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PROFESSORA Me. Raquel de Araújo Bomfim Garcia Desenvolvimento Psicomotor na Infância ACESSE AQUI O SEU LIVRO NA VERSÃO DIGITAL! http:// EXPEDIENTE Coordenador(a) de Conteúdo Márcia Maria Previato de Souza Projeto Gráfico e Capa André Morais, Arthur Cantareli e Matheus Silva Editoração Dario Mercado Design Educacional Letícia Matheucci Zambrana Grou Curadoria Fabiana Bruna Gozer Dias Revisão Textual Carla Cristina Farinha Ilustração Geison Odlevati Ferreira Fotos Shutterstock DIREÇÃO UNICESUMAR NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Diretoria Executiva Chrystiano Mincoff, James Prestes, Tiago Stachon Diretoria de Graduação e Pós-graduação Kátia Coelho Diretoria de Cursos Híbridos Fabricio Ricardo Lazilha Diretoria de Permanência Leonardo Spaine Diretoria de Design Educacional Paula R. dos Santos Ferreira Head de Graduação Marcia de Souza Head de Metodologias Ativas Thuinie M.Vilela Daros Head de Recursos Digitais e Multimídia Fernanda S. de Oliveira Mello Gerência de Planejamento Jislaine C. da Silva Gerência de Design Educacional Guilherme G. Leal Clauman Gerência de Tecnologia Educacional Marcio A. Wecker Gerência de Produção Digital e Recursos Educacionais Digitais Diogo R. Garcia Supervisora de Produção Digital Daniele Correia Supervisora de Design Educacional e Curadoria Indiara Beltrame Reitor Wilson de Matos Silva Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de Administração Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor Executivo de EAD William Victor Kendrick de Matos Silva Pró-Reitor de Ensino de EAD Janes Fidélis Tomelin Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi NEAD - Núcleo de Educação a Distância Av. Guedner, 1610, Bloco 4 Jd. Aclimação - Cep 87050-900 | Maringá - Paraná www.unicesumar.edu.br | 0800 600 6360 Impresso por: Bibliotecário: João Vivaldo de Souza CRB- 9-1679 C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Distância. GARCIA, Raquel de Araújo Bomfim. Desenvolvimento Psicomotor na Infância. Raquel de Araújo Bomfim Garcia. Maringá - PR: Unicesumar, 2022. Reimpresso em 2023. 232 p. ISBN 978-85-459-2152-3 “Graduação - EaD”. 1. Desenvolvimento 2. Psicomotor 3. Infância. 4. EaD. I. Título. CDD - 22 ed. 370 FICHA CATALOGRÁFICA 02511248 Me. Raquel de Araújo Bomfim Garcia Apresento aqui, a você parte da minha história profissio- nal como psicóloga escolar/educacional e apaixonada pelo entendimento da aprendizagem e do desenvolvimento do ser humano. Desde a minha adolescência, eu tinha muito claro que escolheria uma profissão que trabalhasse com crianças, pois, além de gostar muito do contato com elas, a recíproca era verdadeira. Então, o primeiro passo foi fazer Magistério (o que, hoje, denominamos Formação Docente do Ensino Médio, Modalidade Normal). Então, foi nesse curso que eu conheci a Psicologia e pensei: “essa é a profissão que eu quero seguir”. Fiz o vestibular, cursei a graduação e, quando me formei, tinha a convicção de que minha área de atuação seria a clínica. No entanto meu primeiro emprego foi em uma Escola Especializada no atendimento a alunos com deficiência intelectual e ou- tras associadas. Foi aí que tudo mudou. Com o trabalho multiprofissional, com pedagogas, fonoaudiólogas, fisioterapeutas, terapeutas ocupacio- nais e assistente social, pude contribuir e compreender https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/11050 a complexidade do sujeito em sua totalidade. Nesse pro- cesso, fui buscar aprofundamento científico, fiz inúmeros cursos, especializações e pós-graduações até chegar ao mestrado. Esse último foi um divisor de águas em minha carreira profissional, não me imaginava como professora de graduação, pois amo ser psicóloga. Mas, no trabalho como psicóloga escolar/educacional, pude perceber mui- tas lacunas na formação de alguns profissionais e sabia que determinados conhecimentos da psicologia, princi- palmente sobre o desenvolvimento psicomotor, poderia fazer a diferença no atendimento educacional de muitas crianças. A Unicesumar/EAD foi a oportunidade de colo- car esse sonho em prática e estou nessa IES desde 2018. Compartilho, neste livro, o conhecimento e a experiência de anos trabalhando com crianças e adolescentes com alterações no desenvolvimento psicomotor. http://lattes.cnpq.br/7527506753653940 Você inicia, agora, uma nova jornada do conhecimento, que permitirá a você perceber as interfaces do desenvolvimento humano, compreendendo-o em sua totalidade por meio da psicomotricidade. Mas, para iniciarmos esse entendimento, apresento uma brincadeira que fez parte da minha infância, que pode ser que você a conheça também: a amarelinha. Essa brincadeira é muito comum no contexto escolar e é constituída por um desenho riscado com giz ou com um graveto no chão, onde são colocados os números de um a dez, e, no final, é desenhado o céu. Para brincar, cada participante escolhe uma pedra, e um de cada vez a joga em um número (respeitando a sequência numérica) e salta, alternando um pé e dois pés, não podendo pisar no número onde está a pedra. Essa brincadeira era muito divertida e ficávamos horas brincando. Mas, o que essa brin- cadeira tem a ver com o desenvolvimento psicomotor da criança? Quais as possibilidades de o sujeito desenvolver-se por meio dela? Que elementos psicomotores podem ser desenvolvidos? Será que ela pode ajudar na educação ou na reeducação psicomotora? A proposta deste livro é apresentar a você o conhecimento sobre o desenvolvimento psicomotor da criança, para compreender que, por meio de uma brincadeira, como a da amarelinha, é possível desenvolver vários elementos psicomotores, que são essenciais para o processo de aprendizagem do sujeito, podendo ser utilizada de modo preventivo, quando falamos de educação psicomotora, e, também, no processo de tratamento, quan- do falamos em reeducação psicomotora. Mas fique tranquilo(a), pois todos esses concei- tos serão trabalhados, de modo pormenorizado, no transcorrer das unidades deste livro. Para começar essa experiência, convido você a desenhar uma amarelinha no quintal ou na calçada de sua casa, chame as crianças e, até mesmo, os adultos (muitos vão relem- brar sua infância) para brincarem juntos. Enquanto a brincadeira rolar solta, observe os movimentos necessários para realizá-la, o conhecimento sobre a sequência numérica e as emoções que essa atividade lúdica suscita (alegria, frustração, competição etc.). Esse é o olhar psicomotor, que compreende os aspectos motores, cognitivos, afetivos e sociais. A vivência de atividades como essa nos permite refletir sobre o quanto a psico- motricidade faz parte do nosso cotidiano e, principalmente, do da criança. Assim, é DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR NA INFÂNCIA importante ressaltar a importância de proporcionar atividades psicomotoras, ou seja, que envolvam o sujeito em sua totalidade (motor, cognitivo, afetivo e social), em todos os contextos nos quais está inserido, para que se desenvolva integralmente. À vista disso, faz-se necessário o aprofundamento em conteúdos que possibilitem o conhecimento sobre a psicomotricidade, sua epistemologia, as premissas do desenvol- vimento psicomotor, a neuropsicomotricidade e a relação da psicomotricidade com a aprendizagem. É fundamental entender os elementos psicomotores que formam a base objetiva e subjetiva do sujeito, constituídos pelos conceitos psicomotores funcionais glo- bais e perceptivos e pelos conceitos relacionais e compreender a importância do brincar para o desenvolvimento psicomotor, contemplando o significado das brincadeiras e dos jogos, a relevância do lúdico na execução de atividades psicomotoras e nas políti- cas públicas da Educação Infantil. Nesse processo, é essencial o conhecimento sobre o desenvolvimento psicomotor em suas diferentes etapas e na visão de abordagens teó- ricas diversas. Por essa razão, é necessário entender os distúrbios psicomotores e como realizar aavaliação e a intervenção psicomotora, tanto preventiva quanto terapêutica. No contexto do trabalho, você, futuro(a) profissional da Educação, poderá utilizar o conhecimento sobre o desenvolvimento psicomotor para compreender como esse pro- cesso acontece para cada criança, pois, mesmo que possua características semelhantes, cada ser é único e deve ser considerado em suas especificidades. O conhecimento, também, dará a você subsídios para identificar e avaliar os elementos psicomotores, tornando-se capaz de traçar uma linha de trabalho de educação psicomotora e de reeducação psicomotora, no caso de falhas no processo de desenvolvimento. Diante dos conteúdos que serão apresentados no decorrer deste livro, você poderá esquematizar as informações por meio de um mapa mental, que possibilitará delinear os pontos principais e as informações referentes a cada assunto. Certamente, esse conhecimento será de grande relevância para sua formação profissional e permitirá um novo olhar para o desenvolvimento psicomotor da criança. IMERSÃO RECURSOS DE Ao longo do livro, você será convida- do(a) a refletir, questionar e trans- formar. Aproveite este momento. PENSANDO JUNTOS NOVAS DESCOBERTAS Enquanto estuda, você pode aces- sar conteúdos online que amplia- ram a discussão sobre os assuntos de maneira interativa usando a tec- nologia a seu favor. Sempre que encontrar esse ícone, esteja conectado à internet e inicie o aplicativo Unicesumar Experien- ce. Aproxime seu dispositivo móvel da página indicada e veja os recur- sos em Realidade Aumentada. Ex- plore as ferramentas do App para saber das possibilidades de intera- ção de cada objeto. REALIDADE AUMENTADA Uma dose extra de conhecimento é sempre bem-vinda. Posicionando seu leitor de QRCode sobre o códi- go, você terá acesso aos vídeos que complementam o assunto discutido. PÍLULA DE APRENDIZAGEM OLHAR CONCEITUAL Neste elemento, você encontrará di- versas informações que serão apre- sentadas na forma de infográficos, esquemas e fluxogramas os quais te ajudarão no entendimento do con- teúdo de forma rápida e clara Professores especialistas e convi- dados, ampliando as discussões sobre os temas. RODA DE CONVERSA EXPLORANDO IDEIAS Com este elemento, você terá a oportunidade de explorar termos e palavras-chave do assunto discu- tido, de forma mais objetiva. Quando identificar o ícone de QR-CODE, utilize o aplicativo Unicesumar Experience para ter acesso aos conteúdos on-line. O download do aplicativo está disponível nas plataformas: Google Play App Store https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/3881 APRENDIZAGEM CAMINHOS DE 1 2 3 4 5 PSICOMOTRICIDADE 9 CONCEITOS PSICOMOTORES 51 97 O BRINCAR COMO PRÁTICA PSICOMOTORA 137 DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR 181 SINTOMAS PSICOMOTORES E INTERVENÇÃO PSICOMOTORA 1 Psicomotricidade Me. Raquel de Araújo Bomfim Garcia Começo a Unidade I convidando você a compreender os debates que ocorreram ao longo da História e possibilitam o entendimento da psi- comotricidade na atualidade. Prontamente, você conhecerá as pre- missas do desenvolvimento psicomotor que dão a sustentação para a formação da imagem corporal do sujeito. Em seguida, entenderá como esse processo acontece neurologicamente, tendo uma visão funcional do cérebro, à luz da neuropsicomotricidade. Para encerrar a unidade, você perceberá a profunda relação da psicomotricidade com a apren- dizagem, principalmente nos anos iniciais do Ensino Fundamental. UNIDADE 1 12 Em minha trajetória profissional, vivenciada, principalmente, no contexto da Edu- cação Especial, acompanhei muitas crianças com alteração no desenvolvimento psicomotor. Apresentarei, a seguir, a história de um menino que muito me chamou a atenção, irei nomeá-lo José. A criança chegou para a avaliação com quase dois anos de idade, encaminhada pelo neuropediatra com diagnóstico de paralisia cerebral, uma alteração neurológica que afeta o desenvolvimento psicomotor. Na avaliação, verificou-se o atraso em suas aquisições motoras. José era capaz de sustentar o pescoço, mas, ainda, apresentava reflexos primitivos que, pela sua idade, já deveriam estar integrados. Interagia com facilidade, demonstrava inte- resse pelo ambiente, respondia aos estímulos visuais, auditivos e cinestésicos e estava começando a falar algumas palavras com significado. No entanto a família, diante do diagnóstico, entendeu que o prognóstico de José seria muito limitado, o que levou a um distanciamento da mãe com o bebê. José, quando não estava na escola, ficava deitado na cama assistindo a clipes de músicas, com exceção do tempo destinado ao banho, à troca e à alimentação. Aos poucos, ele parou de interagir na escola, tornou-se disperso, não demonstrava mais interesse pelos estímulos apresentados, regredindo em suas aquisições motoras, 13 afetivas e cognitivas. A partir desse relato, o que você, caro(a) aluno(a), acha que aconteceu? Será que o atraso no desenvolvimento motor afetou as outras áreas? Afinal, a relação mãe/bebê tem, realmente, importância para o desenvolvimento da criança como um todo? Foi com o objetivo de compreender processos como esses que, ao longo da história, a psicomotricidade se estruturou enquanto ciência. A psicomotricidade é a ciência que entende o sujeito de maneira integral, con- siderando seus aspectos cognitivos, motores e socioemocionais, compreendendo sua vivência e expressão por meio do movimento, a partir do campo psicossocial. Para chegar a esse entendimento, a psicomotricidade percorreu um caminho de muitas discussões e contradições, sendo que, ainda hoje, apresenta muitos dire- cionamentos teóricos e modos de intervenções diferenciados. A sua contribuição para o campo educacional tem sido de grande relevância, pois permite ao profis- sional da educação um entendimento do sujeito que aprende em sua totalidade. Para que entenda melhor a relação entre a psicomotricidade e a aprendiza- gem, convido você a fazer uma experiência simples. Escreva, em um pedaço de papel, as letras d e b em letra de imprensa minúscula. Após, reflita sobre o seguinte questionamento: como você sabe qual é a letra d e qual é a b? As hipóteses para essa pergunta podem ser variadas, não é mesmo? Uma delas está relacionada ao posicionamento da letra: uma tem a volta virada para frente e a outra, para trás; ou, ainda, uma para a direita e outra para a esquerda. Pois então, é aí que a psico- motricidade apresenta sua contribuição, ou seja, o desenvolvimento de determi- nadas habilidades psicomotoras, como lateralidade, noção de direita/esquerda e organização espacial, auxiliará a criança no processo de alfabetização. Veja que, nesta ação, estão envolvidos aspectos motores, cognitivos e socioemocionais, pois a referência que utilizou para lembrar qual é uma letra ou outra depende da experiência que você vivenciou na mediação desse conhecimento. Diante dessa experiência, convido você a refletir sobre o quanto as atividades infantis devem contemplar os diferentes aspectos do desenvolvimento e como a psicomotricidade possibilita uma visão de totalidade do sujeito. Mas será que esse desenvolvimento depende, unicamente, do sujeito? O funcionamento do sistema nervoso pode interferir na organização psicomotora? Em que faixa etá- ria a psicomotricidade tem a sua maior importância? Coloque as suas primeiras impressões sobre esses questionamentos em seu diário de bordo. UNICESUMAR UNIDADE 1 14 A compreensão da psicomotricidade possibilita um olhar diferenciado sobre o corpo, considerando o sujeito que o compõe e o movimento que realiza. Fonseca (2010) esclarece que a psicomotricidade consiste em uma ciência transdiscipli- nar que analisa e estuda as interações e suas influências sistêmicas e recíprocas, que acontecem entre o corpo e o psiquismo, entre a motricidade e o psiquismo, “[...] emergentes da personalidade total, singular e evolutiva que caracteriza o ser humano, nas suas múltiplas e complexasmanifestações biopsicossociais, afecti- vo-emocionais e psicosóciocognitivas” (FONSECA, 2010, p. 42). Vamos, então, entender como se conceitualiza a MOTRICIDADE e o PSI- QUISMO. A motricidade, segundo Hurtado (1983), compreende a capacidade de dominar o corpo, locomovendo-o com agilidade e destreza, de maneira vo- luntária. Fonseca (2010) acrescenta que a motricidade pode abranger, simulta- neamente, expressões gestuais, corporais, motoras, não verbais, posturais, tônico- -emocionais, somatognósicas e práxicas, as quais dão sustentação ao psiquismo. O psiquismo, na perspectiva teórica da psicomotricidade, é constituído pelo funcionamento mental como um todo (incluindo emoções, sensações, percepções, projeções, representações e condutas sociais e relacionais) e por todos os processos cognitivos que possibilitam a integração, o processamento, a planificação, a regula- ção e a execução da motricidade, respondendo de maneira intencional, adaptativa e inteligível, sendo esta maneira própria do ser humano (FONSECA, 2010). 15 Ao tratar da importância da psicomotricidade enquanto ciência, Costa (2002) destaca sua interdisciplinaridade, envolvendo conhecimentos da Psicologia, da Fisiologia, da Antropologia e das relações que possibilitam a compreensão do ato motor humano, numa perspectiva integrada do sujeito consigo e com o meio em que está inserido (seja com objetos ou outros sujeitos). Bueno (2013) destaca que, comparada a essas ciências, a psicomotricidade é uma ciência relativamente nova, com o intuito de compreender o homem e seu corpo, envolvendo, ainda, outras áreas, como: pedagógica, educacional e de saúde. De acordo com Bueno (2013), a definição sobre a psicomotricidade passou por transformações ao longo de sua trajetória histórica, demonstrando que seu estudo está em constante discussão e evolução. Neste percurso, o termo, pri- meiramente, teve uma conotação teórica, depois, desenvolveu-se no plano da prática, até chegar a um consenso em que são consideradas questões conceituais e a atuação prática. Para melhor compreensão desse processo, convido você a conhecer um pouco da história da psicomotricidade. O entendimento do corpo, na visão psicomotora, passa por diversas concepções construídas pelo Homem no transcorrer da História. Na Grécia Antiga, Aristóteles (384 a 322 a.C.) apresentava o entendimento de que o corpo consiste na matéria que é moldada pela alma. Este filósofo destacava a importância do movimento para aprimorar o espírito e, com isso, valorizava a ginástica como forma de dar vigor e UNICESUMAR UNIDADE 1 16 educar o corpo. Incentivava a realização da ginástica até a adolescência, mas com exercícios leves que não prejudicassem o desenvolvimento da alma, tendo, assim, um sentido de movimento, e não, apenas, um exercício por exercício (MASSUMI, 2005). No século XVII, René Descartes (1596–1650) enfatizou a dicotomia entre corpo e alma. Para ele, o corpo consiste em algo externo desprovido de pensa- mento e a alma é definida como um elemento pensante, não tendo nenhuma participação no que pertence ao corpo. O dualismo cartesiano caracteriza-se pelo seguinte pensamento: “[...] é evidente que eu, minha alma, pela qual sou o que sou, é completa e verdadeiramente diferente do meu corpo, e pode ser ou existir sem ele” (DESCARTES, 1979, p. 84). Com os avanços nos estudos da neurofisiologia, no século XIX, verificou-se que diversas disfunções graves não apresentavam lesões cerebrais ou a lesão não era possível de ser localizada de maneira clara. Essas disfunções referem-se a distúrbios da atividade gestual e práxica, onde não foi encontrada lesão corres- pondente no cérebro. Com isso, o método de avaliação clínico vigente, em que cada sintoma tem uma lesão correspondente (esquema estático anátomo-clínico), não explicava esses fenômenos patológicos. Buscando explicá-los, no ano de 1870, foi empregada, pela primeira vez, a palavra psicomotricidade (LEVIN,1995). Descrição da Imagem: a figura apresenta uma fotografia de um homem, em preto e branco. O homem é branco, tem cabelos e olhos escuros, bigode e cavanhaque um pouco grisalhos e usa óculos tipo pincenê (redondo e sem hastes). Ele está vestindo uma blusa e um casaco de tecido reluzente escuro e um jabor branco. O homem está com a cabeça levemente inclinada para a sua esquerda. Figura 1 - Ernest Dupré Fonte: Wikidata (2013, on-line). 17 Foi com Ernest Dupré (1862–1921) (Figura 1), neurologista francês, no ano de 1907, que a palavra psicomotricidade passou a ser utilizada. Dupré descreveu a síndrome da debilidade motora relacionando-a com a debilidade mental, asse- gurando que entre “[...] certas alterações mentais e as alterações motoras cor- respondentes existe uma união tão íntima que parecem construir verdadeiras paralelas psicomotoras” (DUPRÉ, 1909 apud BUENO, 2013, p. 55). Seus estudos romperam com a ideia da correspondência entre a localização neurológica de uma lesão e as alterações motoras na infância (LEVIN, 1995). A partir disso, ocorreram avanços nas pesquisas neurológicas, psiquiátricas e fisiológicas, evidenciando os trabalhos psicanalíticos de Shilder, que destaca as influências relacionadas à imagem corporal e ao psicológico do sujeito, que ser- vem de premissa para vários outros autores da psicomotricidade, inclusive para Henry Wallon (BUENO, 2013). Wallon, em 1925, ressalta o movimento huma- no como essencial no processo de elaboração do psiquismo. Diferentemente de Dupré, que conecta a motricidade com a inteligência, Wallon, influenciado pela visão de sua época, direciona seus estudos para a relação da motricidade com o caráter, classificando tipos psicomotores e síndromes com conotação neurológica. Com o tempo, Wallon evolui para uma compreensão do corpo mais dialética, ou seja, associa o movimento com as relações que o sujeito estabelece com o meio, dando ênfase ao comportamento tônico (LE CAMUS, 1986). No ano de 1935, Edouard Guilmain (1901–1983), trabalhando com crianças com distúrbios de caráter, verificou a necessidade de uma avaliação psicomotora que não fosse restrita a instrumentos de mensuração, mas que proporcionasse um diagnós- tico, uma indicação terapêutica e, também, um prognóstico, criando um método inovador apoiado nos conceitos elaborados pelos seus antecessores. O neurologista foi intitulado como o pai da Reeducação Psicomotora (BUENO, 2013; LEVIN, 1995). Em que consiste a reeducação psicomotora para Edouard Guilmain? “[...] estabelece por meio de diferentes técnicas (provenientes da neuropsiquiatria infantil) um modelo de exercitações: exercícios para reeducar a atividade tônica (exercícios de mímica, de ati- tudes e de equilíbrios), a atividade de relação e o controle motor (exercícios rítmicos, de coordenação e habilidade motora, e exercícios que tendem a diminuir sincinesias)”. Fonte: adaptado de Levin (1995). EXPLORANDO IDEIAS UNICESUMAR UNIDADE 1 18 Na década de 30, surgiram também muitos testes motores, como o da idade motora de Ozeretski-Vayer, o de performance-bateria de Walter, o de imitação de gestos de Bergès e Lèzine, o de perfil psicomotor de Picq Vayer, entre outros. Dessa maneira, este período de organização da psicomotricidade caracteriza-se pela ênfase na habilidade motora, onde o motor é entendido como o modo pelo qual o sujeito se comunica com o mundo. Didaticamente, esse período foi cha- mado CORPO HÁBIL, segundo Le Camus (1986 apud BUENO, 2013). Ele se caracteriza, acima de tudo, pela habilidade, pela ação mecânica e pela repetição, buscando um controle motor de maneira coordenada. Entre 1947 e 1948, foi organizada uma nova definição da debilidade motora por Julián de Ajuriaguerra e R. Diatkine, passando a considerá-la como sendo uma síndrome de propriedades particulares (FALCÃO; BARRETO, 2009). Em seu Manual de Psiquiatria Infantil, Ajuriaguerra delimitou, com maior nitidez, os transtornos psicomotores, como sendo certos modos de debilidade motora, ou seja, inibições e instabilidadespsicomotoras, alguns tipos de torpor de ordem emocional, transtornos de lateralização, disfagias, dispraxias evolutivas, gagueiras e tiques, esclarecendo que esses oscilam entre o psiquiátrico e o neurológico. Dentre os objetivos propostos para a terapêutica psicomotora, Ajuriaguer- ra propõe um olhar mais integrado do sujeito buscando a “[...] organização do sistema corporal, modificando o corpo no seu conjunto, no modo de perceber e apreender as aferências emocionais” (AJURIAGUERRA, 1984 apud LEVIN, 1995, p. 27). Diatkine (LEVIN, 2003 apud FALCÃO; BARRETO, 2009), junto a outros autores, como Berges, Jolivet, Launay e Leboirei, passou a definir a psico- motricidade como sendo a motricidade em relação. O entendimento desses neurobiólogos, Ajuriaguerra e Diatkine, somou-se ao de outros psicólogos, como Lewin, da Gestalt, Merleau-Ponty, da Fenomenologia, e Gesell, Wallon e Piaget, da psicologia do desenvolvimento, que destacaram, em seus estudos, a constatação de que o corpo possui afeto (LE CAMUS, 1986 apud BUENO, 2013). A partir disso, houve um novo entendimento sobre a psicomotri- cidade, onde as práticas, além de terem uma visão mais ampla do sujeito, também passam a organizarem-se por meio de exames psicomotores e pela reeducação psicomotora (BUENO, 2013). Segundo Morizot (2010), ocorreu o rompimento com o domínio da compreensão exclusivamente neurológica e, dessa forma, o polo psicomotor foi ganhando autonomia do polo orgânico, gradativamente, esta- belecendo um novo conceito psicofisiológico relacionado às emoções e aos afetos. 19 No ano de 1952, destaca-se o empenho de Jean Le Boulch no processo de profis- sionalização da psicomotricidade. Ele era instrutor de Educação Física e passou a defender a educação psicomotora para todas as faixas etárias. Graças ao seu empenho e de outros educadores, no ano de 1967, um decreto ministerial francês (de 7 de agosto de 1967) incluiu, na prática escolar, seis horas semanais de edu- cação psicomotora. Nessa época, a diversidade de linhas de atuação dificultou o reconhecimento da psicomotricidade (BUENO, 2013). Nesse período, a psicomotricidade passou a receber influência de vários au- tores da Psicanálise, como Freud, Melaine Klein, Winnicott, Reich, Shilder, Lacan, Mannoni, Dolto, entre outros, que deram suporte ao entendimento relacionado às hipóteses da vida emocional. Samí Alì (1979 apud LEVIN, 1995) até esboça uma abordagem psicanalítica psicomotora. Segundo Bueno (2013), esse período foi compreendido como CORPO CONSCIENTE, onde a trajetória psicológica e as emoções passaram a ter relevância no movimento da psicomotricidade. Partindo da década de 70, os direcionamentos dos estudos e das abordagens psicomotoras orientam para o corpo expressivo, ou seja, aquele que fala, apresenta significados, possibilitando a harmonia entre a afetividade e a expressão do corpo. UNICESUMAR UNIDADE 1 20 OLHAR CONCEITUAL Em São Paulo destacam-se os tratamentos motores utilizando as técnicas de Michaux. Eviden- cia-se as obras de Haim Grunspun enfocando os distúrbios motores, de conduta, psicossomá- ticos e sua relação com o desenvolvimento da criança. Professor Lèfreve realizou trabalhos terapêuticos relacionando o movimento com a avaliação neurológica do sujeito. No Rio de Janeiro, os trabalhos iniciaram em hospitais, como também em instituições que atendiam pessoas com de�ciência física. No �nal desta década, Grunspun já mencionava a relevância de atividades psicomotoras como terapêutica para casos de distúrbios de aprendizagem. Também foram criados cursos de formação de professores para pessoas com de�ciência auditiva, onde o ritmo teve grande destaque no trabalho com estes alunos. Surgem as primeiras técnicas reeducativas, no entanto, observa-se divergências quanto a área de atuação do pro�ssional de psicomotricidade, como também em relação às abordagens e técnicas diferentes advindas de outros países. Marly Guimarães Froes Peixoto organizou um importante documento sobre a psicomotricidade, no ano de 1967. Trabalhos de reeducação psicomotora foram implantados em clínicas psicopedagógicas, na educação especial e em instituições especializadas. Em 1968, Simonne Ramain esteve no Brasil para realizar uma formação no trabalho de reeducação psicomotora. A partir disso, o Paraná destacou-se numa formação que visava um trabalho na perspectiva pedagógica terapêutica. Aconteceu a eclosão da psicomotricidade no Brasil, dividida em duas diferentes correntes: uma que utilizava métodos ou bibliogra�as originais advindas do exterior; e a outra que, por meio da prática de reeducação e educação corporal, entendia tudo como psicomotricidade. Com o tempo, houve pro�ssionais que passaram a mesclar as duas correntes teóricas, desenvolvendo um trabalho mais alinhado à realidade brasileira. Houve também a in�uência de Françoise Desoubeau, com uma visão mais tônico-emocional do movimento; promovendo a visão da psicomotricidade como terapia. Havia uma tendência em relacionar os distúrbios neurológicos à psicomotricidade, enfatizando uma visão de corpo consciente. Surgem cursos e algumas cadeiras são implantadas em faculdades. Criação da Sociedade Brasileira de Terapia Psicomotora - SBTP (19 de abril de 1980), que depois alterou o nome para Sociedade Brasileira de Psicomotricidade (SBP). Em julho de 1980 ocorreu o primeiro Encontro da SBTP. Neste período, houve um grande avanço da psicomotricidade no país. No ano de 1982, realizou-se o I Congresso Brasileiro de Psicomotricidade da SBP, que trouxe a linha de trabalho da psicomotricidade relacional. No mesmo ano, foi implantado um curso de formação nesta área; iniciando em todo o país um pensar na perspectiva de um corpo signi�cante. Destaca-se o trabalho de Suzana Veloso Cabral com o Projeto Movimento, com atendimento direto na escola. Houve uma grande preocupação em discussões sobre a teoria e a prática, à luz de palestrantes como Vitor da Fonseca, Alfredo Jerusalinsky, Juan Garralda, Bernard Aucouturier, entre outros. Em 1989, duas novas linhas trazidas da Europa in�uenciaram a psicomotricidade, ou seja, a análise corporal da relação (ACR) e a psicomotricidade relacional. Também neste ano foi fundado o Instituto Brasileiro de Medicina de Reabilitação (IBMR), com o primeiro curso de graduação de psicomotricidade. Foram abertos vários cursos de pós-gradua- ção em Psicomotricidade em vários estados. É estabelecido o Estatuto da SBP e esta passa a conferir o título de psicomotricista àqueles pro�ssionais por meio de um dossiê e comprovantes de experiência prática e teórica na área e em ciências a�ns, com graduação na área da educação ou saúde. Em 1997, estabeleceu-se o currículo mínimo para especializações lato sensu em psicomotricidade. Várias formações pelo país nas áreas de sociopsicomotricidade Ramain-Thiers, psicomotricidade relacional, psicomo- tricidade aquática e escolar, prática psicomotora Aucouturier, apreensão e conscientização corporal, psicomotricidade sistêmica e transpsicomotricidade. Luta pelo reconhecimento enquanto área pro�ssional especí�ca. Década de 1950 Década de 1960 Década de 1970 Década de 1980 Década de 1990 em diante > > > > > Trajetória da Psicomotricidade no Brasil Fonte: adaptado de Bueno (2013). 21 Nesse período, chamado CORPO SIGNIFICANTE, podemos destacar os se- guintes profissionais: Jolivet, Gerda Alexander, Aucouturier, Lapierre e Samí Ali, e, nele, as práticas enfatizavam diferentes técnicas corporais, como psicomotricidade relacional, psicodrama, antiginástica e expressão corporal (BUENO, 2013). Para Bueno (2013), a psicomotricidade brasileira, ao longo da sua história, tem investido no seu desenvolvimento enquanto ciência e no seu reconhecimento enquanto atividade profissional, por meio de um órgão representativo da classe. Enquanto campo de intervenção, transpõe o da educação, o da reeducação e o da terapia, apresentando diferenças quanto às concepções e aos níveis de interven- ção.Os congressos nacionais e internacionais de psicomotricidade, “ [...] na entrada do século XXI, denunciam que não se pode fragmentar corpo e mente e que as emoções são extremamente importantes no processo de decisão do homem, na sua construção psicomotora e social como cidadão. A psicomotricidade, assim, vem sendo cada vez mais concreta como ciência de estudo e permeando várias áreas, sendo dis- cutida tanto na sua teoria quanto na sua prática (BUENO, 2013, p. 66). O avanço da psicomotricidade, de acordo com Fonseca (2002), depende de mu- danças conceituais importantes, que mobilizem tanto os campos da matriz teóri- ca quanto os da prática, aperfeiçoando-se enquanto ciência interdisciplinar. Para o autor, esse processo, ainda, está em construção, ou seja, necessita romper com as fronteiras da postura interdisciplinar respeitando as diversas conceituações. Em relação à área de atuação, Rosa Neto (2002) acrescenta que, na atualidade, temos profissionais de diferentes áreas (medicina, psicologia, educação física, pedagogia, fisioterapia, terapia ocupacional etc.) utilizando a psicomotricidade em diversos contextos (em clínicas, escolas, academias, centros de reabilitação, hospitais, entre outros) e com as mais variadas faixas etárias. Lussac (2008) destaca que, analisando a história da psicomotricidade, enquan- to ciência e profissão, podem ser encontrados diversos olhares que muito têm con- tribuído. À vista disso, no ano de 2019, foi promulgada, no Brasil, a Lei nº 13.794, que regulamenta a atividade profissional de psicomotricista e autoriza a criação de Conselhos, tanto Federais quanto Regionais de Psicomotricidade (BRASIL, 2019). UNICESUMAR UNIDADE 1 22 NOVAS DESCOBERTAS Quer conhecer mais sobre o conteúdo da Lei nº 13.794/2019? Acesse o QR Code. O conceito de Outro é introduzido por Lacan para definir aquilo que é anterior ao sujeito e o determina em sua Constituição. Escreve-se com letra maiúscula para diferenciá-lo do semelhante (outro). Fonte: Jerusalinsky (2002, p. 58). EXPLORANDO IDEIAS Considerando as premissas teóricas da psicomotricidade, verifica-se que seu en- tendimento sobre o sujeito, segundo Levin (1995), perpassa três dimensões de funcionamento: a instrumental, a cognitiva e a tônico-emocional, que formam o conceito de globalidade psicomotora. Os fenômenos que englobam as dimensões instrumental e cognitiva são possíveis de serem observados, avaliados, mensu- rados e testados. Nessas dimensões, são favorecidos o funcionamento motor, entendendo o corpo como ferramenta e instrumento do crescimento e do desen- volvimento maturativo, e os processos cognitivos referentes ao corpo, relacionado com o tempo, o espaço e os objetos. Essas dimensões são compreendidas como parte da expressão corporal do sujeito. Na dimensão tônico-emocional, o tônus tem uma relação estreita com a lin- guagem, e esta é entendida no que é dito por meio do toque, ou seja, ao tocar e ser tocado. Esse processo é compreendido como um “[...] diálogo tônico que se inscreve num sujeito desde o nascimento a partir do desejo do Outro que, numa primeira instância, é encarnado por sua mãe, ou por aquele que cumpra esta função” (LEVIN, 1995, p. 47). Com isso, essas demarcações e inscrições serão gravadas no inconsciente, sendo determinantes no sujeito em si, devido aos re- gistros do desejo do Outro em seu universo simbólico. http:// 23 O sujeito, ao nascer, não apresenta um corpo constituído, devendo constituir-se. O Outro nesse processo é fundamental, pois a criança nasce imatura, não estando mie- linizadas suas vias nervosas. Ela depende do Outro na construção de um corpo sub- jetivo. Sem o Outro, um bebê pode, por exemplo, esquecer o reflexo de sucção, sendo que, nos casos onde há o estímulo e o desejo do Outro, isso não ocorre. Dessa forma, o Outro tem a responsabilidade de apresentar à criança seu corpo (LEVIN, 1995). “ É o Outro que vai criando nesse puro corpo ‘coisa’: buracos, bordas, protuberâncias, tatuando deste modo um mapa corporal produto do desejo do Outro, que o erogeiniza e pulsionaliza, ou seja, cria-lhe uma falta no corpo, uma maneira, uma forma de que lhe falte algo. Estas faltas primordiais geram uma queda deste corpo ‘coisa’, ‘carne’, puro real, que ao cair reencontra-se sujeito ao Outro. Estas marcas, estes modos de que falte algo no corpo, transformam-no num corpo erógeno e simbólico (LEVIN, 1995, p. 52). De acordo com Jerusalinsky (1988), a relação com o Outro possibilitou uma separação, distanciando-o do seu corpo real, passando a existir mais como uma imagem no olhar do Outro, do que em sua acepção. Levin (1995) acrescenta que o corpo pode ser compreendido como uma gramática, sendo lida pelo Outro, em seu sentido, no seu imaginário. Mas como a imagem não fala, ela precisa que o Outro registre um dizer nesse corpo, tornando a imagem do corpo repleta de significado. Dessa forma, por meio das marcas, das inscrições e dos cortes rea- lizados pelo Outro, o sujeito vai construindo o corpo subjetivo. Então, a criança não nasce com seu esquema corporal formado, são esses caracteres que vão sendo gravados, constituindo a superfície corporal do sujeito. Para Winnicott (1982), o rosto materno é precursor da imagem corporal da criança, pois, ao olhar para a mãe, ela se vê refletida em seu olhar. Samí Alí (1979 apud LEVIN, 1995, p. 55) acrescenta que “perceber o rosto da mãe em sua dife- rença em relação a outros rostos é, pois, pressentir a possibilidade de ter um rosto diferente do da mãe”. Portanto, não é por meio da organização biológica que a criança consegue reconhecer a unidade de seu corpo, e, sim, pela imagem vinda de fora e que é desejada pela mãe. UNICESUMAR UNIDADE 1 24 É importante destacar que esse processo mental acontece por meio da identi- ficação de uma forma que está fora do corpo da criança, mas que lhe oferece a condição de sentir-se Una. Com isso, a criança passa a ser essa imagem, sendo esta unida a seu corpo. Esse momento, no qual a criança torna-se Una (traço unitário), em que passa a diferenciar-se dos outros, foi denominado por Lacan como estágio do espelho, que acontece entre seis e dezoito meses (LEVIN, 1995). “ É a partir da unificação especular que se constitui o esquema mental do corpo e, a partir daí, podemos falar do corpo enquanto uma uni- dade imaginária assim como de fantasias de fragmentação corporal, diferenciando-as, deste modo, das sensações caóticas, divididas e desorganizadas do corpo que até esse momento acossavam a criança (LEVIN, 1995, p. 63). Isto posto, entende-se que o corpo imaginário é constituído de imagens, no qual a imagem é parte constituinte do corpo do sujeito, podendo até subverter a estru- tura da função anatômica. No processo de construção de seu corpo e seu espaço, a criança não, somente, buscará a identificação com a imagem especular, mas também a separação dela. Faz-se necessário, para isso, a criação de um espaço e de um corpo que seja diferente do corpo da mãe. Isso possibilitará à criança tolerar a ausência da mãe, realizando esse caminho por meio do brincar. É no NOVAS DESCOBERTAS Título: A infância em Cena: Constituição do sujeito e desenvolvimen- to psicomotor Autor: Esteban Levin Editora: Editora Vozes Sinopse: que influência a estrutura e o desenvolvimento psicomotor têm para o crescimento da criança? A formação/construção, o desenvolvimento, o amadurecimento e o crescimento do corpo e do corpo subjetivado são de- terminados por uma infinidade de atividades, como desejar, agarrar, enga- tinhar, balbuciar etc. O livro detém-se a analisar essas fases como um todo, onde começam a estruturar-se o universo simbólico e o sujeito. O autor apresenta caminhos inexplorados no campo da infância e na interrogação acerca do sujeito e do seu corpo. 25 jogo de presença e ausência que a criança encontra um meio de separação do corpo materno. Freud denominou o jogo do Fort-da como um jogo essencial no desenvolvimento do sujeito, tendo estecomo uma conquista simbólica que sinaliza o corpo da criança, representando ausências e presenças (LEVIN, 1995). Com isso, o jogo do Fort-da possibilita que a criança mude de posição, deixe de ser passiva para tornar-se ativa, visto que a brincadeira a possibilita responder a uma tendência de dominação, ou seja, obtém prazer na descoberta do con- trole sobre a falta do objeto (mãe), não estando mais dependente das vontades do Outro (GONÇALVES, 2018). Levin (1995) acrescenta que essa brincadeira possibilita várias diferenciações e transformações que produzirão no sujeito o entendimento, por exemplo, entre o eu e o não-eu, interno e externo, perto e longe, conteúdo e continente, delimitando a passagem da criança do domínio imaginário do corpo para um domínio simbólico. Para complementar o entendimento psicomotor, é importante destacar o cor- po biomecânico, físico, estrutura na qual são sustentadas as leis do crescimento e da maturação. Considerando esse aspecto, entende-se que a evolução do mo- vimento vai do automático para o voluntário e, depois, determinados movimen- tos voltam a ser automáticos. Os reflexos arcaicos são os primeiros movimentos automáticos (subcorticais) que estão relacionados tanto à estrutura quanto à “Em ‘Além do princípio de prazer’, Freud (1920/1996) discute as brincadeiras das crianças, especificamente a brincadeira de seu neto de um ano e meio de idade. O famoso jogo do Fort-da foi descrito por Freud como uma brincadeira que consistia na desaparição e surgimento de determinado objeto. Certo dia, ao observá-lo com uma linha atada a um carretel, percebeu que repetidas vezes o menino segurava o cordão e atirava o objeto sobre a borda de sua cama de modo que o carretel desaparecesse junto à emissão de um expressivo som ‘o-o-ó’ (interpretado por Freud e familiares como fort, correspondente, a ‘ir embora’ em alemão). Em seguida, puxava o objeto por meio do cordão e, junto ao rea- parecimento do carretel, emitia um ‘da’ (ressignificado por ‘ali’, ‘retorno’). Freud interpreta o jogo do Fort-da como uma encenação das partidas e retornos de sua mãe. Assim, é possível que o garotinho ‘deixe a mãe ir’, pois, agora, ele próprio pode encenar o desapa- recimento e o retorno dos objetos ao seu redor”. Fonte: Gonçalves (2018, p. 631). EXPLORANDO IDEIAS UNICESUMAR UNIDADE 1 26 maturação do sistema nervoso, e eles desaparecem diante das aquisições matura- cionais do organismo (LEVIN, 1995). Vilanova (1998) acrescenta que os reflexos arcaicos ou primitivos constituem-se em respostas automáticas inatas, que são desencadeadas por uma incitação. Apresentaremos, a seguir, os principais reflexos primitivos ou arcaicos, de acordo com Neiva et al. (2003) e a SBP (2017). Reflexo de preensão palmar: coloca-se o dedo ou objeto na palma da mão da criança e observa-se a flexão dos dedos. Esse re- flexo deve desaparecer entre quatro e seis meses, quando passa a ser um movimento voluntário de preensão. Reflexo tônico-cervical: também é conhecido como reflexo do esgrimista. É desencadeado pela rotação de 90º da cabeça, com a extensão do mem- bro superior para o lado em que a cabeça é girada e flexão do membro superior contralateral. Integra-se até seis meses de vida. Reflexo de preensão plantar: qualquer pressão na sola do pé da criança, logo abai- xo dos dedos, provoca a flexão dos mesmos. Esse reflexo desaparece por volta de 15 me- ses de vida. Reflexo de procura ou voracidade: o toque da pele perioral promove o movimento da cabeça em direção ao estímulo com abertura da boca e tentativa de sucção. Reflexo de marcha reflexa: quando alguém segura a criança pelo tronco com as duas mãos e ela toca a planta do pé na superfície, resulta em mar- cha. Inicia nos primeiros dias pós-parto e deve desaparecer entre a quarta e a oitava semanas de vida. 27 Reflexo de sucção: inicia-se com o refle- xo de procura. É quando a criança movi- menta seu rosto em direção ao estímulo e, com isso, ocorre abertura da boca e protusão da língua. Reflexo de moro: verificam-se movimentos de extensão e abdução dos membros superiores com abertura das mãos, seguidos de abdução e fle- xão dos membros superiores (geralmente, acompanhados de choro audí- vel). Esse reflexo deve desaparecer após os cinco meses de vida. Reflexo de defesa de asfixia: a criança em posição ventral consegue, em algum momento, elevar a cabeça afastando o queixo da superfície, sem se virar para os lados, desobstruindo as narinas. Além de considerar os reflexos primitivos, Levin (1995, p. 65) destaca as leis gerais maturacionais do corpo, ou seja, “[...] a direção do crescimento e da ma- turação ocorrem de forma invariável na seguinte direção: céfalo-caudal, pró- ximo-distal”. Ao referir-se à direção céfalo-caudal, o autor explica que tanto o crescimento quanto a maturação acontecem da cabeça aos pés, sendo esta uma lei biológica comum aos organismos que têm cabeça e cauda. Quanto à direção próximo-distal, compreende desde o eixo do corpo até a periferia. Portanto, antes de sentar-se, a criança precisa ter o domínio dos movi- mentos do pescoço e da cabeça. A criança domina, primeiramente, a motricidade ampla, formada por movimentos globais e gerais, para, depois, desenvolver a motricidade fina, que exige movimentos pequenos, específicos e diferenciados. Nessa dinâmica biomecânica do organismo, verifica-se que o desenvolvimento acontece do simples para o complexo, do geral para o específico. Destarte, todo esse aparato biomecânico do organismo necessita estar imerso em um universo simbólico para que o sujeito se constitua como humano. Essa organização simbólica é regida por proibições e leis feitas de palavras, ou seja, da linguagem. “A criança não pode pôr em si mesma um nome, não pode se UNICESUMAR UNIDADE 1 28 dar um ser, não pode ter um corpo. Porém, havendo recebido um corpo e um nome do Outro, pode ser; ou seja, ser diferente das coisas e, por isso, nomeá-las e nomear-se” (LEVIN, 1995, p. 66). Isso acontece porque o Outro, na sua relação com o bebê, olha-o, fala com ele e o acaricia, atribuindo sentido à sua experiência corporal, possibilitando a linguagem, pois o Outro realiza a decodificação e a compreensão da experiência corporal do bebê, transformando-as em um dizer. Quando o bebê chora, a mãe, por exemplo, procura interpretar esse choro: será fome ou dor? Além da decodificação, ela também busca a compreensão da ação da criança e, diante da dúvida, questiona-se sobre o significado desse choro, passando a desenvolver uma cadeia significante, transformando-se a cada con- clusão discursiva. Isto permite que aquilo que era puramente corporal passe a ter significado e palavras para mãe e, consequentemente, também tenha sentido e significado para a criança. “A linguagem significa, dá sentido e uma forma à expe- riência corporal. Esta é a condição de todo corpo humano” (LEVIN, 1995, p. 69). Partindo desse conhecimento, podemos avançar no entendimento da forma- ção da imagem corporal. Para isso, é necessário esclarecer um equívoco teórico- -prático muito comum quanto à diferenciação entre esquema corporal e imagem corporal. O esquema corporal está relacionado ao que podemos descrever ou representar sobre o próprio corpo, apresentando noções referentes à interocep- tividade, à proprioceptividade, à exteroceptividade e ao tônus, sendo construído ao longo do desenvolvimento do sujeito (LEVIN, 1995). Le Boulch (1984) acres- centa que o esquema corporal consiste na capacidade de reconhecer, de maneira imediata, o próprio corpo, devido à inter-relação de suas partes com os objetos e o espaço no qual está inserido, tanto em movimento quanto em repouso. 29 OLHAR CONCEITUAL A percepção das informações corporais advindas das vísceras, ou seja, órgãos internos que atingem a consciência e afetam o comportamento de forma direta ou indireta, determinando o humor, sensação de bem-estar e emoções (GRAFINKEL et al. apud TAVARES, 2019, p. 5). São os impulsos advindosde diferentes receptores sensoriais (presentes em várias estruturas) que são conduzidos até o sistema nervoso central (SNC). Trata-se do input sensorial dos receptores dos fusos musculares, tendões e articulações para discriminar a posição e o movimento articular, inclusive a direção, a amplitude e a velocidade, bem como a tensão relativa sobre os tendões (MARTIMBIANCO, 2008, p. 112). Os sistemas exteroceptivos são responsáveis pela sensibilidade a estímulos externos e incluem a visão, audição, o olfato, o paladar e a sensibilidade cutânea. As informações sensoriais da pele compreendem o tato, a dor e a temperatura. (ECKMAN, 2008 apud SCALHA, 2013, p. 17). É o estado de tensão leve, porém permanente, existente normal- mente nos músculos. Mesmo quando o músculo está em repouso, certa quantidade de tensão frequentemente permanece (GUYTON, 1985 apud MARSURA et al. 2013, p. 7). INTEROCEPTIVIDADE PROPRIOCEPTIVIDADE EXTEROCEPTIVIDADE TÔNUS NOÇÕES IMPORTANTES NA FORMAÇÃO DO ESQUEMA CORPORAL Quando perguntamos a uma criança sobre qual parte do seu corpo mais gosta, é preciso que ela tenha noção de seu corpo para responder, nesse caso, é necessário que tenha um conceito desse corpo, isto é, que possua um esquema corporal. Mas como podemos entender a escolha de uma parte de seu corpo, e não de outra? A resposta para essa questão já não é tão simples para a criança, porque não envolve noção de esquema corporal, e, sim, de imagem corporal (LEVIN, 1995). Segundo Freitas (2004), a imagem corporal é constituída de sensações, tanto internas quanto externas da vivência do sujeito, combinada com o significado dessas para ele. Dessa forma, a imagem corporal não é permanente, mas tem um UNICESUMAR UNIDADE 1 30 caráter transitório, alterando-se constantemente, visto que é influenciada pelos estados emocionais, pelas perturbações psíquicas e pelas relações que o sujeito estabelece com os outros. Levin (1995) acrescenta que a imagem corporal, diferentemente do esquema cor- poral, é constituída de maneira singular, única, e, por isso, não é possível compará-la ou mensurá-la. “O esquema corporal especifica o indivíduo enquanto representante da espécie, seja qual for o lugar, a época, ou as condições em que vive [...]. A imagem do corpo, pelo contrário, é própria de cada um: está ligada ao sujeito e a sua história” (DOLTO, 1986, p. 21). A representação de si mesma, por meio de sua imagem refle- tida no espelho, acontece por volta dos seis meses (OLIVEIRA, 2015). Como podemos perceber, apesar das diferenças, em alguns momentos, a ima- gem corporal e o esquema corporal se correlacionam, pois algumas perturbações do esquema corporal podem ter origem na imagem corporal. Observe o exemplo a seguir: uma criança que tem a dominância lateral esquerda definida, contudo, tem que usar a mão direita, porque, em sua cultura, ser canhoto tem uma co- notação ruim (LEVIN, 1995). Algumas patologias psicossomáticas podem ser decorrentes de alterações na imagem corporal. Dessa maneira, é importante enfatizar que a imagem corporal está conectada, diretamente, com a história do sujeito, constitui-se e existe na relação com alguém. Ela é construída por meio de impressões consequentes das relações tanto de pra- zer quanto de desprazer que se estabeleceram com o Outro, especialmente, nos primeiros anos de vida, com figuras parentais. A imagem corporal delimita-se a partir do momento que o corpo é desejado e passa a desejar também. Antes do nascimento, o bebê já preexiste nas expectativas e nas fantasias daqueles que o geraram. “A imagem corporal é essencialmente dialética, pois é constituída entre o próprio desejo e o desejo do outro, o que repercute diretamente nos modos de ser do indivíduo consigo mesmo, com os outros e com o mundo” (PINTO, 2010, p. 25). Ainda sobre a dimensão psíquica da psicomotricidade, devemos ponderar que tais funções são ativadas por diversos substratos neurológicos com origem filogenética que emergiram num contexto sociogenético (FONSECA, 2018). Rhodes (1974 apud MOURA et al., 2016) esclarece que a filogenética se relaciona à evolução da espécie, entendendo essa em seu aspecto biológico e genético, en- quanto a sociogenética compreende que as funções mentais superiores têm suas raízes nas interações sociais (VYGOTSKY, 2007 apud MOURA et al., 2016). Em decorrência dessas duas heranças, biológica e sócio-histórica, o cérebro humano 31 é considerado um órgão de excelência biocultural. Seus processos mentais cons- truídos no decorrer da ontogênese (evolução do sujeito desde a concepção até a morte), de modo individual, evolutivo, único e total, produzem e criam “[...] com o corpo e sua motricidade todas as formas de comportamento, aprendizagem e de experiência até hoje conhecidas” (FONSECA, 2018, p. 23). De acordo com Bueno (2013), o Sistema Nervoso tem um papel de grande rele- vância na organização psicomotora do sujeito, isto é, em sua ação. Para o autor, o desenvolvimento psicomotor tem uma relação direta com estímulos que o sujeito recebe do ambiente. “ O Sistema Nervoso é único na imensa complexidade das ações de controle que pode realizar. Literalmente, recebe milhares de estí- mulos de informações dos diferentes órgãos sensoriais e, a seguir, integra todas elas para determinar a resposta a ser executada pelo organismo. Assim, cores, sons, cheiros, formas e texturas que com- põem o mundo não seriam notados se não fossem os bilhões de células que formam o Sistema Nervoso (BUENO, 2013, p. 137). UNICESUMAR UNIDADE 1 32 Luria (1980 apud FREITAS, 2006) traz um novo entendimento sobre a questão muito debatida a respeito das localizações cerebrais e explica que os processos mentais, que abrangem as sensações, as percepções, o pensamento, a linguagem e a memória, não podem ser vistos como capacidades localizadas em determinadas áreas concretas e únicas do cérebro, mas devem ser compreendidos como sistemas funcionais complexos. Dessa forma, o autor apresenta uma compreensão do funcionamento cerebral, fazendo a relação entre esse e a atividade mental. Diante disso, Vygotsky (1984) acrescenta que mais importante do que encontrar a área cerebral na qual se localiza determinada atividade mental é descobrir quais grupos de zonas de funcio- namento cerebral têm a responsabilidade na execução dessas atividades. Partindo desse entendimento, destaca-se que esse processo acontece por meio de unidades ou sistemas funcionais complexos, que não têm localização determinada em alguma região do cérebro, mas acontecem no envolvimento de grupos de estruturas cerebrais, trabalhando de maneira integrada, visando a organização do sistema (LURIA, 1973 apud FREITAS, 2006). Bueno (2013) acrescenta que a organização da atividade nervosa superior está organizada em três unidades funcionais, que guiam o funcionamento dinâmico cerebral, sendo que cada zona apresenta uma função. O autor, ainda, acrescenta que essas três unidades seguem uma hierarquia e cada uma é composta por “[...] três zonas corticais: primárias, que recebem os impulsos ou mandam impulsos para a periferia; secundárias, onde a informação recebida é processada; e terciárias, responsáveis pela conjugação de várias áreas corticais” (BUENO, 2013, p. 154). A primeira unidade funcional, segundo Luria (1981), é a responsável por regular o tônus, a vigília e os estados mentais. O autor ressalta que é fundamental que as condições de vigília estejam perfeitas para que o sujeito possa “[...] receber e analisar informações, que os necessários sistemas seletivos de conexões podem ser trazidos à mente, sua atividade programada e o curso de seus processos men- tais verificado, seus erros corrigidos e sua atividade mantida em um curso apro- priado” (LURIA, 1981, p. 28). Essa primeira unidade encontra-se, principalmente, no tronco cerebral, conectando-se com o córtex cerebral, o cerebelo, os núcleos dos nervos cranianos e a medula, onde a formação reticular apresenta papel es- sencialnesse processo, sendo estimulada por meio de processos metabólicos. A primeira fonte de estimulação é o hipotálamo, que possibilita a regulação do tônus, da vigília e do alerta. Já a segunda fonte é constituída pelos estímulos advindos do meio externo, que produz o reflexo de orientação e de alerta ao sujeito, diante 33 de situações mutáveis do ambiente, possibilitando que o organismo mantenha sua posição no espaço. A terceira fonte está relacionada à intencionalidade, atuando na formação reticular. Ela se refere à tomada de decisões e ao interesse do sujeito. É importante destacar que essa unidade funcional, também, é responsável pelas funções neurovegetativas de fome, emoções, sede, alterações térmicas, equilíbrio hormonal, dor e regulação metabólica. Alterações nessa região podem levar à fa- diga, à memória não específica, à baixa de tônus e a disfunções na consciência (BUENO, 2013). Portanto, o papel desempenhado pela primeira unidade funcional é de regular o estado de atividade cortical e o nível de vigilância (LURIA, 1981). Ficou interessado(a) em conhecer um pouco mais sobre a formação reticular e suas funções? Então, eu convido você a assistir a este vídeo esclarecedor sobre esse tema que tem grande relevância no processo de desenvolvimento psicomotor do sujeito. A segunda unidade funcional do cérebro tem, como função básica, a recepção, a análise e o armazenamento das informações. É composta por partes com ampla especificidade modal, e estas, por sua vez, estão adaptadas para receber infor- mações auditivas, visuais, vestibulares ou sensoriais gerais, inclusive de sistemas centrais que compreendem a recepção olfativa e gustativa. Esta unidade tem, como base, as áreas primárias do córtex, também chamadas projeção, onde os neurônios respondem, exclusivamente, a propriedades específicas dos estímulos visuais (gradações de cor, direção de movimento, caráter de linhas), auditivos (diferença de frequência de sons) e sensoriais gerais (sensação cutânea e cines- tésica). Nas áreas secundárias, convertem os estímulos que chegam por meio das áreas primárias em uma organização funcional (LURIA, 1981). A construção do conhecimento humano, no entanto, não acontece relacio- nado a uma modalidade única e isolada. A percepção e a representação ocorrem por meio de um procedimento complexo, resultante de uma atividade de várias modalidades sensoriais. Mas, para que esse funcionamento aconteça de modo combinado, envolvendo todas as zonas corticais, é necessária a ação da terceira UNICESUMAR https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/12932 UNIDADE 1 34 zona cortical, ou áreas terciárias desse sistema, que, também, é conhecida como área de superposição das terminações corticais. Sua função é integrar as infor- mações que chegam de diferentes analisadores (visual, auditivo e sensorial total), convertendo a percepção concreta em pensamento abstrato e na memorização organizada da experiência (LURIA, 1981). “ A organização das estruturas que formam este sistema é hierárquica, já que elas estão subdivididas em áreas primárias (de projeção), que recebem as informações correspondentes e as analisam em seus componentes elementares, áreas secundárias (de projeção-associa- ção), responsáveis pela codificação (síntese) desses elementos e pela conversão de projeções somatotópicas em organização funcional, e zonas terciárias (ou de superposição), responsáveis pelo funcio- namento coordenado dos vários analisadores e pela produção de esquemas supramodais (simbólicos), a base de formas complexas de atividade gnóstica (LURIA, 1981, p. 60, grifos do autor). As funções apresentadas pela segunda unidade funcional contemplam alguns dos aspectos dos processos cognitivos humanos, sendo necessário considerar um outro fator, que consiste na organização da atividade consciente. Essa ação com- pete à terceira unidade funcional do cérebro, que é responsável pela programação, regulação e verificação. Ou seja, o homem não, apenas, reage, de maneira passiva, às informações que alcança, mas, sim, produz intenções, estrutura planos e pro- gramas para seus atos e fiscaliza a sua execução, regulando seu comportamento, para que aconteça de acordo com o planejado, finalizando com a verificação da sua atividade consciente por meio da comparação do efeito de seus atos com suas intenções, revendo os erros cometidos (LURIA, 1981). Rodrigues e Ciasca (2010) explicam que é possível encontrar duas diferenças fundamentais entre a segunda unidade funcional (aferente) e a terceira (eferente). A primeira está relacionada à organização hierárquica, em que os processos da segunda unidade encaminham-se numa via ascendente (indo da área primária, passando pela secundária até a terciária), diferentemente da terceira unidade, na qual os processos acontecem numa via descendente, começando em níveis mais elevados das áreas terciárias e secundárias (responsáveis pelo planejamen- to dos programas motores) e indo para áreas pré-motoras e motoras primárias (encarregadas de enviar os impulsos à periferia). A segunda diferença, por sua 35 vez, consiste no fato de a terceira unidade não apresentar zonas de análise modal específica, como a segunda unidade funcional. Na terceira unidade funcional, são contempladas a área motora, responsável por movimentos isolados, a área pré-motora, que se estrutura em grupos de mo- vimentos organizados (como movimento da cabeça, dos olhos, de todo o corpo, de preensão das mãos, entre outros), e a região pré-frontal (lobos frontais), que realizam as mais importantes atividades dessa unidade, tendo papel determinante na constituição de intenções e em programas que regulam e verificam as formas de comportamento humano mais complexas. A região pré-frontal tem, como característica principal, a realização de co- nexões com todas as áreas do córtex e os níveis inferiores do cérebro. “Devido à natureza bidirecional destas conexões, a região pré-frontal é capaz de não só receber e sintetizar as informações recebidas, como também de organizar os impulsos eferentes, de modo que é capaz de regular toda a estrutura cerebral” (RODRIGUES; CIASCA, 2010, p. 125). Segundo as autoras, o córtex pré-frontal é fundamental para a síntese de movimentos dirigidos, para o planejamento do comportamento relacionado a metas, na emissão de respostas lentas, assim como para regular e verificar os comportamentos. Diante disso, Luria (1981) ressalta que nenhuma dessas unidades funcionais é capaz de realizar uma atividade de maneira totalmente independente, pois cada modo de atividade consciente corresponde a um sistema funcional complexo, que acontece por meio do funcionamento integrado das três unidades funcionais do cérebro, cada uma com suas contribuições. Tomemos como exemplo a percepção: “ [...] ocorre por meio da ação combinada de todas as três unidades funcionais do cérebro: a primeira fornece o tono cortical necessário, a segunda leva a cabo a análise e a síntese de informações que che- gam e a terceira provê os requeridos movimentos de busca contro- lados que conferem à atividade perceptiva o caráter ativo (LURIA, 1981, p. 79, grifos do autor). É importante ressaltar que o desenvolvimento do cérebro, enquanto estrutura, inicia-se no período pré-natal e completa-se até os seis meses de vida, e o cerebelo, ao final do primeiro ano. No entanto as interações entre as células nervosas, as sinapses entre os neurônios, acontecem de maneira reduzida ao nascimento e UNICESUMAR UNIDADE 1 36 só se desenvolvem no processo de adaptação do sujeito ao meio, por meio da estimulação. Nesses primórdios do desenvolvimento humano, o sistema límbico estará envolvido de maneira mais intensa, por estar relacionado à satisfação de desejos e aos circuitos vitais pertencentes à sucção e à deglutição. Considerando o desenvolvimento psicomotor, as sensações tanto de prazer quanto de desprazer imprimirão, no corpo do sujeito, os primeiros circuitos si- nápticos organizados,possibilitando sua relação com o meio e com as pessoas. Sendo assim, as relações tônico-emocionais são as primeiras a aparecerem e en- volvem o sistema límbico e o córtex (para a decodificação), abrangendo as duas primeiras unidades funcionais (BUENO, 2013). Verifica-se que, do nascimento até os dois anos de idade, ocorre grande avanço na maturação neurológica do organismo, devido à atuação do sujeito, provocando transformações motoras e corporais. A partir do segundo ano, até os sete anos de idade, podem ser observadas transformações associadas a diferentes sistemas (cerebelar, límbico, piramidal e extrapiramidal), em diferentes complexidades. Disfunções ou lesões nessas áreas necessitarão de intervenção específica para superação das dificuldades apresentadas, considerando a plasticidade cerebral (BUENO, 2013). 37 Como vimos anteriormente, os sistemas piramidal, extrapiramidal, cerebelar e límbico são essenciais nas transformações corporais e motoras do sujeito. Diante disso, convido você a conhecer cada um desses sistemas, começando pelo sistema piramidal, que é o responsável por movimentos distintos e prontos e envolvido na iniciação de movimentos que são voluntários, de habilidade e delicadeza. Alterações nesse sistema podem causar desajeitamento, debilidade e dificuldade na realização de movimentos voluntários. (BUENO, 2013). O sistema extrapiramidal tem, como principal atividade, a realização dos ajustes posturais. O cerebelo, também conhecido como área silenciosa do cérebro, tem, como função, controle de ações muito rápidas, planejamento de ações motoras, coordenação, ajuste e regularidade. O sistema límbico é essencial na organização de comportamentos relacionados às emoções, sendo que o hipotálamo é a via motora de saída essencial desse sistema, controlando as funções endócrinas e vegetativas, aspectos do comportamento emocional associados a esse. (BUENO, 2013). Outra estrutura ligada a esse sistema é a amígdala, responsável por projetar o estado do sujeito no momento, tanto em relação ao ambiente quanto aos seus pensamentos, adequando o comportamento do sujeito de acordo com a situação. Também se destaca o trabalho de outra estrutura na execução do sistema límbico, o hipocampo, que, de acordo com a excitação, pode gerar comportamento de passividade, raiva e memória de longo prazo (BUENO, 2013). Luria (1976) e Vygotsky (1987) destacam a importância da compreensão do cérebro como um sistema aberto, que interage, constantemente, com o meio, transformando tanto suas estruturas quanto os mecanismos de funcionamento no decorrer dessa interação. Portanto, não é possível pensarmos o cérebro en- quanto um sistema fechado, constituído de funções definidas previamente e que não sofre alterações no transcorrer das relações entre o sujeito e o ambiente. Plasticidade Cerebral: na neurologia, a plasticidade cerebral representa “[...] a capacidade do organismo de se adaptar a novas situações e de reaprender determinadas capacidades por caminhos diferentes que os habituais, representando, simbolicamente, ‘atalhos’ por onde o cérebro, falando de forma superficial, desvia da área lesionada ou disfuncional”. Fonte: adaptada de Bueno (2013). EXPLORANDO IDEIAS UNICESUMAR UNIDADE 1 38 Diante disso, Fonseca (2010) destaca a importância do entendimento da psicomotricidade numa perspectiva total, holística e sistêmica do corpo e da motricidade. Ele entende o ser humano como dono de um organismo complexo, que incorpora um cérebro e um corpo, composto de matéria viva e observável, mas que também possui uma mente, inobservável, íntima e interna, da qual se organizam funções psíquicas que representam o mundo externo (objetos, pes- soas e ecossistemas) e interno (sentimentos, sensações, imagens, movimentos e de pensamentos). “ A mente humana não pode ser independente do corpo e do cérebro, sendo consequentemente impossível separar o mental do neuronal e o psíquico do motor, o que pressupõe compreender o desenvol- vimento pessoal e social de um indivíduo [...] como o resultado de uma múltipla integração e interacção entre o corpo (periferia) e o cé- rebro (centro) e os diversos ecossistemas que constituem o contexto sócio-histórico onde ele se insere e integra (FONSECA, 2010, p. 46). Isto posto, não podemos restringir o corpo e a motricidade ao biológico, ao fisio- lógico, ao anatômico, defendendo um paralelismo psico-fisiológico fragmenta- do e desintegrado, mas, sim, favorecer o entendimento numa dimensão afetiva, emocional, tônico-relacional, simbólica, cognitiva e interativa do sujeito em sua totalidade, considerando-o como um sujeito de ação e intenção, entendendo que ele se constrói como um organismo biológico complexo, mas inserido num contexto sociocultural e complexo (FONSECA, 2010). Nesta perspectiva, Le Boulch (1982) ressalta a importância da relação com os outros para que as potencialidades, presentes no sujeito ao nascer, possam se desenvolver. Reforça, ainda, a importância dessas relações na primeira infância, tendo uma influência relevante na organização do desenvolvimento psicomotor. A partir dessa compreensão, Maneira e Gonçalves (2015) destacam a importância do trabalho psicomotor, que auxilia, de maneira significativa, o processo de aprendi- zagem do sujeito na primeira infância, pois, por meio de atividades psicomotoras, o educador interage com a criança e mantém contato afetuoso e direto com ela. 39 A etapa de ensino na qual o desenvolvimento psicomotor encontra-se em plena evolução é durante a Educação Infantil, que é ofertada respeitando as políticas públi- cas próprias. Com a Constituição Federal de 1988, a Educação Infantil passou a ser considerada no cenário educacional brasileiro, tornando-se um direito social para a criança e dever do Estado de reconhecê-la (CAVASSANI; SILVA, 2018). Somente em 1996, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9394/1996), é que foi reconhecida como a primeira etapa da Educação Básica (BRASIL, 1996). Algumas especificações dessa Lei foram alteradas pela Lei nº 12.796/2013, que, em seu Art. 29, destaca que “A educação infantil, primeira etapa de edu- cação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até 5 (cinco) anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade” (BRASIL, 2013, on-line). Na trajetória organizacional da Educação Infantil, vieram outros documentos, como as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica (2009) e o Plano Nacional de Educação (2014), que trouxeram contribuições importantes para essa etapa de ensino. UNICESUMAR UNIDADE 1 40 O documento mais recente referente à Educação Infantil é a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), de 2018 (BRASIL, 2018). Esse documento evidencia o direito à aprendizagem e o desenvolvimento, além de destacar a criança como sujeito ativo na construção e na apropriação do conhecimento, por meio da ação e das relações que ela estabelece com o meio físico e social. Na BNCC, na etapa da Educação Infantil, foram organizados campos de experiência que estabelecem os conhecimentos e os saberes essenciais que devem ser proporcionados às crianças, considerando sempre as suas vivências. Os campos de experiência são: 1) o eu, o outro e o nós; 2) o corpo, os gestos e o movimento; 3) os traços, os sons, as cores e as formas; 4) a escrita, a fala, o pensamento e a imaginação; e 5) os espaços, os tempos, as quantidades, as relações e as transformações (BRASIL, 2018). Os conteúdos a serem trabalhados em cada um dos campos de experiência remetem a aspectos importantes do desenvol- vimento psicomotor da criança, destacando, com isso, a relevância do trabalho psicomotor nessa etapa de ensino. Ficou interessado(a) em saber como os campos de ex- periência da BNCC contemplam a psicomotricidade? Então, não deixe de ouvir este podcast. Segundo Le Boulch (1982), o trabalho psicomotor na infância acontece pormeio de ações educativas, de movimentos espontâneos e de atitudes corporais da crian- ça, que possibilitam uma imagem corporal e, também, contribuem no processo de formação da personalidade. Essa prática tem, como objetivo principal, o de- senvolvimento total da criança no contexto do processo ensino-aprendizagem, favorecendo aspectos cognitivos, físicos, socioculturais e afetivo-emocionais, ajustando a realidade do aprendiz. A prática psicomotora possibilita à criança construir um mundo mental, que vai aprimorando-se constantemente, tornando-se cada vez mais complexo. Conside- rando as ações e as relações da criança com o ambiente natural e social, seu mundo mental apresenta essas realidades por meio de sensações e imagens incorporadas ao https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/11045 41 seu corpo e ao cérebro. Isto acontece, primeiramente, por meio da intervenção de ou- tros, mediadores dessa relação criança/mundo e, posteriormente, em suas vivências bem-sucedidas, ou não, a criança adquire experiências que serão fundamentais no seu desenvolvimento psicomotor (FONSECA apud GONÇALVES, 1983). Em sua teoria, Wallon (1979) explica que a manifestação das emoções resulta da organização de espaços e situações. Isso significa que é fundamental que se esta- beleça um ambiente no qual a criança se identifique, cuja essência seja o lúdico, para que, por meio de movimentos corporais, fiquem evidentes questões tanto qualitativas quanto representativas do pensamento e da organização infantil. Nes- sa perspectiva, a psicomotricidade constitui-se em um instrumento importante, estimulando o processo de expressão, pois, nos primeiros anos da vida da criança, isso acontecerá, apenas, por meio do movimento corporal, seguido da utilização da fala e da escrita. O autor evidencia, ainda, que o desenvolvimento não ocorre de maneira contínua, acontece de maneira distinta com reviravoltas e contradições, que são decorrentes não só da maturação, mas também das condições ambientais, proporcionando mudanças qualitativas no comportamento do sujeito. UNICESUMAR UNIDADE 1 42 O profissional da educação, no contexto da Educação Infantil, deve considerar que a criança inicia a construção de sua motricidade por meio da locomoção e da ma- nipulação de objetos, dependendo dos estímulos apresentados pelo contexto sócio- -histórico e cultural, que vão se transformando com a idade. Por isso, é importante estar atento e disponibilizar à criança diferentes vivências corporais, que envolvam vários movimentos, com a intencionalidade de promover o desenvolvimento psico- motor. Para isso, é essencial que sejam apresentadas atividades que proporcionem prazer e, também, curiosidade, motivando a busca por novos movimentos. (LOBO; VEGA, 2008). Importante ressaltar que essas condutas psicomotoras devem ser utilizadas nas diversas rotinas do contexto escolar, desde aquelas que envolvem movimen- tos amplos (por exemplo, o ato de correr) até aquelas de menor movimento (por exemplo, comer sozinha). Por mais simples e cotidianas que as atividades pos- sam parecer, sempre serão estímulo e servirão de base para construção de várias funções psicomotoras (LOBO; VEGA, 2008). E quando ocorrem dificuldades no processo de desenvolvimento das habilidades psicomotoras na primeira infância? O que isso pode interferir no processo de aprendizagem do sujeito? De acordo com Fonseca (1999 apud VILAR, 2010), a aprendizagem ocorre em decorrência de uma complexa integração psicomotora, 43 iniciando pelos sistemas interoceptivos, relacionados à estruturação tônico-emo- cional, que continua por meio dos sistemas proprioceptivos (emoção e controle postural) e exteroceptivos (símbolos e desenvolvimento práxico). Komar (2001, apud VILAR, 2010, p. 31) acrescenta que as habilidades psicomotoras “[...] po- dem promover a captação, assimilação, processamento, evocação e consequentes programação, organização e execução das respostas tônico-posturais e de movi- mento e, consequentemente, cognitivas”. As dificuldades na estruturação motora de base, formada pela tonicidade, lo- comoção, postura e equilíbrio, refletem na estruturação psicomotora, em relação à direcionalidade, à imagem corporal, à lateralização, à estruturação espaço-temporal e à coordenação global e fina. A organização psicomotora depende da associação sistêmica de informações proprioceptivas e exteroceptivas que, consequentemente, interferirão no processo de aprendizagem da criança (FONSECA, 1984). Outro fator que pode dificultar o processo de aprendizagem é o nível de tonicidade, ou seja, quando o sujeito apresenta um padrão hipertônico, relacio- nado à impulsividade e à hiperatividade, ou o inverso, um padrão hipotônico, apresentando baixa atividade motora. Alterações na tonicidade, também, podem ocasionar extensão de tronco e membros (hipertonia), sincinesias e paratonias bem como disquinesias ou distonias, sendo comum alterações no equilíbrio tanto estático quanto dinâmico que dificultam a mobilidade, ocasionando quedas e reequilibrações abruptas (FONSECA, 1984). Pode-se verificar que crianças com dificuldade na noção corporal, por exem- plo, não conseguem diferenciar as partes do corpo, apresentando alterações no desenho da figura humana e na imitação de gestos, dificultando o processo de aprendizagem (FONSECA, 1984). Dificuldades referentes à memória a curto prazo, tanto espacial quanto rítmi- ca, na sequência de movimentos, na representação topográfica do espaço, podem estar relacionadas à estruturação espaço-temporal. Nesses casos, também podem ser observados dificuldades referentes a navegar e estruturar-se no espaço e no tempo, na orientação, na reprodução de ritmos e na memória (FONSECA, 1984; FONSECA; OLIVEIRA, 2009). Alterações específicas na leitura e na escrita podem estar relacionadas à es- truturação espaço-temporal, como, por exemplo, trocas por posicionamento das letras (b/d), inversões (p/d), omissão e ordenação de sílabas (cola/laco), a criança tem dificuldade na discriminação de letras/números e confunde palavras UNICESUMAR UNIDADE 1 44 semelhantes. Também se percebe dificuldade na orientação no espaço da carteira e no papel, onde, muitas vezes, a escrita não se mantém na linha do caderno. Na leitura, não consegue seguir a sequência e a ordem de letras, não obedece ao ritmo da leitura (OLIVEIRA; TOLEDO, 2015 apud CIASCA et al., 2015). Crianças com dificuldades na coordenação global e fina poderão apresentar alterações na aprendizagem relacionadas ao controle motor, podendo apresentar impulsividade ou lentidão na realização de atividades e dismetrias na organização óculo-pedal e óculo manual. Problemas na estruturação tônica podem influenciar na dissociação dos movimentos, alterando sua realização, velocidade e precisão tan- to de movimentos globais quanto finos. Diante disso, a criança tem dificuldade na dissociação e na destreza no uso dos dedos, prejudicando a separação das funções de suporte e iniciativa das mãos e o planejamento das atividades (FONSECA, 1984). Fonseca (1996) evidencia a relevância da psicomotricidade enquanto pre- venção de dificuldades de aprendizagem. O autor afirma que a exploração das potencialidades corporais introduz o sujeito nas aprendizagens escolares, prin- cipalmente em relação à alfabetização. A escola desenvolve atividades, como leitura, escrita, ditado, cópia, redação, cálculo, grafismo, entre outras, cujos mo- vimentos relacionam-se ao desenvolvimento psicomotor, estando as dificuldades de aprendizagem relacionadas a esse processo de desenvolvimento. Ao trabalhar com a psicomotricidade, o educador deve, primeiramente, ser um observador, pois, por meio das atividades do cotidiano, deverá proporcionar atividades com objetivos psicomotores, não tendo como decompor as execuções. Entendemos que motricidade e afetividade devem andar lado a lado. Na junção delas é que se estabelece o trabalho psicomotor. “Portanto, o comportamento é uma atitude e o professor não