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Sociodiversidade, Responsabilidade e Comprometimento Social Núcleo de Educação a Distância www.unigranrio.com.br Rua Prof. José de Souza Herdy, 1.160 25 de Agosto – Duque de Caxias - RJ Reitor Arody Cordeiro Herdy Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa (PROPEP) Emilio Antonio Francischetti Pró-Reitoria de Administração Acadêmica (PROAC) Carlos de Oliveira Varella Núcleo de Educação a Distância (NEAD) Márcia Loch CATALOGAÇÃO NA FONTE NÚCLEO DE COORDENAÇÃO DE BIBLIOTECAS – UNIGRANRIO O48s Oliveira, Rosane Cristina de. Sociodiversidade, Responsabilidade e Comprometimento Social / Rosana Cristina de Oliveira. – Duque de Caxias, RJ: Unigranrio, 2019. 160 p. : il. ; 23 cm. Inclui bibliografia 1. Identidade social. 2. Cultura. 3. Pluralismo cultural. I. Título. CDD – 306 Produção: Fábrica de Soluções Unigranrio Desenvolvimento do material: Rosane Cristina de Oliveira Copyright © 2019, Unigranrio Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio eletrônico, mecânico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização, por escrito, da Unigranrio. Pró-Reitoria de Graduação (PROGRAD) Virginia Genelhu de Abreu Francischetti Pró-Reitoria de Pós-Graduação Lato Sensu e Extensão (PROPEX) Nara Pires Sumário Sociodiversidade e Formação Cultural dos Povos Objetivos ........................................................................................... 07 Introdução ......................................................................................... 09 1. Pluralismo Étnico: Credo e Etnia .............................................. 11 2. Diversidade de Gênero e Sexualidade ...................................... 16 3. Cidadania ............................................................................ 19 Síntese ............................................................................................. 23 Referências Bibliográficas .................................................................... 25 Direitos Humanos, Inclusão do Público-alvo da Educação Especial e Acessibilidade Objetivos ........................................................................................... 29 Introdução ......................................................................................... 31 1. Direitos Humanos ................................................................. 33 2. Inclusão do Público-alvo da Educação Especial ........................... 37 3. Acessibilidade ....................................................................... 40 Síntese ............................................................................................. 43 Referências Bibliográficas .................................................................... 45 Multiculturalismo e Globalização Objetivo ............................................................................................ 49 Introdução ......................................................................................... 51 1. Diversidade Cultural e Globalização ......................................... 53 2. Cultura do Consumo .............................................................. 56 Síntese ............................................................................................. 61 Referências Bibliográficas .................................................................... 63 Políticas Públicas Objetivo ............................................................................................ 67 Introdução ......................................................................................... 69 1. Políticas Públicas: a Educação e a Legislação para Pessoas Autistas ..... 71 2. Políticas Públicas: Habitação, Saneamento, Transporte e Saúde ... 74 3. Políticas Públicas: Segurança e Defesa ..................................... 78 Síntese ............................................................................................ 81 Referências Bibliográficas .................................................................... 83 Democracia e Ética Objetivo ............................................................................................ 87 Introdução ......................................................................................... 89 1. Democracia .......................................................................... 91 2. Ética ................................................................................... 95 3. Desempenho Profissional e Empreendedorismo ......................... 97 Síntese ............................................................................................. 99 Referências Bibliográficas .................................................................... 101 Desenvolvimento Sustentável e Gestão Socioambiental Objetivo ............................................................................................ 105 Introdução ......................................................................................... 107 1. Sustentabilidade ................................................................... 109 2. Educação Ambiental .............................................................. 113 3. Ecoeficiência ........................................................................ 114 Síntese ............................................................................................. 117 Referências Bibliográficas .................................................................... 119 Relações Comunitárias Objetivo ............................................................................................ 123 Introdução ......................................................................................... 125 1. Voluntariado ........................................................................ 127 2. Investimento Social .............................................................. 129 3. Ações Não Governamentais .................................................... 131 Síntese ............................................................................................. 135 Referências Bibliográficas .................................................................... 137 Responsabilidade Social Objetivo ............................................................................................ 141 Introdução ......................................................................................... 143 1. Responsabilidade Social Corporativa ........................................ 145 2. Responsabilidade Socioambiental ............................................ 153 Síntese ............................................................................................. 157 Referências Bibliográficas .................................................................... 159 Sociodiversidade e Formação Cultural dos Povos Objetivos Ao final desta unidade de aprendizagem, você será capaz de: ▪ Compreender o conceito de Sociodiversidade inerente à formação da identidade cultural dos povos, respeitando e convivendo com as diversidades culturais e comportamentais – etnias, religiosidade, gênero e orientação sexual. 7Sociodiversidade, Responsabilidade e Comprometimento Social Introdução Nesta unidade de aprendizagem, nosso principal objetivo é refletir sobre questões fundamentais para as relações sociais e o cotidiano. Essas questões dizem respeito à discussão sobre o conceito de sociodiversidade e os aspectos que envolvem a formação cultural dos povos. A diversidade sob a qual a sociedadeestá alicerçada baseia-se no estudo das várias etnias que compõem os territórios, a pluralidade religiosa, as relações de gênero e a sexualidade, tanto do ponto de vista em respeito às escolhas individuais e à manutenção dos direitos, como ao exercício pleno da cidadania. Essas temáticas são fundamentais para a construção de uma conduta profissional consolidada nos princípios da dignidade humana, da ética e do respeito mútuo. 9Sociodiversidade, Responsabilidade e Comprometimento Social 1. Pluralismo Étnico: Credo e Etnia A conceituação de sociodiversidade diz respeito às diferentes manifestações culturais, modos de vida, relação do homem com a natureza e o multiculturalismo. Os estudos sobre as questões étnico-raciais fazem parte da multiplicidade de temas inseridos nas discussões acerca da sociodiversidade. No Brasil, as investigações sobre as questões raciais e indígenas são fundamentais para o desenvolvimento de olhares mais críticos acerca dos caminhos sociais, políticos e econômicos sob os quais a sociedade brasileira alicerça seus valores. Em geral, podemos verificar, nos meios midiáticos, uma série de medidas, políticas públicas e conflitos em torno da população negra e indígena. Esses conflitos referem-se aos inúmeros casos de racismo e ao descumprimento de uma série de prerrogativas e de garantias de direitos destinados a essas populações. Nesse sentido, como surge a questão racial no Brasil? Quais são as bases históricas? Qual é a importância da compreensão das relações étnico-raciais em nosso país? Para responder a essas indagações, é importante fazermos uma contextualização. A chegada do colonizador português no território brasileiro, no início do século XVI, inaugurou um processo que marcou profundamente a formação do povo brasileiro. Darcy Ribeiro, no livro O povo brasileiro – a formação e o sentido do Brasil, apresentou uma reflexão sobre a formação do povo brasileiro a partir do período colonial, apontando os aspectos que permearam a construção da América Portuguesa. A implantação do regime escravocrata representou, de acordo com Ribeiro (1995), dois momentos cruciais: o primeiro momento, com a tentativa (frustrada) de tornar a população indígena cativa e escravizada; e o segundo momento, com a inserção do negro escravizado para a realização das atividades agrícolas. Ao longo dos séculos XVI, XVII, XVIII e meados do XIX, a base do sistema colonial era: terra, escravidão e Igreja. Portanto, a economia agrária, baseada na mão de obra escrava, com o aval da Igreja Católica, compôs as características de sociabilidade na colônia portuguesa. Nesse contexto, os negros escravizados eram tratados como mercadorias, ou seja, não exerciam ou possuíam direitos. Essa situação perdurou até a segunda metade do século 11Sociodiversidade, Responsabilidade e Comprometimento Social XIX, quando ocorreu a inserção do imigrante europeu em substituição gradual do trabalho escravo pelo trabalho assalariado. Em 1888, no ato da assinatura da Lei Áurea decretando o fim da escravidão no Brasil, a sociedade enfrentava um novo dilema: por um lado, a necessidade do trabalho assalariado para responder às diretrizes impostas, especialmente, pela Inglaterra; por outro lado, a ausência de suporte por parte do Estado em relação à massa de ex-escravizados. A maior parte da população negra deixou o meio rural em busca de oportunidades nos centros urbanos, mas a precariedade estrutural urbana, política e social acirrou ainda mais as desigualdades sociais. Em condições precárias de trabalho e de sobrevivência, o negro liberto continuou enfrentando uma situação de miserabilidade, racismo e com pouco ou nenhum acesso aos bancos escolares. É importante ressaltar que o etnocentrismo europeu foi o principal alicerce da estrutura implantada nas respectivas colônias. O etnocentrismo é o ato de julgar outras culturas, tendo como base a própria cultura; dessa forma, as sociedades que estejam fora dos padrões assimilados são tratadas como inferiores. Nesse sentido, o etnocentrismo é o principal condutor de comportamentos preconceituosos, intolerantes e que, por vezes, acirram a violência em decorrência do racismo (MICHALISZYN, 2014). Para o colonizador europeu, o continente africano e as américas eram considerados lugares atrasados, com uma população que vivia de modo primitivo. Até o fim do século XIX, as teorias que determinavam a supremacia europeia na condição de civilizados, em detrimento das sociedades africanas e indígenas como “primitivas”, foram fundamentais para o acirramento das desigualdades entre os povos. Entre as teorias mais eficazes, destacou-se o Darwinismo Social, no século XIX. Charles Darwin, biólogo do século XIX, constatou cientificamente o processo de evolução das espécies e, entre outras coisas, atribuiu à espécie humana etapas de desenvolvimento até chegar ao estágio em que se encontrava: o homo erectus. O intelectual do século XIX Herbert Spencer (1820-1903), ao tentar aplicar essa teoria à dinâmica da sociedade, segmentando entre sociedades primitivas e civilizadas, contribuiu para o chamado darwinismo social, que gerou inúmeros casos de conflitos sociais, entre os quais podemos destacar o imperialismo na África, iniciado em meados do século XIX, que, além dos problemas de ordem econômica e política, gerou o Apartheid. 12 Sociodiversidade, Responsabilidade e Comprometimento Social O Apartheid foi um regime de segregação racial, implantado nos países do continente africano entre os anos de 1948 e 1990, sendo o responsável por uma série de assassinatos e perseguições políticas, entre os quais a prisão de Nelson Mandela teve grande repercussão. A respeito desse tema, fica como indicação o filme Um grito de liberdade, de 1987, dirigido por Richard Attenborough. No século XX, especificamente a partir dos anos 1940 e 1950, a teoria antropológica conhecida como relativismo cultural criticou duramente o etnocentrismo, argumentando que não existem sociedades civilizadas em detrimento das chamadas primitivas ou culturas mais desenvolvidas do que outra. O relativismo cultural defende a existência de culturas no plural, ou seja, não há uma cultura melhor do que a outra, pois a cultura está presente em todas as sociedades. É inegável o papel do negro e indígenas na sociedade brasileira, especialmente nas dimensões culturais, linguísticas e religiosas. Temos inúmeras manifestações originárias de matrizes africanas, como na música, na culinária e na religiosidade. Na música popular brasileira, entre as quais destacam-se o maracatu e o samba, e, também, na dança (a capoeira é um bom exemplo), pode-se observar as raízes na africanidade. Na religiosidade, a principal manifestação é o Candomblé, cuja origem está no sincretismo entre os cultos africanos e a necessidade de se adequar ao catolicismo, uma vez que os rituais típicos das regiões de onde os negros escravizados eram originários não eram aceitos no Brasil. Assim, é comum observar a correspondência entre os santos católicos e os orixás, como é o caso de São Sebastião - Oxossi, Santa Bárbara - Iansã, São Jorge - Ogun, Nossa Senhora da Conceição - Oxum, entre outros. Nas últimas décadas, os casos de intolerância religiosa, mais especificamente os que são direcionados às religiões de matrizes africanas, ganharam repercussão. Em geral, os conflitos que se configuraram tiveram como motivação a dificuldade em lidar com as diferenças, especialmente no contexto dos estados multiculturais, ou seja, territórios que abrigam várias manifestações de culturas (na mesma cidade, região ou país). Assim, os comportamentos que fundamentam preconceitos, estigmas, e consequentemente, induzem a atos violentos tornaram-se objetos de inúmeras pesquisas. Com os grupos estigmatizados, que têm ressaltadas características, consideradasnegativas por Importante 13Sociodiversidade, Responsabilidade e Comprometimento Social outros grupos que compõem a sociedade, bem como o preconceito baseado na incompreensão ou desconhecimento de determinada manifestação étnica e cultural, são os principais alvos da intolerância (OLIVEIRA, 2007). Nesse sentido, o reconhecimento e a liberdade religiosa fazem parte dos processos culturais de formação da sociedade; não se trata de somente “tolerar” as manifestações religiosas, uma vez que tal atitude significaria o ato de “suportar” apesar de não concordar. No caso das religiões de matrizes africanas, a “tolerância” necessariamente não constitui respeito aos ritos e características dessas religiões. Assim, a inclusão do tema relações étnico-raciais nos currículos escolares, discutindo a história e a cultura afrobrasileira e indígena, tem como objetivo refletir sobre a diversidade cultural e identitária dos povos. O resultado, espera-se, é construir uma sociedade mais justa e respeitosa. Na linguagem, a influência do africano na construção da língua portuguesa é visível no uso dos diminutivos, como no prefixo ca-, que significa pequeno); como exemplo podemos citar as palavras “camundongo” e “cachimbo”. Um estudo interessante sobre a língua portuguesa e o papel dos indígenas e africanos nesse processo foi elaborado por Guerreiro (2015), chamando a atenção para os elementos históricos e as mudanças sofridas na língua a partir da inserção do negro africano na sociedade brasileira. Nesse estudo, a autora também aborda a importância das línguas e culturas indígenas para a sociedade brasileira, destacando o folclore e as lendas mais conhecidas, como o Saci-Pererê e o Curupira (nomes originários do Tupi-Guarani). Entretanto, além dos aspectos culturais, linguísticos e religiosos que fazem parte do processo de formação do povo brasileiro, na atualidade, as questões que envolvem o preconceito racial, a luta por equidade e justiça social estão em voga. As populações indígenas têm dificuldade para manter seus elementos culturais, bem como a questão da demarcação injusta de territórios indígenas; além disso, são de difícil adequação e entendimento entre as lideranças indígenas e o poder estatal brasileiro. Estima-se que no período de chegada do colonizador português, no início do século XVI, mais de 4 milhões de indígenas viviam no Brasil. Ao longo do tempo, inúmeras etnias indígenas foram extintas ou diminuíram consideravelmente sua população, por meio da proliferação de doenças (especialmente com o contato com o “homem branco”) e massacres promovidos pelo colonizador. Outro fator são os conflitos travados com o Estado e produtores rurais. 14 Sociodiversidade, Responsabilidade e Comprometimento Social De acordo com os dados do último censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), atualmente, existem apenas aproximadamente 900 mil indígenas no Brasil, compostos por 305 etnias e com 274 idiomas diferentes, e 57% vivem em terras demarcadas. Muitos vivem em situação de pobreza ou em constantes conflitos pelo direito às terras demarcadas. Um importante passo sobre a sociodiversidade indígena e a legislação em torno dessa questão é a Lei 11.645/2008, que assegura o acesso, nos currículos escolares, ao ensino de História e Cultura Afro-Brasileiras e Indígenas. No Brasil, uma parcela expressiva da população negra não está devidamente contemplada no mercado de trabalho, os índices de violência motivados por preconceito são visíveis. De acordo com a Organização Mundial das Nações Unidas, a população negra é a que mais sofre com a desigualdade social e a violência. No mercado de trabalho, a dificuldade das pessoas negras ou pardas terem progressão de cargos e salários está mais acentuada. De acordo com estudo intitulado Perfil Social, Racial e de Gênero das 500 maiores empresas do Brasil e suas ações afirmativas, realizado pelo Instituto Ethos em 2016, apenas 6,3% de pessoas negras estão em cargos de gerência, somente 4,7% ocupam cargos executivos. As mulheres negras estão em condições ainda mais desfavoráveis se comparadas aos homens, pois apenas 1,6% exercem cargos de gerência, e 0,4% estão nos quadros executivos. Mas, quando os cargos são correspondentes ao início da carreira, são 57,5% para aprendizes, e 58,2% para trainees. A violência é um fator importante para ser debatido. De acordo com o Atlas da Violência (2017), a cada 100 pessoas vítimas de homicídios no Brasil, 71 são negras, sendo os jovens as maiores vítimas. Ao analisar os dados de violência, com base no gênero e na etnia, os resultados também são alarmantes. O número de mulheres negras vítimas de feminicídio (homicídio cuja motivação é o fato da vítima ser do gênero feminino) é maior do que o das mulheres não negras. Aproximadamente, 65% das mulheres vítimas de assassinato no Brasil, durante o ano de 2016, eram negras, configurando a problemática que envolve a desigualdade de gênero e a questão racial. Nesse sentido, os estudos sobre as relações de gênero e sexualidade são, também, de suma importância para compreendermos a diversidade que permeia a sociedade do ponto de vista das identidades de gênero. Também 15Sociodiversidade, Responsabilidade e Comprometimento Social é importante refletirmos sobre os conflitos oriundos de interpretações equivocadas sobre essas temáticas, os problemas enfrentados no mercado de trabalho e a importância das políticas públicas voltadas para as questões de gênero e sexualidade. 2. Diversidade de Gênero e Sexualidade Além dos estudos sobre as questões étnico-racial e indígena, as relações de gênero e sexualidade também fazem parte da sociodiversidade. Os primeiros estudos sobre gênero, em geral, partiam das discussões sobre as mulheres, desde as análises acerca das lutas políticas inauguradas com o movimento feminista no século XIX e início do século XX, até as novas configurações em relação a gênero e sexualidade. No século XIX, os movimentos de mulheres deram suporte à construção do feminismo. Uma das conquistas advindas desses movimentos, no início do século XX, foi o direito ao voto. O termo “feminismo” diz respeito à dimensão política – cuja a principal característica é a defesa por igualdade entre os sexos –, bem como na ideia radical de que as mulheres são pessoas, e, portanto, devem ser vistas com direitos como todos os membros da sociedade. O feminismo não está pautado na dicotomia ou oposição em relação ao masculino, conforme observa-se no senso comum. É importante ressaltar que o feminismo não diz respeito ao uso do termo “mulher”, conforme demonstrou Judith Butler, no livro Problemas de Gênero, uma vez que a sociedade tende a determinar o que é ser mulher nos âmbitos cultural, histórico e psicológico, produzindo, assim, inúmeros olhares sobre o feminino e o que é ser “mulher”. Esses olhares, construídos a partir da ideia e naturalização da cultura machista, tende a alocar as mulheres na subalternidade em relação ao masculino. Um dos resultados é a violência contra mulheres ou qualquer pessoa que se considere feminina (como as mulheres trans). Um dos estudos que marcaram as análises sobre feminismo, gênero e sexualidade foi o Segundo Sexo, de autoria de Simone de Beauvoir, nos anos 1940. Nesse livro, a autora abordou como a sociedade construiu seus pressupostos de desigualdade entre os gêneros, bem como a subalternização da mulher. Ao afirmar que “ninguém nasce mulher, torna-se”, Beauvoir promove 16 Sociodiversidade, Responsabilidade e Comprometimento Social uma reflexão pautada não somente no aspecto da determinação biológica do sexo que inscreve-se no ato do nascimento (homem e mulher / macho e fêmea), mas, sim, no caráter identitário e cultural que moldam a socialização e educação dos sujeitos a partir do seu sexo. Por exemplo:ao nascer, aparece determinado o que é de “menino” e o que é de “menina”, configurando categoricamente qual o tipo de comportamento que deve ser assimilado pelos indivíduos para que respondam às expectativas e imposições sociais. Nesse sentido, a supremacia masculina, em detrimento da fragilidade feminina, seria um elemento a ser discutido pelas intelectuais feministas. Dos anos 1940 até as décadas de 1970 e 1980, a maioria dos trabalhos que tinham como foco a questão do gênero chamava a atenção para os problemas em torno da formação histórica baseada no patriarcalismo (no poder político-social exercido especialmente por homens), que gerava inúmeros conflitos e violência contra as mulheres. O resultado dessas reflexões foram a criação de políticas públicas de proteção às mulheres, como a Delegacia de Atendimento à Mulher (DEAMs), criada nos anos 1980, a Lei Maria da Penha, em 2006 e a Lei do Feminicídio, em 2015. Entretanto, do final dos anos 1980 em diante, as pesquisas sobre gênero incluíram outras temáticas de igual importância, chamadas de identidades de gênero. Os estudos sobre identidades de gênero estão para além das análises baseadas na “heteronormatividade”, ou seja, a ideia preconceituosa de que somente a heterosexualidade seria a única a ser aceita pela sociedade e, portanto, qualquer outra orientação sexual estaria na marginalidade e sujeita a críticas, discriminação e repúdio. Essa concepção de orientação sexual, ao ignorar as demais orientações advindas da diversidade sexual, é um dos motivadores de conflitos e violências sofridas por sujeitos que não se enquadram no comportamento heteronormativo. Os dados divulgados anualmente pela ONG GGB (Grupo Gay da Bahia) revelam o crescimento da violência e dos assassinatos sofridos pela população LGBTTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros, Travestis e Interssexuais): uma das constatações é a de que a maior parte das vítimas de homicídios são pessoas Trans (Transgênero e Travestis). As pessoas transgênero são aquelas que não se identificam com o sexo biológico com que nasceram e, por esse motivo, decidem pela mudança de sexo, por meio de cirurgias e acompanhamento psicológico durante o processo. Já a pessoa 17Sociodiversidade, Responsabilidade e Comprometimento Social travesti é aquela que também não se identifica com o corpo biológico que nasceu, usa roupas e possui comportamentos de pessoas do sexo oposto, mas não fazem a cirurgia de mudança de sexo. Em geral, os indivíduos de orientação sexual Trans estão mais vulneráveis, pois a não aceitação de sua condição por parte dos familiares, o preconceito exacerbado nos espaços escolares e a dificuldade em se inserir no mercado de trabalho são os principais fatores que colocam essa população em risco. As pessoas Intersex são aquelas que, ao nascer, constatam a existência dos dois sexos, chamadas de “hermafroditas”; o Intersex pode nascer com aparência biologicamente feminina, mas possuir predominância anatômica masculina e vice- versa. A percepção de que a pessoa é Intersex nem sempre é de fácil constatação e, em alguns casos, por exemplo, a descoberta pode vir em decorrência de alguma cirurgia ou na infertilidade, pois, ao fazer os procedimentos e exames médicos para descobrir os motivos da impossibilidade de engravidar, pode-se verificar que, internamente, os órgãos correspondem ao sexo masculino. O gênero não é definido somente nos elementos biológicos do indivíduo, mas também pelas dimensões sociais, culturais e pela orientação sexual. Assim, a identidade de gênero é um composto de construções sociais, culturais e escolhas individuais com as quais o sujeito se identifica. Por esse motivo, embora o sujeito pertença biologicamente ao sexo masculino ou feminino, ao não se sentir confortável com essa “determinação”, pode assumir identitariamente outra configuração. Nesse ponto, é importante salientar que a escolha do indivíduo por outra orientação sexual diferente do seu sexo biológico não configura nenhum tipo de problema de ordem mental ou comportamento desviante e pervertido, mas somente como identificam seus corpos a partir da dimensão psicológica. As múltiplas construções sobre gênero podem ser observadas nos movimentos LGBTTI. Em geral, esses movimentos têm, na pauta, a institucionalização de políticas públicas, o reconhecimento do ponto de vista do exercício pleno da cidadania, o reconhecimento de direitos, entre outros. O Ministério Público lançou, em 2017, a Cartilha LGBT, apresentando os conceitos, os direitos LGBT, a legislação e os órgãos de defesa e direitos dessa população. Nesse documento, a sociedade tem acesso aos principais pontos da legislação, às políticas públicas e à defesa dos direitos. 18 Sociodiversidade, Responsabilidade e Comprometimento Social A Cartilha LGBT é um documento importante enquanto referencial sobre a questão LGBT no Brasil. Nessa publicação, a sociedade tem pleno acesso às determinações legais, bem como o direcionamento que a justiça institucionalizou sobre a inclusão, respeito e exercício de liberdade por parte desses grupos. Ultimamente, é comum ouvirmos a expressão “ideologia de gênero” para caracterizar negativamente as questões de gênero, argumentando que tal “ideologia” é nociva em relação ao processo de socialização da criança. Entretanto, a “ideologia de gênero”, conceitualmente, não existe, uma vez que os sujeitos não têm uma “ideia” sobre seu gênero, mas, sim, uma identidade de gênero. Em geral, a “ideologia de gênero” é uma expressão utilizada superficialmente, de acordo com dogmas religiosos e contrários a qualquer manifestação de orientação sexual que não se enquadre na heteronormatividade. A compreensão em torno das relações étnico-raciais, de gênero e sexualidade, além de chamar a atenção para a importância em relação às condutas e práticas éticas na sociedade, também são questões que perpassam pela necessidade de pensar o exercício pleno da cidadania e a busca e preservação dos direitos individuais, conforme veremos a seguir. 3. Cidadania O termo “cidadania” é amplamente utilizado no cotidiano da sociedade. Entretanto, do ponto de vista conceitual, pode-se dizer que cidadania significa condições para o exercício de direitos por parte do cidadão, ou seja, a garantia do direito do cidadão remete, diretamente, ao ato do exercício de cidadania. Em relação à concepção jurídica do uso do termo, está vinculado ao fato de que o cidadão exerce cidadania quando usufrui de seus direitos políticos. Para a sociologia, o uso do termo é mais abrangente, pois não basta ter direitos políticos assegurados; é fundamental que o sujeito tenha garantias de seus direitos civis e sociais. No Brasil, um dos entraves para que o cidadão exerça plenamente sua cidadania está no desconhecimento dos direitos sociais e civis que estão garantidos na Constituição de 1988, também conhecida como “constituição cidadã”. Importante Leia mais 19Sociodiversidade, Responsabilidade e Comprometimento Social Historicamente, a cidadania como garantia de direitos foi instituída no final do século XVII, no contexto da Revolução Francesa; em 1789, foram declarados, na França, os direitos do homem e do cidadão. Nesse documento, as noções de cidadania que conhecemos aparecem em 17 artigos, dentre eles: a liberdade individual e a igualdade de direitos; o direito à propriedade, a segurança e o combate à opressão; o respeito aos direitos de cada homem; o direito ao exercício da opinião e liberdade religiosa etc. Pouco mais de 100 anos depois, já no século XX, em 1948, foi idealizada a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Nela, estão reafirmados os direitos civis, salientando a importância da liberdade, justiça e paz. No artigo 2, chamamos a atenção para a redação que, de maneira simples, salienta a importânciada preservação dos direitos: Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação. Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto político, jurídico ou internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa, seja esse país ou território independente, sob tutela, autônomo ou sujeito a alguma limitação de soberania. Ambas as declarações apontam para a questão da manutenção de direitos fundamentais. Assim, ressalta-se que os processos discriminatórios frequentemente sofridos por sujeitos ou grupos em relação à etnia, orientação sexual ou religiosa representam uma grave violação aos Direitos Humanos. Nos estudos da área de Direito, uma das dimensões amplamente discutidas é o “direito à diferença”, especialmente no chamado “novo direito privado brasileiro”. Atualmente, a pluralidade de ideias, de valores, de sujeitos e de grupos é o principal elemento que promove a proteção da diversidade. Esse pluralismo é percebido com base nas noções de tolerância e concepção moral e jurídica, que asseguram o direito à diferença. Nesse sentido, o direito privado passa a conviver igualmente com outras legitimidades e outros valores (FERRAZ; LEITE, 2015). Entretanto, a pluralidade ou diversidade típica da sociedade atual também é um elemento de vulnerabilidade, ou seja, é necessário pensar a 20 Sociodiversidade, Responsabilidade e Comprometimento Social diversidade e, ao mesmo tempo, observar a vulnerabilidade em torno das populações chamadas de minorias. Negros, indígenas e LGBTTI, por exemplo, estão constantemente no cenário político e social, na busca por direitos e proteção, uma vez que fazem parte de grupos que sofrem violências motivadas pelo preconceito racial e de gênero. A cidadania, historicamente, pode ser observada em três momentos: os direitos civis (baseados no direito à liberdade, propriedade privada e igualdade assegurada pela lei), direitos políticos (especialmente no direito ao voto e demais formas de participação do cidadão nas questões governamentais) e direitos sociais (moradia, educação, emprego, saúde e seguridade social). No Brasil, esses direitos aparecem difusos, e, mesmo no contexto democrático, a manutenção de um direito não garante a de outro. O fato de o Brasil ser uma democracia e ter o voto direto e irrestrito (um direito político) não significa que o direito à saúde, educação ou emprego está, da mesma forma, assegurado. De acordo com Carvalho (2005), os problemas em torno do exercício pleno da cidadania, ou de um determinado direito é que, no caso do Brasil, os direitos civis foram limitados, especialmente no período entre a abolição da escravidão, em 1888; a proclamação da República, em 1889; e a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, em 1930. Para o autor, nesse período, a participação popular na política nacional, limitada na ação de pequenos grupos oligárquicos e detentores de poder econômico, excluiu as massas das decisões políticas e, consequentemente, atrasou a aquisição e manutenção de direitos civis e sociais. Após 1930, o cenário político brasileiro também não se mostrou favorável ao exercício pleno de direitos e cidadania. Durante o governo de Getúlio Vargas, entre 1930 e 1945, o fechamento do Congresso Nacional e a instauração do Estado Novo promoveram um período ditatorial e de silenciamento de grupos opositores ao regime implantado por Vargas, provocando, ainda mais, o enfraquecimento de qualquer elemento democrático. Em 1942, a consolidação das leis trabalhistas - a CLT -, significou um avanço nos direitos sociais, mas não garantiu, de fato, os demais direitos (civis e políticos). Menos de duas décadas depois, o Golpe de 1964 e a institucionalização dos militares no poder novamente promoveram o retrocesso dos direitos civis e políticos, pois uma das primeiras medidas foi o fechamento do Congresso, o governo por Atos Institucionais (decretos produzidos pelo poder executivo) e o voto indireto (ausência da sociedade civil 21Sociodiversidade, Responsabilidade e Comprometimento Social na escolha de presidente e demais membros do poder executivo e legislativo). Nesse sentido, ao longo de quase 30 anos, a sociedade brasileira manteve-se distante do exercício do direito político. No início dos anos 1980, o processo de redemocratização foi lento e de difícil retomada da democracia. O regime militar extinguiu-se em 1985, e alguns direitos civis foram retomados, tais como a liberdade de expressão individual e da imprensa. Entretanto, não significou a possibilidade de exercício da cidadania, pois os direitos políticos e sociais ainda não estavam devidamente acessíveis à população em geral. Para Carvalho (2005), o exercício da cidadania está atrelado à manutenção dos direitos civis, políticos e sociais. No Brasil, a facilidade com a qual a conquista desses direitos são postas em cheque ao longo da história (o processo de escravidão no período colonial, a instauração complexa do regime republicano, as ditaduras civil e militar) é responsável por uma parcela significativa das desigualdades sociais. Os problemas sociais no Brasil, como a pobreza e o sistema de assistência social precários ainda não foram resolvidos, mesmo com a manutenção da democracia. Nesta unidade de aprendizagem, discutimos as relações étnico-raciais, de gênero e sexualidade e a importância da conquista e manutenção dos direitos sociais, civis e políticos. Eles são fundamentais para o exercício da cidadania e, no vídeo Compromisso das empresas com os Direitos Humanos LGBT, produzido pelo Instituto Ethos, você conhecerá melhor como e quais são as estratégias de inclusão social para a população LGBT. Saiba Mais Assista agora 22 Sociodiversidade, Responsabilidade e Comprometimento Social Síntese Nesta unidade de aprendizagem, foram apresentadas as discussões em torno das relações étnico-raciais, de gênero e sexualidade e de cidadania. Sobre a questão étnico-racial, chamou-se a atenção para o processo de colonização e escravização dos negros africanos, abordando a cultura trazida por eles e o seu papel fundamental para a formação do povo brasileiro. As relações de gênero e sexualidade foram tratadas conceitualmente, destacando as políticas voltadas para os grupos LGBTs. É importante ressaltar o papel das empresas e de organizações não governamentais para a inclusão das pessoas LGBTs. Apresentamos, também, a situação de violência à qual estão expostas a comunidade LGBTs e a população negra, em decorrência do racismo e do preconceito de gênero. Por fim, nesta unidade de aprendizagem, discutiu-se a questão da cidadania, destacando a importância dos direitos sociais, políticos e civis no processo de construção e exercício pleno da cidadania. 23Sociodiversidade, Responsabilidade e Comprometimento Social Referências Bibliográficas BEAVOIR, Simone de. O segundo sexo. v. 2. São Paulo: Nova Fronteira, 2016. BRASIL. Lei nº 11.645, de 10 março de 2008. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Disponível em: www.planalto.gov.br/ ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm. Acesso em: 23 jan. 2018. ______. Ministério Público Federal. O Ministério Público e os direitos de LGBT: conceitos e legislação. Brasília: MPF, 2017. Disponível em: www.mpf. mp.br/atuacao-tematica/pfdc/midiateca/nossas-publicacoes/o-ministerio- publico-e-os-direitos-de-lgbt-2017. Acesso em: 23 jan.2018. BUTLER, Judith. Problemas de gênero. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. CARVALHO, José Murilo. Cidadania no Brasil: um longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. FERRAZ, Carolina Valença; LEITE, Glauber Salomão (coords.). Direito à diversidade. 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São Paulo: Companhia das Letras, 1995. 26 Sociodiversidade, Responsabilidade e Comprometimento Social Direitos Humanos, Inclusão do Público-alvo da Educação Especial e Acessibilidade 29Sociodiversidade, Responsabilidade e Comprometimento Social Objetivos Ao final desta unidade de aprendizagem, você será capaz de: ▪ Interpretar contextos sociais permeados por diversidades. 31Sociodiversidade, Responsabilidade e Comprometimento Social Introdução Nesta unidade de aprendizagem, serão abordadas as questões sobre os direitos humanos, a inclusão do público-alvo da educação especial e a acessibilidade. As discussões sobre os direitos humanos são fundamentais para o entendimento em torno do direito à vida, liberdade de escolha e manutenção da justiça social, destacando a necessidade de compreensão desse tema para além das dimensões do senso comum. Em seguida, serão apresentadas as discussões sobre a importância do reconhecimento da sociedade e do Estado acerca da necessidade de inclusão das pessoas que fazem parte do público-alvo da educação especial (pessoas com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e com altas habilidades/ superdotação). O processo de inclusão desse público-alvo diz respeito aos espaços de empregabilidade (como o cumprimento da lei que garante uma porcentagem das vagas no mercado de trabalho para esse público); nas instituições de ensino (especialmente no cumprimento de medidas, como a contratação de tradutores de língua de sinais); e nas relações familiares (construindo bases de informação para que os membros familiares tenham condições de cuidados e procedimentos adequados a cada caso). Além disso, abordaremos a questão da acessibilidade, compreendida como fundamental para a melhoria da qualidade de vida das pessoas. 1. Direitos Humanos Na primeira unidade de aprendizagem, a abordagem sobre a cidadania assinalou a importância dos direitos humanos. Nesse sentido, ressaltamos a necessidade de compreender, historicamente, a construção dos direitos e dignidade da pessoa humana, como uma das pré-condições para a instauração dos direitos humanos na atualidade. Nosso principal intuito é trabalhar o contexto histórico e a conceituação de direitos humanos, além do senso comum, chamando a atenção para o direito à vida. A questão dos direitos humanos, antes da elaboração e institucionalização da Declaração dos Direitos Humanos, em 1948, tem elementos fundamentais na dimensão jurídica do Estado de Direito. De acordo com essa dimensão, a inspiração para sua construção jurídica está no pensamento cristão, destacando o argumento de que os seres humanos foram criados à imagem e semelhança de Deus. Assim, o cidadão se destaca dos demais seres vivos, tornando-se especial e possuidor de dignidade. Essa discussão foi abordada por Alves (2001), que apontou algumas semelhanças entre as concepções de direitos humanos na atualidade e a igreja católica e seu papel doutrinário ao longo do tempo. Para ele, além da afirmação de que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, dando a ele dignidade e o colocando como especial diante do “criador”, ao longo do século XIX, por exemplo, a Igreja se posicionou em defesa dos direitos da pessoa, argumentando sobre seu descontentamento diante dos inúmeros casos de abusos e desrespeito sofridos pelos operários durante o processo de industrialização. Entre os direitos da pessoa humana considerados fundamentais, Alves (2001) apresenta: o direito à vida; integridade física e psicológica; direito aos bens materiais que garantam a sobrevivência digna do cidadão; direito ao trabalho digno; direito à autonomia individual e familiar; direito a exercer a religião que escolher; direito à participação política, econômica, cultural, entre outros. Além da importância da doutrina católica no que diz respeito à preservação da dignidade humana, o chamado pensamento iluminista do século XVIII difundiu ideias fundamentais em relação ao valor da pessoa humana. É importante destacar que, no período de efervescência do 33Sociodiversidade, Responsabilidade e Comprometimento Social Iluminismo, vigoravam as monarquias absolutas, cujo Rei tinha poder de vida e de morte sobre seus súditos. O Iluminismo criticava essa estrutura de poder político e defendia a ideia de que o Estado (monárquico) não deveria intervir na autonomia individual, ou seja, todo homem teria o direito à propriedade privada. A Revolução Francesa (1789) e a primeira Revolução Industrial (na última década do século XVIII, na Inglaterra) foram dois eventos históricos impulsionados pelos ideais iluministas, bem como pelo descontentamento da burguesia mercantil e da população diante dos “desmandos” dos monarcas. Essas duas revoluções assinalaram o fim das monarquias absolutas, ou seja, a queda do poder em torno do Rei. Nas primeiras duas décadas do século XIX, por causa da “segunda” Revolução Industrial, promovida a partir da inserção de máquinas a carvão, o processo produtivo tornou-se mais ágil. Ao mesmo tempo, o campo passou a criar ovelhas em detrimentos de outras práticas agrícolas, com o intuito de fornecer lã para as fábricas de tecelagem, descartando uma quantidade elevada de trabalhadores rurais; consequentemente, esses camponeses seguiram para os grandes centros urbano-industriais, ficando esse processo conhecido como “cercamento dos campos”. O campo rendeu-se à cidade, e seus antigos trabalhadores rurais, sem outra opção, partiram em busca de atividades produtivas nas fábricas. A cidade, sem preparo para receber o contingente populacional advindo dos campos, enfrentou seu primeiro problema em decorrência da Revolução Industrial: a pauperização e favelização da população operária – esse cenário fez parte do contexto do Estado Liberal. Noséculo XIX, com a queda das monarquias absolutas na Europa e a ascensão da burguesia industrial, o Estado Liberal, idealizado e defendido pelos iluministas, não encontrou um cenário favorável para sua sobrevivência, pois cuidava apenas da institucionalização das decisões por parte dos detentores do capital. Assim, o Estado Liberal, ao delegar à sociedade a liberdade individual, não conseguiu manter a dignidade humana. Além disso, a ausência de controle do Estado em torno das questões econômicas, a liberdade de comércio e das relações de produção (mediadas pelos detentores do capital e dos meios de produção), a livre concorrência e supremacia da propriedade privada, entre outras características do Estado Liberal, transformaram-se, ao longo do século XIX, nos principais entraves para a sobrevivência dessa dinâmica de poder estatal (GUERRA, 2011). As mazelas sociais – como a fome, pobreza, miserabilidade, ausência de 34 Sociodiversidade, Responsabilidade e Comprometimento Social direitos sociais e a exploração da classe operária – provocadas pelo sistema capitalista industrial, inaugurado pela Revolução Industrial, apontaram as contradições desse sistema, reavivando as discussões em torno da dignidade humana e do papel do Estado nessa questão. Surgia, ao final do século XIX até meados do século XX, o Estado de Bem-estar Social, que era responsável pela concepção, institucionalização e manutenção de padrões aceitáveis de acesso à saúde, educação, moradia, saneamento básico, empregabilidade e aposentadoria (GROPPO, 2005). O século XX foi inaugurado com a primeira Guerra Mundial, entre 1914 e 1917. Essa guerra, extremamente nociva para o mundo, especialmente aos países ocidentais, constituiu um cenário que impulsionou, quase duas décadas depois, a Segunda Guerra Mundial, que ocorreu entre 1939 e 1945. Esse cenário diz respeito à ascensão do nazismo na Alemanha e do fascismo na Itália. Uma das marcas da Segunda Guerra foi a perseguição à população judia e os assassinatos e torturas nos campos de concentração; aproximadamente, cerca de seis milhões de judeus foram mortos ao longo da guerra, nos campos de concentração, com envenenamento a gás, fuzilamento ou na condição de “cobaias” em experimentos conduzidos por médicos e cientistas nazistas. É fato que, em contextos de guerra, as questões de respeito à vida são ignoradas. No caso da Segunda Guerra, as atrocidades sem precedentes, especialmente em relação à situação sofrida pela população judia, levantaram inúmeras discussões sobre como a sociedade seria reconstruída. Somado às atrocidades cometidas com a perseguição aos judeus, o final da Segunda Guerra foi marcado com o lançamento da bomba atômica em Hiroshima e Nagasaki, no Japão; essas cidades foram dizimadas e, há décadas sofre com os resquícios radioativos, causadores de doenças, entre outros infortúnios para os seres humanos, fauna e flora. Esses acontecimentos suscitaram o surgimento de um termo para designar o massacre sem precedentes: o genocídio. Essa palavra foi utilizada, pela primeira vez, logo após o término da Segunda Guerra Mundial, para designar o assassinato deliberado e em massa de grupos ou comunidades inteiras, motivado por questões de raça, religião e etnia. O fim da Segunda Guerra foi marcado pela derrota dos países que compuseram o Eixo: a Alemanha nazista, a Itália fascista e o Japão. Os países aliados que venceram a guerra (Estados Unidos, Reino Unido e União 35Sociodiversidade, Responsabilidade e Comprometimento Social Soviética, entre outros países da Europa e Américas Central e Sul) designaram inúmeros embargos econômicos aos países do Eixo. Além disso, os países do Eixo tiveram que enfrentar, em decorrência da devastação provocada pela guerra, processos de reparação e julgamentos – o Julgamento de Nuremberg foi um dos mais significativos e era composto por um tribunal militar internacional, com o intuito de julgar os membros do alto comando nazista. A Alemanha teve seu território dividido em lado ocidental e lado oriental, pelo muro de Berlin, o qual demolido em 1989, representando a queda do Bloco Socialista. Com o fim da Segunda Guerra Mundial e do nazismo, apesar de uma série de movimentos internacionais contrários a qualquer ensejo de guerra, entre os anos de 1947 e 1991, o mundo vivenciou a chamada Guerra Fria, que consistia em uma série de investidas para a construção de armamentos pesados, incluindo bombas atômicas, por parte dos países que passaram a compor o Bloco Comunista e o Bloco Capitalista. Os países do Bloco Comunista faziam parte da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, e os que pertenciam ao Bloco Capitalista estavam ao lado dos Estados Unidos da América. Para saber mais sobre a Guerra Fria, assista ao vídeo indicado. Os países ocidentais, logo após o término da Segunda Guerra Mundial, reuniram-se, trazendo, na pauta de discussões, a necessidade de criar mecanismos que pudessem inibir o desencadeamento de novas guerras de dimensões internacionais. Assim, em 24 de outubro de 1945, foi institucionalizada a Organização das Nações Unidas (ONU), a partir da promulgação da Carta das Nações Unidas, formada por vários países, com o intuito de criar estratégias que possibilitassem a manutenção da paz. Inicialmente, a organização contou com 51 países-membros e, atualmente, são mais de 191, incluindo o Brasil. Nesse sentido, três anos após a criação da ONU, esse órgão apresentou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 10 de dezembro de 1948. Os trabalhos desenvolvidos pela ONU, além da manutenção da paz, promovem, desde a sua criação, instâncias diversas de discussão sobre o desenvolvimento econômico e a construção de estratégias para a proteção do meio ambiente, sendo o principal órgão promotor dos direitos humanos. Vídeo Assista agora 36 Sociodiversidade, Responsabilidade e Comprometimento Social A Organização das Nações Unidas define “Direitos Humanos” como direitos que todos os serem humanos possuem, independentemente de raça, religião, etnia, idioma, gênero, nacionalidade ou qualquer outra condição em que o indivíduo esteja inserido. Além disso, ela ainda assegura o direito à liberdade de expressão, de opinião, ao exercício de trabalho em condições adequadas, moradia, saúde, educação e à vida. O Direito Internacional dos Direitos Humanos é responsável pela configuração de normas e regras que devem ser seguidas ou abandonadas pelos governos, com o intuito de garantir a todos os indivíduos o alcance das prerrogativas estabelecidas pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. Portanto, é importante salientar que os direitos humanos, ao defender o direito à vida de todos os seres humanos, estão pautados na dimensão universal do respeito à pessoa. 2. Inclusão do Público-alvo da Educação Especial Desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos, na primeira metade do século XX, a exclusão/inclusão social daqueles que, de alguma forma, não correspondiam ao que era determinado como “normal” pela sociedade, tornou-se uma questão em constante debate. Em vários momentos da história da humanidade, é possível perceber a diversidade no entendimento do lugar e papel que esses indivíduos ocupavam. No Egito antigo (aproximadamente 4.500 anos a.C.), a partir da análise de algumas pinturas, túmulos e afrescos, notava-se que não havia qualquer impedimento do exercício de tarefas ou de aceitação do sujeito com alguma “deficiência” física. O mesmo não ocorreu na Grécia Antiga. No livro A República, de Platão, é possível perceber a forma como aquela sociedade se comportava em relação ao “deficiente”. Para Platão, por exemplo, seria aconselhável que, no ato do nascimento, as pessoas que apresentassem condições de “homens inferiores” ou “disformes” deveriam ser arremessadas de umpenhasco ou abandonadas ao relento e, em alguns casos, deveriam ser ocultadas, ou seja, retiradas do convívio social. Durante o império romano, a pessoa com algum tipo de “deficiência” também não era aceita, e a recomendação era que os pais eliminassem os nascidos “anormais” pelo afogamento. 37Sociodiversidade, Responsabilidade e Comprometimento Social Ao longo do império romano, especialmente a partir do ano I (d.C.), o surgimento do cristianismo reconfigurou, aos poucos, as questões que envolviam as pessoas que nasciam com algum tipo de limitação física. Aproximadamente no século IV (d.C.), ainda durante o império romano, a partir da ação dos cristãos, surgiram os primeiros abrigos e hospitais que recebiam indigentes ou pessoas “deficientes”. Na Idade Média, e em contextos também da antiguidade clássica, o sujeito que nascia com algum tipo de “deficiência” era visto como um “castigo” de Deus ou alguém que não poderia ser aceito na sociedade. Alguns indivíduos que não estavam adequados fisicamente eram abandonados à sua própria sorte ou enviados para espaços de confinamento. Na Idade Moderna, entre os séculos XV e XVIII, a Europa cristã passou por transformações importantes do ponto de vista social e cultural, entre elas o distanciamento do homem das dimensões divinas para explicação tanto do mundo, quanto dos acontecimentos de suas vidas em particular. Assim, para as pessoas com alguma deficiência, foram construídos espaços de atendimento fora das igrejas ou asilos destinados aos pobres e idosos (SILVA, 1987). Ao longo do século XIX, especialmente nos Estados Unidos, além da manutenção das instituições criadas anteriormente para atender às pessoas com deficiência, é interessante destacar a criação de locais específicos para os marinheiros fuzileiros, que retornavam mutilados de alguma situação de conflito. Em 1867, na Filadélfia, foi inaugurado o Lar Nacional para Soldados Voluntários Deficientes. No século XX, a assistência destinada às pessoas deficientes e doentes em geral teve avanços importantes com a inserção de programas de reabilitação. Esses programas foram incorporados, especialmente, em virtude das duas guerras mundiais, que provocaram o aumento de pessoas feridas em conflitos. Além disso, as pessoas com deficiência, que foram presas pela polícia nazista durante a Segunda Guerra Mundial, foram vítimas de experimentos comandados por médicos e cientistas nazistas. No Brasil, além de hospitais, a criação de escolas especializadas – como o Instituto Benjamin Constant – são iniciativas que, ao longo 38 Sociodiversidade, Responsabilidade e Comprometimento Social do tempo, colaboraram para o surgimento de movimentos e legislações que promovessem a inclusão desse público. As primeiras iniciativas de atendimento e inclusão de pessoas com deficiência ocorreram no século XIX, na cidade do Rio de Janeiro, com a criação do Instituto dos Meninos Cegos, em 1854 (atual Instituto Benjamin Constant) e o Instituto dos Surdos-mudos, em 1857 (atual Instituto Nacional da Educação dos Surdos - INES). Na primeira metade do século XX, em 1926, foi inaugurado o Instituto Pestalozzi, com o intuito de receber pessoas com deficiência mental. No ano de 1945, na Sociedade Pestalozzi, institucionalizou-se o atendimento voltado especificamente para pessoas com superdotação, tendo Helena Antipoff (1892-1974) à frente do processo. Nos anos 1960 e 1970, A Lei de Diretrizes e Bases definiu o direito de inserção de pessoas excepcionais, com deficiências físicas, transtornos mentais e superdotação. Entretanto, esses estudantes não seriam inseridos nas classes regulares, mas, sim, em classes especiais, reforçando a separação e isolamento desse público dentro dos espaços escolares. Somente com a Constituição de 1988, no artigo 205 – que define a educação como um direito de todos, sem distinção ou preconceito – e no artigo 206, Inciso I – que enfatiza a igualdade de condições de acesso e permanência nos espaços escolares –, é que podemos observar uma maior preocupação com a inclusão das pessoas portadoras de algum tipo de deficiência. A Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394), de 1996, também contempla a importância de garantir, preferencialmente, a inclusão da pessoa com deficiência na rede regular de ensino. Em 2008, o Ministério da Educação e Cultura (MEC) lançou A Política Nacional de Educação na Perspectiva da Educação Inclusiva, determinando que a educação especial deve fazer parte da proposta pedagógica da escola regular. O intuito dessa política é derrubar barreiras para que o público-alvo da educação inclusiva (alunos com deficiência, Transtorno do Espectro Autista – TEA e altas habilidades/superdotação) possa participar das atividades escolares sem discriminação (BRASIL, 2008). Na atualidade, apesar de inúmeros casos de discriminação em relação às pessoas com deficiência, uma série de mudanças está em curso, alterando, substancialmente, o olhar da sociedade. Uma questão importante a ser salientada é o tratamento em relação às pessoas que possuem algum transtorno, como o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Em 2012, a Lei nº 12.764/12 instituiu 39Sociodiversidade, Responsabilidade e Comprometimento Social a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, com o objetivo de garantir o acesso aos bancos escolares, bem como o cumprimento de todos os recursos e adaptações para receber, adequadamente, esse público nas instituições regulares de ensino. 3. Acessibilidade Os direitos humanos, como exposto anteriormente, são fundamentais tanto para a proteção e manutenção do direito à vida, como para as discussões sobre o público-alvo da educação inclusiva. Nessa direção, a questão da acessibilidade também compõe um tópico importante no processo de construção e manutenção de uma sociedade alicerçada nos direitos e na qualidade de vida. O uso do termo “acessibilidade” apareceu nos anos 1940 e estava ligado ao surgimento dos serviços direcionados à reabilitação física e profissional. Nos anos 1950, esses serviços ganharam força e um pouco mais de aperfeiçoamento. Em seguida, o termo foi utilizado para referenciar instituições e serviços voltados para reabilitação física (especialmente em relação aos soldados que participaram da Segunda Guerra Mundial) e profissional. Nos anos 1960, o meio acadêmico abarcou os estudos sobre acessibilidade e, especialmente na arquitetura, uma das questões que passou a fazer parte dos debates foram as chamadas “barreiras arquitetônicas”, que eram entraves para a acessibilidade. Nos anos 1970, surgiram os primeiros projetos arquitetônicos, apresentando as possibilidades de eliminar, na prática, as barreiras que impediam o acesso aos espaços públicos. Esses projetos ganharam força nos anos 1980 e, nos anos 1990, atingiram protagonismo com a concepção de desenho universal, ou seja, a sociedade passou a compreender a necessidade legal de promover acessibilidade (FÁVERO; COSTA, 2014). Na redação do Decreto n. 5.296, Art 8º, Inciso I, ficou estabelecido que acessibilidade diz respeito à: Possibilidade de condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive seus 40 Sociodiversidade, Responsabilidade e Comprometimento Social sistemas e tecnologias, bem como de outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público ou privados de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida. (BRASIL, 2004) O Decreto nº 5.296 foi um marco na construção de políticas públicas em relação à acessibilidade no Brasil. As prerrogativas contempladas no documento ajudam na elaboraçãode condições dignas e inclusivas, direcionadas ao público que possui algum tipo de dificuldade de acesso aos espaços públicos. É importante salientar que o Decreto nº 5.296 estabelece as bases sob as quais as instituições, espaços públicos e privados devem se orientar para que todo cidadão tenha acessibilidade. Nos espaços públicos, a lei define que os transportes coletivos e os projetos arquitetônicos devem apresentar adequação para que as pessoas possam transitar e utilizar sem impedimentos. Nesse sentido, a exigência é que exista sinalização adequada, meios de acesso aos andares, espaço para cadeiras de rodas e locais definidos para sentar nos transportes públicos, destinados a idosos, pessoas com deficiências, entre outros. O atendimento prioritário também é mencionado no Decreto nº 5.296, estabelecendo que as pessoas com alguma deficiência ou mobilidade reduzida devem ter acesso imediato aos atendimentos em instituições financeiras, órgãos de administração pública ou privada, empresas prestadoras de serviços etc. A regulamentação do direito à acessibilidade é dada pela Norma Brasileira 9050, da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT/NBR, 2004). A importância da acessibilidade como forma de respeito à dignidade humana, inclusão social e qualidade de vida está relacionada à construção de espaços educacionais de qualidade e que possa favorecer a sociedade nos aspectos dos direitos humanos. Saiba Mais Importante Leia mais Leia mais 41Sociodiversidade, Responsabilidade e Comprometimento Social Síntese Nesta unidade de aprendizagem, foram discutidas três questões fundamentais e complementares: os Direitos Humanos, a Inclusão do Público-alvo da Educação Inclusiva e Acessibilidade. Em relação aos Direitos Humanos, chamou-se a atenção para os pressupostos históricos em torno do direito à vida, bem como os fatores decisivos para a criação e institucionalização da Declaração dos Direitos Humanos, em 1948. Esses fatores dizem respeito aos atos sem precedentes durante a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais, que suscitaram os debates sobre quais medidas poderiam ser pensadas para evitar novos eventos violentos. Sobre a inclusão social do público-alvo da educação inclusiva, a importância está centrada na legislação que assegura a inserção desse público nas instituições educacionais. Por fim, vimos a questão da acessibilidade, desde os anos 1940, com a preocupação dos profissionais de reabilitação, até os estudos acadêmicos dos anos 1970/1980 em diante, com os projetos arquitetônicos que inseriram as medidas de acessibilidade, especialmente nos espaços públicos. 43Sociodiversidade, Responsabilidade e Comprometimento Social Referências Bibliográficas ALVES, Cleber Francisco. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: o enfoque da doutrina social da igreja. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT/NBR). Norma brasileira 9050. Disponível em: http://www.pessoacomdeficiencia. gov.br/app/sites/default/files/arquivos/%5Bfield_generico_imagens- filefield-description%5D_24.pdf. Acesso em: 05 fev. 2018. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Disponível em: http://crv.educacao.mg.gov.br/banco_objetos_crv/%7B52A4B3D5-E55F- 4160-82EE-28496BB87289%7D_CON1988.pdf. Acesso em: 05 fev. 2018. ______. 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O multiculturalismo ou a pluralidade cultural diz respeito às várias dimensões culturais sob as quais as sociedades estão alicerçadas, ou seja, a diversidade de raça, idiomas, religiões, linguagens etc., conforme estudamos na primeira unidade de aprendizagem. Com o advento da sociedade industrializada a partir da última década do século XVIII (com a 1ª Revolução Industrial na Inglaterra), com o crescimento dos mercados internacionais e com a proximidade comercial e cultural entre as sociedades, também promovidas pelo processo intenso de industrialização, as nações intensificaram o consumo. Esse consumo cresceu e cresce continuamente e, em decorrência dessa realidade, as sociedades vivenciam a chamada cultura do consumo. 1. Diversidade Cultural e Globalização A sociodiversidade diz respeito às diferentes manifestações culturais, modos de vida, relação com a natureza, multiculturalismo etc. Nesse sentido, as abordagens sobre cultura, multiculturalismo e o pluralismo étnico e suas inúmeras características demonstram a importância da construção do conhecimento direcionado para a formação humana. Em geral, o termo “cultura” significa um conjunto de normas, regras, identidade e os padrões típicos de vida de uma determinada sociedade. A palavra “cultura” é originária do latim, que designava espaços agrários ou o ato de trabalhar a terra para torná-la fértil. Do ponto de vista antropológico, não há um consenso sobre o conceito de cultura. O primeiro autor a apresentar uma conceituação foi Taylor(1871), no livro Primitive Culture, afirmando que cultura seria a complexidade em relação aos sujeitos que incluiria a diversidade de conhecimentos, crenças, manifestações artísticas, a questão da moral, os costumes, a composição das leis e hábitos pertencentes aos homens que integram determinada sociedade. Dessa forma, salienta-se que a cultura não faz parte de herança genética, mas, sim, dos inúmeros modos de vida assimilados pelos sujeitos em determinados contextos sociais. Essas características são perpetuadas em sociedade, por meio das gerações, a partir do processo de socialização. A socialização é o meio pelo qual conhecimentos, comportamentos, modos de vida, percepções de mundo, formas de construção dos elementos morais e éticos que compõem a cultura de um povo, são passados e perpetuados ao longo do tempo entre os membros da sociedade. Os estudos sobre cultura são vastos. É importante ressaltar que, durante o século XIX e início do século XX, o uso do termo “cultura” também foi utilizado para designar sociedades “mais ou menos” desenvolvidas e, por esse motivo, era comum falar em sociedade mais avançada e, portanto, civilizadas, que seriam aquelas que possuíam mais recursos tecnológicos, como era o caso dos países europeus. Por outro lado, o termo “primitivo” era designado àquelas sociedades que não estavam adequadas ao reconhecimento e uso de recursos tecnológicos, como as sociedades africanas. Essa distinção gerou inúmeros problemas, entre eles a falsa ideia de que, ao existirem sociedades “mais avançadas” do 53Sociodiversidade, Responsabilidade e Comprometimento Social que outras, o argumento para promover o imperialismo na África foi que aquelas sociedades eram primitivas e, portanto, deveriam passar por estágios civilizatórios – foi o etnocentrismo europeu. O resultado foi o chamado “apartheid”, baseado na segregação da população da maioria dos países do continente africano, assunto abordado na primeira unidade de aprendizagem. Nos Estados Unidos, na primeira metade do século XX, os estudos antropológicos feitos por Boas (2005), em Antropologia cultural, alocou o conceito de cultura na espécie humana e tudo que a engloba. O autor estudou as sociedades até então rotuladas como “primitivas”, julgando que, com o tempo, essas sociedades estavam destinadas ao desaparecimento e, portanto, era necessário elaborar uma série de estudos baseados na sua “descrição densa”. Esse método, a “descrição densa”, tinha como principal característica a inserção do pesquisador na sociedade que se quer observar e descrever “fidedignamente” os modos de vida, ou seja, os elementos típicos daquela sociedade. Assim, seria possível deixar, para as gerações vindouras, o registro das sociedades primitivas que seriam extintas com o passar do tempo. Uma das sociedades “primitivas” escolhidas por Boas (2004) para realizar a “descrição densa” foram os esquimós. O antropólogo passou um ano entre os esquimós. Ao chegar na localidade e começar a interação junto aos grupos, o autor teve uma surpresa: observou que o que ele e seus colegas antropólogos chamavam, até então, de “primitivos”, possuíam elementos culturais, padrões comportamentais, formas de conhecimento etc., diferentes, mas em nenhuma hipótese inferior em relação à sociedade ocidental chamada “civilizada”. Essa constatação foi fundamental para que as afirmativas em torno da ideia de culturas mais ou menos evoluídas chegassem ao fim. Desse momento em diante, passou a vigorar a noção de culturas, no plural, reconhecendo a diversidade cultural dos povos. Nas últimas décadas do século XX em diante, a partir das discussões sobre o pluralismo cultural, temos o conceito de multiculturalismo, que foi designado para identificar a existência de formas culturais diferentes no âmbito das sociedades modernas. Posteriormente, com o advento da globalização, essa conceituação passou a ser utilizada para descrever as diferenças culturais dos grupos sociais em contextos mais amplos, e não somente a uma determinada sociedade, conforme salientou Santos (2001). 54 Sociodiversidade, Responsabilidade e Comprometimento Social Nesse sentido, os conceitos de multiculturalismo e sociodiversidade, do ponto de vista antropológico, estão interligados. A sociedade é diversa, plural e, portanto, multicultural: existem múltiplos grupos humanos, com padrões singulares organizacional, social, política, cultural e de valores morais. No contexto da globalização, o debate gira em torno de duas questões: por um lado, observa-se o entrelaçamento entre culturas, a troca de conhecimentos e maior proximidade entre as nações; mas, por outro lado, argumenta-se os perigos em torno da globalização, especialmente em relação à imposição, dominação e padronização em decorrência da imposição de valores e de modos de vida. Um bom exemplo é a chamada “American Way Of Life” – o jeito americano de ser –, um fenômeno que se disseminou pelos países de orientação capitalista, em decorrência da expansão da produção cultural e midiática dos Estados Unidos ao longo do século XX e intensificada nos anos 1950 e 1960. No geral, os meios midiáticos (programas de televisão, indústria cinematográfica, jornais e revistas) difundiram a imagem dos Estados Unidos da América como uma sociedade justa, progressista e democrática. Por conseguinte, o cidadão norte-americano destacava-se por sua conduta ética, bem educada e saudável; portanto, um estilo de vida que deveria ser um espelho a ser seguido por outras nações. De acordo com Santos (2001, p.9), a globalização apresenta-se como um fenômeno típico da sociedade moderna, baseada em três formas de interpretação do mundo: “o mundo como fábula, como perversidade e como possibilidade”. O mundo observado como uma fábula diz respeito à construção imaginária e ideológica de aldeia global, difusão instantânea de informações e de compressão do espaço e do tempo, ou seja, a diminuição de distâncias e de tempo provocada pelo fenômeno da internet, por exemplo. Assim, o mundo estaria vivenciando uma falsa noção de que tudo está ao alcance de todos. Entretanto, essa noção de proximidade mundial mascara as singularidades locais, cuja diversidade cultural é imensa. Em contrapartida, a globalização pode ser visualizada com perversidade, especialmente em relação à questão social, apontando a perda gradativa do valor pago de salário médio, o acirramento da pobreza e da fome em todos os continentes do planeta, a 55Sociodiversidade, Responsabilidade e Comprometimento Social desigualdade de acesso à educação básica e de qualidade e o acesso à saúde, entre outros problemas. O mundo como possibilidade baseia-se na globalização mais humana, cujo uso das técnicas, conhecimento do planeta e a observação sobre o momento político e econômico podem ser utilizados para outros objetivos, entre os quais destacam-se: o reconhecimento da pluralidade cultural dos povos e a diversidade de pensamento para além do eurocentrismo (pensamento alicerçado na cultura e modo de vida europeu). Além das questões apontadas por Santos (2001), é importante chamar a atenção para a dificuldade de pensar a globalização do ponto de vista humanitário, especialmente na atualidade, cujas discussões em torno dos rumos políticos e econômicos estão em constante conflito pela dificuldade de os países desenvolvidos assimilarem propostas e acordos internacionais, como é o caso das resoluções em torno da diminuição da poluição. No contexto da globalização, uma série de transformações ocorreu nos países da América Latina, entre os quais destacaram-se os conflitos internos políticos, em decorrência de crises econômicas e sociais. Para saber mais sobre as questões sociais em decorrência da Globalização, dos anos 1970 em diante, assista ao documentário proposto. A globalização, especificamente
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