Logo Passei Direto
Buscar
Material
páginas com resultados encontrados.
páginas com resultados encontrados.

Prévia do material em texto

AULA 3 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
PSICOMOTRICIDADE, JOGOS E 
RECREAÇÃO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Profª Diná Corbetta da Silveira 
 
 
02 
CONVERSA INICIAL 
Olá! Estamos fazendo um processo progressivo de informações, das quais 
já tecemos algumas especificidades da Psicomotricidade, dos jogos e da 
recreação, títulos de nossas aulas anteriores. Procuramos abordar uma 
compreensão conceitual desses três termos, além de passarmos pelas suas 
características, princípios e funções. Ao abordarmos esses assuntos, vimos que 
tanto a Psicomotricidade como os jogos e a recreação têm relação entre si, e 
trazem o lúdico como fator prioritário para estimular o desenvolvimento integral da 
criança. Neste sentido, se entende que cabe à Educação Infantil pautar suas 
ações em uma prática pedagógica que prime por espaços que possibilitem a 
criança desenvolver, ampliar e potencializar suas habilidades e competências, 
sejam elas motoras, cognitivas, afetivas ou sociais e, para tanto, compreendê-la 
na sua totalidade é fundamental. No entanto, para que o profissional compreenda 
a criança na sua totalidade, ele necessita pensar a Educação de forma integral, o 
que leva à necessidade de perceber essa criança não apenas pelo seu processo 
de desenvolvimento, mas ampliar seu olhar e compreendê-la a partir do espaço, 
de sua organização espacial, e consequente organização da sua identidade. 
Desta forma dedicamos esta aula à discussão sobre o processo de 
desenvolvimento da criança sob algumas teorias, trazendo concepções e 
vertentes, enfatizando o desenvolvimento psicomotor, bem como um olhar mais 
aprofundado sobre o esquema corporal, a organização espacial e ainda a relação 
entre espaço e corporeidade. 
A aula está estruturada nos seguintes tópicos: 
1. Desenvolvimento infantil, concepções e vertentes. 
2. Desenvolvimento psicomotor. 
3. Esquema corporal. 
4. A estruturação da organização espacial. 
5. Percepções e corporeidade. 
CONTEXTUALIZANDO 
“Meu nome é Joakim”, falei. 
“E eu sou Mika. Por que você está de cabeça para baixo?” 
Não pude deixar de rir. E acho que ele ficou meio envergonhado, pois de 
repente enfiou o polegar na boca e começou a chupar o dedo feito um 
bebê. Isso me fez cair na risada outra vez. 
“É você que está de cabeça para baixo!”, falei. 
 
 
03 
Mika tirou o polegar da boca e começou a esticar e abanar todos os dedos. 
Daí falou - 
“Quando duas pessoas se encontram e uma delas está de cabeça para 
baixo, não é tão fácil dizer qual delas está na posição certa.” 
Fiquei tão perplexo diante dessa resposta que não consegui pensar em 
nada para dizer. 
Ele apontou para o chão. 
“Mesmo assim, seria muito bom se você me ajudasse a subir até o chão 
deste planeta!” 
“Descer!”, exclamei. 
“Não, subir!”, disse Mika. 
[...] 
Mika apontou para a grama. 
“Achei que isso aqui fosse em cima.” 
Daí apontou para o céu. 
“E achei que aquilo lá fosse embaixo.” (Gaarder, 2003, p. 14-15) 
 Publicada pela primeira vez em 1952, Ei! Tem alguém aí? – de Jostein 
Gaarder – é uma literatura filosófica que encanta crianças e adultos. Além de 
divertir, este livro leva a criança a pensar sobre a origem da vida, os princípios da 
evolução e a extinção dos dinossauros. O diálogo entre Joakim e Mika é um dos 
trechos que trata das questões sobre o espaço, trazendo uma reflexão que provoca 
a percepção de si mesmo, do seu corpo e do espaço que ocupam cada um dos 
meninos e como isso pode ter percepções distintas dependendo de onde cada um 
se encontra. Mika nos mostra, por meio das palavras que dirige à Joakim, que para 
sabermos em que ponto o espaço determina a posição certa de cada um, temos 
que reconhecê-lo a partir de onde nosso corpo se encontra. 
Problematização 
Para que se perceba o espaço, lugar onde cada um se encontra, é preciso 
termos nosso próprio corpo como referência, ou seja, o corpo é um ponto fixo e 
invariante. Sendo assim, é fundamental que o sujeito reconheça seu corpo, não 
apenas suas características anatomo-fisiológicas mas também enquanto espaço 
habitado por um ser, ele mesmo que pensa, sente e se expressa, relacionando-
se com o mundo que o cerca. No contexto pedagógico é consenso que a criança 
necessita desenvolver a percepção sobre si mesmo, reconhecendo as partes de 
seu corpo, para que possa construir sua identidade e autonomia. Sendo assim, 
podemos dizer que o corpo é quem somos, o que nos leva as ideias de Merleau-
Ponty (2004), o corpo é o espaço. Mas como a criança desenvolve essa 
capacidade de percepção? Como ela reconhece seu corpo como espaço, e por 
meio dele reconhece o espaço que ocupa? 
 
 
 
04 
TEMA 1 – DESENVOLVIMENTO INFANTIL, CONCEPÇÕES E VERTENTES 
Quando falamos do desenvolvimento infantil, permeamos nossos saberes 
por diversas teorias, cada uma delas com suas características, fases, etapas, 
enfim com denominações distintas, devido à abordagem de cada um dos autores. 
Dentre elas destacamos as ideias de Wallon (1989), Piaget (1975), Vygotsky 
(1989) e Freud (1905/1989), embora haja outros que contribuíram para a 
compreensão do desenvolvimento da criança, são essas as teorias que mais se 
envolvem com o contexto educacional e com a psicomotricidade. 
Piaget (1975) nos coloca que o primeiro estágio de desenvolvimento infantil 
ocorre entre o nascimento e os dois anos de idade, o qual ele denomina de 
sensório-motor. Embora ainda de forma precária, é neste período de tempo que 
a criança realiza a descoberta física, percebendo a existência e as funções das 
partes de seu corpo interagindo com o meio (espaço, objetos e pessoas – adultos 
e crianças). A criança nessa fase já apresenta os reflexos, que são atos mais 
sistematizados. A sequência do desenvolvimento, segundo sua teoria, se dá entre 
os dois e sete anos de idade aproximadamente, denominada de período pré-
operatório, momento em que a criança adquire as habilidades da função 
simbólica ou semiótica, ou seja, período de passagem entre sensório-motor e o 
das representações. É, portanto, nesse período, que a criança contata com os 
esquemas conceituais, pois interioriza a ação e aprende a exprimir os significados 
pelos significantes. É sabido que ainda amplia sua teoria para as etapas seguintes 
período das operações formais entre 7 e 11 anos e dos 12 anos em diante o 
período das operações concretas, períodos os quais não nos preocupamos em 
descrever, pois não contemplam a criança da Educação Infantil. 
Para Wallon (1989), a criança, do nascimento até os seis anos, passa por 
diversas fases. São elas a impulsiva (recém-nascido), na qual o bebê apresenta 
uma dependência total em relação ao meio; a tônico-emocional (6 aos 12 
meses), fase em que a motilidade e a sensibilidade são aprofundadas e os 
movimentos esboçam significado; a sensório-motora (12 aos 24 meses), 
período no qual a criança apresenta sua orientação para o mundo externo, ou 
seja, seus movimentos são sempre voltados para o outro. O motor e a sensação 
estão integrados, o que favorece o surgimento do andar, e suas emoções e 
percepções estão mais organizadas, trazendo a possibilidade de gestos eficazes 
(também chamado de gesto inteligente); projetiva (entre 3 e 4 anos), também 
reconhecida como os períodos de oposição e de agrado, pois a criança já 
 
 
05 
apresenta autonomia postural e suas ações (ato motor) são produto da atividade 
mental. Esse é um momento de importantes conquistas motoras. Por fim, a 
personalística (dos 5 aos 6 anos), fase em que a criança, pela consciência de 
sua pessoa, apresenta a afirmação sedutora da personalidade, o que leva suas 
ações (ato motor) a esboçarem seus desejos. 
ParaVygostsky (1989), existem dois níveis de desenvolvimento: o real e o 
potencial. Nas ações em que a criança realiza sozinha as atividades partindo dos 
conhecimentos que já possui, acontece o que o autor denomina de real. Já 
quando a criança necessita da ajuda do adulto ou de seus companheiros mais 
experientes, é o que Vygotsky chama de potencial. Tais níveis complementam-
se com a zona de desenvolvimento proximal, a qual os permite perceber que o 
desenvolvimento e a aprendizagem humana pressupõem “[...] uma natureza 
social específica e um processo através do qual as crianças penetram na visão 
intelectual daqueles que a cercam [...]” (p. 99), e que o aprendizado é “[...] um 
aspecto necessário e universal dos processos de desenvolvimento das funções 
psicológicas culturalmente organizadas e especificamente humanas” (p.100-101). 
Para melhor compreender, podemos dizer que o brincar traduz a cultura quando 
é interpretado e faz analogias com atividades humanas, ou seja, quando é 
significado por um meio cultural que lhe dá sentido. 
Freud (1905/1989), ao escrever seus construtos sobre o aparelho psíquico, 
traz conteúdos referentes ao processo evolutivo global da criança, denominados 
por ele como estágios da personalidade, que no seu olhar vão refletir no 
comportamento da vida adulta quando os conflitos não são resolvidos no tempo 
adequado, dependendo sempre de seus impulsos de prazer, vinculados a áreas 
corporais. Considera o desenvolvimento a partir da fase oral, ao longo do primeiro 
ano de vida, momento em que a criança tem a área da boca, língua e lábios como 
a parte mais sensível de seu corpo, e inicia seu processo de percepções 
frustrantes, pelo início do desmame. A fase anal, período entre 2 e 3 anos, é o 
momento em que o interesse da criança está no reto e no ânus, desenvolvendo o 
controle sobre as funções esfincterianas, além de atividades que expressam a 
raiva, agredindo ao ser contrariada, quebrando e lançando objetos, começando a 
compreensão entre o bem e o mau. Na sequência vem a fase fálica, que ocorre 
entre os 4 e 5 anos, e o interesse da criança está na região genital. Momento em 
que identifica sua identidade sexual, menino ou menina, e ocorre a identificação 
do “eu”, percebendo-se igual ao pai ou a mãe. Assim a criança toma consciência 
 
 
06 
de seu poder, dos seus desejos de destruição, surgindo o ciúme, a inveja, a 
sedução, potencializados pela brincadeira de faz de conta. 
Neste sentido destacamos as colocações de Lapierre e Lapierre (1987), por 
considerarem a importância de todas essas teorias, percebem que as várias 
abordagens do desenvolvimento trazem olhares distintos, embora confluentes e 
inter-relacionados, na compreensão da criança ao longo do seu processo de 
desenvolvimento e aprendizagem, apontando que sua metodologia amplia as 
potencialidades de auxílio do profissional para as crianças pequenas. Ressaltam 
ainda os autores que é preciso compreender que a aquisição de conhecimentos 
se situa como parte integrante de uma dinâmica de afirmação da pessoa ao seio 
de um grupo social e não apenas como uma meta em si. Isto porque o desejo de 
aprender na verdade é um componente secundário ao desejo de agir, ao desejo 
de ser. Complementam suas ideias afirmando que “a expressão abstrata também 
não passa de um outro meio de afirmação, que vai tomar progressivamente o 
lugar da expressão motora, ao assegurar a continuidade e assumir todo o 
conteúdo simbólico” (Lapierre; Lapierre, 2010, p. 42). 
TEMA 2 – DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR 
Quando tratamos do desenvolvimento a partir do pensamento psicomotor, 
entende-se que este acontece num processo conjunto de todos os aspectos do 
desenvolvimento. Ou seja, os desenvolvimentos motor, intelectual/cognitivo, 
emocional/afetivo e expressivo/social acontecem dialeticamente; portanto, pensar 
o desenvolvimento psicomotor da criança significa compreendê-la na sua 
totalidade. Segundo nos apontam Lapierre e Aucouturier (1982), para pensarmos 
o desenvolvimento psicomotor é preciso considerar que a criança atua no mundo 
por meio de seus movimentos, estabelecendo uma relação com o mundo por 
intermédio da sua carga tônica pessoal, a qual é construída no dia a dia a partir 
dos estímulos e limitações que o próprio meio e as pessoas (adultos e outras 
crianças) impõem a ela. Portanto, afirmam os autores que o desenvolvimento 
psicomotor se caracteriza pela maturação que integra o movimento, o ritmo, a 
construção espacial, o reconhecimento dos objetos, das posições, da imagem do 
corpo e a palavra. Ou seja, inclui os aspectos físicos ou motor, afetivo-social ou 
relacional e cognitivo ou intelectual. 
 
 
07 
Le Boulch (2001) aponta que o desenvolvimento psicomotor tem como 
princípio básico que todo sujeito passa pelas seguintes etapas do 
desenvolvimento: 
 Céfalo-caudal – acontece de forma ordenada e previsível; as aquisições 
iniciam-se na cabeça e vão em direção aos pés, o mesmo acontecendo 
com a evolução do sistema nervoso. 
 Próximo-distal – acontece da região central para as extremidades 
corporais, ou seja, o controle corporal se dá do tronco para braços, mãos e 
dedos, o mesmo acontecendo nos membros inferiores. 
 Geral paraespecífico – o controle motor se dá inicialmente por movimentos 
simples e generalizados e gradativamente se tornam específicos e 
refinados. 
Segundo Le Boulch (2001) o desenvolvimento psicomotor também pode 
ser compreendido em períodos, fases ou estágios, dependendo das tendências 
das escolas europeias, americanas, soviéticas entre outras. Neste sentido 
Masson (1985) aponta que muitos estudiosos consideram o desenvolvimento 
psicomotor considerando apenas o período da infância, enquanto outros 
entendem que ele acontece ao longo de toda a vida, pois, conforme o sujeito 
passa pelo seu processo evolutivo, necessita se reorganizar corporalmente, o que 
leva a alterações com ganhos e perdas no seu desenvolvimento. Sendo assim, 
considera o autor que o desenvolvimento psicomotor cronologicamente pode ser 
organizado e compreendido da seguinte forma: primeiro ano de vida, infância 
(entre 12 meses e 12 anos aproximadamente), adolescência, vida adulta (adulto 
jovem e adulto), e terceira idade. 
Pensando na criança da Educação Infantil, descrevemos algumas 
características do desenvolvimento psicomotor da criança no primeiro ano de vida 
e no período da infância que compreende até seis anos de idade. 
Masson (1985) destaca que no primeiro ano de vida, ao nascer o bebê, se 
relaciona com o mundo de forma instintiva, etapa denominada de organização 
instintiva, pois seus movimentos não são autônomos (de vontade própria, 
volitiva), eles são movimentos reflexos (de moro, de sucção, entre outros). São 
características importantes a serem consideradas nesse período do 
desenvolvimento. Entre o primeiro e terceiro mês a criança comunica-se pelo 
choro, emite sons, brinca com as mãos, passa a comunicar-se pelo sorriso e sai 
do estágio reflexo. Entre o quarto e o sexto mês, passa a orientar-se no espaço, 
 
 
08 
brinca de se esconder, desenvolve a preensão, senta-se com apoio, utiliza seu 
corpo e objeto no espaço. Do sétimo ao nono mês simboliza presença e ausência, 
adquire a preensão ativa do polegar evoluindo para movimento de pinça, chora 
quando a mãe não está perto (crise da angústia distônica), se reconhece no 
espelho, vocaliza sílabas evoluindo para primeiras palavras de duas silabas 
(inclusão da memória), engatinha e fica em pé com apoio. Do décimo mês até o 
décimo segundo, bebe com copo, interrompe a ação ao ouvir ordens e entende 
frases curtas (aumento das perspectivas de pensamento), fala as primeiras 
palavras evoluindo paratrês ou quatro palavras, institui-se a noção de defesa e 
proibição, fica de pé sozinho, evoluindo para a marcha com domínio do espaço 
físico e simbólico. 
Lapierre e Aucouturier (1982) contribuem com essas colocações afirmando 
que em cada etapa de seu processo maturacional, a criança busca movimentar-
se por estímulos do meio ou suas necessidades básicas como fome, dores, faltas 
(necessidade de sentir seu corpo no corpo do outro), entre outras. 
No que se refere à infância Le Boulch (2001) afirma que por se tratar de um 
período muito longo, entre 12 meses e 12 anos aproximadamente; é um período 
de grandes transformações no desenvolvimento psicomotor da criança. Dessas 
transformações destacamos algumas ao longo do período entre 12 meses e seis 
anos. 
Entre 12 meses e 2 anos a criança passa a andar sozinha, sua linguagem 
corporal tem cadência rítmica e amplia a verbal, usa diversos recursos não verbais 
para se comunicar, e ocorre a maturação neurológica para o controle 
esfincteriano. Entre dois e três anos salta com os dois pés, tem noção de 
totalidade corporal (mas não relaciona as partes), o real confunde-se com a 
fantasia, controle total dos esfíncteres, reconhece diferenças sexuais, amplia seu 
vocabulário. No período entre três e quatro anos utiliza o “eu”, tem consciência de 
si, a praxia fina aperfeiçoa-se, consegue classificar, identificar e comparar, é a 
idade dos “porquês”. O período compreendido entre os quatro e cinco anos passa 
a relacionar fatos (início da abstração), distinguir frente e costas, e algumas cores, 
explorar a manipulação sexual, desenhar (rabiscos) e associá-los a escrita. No 
período entre cinco e seis anos reconhece esquerda e direita em si, apresenta 
simpatia e empatia pelo outro, distingue todas as cores, desenha traços e formas. 
Ao observarmos as características do desenvolvimento apontadas pelos autores 
supracitados, podemos perceber que corpo, espaço e movimento, são elementos 
básicos para que se possa melhor compreender o processo de desenvolvimento 
 
 
09 
aprendizagem da criança, temas que abordaremos nos próximos temas, e nas 
próximas aulas. 
TEMA 3 – ESQUEMA CORPORAL 
Como estudamos na aula 1 dentro do tema 3 que tratou sobre os 
fundamentos da psicomotricidade, o esquema corporal (conduta funcional) é 
determinante para a construção da personalidade da criança, pois, como afirma 
Wallon (1989) este é a representação relativamente global, científica e 
diferenciada que a criança tem do seu corpo. É importante compreender que, além 
de estar ligada à atividade motora e às necessidades biológicas, a noção de 
esquema corporal também está vinculada com alguns aspectos emocionais, razão 
pela qual o esquema corporal se organiza por intermédio de duas capacidades a 
imagem corporal e o esquema corporal propriamente dito. 
Vamos inicialmente falar sobre o esquema corporal propriamente dito, que, 
segundo nos coloca Le Camus (1986), é a capacidade responsável pela regulação 
da postura, equilíbrio e a própria imagem corporal. Ou seja, é a capacidade que a 
criança constrói pelas suas sensações quando pelas percepções táteis vai 
elaborando a consciência do próprio corpo. Portanto, é por meio do esquema 
corporal que ela, a criança, identifica as partes e as funções do seu corpo, objeto 
espacial que habita para conhecer e se relacionar com o mundo que a cerca. 
No entanto, destaca ainda Le Camus (1986) que essa noção do esquema 
corporal só está completa quando a criança constrói as impressões de seu próprio 
corpo, o que se denomina como imagem corporal, esta também mediada pelas 
experiências vividas, mas neste caso pelas suas relações sociais e culturais que 
ela estabelece. É nessas relações que a criança cria uma visão sobre si mesma, 
das suas ações, atitudes, enfim do seu corpo. Desta forma fica claro porque 
Wallon (1989) afirma que a noção de esquema corporal está ligada também aos 
aspectos emocionais, além das atividades motoras e biológicas da criança. 
Sendo assim, podemos dizer que, quando a criança tem uma imagem 
corporal favorável de si, ela interage mais com as pessoas e o mundo a sua volta, 
isto porque a possibilidade de se perceber como referência para o outro e para o 
meio amplia. Portanto, podemos dizer que o esquema corporal se organiza pela 
experiência corporal, o que leva a criança a descobrir, explorar e criar diferentes 
possibilidades de ação, levando-a a uma construção mental das possibilidades de 
seu corpo, suas funções e características. 
 
 
010 
Wallon (1989) nos aponta que uma boa formação destes pré-requisitos é 
que leva a criança a perceber seu corpo como um ponto seguro de referência, o 
qual servirá de sustentação e princípio para a aprendizagem de todas as noções 
e definições que são necessárias e obrigatórias para a alfabetização da criança. 
Dentre elas a lateralidade, ou a organização espacial que possibilitara 
compreender e definir conceitos como: em cima, embaixo, na frente, atrás, 
esquerda, direita, alto, baixo, permitindo desse modo que ela desenvolva o 
equilíbrio corporal e tenha a capacidade de dominar seus atos motores de acordo 
com as os limites impostos, seja pelo espaço onde seu corpo se encontra, seja 
pela folha de papel, ou contornos dos desenhos, na apropriação e controle motor 
da sua praxia fina. Ou seja, é preciso compreender que uma criança que não 
tenha seu esquema corporal bem trabalhado não conseguira coordenar bem seus 
movimentos e poderá apresentar diversas dificuldades, sejam de locomoção, de 
orientação no espaço, ou mesmo de escrita e de construção de sua caligrafia por 
exemplo. 
O que nos leva ao fato de que os estudos sobre o esquema corporal advêm, 
segundo Costallat (2002), de Bonnier (1905), que buscou entender as sensações 
vindas de dentro e de fora do corpo, acabando por identificar que algumas 
alterações patológicas podem gerar o surgimento de distúrbios, como por 
exemplo, a asquematia, que significa a perda da percepção do corpo. Esta por 
sua vez pode ser classificada como hiperesquematia1, hipoesquematia2, e 
parasquematia3. Partindo desses entendimentos, podemos melhor compreender 
o que nos apresenta Le Boulch (2001) quando fala que, no plano gnósico, a 
interiorização das sensações garante a representação mental do seu corpo, dos 
objetos e do meio que a cerca, sendo ela (representação mental) responsável pelo 
aparecimento do membro fantasma (ilusão de um membro amputado, mantendo 
as sensações, de presença, sentindo dor, frio, calor). 
Costallat (2002) destaca ainda que, complementando esses estudos, Pick 
(1908) discute a relação existente entre as sensações percebidas pelo corpo e a 
representação visual que é estabelecida pelo sujeito sobre seu próprio corpo, o 
que leva a identificar qual parte do corpo está recebendo o estímulo vindo do 
ambiente externo, favorecendo assim a orientação do seu corpo no espaço. 
 
1 A representação do corpo ocupa uma área maior do que deveria. 
2 A representação do corpo ocupa uma área menor do que deveria. 
3 Quando existe uma confusão mental na representação do corpo de forma imprópria ou não 
existente. 
011 
Contribuindo com estes conhecimentos, Costallat (2002) nos remete as 
ideias e proposições de Head (1893) ao apresentar três tipos de esquema corporal 
(na sua totalidade, esquema e imagem corporal), o postural, o de superfície do 
corpo, e o temporal, sendo eles os responsáveis pela representação 
tridimensional do corpo. 
Cabe ainda destacarmos as contribuições de Freud (1989) para o 
entendimento da construção do esquema corporal pela criança, quando, em seus 
estudos, aponta o corpo como espaço de inscriçãodas experiências de prazer e 
sofrimento, sendo que estas percepções são estabelecidas pela criança a partir 
da sua sensação de satisfação ou não de uma necessidade existente. 
TEMA 4 – A ESTRUTURAÇÃO DA ORGANIZAÇÃO ESPACIAL 
Como apontado por Wallon (1989), Le Boulch (2001), Costallat (2002) e 
outros estudiosos que contribuíram com a psicomotricidade, sabemos que, para 
que a criança estruture sua organização espacial, ela necessita ter um esquema 
corporal bem desenvolvido, mesmo que essas capacidades/condutas funcionais 
sejam construídas concomitantemente. Independentemente de sua relação 
dialética é preciso que a criança tenha a consciência corporal (assunto que 
abordaremos em outra aula) e com isso reconheça seu corpo como objeto único 
e invariante, espaço de referência para poder se relacionar com o meio que a 
cerca. Portanto, para que ela possa se localizar no espaço, o reconhecimento de 
seu próprio corpo como espaço de referência é fundamental, pois somente assim 
ela, a criança, conseguirá organizar conceitos, como de um lado, de outro, à 
frente, atrás, entre outros, em que o corpo é o ponto de referência para 
estabelecer sua posição em relação ao objeto, ou mesmo ao espaço físico. 
Então vamos caminhar um pouquinho sobre os construtos que tratam sobre 
a estruturação da organização espacial. 
Segundo nos aponta Piaget (1975), é por meio da relação entre sujeito, 
objetos e seus deslocamentos viabilizados pelas ações destes que se constitui as 
propriedades do espaço, ou seja, a construção do conhecimento espacial se dá 
por intermédio dessa relação. Afirma ainda o autor que a representação espacial 
tem seu início nas ações reflexas dos bebês e se torna inicial em nível de 
consciência quando bebê está entre 16 e 24 meses, período em que constrói sua 
noção de espaço topológico. 
 
 
012 
Na sequência de seu desenvolvimento, a criança passa estabelecer a 
diferenciação entre o seu corpo e entre um objeto e outro, pois aprende a distinguir 
os objetos em suas formas e grandeza, assim descobre que pelos seus 
movimentos, deslocamento (denominado pelos autores de operações reversíveis) 
do seu corpo no espaço ou dos objetos, pode modificar sua visão sobre estes. 
Desta forma, enfatizam os autores, ocorre o desenvolvimento a construção do 
espaço projetivo e euclidiano (formas simples – espaços, escritas, entre outros), 
isto porque a criança toma consciência dos próprios movimentos que ocorrem fora 
do seu campo de percepção, e ainda das inter-relações espaciais. Sendo assim, 
podemos dizer que se estabelece o sistema de referências de coordenadas 
(horizontal, vertical), que posteriormente se amplia para a construção de retas e 
ângulos, condições básicas para a construção do espaço tridimensional4. 
 Em seus estudos, Piaget e Inhelder (1993) destacam que as relações 
espaciais mais primitivas ou topológicas são constituídas por vizinhança ou 
proximidade, separação, ordem ou sucessão espacial, inclusão ou envolvimento, 
e continuidade. Já relações espaciais projetivas são constituídas pela 
estruturação de grandezas e formas aparentes. E as euclidianas são constituídas 
por linhas horizontais e verticais como forma de descolamento. Salientam ainda 
os autores que as relações espaciais projetivas e euclidianas, são independentes 
e de constituem simultaneamente. 
Importante considerar que são diversos os motivos que levam a criança a 
encontrar dificuldades de não desenvolver de forma adequada sua noção 
espacial, dentre elas podemos destacar a dificuldade de compreensão do 
esquema corporal que leva a dificuldade de interiorização, a falta de integração 
da dominância lateral (reconhecimento do lado dominante), dificuldades de 
integrar termos abstratos como os conceitos básicos de localização (dentro, fora, 
direita, esquerda, entre outros), dificuldade de representação mental das diversas 
partes do corpo, entre outras. 
Partindo desses entendimentos, é possível afirmar que o corpo é mediador 
entre o sujeito e o mundo onde ele se situa, e onde estão situadas suas 
experiências, portanto, em certo sentido, esse campo primordial, o corpo, é a 
origem do espaço objetivo, sendo ele a origem de toda a dimensão e de toda a 
 
4 Espaço tridimensional, aquele em que os objetos se deslocam em relação reciproca como, por 
exemplo, esquerda-direita, acima-abaixo, dentro-fora, entre outros. 
 
 
013 
orientação da espacialidade, ou seja, o próprio corpo é o espaço, como nos aponta 
Merleau-Ponty (2004). 
TEMA 5 – PERCEPÇÕES E CORPOREIDADE 
Conforme apresentado na aula 1, quando tratamos dos fundamentos da 
psicomotricidade, e das capacidades/condutas funcionais, tema 3, as percepções, 
são essenciais para que a criança possa construir sua conduta de esquema 
corporal. Ao aprofundarmos os estudos sobre o esquema corporal, e sobre a 
estruturação da organização espacial, deparamos mais uma vez com a 
importância das percepções para o desenvolvimento dessas condutas na criança. 
Sabemos que é por intermédio das percepções que conhecemos e 
reconhecemos os estímulos que se mostram externos ao nosso corpo, e que pela 
capacidade de identificação do nosso esquema corporal, o qual permite a 
internalização das percepções, de tudo que nos cerca, podemos compreender 
este estímulo, e dar uma resposta ao meio. Ou seja, conforme nos coloca Le 
Camus (1986) é a partir da identificação e do reconhecimento dos estímulos 
sensoriais que a criança organiza e classifica seus saberes. Portanto, podemos 
entendê-las como fundamentais para a estruturação da organização espacial e 
temporal, as quais auxiliarão a criança mais tarde a organização das palavras, da 
escrita, enfim de suas ações (movimentos). 
Importante salientar que temos 6 formas de percepções. São elas: audição, 
gustação, olfato, tato, visão e propriocepção, sendo esta última entendida como a 
sensação do próprio corpo. A propriocepção é responsável por elaborar as 
sensações sinestésicas interceptivas (internas e externas), ou seja, é pela 
propriocepção que nosso corpo identifica, reconhece e denomina as sensações, 
sejam elas internar ou externas. A capacidade do corpo de fazer uso das 
percepções deve ser entendida como consciência vivenciada, conforme apontam 
Wallon (1989), Piaget (1975) e outros. 
A consciência vivenciada nos remete às contribuições de Lapierre e 
Aucouturier (1982), entre outros autores que trazem proposições sobre a conduta 
relacional denominada de corporeidade. Para Lapierre e Aucouturier (1982), são 
as experiências motoras da criança, principalmente as globalizantes (aquelas em 
que o corpo está totalmente engajado), que vão permitir que a ela construa sua 
noção de totalidade. Essa imagem global que a criança constrói de seu corpo, ou 
seja, de si mesmo, é que vai constituir sua noção de corporeidade, a qual está 
 
 
014 
intimamente ligada à noção de identidade e à consequente compreensão do 
esquema corporal. 
Sendo assim, podemos dizer que a corporeidade, conforme nos coloca 
Damásio (2000), constitui-se das dimensões física (composta pelas estruturas 
orgânicas, biofísicas, motoras, organizadoras de todas as dimensões humanas), 
emocional-afetiva (instinto, pulsão-afeto), mental-espiritual (cognição, razão, 
pensamento, ideia, consciência), e a sócio histórico cultural (valores, hábitos, 
costumes, sentidos, significados, simbolismo). Partindo dessas proposições, é 
possível entender, conforme já posto, que a noção de corporeidade se dá pela 
consciência da criança de que seu corpo é uma unidade. Ou seja, que ela é seu 
corpo, é uma totalidade corporal, a qual se manifesta pela expressividade 
psicomotora,a que se dá pelas relações que a criança estabelece com o espaço, 
com o tempo, com os outros, com os objetos e com ela mesma. 
Desta forma surge então a necessidade de compreendermos um pouco 
mais sobre o corpo, assunto de nossa próxima aula. 
FINALIZANDO 
Nesta aula estudamos sobre o desenvolvimento geral sob a ótica de alguns 
autores, identificando cada fase/etapa/período do desenvolvimento da criança. 
Caminhamos pelos construtos do desenvolvimento psicomotor, destacando o 
período do primeiro ano de vida e dos 12 meses até os 6 anos de idade. 
Conhecemos um pouco sobre a estruturação do esquema corporal e da 
organização espacial, estabelecendo a importância dessas condutas 
psicomotoras para a construção da identidade da criança. Vimos que a construção 
da identidade está relacionada à noção de corporeidade, a qual estabelece a 
noção de unidade corporal para a criança. Por fim, entendemos que, para que a 
criança tenha noção de sua unidade corporal, as condutas de percepção, espaço 
e esquema corporal são fundamentais. 
 Estes conhecimentos nos levam ao entendimento de que a noção de 
unidade corporal mediada pela corporeidade é uma construção que a criança 
organiza a partir de seu nascimento, acompanhando-a ao longo de seu processo 
de desenvolvimento. Por outro lado, sem uma estruturação adequada das 
condutas da percepção, do esquema corporal e da organização espacial, a 
criança pode apresentar dificuldades de aprendizagem, de movimento, de 
conhecimento de si e do meio que a cerca. 
 
 
015 
Revendo a Problematização 
Merleau-Ponty (2004) afirma que o corpo é o espaço, é o lugar onde se 
habita, é nele e por ele que a criança percebe o mundo a sua volta, mas para isso 
necessita perceber seu corpo, se reconhecer, se identificar, explorando esse 
espaço externo ao seu corpo pelos seus movimentos, pelas suas sensações, 
agindo sobre os objetos, o outro e, assim, perceber a si próprio. Essa forma de 
pensar o corpo e o espaço ultrapassa as propostas de desenvolvimento que 
compreendem o sujeito fragmentado, (sob o olhar de uma ou outra vertente do 
desenvolvimento). Ou seja, precisamos compreender o desenvolvimento global 
nas suas diversas vertentes, e relacioná-las a ponto de assim integrarmos a 
compreensão do desenvolvimento sob a ótica psicomotora e, consequentemente, 
nos apropriarmos de uma dimensão da sua totalidade do sujeito. Somente assim, 
nos será possível bebermos das palavras de Merleau-Ponty e entendermos a 
criança e seu desenvolvimento, como uma unidade corporal, unidade esta que se 
estrutura, prioritariamente, a partir da construção das noções de esquema 
corporal, organização espacial e corporeidade, sendo que a estruturação dessas 
condutas se organizam a partir da capacidade do corpo de identificar e reconhecer 
as sensações captadas e emanadas pelas percepções, sejam elas auditivas, 
gustativas, olfativas, visuais, táteis, ou proprioceptivas. 
Portanto, o corpo passa a ser espaço legitimado de um sujeito, que sente, 
pensa, e age, mediado pelo prazer e desprazer das suas relações consigo, com 
os objetos, com o ambiente, e com o outro. E, para que possa se desenvolver de 
forma integral, é preciso que o profissional faça escolhas a respeito de sua 
concepção de educação e de seu processo didático-pedagógico, pois, diante de 
tantas teorias, precisa escolher aquela que lhe oferece um caminho mais 
prazeroso para mediar o processo ensino aprendizagem. 
 
 
 
016 
REFERÊNCIAS 
COSTALLAT, D. et al. A psicomotricidade otimizando as relações humanas. 
São Paulo: Arte e Ciência, 2002. p. 187-199. 
DAMÁSIO, A. O mistério da consciência: do corpo e das emoções ao 
conhecimento de si. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. 
FREUD, S. Um caso de histeria: três ensaios sobre a teoria da sexualidade e 
outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1989. V. 7. Edição standard brasileira das 
obras completas de Sigmund Freud (1905). 
GAARDER, J. Ei! Tem alguém aí? Tradução Isa Mara Lando. Ilustração Paolo 
Cardini. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1997. 
LAPIERRE, A.; AUCOUTURIER, B. El cuerpo y el insconsciente em educación 
y terapia. Barcelona: Ed. Científico Médica, 1982. 
LAPIERRE, A.; LAPIERRE, A. O adulto diante da criança de 0 a 3 anos. São 
Paulo: Manole, 2010. 
LE BOULCH, J. O desenvolvimento psicomotor do nascimento até os 6 anos 
– a psicocinética na idade pré-escolar. Porto Alegre: Artemed, 2001. 
LE CAMUS, J. O corpo em discussão: da reeducação psicomotora às terapias 
de mediação corporal. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986. 
MASSON, S. Generalidades sobre a reeducação psicomotora e o exame 
psicomotor. São Paulo: Manole, 1985. 
MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. 2. ed. São Paulo: Martins 
Fontes, 2004. 
PIAGET, J. O nascimento da inteligência na criança. São Paulo: Manole, 1975. 
PIAGET, J.; INHELDER, B. A representação do espaço na criança. Porto 
Alegre: Artes Médicas, 1993. 
VYGOTSKY, L.S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 
1989. 
WALLON, H. As origens do pensamento na criança. São Paulo: Manole, 1989.