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Artigo Quiz 24 - Riscos da Utilizacao Generalizada de Concreto de Alta Resistencia

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ANAIS DO 54º CONGRESSO BRASILEIRO DO CONCRETO - CBC2012 – 54CBC 1 
RISCOS DA UTILIZAÇÃO GENERALIZADA DE CONCRETOS DE ALTA 
RESISTÊNCIA NA CONSTRUÇÃO DE EDIFÍCIOS 
RISKS OF WIDESPREAD USE OF HIGH-STRENGTH CONCRETE IN CONSTRUTION 
OF BUILDINGS 
 
Dario de Araújo Dafico 
 
Professor Doutor, Departamento de Engenharia, Pontifícia Universidade Católica de Goiás 
Pontifícia Universidade Católica de Goiás – Área 3 - Departamento de Engenharia 
 Av. Universitária, qd. 88, n. 904, Setor Leste Universitário - Goiânia – GO – CEP 74.605-010 
Resumo 
 
O concreto é material antigo. Muito antes do advento do cimento portland o concreto já foi amplamente 
utilizado por antigas civilizações. Os romanos foram mestres na utilização do concreto em construções que 
perduram até hoje. Durante milênios o concreto foi um material composto por apenas material cimentante, 
areia, pedra e água. A combinação ideal entre esses materiais era aquela em que os vazios entre os grãos 
são ocupados por grãos cada vez menores e, por fim, água e ar incorporado preenchem o espaço restante. 
Desse modo, as diferenças entre uma composição e outra não poderiam ser muito significativas, pois existe 
uma faixa limitada para o teor de cimento da mistura que produz um concreto trabalhável. Com o advento 
dos aditivos químicos plastificantes, em seguida os superplastificantes e depois os hiperplastificantes, 
associado à possibilidade de adição de superpozolanas nas misturas, surgiu o concreto de alta resistência. 
Potencialmente mais durável, mas não necessariamente, esse concreto com o tempo passou a ser 
denominado de concreto de alto desempenho. Até recentemente eram poucas as construtoras que 
utilizavam esse novo material no Brasil. De uma hora para outra os projetistas de estruturas de edifícios 
passaram a adotá-lo de forma corriqueira em seus projetos. Entretanto, a maioria das construtoras não 
percebe a necessidade de mudanças significativas nos procedimentos de construção a fim de lidar com 
segurança com esse novo material. Ao transferir responsabilidade estrutural do aço para concreto, em 
número menor de peças estruturais e menores seções, muitos riscos são assumidos pelos projetistas e 
construtores. 
Palavra-Chave:concreto de alta resistência, controle de qualidade, estruturas 
 
Abstract 
 
The concrete is old material. Long before the advent of portland cement that the concrete has been widely 
used by ancient civilizations. The Romans were masters in the use of concrete in buildings that have lasted 
until today. For millennia the concrete was a material composed of only cementitious material, sand, stone 
and water. The optimal combination of these materials was that in which the voids between the grains are 
filled with grains smaller and, finally, water and entrapped air filling the remaining space. Thus, the 
differences between one and another composition could not be very significant as there is a limited range to 
the cement content of the mixture that produces a workable concrete. With the advent of chemical additives 
plasticizers, then the superplasticizers, followed by the hiperplasticizers, associated with the possibility of 
adding super pozzolans in the mixtures, emerged the high strength concrete. Potentially more durable, but 
not necessarily, with time the material came to be called high performance concrete. Until recently there 
were few builders using this new material in Brazil. Of a sudden the designers of building structures began to 
adopt it so commonplace in their projects. However, most builders do not realize the need for significant 
changes in construction procedures to deal safely with this new material. By transferring responsibility from 
the steel for the concrete, in structures with fewer structural parts and sections with lesser areas, many risks 
are assumed by the designers and builders. 
Keywords: high strength concrete, quality control, structure 
 
 
ANAIS DO 54º CONGRESSO BRASILEIRO DO CONCRETO - CBC2012 – 54CBC 2 
1 Introdução 
1.1 Um pouco de história do cimento e do concreto 
O concreto é um material utilizado pela humanidade há milênios. Arqueólogos têm 
encontrado ruínas contendo partes construídas em concreto em vários locais do planeta. 
No avanço e recuo das civilizações esse material foi utilizado de diversas maneiras. Levy 
e Helene (2002) reportam que o concreto mais antigo que se conhece foi encontrado em 
Lepenski Vir, na Iugoslávia, tendo sido datado por volta de 5.600 a.C. Era o piso de um 
casebre, tinha 250 mm de espessura, constituído por uma mistura de cal, argila e 
agregados. Neville (1997) conta que “...Os antigos egípicios usavam gesso impuro calcinado. 
Os gregos e romanos usavam calcário calcinado e aprenderam, posteriormente, a misturar cal e 
água, areia e pedra fragmentada, tijolos ou telhas em cacos”. 
Melo (2002) descreve o edifício do Panteão de Roma, templo dedicado a todos os deuses 
romanos, obra datada do ano de 120 DC, cuja construção foi ordenada pelo imperador 
Adriano. Informa que o edifício foi construído em concreto leve, com altura equivalente a 
um edifício moderno de 15 pavimentos, consistindo de uma cúpula hemisférica com vão 
livre 43 m, apoiado sobre um cilindro de mesmo diâmetro e mesma altura da cúpula. O 
autor conta também que na produção do concreto foram usadas seis misturas diferentes 
de agregados, dando origem a concretos com massas específicas que vão desde 1.300 
kg/m3 na zona do óculo, no topo da cúpula, até 2.200 kg/m3, junto às fundações, em 
paredes com espessura de 5 m. Aїtcin (2000), comentando sobre o Panteão, diz que o 
concreto da obra possui resistência à compressão de 10 MPa, e destaca o fato de não ser 
ela hoje uma ruína, mas um edifício em pleno uso há cerca de 2.000 anos. 
Levy e Helene (2002) comentam que depois da queda do Império Romano, as 
construções de concreto na Europa tiveram um grande declínio e que somente 800 anos 
mais tarde, por volta do ano 1200 d.C. os construtores reabilitaram o concreto como 
material de construção, utilizando-o em fundações e estruturas. Neville (1997) diz que 
com a idade média, houve um declínio geral na qualidade e uso do cimento e, assim, 
somente no século XVIII se registrou um avanço da tecnologia do concreto. Informa que, 
em 1756, John Smeaton, encarregado de reconstruir o farol de Eddystone, ao largo da 
costa de Corn, descobriu que se podia obter uma argamassa de melhor qualidade se a 
pozolana fosse misturada a um calcário com elevado teor de argila, redescobrindo o papel 
que a argila possui na composição da matéria prima utilizada para produção da cal 
hidráulica. 
Diz ainda (Neville, 1997) que nesta época houve o desenvolvimento de outros cimentos 
hidráulicos, como o cimento obtido por James Parker, através da calcinação de nódulos 
de calcário argiloso, que na época ficou conhecido como “cimento romano”. Mais tarde, 
em 1824, John Aspdin, um pedreiro inglês, aperfeiçoou a sua composição e o processo 
de fabricação, obtendo a patente de invenção em 1824, quando batizou o material de 
cimento portland, provavelmente devido à semelhança de sua cor com as pedras 
utilizadas em construção provenientes da ilha de Portland. 
 
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Draffin (1943) em seu artigo sobre a história do concreto reproduz parte do texto da 
patente de Aspdin do ano de 1824, aqui adaptado e traduzido para a língua portuguesa: 
 “O meu método de fazer um cimento ou pedra artificial ... é como se segue: - Tomo uma 
quantidade específica de calcário, como o que geralmente é usado para fazer ou reparar estradas, 
depois dele já ter sido reduzido a um estado de lama ou pó. Quando não consigo obter uma 
quantidade suficiente da matéria-prima nas estradas, eu a obtenho a partir de pedra calcária, 
reduzindo-a a lama ou pó, ou ainda, conforme o caso,a partir de calcário próprio para calcinação. 
Acrescento uma determinada quantidade de terra argilosa ou barro, misturo os ingredientes com 
água até obter uma consistência de lama, seja por trabalho manual ou auxiliado por máquina. 
Após este processo coloco a mistura em uma bandeja de assar para permitir a evaporação da 
água, ... até que a água tenha sido inteiramente evaporada. Em seguida, quebro o material seco em 
torrões e os calcino num forno similar a um forno de cal, até que o ácido carbônico seja 
inteiramente expelido. A mistura calcinada deve ser socada, triturada ou moída até um pó fino, 
para que possa ser utilizada para fazer cimento ou pedra artificial.” 
O cimento portland como prescrito por Aspdin só começou a ser produzido 
industrialmente por volta dos anos 1850. Na época se utilizavam fornos verticais 
intermitentes, similares aos utilizados para produzir cal. Em 1886, nos EUA, José F. de 
Navarro, um homem que possuía grandes investimentos, introduziu um forno rotativo, 
horizontal inclinado, de 24 pés de comprimento e 12 pés de diâmetro, na produção de 
cimento portland (Draffin,1943). 
Com a introdução dos fornos rotativos, o cimento obtido passou a ter velocidades de 
reação muito rápidas, semelhantes a que se tinham com os chamados cimentos naturais. 
Esse problema foi resolvido por um químico francês, P. I. Giron, que trabalhando para o 
Grupo Navarro em Coplay, Pa, descobriu que ao adicionar pequenas quantidades de 
gesso à mistura conseguia reduzir a velocidade de início das reações de hidratação. Até 
então o gesso nunca havia sido utilizado como componente do cimento portland 
(Draffin,1943). 
A invenção do concreto armado geralmente é atribuída a um jardineiro parisiense, Joseph 
Monier, que produziu vasos e tubos de concreto reforçados com tela de arame de aço. 
Sua primeira patente descrevendo a idéia foi obtida na França em 1867. Seus produtos 
foram apresentados ao público na Exposição de Paris do mesmo ano, juntamente com 
outros trabalhos produzidos por François Coignet, que mais tarde aplicou os mesmos 
princípios na construção de arcos e vigas de concreto armado. 
 
2 Riscos da utilização generalizada do concreto de alta resistência 
2.1 Definindo concreto convencional e concreto de alta resistência 
Mehta e Monteiro (1994) definem concreto de alta resistência como sendo aquele que tem 
resistência à compressão maior que 40 MPa. Os autores utilizam dois argumentos para 
justificar essa definição: 
 
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“1. A maioria do concreto convencional está na faixa de 21 a 42 MPa. Para produzir concreto com 
mais de 42 MPa, são necessários controle de qualidade severo e mais cuidado na seleção e na 
dosagem dos materiais (plastificante, aditivos minerais, tipo e dimensão dos agregados, etc.). 
2. Estudos experimentais mostraram que, em muitos aspectos, a microestrutura e as propriedades 
do concreto com resistência à compressão acima de 42 MPa, são consideravelmente diferentes das 
do concreto convencional. Fornecendo este último a base para a prática corrente do concreto (por 
exemplo, a equação empírica para a estimativa do módulo de elasticidade a partir da resistência à 
compressão), o projetista estará alerta, quando se trata de um concreto de mais de 42 MPa, que 
será considerado em uma classe diferente.” 
Em uma edição recente e revisada da mesma obra Mehta e Monteiro (2008) contam que, 
depois da chegada ao mercado concretos desde 60 até 120 MPa de resistência à 
compressão, em 2002 o ACI Committee on High Strength Concrete revisou a definição 
para abranger dosagens com resistência de projeto especificada de 55 MPa ou mais. A 
NBR 8953:2009 seguiu a tendência elegendo como pertencentes ao Grupo II concretos 
com resistência de projeto entre 55 e 100 MPa. Apesar das novas definições, os dois 
argumentos apresentados por Mehta e Monteiro (1994) para definir concreto de alta 
resistência ainda são válidos, especialmente quando afirmam que “...Para produzir 
concreto com mais de 42 MPa, são necessários controle de qualidade severo e mais cuidado na 
seleção e na dosagem dos materiais”. 
 
2.2 O termo concreto de alto desempenho 
No primeiro capítulo de seu livro “Concreto de Alto Desempenho”, Aїtcin (2000) justifica a 
escolha desse termo ao invés de “Concreto de Alta Resistência” porque “... esse novo 
concreto oferece mais do que apenas uma alta resistência à compressão...”. Mas reconhece que 
não há consenso sobre o termo. Diz que foi uma escolha pessoal e cita Neville, que por 
sua vez afirma “...A escolha de um termo com relação a outro é uma preferência puramente 
pessoal e não implica uma definição mais precisa”. Hoje percebe-se que o termo “Concreto de 
Alto Desempenho” está aos poucos substituindo completamente o termo “Concreto de 
Alta Resistência”, como se ambos significassem a mesma coisa. 
Mehta e Monteiro (2008) dedicam uma seção do livro ao “Concreto de Alta Resistência” e 
outra ao “Concreto de Alto Desempenho”, deixando claro que são materiais diferentes. 
Não faz sentido utilizar o termo “Concreto de Alto Desempenho” a todo “Concreto de Alta 
Resistência” como se o último implicasse automaticamente no primeiro. Os autores 
afirmam que um “Concreto de Alto Desempenho” é um concreto no qual certas 
características são desenvolvidas para aplicações e ambientes específicos. Como 
exemplos de algumas dessas características os autores relacionam as seguintes: 
- facilidade de aplicação; 
- adensamento sem segregação; 
- resistência nas primeiras idades; 
- resistência de longo-prazo e propriedades mecânicas; 
 
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- permeabilidade; 
- densidade; 
- calor de hidratação; 
- tenacidade; 
- estabilidade de volume; 
- longa vida em ambientes agressivos. 
Mehta e Monteiro (2008) afirmam ainda que a suposição de que misturas de concreto 
mais resistentes seriam mais duráveis não se mostrou verdadeira para o caso de muitas 
estruturas de concreto moldadas in loco e de estruturas expostas. Os autores escolhem a 
definição de “Concreto de Alto Desempenho” da Federal Highway Administration como 
uma definição precisa, reproduzida a seguir: 
“O concreto de alto desempenho (CAD) é um concreto projetado para ser mais durável e, se 
necessário, mais resistente do que o concreto convencional. Misturas de concreto de alto 
desempenho são compostas essencialmente pelos mesmos materiais que as misturas de concretos 
convencionais. Mas as proporções são projetadas ou planejadas para fornecer a resistência e a 
durabilidade necessárias para atender os requisitos ambientais e estruturais do projeto”. 
 
2.3 Da natureza do concreto de cimento portland 
Como já foi dito o concreto é um material utilizado pela humanidade há milênios. Mesmo 
sem métodos racionais de dosagem o homem antigo misturava à pasta aglomerante uma 
quantidade de areia e pedra que a “natureza” do aglomerante permitia incorporar. Não é 
difícil encontrar através de tentativas experimentais o teor “ideal” de cada um dos 
componentes básicos de um concreto. Ou seja, dados um aglomerante, um agregado 
miúdo e um agregado graúdo, existe uma proporção ideal entre esses componentes e 
água, que produz uma mistura trabalhável, independentemente da resistência que se 
pretenda alcançar. Qualquer alternativa diferente da combinação ideal implica em desvio 
da trabalhabilidade ideal, mesmo que implique em melhoria de outras propriedades. 
Desde sempre o concreto foi fabricado buscando-se essa proporção ideal, sendo as 
estruturas projetadas em função da resistência que se podia atingir com esse material. O 
surgimento do cimento portland, de maior resistência que os cimentos anteriores, permitiu 
a produção de concretos de resistências mais elevadas, mas as proporções entre pasta,areia e pedra sempre foi algo estrito. 
Abrams (1918) no artigo que divulga o conceito de fator água/cimento, que revolucionou o 
entendimento do concreto, utilizou desde pastas de cimento puras até proporções entre 
cimento e agregados de 1:15. No entanto, do método de dosagem que propõe, parte-se 
de uma proporção 1:5. (Draffin,1943) afirma que é comum trabalhar com a proporção 
arbitrária 1:2:4 em volume. Le’ Hermite (1965) diz que um concreto clássico possui cerca 
de 350 kg de cimento, 400 litros de areia e 800 litros de pedra. Com um cálculo simples 
chegamos a um traço de aproximadamente 1:5. 
 
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Helene (1987) considera que o primeiro texto consensual nacional sobre projeto e 
execução de obras de concreto foi o “Regulamento para as construções de concreto 
armado”, publicado em 3 de julho de 1931 pela “Associação Brasileira de Concreto – 
ABC”. Nesse regulamento, na seção V, a dosagem do concreto é assim tratada: 
“35 – Dosagem arbitrária. 
1 – Para os efeitos deste Regulamento, entender-se-á por dosagem arbitrária a que for feita sem 
levar em conta a porcentagem de água e a graduação dos aggregados. 
2 – Em qualquer concreto dosado arbitrariamente, é obrigatório um teor mínimo de 300 kg de 
cimento por m
3
 de concreto. 
3 - Em geral, os concretos à dosagem arbitrária, compor-se-ão de 
 500 litros de aggregado miúdo; 
 800 litros de aggregado graúdo, e 
 300, 350 ou 400 kg de cimento para um m
3
 de concreto . . . 
16 - . . . A quantidade de água não poderá ultrapassar 
 220 litros para o concreto de 300 kg de cimento por m
3
; 
 250 litros para o concreto de 350 kg de cimento por m
3
; 
 280 litros para o concreto de 400 kg de cimento por m
3
. 
36 – Dosagem racional 
1 – Entender-se-á por concreto dosado racionalmente um concreto cuja composição tenha sido 
determinada de accordo com o disposto no boletim n. 1 do Laboratório da escola Polytéchnica 
de São Paulo; isto é, de acordo com os processos modernos que baseam a resistência do 
concreto no factor água-cimento e na granulometria do aggregado.” 
Desse regulamento também podemos fazer um cálculo simples e verificar que o se podia 
esperar de um concreto bem proporcionado era uma relação entre cimento e agregados, 
em massa seca, algo entre 1:4,5 e 1:6,5. Não há muito espaço para alterar a resistência 
do concreto variando a relação a/c sem prejudicar outras propriedades do concreto fresco 
e endurecido. É por isso que os construtores práticos sempre sentiram confiança em 
produzir concreto. É conhecimento popular que um concreto é feito de uma lata de 
cimento, duas latas de areia e três latas de pedra, ou seja, 1:2:3. Se tentar fazer uma 
mistura muito diferente disso, a aparência do concreto revela facilmente a inadequação da 
uma mistura. Basta um pouco de experiência. Traços muito ricos, que tenderão a fissurar, 
revelam-se muito coesos e mostram o excesso de pasta, traços muito pobres, que 
resultaram em resistências insuficientes, apresentam grande tendência à segregação. 
Desse modo, quando se produz um concreto convencional, sem nenhum aditivo, desde 
que se sigam as proporções clássicas, a resistência do concreto oscilará dentro de uma 
faixa pequena, dependendo muito fortemente das propriedades do cimento, não havendo 
possibilidades de tantas surpresas como podem ocorrer com os concretos modernos, que 
contêm vários novos ingredientes. 
 
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2.4 Concretos com aditivos e adições 
Concretos modernos não são concretos naturais. Com o advento dos aditivos 
plastificantes tornou-se possível alterar significativamente a relação a/c das misturas para 
modificar as resistências sem que isso significasse misturas pouco uniformes. Desse 
modo, pode-se reduzir o teor de água da mistura para produzir um concreto mais 
resistente ou substituir parte do cimento por filer ou outro material de menor potencial 
aglomerante para produzir concretos mais econômicos. 
Com essa fórmula tornou-se possível a manutenção das resistências dos concretos 
dosados em central quando os cimentos passaram a ser produzidos com maior finura e 
maiores teores de adições. Essa mudança ocorreu em todo mundo e, no Brasil, veio 
rápido quando tivemos a crise energética durante o governo Fernando Henrique Cardoso. 
Foi a deixa para a indústria cimenteira modificar completamente a oferta de tipos de 
cimentos no Brasil. 
Já estavam se preparando para isso, já que a crise se deu em 2001 e a norma que 
introduziu a classe denominada cimento composto (CP-II) já tinha sido publicada dez 
anos antes (NBR 11.578:1991), pavimentando o caminho para a indústria cimenteira 
deixar de fabricar o cimento portland comum, designado como tipo CP-I. Em função do 
desaparecimento do cimento portland comum no comércio brasileiro de cimento 
ensacado, existe até uma anedota que diz que o algarismo romano “I” da designação de 
tipo CP-I da NBR 5732:1991 significa “Inexistente”. 
Infelizmente o construtor comum, de obras de pequeno porte, aquele que sempre 
construiu utilizando-se da receita clássica de concreto, não foi alertado para isso. Pode-se 
argumentar que produzir concreto é uma coisa séria, como tem sido feito pelos 
representantes da indústria cimenteira, que a responsabilidade pelo traço do concreto da 
obra do engenheiro, mas a verdade é que na história da humanidade o concreto clássico 
sempre foi feito assim. Construtor com diploma de engenheiro é a novidade dos últimos 
dois séculos. E o Brasil ainda é um país com estradas de terra e locais remotos onde há 
habitantes que constroem com concreto de cimento portland misturando os ingredientes 
com enxada. 
O resultado disso é, todo concreto clássico hoje produzido no Brasil, e o volume não é 
pequeno, não atinge as resistências de outrora, pois a demanda de água dos cimentos 
produzidos atualmente é muito alta devido à elevada finura. Isso é imperceptível para o 
construtor comum, pois geralmente desconhecem as mudanças ocorridas no ensaio de 
resistência do cimento, a partir de 1978, tornando o método incapaz de revelar através de 
diminuição de sua resistência, que um determinado cimento demanda mais água de 
amassamento que outro não tão fino. 
Tango (1983) conta que até 1978 o ensaio de resistência de cimento portland não 
utilizava o valor hoje fixo de 0,48 para a relação água/cimento. No antigo método MB-1/37 
a argamassa normal tinha consistência fixa igual a 165 ± 5 mm de espalhamento na mesa 
“mesa MB-1” e a relação água/cimento do ensaio era variável. 
 
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Para previsão da capacidade resistente do cimento, nas idades de ensaio, quando se 
produz concreto que contêm aditivo plastificante, a mudança foi positiva. Entretanto, o 
ensaio deixou de mostrar o decréscimo que ocorre nas resistências dos cimentos de 
elevada finura, em função do aumento na demanda da água necessária para produção de 
um concreto plástico. 
No seu trabalho Tango (1983) apresenta vários resultados de ensaios de cimento obtidos 
de arquivo do IPT dos anos de 1977 a 1979. Desses arquivos o autor estuda a 
variabilidade de 3 cimentos por ele denominados de A, B e C. Dentre os valores 
apresentados há as finuras Blaine, cujas médias do período foram respectivamente de 
310, 365 e 369 m2/kg. Hoje os cimentos no Brasil possuem finuras que começam por volta 
de 370 m2/kg (CP-II e CP-III) e vão a finuras em torno de 470 m2/kg (CP-IV e CP-V). 
A introdução dos cimentos CP-II tem seus méritos, bem como a modificação do ensaio de 
resistência do cimento. Com a tecnologia propiciada pelos aditivos podemos utilizar 
cimentos mais econômicos, contribuir com o meio ambiente e produzir concretos mais 
duráveis. O problema é a falta de divulgação do tema ao construtorcomum e o 
desaparecimento do cimento CP-I do mercado de cimento em sacos, como ninguém 
tivesse responsabilidade por isso. Como se ninguém soubesse que grandes volumes de 
concreto estrutural são produzidos no Brasil utilizando-se de traços de tabela, seja em 
pequenas obras, seja em complementos no fim das concretagens em obras de maior 
porte. A indústria do fumo americana também argumentou ignorar os malefícios do hábito 
de fumar, nem por isso deixou de ser responsabilizada por indenizações bilionárias pela 
justiça daquele país. 
 
2.5 Cuidados que se deve ter na utilização do concreto 
Todo material estrutural merece o cuidado em sua fabricação, utilização e manutenção 
que os riscos de falha na estrutura representa. Isso vale para qualquer material estrutural. 
O concreto é propenso a desviar-se das características especificadas porque é produzido 
localmente, em unidades de pequeno porte, com menores condições de controle que, por 
exemplo, uma siderúrgica. Ripper (1996) em seu livro “Como evitar erros na construção”, 
quando trata da execução correta de concreto armado, lista 12 temas sobre os quais 
freqüentemente se vê surgirem problemas: 
- dificuldades na interpretação do projeto; 
- fôrmas e escoramentos; 
- armadura; 
- distribuição das barras da armadura; 
- preparo do concreto; 
- lançamento e adensamento do concreto; 
- juntas de concretagem; 
- cura do concreto; 
 
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- desforma; 
- passagens através de elementos estruturais; 
- conserto de falhas (bicheiras) no concreto; 
- como evitar o fissuramento do concreto. 
Os erros de construção relatados por Ripper (1996) continuam sendo observados 
freqüentemente nas obras brasileiras, tão comuns em construções projetadas para 
utilização de concreto de alta resistência como em edificações em concreto convencional. 
Não entraremos em detalhes dos cuidados que se deve ter ao projetar a estrutura, 
selecionar os materiais, realizar o estudo de dosagem, controlar o recebimento dos 
materiais, controlar a dosagem durante a produção, observar os procedimentos 
adequados para o transporte e lançamento do concreto, realizar a cura adequada, etc. 
Isso é básico, tratado em inúmeros textos técnicos. O Brasil possui até uma norma 
técnica tratando do assunto, a NBR 14931:2004, ainda pouco conhecida no meio técnico. 
 
2.6 Porque o concreto de alta resistência deve ter tratamento diferenciado 
Importante é lembrar que quanto maior for a responsabilidade dada ao concreto maiores 
devem ser os cuidados na sua utilização. Em estruturas onde o concreto é mais 
solicitado, as peças são mais esbeltas e o número de barras ou seções das barras de aço 
tendem a ser menores, fazendo com que os erros de execução sejam mais graves. Uma 
das principais vantagens da utilização de concretos com resistências mais altas é a 
diminuição no número e na área de seção dos pilares. Falhas de execução, tal como 
bicheiras, são muito mais perigosas em estruturas desse tipo. 
Aїtcin (2000) tratando sobre a cura do concreto diz que “. . . todas as especificações e livros 
repetem que é absolutamente necessário curar o concreto. Em todas as especificações existem 
sempre diversos parágrafos descrevendo em detalhe como o concreto tem que ser curado no 
canteiro, mas infelizmente, com demasiada freqüência, essas especificações não são cumpridas 
estritamente ou, pura e simplesmente, não são implementadas.” O mesmo autor alerta em 
seguida que a cura adequada é muito mais crucial no caso do concreto de alto 
desempenho. Que a dramática importância da cura adequada do concreto de alto 
desempenho constitui uma diferença fundamental entre o concreto usual e o concreto de 
alto desempenho. 
Tomaz (2001) lembra que “. . . o desenvolvimento dos aços e dos cimentos de alta resistência, 
dos concretos de alto desempenho e dos métodos computacionais de cálculo e dimensionamento 
estrutural, tem propiciado a continuada redução nas seções de vigas, pilares e lajes, tornando as 
estruturas de concreto armado ou protendido cada vez mais esbeltas. Dessa forma, os estados 
limites de utilização passam a ter enorme importância, isto é, a mesma dos estados limites de 
segurança.” Erros de dosagem ou de execução que alterem o módulo de deformação ou a 
fluência do concreto, tais como teores excessivos de pasta ou um elevado número de 
fissuras em função de uma cura inadequada, afetam muito mais intensamente a 
deformabilidade das estruturas em concreto de alta resistência, constituída por menor 
número peças e maior esbeltez, que nos casos de estruturas em concreto convencional. 
 
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Não obstante os procedimentos de construção continuarem com as mesmas falhas de 
sempre, começa a se tornar muito comum a execução de edifícios com resistências de 
projeto entre 40 a 55 MPa. Apesar desses concretos não pertencerem ao Grupo II da 
norma NBR 8953:2009, são resistências muito mais altas que o fck de 20 MPa de pouco 
tempo atrás. As conseqüências devido à falhas no concreto são significativamente 
maiores. 
Quando se produz concreto em uma central, a variabilidade imposta pela natureza dos 
materiais e da unidade de produção é utilizada para o cálculo da resistência de dosagem 
de modo que garanta a resistência característica do material. Sabe-se que o desvio-
padrão da produção de um concreto de alta resistência não é muito diferente ao de um 
concreto convencional. Entretanto o valor do desvio-padrão da produção não contempla 
os valores extremos, causados por erro humano. 
Um erro desse tipo ocorre quando, por exemplo, o balanceiro troca o traço de uma obra 
“A” de fck nominal igual a 50 MPa, pelo da obra “B”, de fck de 30 MPa. A diferença na 
aparência visual desses dois tipos de concreto nem sempre é evidente na obra, e assim o 
concreto é lançado e adensado. Outro exemplo ocorre quando o motorista de um 
concreto de fck nominal menor entrega o concreto em outra obra de fck mais alto. Apesar 
do absurdo que parece, em função da falta de controle da usina ou da obra, isso é mais 
comum do que se poderia imaginar. Há situações tragicômicas, como o reforço estrutural 
de uma obra de fck nominal de 40 MPa, em que o graute de reforço dosado na obra não 
consegue atingir uma resistência característica de 25 MPa. 
 
3 Considerações finais 
As possibilidades de uso do concreto têm evoluído muito intensamente nos últimos 
tempos. Com o advento dos aditivos químicos plastificantes, seguidos pelos 
superplastificantes e hiperplastificantes, e tudo isso associado à possibilidade de adição 
de superpozolanas nas misturas, o concreto passou de uma composição clássica milenar, 
com faixa de resistência restrita, para um novo mundo de possibilidades e ampla faixa de 
resistências. 
Inovações tecnológicas são geralmente aceitas com muita facilidade pelo mercado, como 
se nisso só houvesse vantagens. Os riscos advindos das transições tecnológicas somente 
são notados após o grande desastre. No ano que se completam 100 anos do naufrágio do 
Titanic sua lembrança serve para nos alertar que todo salto tecnológico merece vigilância 
severa. 
A utilização de concretos de resistências mais altas exige maior controle do que na 
utilização do concreto convencional. Concretos de resistências entre 40 e 55 MPa, que 
começam a se tornar comuns nas obras de edifícios no Brasil, apesar de classificados 
como pertencentes ao Grupo I da NBR 8953:2009, necessitam de controle de qualidade 
muito mais criterioso que o necessário na utilização de concretos na faixa entre 20 e 35 
MPa. Se os projetistas e construtores não se atentarem para o fato teremos que conviver 
com muitos problemas no futuro. 
 
ANAIS DO 54º CONGRESSO BRASILEIRO DO CONCRETO - CBC2012 – 54CBC 11 
4 Referências 
 
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8953. Rio de Janeiro, 2009, 3p. 
 
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. Cimento portland comum - 
Especificação. NBR-5732. Rio de Janeiro, 1991, 5p. 
 
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. Cimento portland composto – 
Especificação. NBR-11578. Rio de Janeiro, 1991, 5p. 
 
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concreto – Procedimento. NBR-14931. Rio de Janeiro, 2004, 53p. 
 
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