Prévia do material em texto
ESTILOS DE ÉPOCA NA LITERATURA BRASILEIRA: o Século XIX GEOVANA GENTILI SANTOS VANESSA REGINA FERREIRA DA SILVA ESTILOS DE ÉPOCA NA LITERATURA BRASILEIRA: o século XIX 1ª Edição 2017 Copyright©2017. Universidade de Taubaté. Todos os direitos dessa edição reservados à Universidade de Taubaté. Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio, sem a prévia autorização desta Universidade. Administração Superior Reitor Prof. Dr. José Rui Camargo Vice-reitor Prof. Dr. Isnard de Albuquerque Câmara Neto Pró-reitor de Administração Prof. Dr. Isnard de Albuquerque Câmara Neto (interino) Pró-reitor de Economia e Finanças Prof. Dr. Mario Celso Peloggia (interino) Pró-reitora Estudantil Profa. Ma. Angela Popovici Berbare Pró-reitor de Extensão e Relações Comunitárias Prof. Dr. Mario Celso Peloggia Pró-reitora de Graduação Profa. Dra. Nara Lucia Perondi Fortes Pró-reitor de Pesquisa e Pós-graduação Prof. Dr. Francisco José Grandinetti Coordenação Geral EaD Profa.Dra.Patrícia Ortiz Monteiro Coordenação Acadêmica Profa.Ma. Rosana Giovanni Pires Coordenação Pedagógica Profa.Dra.Ana Maria dos Reis Taino Coordenação de Tecnologias de Informação e Comunicação Wagner Barboza Bertini Coordenação de Mídias Impressas e Digitais Profa.Ma.Isabel Rosângela dos Santos Amaral Coord. de Área: Ciências da Nat. e Matemática Profa. Ma. Maria Cristina Prado Vasques Coord. de Área: Ciências Humanas Profa. Dra. Suzana Lopes Salgado Ribeiro Coord. de Área: Linguagens e Códigos Profa. Dra. Juliana Marcondes Bussolotti Coord. de Curso de Pedagogia Coord. de Cursos de Tecnol. Área de Gestão e Negócios Coord. de Cursos de Tecnol. Área de Recursos Naturais Revisão ortográfica-textual Projeto Gráfico Diagramação Autor Profa. Ma. Ely Soares do Nascimento Profa. Ma. Márcia Regina de Oliveira Profa. Ma. Márcia Regina de Oliveira Profa. Ma. Isabel Rosângela dos Santos Amaral Me. Benedito Fulvio Manfredini Bruna Paula de Oliveira Silva Geovana Gentili Santos Vanessa Regina Ferreira da Silva Unitau-Reitoria Rua Quatro de Março,432-Centro Taubaté – São Paulo CEP:12.020-270 Central de Atendimento:0800557255 Polo Taubaté Polo Ubatuba Polo São José dos Campos Polo São Bento do Sapucaí Avenida Marechal Deodoro, 605–Jardim Santa Clara Taubaté–São Paulo CEP:12.080-000 Telefones: Coordenação Geral: (12)3621-1530 Secretaria: (12) 3622-6050 Av. Castro Alves, 392 – Itaguá – CEP: 11680-000 Tel.: 0800 883 0697 e-mail: nead@unitau.br Horário de atendimento: 13h às 17h / 18h às 22h Av Alfredo Ignácio Nogueira Penido, 678 Parque Residencial Jardim Aquarius Tel.: 0800 883 0697 e-mail: nead@unitau.br Horário de atendimento: 8h às 22h EMEF Cel. Ribeiro da Luz. Av. Dr. Rubião Júnior, 416 – São Bento do Sapucaí – CEP: 12490-000 Tel.:(12) 3971-1230 e-mail: polosaobento@ead.unitau.com.br Horário de atendimento: das 18h às 21h (de segunda a sexta-feira) / das 8h às 12h (aos sábados). Ficha catalográfica elaborada pelo SIBi Sistema Integrado de Bibliotecas / UNITAU S237e Santos, Geovana Gentili Estilos de época na Literatura Brasileira: o século XIX. / Geovana Gentili Santos, Vanessa Regina Ferreira da Silva.Taubaté: UNITAU, 2017 150f. : il. ISBN: 978-85-9561-045-3 Bibliografia 1. Romantismo. 2. Realismo. 3. Naturalismo. I. Silva, Vanessa Regina Ferreira da II. Universidade de Taubaté. III. Título 1 PALAVRA DO REITOR Palavra do Reitor Toda forma de estudo, para que possa dar certo, carece de relações saudáveis, tanto de ordem afetiva quanto produtiva. Também, de estímulos e valorização. Por essa razão, devemos tirar o máximo proveito das práticas educativas, visto se apresentarem como máxima referência frente às mais diversificadas atividades humanas. Afinal, a obtenção de conhecimentos é o nosso diferencial de conquista frente a universo tão competitivo. Pensando nisso, idealizamos o presente livro- texto, que aborda conteúdo significativo e coerente à sua formação acadêmica e ao seu desenvolvimento social. Cuidadosamente redigido e ilustrado, sob a supervisão de doutores e mestres, o resultado aqui apresentado visa, essencialmente, a orientações de ordem prático-formativa. Cientes de que pretendemos construir conhecimentos que se intercalem na tríade Graduação, Pesquisa e Extensão, sempre de forma responsável, porque planejados com seriedade e pautados no respeito, temos a certeza de que o presente estudo lhe será de grande valia. Portanto, desejamos a você, aluno, proveitosa leitura. Bons estudos! Prof. Dr. José Rui Camargo Reitor 2 3 Prefácio Este livro-texto, que bastante honrada prefacio, foi eximiamente elaborado pelas professoras Geovana Gentili Santos e Vanessa Regina Ferreira da Silva, as quais prontamente aceitaram nosso convite para a produção deste material, que trata dos estilos de época e da produção literária brasileira como marcadores de identidade cultural dentro de um contexto histórico-social do Brasil do século XIX e do período de transição do século XIX para o século XX. Atentas aos objetivos de despertar o senso crítico do aluno de Letras, professor em formação, frente à realidade luso-brasileira, mediante o conhecimento das diversas formas de expressão artística e literária, relacionando-as com os aspectos econômicos, sociais, históricos, políticos e culturais da sociedade, bem como estimular a reflexão sobre as transformações literárias naquele período de nossa história, Geovana e Vanessa, por meio de um texto de agradável leitura e de um modo muito especial de conduzir o aluno- leitor, apresentam-nos as principais escolas literárias à época e alguns dos nomes de destaque em cada uma delas. Assim, certa de que a Arte, em todas as suas formas, é necessária ao homem para que ele se torne capaz de conhecer e mudar o mundo, e de que a Arte é necessária em virtude da magia que lhe é inerente, desejo sinceramente que você, caro aluno, entregue- se à leitura desse livro-texto, estude muito, aprenda bastante e, mais do que isso, desfrute do prazer de entrar em contato com autores e obras singulares, que marcaram época e atravessam os tempos. Esteja certo de que, se você desenvolver-se como leitor, especialmente como leitor da Literatura, certamente será um professor entusiasmado e saberá conduzir seus alunos àquele momento mágico da leitura, em que o tênue véu que separa a realidade da fantasia se rompe e deixa voar a imaginação. Então, venha! Você é meu convidado. Profa. Mestra Isabel Rosângela S. Amaral Coordenadora do Curso de Letras – Língua Portuguesa 4 5 Sobre o autor GEOVANA GENTILI SANTOS: Doutora pela Universidade Estadual Paulista (UNESP/Assis), junto ao Programa de Pós-graduação em Letras "Literatura e Vida Social", com bolsa sanduíche Erasmus Mundus junto à Universidade de Santiago de Compostela (USC/Espanha) e Mestre pela Universidade Estadual Paulista (UNESP/Assis), junto ao Programa de Pós-graduação em Letras "Literatura e Vida Social", com bolsa CAPES. Graduadapela UNESP/Assis, em Letras Português/Francês (2005) e em Português/Espanhol (2007), com bolsa FAPESP de Iniciação Científica. É professora no Curso de Letras Presencial na Universidade Cidade de São Paulo – UNICID, ministrando aulas na área de Língua Portuguesa e Linguística, e professora nos Cursos de Letras, na modalidade a distância, na Cruzeiro do Sul Educacional, ministrando aulas na área de Literatura Brasileira e Portuguesa, Teoria Literária, Língua e Espanhola, e Literatura Hispano-americana. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em língua portuguesa, literatura brasileira, literatura infanto-juvenil brasileira e galega, língua espanhola e suas literaturas. VANESSA REGINA FERREIRA DA SILVA: Doutora pela Universidade de Santiago de Compostela (USC/Espanha) junto ao Programa de “Literatura Gallega y lusófonas. Cultura e identidade”. Mestre pela Universidade Estadual Paulista - Júlio de Mesquita Filho (UNESP/Assis), junto ao Programa de Pós-graduação em Letras: “Literatura e Vida Social”, na linha de pesquisa “Literatura e Ensino”; e Licenciada por essa mesma instituição em Letras (Português/Espanhol). Atualmente é professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo IFSP - Campos do Jordão. Já ministrou aulas no COTUCA, Colégio Técnico da UNICAMP - Campinas/SP; na Faculdade de Tecnologia de São Paulo - FATEC de Americana; e no Instituto Federal de São Paulo - IFSP-Avaré. No âmbito da Educação a Distância - EaD, atuou como professora responsável no Curso de Letras (Português, Espanhol e Inglês) da Universidade Cidade de São Paulo (UNICID). Tem experiência na área de Letras, com ênfase em literatura brasileira, literatura infantil e juvenil brasileira e galega, literatura comparada e recepção literária, assim como ensino de língua e literatura portuguesa e espanhola. 6 7 Caros(as) alunos(as), Caros( as) alunos( as) O Programa de Educação a Distância (EAD) da Universidade de Taubaté apresenta-se como espaço acadêmico de encontros virtuais e presenciais direcionados aos mais diversos saberes. Além de avançada tecnologia de informação e comunicação, conta com profissionais capacitados e se apoia em base sólida, que advém da grande experiência adquirida no campo acadêmico, tanto na graduação como na pós-graduação, ao longo de mais de 35 anos de História e Tradição. Nossa proposta se pauta na fusão do ensino a distância e do contato humano-presencial. Para tanto, apresenta-se em três momentos de formação: presenciais, livros-texto e Web interativa. Conduzem esta proposta professores/orientadores qualificados em educação a distância, apoiados por livros-texto produzidos por uma equipe de profissionais preparada especificamente para este fim, e por conteúdo presente em salas virtuais. A estrutura interna dos livros-texto é formada por unidades que desenvolvem os temas e subtemas definidos nas ementas disciplinares aprovadas para os diversos cursos. Como subsídio ao aluno, durante todo o processo ensino-aprendizagem, além de textos e atividades aplicadas, cada livro-texto apresenta sínteses das Unidades, dicas de leituras e indicação de filmes, programas televisivos e sites, todos complementares ao conteúdo estudado. Os momentos virtuais ocorrem sob a orientação de professores específicos da Web. Para a resolução dos exercícios, como para as comunicações diversas, os alunos dispõem de blog, fórum, diários e outras ferramentas tecnológicas. Em curso, poderão ser criados ainda outros recursos que facilitem a comunicação e a aprendizagem. Esperamos, caros alunos, que o presente material e outros recursos colocados à sua disposição possam conduzi-los a novos conhecimentos, porque vocês são os principais atores desta formação. Para todos, os nossos desejos de sucesso! Equipe EAD-UNITAU 8 9 Sumário Palavra do Reitor .............................................................................................................. 1 Prefácio ............................................................................................................................. 3 Sobre o autor ..................................................................................................................... 5 Caros(as) alunos(as) ......................................................................................................... 7 Ementa ............................................................................................................................ 11 Objetivos ......................................................................................................................... 14 Unidade 1 Introdução ao Romantismo. A Primeira Geração ................................. 20 1.1 Contextualização ...................................................................................................... 20 1.2 Primeira geração romântica: literatura e identidade nacional .................................. 22 1.3 Representações literárias: o índio e a natureza sob viés romântico .......................... 28 1.4 Síntese da Unidade ................................................................................................... 49 1.5 Para saber mais ......................................................................................................... 49 1.6 Atividades ................................................................................................................. 51 Unidade 2 Romantismo. O Mal do Século e a Crítica Social ................................... 55 2.1 Contextualização ...................................................................................................... 55 2.2 Segunda geração: amor, morte, desilusão ................................................................ 59 2.3 Terceira geração: poesia social ................................................................................. 68 2.4 Síntese da Unidade ................................................................................................... 75 2.5 Para saber mais ......................................................................................................... 75 2.6 Atividades ................................................................................................................. 77 Unidade 3 Realismo e Naturalismo. Um Olhar Objetivo da Sociedade ................. 83 10 3.1 Realismo: a sociedade e os comportamentos coletivos no centro das análises ........ 83 3.2 Machado de Assis ..................................................................................................... 90 3.3 Naturalismo: um desdobramento da estética realista ............................................. 101 3.4 Síntese da Unidade ................................................................................................. 107 3.5 Para saber mais ....................................................................................................... 108 3.6 Atividades ............................................................................................................... 109 Unidade 4 Parnasianismo e Simbolismo: Da Perfeição da Forma ao Transcendente ............................................................................................................. 113 4.1 Parnasianismo: os detalhes da forma ......................................................................113 4.2 Olavo Bilac: o príncipe do Parnasianismo brasileiro ............................................. 116 4.3 Simbolismo: em busca do mistério ......................................................................... 122 4.4 Síntese da Unidade ................................................................................................. 132 4.5 Para saber mais ....................................................................................................... 133 4.6 Atividades ............................................................................................................... 134 Referências ................................................................................................................... 145 11 ESTILOS DE ÉPOCA NA LITERATURA BRASILEIRA: o século XIX Ementa ORGANIZE-SE!!! Você deverá dispor de 3 a 4 horas para realizar cada Unidade. EMENTA Os estilos de época e a produção literária brasileira como marcadores de identidade cultural dentro de um contexto histórico-social do Brasil do século XIX. A transição do século XIX para o século XX. 12 13 14 Objetivo Geral Conhecer a produção literária brasileira no século XIX. Obj eti vos Objetivos Específicos • Despertar o senso crítico frente à realidade luso-brasileira, mediante o conhecimento das diversas formas de expressão artística e literária, relacionando-as com os aspectos econômicos, sociais, históricos, políticos e culturais da sociedade. • Compreender os processos culturais que influenciaram a formação da literatura brasileira. • Analisar textos literários relacionando-os com os contextos e com a realidade histórico-social luso-brasileira. • Discutir as transformações literárias ocorridas nesse período e associá- las à formação do público leitor. • Abordar os conteúdos visando ao exercício do magistério. 15 16 Introdução “Exercício de pensamento e experiência de escrita, a literatura corresponde a um projeto de conhecimento do homem e do mundo.” (Compagnon, 2010) “A literatura não permite caminhar, mas permite respirar.” (Barthes, 1964) É muito comum, em nossa sociedade, ouvirmos o questionamento: “para que serve literatura?” ou, ainda, “são textos velhos que não têm nada a ver com a gente hoje!”. Essas colocações – que algumas vezes também habitam o universo interior de muitos alunos – mostram o quanto não assimilamos em que consiste a literatura e o porquê de estudá-la. Tal como formulado pelos autores Compagnon e Barthes, a literatura extrapola a ideia de texto ficcional e assume a sua essência humanizadora e imprescindível para o homem, devendo, portanto, ser vista como um direito indispensável a todos. Esse caráter de imprescindibilidade concretiza-se também na fala de Antonio Candido – de que a literatura permite esse olhar para o particular (o homem) e para o geral (o mundo): “a literatura confirma e nega, propõe e denuncia, apoia e combate, fornecendo a possibilidade de vivermos dialeticamente os problemas” (ANTONIO CANDIDO, p. 113). Por essa dimensão humanística da literatura é que as palavras de Roland Barthes não se configuram como um exagero, mas, sim, como a essência da arte literária: ela nos faz caminhar! Assim sendo, dedicar-se ao estudo historiográfico da literatura é, antes de mais nada, voltar-se à compreensão da natureza humana, afinal, enquanto objeto construído, a literatura carrega em si uma determinada percepção de mundo e é exatamente por meio dessa construção, desse modo de formar (ECO, 1971), que a literatura humaniza. Nosso percurso nos estudos literários trilhará pela literatura brasileira do século XIX. 17 Voltaremos àqueles escritores que, por meio do seu fazer poético, expressaram a busca pela criação de uma identidade nacional, isto é, de uma literatura que se voltasse para as questões brasileiras e se desvinculasse da força exercida, ainda, pela cultura estrangeira, sobretudo a portuguesa. Para uma melhor organização didática, recorremos à clássica denominação dos estilos de época (ou períodos literários ou escolas literárias), pois estes facilitam a assimilação e compreensão do movimento interno no campo da arte. Com a periodização por estilos de época, é possível perceber como o conceito de literatura defendido em cada obra revela a percepção de mundo e do homem daquele momento. Já estabelecido nas principais histórias da literatura, o século XIX está composto por cinco (cinco) estilos de época ou escolas literárias: o Romantismo (na primeira metade do século); o Realismo e o Naturalismo (na segunda metade do século); o Simbolismo e o Parnasianismo (no final do século). Assim, na primeira Unidade, nos dedicaremos ao Romantismo, retomando o contexto sociocultural e literário; destacando os principais movimentos, como a Revolução Francesa e Independências das Colônias. No âmbito da literatura, demarca-se o anseio pela emancipação que se manifesta no discurso literário e na construção de um protagonista herói, tal como se nota em José de Alencar e em Gonçalves Dias. Na segunda Unidade, ainda estudando o período do Romantismo, trataremos de dois movimentos estéticos: um, denominado mal do século, e que tem em nossa literatura como grande expoente Álvares de Azevedo; e, outro, em que se nota, nitidamente, uma visão crítica às práticas sociais, encontrando em Castro Alves uma das principais vozes. Na terceira Unidade, adentramos no contexto histórico da República, no qual estão duas escolas literárias: o Realismo e o Naturalismo. Em meio a tantas transformações políticas e sociais, na literatura ecoam vozes que desnudam a dinâmica social e a excentricidade humana, não mais com o tom idealizado e sonhador de outrora; antes disso, fazem um retrato da sociedade colocando a nu as relações por interesse, o cotidiano massacrante da falsidade, do egoísmo, etc. Vozes como a de Machado de Assis e de Aluísio de Azevedo tornam-se expoentes desse período literário. 18 Na quarta e última Unidade, fechando o século XIX, focaremos nas concepções estéticas que passam a guiar o fazer literário de alguns poetas em duas escolas literárias: o Parnasianismo e o Simbolismo. Ambos os estilos de época têm em comum a preocupação com a própria linguagem, sendo comum entre eles a tese da “arte pela arte”. São representantes desse período literário: Cruz e Souza, Alphonsus Guimarães, Olavo Bilac e Augusto dos Anjos. Com este trajeto pela literatura brasileira do século XIX, encerramos o nosso estudo sabendo que, apesar do esforço em oferecer um panorama que revele a essência dos movimentos estéticos ocorridos neste período de 1801-1900, a seleção de obras e autores foi-nos necessária. Por esta razão, esperamos que com este material de estudo você, aluno de Letras, motive-se a expandir seus conhecimentos com leituras, pesquisa e, até mesmo, cursos complementares disponíveis em rede. Lembre-se: a literatura não só nos faz caminhar, ela nos faz respirar! Bons estudos! As autoras. 19 20 Unidade 1 Unidade 1 . Introdução ao Romantismo. A Primeira Geração Nesta primeira Unidade, conheceremos como se caracterizou a produção literária daprimeira geração romântica no Brasil. Para isso, vamos apresentar o contexto social e histórico do momento em debate e conhecer a relação entre literatura e nacionalidade. Este último aspecto é fundamental, tanto para a compreensão estética da fase inicial do Romantismo, quanto para entender a valorização artística dada aos escritores mais emblemáticos desta vertente do Romantismo no Brasil. 1.1 Contextualização “Liberdade, Igualdade, Fraternidade.” Ao escutarmos ou lermos essas três palavras, na ordem em que elas aparecem, associamo- las a um momento particular da História da humanidade, não é mesmo? Devido ao nosso conhecimento de mundo, sabemos que esses termos ganharam uma amplitude política e personificaram o lema ideológico de um episódio decisivo da sociedade moderna, quer seja, a Revolução Francesa (1789). Assim como esse evento gerou uma reviravolta intensa na estrutura social, ele também foi decisivo na instauração de uma nova concepção artística que passou a vigorar a partir do século XIX, denominada posteriormente de Romantismo. Dada a importância desse advento histórico, vamos lembrar – em linhas gerais – o que foi a Revolução Francesa. Observe o quadro a seguir: 21 Ao vê-lo, qual conhecimento histórico você recupera? Eugène Delacroix (1798-1863) é um dos expoentes centrais da pintura romântica e ficou mundialmente conhecido, sobretudo, pela pintura da tela “A liberdade guiando o povo” (Figura 1.1). Como o próprio título já sugere, o pintor francês confere destaque ao levante popular em prol da liberdade. Esse enfoque, de certa forma, deixa explícita a importância das camadas populares nas lutas instauradas no território francês entre os séculos XVIII e XIX. E, de fato, esse estrato social teve um papel decisivo nessas reinvindicações. Mas, será que foi o povo que ganhou um protagonismo na estrutura social do período? Certamente, não. Sabemos que as repercussões centrais da Revolução Francesa foram, dentre outras: a) derrubar uma forma política centralista e autoritária de poder – o Absolutismo – e b) colocar em destaque uma nova classe social: a Burguesia, grupo representante de comerciantes e detentores dos meios de produção de riqueza. Tais mudanças não se restringiram à estrutura social e política. Ao contrário. Elas incidiram, também, em um novo modo de fazer artístico, pois, deposta a nobreza do poder, como cultivar uma arte voltada para os valores dessa classe social? Diante desse novo cenário, os artistas começaram a recusar os valores promulgados pela Antiguidade Clássica de se fazer arte como imitação e valorização do equilíbrio, da objetividade e do belo. Tais paradigmas foram redimensionados pelos artistas românticos, os quais inauguraram novas concepções no processo de produção artística, quer sejam, a originalidade, o subjetivismo e a emoção – elementos estes que vigoram até os dias atuais. Figura 1.1: A liberdade guiando o povo (1830), de Eugène Delacroix. Fonte: http://www.louvre.fr/en/mediaimages/le- 28-juillet-la-liberte-guidant-le-peuple-28-juillet- 1830-0> Acesso em: 19 ago. 2017. 22 Voltando à pintura de Eugène Delacroix, observe, mais uma vez, o quadro. Você notou como o pintor retrata a luta política? Há objetividade nessa representação? Para ampliar essa discussão, leia a análise desse quadro inserido no projeto “Um pouco de arte para sua vida”, disponível em: <http://noticias.universia.com.br/destaque/noticia/2012/01/06/903132/conheca- liberdade-guiando-povo-eugne-delacroix.html#> Você observou que na análise da obra foram destacados os valores emotivos e a representação da liberdade em cada elemento do quadro? Como discutimos acima, tais elementos são categóricos para a compreensão do projeto estético do Romantismo, em todas as esferas artísticas: pintura, música, literatura, teatro, etc. Após a nossa discussão, pode-se reconhecer que, ao menos no campo artístico, o lema da Revolução Francesa não passou despercebido. Os artistas românticos “rebelaram-se” contra os valores antigos e padronizados da concepção clássica. A partir deles, novos projetos artísticos ganharam o primeiro plano como a individualidade e a liberdade de criação, por exemplo. Tais fatores são decisivos para compreensão da pluralidade de estilos que representam o período em questão, como bem sintetiza Adilson Citelli (1993, p. 6): O romantismo enquanto um estilo de época pode ser datado, ou pelo menos delimitado, a um período que vai aproximadamente entre o final do século XVIII e meados do século XIX. Ou seja, mais de meio século de duração de um movimento que apresentou em seu interior variáveis quase antitéticas, nuances tão diferenciadas que chegaria a se constituir em absurdo qualquer a tentativa de pensar a existência de um único romantismo; o correto será pluralizarmos o termo: ao invés de romantismo, romantismos. Essa pluralidade artística será observada no Romantismo brasileiro, como veremos nesta e na próxima Unidade. 1.2 Primeira geração romântica: literatura e identidade nacional 23 A mudança de mentalidade instaurada pela Revolução Francesa não se restringiu ao território francês. Ao contrário. Esse evento foi decisivo para a instauração de novas conjunturas políticas que foram deflagradas ao longo do século XIX. Restringindo-nos ao caso brasileiro e à primeira metade do século XIX, neste momento nos interessa abordar duas questões políticas elementares para compreensão do posicionamento artístico dos primeiros escritores românticos no País: a transferência da Corte portuguesa para o Rio de Janeiro e a Independência do Brasil. Devido à invasão de Napoleão Bonaparte a Portugal, a Corte lusitana (acompanhada dos portugueses mais próximos a ela) passa a morar em uma de suas colônias, o Brasil. Você já imaginou a reviravolta desse deslocamento para o nosso País? Sem dúvida, as consequências foram imensas e significativas, não é mesmo? Para o tema que nos interessa, pode-se afirmar que ele foi decisivo para o fortalecimento da produção, circulação e recepção literária. Com a presença da Corte portuguesa, iniciaram-se os serviços de impressão, intensificou-se a publicação de jornais, inauguraram-se instituições de educação e, consequentemente, ampliou-se o número de leitores – todos elementos categóricos para o desenvolvimento de um sistema literário (ANTONIO CANDIDO, 1959). Diante desse novo quadro é compreensível que, a partir do século XIX, a produtividade literária tenha aumentado e proporcionado um rendimento financeiro entre os escritores. Visando ao gosto e ao consumo do seleto público leitor, uma vez que este se restringia, sobretudo, às camadas sociais mais abastadas, os escritores brasileiros visualizaram dois suportes para a publicação de seus textos: primeiro, o jornal; depois, o livro. 24 Essa importante mudança do cenário sociocultural brasileiro, proporcionada pela presença do reinado português, contudo, não repercutiu no desenvolvimento de um projeto político e econômico para o País. Ao contrário, a relação de subordinação entre o colonizador e a colônia fora mantida. Descontentes com esse status quo e influenciados pela independência de outras colônias americanas, fazendeiros e comerciantes passaram a pressionar Dom Pedro I. Este não teve alternativa e cedendo às pressões, em 1822, proclamou a Independência do Brasil. Você sabia? No século XIX, o principal espaço de publicação dos textos literários era o jornal. Para garantir a adesão do público ao relato ficcional, os escritores exploravam algumastécnicas narrativas habituais como: a elaboração de uma trama simples e cheia de mistérios; a presença de um par amoroso que só fica junto no final; o prolongamento de episódios e a exploração de ganchos e interrupções de cenas centrais de um capítulo ao outro e, claro, o final feliz. Esse estilo ficou conhecido como Romance de Folhetim. No Brasil, esse gênero literário fora cultivado por muitos escritores, por exemplo, Joaquim Manuel de Macedo, José de Alencar, Manuel Antônio de Almeida, Machado de Assis, Lima Barreto, entre outros. Atualmente, essas técnicas têm sido exploradas e inovadas em ficções do meio eletrônico como as telenovelas e as séries televisivas e da internet. Saiba mais Para saber mais acerca desse período, vale a pena assistir ao documentário “Panorama Histórico Brasileiro”. Nesta coletânea, composta por 15 vídeos, você pode acompanhar uma síntese dos momentos decisivos da vida brasileira. Não deixe de assistir! Fonte: <https://www.youtube.com/watch?v=xubWk_7HgyY&index=1&list=PL2CCF74F3B149F 96D> Acesso em: 20 ago. 2017. 25 Quando pensamos no efeito – imediato – da Independência do Brasil, é fácil correlacionarmos esse ato ao fomento da nacionalidade, não é mesmo? Em linhas gerais, a ruptura entre Portugal e Brasil trouxe à tona o “nascimento” de um novo País e, consequentemente, um conjunto de indagações: quem somos? Quais são nossas raízes? Quais são nossas características? Situados nesse contexto originário, os escritores românticos brasileiros, especialmente os inaugurais do movimento, encontraram não só um espaço receptivo para a projeção de uma representação identitária como também conceberam os elementos pátrios como categóricos para a construção de um projeto estético. No que tange a esse aspecto, devemos compreender que: o Romantismo brasileiro foi inicialmente (e continuou sendo em parte até o fim), sobretudo nacionalista. E nacionalismo foi antes de mais nada escrever sobre coisas locais. Daí a importância da narrativa ficcional em prosa, maneira mais acessível e atual de apresentar a realidade, oferecendo ao leitor maior dose de verossimilhança e, com isso, aproximando o texto da sua experiência pessoal (ANTONIO CANDIDO, 2012, p. 36). Cabe destacar que a concepção de elementos nacionais como característicos de um projeto estético literário não se restringe ao cenário brasileiro. Na verdade, enquanto elemento temático-formal, a ficcionalização de elementos nacionais está no bojo da própria estética romântica e marca uma de suas facetas que fora inaugurada, sobretudo, pelos escritores alemães. Isso posto, a relação entre literatura e nacionalismo deve ser vista como um estilo de época característico do período aludido, especialmente no decorrer do século XIX. Agora que já sabemos que o Brasil constituirá um tema central em alguns textos literários do período, é importante matizar que, para compreensão do projeto estético desse momento, a seguinte indagação deve estar presente: o que é genuinamente brasileiro? Para pensarmos nessa pergunta, vamos fazer um pequeno parêntese em nossa viagem ao século XIX. 26 Quando somos indagados a responder quais símbolos-culturais são característicos do Brasil, o que vem à nossa mente? Certamente, você sabe elencar alguns deles, não é mesmo? Caso você esteja indeciso, escute esta bela música do compositor e cantor Jorge Ben, “País Tropical” (1969), disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=5ger8PgN-Os&index=1&list=RD5ger8PgN-Os> Acesso em 02 set. 2017 Ao longo da música, o eu-lírico descreve e enfatiza (pela repetição) o Brasil como um País exuberante e abençoado por Deus. Para defender sua opinião, ele destaca alguns elementos característicos desse paraíso terrestre: a natureza, o carnaval, o futebol, a mulata, etc. E você, concorda com ele? Mesmo que não aceitemos essa valorização, provavelmente, como brasileiros, reconhecemos esses símbolos-culturais como característicos do Brasil. Tal reflexão nos serve de baliza para entendermos que, em um contexto de fundação nacional, a escolha de elementos locais serve como marcos identitários importantes para a construção de um Brasil autônomo. Dentro do contexto em que nos situamos neste livro- texto, o século XIX, o acervo artístico, desempenhou um papel fundamental nesse quesito. Tente recuperar em seus conhecimentos quais elementos foram escolhidos, como genuinamente nacionais, pelos artistas do período? Para responder a essa pergunta, observe o quadro ao lado. Ao longo dos séculos XV ao XIX, o Brasil e sua particularidade local despertaram o interesse de muitos europeus. Estes, no afã de descrever a nova terra, passaram a retratar os elementos característicos da terra do pau-brasil. Nesse contexto, Figura 1.2: Floresta virgem do Brasil (1816), de Conde de Clarac. Fonte:https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Cla ude-Fran%C3%A7ois_Fortier_- _Floresta_virgem_do_Brasil.JPG?uselang=pt- br#filelinks> Acesso em: 20 ago. 2017. 27 enquadra-se essa pintura de Conde de Clarac. Ao observamos o quadro, notamos o destaque dado à natureza e ao índio. Ambos, embora retratados em uma proporção diferenciada, são representantes originários desse espaço. A própria denominação do quadro – “Floresta virgem do Brasil” – acentua a tematização da obra. Embora pareça curioso que o olhar de fora tenha delimitado nossas origens, devemos recordar que a própria “certidão de nascimento do Brasil” foi estabelecida pelo famoso texto “A carta de Pero Vaz de Caminha”. Nesse documento, dois elementos são destacados como centrais. Você lembra quais são eles? Exatamente, o índio e a terra. Como sabemos, “A Carta de Caminha” contempla as primeiras impressões dos europeus em relação ao nosso País. Caso você não tenha lido esse texto, sugerimos que o faça. No Portal Domínio Público, você pode ter acesso ao texto, na integra: <http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co _obra=17424> Acesso em 03 set. 2017. Diante desse contexto político-histórico-cultural é que se deve realizar a leitura dos textos literários da primeira geração romântica. Ao entendermos que tanto a independência quanto a afirmação identitária marcaram o homem do século XIX, apreendemos – com mais cuidado – as escolhas estéticas dos escritores dessa primeira faceta do romantismo e a ênfase dada a questões locais como um traço central da estética do período, como reconhecem inúmeros pesquisadores no Brasil, como Lígia Cademartori (1987, p. 41): [...] o Romantismo valorizou os fatores locais, fazendo do nacionalismo um traço decisivo do estilo. Usado como afirmação da identidade nacional no processo de autonomia literária, correspondeu, no Brasil, no plano artístico, à nossa liberdade política. Com o Romantismo, o tema local ganha proeminência e cabe às descrições darem conta da exuberância da paisagem e da curiosidade e peculiaridade dos costumes do País. [...] Buscando o específico do Brasil, o autor brasileiro descobriu no índio um símbolo plástico e poético, capaz de conferir expressividade ao romantismo nacional. O índio foi tratado com dignidade e soberania que possibilitassem a substituição da mitologia clássica. Devido a esse caráter simbólico, o índio romântico não apresenta densidade ou 28 correspondência ao real. Trata-se de uma individualização nacional, afirmação da autonomia estética e política brasileira. Tais aspectos serão observados nos textos de dois grandes escritores dessa fase. Vamos lá? 1.3 Representações literárias: o índio e a natureza sobviés romântico 1.3.1 Gonçalves de Magalhães: o polêmico precursor da primeira geração romântica Imbricado ao contexto de pós-independência no País, a inauguração do Representações literárias: o índio e a natureza, sob o viés romântico do Romantismo brasileiro, foi marcada pelo desejo de proclamação da independência literária, sendo o escritor Gonçalves de Magalhães (1811-1882) o precursor desse projeto. Estabelecido na cidade de Paris e aliado a outros escritores brasileiros que também estavam na França, Gonçalves de Magalhães, no ano de 1836, publica alguns trabalhos que trazem à tona o desejo de estabelecer uma identidade nacional à produção artística brasileira. Esse projeto pode ser visualizado pelo envolvimento do escritor com as seguintes publicações: o manifesto “Discurso sobre a literatura no Brasil”, a inauguração da revista Niterói: revista brasiliense e a obra Suspiros poéticos e saudades. Em todos eles, embora sejam suportes diferenciados, o poeta incide na necessidade de definir as bases de uma literatura brasileira que se afirme em sua particularidade nacional e não se restrinja a uma cópia da produção europeia. 29 Ainda que esse anseio vá ao encontro do projeto estético da primeira geração do Romantismo no Brasil, na historiografia literária, seu nome ficou restrito ao estabelecimento de uma data de inauguração como se pode acompanhar na afirmação de Alfredo Bosi (2013, p. 102): “O nome de Gonçalves de Magalhães é tradicionalmente lembrado pela baliza da publicação dos Suspiros Poéticos e Saudades (1836), livro e data que a história fixou para a introdução do movimento entre nós”. A restrição a esse “mérito cronológico”, na feliz expressão de Bosi, deve-se especialmente pela não originalidade de sua produção ficcional, já que “de romântico tem apenas alguns temas, mas não a liberdade expressiva, que é o toque da nova cultura” (p. 102). Assim como o autor do livro História concisa da literatura brasileira (1970), o crítico Antonio Candido (2002) também restringe o nome de Gonçalves Magalhães a um marco cronológico. Diante do que discutimos ao longo desta Unidade, parece estranha a recepção crítica conferida ao precursor do Romantismo no Brasil, não é mesmo? Além disso, podemos fazer a seguinte indagação: se Gonçalves de Magalhães manifestava o desejo de estabelecer uma literatura romântica – genuinamente – brasileira, por que ele não teve êxito em sua idealização? Certamente, é um caso curioso, não é leitor? Para que você entenda o porquê dessa circunstância, vamos fazer a leitura de um trecho do poema “A Confederação dos Tamoios”, de Gonçalves de Magalhães, disponível em: <http://www.jornaldepoesia.jor.br/maga02.html> Acesso em 22 set. 2017. Então, gostou do poema? Agora que você já o leu, vamos pensar no aspecto temático- Explore: O manifesto “Discurso sobre a literatura no Brasil”, de Gonçalves de Magalhães pode ser lido na íntegra no Portal Domínio Público. Para a leitura do documento, acesse o seguinte endereço eletrônico: <http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObr aForm.do?select_action=&co_obra=2080> Acesso em 22 set. 2017. 30 estrutural desse texto. De uma perspectiva externa, observa-se que o eu-lírico emula os sentimentos do índio condenado à morte. Ao longo do poema, o leitor acompanha os últimos momentos de um índio aprisionado que, no auge da força, recorre às suas crenças. Em relação ao aspecto temático, pode-se afirmar que Gonçalves de Magalhães traz para o centro de seus versos a temática indígena. Mas, e quanto à forma? Você percebeu que se trata de um poema épico, em versos decassílabos livres? Se recuperarmos a discussão inicial desta Unidade, estabelecemos que uma das inovações dos escritores românticos foi justamente rejeitar uma estruturação rígida para a composição de seu fazer literário. Por esse motivo, a estética clássica e seu anseio por uma composição fixa como o soneto, a épica, etc. foram colocados à margem. Para o escritor romântico não há regras, ao contrário, o seu princípio artístico é a liberdade expressiva. Nesse aspecto, como registramos na apreciação de Alfredo Bosi sobre Gonçalves Magalhães nas linhas anteriores, podemos afirmar que o precursor do romantismo falhou, em termos formais. Verdade? Além de não figurar como um escritor de destaque estético na historiografia literária, a produção artística de Gonçalves de Magalhães ocasionou uma famosa discussão – literária – entre o escritor em questão e José de Alencar. Como vimos, dentro da produção ficcional romântica, o poema épico “A Confederação dos Tamoios” não apresenta uma avaliação estética favorável. No entanto, o texto marcou uma discussão basilar para a compreensão do projeto romântico nacional do século XIX e a projeção do principal escritor do romantismo brasileiro da primeira geração. Conforme já discutimos, o estilo formal de Magalhães vai de encontro com o projeto de nacionalidade afirmado como característico dos primeiros escritores românticos. Tal questão fora levantada e comprovada por José de Alencar por meio de críticas ao poema “A Confederação dos Tamoios”. A polêmica, conhecida pelo próprio nome do poema épico, veio à tona através de cartas, não amigáveis, trocadas entre os dois escritores. Para a compreensão do debate instaurado, leia o texto “Polêmica sobre A Confederação dos Tamoios (José de Alencar x Gonçalves de Magalhães)”, disponível em: 31 <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo5282/polemica-sobre-a-confederacao-dos- tamoios-jose-de-alencar-x-goncalves-de-magalhaes> Acesso em 22 set. 2017. Diante do exposto no texto e na discussão realizada na introdução deste tópico, pode-se afirmar que um dos projetos centrais da primeira geração do romantismo tem como base a representatividade de elementos nacionais e a originalidade de composição formal; esta idealizada como uma diferenciação aos modelos clássicos. Tendo essa baliza como um marco de qualidade literária, são considerados como emblemáticos de uma literatura indianista Gonçalves Dias e José de Alencar, como será discutido nas próximas linhas. 1.3.2. Gonçalves Dias: o poeta indianista Na historiografia literária brasileira, o nome de Gonçalves Dias (1823-1864) é destacado como o principal expoente da poesia indianista romântica. Essa evidência pode ser visualizada em diversos livros basilares dos estudos literários. Por exemplo, na obra Iniciação à literatura brasileira (2002), Antonio Candido afirma que: [...] na perspectiva de hoje o primeiro poeta romântico de valor é Gonçalves Dias (1823-1864), que é também o único indianista de interesse da nossa poesia. [...]. A sua poesia lírica, [...] no tema indianista ou fora dele, se caracteriza pela segurança da língua, que soube manipular com pureza elegante, às vezes meio afetada. Os seus Primeiros cantos (1846) o consagraram como grande modelo dos jovens, e durante todo o Romantismo foi um dos pontos de referência da poesia brasileira. Foi também estudioso da etnografia e das línguas indígenas, além de teatrólogo de valor [...] (ANTONIO CANDIDO, 2015, 49). Figura 1.3: Retrato de Gonçalves Dias Fonte:<http://enciclopedia.itaucultu ral.org.br/pessoa2775/goncalves- dias> Acesso em: 22 set. 2017 32 Com uma perspectiva similar à do sociólogo, Alfredo Bosi (2002, p. 109), em História concisa da literatura brasileira, também enfatiza o valor artístico do escritor: “Gonçalves Dias foi o primeiro poeta autêntico a emergir em nosso Romantismo. [...] a sua personalidadede artista soube transformar os temas comuns em obras poéticas duradouras que o situam muito acima dos predecessores”. Como um poeta de referência, o êxito de Gonçalves Dias não se restringe, apenas, ao crivo da crítica literária, pois seus versos têm sido relembrados fora do âmbito acadêmico também. Por exemplo, você conhece, ou já declamou, o famoso poema “Canção do exílio”? Certamente sim, não é? Vamos fazer a leitura do texto? Para isso, acesse o seguinte link do Portal Domínio Público: <http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co _obra=2112> Acesso em 22 set. 2017. Conseguiu recuperar, em sua memória, esse poema sempre recitado, sobretudo, em nosso período escolar? No poema, com um tom saudoso e melancólico, o eu-lírico recupera a exuberante beleza de sua terra natal que, pela descrição da natureza e nossa experiência como leitores, sabemos que se trata do Brasil. Mas, você já se perguntou por que Gonçalves Dias incluiu uma epígrafe, em alemão, do poeta Goethe para retratar o seu país de origem? Saiba mais: Na página eletrônica da Academia Brasileira de Letras (ABL), você pode conhecer alguns dados da vida de Gonçalves Dias como: 1) Perfil acadêmico, 2) Biografia e 2) Bibliografia. Fonte: <http://www.academia.org.br/academicos/goncalves-dias> Acesso em 22 set. 2017. 33 A escolha desse paratexto não é ocasional. Ele não só contribuiu para a intensidade temática do poema (o amor do eu-lírico por sua terra natal) como também homenageia o poeta Goethe, um dos principais expoentes da vertente nacionalista da estética romântica. Desse modo, como um poeta indianista, Gonçalves Dias recuperou em seus versos as belezas locais a fim de contribuir para a caraterização de uma literatura genuinamente nacional como estava em voga na literatura do século XIX. E, pode-se afirmar que seu trabalho não passou despercebido, uma vez que “Canção do exílio” é um dos poemas mais retomados e/ou parodiados do romantismo brasileira, seja por poetas seja por cantores. E já que falamos em música, para concluir essa introdução ao projeto estético de Gonçalves Dias, é importante destacar que alguns versos de “Canção do Exílio” integram a principal canção patriótica do País, a saber, o Hino Nacional Brasileiro. Diante da discussão que estamos realizando nesta primeira Unidade, pode-se afirmar que essa intertextualidade não é por causalidade, não é mesmo? De fato, o poeta maranhense conseguiu eternizar as belezas naturais brasileiras em seus versos. Para finalizar, agora que você já conhece o poema em debate, escute o Hino Nacional Brasileiro e identifique quais versos do poeta romântico foram introduzidos na música: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/hino.htm> Acesso em 22 set. 2017. Você sabia? Quando se deseja retratar o efeito e as consequências do sujeito exilado, “Canção do exílio”, de Gonçalves Dias constitui-se como poema emblemático dessa temática. Tal representatividade pode ser observada na retomada desse poema por diversos textos: os poemas de Casimiro de Abreu e de Murilo Mendes, ambos também intitulados “Canção do exílio”; o de Carlos Drummond de Andrade, “Nova canção do exílio”; o de José Paulo Paes, “Canção do exílio facilitada”; a famosa música “Sábia”, de Chico Buarque e Tom Jobim, entre outros. 34 1.3.2.1. Textos de Gonçalves Dias: leitura e análise Como discutimos em linhas anteriores, Gonçalves Dias é o principal representante dos poetas românticos, sobretudo da literatura indianista. Embora sua produção não se restrinja a essa estrutura temática, dentro do projeto estético da primeira geração do romantismo, o poeta destaca-se nessa vertente uma vez que: [...], através do índio, Gonçalves Dias retoma as origens da nacionalidade, detendo-se com frequência na luta entre os naturais e os invasores europeus, mostrando a destruição dos primeiros e construindo um certo conceito de poesia americana. A obra indianista do poeta é vasta, indo deste os Primeiros cantos, até os Últimos cantos, passando pelo inacabado Os timbiras (CITELLI, 1993, p. 49). Como acentua Adilson Citelli, a produção poética de Gonçalves Dias configura-se como uma proposta original e consistente do que representa a poesia indianista entre nós. Diante desse destaque estético, como futuro profissional da área da Letras e professor, é importante que você leia a produção poética desse escritor. Neste livro-texto, vamos fazer a leitura e analisar dois poemas do autor. Então, vamos começar? Leia o poema a seguir: CANÇÃO DO TAMOIO I Não chores, meu filho; Não chores, que a vida É luta renhida: Viver é lutar. A vida é combate, Que os fracos abate, Que os fortes, os bravos Só pode exaltar. 35 II Um dia vivemos! O homem que é forte Não teme a morte; Só teme fugir; No arco que entesa Tem certa uma presa, Quer seja tapuia, Condor ou tapir. III O forte, o cobarde Seus feitos inveja De o ver na peleja Garboso e feroz; E os tímidos velhos Nos graves conselhos, Curvadas as frontes, Escutam-lhe a voz! IV Domina, se vive; Se morre, descansa Dos seus na lembrança, Na voz do porvir. 36 Não cures da vida! Sê bravo, sê forte! Não fujas da morte, Que a morte há de vir! V E pois que és meu filho, Meus brios reveste; Tamoio nasceste, Valente serás. Sê duro guerreiro, Robusto, fragueiro, Brasão dos tamoios Na guerra e na paz. VI Teu grito de guerra Retumbe aos ouvidos D’imigos transidos Por vil comoção; E tremam d’ouvi-lo Pior que o sibilo Das setas ligeiras, Pior que o trovão. 37 VII E a mãe nessas tabas, Querendo calados Os filhos criados Na lei do terror; Teu nome lhes diga, Que a gente inimiga Talvez não escute Sem pranto, sem dor! VIII Porém se a fortuna, Traindo teus passos, Te arroja nos laços Do inimigo falaz! Na última hora Teus feitos memora, Tranquilo nos gestos, Impávido, audaz. IX E cai como o tronco Do raio tocado, Partido, rojado Por larga extensão; 38 Assim morre o forte! No passo da morte Triunfa, conquista Mais alto brasão. X As armas ensaia, Penetra na vida: Pesada ou querida, Viver é lutar. Se o duro combate Os fracos abate, Aos fortes, aos bravos, Só pode exaltar. Fonte: www.academia.org.br/academicos/goncalves-dias/textos-escolhidos> Acesso em 28 set. 2017. Gostou do poema? Lembre-se de que o gênero poético requer uma leitura atenta e, geralmente, exige mais de uma leitura. Da leitura deste poema e diante do que estamos discutimos ao longo desta Unidade, pode- se constatar que “Canção do Tamoio” se inscreve perfeitamente no ideal estético e político do primeiro momento da literatura romântica no Brasil. Vamos analisá-lo? Subdividido em cantos de uma estrofe, cada uma com 8 versos, o poema dá voz a um eu- lírico indígena celebrando o nascimento do filho e enumerando os valores esperados deste em contraposição aos valores indesejáveis. O ritmo, assim como sua métrica, com cinco sílabas poéticas, emulam o som de tambores. Podemos, assim, pensar na situação de emissão do eu-lírico: uma cerimônia tribal em que 39 este dirige-se não só a seu filho mas também a seus pares. A partir da enumeração das qualidades esperadas de seu filho – bravura, força, inteligência – a voz do poema pinta um quadroelogioso do índio brasileiro, que no espectro indianista ressurge como passado mítico-histórico brasileiro, questão ilustrada, por exemplo, no canto IV: “Sê bravo, sê forte! / Não fujas da morte, / Que a morte há de vir!” A escolha da primeira pessoa ressalta outra característica do Romantismo: a expressividade. Neste poema ela atua para aproximar o leitor do sentimento do eu-lírico e atribuir verossimilhança ao discurso. Tal aspecto é percebido pelo fato de a voz do poema estar se dirigindo a outro, no caso o filho, por meio do vocativo e pelo uso do imperativo afirmativo e negativo durante o poema inteiro, como pode ser notado desde o primeiro canto: Não chores, meu filho: Não chores, que a vida É luta renhida: Viver é lutar. A vida é combate, Que os fracos abate, Que os fortes, os bravos, Só pode exaltar. A partir dessa análise, podemos constatar que o poema representa – de modo excepcional – a vertente da literatura romântica indianista. Assim como este, outro poema significativo dessa estética é “Leito de folhas verdes”, vamos conhecê-lo? 40 LEITO DE FOLHAS VERDES Por que tardas, Jatir, que tanto a custo À voz do meu amor moves teus passos? Da noite a viração, movendo as folhas, Já nos cimos do bosque rumoreja. Eu sob a copa da mangueira altiva Nosso leito gentil cobri zelosa Com mimoso tapiz de folhas brandas, Onde o frouxo luar brinca entre flores. Do tamarindo a flor abriu-se, há pouco, Já solta o bogari mais doce aroma! Como prece de amor, como estas preces, No silêncio da noite o bosque exala. Brilha a lua no céu, brilham estrelas, Correm perfumes no correr da brisa, A cujo influxo mágico respira-se Um quebranto de amor, melhor que a vida! A flor que desabrocha ao romper d’alva Um só giro do sol, não mais, vegeta: Eu sou aquela flor que espero ainda Doce raio do sol que me dê vida. 41 Sejam vales ou montes, lago ou terra, Onde quer que tu vás, ou dia ou noite, Vai seguindo após ti meu pensamento; Outro amor nunca tive: és meu, sou tua! Meus olhos outros olhos nunca viram, Não sentiram meus lábios outros lábios, Nem outras mãos, Jatir, que não as tuas A arazoia na cinta me apertaram. Do tamarindo a flor jaz entreaberta, Já solta o bogari mais doce aroma, Também meu coração, como estas flores, Melhor perfume ao pé da noite exala! Não me escutas, Jatir! nem tardo acodes À voz do meu amor, que em vão te chama! Tupã! lá rompe o sol! do leito inútil A brisa da manhã sacuda as folhas! Fonte: <http://www.academia.org.br/academicos/goncalves-dias/textos-escolhidos> Acesso em: 28 set. 2017. Em “Leito de folhas verdes”, Gonçalves Dias utiliza-se de um eu-lírico feminino para criar um poema em que traços já conhecidos do Romantismo (a idealização amorosa, a figura feminina idealizada, o sentimentalismo) se misturam ao indianismo, já que a voz retratada é de uma índia que passa a noite à espera de seu amor que, no entanto, não aparece. 42 Em um apelo de amor bem similar às canções de amigo trovadorescas, traço também romântico pelo resgate das tradições medievais, a voz feminina do poema monta um quadro em que mulher e natureza se mesclam em busca do amado: Do tamarindo a flor abriu-se há pouco Já solta o bogari mais doce aroma! Como prece de amor, como estas preces, No silêncio da noite o bosque exala. Chama a atenção a forma do poema, em quadras de decassílabos livres. A quadra, muito apropriada para canções, em “Leito de folhas verdes” ganha uma melodia sensual e penetrante. Você percebeu? Quase podemos sentir a natureza e a indígena suspirarem juntos. Dessa maneira, mesclando recursos diferentes, outra marca do Romantismo, Gonçalves Dias com muita originalidade chega a uma forma ideal para expor os sentimentos da índia. Ainda em relação à forma, nota-se que a expressividade é outra vez muito marcada. As interjeições, os vocativos, o uso da segunda pessoa do singular nos verbos reforçam o sentimentalismo e a urgência do desejo de união com o ser amado: “Não me escutas, Jatir! Nem tardo acodes / À voz do meu amor, que em vão te chama!” Em resumo, neste poema, encontram-se misturadas várias características românticas, como vimos acima, mas trabalhadas de acordo com a cor local e os ideais estéticos do indianismo. Gonçalves Dias produz, desta forma, um poema bastante representativo da busca dos românticos brasileiros: inscrever-se na literatura universal e, ao mesmo tempo, manter a particularidade da terra e da voz natal. Devido à originalidade de Gonçalves Dias ao retratar, em versos, questões caras para a formulação de um projeto literário nacional, o poeta destaca-se como referência no século XIX. Para ampliar seu contato com a poesia desse poeta, assista ao vídeo “3º Ciclo de Conferências –A poesia de Gonçalves Dias”, produzido pela Academia Brasileira de Letras (ABL), disponível em: 43 <https://www.youtube.com/watch?v=1jPIkMJOrQU> Acesso 29 set. 2017. O adjetivo “romântico” deriva do inglês romantic, e este, por sua vez, nasce do substantivo romaunt, de origem francesa (romanz ou romant) que designa os romances medievais de aventuras. No século XVII é usada a palavra “romantismo” e seus derivados, na França e na Inglaterra, para designar “certo tipo de criação poética ligado à tradição medieval de ´romances´, narrativas de heroísmo, aventuras e amor, em verso ou em prosa, cuja composição, temas e estrutura [...] eram sentidos em oposição aos padrões e regras da poética clássica (COUTINHO, apud PROENÇA FILHO, 2012, p. 187). Agora que já conhecemos a poesia indianista, vamos conhecer como se configura essa representatividade estética na prosa? Saiba mais! Na análise de “Leito de folhas verdes”, percebemos que Gonçalves Dias utiliza-se de uma estrutura poética típica do Trovadorismo: a canção de amigo. Ao longo desta Unidade, tem-se destacado que um dos principais projetos estéticos da primeira geração do Romantismo brasileiro define-se pela valorização nacional por meio da criação de símbolos-nacionais como o índio e a natureza. Contudo, é importante destacar que essa perspectiva não exclui a retomada de elementos estrangeiros. Ao contrário, assim como aconteceu na Europa, o Romantismo no Brasil retomou elementos característicos da Idade Média, sendo o cavaleiro medieval um espelho para a configuração do índio nacional. Esse traço será visualizado em um dos principais protagonistas da prosa romântica – o índio Peri, como analisaremos mais adiante. Ainda atrelado à questão da recuperação do acervo medieval, é importante saber que a própria denominação desta escola literária está associada a essa época. 44 1.3.3. José de Alencar: uma literatura nacional Dentro da Literatura Brasileira, o nome de José de Alencar (1829-1877) ocupa um lugar de destaque. Embora sua produção esteja delimitada – cronologicamente – dentro do século XIX, o projeto estético do escritor não só ofereceu uma das perspectivas fundamentais para a consolidação do Romantismo brasileiro como também serviu de base para a projeção de uma questão cara à nossa produção artística, quer seja, a necessidade de representar – esteticamente – as faces de um País marcado pelo olhar estrangeiro. Como se pode observar em livros específicos sobre a escola literária em análise, a representação nacional apresenta-se como uma baliza central para compreensão da escrita alencariana. Por exemplo,no livro Romantismo, Adilson Citelli (1993, p. 52) destaca que na obra de Alencar “é visível [...] o desejo do autor de lutar pela formação de uma consciência nacional, pela busca da chamada “cor local” – aquele elemento diferenciador do Brasil com relação à Europa”. Assim como este crítico, no livro O Romantismo no Brasil, Antonio Candido, de modo mais incisivo, sistematiza toda a produção do escritor cearense ratificando que: Figura 1.4: Retrato de José de Alencar Fonte:www.academia.org.br/academic os/jose-de-alencar> Acesso em: 28 set. de 2017. Saiba mais Na página eletrônica da Academia Brasileira de Letras (ABL), você pode conhecer alguns dados da vida de José de Alencar como: 1) Perfil acadêmico, 2) Biografia e 2) Bibliografia. Fonte: <http://www.academia.org.br/academicos/jose-de-alencar> Acesso em 28 set. 2017. 45 É uma obra bastante ambiciosa. A partir de certa altura, Alencar pretendeu abranger com ela, sistematicamente, os diversos aspectos do país no tempo e no espaço, por meio de narrativas sobre os costumes urbanos, sobre as regiões, sobre o índio. Para pôr em prática esse projeto, quis forjar um estilo novo, adequado aos temas e baseado numa linguagem que, sem perder a correção gramatical, se aproximasse da maneira brasileira de falar. Ao fazer isso, estava tocando o nó do problema (caro aos românticos) da independência estética em relação a Portugal. Com efeito, caberia aos escritores não apenas focalizar a realidade brasileira, privilegiando as diferenças patentes na natureza e na população, mas elaborar a expressão que correspondesse à diferenciação linguística que nos ia distinguindo cada vez mais dos portugueses, numa grande aventura dentro da mesma língua. Como mais tarde Mário de Andrade no Modernismo, José de Alencar atacou a questão da identidade pelo aspecto fundamental da linguagem. E, como Mário Andrade, nem sempre acertou no alvo: o seu diálogo ainda é afetado e livresco, as suas descrições são excessivas e o pecado da ênfase compromete muitas de suas páginas (CANDIDO, 2012, p. 57- 8). Não deixando de reconhecer algumas falhas do escritor, a apreciação de Antonio Candido aponta para aspectos centrais da especificidade da literatura de José de Alencar: 1) o autor, diferente de outros escritores românticos, começa a projetar em seus textos uma língua portuguesa representativa de nosso País; 2) para construção de uma literatura nacional, Alencar conseguiu buscar formas literárias diferenciadas – dentro do gênero romance – como o romance urbano, regional e indianista e 3) sua produção serviu como base para a continuidade de uma literatura nacional, pois, no século XX, os escritores modernistas – com mais êxito – conseguiram projetar uma literatura brasileira revisitando e inovando questões iniciadas pelo escritor romântico como a língua e o nativo brasileiro. Diante desse destaque, pode-se afirmar que a produção literária de José de Alencar não se limita apenas a uma referência da primeira geração do romantismo, pois sua literatura inicia e marca uma tradição crucial para a Literatura Brasileira como um todo: a conscientização de um projeto estético no qual se reconheça a singularidade do Brasil. Dada essa importância, reforçamos o convite à leitura das obras do escritor. Neste livro-texto, selecionamos para a análise do projeto estético alencariano uma das obras mais famosas do escritor: O guarani. Dica de Leitura A produção de José de Alencar é extensa e diversificada. Dentre os romances mais famosos, 46 1.3.3.1. O Guarani: o índio como herói nacional Dentro da produção de José de Alencar, o livro O guarani obteve uma recepção literária ampla (ANTONIO CANDIDO, 2012). Além desse reconhecimento, nessa obra, pode-se visualizar um dos aspectos mais singulares do projeto nacional romântico: a caracterização do índio. Para verificar como este elemento foi configurado na escrita alencariana, vamos analisar quatro capítulos do livro: “A caçada”, “A prece”, “Cristão” e “Epílogo”. Vamos à leitura dos textos? No Portal Domínio Público, você pode ler a obra na íntegra, acesse este link: <http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co _obra=1843> Acesso em 28 set. 2017. O que você achou da representação de Peri? Um índio bastante singular, não é mesmo? Agora que você já conhece – um pouco – do protagonista deste livro, vamos analisá-lo dentro do projeto estético da primeira geração do romantismo. Como vimos, o indianismo no Brasil utilizou o índio como veículo para transmitir seus valores e ideais. Em O guarani, José de Alencar nos apresenta Peri, um verdadeiro herói indígena, que por seus feitos e devoção quase religiosa à Ceci, filha de um fidalgo português, pode ser comparado a um cavaleiro medieval em terras brasileiras. Podemos ver este traço delineado logo num dos primeiros capítulos, sendo notado, inclusive pelo próprio fidalgo, D. Antônio de Mariz: 47 — Não há dúvida, disse D. Antônio de Mariz, na sua cega dedicação por Cecília quis fazer lhe a vontade com risco de vida. É para mim uma das coisas mais admiráveis que tenho visto nesta terra, o caráter desse índio. Desde o primeiro dia que aqui entrou, salvando minha filha, a sua vida tem sido um só ato de abnegação e heroísmo. Crede-me, Álvaro, é um cavalheiro português no corpo de um selvagem! (Trecho do capítulo “A prece”). De fato, Peri carrega traços como força, bravura, inteligência, lealdade. No episódio “A caçada”, o índio captura uma onça viva apenas para agradar Ceci. Neste capítulo, pode- se acompanhar, por meio de uma ótima descrição do protagonista, tais atributos do índio. Sobre a alvura diáfana do algodão, a sua pele, cor do cobre, brilhava com reflexos dourados os cabelos pretos cortados rentes, a tez lisa, os olhos grandes com os cantos exteriores erguidos para a fronte a pupila negra, móbil, cintilante a boca forte mas bem modelada e guarnecida de dentes alvos, davam ao rosto pouco oval a beleza inculta da graça, da força e da inteligência. (Trecho do capítulo “A caçada”.) As proezas do “selvagem” são todas motivadas pela sua dedicação e abnegação à família do português. Em O guarani, como bem aponta o crítico Alfredo Bosi (2003), o elemento autóctone se rende totalmente ao colonizador, inclusive em suas crenças, como podemos ver no capítulo intitulado “Cristão”. Repare como a cena tem similaridade com os juramentos de cavaleiros medievais aos reis: O índio caiu aos pés do velho cavalheiro, que impôs-lhe as mãos sobre a cabeça. — Sê cristão! Dou-te o meu nome. Peri beijou a cruz da espada que o fidalgo lhe apresentou, e ergueu-se altivo e sobranceiro, pronto a afrontar todos os perigos para salvar sua senhora. — Escuso exigir de ti a promessa de respeitares e defenderes minha filha. Conheço a tua alma nobre, conheço o teu heroísmo e a tua sublime dedicação por Cecília, Mas quero que me faças um outro juramento. (Trecho do capítulo “Cristão”) O ápice do heroísmo de Peri se dá no final do livro, emblemático, uma vez que o índio subjuga a natureza para salvar Ceci. Com força sobre-humana, arranca uma palmeira grandiosa para que a moça possa ser salva de uma enchente. 48 Impressionante, não é, leitor? Essa caracterização de Peri vai ao encontro da idealização dos protagonistas românticos: fiel, forte, valente etc. Por essa particularidade, Peri é tido como um dos heróis mais emblemáticos da literatura romântica, sendo até mesmo homenageado em canções brasileiras como a bela música “Um índio”, composta e cantadapor Caetano Veloso. Vamos escutar a canção? <https://www.youtube.com/watch?v=LSVE3QBZb1w> Acesso em 28 set. 2017. Para finalizar essa análise, também é importante destacar que José de Alencar transpõe valores cristãos e europeus (lealdade, honra, castidade do herói) para o solo brasileiro, como vimos com a representação de Peri. Dessa maneira, une duas das vertentes do Romantismo europeu: o resgate da tradição medieval; o nacionalismo e apego à terra natal. Vemos, assim, mais um exemplo de como se deu a fase indianista do Romantismo brasileiro. Sincrética e aberta às inspirações do sistema literário europeu, mas atenta ao desenvolvimento de um sistema que valorizasse a cor local. Não deixe de ler as obras de José de Alencar. Como destacamos, dentro do Romantismo brasileiro, o autor sobressai-se como um dos grandes escritores. Tal reconhecimento deve-se, sobretudo, pela sua consciência de projetar uma literatura nacional. E, como vimos, este anseio do escritor não passou despercebido pela crítica. Para finalizar, assista ao vídeo “José de Alencar – O múltiplo”, trabalho em que se sintetiza muito bem a representatividade do escritor na Literatura Brasileira: <https://www.youtube.com/watch?v=5f8R5Jw_T1Y> Acesso em 29 set. de 2017. Diante das discussões realizadas nas linhas anteriores, pode-se sistematizar que tanto a representatividade dos escritores da primeira geração do romantismo quanto os textos selecionados para análise são valorizados a partir do êxito em ficcionalizar elementos identitários. Nesse caso, não se pode perder de vista que a tônica da nacionalização está relacionada com o período de produção desses textos. Sendo assim, É preciso considerar, particularmente nas nações recém-independentes, o fato de que exaltar a natureza passou a ser sinônimo de afirmação nacional; de certo modo, o romântico confundiu os conceitos de terra e nação, a dimensão física e a dimensão política. Se a terra era boa, a 49 nação também teria que ser. Por isso, aquilo que possuía uma dimensão vegetal ganhou eficácia ideológica. As florestas viraram símbolos de uma virtualidade: o Brasil, por exemplo, poderia vir a ser, com a majestade de sua natureza, uma espécie de paraíso futuro. [...] Deve-se desconfiar que tanta exaltação possua outra função, que não se esgota apenas no plano da descrição ambiental; o objetivo é de enlevar, pela natureza, a própria nacionalidade. Tal movimento contaminou a maioria dos românticos, encontrando uma espécie de ápice em José de Alencar, particularmente em sua trilogia indianista: Ubirajara, Iracema e O guarani (CITELLI, 1993, p. 79). 1.4 Síntese da Unidade Nesta primeira Unidade, discutimos os elementos sociais, históricos e culturais que estão imbricados ao surgimento do Romantismo. Em seguida, apresentamos uma das primeiras vertentes dessa escola e escolhemos os três escritores representativos da literatura indianista. Observou-se que Gonçalves de Magalhães serviu como um precursor dos ideais desse momento, conseguindo pensar quais seriam as saídas para a configuração de uma literatura genuinamente brasileira. Contudo, pode-se afirmar que Gonçalves Dias e José de Alencar são representantes de destaque desse momento da literatura romântica. Por meio de um projeto estético autêntico, cuja tônica recai sobre a ficcionalização de elementos identitários, ambos deixaram uma proposta de literatura brasileira que será seguida e reconstruída, posteriormente, pelos escritores modernistas. 1.5 Para saber mais O sucesso e a importância da produção literária gerada no Romantismo podem ser visualizados pela retomada desse acervo em diversos suportes artísticos e em datas distintas. Nesse caso, para entrar no clima romântico, você pode recorrer a múltiplos suportes artísticos que retomaram e/ou recriaram trabalhos centrais de artistas românticos 50 como músicas, filmes, telenovelas, etc. Cabe destacar que, embora o contato com essas produções seja importante para verificar como foi realizada uma releitura das obras clássicas do século XIX para outras épocas, elas não substituem a leitura dos materiais fontes. Sendo assim, não deixe de ler o acervo literário! Filmes e telenovelas • ARRAES, Guel. Caramuru: a invenção do Brasil. Brasil, 2001. • BENGELL, Norma de. O guarani. Brasil: 1996. • CAMURATI, Carla de. Carlota Joaquina, Princesa do Brasil. Brasil, 1995. • LAURELLI, Glauco Mirko. A Moreninha. Brasil, 1970. • LIMA JR., Walter de. Inocência. Brasil, 1983. Livros • CANDIDO, Antonio. O Romantismo no Brasil. 3.ed. São Paulo: Humanitas FFLCH/USP, 2012. • CITELLI, Adilson. Romantismo. 3.ed. São Paulo: Ática, 1993. • LAJOLO, Marisa. Como e por que ler o romance brasileiro. São Paulo: Objetiva, 2004. • MIRANDA, Ana. Dias & Dias. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. • PIGNATARI, Décio. Retrato do amor quando jovem. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. Sites 51 • http://www.unicamp.br/iel/memoria/ - Enciclopédia Literária. • https://www.youtube.com/watch?v=1jPIkMJOrQU - 3º Ciclo de Conferências - "A poesia de Gonçalves Dias" (ABL) • https://www.youtube.com/watch?v=1SrcA1Yahz0 - 3º Ciclo de Conferências - "José de Alencar e o romance histórico" (ABL) • https://www.youtube.com/watch?v=3dS2fUcHhzg – Ihu: todos os sons, de Marlui Miranda. • https://www.youtube.com/watch?v=PTomUb3r1m0 – O guarani, de Carlos Gomes. • https://www.youtube.com/watch?v=brOhlrK_4SY – Prelúdios (Opus 28), de Fréderic Chopin. • https://www.youtube.com/watch?v=hsoxLXy5x2I – Sábia, de Chico Buarque e Tom Jobim • https://www.youtube.com/watch?v=7f_NNM8NN_w – Um índio, de Caetano Veloso. 1.6 Atividades (Cesgranrio-1994) 1) Dei o nome de Primeiros Cantos às poesias que agora publico, porque espero que não serão as últimas. 2) Muitas delas não têm uniformidade nas estrofes, porque menosprezo regras de mera convenção; adotei todos os ritmos da metrificação portuguesa, e usei deles como me pareceram quadrar melhor com o que eu pretendia exprimir. Não têm 52 unidade de pensamento entre si, porque foram compostas em épocas diversas - debaixo de céu diverso - e sob a influência de impressões momentâneas. 3) Com a vida isolada que vivo, gosto de afastar os olhos de sobre a nossa arena política para ler em minha alma, reduzindo à linguagem harmoniosa e cadente o pensamento que me vem de improviso, e as ideias que em mim desperta a vista de uma paisagem ou do oceano - o aspecto enfim da natureza. Casar assim o pensamento com o sentimento - o coração com o entendimento - a ideia com a paixão - cobrir tudo isto com a imaginação, fundir tudo isto com a vida e com a natureza, purificar tudo com o sentimento da religião e da divindade, eis a Poesia - a Poesia grande e santa - a Poesia como eu a compreendo sem a poder definir, como eu a sinto sem a poder traduzir. Gonçalves Dias, em seu "Prólogo aos primeiros cantos", expõe sua concepção de Poesia, que reflete as características da estética romântica. Assinale o que CONTRARIA as ideias contidas nos três primeiros parágrafos, em relação a Gonçalves Dias. a) A Poesia reflete os mais variados estados de espírito do poeta, sendo fruto da emoção momentânea. b) As suas poesias não apresentam apego à rigidez métrica, apresentando ritmos variados. c) Apesar de terem sido escritas em épocas diversas, constata-se a unidade de pensamento em suas poesias. d) Por serem fruto de criações sob influências locais distintas, suas poesias apresentam-se diferenciadas. e) A força poética de