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Sociologia AS INTERPRETAÇÕES DO BRASIL DOS ANOS 1930: GILBERTO FREYRE E SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA 1 Sumário Introdução ...........................................................................................................................................2 Objetivos ..............................................................................................................................................2 1. “O problema Brasil” e as suas interpretações nos anos 1930 ...............................................2 2. Gilberto Freyre e a valorização da mestiçagem ......................................................................4 2.1 Quem foi Gilberto Freyre? .................................................................................................4 2.2 A valorização da mestiçagem ...........................................................................................4 3. Sérgio Buarque de Holanda e a cordialidade brasileira.........................................................5 3.1 Quem foi Sérgio Buarque de Holanda?............................................................................5 3.1 Raízes do Brasil e a cordialidade brasileira .....................................................................6 Exercícios .............................................................................................................................................7 Gabarito ...............................................................................................................................................9 Resumo ................................................................................................................................................9 2 Introdução Na aula “As sociologias de Anthony Giddens e Zygmunt Bauman”, estudamos como esses sociólogos contemporâneos entenderam a modernidade e as suas consequências, razões pelas quais cada um deles formulou um conceito - respectivamente, “modernidade reflexiva” e “modernidade líquida” – para designar seu estágio atual Agora, iniciaremos um conjunto de aulas dedicadas às chamadas “interpretações do Brasil”. Nessa aula, estudaremos as teses expostas por Gilberto Freyre em Casa-Grande & Senzala e por Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil. Além do exame breve do contexto em que tais obras foram formuladas e das trajetórias dos autores, vamos nos centrar em pilares de suas obras; no caso de Gilberto Freyre, analisaremos a sua interpretação a respeito da mestiçagem na cultura brasileira; no caso de Sérgio Buarque de Holanda, vamos destacar a sua formulação a respeito da “cordialidade” brasileira. Objetivos • Caracterizar as condições históricas em que surgiram as chamadas “interpretações do Brasil” formuladas na década de 1930. • Introduzir os principais aspectos da “interpretação do Brasil” formulados por Gilberto Freyre em Casa-grande & Senzala. • Apresentar os principais pontos da argumentação desenvolvidos por Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil. 1. “O problema Brasil” e as suas interpretações nos anos 1930 Desde a Independência em 1822, vários pensadores brasileiros se colocaram a tarefa de interpretar os principais obstáculos enfrentados pelo Brasil no processo de consolidação de uma nação moderna. Frequentemente formuladas por intelectuais brasileiros formados em países estrangeiros, tais reflexões abarcavam desde temas como a formação do Estado até a economia, passando por questões como o estabelecimento de uma literatura genuinamente nacional. 3 Em pauta, estava a tentativa de compreender, a partir de diversos ângulos, o processo de formação social dessa nação recém-estabelecida. Essas reflexões foram aprofundadas no período republicano (a partir de 1889), uma vez que o novo regime punha fim ao arranjo institucional herdado da metrópole. Com a carta constitucional de 1891 e o fim da escravidão em 1888, supunha- se que o Brasil ingressaria em um novo patamar político e social. Entretanto, isso não aconteceu plenamente. Por um lado, o regime republicano se tornou uma arma das oligarquias tradicionais para a manutenção do poder; por outro, a abolição da escravidão não representou o fim da exclusão social de larga parcela da população brasileira. Em boa medida, as razões para tais frustrações começaram a ser objetos de análises histórico-sociológicas que frequentemente expunham certo pessimismo sobre a formação histórica do Brasil. Entre as razões invocadas para justificar esse pessimismo estavam a suposta degeneração racial do povo brasileiro e a fraqueza de propósitos gerada pelo ambiente tropical. Exemplo desse tipo de argumentação são encontrados nas obras de Silvio Romero, Euclides da Cunha e Francisco José de Oliveira Vianna. Essa percepção começa a ser alterada nos anos 1920 e 1930. No plano político, esse foi um período em que a oligarquização do regime republicano começou a ser contestada publicamente, processo que culminou na Revolução de 1930. Por sua vez, no plano cultural, é o momento de ascensão do modernismo brasileiro, iniciado com a realização da Semana de Arte Moderna (1922). FIQUE ATENTO! Nesse momento, começam a surgir diversas iniciativas que visavam promover novas interpretações sobre o “problema Brasil”. Entre as mais O modernismo foi um movimento cultural que propôs, de formas diversas, a valorização do elemento nacional como critério de formulação política e estética, como revelam, entre outros, o Manifesto da Poesia Pau-Brasil (1924-5), o Verde-Amarelismo (1926-1929) e o Manifesto Regionalista (1926). 4 importantes estão as do sociólogo pernambucano Gilberto Freyre e as do historiador paulista Sérgio Buarque de Holanda. 2. Gilberto Freyre e a valorização da mestiçagem 2.1 Quem foi Gilberto Freyre? Nascido em Recife (PE), em 1900, Gilberto de Mello Freyre foi escritor, ensaísta, sociólogo, jornalista e historiador da cultura brasileira. Freyre estudou Ciências Sociais nos Estados Unidos; em seus estudos de pós- graduação na Universidade de Columbia teve influência do antropólogo alemão Franz Boas, um dos principais críticos do evolucionismo antropológico. Foi lá que elaborou sua dissertação, cujo título era “A vida social do Brasil do século XIX”, que já reunia alguns dos elementos que encontraríamos em sua principal obra, Casa- grande & Senzala (1933). Sua obra é vasta, mas pode-se destacar Sobrados e Mucambos (1936) e Ordem e Progresso (1957), dois livros que completaram a trilogia aberta com Casa-grande & Senzala. Morreu em 1987. 01 Gilberto Freyre 2.2 A valorização da mestiçagem Ao tomar a mestiçagem do povo brasileiro como elemento a ser valorizado, Freyre produziu uma argumentação inovadora, pois rompia com as explicações racialmente deterministas então em voga. Para ele, a riqueza e a potencialidade da cultura brasileira viriam de seu caráter híbrido. Entre os motivos que tornaram célebre a obra de Freyre está o fato de que ela deslocou o debate sobre a formação social brasileira para o plano da cultura, substituindo a temática da raça. 5 Assim, Freyre valorizava a contribuição do negro e do indígena para a formação da cultura brasileira, postura até então pouquíssimo comum. Para tanto, estudou a origem e a disseminação de diversos hábitos,como dormir em rede, tomar banho diariamente, as formas de alimentação, entre outros. Para Freyre, o processo de mestiçagem do povo brasileiro ocorreu sob a égide da família patriarcal localizada no meio rural. Descendente da oligarquia nordestina e defensor da cultura produzida sob sua influência, Freyre interpretou que alguns dos passos mais importante para o estabelecimento da cultura brasileira ocorreram no momento em que a monocultura açucareira nordestina atingia seu ápice. Nesse contexto, o arranjo familiar patriarcal foi decisivo para que a “raça” branca se relacionasse com as outras “raças”. Uma interpretação muito recorrente da obra de Gilberto Freyre é aquela que afirma que ela sustenta a existência de uma suposta “democracia racial” brasileira. Essa tese é costumeiramente criticada por intelectuais vinculados ao movimento negro, os quais afirmam que ela encobre o racismo existente no país. Esse é um tema controverso, pois Gilberto Freyre, em nenhuma passagem de Casa-grande & Senzala utilizou o termo “democracia racial”. Depois da publicação do livro, o autor, reiteradamente, passou a explicar sua interpretação acerca da miscigenação no país. O fato é que, curiosamente, essa interpretação sobre a obra de Freyre tem algo de paradoxal: ao acusá-la de esconder o racismo existente no país, ela deixa de lado o fato de que Freyre foi o primeiro intelectual de ressonância nacional a sublinhar as contribuições dos negros e indígenas para a formação da cultura brasileira. Outro fator que dá um sabor especial à obra de Freyre é a forma como ele utilizou elementos usualmente desprezados pela historiografia tradicional para retratar e interpretar a vida doméstica brasileira dos períodos dos séculos XVIII, XIX e XX. Para tanto, valia-se de fotografias, livros de receitas, bordados, entre outros. 3. Sérgio Buarque de Holanda e a cordialidade brasileira 3.1 Quem foi Sérgio Buarque de Holanda? Natural de São Paulo (SP), Sérgio Buarque de Holanda nasceu em 1902. Formou-se em Direito. Depois de um período como correspondente na Alemanha, onde tomou contato com a obra de Max Weber, retornou ao país, no qual chegou a atuar como professor de História (moderna e contemporânea) e Literatura comparada na Universidade Federal do Distrito Federal. 6 Lecionou em diversas faculdades no exterior, foi diretor do Museu Paulista (Ipiranga) e, por fim, estabeleceu-se como professor de História na Universidade de São Paulo (USP), instituição na qual criou o Instituto de Estudos Brasileiros (IEB). Durante sua juventude, Sérgio Buarque de Holanda foi crítico literário, profissão através da qual se vinculou intimamente com o modernismo. Em 1936, ano de seu retorno da Alemanha, publicou seu livro mais famoso, Raízes do Brasil. Além dele, podemos mencionar vários livros importantes escritos pelo historiador, entre eles cabe citar Visão do Paraíso (1958), livro originado da tese com a qual conquistou a cadeira de História da Civilização Brasileira na USP. 02 Sérgio Buarque de Holanda 3.1 Raízes do Brasil e a cordialidade brasileira Três anos depois da publicação de Casa-grande & Senzala (1933) de Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda publicou o seu Raízes do Brasil (1936). Como o próprio título do livro sugere, Holanda, então vinculado ao movimento modernista brasileiro, estava interessado em descobrir os aspectos mais importantes da formação do país. Influenciado pelos apontamentos metodológicos sugeridos pela obra do sociólogo alemão Max Weber, Raízes do Brasil estabelece um diálogo crítico com os chamados “pensadores autoritários da Primeira República”, entre os quais se destacavam Alberto Torres e Oliveira Vianna. Como Gilberto Freyre argumentava em Casa-grande & Senzala, Sérgio Buarque de Holanda também tomará partido contra as teorias raciais então em voga. Para ele, o entendimento adequado da formação nacional passaria por descobrir os principais aspectos culturais gerados pela predominância das raízes agrárias e patriarcais nesse processo. 7 No entanto, em contraste com a perspectiva de Freyre, que via o passado rural brasileiro com bons olhos, Holanda verá nele as raízes de alguns dos principais impasses para o ingresso do país na modernidade. Isso fica nítido quando observamos a sua tese a respeito do homem cordial, uma noção sociológica construída a partir da metodologia de “tipos ideais” elaborada por Weber. Ou seja, para Holanda, o “homem cordial” sintetizaria os traços mais marcantes da cultura e da sociedade brasileiras, onde a cordialidade seria um fator impeditivo para a modernização do país. Mas o que é o homem cordial? Segundo o autor, o homem cordial brasileiro seria regido por lógicas afetivas e pessoais em suas relações públicas e privadas. FIQUE ATENTO! Assim, o homem cordial é aquele que é dado a favorecer os sujeitos dos quais gosta em detrimento de normas universais de comportamento. Por isso, a cordialidade, para Holanda, seria avessa à civilização, pautada pelas leis. Isso daria origem ao famoso “jeitinho brasileiro”, resultado da informalidade própria da maneira como o homem cordial interpreta as relações sociais das quais faz parte. Exercícios 1. (UNIOESTE / 2009) Em Casa Grande & Senzala, primeira obra da trilogia em que Gilberto Freyre analisa a formação da família patriarcal brasileira, NÃO é possível observar a) A discussão sobre a colonização portuguesa no Brasil. b) A defesa da ideia de que a interação entre os grupos étnicos teria ocorrido em relativa harmonia, a despeito das relações de poder. c) A presença da influência culturalista de uma perspectiva que valoriza traços e práticas culturais dos diferentes grupos que constituem o povo brasileiro. Perceba que a palavra cordial vem do latim cordiális, que significa relativo ao coração. 8 d) A noção de que a origem do “atraso” da sociedade brasileira seria a mestiçagem. e) A ideia de que os altos “índices” de miscigenação observados na sociedade brasileira estariam associados à capacidade de adaptação do empreendedor português, quando comparado a outros povos colonizadores. 2. (UEL / 2011). “Na verdade, a ideologia impessoal do liberalismo democrático jamais se naturalizou entre nós. Só assimilamos efetivamente esses princípios até onde coincidiram com a negação pura e simples de uma autoridade incômoda, confirmando nosso instintivo horror às hierarquias e permitindo tratar com familiaridade os governantes.” HOLANDA, S. B. de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 160. O trecho de Raízes do Brasil ilustra a interpretação de Sérgio Buarque de Holanda sobre a tradição política brasileira. A esse respeito, considere as afirmativas a seguir. I. As mudanças políticas no Brasil ocorreram conservando elementos patrimonialistas e paternalistas que dificultam a consolidação democrática. II. A política brasileira é tradicionalmente voltada para a recusa das relações hierárquicas, as quais são incompatíveis com regimes democráticos. III. As relações pessoais entre governantes e governados inviabilizaram a instauração do fenômeno democrático no país com a mesma solidez verificada nas nações que adotaram o liberalismo clássico. IV. A cordialidade, princípio da democracia, possibilitou que se enraizassem, no país, práticas sociais opostas aos princípios do clientelismo político. Assinale a alternativa correta. a) Somente as afirmativas I e II são corretas. b) Somente as afirmativas I e III são corretas. c) Somente as afirmativasIII e IV são corretas. d) Somente as afirmativas I, II e IV são corretas. e) Somente as afirmativas II, III e IV são corretas. 9 3. (UFG / 2009). Na primeira metade do século XX, no Brasil, as considerações sobre a supremacia racial do homem branco, desenvolvidas por intelectuais como Sílvio Romero, Euclides da Cunha e Nina Rodrigues, passaram por modificações com a a) Concepção de que a população brasileira era mestiça, fragilizando a teoria do branqueamento. b) Adoção de princípios eugênicos, visando à constituição de uma raça brasileira pura. c) Promoção de políticas públicas inclusivas, extingüindo a tutela estatal dos indígenas. d) Reafirmação da especificidade racial brasileira, contrastando-a com a herança africana. e) Valorização do sertanejo, transformando o caboclo no símbolo da identidade nacional. Gabarito 1. Resposta correta: D. Como vimos, para Freyre, a mestiçagem não é um fator de “atraso” do país, como queriam alguns intelectuais do século XIX, mas sim uma particularidade positiva de nossa formação cultural. 2. Resposta correta: B. Como vimos, para Holanda, a cordialidade impede o desenvolvimento de uma democracia plena porque é uma forma de comportamento avessa à aplicação uniforme das leis. Daí que a sentenças I e III estejam corretas, enquanto a IV está errada. Por outro lado, a sentença II está equivocada porque a cordialidade não é avessa à hierarquia, mas sim à impessoalidade. 3. Resposta correta: A. Segundo o que estudamos, a obra de Gilberto Freyre foi essencial para a mudança desse tipo de pensamento. Resumo A formação social brasileira está vinculada aos diversos problemas herdados do período colonial. Apesar das esperanças abertas com o período republicano, tais 10 problemas continuaram a perdurar. As reflexões histórico-sociológicas nacionais elaboradas nesse período refletem essa situação. Um novo momento se abre com os anos 1920 e 1930. Com o crescimento do questionamento da oligarquização da República e o surgimento das propostas estéticas e políticas modernistas, passam a existir condições para novas interpretações do país. Entre as principais está a elaborada pelo sociólogo pernambucano Gilberto Freyre. A originalidade de sua obra está tanto em entender a mestiçagem como elemento positivo da cultura nacional, como na formulação decorrente a respeito da existência de uma suposta “democracia racial” no país. No mesmo contexto, Sérgio Buarque de Holanda escreveu o seu Raízes do Brasil (1936), livro em que buscou decifrar quais são os principais aspectos da formação cultural brasileira e como eles dificultam o processo de modernização do país. A síntese de sua argumentação está na noção de homem cordial, que revela a lógica que regente das relações públicas e privadas dos brasileiros. 11 Referências bibliográficas FREYRE, Gilberto. Casa-grande & Senzala. São Paulo: Global, 2006. HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. RICUPERO, Bernardo. Sete lições sobre as interpretações do Brasil. São Paulo: Alameda, 2007. Referências imagéticas Figura 1. WIKIMEDIA. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/Category:Gilberto_Freyre#/media/File:Gilberto_Freyre.JPG (Acesso em 18/01/19, às 16h55min) Figura 2. WIKIPEDIA. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A9rgio_Buarque_de_Holanda#/media/File:S%C3%A9rgio_Buarque_de_Hol anda_(1957).tif (Acesso em 18/01/19, às 17h).
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