por uma transformação surpreendente, auto- riza o emprego da violência que ultrapassa nitidamente as regras da tradição diplomáti- ca... Já não é a paz e ainda não é a guerra que conhecíamos, mas um estado intermediá- rio que chamaremos de paz-guerra. 192 A paz-guerra repousa na ideia de aproveitar o temor da guerra-catástrofe para exer- cer pressões mais enérgicas do que antigamente, evitando criar uma tensão suficiente para levar o inimigo à guerra total. O primeiro elemento de toda combinação consistirá, portanto, em avaliar o ponto crítico além do qual o adversário preferirá a guerra total à capitulação. Fonte: SARTRE (s.d., p. 97). Material Complementar MATERIAL COMPLEMENTAR História Contemporânea através de textos Adhemar Marques; Flávio Berutti; Ricardo Faria Editora: Contexto Sinopse: Aborda os processos históricos que ocorreram entre as revoluções burguesas e a Segunda Guerra Mundial por meio de textos e documentos cuidadosamente selecionados. Para sua escolha, levou-se em consideração um programa de leituras essenciais a um curso de História Contemporânea e a sua adequação, tanto no conteúdo quanto na forma, às reais condições de ensino e aprendizagem das salas de aula. São 72 textos que tratam, entre outros temas, da Revolução Industrial, do movimento operário do século XIX, das Revoluções liberais, do nacionalismo, do imperialismo, da Revolução Russa, dos fascismos e da Crise de 29. Pearl Harbor Ano: 2001 Sinopse: Pouco antes do bombardeio japonês em Pearl Harbor, dois amigos que são como irmãos um para o outro se envolvem de maneira distinta nos eventos que fazem com que os Estados Unidos entrem na 2ª Guerra Mundial. Enquanto que Rafe (Ben Affl eck) se apaixona pela enfermeira Evelyn (KateBeckinsale) e decide se alistar na força americana que lutará na 2ª Guerra Mundial, em Londres, Danny (Josh Hartnett) torna-se piloto da Força Aérea dos Estados Unidos e permanece no país. Após a notícia de que Rafe morrera em um dos combates que travava contra os alemães, Danny e Evelyn se aproximam e terminam se apaixonando. REFERÊNCIAS ALVES, G. Dimensões da Reestruturação Produtiva: ensaios de sociologia do tra- balho. 2. ed. Londrina: Praxis, 2007. BEAUD, M. História do Capitalismo de 1500 até nossos dias. São Paulo: Brasilien- se, 1987. BELLUZZO, L. G. O Capital e suas metamorfoses. São Paulo: UNESP, 2013. CHESNAIS, F. A Mundialização do Capital. São Paulo: Editora Xamã, 1996. DOBB, M. H. A evolução do capitalismo. Rio de Janeiro: Zahar, 1980. GALBRAITH, J. K. A Era da incerteza. São Paulo: Pioneira, 1979. HARARI, Y. N. Sapiens: uma breve história da humanidade. 7. ed. Porto Alegre: L&PM, 2015. MANDEL, E. O Capitalismo Tardio. São Paulo: Abril Cultural, 1982. MARQUES, A.; BERUTTI, F.; FARIA, R. (Org.) História Contemporânea através de tex- tos. 12 ed. São Paulo: Contexto, 2012. (Coleção Textos e Documentos, v. 5.) MARX, K. O Capital: Crítica da economia política. 30. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1989. (Livro 1, volume 1.) MOURÃO, R. R. F. Hiroshima e Nagasaki: razões para experimentar a nova arma. Re- vista Scientiae Studia, São Paulo, v. 3, n. 4, p. 683-710, 2005. REZENDE FILHO, C. B. História Econômica Geral. 9. ed. São Paulo: Contexto, 2010. SAES, F. A. M.; SAES, A. M. História Econômica Geral. São Paulo: Saraiva, 2013. SARTRE, J. P. Diário de uma guerra estranha. São Paulo: Círculo do Livro, s.d. REFERÊNCIAS GABARITO 195 1. Alternativa d. 2. Alternativa c. 3. A pior forma de desperdício, inerente ao capitalismo tardio, jaz no mau uso das forças de produção humanas e materiais existentes. Em vez de serem usadas para o desenvolvimento de homens e mulheres livres são cada vez mais empre- gadas na produção de coisas inúteis e perniciosas. 4. Alternativa e. 5. Reflexão particular. GABARITO CONCLUSÃO Ao sentir uma dor, você sente a necessidade de ir ao médico. Marca a consulta, possivelmente espera alguns dias, organiza seu horário e, chegando a data, enca- minha-se para o consultório. Ao obedecer ao procedimento de consulta médica, o profissional faz algumas perguntas. É muito comum que ele faça questionamentos sobre seu “histórico” familiar (Alguém na família com diabetes? Alguém na família com problemas cardíacos? Alguém na família com histórico de problemas renais?) para entender a dor, ou seja, para analisar o seu problema, o profissional faz uso, entre outros elementos, da análise histórica (no caso familiar). Sem ela, tudo fica mais difícil. Grosso modo, esse exemplo nos remete à relevância do conhecimento da história para tomar decisões diante da conjuntura econômica. É preciso conhecer os Primei- ros Sistemas Econômicos; o processo de transição do feudalismo ao capitalismo; as crises; o período entre Guerras; a dinâmica do século XX aos dias atuais para enten- der a lógica da mundialização financeira. E este trabalho foi elaborado tendo em vista um duplo objetivo: apresentar a rele- vância da história para a ciência econômica e servir de apoio para o entendimento do processo histórico ao longo do tempo, de modo a entender como os homens se organizaram para realizar a sua produção e, por consequência, a satisfação das suas necessidades materiais. A perspectiva temporal serve como ponto de referência, mas em nenhum momento devemos ser rigorosos, imaginando que a história consiga ser exata nesse sentido. Afinal, a história da humanidade é construída a partir de um movimento desigual e desencontrado em muitos pontos. Fica registrado aqui nossa gratidão à você, motivador(a) central deste trabalho. Nos- sos sinceros votos de agradecimento. E que possamos contribuir para que a ciência econômica seja atuante na transformação gradual de uma sociedade que busca se conhecer para ser melhor. Até a próxima! CONCLUSÃO ANOTAÇÕES 197 ANOTAÇÕES ANOTAÇÕES 199 ANOTAÇÕES