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1 PROJETO ANIMAGU UNIDADE I: LINGUAGEM JURÍDICA PROCESSUAL NO RITO DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS Procurador Federal Ismael Rolim Dreger Sumário INTRODUÇÃO: POR QUE “LINGUAGEM JURÍDICA PROCESSUAL” E “NO RITO DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS” ..................................................................................................................... 2 Como se organizam as leis? ...................................................................................................... 4 MÓDULO I) O “QUADRO GERAL”: PARA UMA COMPREENSÃO BÁSICA DO FUNCIONAMENTO DE UM PROCESSO NO RITO DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS E DA LINGUAGEM RESPECTIVA ... 7 1. Petição inicial (também chamada de “exordial”) ................................................................ 7 2. Antecipação de tutela e medida cautelar ............................................................................ 8 3. Recurso de medida cautelar/antecipação de tutela ......................................................... 10 4. Citação do réu e intimações ............................................................................................... 11 5. Instrução do processo (provas) .......................................................................................... 12 6. Sentença e recursos contra essa ........................................................................................ 13 7. Recursos contra as decisões das Turmas Recursais .......................................................... 16 8. Trânsito em julgado ............................................................................................................ 18 9. Organização do processo - fase de execução .................................................................... 19 MÓDULO II) APROFUNDAMENTO E EXPOSIÇÃO CONCEITUAL ................................................... 21 1. Valor da causa e competência dos JEFs ............................................................................. 21 2. A expressão “liminar” ......................................................................................................... 21 3. Organização do processo – fase de conhecimento ........................................................... 21 4. Atos do juiz e recursos cabíveis ......................................................................................... 23 5. Litispendência x coisa julgada ............................................................................................ 26 6. Mandado de Segurança contra decisão judicial nos JEFs .................................................. 27 MÓDULO III) EXPOSIÇÃO DE CONTEÚDO AVANÇADO ................................................................ 34 1. Competência absoluta das Varas de Juizados Especiais Federais. ................................... 34 2. Recursos próprios dos JEFs (PRU, PNU e PUIL) e seu cabimento ...................................... 34 2.1. Descabimento de PRU ou PNU em matéria de fato ................................................... 36 2.2. Descabimento de PRU ou PNU em matéria processual ............................................. 37 2.3. Similitude fática do paradigma e cotejo analítico ...................................................... 38 3. Coisa julgada, litispendência e teoria da identidade de relação jurídica ......................... 40 ANEXOS – Detalhamento de algumas questões explicadas na parte 1, 2 ou 3. ......................... 44 2 1. Recurso de medida cautelar e variações regionais ........................................................... 44 2. Recurso inominado contra sentença terminativa. ............................................................ 45 3. Impugnação de decisões na execução – divergências locais ............................................ 52 4. Mandado de segurança na fase de conhecimento ............................................................ 57 CRÉDITOS DE IMAGENS: .............................................................................................................. 61 INTRODUÇÃO: POR QUE “LINGUAGEM JURÍDICA PROCESSUAL” E “NO RITO DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS” O presente módulo tem por objetivo familiarizar o aluno à linguagem jurídica processual, nos aspectos essenciais para sua melhor compreensão sobre o funcionamento dos processos judiciais. Busca-se uma abordagem menos teórica, mais pragmática e consentânea com as necessidades do dia a dia das atividades da Advocacia Pública Federal. Não restam dúvidas de que a melhor forma de se aprender uma língua é utilizando-a. Quando se pensa na compreensão de um idioma estrangeiro, por exemplo, a experiência demonstra que nada é mais eficaz do que uma imersão em um país falante do idioma estudado. Uma abordagem puramente conceitual dos termos e expressões, sob essa óptica, não se mostra tão eficaz quanto a compreensão do sentido e da extensão das palavras em cada contexto de vida em que são realmente utilizadas. Como os termos técnicos jurídico-processuais são uma espécie de linguagem, com contextos e sentidos próprios e delimitados, que só são compreendidos por quem é fluente nessa parte do nosso idioma, entende-se que a forma mais eficiente de se transmitir tal conhecimento é abordá-lo, inicialmente, dentro do fluxo do que seria um processo real, indicando o momento adequado para utilização de cada expressão, para, somente após, partir-se para exposições mais conceituais ou aprofundamentos. Por esse motivo, optou-se pela exposição dos termos técnicos jurídico-processuais de forma dinâmica, ou seja, no contexto dos Juizados Especiais Federais. 3 A escolha do rito dos Juizados Especiais Federais, que é um procedimento regulado por lei especial, em vez do rito ordinário, pode parecer, em um primeiro momento, contra intuitiva. Essa opção, não ortodoxa, se deve à maior simplicidade do rito dos Juizados Especiais Federais, o que o torna mais propício a uma exposição introdutória dos termos básicos e dos primeiros passos para a compreensão da linguagem jurídica processual. Essa complexidade é incrementada quando se estuda o rito ordinário, possibilitando o aproveitamento de vários dos conhecimentos básicos já abordados no estudo do rito simplificado dos Juizados Especiais Federais. Além disso, sabe-se que o maior volume de demandas ajuizadas na Justiça Federal tramita sob o rito dos Juizados Especiais Federais, em virtude da obrigatoriedade de sua observância em causas de valor inferior a 60 (sessenta) salários mínimos. A título exemplificativo, no mês de setembro de 2018, apurou-se a existência, só no Rio Grande do Sul, de aproximadamente 70.000 (sessenta mil) demandas ativas em primeira e segunda instâncias apenas na matéria de benefícios previdenciários por incapacidade (auxílio- doença, aposentadoria por invalidez e auxílio-acidente). Importante referir, ainda, que a abordagem é feita “em camadas” sucessivas de complexidade, de modo a atender às necessidades de vários públicos. Nesse sentido, o primeiro material a ser estudado é o vídeo animado que demonstra “o quadro geral”, a grande moldura do rito dos Juizados Especiais Federais, em linguagem simples e acessível. Após, há vários vídeos curtos explicando e aprofundando, de forma mais analítica, cada uma das partes do referido “quadro geral”, acrescentando maiores detalhes, “cores” e “tons” à ideia básica. O presente material escrito é completar e segue a mesma lógica, começando a abordagem do mais básico e geral para o mais aprofundado e específico. No nível básico, são abordados os termos principais de forma dinâmica, refletindo o fluxo real de tramitação de um processo judicial no âmbito dosJuizados Especiais Federais (parte 1); no nível intermediário, há a exposição dos termos relevantes de forma mais conceitual (parte 2); por fim, no nível avançado, há um módulo mais voltado a alunos com formação jurídica, que 4 aprofunda temas relevantes e utiliza, de forma mais fluente, a linguagem técnica apropriada de modo mais próximo daquele em que a mesma é aplicada no dia a dia dos tribunais (parte 3). Importante referir que os conteúdos expostos no nível avançado, por serem mais voltados a quem tem formação jurídica, não são obrigatórios para fins de avaliação. Entretanto recomenda-se fortemente a sua leitura, inclusive por quem não tem formação em direito, pois isso trará ao aluno, de qualquer forma, maior riqueza de entendimento e de fluência na utilização e compreensão da linguagem jurídica. Antes de iniciar a “parte 1”, entretanto, é necessária uma pequena exposição introdutória sobre como se organizam as leis. Assista ao primeiro vídeo e leia o texto abaixo sobre o assunto. Como se organizam as leis? Uma parte importantíssima da linguagem jurídica em geral é aquela que especifica as divisões existentes dentro de uma lei. A fim de esclarecermos essa nomenclatura, selecionamos divisões da Constituição da República Federativa do Brasil (abreviação: CRFB), também conhecida como Constituição Federal de 1988 (abreviação: CF/1988 ou CF/88 ou simplesmente CF): as grandes divisões são os “TÍTULOS”, que se dividem em “CAPÍTULOS”, os quais se dividem em “Seções”: TÍTULO IV - DA ORGANIZAÇÃO DOS PODERES CAPÍTULO III - DO PODER JUDICIÁRIO Seção IV – Dos Tribunais Regionais Federais e dos Juízes Federais Seção V – Do Tribunal Superior do Trabalho, dos Tribunais Regionais do Trabalho e dos Juízes do Trabalho Seção VI – Dos Tribunais e Juízes Eleitorais Seção VII – Dos Tribunais e Juízes Militares Seção VIII – Dos Tribunais e Juízes dos estados Eventualmente as “Seções” ainda podem ser divididas em “Subseções”. 5 É como se a Constituição inteira fosse um armário, dividido em gavetas (Títulos), que contém separações (Capítulos), cada uma das quais contém várias pastas (Seções). Dentro de cada pasta, há documentos (artigos - “arts.”), os quais expressam a disposição legal, isso é, a regra ou o princípio instituído pela lei. Por sua vez, os artigos de lei se subdividem em: - caput: que é a cabeça do dispositivo, trazendo a regra principal; - incisos: que são utilizados para enumerar hipóteses do caput ou de um parágrafo, em forma de lista; - alíneas: que também servem para enumerar hipóteses, em forma de lista, mas hipóteses de um inciso; - parágrafos: que servem para explicar ou excepcionar a disposição contida no caput, no inciso, na alínea ou em outro parágrafo. 6 7 MÓDULO I) O “QUADRO GERAL”: PARA UMA COMPREENSÃO BÁSICA DO FUNCIONAMENTO DE UM PROCESSO NO RITO DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS E DA LINGUAGEM RESPECTIVA 1. Petição inicial (também chamada de “exordial”) O processo se inicia por uma petição inicial, que é ajuizada pelo autor, na qual ele pede aquilo a que entende que tem direito. Nessa peça, o autor apresenta sua qualificação completa e a do réu (nome completo, nacionalidade, estado civil, se vive em união estável, profissão, endereço, CPF e RG), que são os dados necessários para identificação das partes e envio de comunicações às mesmas; após, o autor expõe a sua versão dos fatos e os fundamentos jurídicos daquilo que pretende, isso é, expõe de que forma entende que o direito deve se aplicar aos fatos narrados. Por fim, o autor conclui o seu raciocínio realizando um ou mais pedidos, que pretende sejam atendidos pela Justiça. Esses pedidos devem ser decorrência natural de todo o raciocínio exposto nas partes anteriores da petição inicial (fatos e fundamentos jurídicos), ou seja, os pedidos devem decorrer da aplicação do direito aos fatos narrados, conforme o raciocínio desenvolvido pelo autor. Há, assim, um “fechamento” lógico da petição inicial. Importante referir que, nesse contexto, autor, demandante ou requerente é aquele que pede algo, e réu, demandado ou requerido é aquele contra quem esse algo é pedido. Ou seja, em um processo judicial, alguém 8 (autor, demandante ou requerente) pede algo contra alguém (réu, demandado ou requerido). As pessoas envolvidas no conflito (“alguém” x “alguém”) são chamadas de partes do processo, e o “algo” é o objeto. Exemplos: se João pede a concessão de benefício previdenciário de auxílio-doença contra o INSS, João (autor, demandante ou requerente) e o INSS (réu, demandado ou requerido) são as partes do processo, e o benefício de auxílio-doença é o objeto; se Maria, servidora pública federal, demanda contra a União Federal pedindo a concessão de um adicional remuneratório, Maria (autora, demandante ou requerente) e a União Federal (ré, demandada ou requerida) são as partes do processo, e o pedido de adicional é o objeto. É importante referir que, no rito dos Juizados Especiais Federais, as partes podem atuar sem a representação de advogado em primeira instância, mas, na segunda instância, a representação por advogado é necessária (arts. 1º e 10 da Lei nº 10.259/01 c/c art. 41, §2º, da Lei nº 9.099/95). Obs.: “c/c” significa “em conjunto com”. Querendo ajuizar uma demanda sem advogado, basta que o autor compareça à Secretaria Judiciária e peça para o servidor judicial reduzir a termo o seu caso, valendo esse termo como petição inicial. 2. Antecipação de tutela e medida cautelar Antecipação de tutela Medida cautelar Logo após a petição inicial, é comum que o juiz avalie a possibilidade de antecipar o direito que seria devido só na sentença, o que se chama de 9 antecipação de tutela, vulgarmente também chamada de “liminar”, por se tratar de uma decisão no início do processo. Na verdade, a expressão “liminar” se refere ao momento em que a decisão é tomada (no início do processo), podendo ser não apenas uma antecipação de tutela, mas também de uma medida cautelar. “Tutelar” significa “proteger”, assim o termo “tutela” significa proteção. Normalmente, o direito só é protegido ao final do processo, contudo isso pode demorar anos. Em razão disso, há hipóteses em que essa proteção do direito pode ser antecipada. Daí o termo “antecipação de tutela”, no qual se antecipa a proteção que a parte só teria no final do processo para um momento anterior. “Acautelar” significa “resguardar”, assim o termo “cautela” significa uma medida que resguarda o direito, para que ele não pereça (isso é, não se perca) até o final do processo, embora não entregue o objeto do direito ao autor de forma antecipada. Exemplo: imagine que o objeto da demanda seja uma porção de espinafre, ou seja, duas pessoas (partes) estão discutindo quem tem direito a comer o espinafre (objeto). Nesse caso, se o juiz congelar o alimento, para que o mesmo não estrague até o final da discussão, isso será uma medida cautelar; se, por outro lado, ele determinar a entrega provisória do espinafre a uma das partes, por considerar que é urgente que a mesma coma, por estar fraca e desnutrida, isso será uma antecipação de tutela. Nesse caso, se, ao final do processo, o juiz considerar que, na verdade, quem tinha direito ao alimento era a outra parte, o prejudicado terá direito a ser reparado por aquele que foi beneficiado pela antecipação de tutela indevida, preferencialmente in natura (compra e entrega de outro ramo de espinafre) ou, caso isso não seja possível, in pecunia (pagamento do valor equivalente em dinheiro). 10 3.Recurso de medida cautelar/antecipação de tutela No rito dos JEFs, contra a decisão que defere ou indefere a antecipação de tutela (ou medida cautelar), cabe recurso de medida cautelar (RMC), que é direcionado às Turmas Recursais. Quando uma parte interpõe RMC, a outra parte é intimada para apresentar contrarrazões (que é a defesa contra o recurso) após o que o mesmo é remetido às Turmas Recursais, onde três juízes federais proferem seus votos, chegando a um acordo, por unanimidade ou por maioria de votos. A decisão final da Turma é o acórdão, justamente em referência à ideia de “acordo”. Em relação à linguagem, o verbo correto a ser utilizado quando se fala em recorrer é “interpor” recurso; em relação ao ato do juiz se manifestar, utiliza- se o verbo “proferir” (sentença, voto, decisão). Importante referir, por fim, que a lei não atribui um nome a esse recurso, sendo que “recurso de medida cautelar” é a nomenclatura utilizada na 4ª Região, na qual a interposição é facilitada pelo sistema de processo eletrônico, bastando a elaboração da petição do recurso e a movimentação direcionada à turma recursal. Contudo, como não há previsão legal expressa regulando o tema, pode haver variações locais, sendo importante que você verifique o procedimento que é adotado pela turma da localidade em que você atua. 11 4. Citação do réu e intimações O próximo passo é a citação do réu. Citação é o ato pelo qual o réu é convocado para integrar a relação processual, ou seja, é o momento no qual ele passa a fazer parte do processo, tendo ciência desse e nele podendo se defender. Conforme a lei dos Juizados Especiais Federais, a citação não é para que o réu se defenda imediatamente, e sim para que compareça à audiência de conciliação, onde se busca um acordo entre as partes, antes da apresentação de contestação. A citação deve se realizar com antecedência mínima de 30 dias da data da audiência (art. 9º da Lei nº 10.259/01). Cabe referir que, na prática, essa audiência muitas vezes não é realizada, citando-se o réu para contestar. Isso se dá especialmente nos casos em que o réu é um ente público, não tendo autorização legal para conciliar antes da produção das provas necessárias no processo. Nesse caso, realizar 12 uma audiência de conciliação antes de produzir as provas seria perda de tempo, razão pela qual se opta pela citação direta para apresentação de contestação. É importante diferenciar a citação das intimações. Citação é o ato no qual o réu é chamado no processo para se defender; intimações são as demais comunicações do processo, isso é, são cientificações das partes ou mesmo de terceiros, para que façam ou deixem de fazer alguma coisa, como se manifestarem, prestarem uma informação no processo, terem conhecimento de uma decisão e dessa recorrerem, se for o caso, etc. 5. Instrução do processo (provas) Em seguida, apresentada a contestação, passamos à fase de instrução do processo, que é a fase na qual todas as provas necessárias serão trazidas aos autos, para que o juiz tenha condições de decidir. A expressão “instruir um processo” significa produzir provas no processo. Os principais exemplos são a prova pericial, a prova documental e a prova testemunhal. 13 Na prova pericial, o juiz nomeia um especialista, para realizar uma avaliação técnica, como perícias médicas, de engenharia, de ambiente do trabalho, etc. A prova documental consiste na juntada de documentos no processo. Em regra, todos os documentos necessários já devem ser juntados com a petição inicial e com a contestação, não se aguardando a fase instrutória. Contudo, é comum que se juntem aos autos documentos importantes também durante a fase instrutória, seja para contrapor uma prova produzida ou um argumento, ou, ainda, para esclarecer alguma situação pertinente no processo. A prova testemunhal é a oitiva de testemunhas em audiência, na qual o juiz e os advogados das partes fazem-lhe perguntas pertinentes sobre os fatos que envolvem a demanda. O termo “oitiva” se refere ao verbo “ouvir”, ou seja, “a oitiva de testemunhas” significa que as testemunhas são ouvidas. Encerrada a instrução do processo, passa-se à fase decisória, na qual o juiz profere sentença, que é a decisão que põe fim à discussão. 6. Sentença e recursos contra essa 14 Encerrada a instrução do processo, passa-se à fase decisória, onde o juiz profere a sentença, que é a decisão que põe fim à discussão. Contra essa decisão, no rito dos JEFs, cabe recurso inominado, que é direcionado às Turmas Recursais. Contra a sentença, também cabem embargos de declaração (ou embargos declaratórios), os quais são direcionados ao próprio juiz que proferiu a decisão, tendo por objetivo esclarecê-la, eliminar algum vício que dificulte sua compreensão. Embargos de declaração cabem contra qualquer decisão que seja omissa, contraditória, obscura ou que contenha um erro material (por exemplo, um erro de digitação). Como o próprio nome sugere, trata-se de embargar a “declaração”, não a decisão em si, ou seja, o que se discute são aspectos que dificultam o entendimento do que foi decidido, não a correção da decisão em si. Opostos os embargos de declaração contra uma decisão, a outra parte é intimada para apresentar contrarrazões (quando houver possibilidade de o juiz mudar a decisão) e, em seguida, o próprio juiz decide. A decisão dos embargos é como se fosse uma emenda à sentença, ou seja, quando o juiz acolhe os embargos, ele corrige a sentença, esclarecendo um ponto obscuro, eliminando uma contradição, manifestando-se sobre um ponto antes omitido ou retificando um erro material, tornando, assim, a sentença mais coerente, clara e compreensível. Dessa forma, a decisão dos embargos passa a integrar a sentença, como se fosse parte dela. Por isso, contra a decisão dos embargos de declaração, cabe a interposição de recurso inominado (mesmo recurso cabível contra a sentença). O verbo utilizado para referir-se à apresentação de embargos por uma das partes é “opor” (diferentemente dos demais recursos, em que se usa o verbo interpor). Ou seja, o autor ou o réu “opõem” embargos de declaração “contra” a decisão. O substantivo correspondente é “oposição” de embargos. Uma parte interpondo recurso inominado contra a sentença ou a decisão dos embargos, a outra parte é intimada para apresentar contrarrazões, e esse recurso sobe para as Turmas Recursais, nas quais será proferido um 15 acórdão, com votos, nos mesmos termos já explicados. Esse acórdão pode decidir que o recurso seja conhecido ou não conhecido, o que significa que o recurso foi julgado no mérito ou não, e, sendo julgado no mérito (conhecido), ele pode ser provido ou desprovido. O termo “mérito” refere-se, justamente, à discussão travada entre as partes, ou seja, quando o juiz decide o mérito de algo, ele dá razão a uma das partes, encerrando o conflito. Isso pode ocorrer tanto em uma decisão final (sentença ou acórdão), como em decisões no curso do processo, resolvendo questões pontuais que surgiram durante o seu andamento. A expressão “conhecer”, não apenas no contexto recursal, mas em geral, se refere ao preenchimento ou não dos requisitos para que o juiz entre no mérito de uma questão, ou seja, diga quem tem razão naquele ponto. Não preenchidos os requisitos necessários, o juiz sequer julga o mérito da questão (ou seja, ele “não conhece” da questão). No contexto recursal, “prover o recurso” significa acolher o mesmo, dando razão, no mérito do recurso, a quem recorreu. Assim, “recurso provido” é um recurso que foi conhecido e acolhido no mérito,e “recurso desprovido” é um recurso que foi conhecido, mas não foi acolhido no mérito. É importante referir que, se for identificada alguma nulidade (ou seja, algum procedimento contrário à lei, que acarrete prejuízo a uma das partes), o recurso será conhecido e provido para anular a sentença (e outros atos processuais que sejam nulos). Quando isso acontece, é como se a sentença nunca tivesse sido proferida no processo, ou seja, o processo volta para a primeira instância, e reinicia no momento anterior ao último ato anulado. Por exemplo, se foi indeferida a realização de uma perícia que era necessária no caso concreto, a Turma Recursal anula a sentença e determina o retorno dos autos, para a realização dessa perícia, após a qual será proferida nova sentença (e contra a qual, novamente, caberá recurso inominado ou embargos de declaração). 16 Em relação à linguagem, em geral, as partes em um recurso são o “recorrente” (quem recorreu) e o “recorrido” (a outra parte, contra quem o recurso foi interposto); nos embargos declaratórios, utilizam-se os termos especificamente os termos “embargante” (quem opôs os embargos) e “embargado” (a outra parte, contra quem os embargos foram opostos). 7. Recursos contra as decisões das Turmas Recursais Contra a decisão da Turma Recursal, é possível a oposição de embargos de declaração (pois, como já explicado, esses cabem contra qualquer decisão que seja contraditória, obscura, omissa ou contenha erro material). Também é possível a interposição de PRU (pedido regional de uniformização de jurisprudência) ou PNU (pedido nacional de uniformização de jurisprudência). Imagine, por exemplo, que a Turma Recursal do Rio Grande do Sul (TR/RS) interprete a lei de forma diferente da Turma Recursal de Santa Catarina (TR/SC). Como a lei é uma só, é necessário haver algum mecanismo de uniformização dessa interpretação. O mesmo vale quando a divergência for entre turmas de diferentes regiões do país, como a TR/RS e a TR/RJ (Turma Recursal do Rio de Janeiro). Assim, caberá PRU, se houver 17 divergência jurisprudencial entre turmas da mesma região (como, no exemplo, TR/RS x TR/SC), e PNU, se a divergência for entre turmas de regiões diferentes (como TR/RS x TR/RJ). Outra hipótese de cabimento do PNU é quando a decisão da turma recursal contrariar súmula ou jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Importante referir que, contra a decisão da turma recursal (2ª instância), não cabe nenhum recurso diretamente para o STJ (o recurso especial, existente no rito ordinário, não é cabível nos Juizados Especiais Federais). Se, contudo, a discussão envolver matéria de interpretação constitucional, o recurso deverá ser direcionado ao Supremo Tribunal Federal (STF), que é o guardião da Constituição e, portanto, deverá ter a última palavra sobre como interpretá-la. Dessa forma, se a decisão da Turma Recursal envolver questão constitucional, caberá a interposição de recurso extraordinário (RE) direcionado ao STF. É importante referir que há uma grande barreira à subida desses recursos (PRU, PNU e RE). Interposto o recurso, a outra parte é intimada para apresentar contrarrazões e, encerrado o prazo para tanto, é feito o juízo de admissibilidade, pela Presidência ou Vice-presidência da Turma Recursal de origem (a que proferiu a decisão recorrida). No juízo de admissibilidade, verifica-se se o recurso preenche certos requisitos estritos, hipótese em que ele será “admitido”, ou, caso não atenda a esses requisitos, o mesmo será “não admitido”. O recurso admitido é remetido (enviado) ao órgão competente, para que seja julgado (PRU vai para a TRU; PNU vai para a TNU; RE vai para o STF). O recurso não admitido fica retido na Turma Recursal de origem, não subindo. Quando um recurso é barrado no juízo de admissibilidade, é possível fazer com que ele suba através de agravo. Apresentado o agravo, a outra parte é intimada para apresentar contrarrazões e, em seguida, o agravo sobe para a TRU, TNU ou STF, conforme o recurso que tenha sido antes barrado (PRU, PNU 18 ou RE, respectivamente). Há certas hipóteses, contudo, em que o agravo contra a inadmissão de PRU ou PNU é julgado pela própria turma recursal de origem, não subindo1. Contudo, para os fins desse curso, basta lembrar que o agravo é o recurso que tem por objetivo a fazer subir o PRU, PNU ou RE que não foi admitido pela Presidência ou Vice-presidência da turma recursal. 8. Trânsito em julgado Após encerradas todas as decisões possíveis, e não cabendo mais nenhum recurso, se diz que a decisão transita em julgado, ou seja, o processo termina e a decisão se torna definitiva. A partir daí, realmente o processo está encerrado e não cabe mais nenhuma discussão sobre quem tem direito ou quem tem razão. 1 Vide Resolução CJF nº 393/2016 (art. 3º, §§7º e 8º): agravo contra decisão da turma recursal que não admite PRU ou PNU, com fundamento em súmula da TRU ou da TNU, respectivamente, ou que não admite PRU ou PNU com base em julgamento do Supremo Tribunal Federal em repercussão geral. Nesses casos, o agravo é julgado pela própria turma de origem, em decisão irrecorrível. 19 Também não é possível o ajuizamento de outra ação idêntica, pois há a barreira da coisa julgada, que impede a rediscussão daquilo o que já foi decidido, ainda que com novos argumentos ou fundamentos. Também é possível que o processo transite em julgado na primeira instância, se ninguém recorrer contra a sentença no prazo legal. 9. Organização do processo - fase de execução Tendo a decisão do processo transitado em julgado e havendo condenação, se inicia a fase de execução da sentença, que tem por objetivo, justamente, executar aquilo que foi decidido, cobrando da parte perdedora o cumprimento das obrigações reconhecidas. Nessa fase de execução, eventualmente ocorre de ser proferida uma decisão judicial que não tenha fundamento jurídico, que seja teratológica. “Teratológica” significa uma decisão absurda, monstruosa, uma decisão sem fundamento nenhum. Sendo uma decisão completamente sem fundamento, absurda, teratológica, é cabível a impetração de mandado de segurança, que não é um recurso, mas sim uma ação. Como o mandado de segurança não é um recurso, a outra parte será citada para contestar, pois se trata de uma ação própria. Esse mandado de segurança irá para as Turmas Recursais, que proferirão acórdão. Cabe referir que, eventualmente, antes da sentença também pode haver uma decisão teratológica, e, se isso ocorrer, também caberá mandado de 20 segurança contra essa decisão (embora seja mais comum o cabimento do mandado de segurança na fase de execução). Por fim, são realizados os cálculos do valor devido, os quais devem ser realizados pela Contadoria Judicial, conforme previsto no art. 52, II, da Lei nº 9.099/95, aplicável subsidiariamente por força do art. 1º, caput, da Lei nº 10.259/01: Art. 52. A execução da sentença processar-se-á no próprio Juizado, aplicando-se, no que couber, o disposto no Código de Processo Civil, com as seguintes alterações: (...) II - os cálculos de conversão de índices, de honorários, de juros e de outras parcelas serão efetuados por servidor judicial; As partes, então, são intimadas dos cálculos, podendo impugná-los. Se não houver impugnação, ou após o juiz decidir sobre a impugnação, o valor considerado devido será pago pela Fazenda Pública por RPV (requisição de pequeno valor) ou precatório: RPV se o valor for menor de 60 salários- mínimos; precatório, se for maiordo que 60 salários-mínimos. 21 MÓDULO II) APROFUNDAMENTO E EXPOSIÇÃO CONCEITUAL 1. Valor da causa e competência dos JEFs Ao final de qualquer petição inicial, é necessário indicar o valor da causa, que tem regras próprias para sua fixação, mas que, como regra geral, corresponde ao proveito econômico pretendido pelo autor. Ou seja, o valor da causa, em geral, corresponde ao quanto vale o direito que está sendo postulado pelo autor, sendo importantíssimo, pois é ele que define se o procedimento aplicável é o dos Juizados Especiais Federais ou o procedimento ordinário (do Código de Processo Civil). As causas de valor inferior a 60 (sessenta) salários mínimos, são julgadas por Varas de Juizados Especiais Federais; as de valor superior, por Varas Federais comuns (utilizando o procedimento ordinário, do Código de Processo Civil). O rito dos Juizados Especiais Federais é obrigatório nas causas de valor até 60 salários-mínimos. 2. A expressão “liminar” A expressão “liminar” é derivada do latim in limine litis, que significa no começo da lide. Ou seja, liminar é qualquer decisão que seja proferida no início do processo. 3. Organização do processo – fase de conhecimento 22 É possível dividir o processo em várias fases, isso é, vários momentos distintos, com objetivos parciais diferentes. A função dessas divisões é perceber como o processo se encadeia, passando por vários momentos, em direção a uma decisão final de mérito, ou seja ao momento em que o juiz dá razão a uma das partes. Essa atividade, como um todo é denominada fase de conhecimento, que é a fase que tem por objetivo, justamente, realizar todas as atividades necessárias para que o juiz possa julgar o processo ao final, atribuindo razão a uma das partes. A fase de conhecimento se subdivide em várias fases (isso é, em vários momentos, com finalidades distintas): - Fase postulatória: o processo se inicia com a petição inicial e, após, havendo ou não liminar, o réu é citado no processo, tendo a oportunidade de se defender. Nesse momento, já está definida a lide, isso é, o conflito existente entre as partes e os principais argumentos de cada uma delas. É sobre os pontos controvertidos (os fatos sobre os quais há controvérsia, ou seja, sobre os quais as partes discordam) é que serão, posteriormente, produzidas as provas na fase instrutória. O Objetivo da fase postulatória, portanto, é definirem-se os contornos da lide, com a versão dos fatos sustentada por cada uma das partes e os argumentos jurídicos que entendem serem aplicáveis no caso. - Fase de saneamento: a fase de saneamento é aquela em que o juiz coloca em ordem o processo, verificando se o mesmo atende aos requisitos necessários para sua continuidade, delimitando as questões de fato sobre as quais há divergência entre as partes (que serão objeto da fase instrutória) e estabelecendo as questões de direito relevantes para a posterior decisão de mérito. Não se trata de uma fase bem definida no tempo, sendo que a mesma deveria se encerrar por uma decisão saneadora do juiz, abrangendo os seguintes pontos (art. 357 do Código de Processo Civil – CPC): Art. 357. Não ocorrendo nenhuma das hipóteses deste Capítulo, deverá o juiz, em decisão de saneamento e de organização do processo: I - resolver as questões processuais pendentes, se houver; II - delimitar as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória, especificando os meios de prova admitidos; III - definir a distribuição do ônus da prova, observado o art. 373; IV - 23 delimitar as questões de direito relevantes para a decisão do mérito; V - designar, se necessário, audiência de instrução e julgamento. Em suma, o juiz deveria verificar a regularidade do processo e definir os pontos controvertidos estabelecendo, assim, o foco sobre o qual estarão centradas as fases subsequentes (a fase instrutória e a fase decisória). Nos JEFs, contudo, raramente se vê esse tipo de decisão, devido aos princípios da celeridade, informalidade e simplicidade, que permeiam esse procedimento. - Fase instrutória: “instruir o processo” significa produzir no processo as provas necessárias à demonstração dos fatos alegados, seja juntando documentos, pedindo a oitiva de testemunhas, a realização de perícia, etc. Fase instrutória, portanto, é a fase de produção de provas no processo. Essa fase nem sempre é necessária, sendo possível que o juiz pule diretamente da fase postulatória ou de saneamento para a fase decisória, quando, por exemplo, a discussão for só de direito (não envolver a prova de fatos) ou quando os fatos já estiverem suficientemente comprovados. - Fase decisória: é o momento de decisão, em que o juiz profere a sentença. 4. Atos do juiz e recursos cabíveis É importante diferenciar entre os vários tipos de atos do juiz, que podemos encontrar no curso de um processo. São eles: a) sentença; b) decisão interlocutória; c) despacho; d) ato ordinatório. a) O mais importante dos atos do juiz é a sentença, que é a decisão final do processo. A sentença é o ato do juiz que põe fim à fase de conhecimento do processo, diferenciando-se, assim, das demais decisões, que são proferidas no curso da fase de conhecimento e de execução. Essa decisão pode ser de mérito (aquela que atribui razão a uma das partes, acolhendo ou rejeitando o pedido da petição inicial) ou sem resolução de mérito (chamada de “sentença terminativa”, a qual não soluciona a lide, ou seja, não chega a entrar no mérito de quem tem ou não razão no conflito existente entre as partes). No rito dos JEFs, o recurso contra a sentença é o recurso inominado. Curiosamente, o 24 nome “recurso inominado” significa “recurso sem nome”, o que decorre do fato de a lei ter previsto o cabimento desse recurso, sem lhe dar expressamente um nome (art. 41, caput da Lei nº 9.099/95). Assim, acabou-se apelidando esse recurso de “recurso inominado”. Entretanto, quando se trata de sentença terminativa (isso é, aquela que extingue o processo sem resolver o mérito), não é pacífico o cabimento do recurso inominado, havendo variações no entendimento conforme a localidade em que se está atuando. Na 4ª Região, o recurso inominado contra sentença terminativa é aceito, reconhecendo-se em regra seu cabimento, de forma expressa ou tácita. Contudo em outras localidades se entende que não cabe recurso inominado contra sentença terminativa. Assim, é importante você verificar qual é o entendimento local e atuar conforme o mesmo. A execução também pode ser encerrada por uma sentença, a qual reconhece que a obrigação foi totalmente satisfeita, declarando extintas a execução e a obrigação reconhecida na fase de conhecimento. Mas isso é bastante raro no rito dos JEFs, no qual, normalmente o juiz simplesmente manda arquivar o processo após cumprida a obrigação. b) As questões que surgem durante o processo, que precisam ser decididas, seja na fase de conhecimento, seja na de execução, são resolvidas pelo juiz por meio de decisão interlocutória, na qual o juiz defere ou indefere algum pedido ou providência. Por exemplo, se a parte requer a produção de uma prova testemunhal, o juiz apreciará se essa é cabível ou não por meio de decisão interlocutória, deferindo ou indeferido esse requerimento. Ou, então, se a parte pede a concessão de antecipação de tutela ou de uma medida cautelar, o juiz deferirá ou indeferirá esse pedido por meio de decisão interlocutória. A diferença central entre a decisão interlocutória e a sentença é que esta põe fim à fase de conhecimento ou de execução do processo, ao passo que aquela apenas decide uma questão no curso do seu andamento.No rito dos JEFs, as decisões interlocutórias são, em regra, irrecorríveis. A única hipótese de recurso contra decisão interlocutória nos JEFs 25 é o RMC (recurso de medida cautelar) contra a decisão que defere ou indefere medida cautelar ou antecipação de tutela (arts. 4º e 5º da Lei nº 10.259/01), já abordado acima. c) Entretanto, nem todos os pronunciamentos do juiz são decisões, havendo também os simples despachos. Os despachos são meras determinações de andamento do processo, impulsionando-o para frente, sem, contudo, deferir ou indeferir alguma providência. Por exemplo, após o autor ajuizar a petição inicial, o juiz profere o despacho citatório (“cite-se”), determinando a citação do réu para se defender. Ou o despacho para produção de outras provas (“Intimem-se as partes para que manifestem se têm interesse na produção de outras provas. Nada sendo requerido, voltem conclusos para sentença”). Como os despachos não têm “carga decisória” (isso é, não deferem nem indeferem coisa alguma, tampouco prejudicam as partes), os mesmos são irrecorríveis. d) Como referido, os despachos não têm carga decisória (não deferem ou indeferem coisa alguma, tampouco prejudicam qualquer das partes, apenas impulsionam o processo para frente). Por isso, é possível a delegação desses atos, pelo juiz aos servidores da Secretaria Judiciária/Cartório, o que normalmente é feito por meio de Portaria, prevendo os casos em que o próprio servidor impulsionará o processo, independentemente de despacho assinado pelo juiz. Esse impulso realizado pelos servidores da Secretaria Judiciária/Cartório se chama ato ordinatório. Da mesma forma que não cabe recurso contra despacho, também não cabe contra ato ordinatório. OBS.: a expressão “fazer o processo concluso” significa remetê-lo ao juiz, para análise. Na época dos processos físicos, o processo estava concluso quando estava no Gabinete do juiz, esperando que o mesmo o analisasse (o que, hoje, é feito de maneira eletrônica). 26 5. Litispendência x coisa julgada Como já referido, quando contra a decisão final de mérito da causa não cabe mais nenhum recurso, seja porque todos foram esgotados, seja porque transcorreu o prazo legal sem a sua interposição, se diz que a decisão transitou em julgado. O termo “preclusão” significa a perda da faculdade de praticar um ato processual; se ninguém interpuser recurso no prazo legal, ocorrerá “preclusão temporal”, isso é, o decurso do prazo legal acarretará a perda da possibilidade de apresentação de recurso, transitando em julgado a decisão. Se diz que trânsito em julgado é a preclusão máxima, pois, a partir de sua ocorrência, a decisão se torna definitiva, não cabendo mais nenhuma discussão sobre o mérito da demanda. A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lei nº 4.657/42) define “coisa julgada” da seguinte forma: Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. (...) §3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso. A coisa julgada impede o ajuizamento de causa idêntica. Mas o que ocorre se é ajuizada uma demanda idêntica a outra que ainda está em andamento, que não foi encerrada e que, por consequência, ainda não teve decisão ou na qual a decisão ainda não transitou em julgado? Nesse caso está-se diante do fenômeno da litispendência, a qual se verifica quando há o ajuizamento de demanda idêntica a outra que ainda está tramitando (isso é, ainda está em andamento). Sobre o tema, dispõe o Código de Processo Civil (CPC): Art. 337. (...) § 1o Verifica-se a litispendência ou a coisa julgada quando se reproduz ação anteriormente ajuizada. § 2o Uma ação é idêntica a outra quando possui as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido. 27 § 3o Há litispendência quando se repete ação que está em curso. § 4o Há coisa julgada quando se repete ação que já foi decidida por decisão transitada em julgado. Importante esclarecer, nesse contexto, o que significa ação idêntica. Conforme o §2º do art. 337 transcrito acima, para uma ação ser considerada idêntica é necessário verificar-se a tríplice identidade: o autor e o réu são os mesmos (mesmas partes), os fatos narrados e os fundamentos jurídicos são os mesmos (causa de pedir) e o objeto é o mesmo (pedido). Essa é a compreensão clássica, contudo, há uma teoria moderna que diz que essa correspondência não precisa ser absoluta, bastando que o conflito social seja o mesmo, para que haja identidade de ações. Essa teoria será abordada na parte 3 desse material. 6. Mandado de Segurança contra decisão judicial nos JEFs Mandado de segurança é um remédio constitucional, isso é, uma ação prevista na Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB ou, simplesmente, CF), destinada a proteger os direitos fundamentais do cidadão contra atos arbitrários do Estado. O art. 5º, LXIX, da CRFB e o art. 1º da Lei nº 12.016/09 (Lei do Mandado de Segurança – LMS): “art. 5º, LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público”; Lei 12.016/09, Art. 1º Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça. 28 “Impetrar” é o verbo que se utiliza ao se referir ao ajuizamento de um mandado de segurança. Dessa forma, “impetrar mandado de segurança” significa ajuizá-lo, protocolando a sua petição inicial. Tem-se direito líquido e certo quando os fatos da causa não dependem de produção de provas no processo, ou seja, é aquele direito que se ampara em fatos já comprovados por prova documental pré-constituída, ou seja, prova documental constituída antes do processo. Isso porque, no mandado de segurança, não se admite instrução (produção de provas, como a oitiva de testemunhas, realização de perícias, etc.). Em suma, para caber mandado de segurança, os fatos já devem estar comprovados de antemão (a expressão “direito líquido e certo”, portanto, se refere aos fatos da causa, não propriamente ao direito; a interpretação do direito pode ser discutível e sujeita a interpretações diversas e, ainda assim, caberá mandado de segurança). Além disso, trata-se de ação contra o ato de autoridade pública (ou de quem esteja exercendo atribuição pública), o que, de forma mais usual, se verifica em relação a atos de autoridade do Poder Executivo. Muito se discutiu, por isso, sobre a possibilidade de impetração de mandado de segurança contra atos judiciais, uma vez que esses podem ser impugnados pelos recursos cabíveis, aptos a suspenderem a decisão, no curso do processo judicial e, após o esgotamento dos recursos, se tornam definitivos, ficando protegidos pela coisa julgada. Além disso, é da natureza da atividade jurisdicional a existência de interpretações diferentes sobre a aplicação da lei, não sendo possível, pela simples divergência de interpretações, se concluir que uma decisão judicial seja ilegal. A ilegalidade ou abuso de poder somente estarão configurados se a decisão for teratológica, isso é, completamente absurda, frontalmente ilegal. Nesse sentido, diz-se que o mandadode segurança não é substitutivo de recurso, pois cabe apenas em hipóteses excepcionais. 29 A expressão “teratológica” vem de “Teratologia”, que é a parte da medicina que se ocupa do estudo das malformações e das monstruosidades. “Terato” significa “monstro” e “logia” significa estudo. Nessa linha, a conclusão é, justamente, de que cabe mandado de segurança contra decisão teratológica do Poder Judiciário, quando a legislação processual não previr nenhum recurso cabível que possa suspender a decisão, e essa não estiver transitada em julgado. Veja-se o que dispõe a LMS (Lei nº 12.016/09): Art. 5o Não se concederá mandado de segurança quando se tratar: I – (...) II - de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo; III - de decisão judicial transitada em julgado. Como visto, no procedimento dos Juizados Especiais Federais, a única decisão interlocutória contra a qual cabe recurso é a que defere ou indefere a antecipação de tutela ou a medida cautelar, contra a qual cabe RMC (recurso de medida cautelar). 30 Todas as demais decisões interlocutórias são irrecorríveis, razão pela qual, se forem teratológicas, contra elas caberá mandado de segurança, conforme ilustrado acima. Contudo, o entendimento sobre o que é teratológico ou não é mais flexível no caso de impetração de mandado de segurança na fase de execução. Isso porque todas as decisões proferidas na fase de conhecimento podem ser atacadas no momento do recurso contra a sentença, por exemplo: se o juiz indeferiu a realização de uma prova indispensável, quando, em momento posterior, ele proferir sentença, será possível a interposição de recurso inominado alegando a nulidade do processo por cerceamento de defesa, 31 em virtude de o juiz haver, na fase instrutória, indeferido a produção de uma prova considerada essencial. Isso se denomina preclusão elástica, que é a característica de essas decisões somente precluírem junto com a sentença e não de forma imediata. O termo “preclusão” da decisão significa que a decisão não é mais atacável, ou seja, se tornou definitiva dentro do processo. A coisa julgada é a preclusão máxima. Dessa forma, a impetração de mandado de segurança contra decisão na fase de conhecimento é raríssima, somente cabível quando a decisão for absolutamente ilegal e não houver possibilidade de se aguardar momento posterior para atacá-la. Caso contrário, a decisão interlocutória na fase de conhecimento será recorrível apenas junto com a sentença. Nesse sentido: “Trata-se de mandado de segurança proposto pela parte autora contra despacho que julgou improcedente o pedido de complementação de perícia judicial. A parte autora pleiteia a CONCESSÃO DA SEGURANÇA para que o Perito Judicial nos autos do processo de nº 5010390- 90.2018.4.04.7201 seja intimado a responder os quesitos da Impetrante que consta da exordial que instaurou o feito em questão, de maneira a corrigir grave cerceamento de defesa, em respeito ao devido processo legal e a ampla defesa. 32 Não foi veiculado pedido de medida liminar. Prossigo para decidir. O ato ora impetrado (despacho judicial) foi exarado nos seguintes termos (DESPADEC1, evento 38, autos originários): Indefiro o pedido formulado pela parte autora para que o médico perito responda os quesitos apresentados por petição, uma vez que as considerações do médico perito são conclusivas e suficientes para a análise do mérito desta ação. Ademais, o médico perito utilizou o laudo eletrônico recomendado pelo TRF da 4ª Região e somente deverá responder os quesitos nele cadastrados, conforme determinação do despacho do evento nº 03 (...apresentar quesitos, os quais somente serão aceitos se incluídos diretamente no laudo eletrônico, mediante acesso ao processo eletrônico respectivo (“Ações” > “Quesitos do Juízo” > "Selecionar a Parte")).. Ciência à parte autora. Após, registrem-se os autos para sentença. Não merece trânsito o presenta Mandado de Segurança, uma vez que manejado em face de decisão interlocutória que, no microssistema dos Juizados Especiais Federais, é irrecorrível. Nessa senda, para que não se utilize o Mandado de Segurança como sucedâneo recursal, apenas se admite o seu conhecimento na hipótese de ficar demonstrado que o ato, além de trazer prejuízo manifesto à parte, se revista de flagrante ilegalidade, teratologia ou abuso de poder. Não é o caso da decisão ora guerreada, que é claramente dotada de razoabilidade, tendo sido explicitamente apontados à parte autora os parâmetros do rito processual acerca da apresentação e posterior exame de quesitos complementares (item 4, 'c', DESPADEC1, evento 3), circunstância que restou inobservada pela ora Impetrante. Ademais, através de um exame preliminar, observo que o laudo judicial ora questionado encontra-se regularmente fundamentado, inexistindo qualquer mácula que justifique a ingerência na fase instrutória ora pleiteada. 33 Portanto, não há como imputar ao despacho ora questionado, a característica de absurdo ou teratológico, hipótese em que se poderia conhecer do mandado de segurança contra ato judicial irrecorrível. Caso contrário, esta ação, na prática, equivaleria ao recurso que o legislador não quis criar (art. 5º da Lei nº 10.259/2001). Neste sentido, extraio o seguinte excerto do voto proferido pelo Juiz Edvaldo Mendes da Silva, proferido na sessão de 06-03- 2013 da 1ª Turma Recursal de Santa Catarina, no mandado de segurança TR nº 5019583-45.2012.404.7200/SC: O ato impugnado é de natureza judicial, isto é, emanado de poder especialmente designado para interpretar e aplicar a lei. Portanto, a noção de "ilegalidade" ou de "abuso de poder" não se confunde com a simples discordância. Fosse assim, o mandado de segurança estaria reduzido a mero recurso. No âmbito dos Juizados Especiais, o uso do mandado de segurança como sucedâneo de recurso afronta o artigo 5º da Lei n. 10.259/2001 e contraria a própria finalidade desta jurisdição especial. Por fim, o próprio direito líquido e certo se apresenta controvertido, uma vez que desafia decisão judicial que nada tem de teratológica nem de absurda mas, ao contrário, resulta de interpretação aceitável da lei e decorre do livre convencimento do magistrado. Em suma: não há direito líquido e certo a uma decisão judicial favorável e, o fato de ser a decisão irrecorrível, não enseja, por si só, o mandado de segurança. Por fim, registro que, a possibilidade de rediscutir a matéria em sede de recurso inominado afasta qualquer alegação de manifesto prejuízo à parte. Dessa feita, diante da ausência dos pressupostos legais, não é de ser conhecido o presente Mandado de Segurança. Sem honorários advocatícios, nos termos do artigo 25 da Lei 12.016/09, bem como com fundamento na Súmula 105/STJ: "Na ação de mandado de segurança não se admite condenação em honorários advocatícios". Ante o exposto voto por NÃO CONHECER DO MANDADO DE SEGURANÇA.”. (MANDADO DE SEGURANÇA nº 5021808-28.2018.4.04.7200, SEGUNDA 34 TURMA RECURSAL DE SC, Relator HENRIQUE LUIZ HARTMANN, julgado em 20/03/2019) MÓDULO III) EXPOSIÇÃO DE CONTEÚDO AVANÇADO 1. Competência absoluta das Varas de Juizados Especiais Federais. A competência dos Juizados Especiais Federais, nas causas de valor inferior a 60 (sessenta) salários mínimos, é absoluta (não é relativa), o que significa que é obrigatório o ajuizamento no Juizado Especial Federal, não sendo possível ajuizar a demanda em uma Vara Federal comum. Lei10.259/01, art. 3º. (...). § 3º No foro onde estiver instalada Vara do Juizado Especial, a sua competência é absoluta. Dessa forma, uma demanda ajuizada na Justiça Federal, de valor inferior a 60 (sessenta) salários mínimos obrigatoriamente tramitará pelo procedimento dos Juizados Especiais Federais. 2. Recursos próprios dos JEFs (PRU, PNU e PUIL) e seu cabimento 35 O Pedido Regional de Uniformização de Jurisprudência (PRU) e o Pedido Nacional de Uniformização de Jurisprudência (PNU) são recursos próprios do procedimento dos Juizados Especiais Federais, tendo previsão na lei 10.259/09: “Art. 14. Caberá pedido de uniformização de interpretação de lei federal quando houver divergência entre decisões sobre questões de direito material proferidas por Turmas Recursais na interpretação da lei.” “§1º O pedido fundado em divergência entre Turmas da mesma Região será julgado em reunião conjunta das Turmas em conflito, sob a presidência do Juiz Coordenador.” (PRU) “§2º O pedido fundado em divergência entre decisões de turmas de diferentes regiões ou da proferida em contrariedade a súmula ou jurisprudência dominante do STJ será julgado por Turma de Uniformização, integrada por juízes de Turmas Recursais, sob a presidência do Coordenador da Justiça Federal.” (PNU) Como se observa a partir do texto legal, o objetivo desses recursos é exclusivamente solucionar divergência jurisprudencial, razão pela qual é necessário sempre que haja um paradigma, ou seja, uma decisão de outra Turma Recursal, que tenha atribuído interpretação diferente a caso 36 semelhante ao que está sendo julgado. Nisso, há uma diferença substancial em relação ao rito ordinário (procedimento do Código de Processo Civil, para causas de valor superior a 60 salários mínimos), no qual cabe recurso especial para o STJ com fundamento exclusivamente na má interpretação da lei, independentemente de paradigma (art. 105, III, “a”, da CRFB), situação que não existe nos Juizados Especiais Federais. Dessa forma, tratando-se de interpretação de lei, somente é possível fazer o caso “subir” para além da Turma Recursal (isso é, para a TRU ou TNU) se houver paradigma de outra Turma Recursal, dando interpretação diferente à lei, ou seja, se houver divergência jurisprudencial. Se esse paradigma for de Turma Recursal mesma Região (por exemplo, RS x SC), caberá PRU (que será julgado pela Turma Regional de Uniformização – TRU); se, por outro lado, a divergência for entre turmas de diferentes Regiões (por exemplo, PR x SP), caberá PNU (que será julgado pela Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência – TNU). Existe, ainda, o Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei para o STJ (PUIL) contra decisões da TNU que contrariem súmula ou jurisprudência dominante do STJ. Veja-se: §4º Quando a orientação acolhida pela Turma de Uniformização, em questões de direito material, contrariar súmula ou jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça -STJ, a parte interessada poderá provocar a manifestação deste, que dirimirá a divergência. (PUIL – pedido de Uniformização para o STJ) 2.1. Descabimento de PRU ou PNU em matéria de fato O PNU e o PRU são recursos que têm por objetivo sanar divergência jurisprudencial sobre a aplicação da lei em casos semelhantes, ou seja, pacificar a correta interpretação da lei, evitando que essa seja interpretada de forma diversa em casos idênticos. Por isso se diz que são recursos que tratam de matéria de direito, ou seja, matéria de interpretação das normas jurídicas aplicáveis a certo tipo de caso. 37 Quando se diz que não cabe PRU ou PNU em matéria de fato, o que se está afirmando é que não cabe a interposição desses recursos para simples reexame de prova, ou seja, para revisar a conclusão da Turma Recursal sobre como os fatos ocorreram. Na interposição do PRU ou PNU, a matéria fática (isso é, a versão dos fatos acolhida) já está definida e o que se discute é como aplicar corretamente a lei a esses fatos. Esse mesmo entendimento, aliás, se aplica também ao recurso extraordinário (RE), que é direcionado ao Supremo Tribunal Federal quando há alegação de interpretação ou aplicação equivocada da Constituição (e, no RE, não há exigência de paradigma, basta alegação de má interpretação do texto da Constituição – art. 102, III, “a”, da CRFB). É também inadmissível o RE para reanálise de matéria fática. Veja-se o que dizem as Súmulas da TNU e do STF sobre o assunto: TNU, Súmula nº 42. Não se conhece de incidente de uniformização que implique reexame de matéria de fato. STF, Súmula nº 279. Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário. O termo “súmula” se refere a enunciados que são elaborados pelos tribunais e turmas recursais, os quais resumem um entendimento pacífico (isto é, sobre o qual não há divergência) naquele órgão jurisdicional. 2.2. Descabimento de PRU ou PNU em matéria processual Matéria processual é aquela ligada ao andamento do processo, não ao direito material (que é o objeto da demanda, o direito da parte discutido cuja proteção se busca através do processo). Ao tratar sobre o pedido de uniformização (seja o PRU ou o PNU), o caput do art. 14 da Lei nº 10.259/01, restringiu as discussões possíveis, referindo apenas caber esses recursos para discutir questões de direito material (excluindo, assim, as discussões processuais): Art. 14. Caberá pedido de uniformização de interpretação de lei federal quando houver divergência entre decisões sobre 38 questões de direito material proferidas por Turmas Recursais na interpretação da lei. Nesse sentido é o entendimento sumulado da TNU e da TRU da 4ª Região, in verbis: TNU, Súmula nº 43. "Não cabe incidente de uniformização que verse sobre matéria processual". TRU-4ª Região, Súmula nº 01. "Não caberá pedido de uniformização de interpretação de lei federal quando a divergência versar sobre questões de direito processual". Um dos exemplos mais drásticos da importância e da gravidade dessa restrição é a impossibilidade de se discutir, em nível regional ou nacional, a interpretação sobre o que caracteriza ou não coisa julgada, ou seja, sobre a interpretação acerca a incidência da coisa julgada a certa situação fática, como nos precedentes abaixo: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM INCIDENTE NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. COISA JULGADA. DIMENSIONAMENTO DOS EFEITOS. MATÉRIA PROCESSUAL. INCIDENTE NÃO CONHECIDO POR INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 43. OPOSIÇÃO DE EMBARGOS QUE EM VERDADE PRETENDEM NOVO JULGAMENTO DA MATÉRIA. REJEIÇÃO. (Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei (Turma) 5002476-87.2014.4.04.7112, JOSÉ FRANCISCO ANDREOTTI SPIZZIRRI - TURMA NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO.) PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO SUSCITADO PELA UNIÃO. DISCUSSÃO A RESPEITO DA COISA JULGADA. MATÉRIA DE ÍNDOLE PROCESSUAL. SÚMULA 43/TNU. INCIDENTE NÃO CONHECIDO. (Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei (Turma) 0500006-13.2017.4.05.9850, SERGIO DE ABREU BRITO - TURMA NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO.) 2.3. Similitude fática do paradigma e cotejo analítico Como referido, a interposição de PRU ou PNU depende de paradigma. Esse paradigma deve trazer caso semelhante, tanto nos aspectos fáticos, quanto jurídicos, ao caso em discussão, sob pena de não ser possível a 39 comparação entre ambos e a identificação da forma como divergiram na aplicação do direito a situações muito semelhantes. Daí se diz que o acórdão recorrido deve ter similitude fática e jurídica com o acórdão utilizado como paradigma. TNU, QUESTÃO DE ORDEM Nº 22. É possívelo não- conhecimento do pedido de uniformização por decisão monocrática quando o acórdão recorrido não guarda similitude fática e jurídica com o acórdão paradigma. (Aprovada na 8ª Sessão Ordinária da Turma Nacional de Uniformização, do dia 16.10.2006). A fim de demonstrar essa similitude fática e jurídica, permitindo a sua fácil constatação, no PRU ou PNU, deve-se, necessariamente fazer o cotejo analítico, que é o batimento das questões fáticas e jurídicas tratadas em um e outro, comparando-os. Somente mencionar os precedentes e colar as ementas (ementa = resumo do julgamento) não é suficiente, sendo necessária a realização de uma comparação analítica entre o caso recorrido e o acórdão paradigma (isso é, o cotejo analítico). Veja-se como a questão é abordada pela TNU: (...) 4.1. A petição do incidente de uniformização deve conter obrigatoriamente a demonstração do dissídio, com a realização de cotejo analítico em duas etapas: primeiro, pela comparação entre as questões de fato tratadas no acórdão impugnado e no paradigma, com reprodução dos fundamentos de ambos; depois, pelo confronto das teses jurídicas em conflito, evidenciando a diversidade de interpretações para a mesma questão de direito. 4.2. No caso dos autos, a recorrente limitou-se a transcrever ementas de diversos julgados, oriundos da Turma Regional e Turma Recursal de Mato Grosso e do Superior Tribunal de Justiça, não demonstrando a similitude fático-jurídica entre os julgados paradigmas e o acórdão recorrido. (...). (...). (PEDILEF 200638007233053, JUÍZA FEDERAL ANA BEATRIZ VIEIRA DA LUZ PALUMBO, TNU, DOU 24/10/2014 PÁGINAS 126/240.). Por fim, há situações em que, além de demonstrar a similitude fática através do cotejo analítico, é necessário juntar cópia do acórdão paradigma 40 para conferência, o que ocorre quando se tratar de divergência entre turmas de diferentes regiões: TNU, QUESTÃO DE ORDEM Nº 03. A cópia do acórdão paradigma somente é obrigatória quando se tratar de divergência entre turmas recursais de diferentes regiões, sendo exigida, no caso de julgado obtido por meio da internet, a indicação da fonte que permita a aferição de sua autenticidade. 3. Coisa julgada, litispendência e teoria da identidade de relação jurídica Insta frisar, conforme leciona Alexandre Freitas Câmara, que a teoria das três identidades não é capaz de explicar todas as hipóteses, servindo, tão somente, como regra geral. Há casos em que se deve aplicar a 'teoria da identidade da relação jurídica', segundo a qual o novo processo deve ser extinto quando a res in iudicium deducta for idêntica à que se deduziu no processo primitivo, ainda que haja diferença entre alguns dos elementos identificadores da demanda (Lições de Direito Processual Civil, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 474). (grifei). Nesse sentido, há precedente da PRIMEIRA SEÇÃO do Colendo Superior Tribunal de Justiça, no qual foi consignado que o “(...) fenômeno da litispendência se caracteriza quando há identidade jurídica, ou seja, quando as ações intentadas objetivam, ao final, o mesmo resultado, ainda que o polo passivo seja constituído de pessoas distintas (...)”(AgRg no MS 20.548/DF, Rel. Ministro Og Fernandes, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/06/2015, DJe 18/06/2015). Resta clara, assim, a necessidade de diferenciar-se entre duas teorias, ambas acolhidas pelo Código de Processo Civil: 1) a teoria da tríplice identidade (art. 337, §2º, do CPC/2015, que funciona como regra geral; 2) a teoria da identidade da relação jurídica, segundo a qual há repetição de ações quando a res in iudicium deducta (isto é, a coisa deduzida em juízo) é a mesma, ainda que haja diferença entre algum dos elementos identificadores da demanda (partes, causa de pedir e pedido) – art. 505, caput e art. 508 do CPC, in verbis: 41 Art. 505. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide, salvo: I - se, tratando-se de relação jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito, caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença; II - nos demais casos prescritos em lei. Art. 508. Transitada em julgado a decisão de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido. (grifei). Importante destacar que essa interpretação do ordenamento jurídico é a que melhor se coaduna com a função de pacificação social da Jurisdição, impedindo a eternização de conflitos sociais e fortalecendo a segurança jurídica (art. 5º, XXXVI, da CRFB e art. 5º da LINDB). Também adotando esse entendimento: PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO. INATIVO SOB A ÉGIDE DA CLT. RESTABELECIMENTO DE COMPLEMENTAÇÃO SUPRIMIDA. OFENSA À COISA JULGADA. TEORIA DA IDENTIDADE DA RELAÇÃO JURÍDICA. 1. O autor ajuizou perante a Justiça Federal, Seção Judiciária de Mato Grosso, mandado de segurança pleiteando anulação de ato que suprimiu complementação de remuneração que vinha sendo paga em sua inatividade. A segurança foi denegada com exame de mérito, considerando-se o ato legal, estabelecendo também o contraditório e a ampla defesa, de forma que produziu coisa julgada material sobre o tema. 2. Em conformidade com o sistema processual civil brasileiro, duas teorias informam a coisa julgada: a teoria da tríplice identidade (artigo 301, parágrafo segundo do CPC) e a teoria da relação jurídica (artigo 471, caput e 474 do CPC). Pela primeira, a coisa julgada, como regra geral, só promove a idêntica à que levou à instauração do primeiro processo (mesmas partes, mesma causa de pedir e mesmo pedido). Pela segunda, "o novo processo deve ser extinto quando a res in iudicium deducta for idêntica à que se deduziu no processo primitivo, ainda que haja diferença entre alguns dos elementos identificadores da demanda" - causa de pedir e pedido. 42 (TRF-1, AMS 00050195220014013600, 2ª Turma Suplementar, Rel. Juíza Federal Rosimayre Gonçalves de Carvalho, d.j. 14/12/2011). (grifei). “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. APELAÇÃO. IMPOSTO DE RENDA. PESSOA FÍSICA. ELEMENTOS IDENTIFICADORES DA AÇÃO. TEORIA DA IDENTIDADE DA RELAÇÃO JURÍDICA. MANDADO DE SEGURANÇA. LITISPENDÊNCIA. OCORRÊNCIA. 1. A existência de coisa julgada constituída em um processo judicial implica a extinção de outro processo quando se tratar de demanda idêntica àquela julgada primeiramente. E conforme preceitua o artigo 301, § 2º, do CPC, as demandas judiciais são consideradas idênticas quando possuem as mesmas partes, causa de pedir e pedido. 2. A litispendência caracteriza-se na hipótese de repetição de ação anteriormente ajuizada e que ainda esteja em curso. Está presente a congruência exata dos elementos identificadores da ação, já que estão litigando no presente feito e integram a relação jurídica processual da ação ajuizada anteriormente, em curso, as mesmas partes, sendo idênticos os pedidos mediato e imediato, tendo por suporte a mesma causa de pedir. Com efeito, está consubstanciada a litispendência. 3. Embora as demandas não tenham exatamente as mesmas pessoas figurando no polo passivo, não se pode afastar, no caso em tela, a coisa julgada apenas em razão da diversidade do polo passivo. Isso porque a teoria da tríplice identidade (mesmas partes, mesma causa de pedir e mesmo pedido) atua apenas como regra geral, não sendo suficiente para explicar todas as situações. Em algumas hipóteses, para a caracterização da coisa julgada, deve-se analisar se a questão debatida em umprocesso é a mesma, ainda que alguns elementos identificadores da ação sejam distintos. Trata-se de aplicação da "teoria da identidade da relação jurídica". 4. Sentença reformada para extinguir o feito, sem julgamento do mérito.” (TRF-2, AC 201351011345619, Quarta Turma Especializada, Rel. Des. Federal Luiz Antônio Soares, d.j. 29/10/2014). Por fim, vale referir que a eficácia preclusiva da coisa julgada veda a revisão, reinterpretação e/ou nova valoração do que foi decidido na anterior demanda: 43 “(...). Denota-se da petição inicial e da sentença proferida no processo n.º 0002811-85.2008.4.03.6319 (cópias anexadas em 20.01.2015, arquivos Inicial proc. 2008.2811-0.pdf e Sentença proc 2008.2811-0.doc), que o pedido de cômputo dos períodos rurais de 1966 a 1971 e 1972 a 1975, compôs o objeto daquela demanda, e, ao contrário do que sustenta a parte autora, teve seu mérito devidamente apreciado pelo Juízo competente, que decidiu por não reconhecê-los para fins previdenciários. Qualquer inconformismo contra o teor da sentença proferida no processo n.º 0002811-85.2008.4.03.6319 deveria ser manifestado naqueles autos, pelas vias recursais próprias, nos prazos previstos na lei processual. No entanto, nenhum recurso foi interposto contra aquele Julgado, cujo trânsito em julgado foi certificado em 17.12.2008, conforme constatado em consulta efetuada no Sistema Processual dos Juizados Especiais Federais. É evidente que a parte autora, ao propor a presente ação (ajuizada pouco mais de dois meses após o trânsito em julgado do primeiro processo), pretende obter a reforma de provimento judicial que já transitou em julgado, o que é vedado pela lei processual civil. Na lição de Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero A coisa julgada tem eficácia positiva, negativa e preclusiva. A coisa julgada pode servir como ponto de apoio para que a parte interessada deduza outra pretensão em juízo, sendo essa sua eficácia positiva. Nesse caso, o segundo juízo não poderá dissentir daquilo sobre o qual se formou a coisa julgada. A eficácia negativa da coisa julgada consiste no veto a que outros juízos examinem aquilo que já foi decidido com força de coisa julgada. A alegação de existência de coisa julgada leva à extinção do processo sem resolução do mérito (art. 267, V, CPC). A eficácia preclusiva da coisa julgada consiste em tornar irrelevante, para efeitos de controverter as questões decididas com força de coisa julgada, eventuais alegações e defesas que poderiam ter sido formuladas em juízo, mas não o foram (art. 474, CPC). (Código de Processo Civil Comentado, 2ª ed., RT, pág. 446/447). Aplicando-se a teoria ao caso concreto, a eficácia preclusiva da coisa julgada veda a revisão, reinterpretação e/ou valoração do dispositivo da sentença proferida nos autos na ação 0002811- 85.2008.4.03.6319. Assim, constato a existência de coisa julgada material, a ensejar a aplicação do artigo 267, inciso V, do Código de Processo Civil. (...) (8ª TR/SP, Recurso 44 inominado 00022919120094036319, Rel. Juiz Federal Márcio Rached Millani, d.j., 23/02/2015). ANEXOS – Detalhamento de algumas questões explicadas na parte 1, 2 ou 3. 1. Recurso de medida cautelar e variações regionais Já referimos que a lei não atribui um nome ao recurso contra a concessão de medida cautelar ou antecipação de tutela, sendo que “recurso de medida cautelar” é a nomenclatura utilizada na 4ª Região, na qual a interposição é facilitada pelo sistema de processo eletrônico, bastando a elaboração da petição do recurso e a movimentação direcionada à turma recursal. Como o processo é eletrônico na 4ª Região, a própria turma analisa os autos e toda a documentação, não havendo necessidade de juntar nenhum documento com esse recurso. Contudo, como não há previsão legal expressa regulando o tema, pode haver variações locais, sendo importante verificar o procedimento que é adotado pela turma da localidade em que se está atuando. Por exemplo, o Regimento Interno das Turmas Recursais de Pernambuco prevê o cabimento do recurso de agravo de instrumento no prazo de 15 (quinze) dias contra a decisão que defere ou indefere medidas cautelares ou antecipação de tutela: Art. 34. Das decisões que deferirem ou indeferirem medidas cautelares ou antecipatórias de tutela, caberá agravo de instrumento no prazo de 15 (quinze) dias, não sendo cabível tal recurso para outras hipóteses não previstas neste dispositivo. Parágrafo único. A parte contrária será intimada para contrarrazoar em igual prazo. Agravo de instrumento é recurso previsto no Código de Processo Civil, que é interposto diretamente na segunda instância (no caso, na turma recursal) e deve vir acompanhado dos seguintes documentos (art. 1.017 do CPC): 45 I - obrigatoriamente, com cópias da petição inicial, da contestação, da petição que ensejou a decisão agravada, da própria decisão agravada, da certidão da respectiva intimação ou outro documento oficial que comprove a tempestividade e das procurações outorgadas aos advogados do agravante e do agravado; II - com declaração de inexistência de qualquer dos documentos referidos no inciso I, feita pelo advogado do agravante, sob pena de sua responsabilidade pessoal; III - facultativamente, com outras peças que o agravante reputar úteis. Se os autos forem físicos, aquele que interpôs o agravo deve comunicar o juízo de primeira instância, no prazo de 3 (três) dias a contar da interposição, juntando cópia da petição do agravo de instrumento, comprovante de sua interposição e relação dos documentos que instruíram o recurso (art. 1.018 do CPC). Se não o fizer e a outra parte arguir isso, o agravo não será conhecido. Isso se dá porque o juiz pode, ao saber da interposição, reconsiderar sua decisão. Contudo essa providência é facultativa se o processo for eletrônico (porque os documentos estão disponíveis facilmente para consulta). 2. Recurso inominado contra sentença terminativa. Na 4ª Região, tem-se aceitado a interposição de recurso inominado contra sentença terminativa, o que acarreta o não cabimento de mandado de segurança. Cita-se, exemplificativamente: Trata-se de mandado de segurança impetrado pela parte autora contra decisão terminativa que, reconhecendo a incompetência federal para a demanda, extinguiu o processo e determinou sua redistribuição à Justiça Estadual, sem apreciar o mérito da causa. Em última análise, o impetrante pretende ver reconhecido como direito líquido e certo o processamento de sua demanda na Justiça Federal e, para isso, argumenta que a situação de fato narrada nos autos não se enquadra na que está descrita na decisão terminativa ora impugnada. Mais especificamente, sustenta que o titular da conta de FGTS cujo saldo pretende 46 levantar está vivo, de modo que não seria aplicável ao caso a súmula 161 do STJ, como entendeu o Juízo de primeiro grau. Liminarmente, pugna que o processo subjacente seja suspenso até o julgamento final deste mandamus. A decisão que extingue o processo federal em relação a todas as partes e, sem resolução do mérito, declina da competência em favor da Justiça Estadual tem natureza terminativa e pode ser atacada pelo recurso previsto no art. 41 da Lei 9.099/1995, ao qual é possível, inclusive, atribuir-se efeito suspensivo (art. 43). Confira-se: PROCESSUAL - MANDADO DE SEGURANÇA - DECISÃO QUE DECLARA EXTINTO O PROCESSO - NATUREZA JURÍDICA - RECURSO ESPECIAL - RETENÇÃO (CPC - ART. 542) - INOCORRÊNCIA. A decisão que extingue o processo, por ser terminativa do processo não é interlocutória,
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