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CONCEITO DE ESTADO 57. Encontrar um conceito de Estado que satisfaça a todas as correntes doutrinárias é absolutamente impossível, pois sendo o Estado um ente complexo, que pode ser abordado sob diversos pontos de vista e, além disso, sendo extremamente variável quanto à forma por sua própria natureza, haverá tantos pontos de partida quantos forem os ângulos de preferência dos observadores. E em função do elemento ou do aspecto considerado primordial pelo estudioso é que este desenvolverá o seu conceito. Assim, pois, por mais que os autores se esforcem para chegar a um conceito objetivo, haverá sempre um quantum de subjetividade, vale dizer, haverá sempre a possibilidade de uma grande variedade de conceitos. A par disso, toda conceituação pode dar a impressão de redução formalista, mas a palavra Estado tem sido usada com tão variados sentidos que sem um conceito esclarecedor não se fica sabendo em que sentido ela está sendo usada. Para muitos estudiosos essa extrema variedade é desconcertante, parecendo-lhes impossível construir qualquer teoria sobre base tão insegura. E o que ocorre, entre outros, com DAVID EASTON, uma das principais figuras da Ciência Política norteamericana contemporânea. Que é o Estado? - pergunta EASTON. E ele próprio se refere a um autor que informa haver coligido nada menos do que cento e quarenta e cinco diferentes definições (C. H. TITUS, "A Nomenclature in Political Science", 25 American Political Science Review, 1931, 45-60, on p. 45), observando que raras vezes os homens discordaram tão acentuadamente sobre um termo. A confusão e variedade de sentidos é tão vasta - acrescenta EASTON -, que é quase inacreditável que durante os últimos dois mil e quinhentos anos em que a questão tem sido repetidamente discutida de uma forma ou de outra, nenhuma espécie de uniformidade tenha sido conseguida. E conclui, afinal, pelo abandono da idéia de Estado, por sua excessiva fluidez, substituindo-a pela de sistema político. 58. A análise da grande variedade de conceitos revela duas orientações fundamentais: ou se dá mais ênfase a um elemento concreto ligado à noção de força, ou se realça a natureza jurídica, tomando-se como ponto de partida a noção de ordem. Antes de nos referirmos aos aspectos particulares dessas orientações, julgamos necessário, para eliminar dúvidas e preconceitos, a eliminação de um conceito que teve largo curso no século XIX e que ainda tem alguns adeptos, segundo o qual o Estado é a nação politicamente organizada. O estudo minucioso do conceito de nação, feito com o auxílio da Sociologia, da Antropologia e da História, já permitiu fixá-lo como espécie de comunidade, enquanto o Estado é uma sociedade. Quanto à expressão politicamente organizada não tinha qualquer rigor científico, tomando como forma o que pretendia que fosse a finalidade da organização. Assim, pois, o Estado não pode ser politicamente organizado, não podendo também ser acolhida a correção para nação juridicamente organizada porque o Estado não é nação, como se verá no estudo do relacionamento entre Estado e nação. Entre os conceitos que se ligam mais à noção de força e que poderiam ser classificados como políticos não está ausente a preocupação como enquadramento jurídico, mas o Estado é visto, antes de mais nada, como força que se põe a si própria e que, por suas próprias virtudes, busca a disciplina jurídica. Essa é, por exemplo, a orientação de DUGUIT, que conceitua o Estado como uma força material irresistível, acrescentando que essa força, atualmente, é limitada e regulada pelo direito. HELLER não fica distante, dando ao Estado o conceito de unidade de dominação, completando sua conceituação dizendo que ela é independente no exterior e no interior, atua de modo contínuo com meios de poder próprio e é claramente delimitada no pessoal e no territorial. Na mesma linha podem ser colocadas as conceituações de BURDEAU, para quem o Estado é uma institucionalização do poder, assim como a de GURVITCH, que acha necessário e suficiente para completa identificação do Estado dizerse que ele é o monopólio do poder. Todos esses conceitos, na verdade, mantêm a tônica da idéia de força, ainda que associada a outros elementos e disciplinada parcialmente pelo direito. As teorias que se podem denominar jurídicas não ignoram a presença da força no Estado, nem que este, por suas finalidades, é uma sociedade política. Entretanto, conscientes da presença desses fatores e de outros elementos materiais que se conjugam, estas teorias dão primazia ao elemento jurídico, acentuando que todos os demais têm existência independente fora do Estado, só se compreendendo como componentes do Estado após sua integração numa ordem jurídica, o que também se dá com a força, que se integra no Estado como poder. É interessante assinalar que a quase-totalidade dos autores italianos adota esta orientação. Como exemplo dessa integração de elementos não-jurídicos para, através de um momento jurídico, chegar-se ao Estado, pode-se mencionar a doutrina de RANELLETTI, que menciona uma prévia noção social de Estado, segundo a qual este é "um povo fixado num território e organizado sob um poder supremo originário de império, para atuar com ação unitária os seus próprios fins coletivos". A partir dessa noção é que RANELLETTI, adotando o conceito expresso por JELLINEK, vai chegar à noção jurídica de Estado. Diz então que aquela organização, que integra todos os elementos e tem como característica fundamental ser uma ordenação de pessoas, é, por este motivo, uma corporação, que difere das demais por ser territorial, isto é, integra também necessariamente um território, completando-se, assim, a formação do Estado. Ainda entre os italianos é bem expressiva a definição de DEL VECCHIO, para quem o Estado é "a unidade de um sistema jurídico que tem em si mesmo o próprio centro autônomo e que é possuidorda suprema qualidade de pessoa", ficando evidente, nessa definição, a preponderância do fator jurídico. A preocupação com a fixação de uma noção jurídica de Estado surge no século passado, na Alemanha, com GEREER e seus seguidores, procurando estabelecer o conceito de Estado como pessoa jurídica e subordinar a regras jurídicas o seu funcionamento. É JELLINEK, porém, quem vai fixar esse conceito basicamente jurídico, chegando à noção de Estado como corporação territorial dotada de um poder de mando originário. Como fica evidente, a base do conceito é a idéia de corporação, que é uma ordenação jurídica de pessoas. Essa corporação é territorial, por se fixar a determinado território e, além disso, é dotada de poder de mando. Este poder, ainda que originário, isto é, existindo desde o momento de constituição da corporação, é um componente dela, não sendo, porém, o fator central, unificador, que deva ser tomado como ponto de partida para a conceituação. Com HANS KELSEN e sua preocupação em fixar uma noção puramente jurídica de Estado, considerando exteriores a ele todos os fatores não-jurídicos, chega-se à noção de Estado como ordem coativa normativa da conduta humana. Ao que nos parece, é excessivamente limitada essa noção jurídica, resultando incompleta para dar uma idéia suficiente de Estado. De fato, dela estão ausentes as peculiaridades do Estado, que não se podem considerar implícitas na simples referência à qualidade de coativa. Na realidade, a noção de Estado, para ser completa, pode dar ênfase maior ao fator jurídico, sem, no entanto, ignorar os fatores não-jurídicos indispensáveis. 59. Em face de todas as razões até aqui expostas, e tendo em conta a possibilidade e a conveniência de se acentuar o componente jurídico do Estado, sem perder de vista a presença necessária dos fatores não-jurídicos, parece-nos que se poderá conceituar o Estado como a ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado território. Nesse conceito se acham presentes todos os elementos que compõem o Estado, e só esses elementos. A noção de poder está implícita na de soberania,que, no entanto, é referida como característica da própria ordem jurídica. A politicidade do Estado é afirmada na referência expressa ao bem comum, com a vinculação deste a um certo povo e, finalmente, territorialidade, limitadora da ação jurídica e política do Estado, está presente na menção a determinado território. V. E. ORLANDO, o grande criador do Direito Público Geral na Itália, dedicou ao problema do conceito de Estado a aula inaugural do ano acadêmico proferida na Universidade de Roma, a 5 de novembro de 1910. Essa aula, com título Sul Concetto di Stato, foi incluída na coletânea de obras do mestre publicada pela Editora Giuffrê em 1954 com o nome deDiritto Pubblico General
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