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Ensaio Academico sobre Mestiçagem no Brasil

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Universidade Federal da Bahia 
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
Departamento de Ciências Sociais
Disciplina Formação da Sociedade Brasileira
LÍVIA CHAVES DOS SANTOS
 A MESTIÇAGEM NA FORMAÇÃO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DA COLONIZAÇÃO ATÉ OS DIAS ATUAIS
SALVADOR
2019
Universidade Federal da Bahia
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
Departamento de Ciências Sociais
Disciplina Formação Da Sociedade Brasileira
LIVIA CHAVES DOS SANTOS
A MESTIÇAGEM NA FORMAÇÃO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DA COLONIZAÇÃO ATÉ OS DIAS ATUAIS
Trabalho relativo à avaliação final da disciplina Formação da Sociedade Brasileira ministrada pelo docente Prof. Dr. Ricardo Pagliuso Regatieri, referente ao desenvolvimento de artigo, no formato ensaio academico, com tema escolhido dentro do conteúdo da disciplina.
SALVADOR
2019
A MESTIÇAGEM NA FORMAÇÃO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DA COLONIZAÇÃO ATÉ OS DIAS ATUAIS
Lívia Chaves dos Santos
A história sempre esteve às voltas com os contextos sociais e culturais de cada época, e suas formas de distinção. Ao pensar na formação da sociedade brasileira, sempre tropeçamos em conceitos de pluralidade étnica, e o primeiro ponto que se pensa é de que forma isso se deu, os contextos e dinâmicas que resultaram no povo híbrido, mistura de três iniciais etnias quando do processo de colonização perpetrada pelos “descobridores-exploradores”. A mestiçagem ou miscigenação é definida como cruzamento de raças diferentes. Quando se fala sobre mestiçagem, trazemos dois conceitos: o de mestiço, e o de híbrido. O mestiço é definido como indivíduo nascido de pais de raças distintas; já o hibridismo remete a uma visão biologicista, sendo o híbrido o ser originário do cruzamento de espécies diferentes. Partindo da premissa de que as diferenças genéticas entre os seres humanos são mínimas, é de certo modo inconcebível impor o conceito de raça para especificá-los.
Multirracialidade e multietnicidade, que aqui estão entrelaçados, pela especificidade e grau em que se deu o processo formativo, podendo se abordar até a questão do multiculturalismo da sociedade no Brasil, são fatores muito utilizados pela arte, literatura, música e publicidade como elementos factuais enriquecedores do povo, mas que não têm a mesma aceitação no mundo “real”.
Embora o ser humano seja de fato um animal cientificamente estabelecido da ordem dos primatas, mamífero na infância e onívoro na fase adulta (Darwin, 1859), a ideia de hibridismo soa algo pejorativo, e assim é tratado por diversos autores dos séculos XVIII, XIX e ainda no XX, em que ora demonizam, ora exaltam essa característica de mestiçagem do povo brasileiro, produto do encontro entre o povo nativo dessa terra, os brancos portugueses que chegaram para colonizar, e os negros da África capturados e escravizados, trazidos para cá.
O mestiço é, porém, um ser indefinido, a depender de como o colorismo influencia na sua inserção na sociedade e de como a sociedade enxerga esse individuo. O ser que não é negro nem branco, que não está lá e nem cá: a questão gira em torno do que é aceito como branco ou estigmatizado como negro pela construção social e o impacto disso na formação sociocultural, psicológica e familiar desse individuo, no tocante a pertencimento, identidade e posicionamento perante o mundo. A concepção do termo colorismo ou pigmentismo, é cunhada em 1982 da escritora Alice Walker com a teoria de que quanto mais melanina concentrada na pele, mais racismo irá sofrer, graduando as possibilidades do se ver mestiço, branco ou negro.
O tema foi escolhido a partir de questionamentos pessoais, de onde se pretende construir uma narrativa questionadora, sem saber se vai trazer mais duvidas ou ajudar a orientar pontos de luz, de em qual lugar se encaixam as pessoas no contexto social da atualidade, já que como um todo, pessoas já tem dificuldade em se conectar socialmente a algum grupo étnico, com base nas premissas apresentadas pelos autores que discorreram ao longo da história social do Brasil acerca do mestiço; a cor da pele definindo as posições sociais; o racismo implícito nas relações; a inferiorização do mestiço de pele mais escura; e a condescendência com o mestiço de pele mais clara. Mais ou menos melanina é um signo extremamente marcante desse cenário de distinção social das classes, uma vez que status e cor parecem estar indissociáveis. O estudo das raças no contexto histórico traz reflexões a níveis social, cultural, econômico, antropológico e religioso. 
A dicotomia branco-preto se amplia em certo e errado, aceitável e inaceitável, moral e imoral, positivo e negativo, privilegiado e desprivilegiado, e não está apenas no recorte geográfico da nação, como também de toda a América Latina, onde a miscigenação compõe a ideia central do processo de construção social, alcançado aspectos relativos a status social, poder aquisitivo, integração cultural, identidade e pertencimento.
A miscigenação foi algo bom ou ruim, afinal?
Quais características o povo brasileiro traz de positivas e negativas, que fariam de nós uma nação, apesar das imensas discrepâncias de realidade social e cultural neste vasto território, quase continental?
Compreende-se que muitos mestiços podem ser reconhecidos como tais através da aparência, com os traços fenotipicamente voltados para uma ou outra etnia; no entanto, cientificamente, a mestiçagem não se define visualmente, e sim com a conceituação de origem e identificação, que estão dentro do mesmo universo simbológico de representatividade. O conceito de raça se alinha melhor com a ideia de cultura e construção identitária, do que a concepção biologicista que patologiza o negro como um ser humano de segunda linha.
Para tratar desse assunto tão pertinente e atual, apesar do seu início longínquo, onde elementos históricos se perpetuam em infinitos discursos prós e contras, pode-se usar o pensamento de diversos autores clássicos das ciências sociais e seus comentadores, como Gilberto Freyre, Sergio Buarque de Holanda, Caio Prado Jr., Guerreiro Ramos, Oliveira Vianna, Manoel Bomfim, Thales de Azevedo, Osmundo Pinho, Silvio Romero e Lilia Schwarcz dentre outros.
O estudo das questões politicas que envolvem o processo de mestiçagem do Brasil, enquanto povos construídos social e culturalmente, estigmatizam o mestiço através da arte e da fomentação de conceitos de estereotipação na literatura nacional, tendo seu maior expoente em Jorge Amado, a quem Lilia Schwarkz chama de “Artista da Mestiçagem” em seu texto publicado em 2009. 
Para ilustrar o cenário das teorias sociológicas da mestiçagem, tomemos a figurativa ideia de um fulgurante campo de futebol de salão, num estádio que parece ser irretocável, torcidas nas arquibancadas, e os times se preparando para entrar em campo. De um lado, temos os AntiMestiços FC e do outro, os Clube PróMestiços. Cada time tem seus integrantes cuidadosamente selecionados por seus respectivos técnicos. A postos estão também o trio de arbitragem, o árbitro reserva e o árbitro do VAR, jogadores aquecidos, apita o juiz e a bola rola. 
É importante lembrar que tudo isso foi financiado por um holding empresarial muito forte, os Europeus S.A, os brancos colonizadores, desbravadores d’além-mar. Eles influenciam diretamente, nas escolhas dos escaladores. Em verdade, eles também são os verdadeiros donos dos clubes, difusores das concepções formadoras, e direcionadores dos pensamentos que os técnicos vão imbuir seus jogadores.
Dado o contexto, vamos à escalação. No AMFC temos os autores que consideravam os mestiços como algo depreciativo, e no CPM autores que exaltavam as qualidades positivas da mestiçagem. Os árbitros são autores comentadores dos clássicos, e obviamente, a bola, são os mestiços.
Os times estão disputando, ao longo dos últimos dois séculos, incessantemente, a final do Campeonato Nacional da Verdade Universal sobre os Mitos da Democracia Racial. É um grande nome para
descrever um grande objetivo, de definir o que deve ser aplicado como realidade social no país, onde a real realidade fala num tom muito mais grave.
A bola do jogo é o objeto de analise, de critica, de defesa e de ataque: os mestiços são chutados de um lado para o outro por cada um dos jogadores, na direção do gol. A regra é clara, ganha quem pontua mais, um time ou outro pode ganhar, mas a bola... A bola apenas sofre os golpes e contragolpes de ambos os lados e não é de fato ouvida sobre o que pensa ser melhor para si, a bola não é consultada.
Com analise de interfaces sobre a realidade dos estudos raciais no Brasil, as teorias geraram diversos dados e interpretações, iniciados na criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, que visava modelar a narrativa da historia do Brasil, e promoveu em 1844 um concurso literário intitulado “Como Escrever a Historia do Brasil”, num evidente direcionamento de como se deveria pensar na estrutura do país a ser deixado para a posteridade. O Brasil nunca delimitou geograficamente onde cada etnia devia se estabelecer, facilitando o entrelaçamento desses estoques populacionais no momento posterior imediato ao dia 13 de maio, e nesse mesmo ensejo deixou de estabelecer politicas para a inserção e acolhimento desses indivíduos libertos.
O Brasil constitui uma sociedade politicamente organizada, na qual a sociedade vive imbuída de muitos mitos, como o da democracia racial. Assim, vamos aos nossos principais jogadores do AntiMestiços FC, ou melhor, intelectuais clássicos, que teorizavam de forma negativista sobre a mestiçagem.
Joseph Arthur de Gobineau, francês, autor do livro Ensaio sobre as desigualdades das raças humanas, fez uma passagem como diplomata no Brasil e não via futuro no nosso país por ser a sua população predominantemente produto de miscigenação; Cesare Lombroso, médico psiquiatra, antropólogo e higienista italiano, é pai da teoria do criminoso nato, conferindo ao delinquente características morfológicas para justificar tendências ilícitas; Raimundo Nina Rodrigues, brasileiro médico, evoca elementos cientificistas e antropométricos para inferiorizar a condição humana do negro com relação ao branco e assim, o mestiço é algo que de ser erradicado; João Batista de Lacerda, médico e cientista brasileiro, um dos principais defensores da teoria do embranquecimento, chegando a levar sua tese Congresso Universal das Raças (1911), condescendendo um pouco de mestiçagem desde que a parcela branca fosse reconhecida como superior; esses nomes encabeçam a lista dos que execram o que é, como preconiza Jessé de Souza em seu livro de 2009, a ralé brasileira.
“Durante todo o século 19 e até a década de 1920, o paradoxo da identidade nacional brasileira vai ser materializado, precisamente, com base na impossibilidade, num contexto histórico em que o racismo possui “prestígio científico” internacional, de se construir uma “imagem positiva” para um “povo de mestiços”. O mestiço, o mulato no nosso caso, vai ser, muitas vezes, percebido como uma degeneração das raças puras que o compõem, sendo formado pelo que há de pior tanto no branco quanto no negro enquanto tipos puros. Essa era a opinião, por exemplo, de nada mais nada menos que um dileto conselheiro do Imperador Pedro II, o conde francês Goubineau. Todos os grandes pensadores brasileiros desse período, como Euclides da Cunha, Nina Rodrigues ou Oliveira Vianna, serão vítimas dos preconceitos racistas e presas da armadilha que tornava virtualmente impossível vislumbrar um futuro positivo para um povo de mulatos.” (SOUZA, 2009, p. 36)
Esses autores defendiam teses higienistas, eugenistas, de inferiorização do individuo mestiço, com ideal de raça pura, abordando a mestiçagem no Brasil com o mesmo enfoque que os cientistas europeus e americanos de sua época e anterior, em discussões de teorias racistas, e a má influencia que resultaria da origem inferior do negro na formação da etnia brasileira. Queriam uma etnia brasileira homogênea, mas homogeneamente branca.
Assim, todas as ciências e teorias descambavam na vala comum de que todo mestiço era vira-lata, desraciado e sem estirpe, pessoas de segunda classe, correlacionando cientificismos morfológicos que confeririam ao mestiço predisposição genética para o desvio moral, de conduta, como também relegavam a uma posição social de submissão e desigualdade, como reflexo da hereditariedade “natural” da negritude. 
“[...] os mulatos, quase brancos pela tonalidade da cor da pele, e os brancos pobres recebem o mesmo tratamento que os pretos. Isso para confirmar o ditado baiano que diz que branco pobre é preto, mas preto rico sempre será preto, pessoa perifericamente integrada na cidadania.” (KALY, 2001, p. 119)
Do outro lado do campo, temos os jogadores do CPM, na “retranca”, prontos para um jogo pesado. Eles partem em defesa (as vezes, não tem bem sucedida) da democracia racial, da igualdade entre os desiguais. A mestiçagem no inicio era bem vista, e sofreu uma ressignificação, que levou ao antagonismo cientifico que é combatido por cientistas sociais que compõem esse time. Por volta dos anos de 1930, a ideia cientifica de mestiçagem é reinterpretado e estudiosos brasileiros buscam positivar os aspectos gerais da miscigenação, em um embate épico para rebater teorias influenciadas pelo discurso nacionalista.
“Nestes discursos naturalistas e evolucionistas, a metáfora biológica do corpo, já era usada indiscriminadamente para se pensar a nação, a região, o povo, as instituições como o Estado e até o território nacional, que precisava ser defendido contra agentes invasores, que poderiam produzir patologias no interior da nação.” (ALBUQUERQUE JR., 1997, p. 97)
[...] País de intensa mestiçagem, o Brasil aparecia, para o bem ou para o mal, como um grande laboratório das raças, sobre o qual os cientistas de todos os matizes podiam se debruçar para analisar à luz das teorias “mais modernas” a evolução racial de nosso povo, a sua constituição física e as consequências intelectuais e morais que a mestiçagem estava trazendo. Este tema era mais candente numa região que tinha perdido, desde o final do século passado, a oportunidade de tomar “injeções do sangue reparador ariano” vindo da Europa através da imigração.” (ALBUQUERQUE JR., 1997, p. 97)
Pensava-se em um conceito de raça a partir de uma ideologia embranquecida, importada do mesmo lugar que as ideologias antimestiças: a ciência ocidental, da Europa e da America do Norte, onde a dicotomia e segregação foram bem definidas com cada um em seu quadrado. 
Esse grupo de autores, embora tenham derrapado nas curvas muitas vezes no afã de teorizar de forma mais concisa sobre as vantagens do mestiçamento do povo, tenta mostrar o caráter único e destacar os pontos positivos da composição do Brasil enquanto povo, e começa a se solidificar o conceito de democracia racial. Esse ambiente estava sendo cimentado para receber a estrutura propicia ao desenvolvimento do país.
Embora tenha sido popularizado por Gilberto Freyre, existe o requinte de citar que Arthur Ramos foi o primeiro a falar dos conceitos de democracia racial, e em nossa analogia, este seria o capitão do time.
Arthur Ramos de Araújo Pereira, médico psiquiatra, psicólogo social, etnólogo, folclorista e antropólogo, se posicionava muito combativamente contra as teorias inferiorizantes das diferenças raciais, defendia a igualdade das etnias do ponto de vista biológico e social; Gilberto Freyre, intelectual brasileiro de Pernambuco, deforma ensaística sob o viés da sociologia, antropologia e historia, populariza a ideia de formação de povo, e reposiciona a discussão sobre raça, foi influenciado por Franz Boas, e tentou por meio de suas obras explicar-compreender o pensamento da miscigenação, mas não seguia um sistema único de analise; Sergio Buarque de Holanda, historiador, critico literário e jornalista, destaca a herança ibérica e o referencial de Portugal para a implantação de uma identidade cultural, segue uma linha weberiana de pensamento para compreender
a realidade brasileira e declarando a elite como um empecilho para o desenvolvimento; Darcy Ribeiro foi um antropólogo cuja obra O Povo Brasileiro é material de referencia para estudar a formação racial brasileira, tratando das matrizes culturais e mecanismos de formação cultural; Alberto Guerreiro Ramos, intelectual brasileiro, sociólogo e politico, homem negro e baiano, formulou uma teoria pós-colonial capaz de pensar as particularidades da ciência social nos diferentes contextos nacionais; Caio Prado Jr.foi um historiador, geógrafo, escritor filosofo e político brasileiro, e suas obras buscam traduzir uma tradição historiográfica com viés marxista, relacionando a economia, a produção e o consumo, para interpretar nossa trajetória sócio-cultural; Sylvio Romero, advogado, jornalista, folclorista, ensaísta, historiador de literatura, foi minucioso em levantar dados sociológicos para compor suas obras, criador de uma teoria do Brasil buscando equilibrar a defesa da modernização e da ocidentalização do país, e seu perfil traço nacionalista, defendendo a mestiçagem herdada no período colonial, apesar das convicções científico-racialistas, afinal ninguém é perfeito; e fechando a escalação principal, temos Kabengele Munanga, antropólogo e professor congolês-brasileiro, grande defensor das politicas afirmativas por escolha própria, especializado em antropologia da população afro-brasileira.
Nesse time, ainda existem grandes nomes que merecem ser estudados e compreendidos, mesmo que suas ideias pareçam enganosas a principio, devido ao contexto histórico e/ou cultural no qual estão imersos ou foram emersos; nomes como Thales de Azevedo, Lima Barreto, Tavares Bastos, Joaquim Nabuco, Bolivar Lamounier, Manoel Bomfim, Oliveira Vianna, Wanderley Guilherme dos Santos. Um expressivo numero de pensadores politico-sociais, que trazem reflexões sobre discussão racial e de soberania, e pensamentos-saberes sobre ancestralidade e construção identitária, auto-reconhecimento racial, consciência de classe e outras questões que a sociologia se embrenha; pensamentos estes que refletem estudos e experiências, dados coletados, e uma busca pela vitória sobre conceitos degenerantes difundidos com base em cor da pele. 
Lamentável apenas a dificuldade em referenciar “jogadoras femininas” do pensamento clássico para escalar. Denota outra questão a ser abordada relacionada a gênero nas ciências sociais e no estudo das questões raciais, tanto no século XIX como no XX, que pode ser feito em outro momento acadêmico.
Lilia Schwarcz, Antonio Sergio Guimarães, Antonio Risério e Osmundo Pinho, são autores-juizes, a equipe de arbitragem contextualizada no mundo moderno, comentadores avaliativos das ideias sociais, dos estudos e seus impactos, analisando criticamente as jogadas, as “bolas fora”, bolas na trave” dos “chutes a gol” que cada equipe faz. Correndo o risco de ser até um pouco forçado, eles também analisam as “bolas nas costas” que enfraquecem possíveis argumentos de ambos os times. Gente pensante para compor essa mesa não falta! Mas, para o juiz de VAR, sem duvida e muita duvida, os autores teriam destaque no pensamento moderno de analise critica sociológica são Antonio Sergio Guimarães e José Mauricio Domingues, com base na percepção da linha de pesquisa aqui abordada.
 Vale ressaltar que existem regras sociais e jurídicas para reger o andamento de qualquer embate, portanto, câmeras do VAR são as leis que criminalizam a pratica do racismo, lindamente expostos nos pareceres de Ricardo Lewandoski sobre as cotas raciais, e de Celso de Melo, que usa como base a criminalização do racismo para defender a criminalização da homofobia.
A questão da mestiçagem, embora iniciada desde o período colonial, permanece atual, através das teorias racialistas que sobrevivem ao tempo e aos julgamentos. Enquanto em seu aspecto de distinção de classes sociais, a mestiçagem deveria cumprir o papel de promover mudanças na cultura do conceito de raça, mas não. Nesse jogo, a bola permanece sem saber qual o seu destino, se é definido em raça, em classe, em numero, nem seu lugar no mundo, mesmo sendo o objeto central. De perto, o estádio não é tão perfeito, o piso tem muitas rachaduras, as arquibancadas oferecem risco de desabamento, as instalações estão depredadas. Nada é tão bom quanto parece. De perto, a perfeição some.
Se a questão numérica resolvesse, tanto o contingente de “bolas” quanto de “jogadores” no time dos defensores da miscigenação, já seria automaticamente sinônimo de vencedor em sua defesa do valor que a mistura tem para a formação do Brasil como um povo, pois levam em conta as contribuições de característica genética sim, mas acima de tudo, consideram o potencial cultural envolvido a cada alteração da historia do mundo mestiçado. 
Essas discussões ainda irão atravessar muitos momentos no cotidiano da evolução social do nosso povo, que em sua cronologia designa a importância na relação entre classes sociais. Abstraindo a questão imagética, de quanta melanina o sujeito tem, o que legitima sua fala identitária e sentimento de pertença, e o que nos diferencia afinal? Somos um país cheio de diferenças, porem essas diferenças são sufocadas em mitos sustentados por uma elite supremacista e prepotente, com o suporte às teorias raciais do europeu exaltado e privilegiado, que arroga para si o direito de estabelecer quem merece ou não respeito com base em sua cor, seu poder econômico e seu prestigio social, respectivamente. O preconceito velado que se vê todos os dias escondido em frases que pretendem soar “politicamente corretas” do “ele não é preto, é negro” ao “não sou racista, tenho até amigos negros”, mostra a hipocrisia de uma sociedade que continua a difundir uma democracia racial que está há anos-luz de ser real. Não podemos esquecer das frases racistas que permeiam o nosso dia-a-dia, do “só podia ser preto”, “cor de burro quando foge”, “cor de formiga”, ao PPP, ou Pardo Pobre Periférico, arrastadas para todo lado na sua não-condição de ser e estar. Aos políticos profissionais de carteirinha, sobram as bravatas simbólicas de atuação politica tentando direcionar as atenções para meios-termos confortáveis de mentiras bem ditas, alicerçadas no concreto da conivência da elite econômica, coincidentemente, brancos. 
"Foi assim, de pavor a atitude de grande parte de brancos - principalmente europeus - no Brasil da época em que se processou a independência política da até então colônia portuguesa. Consideravam alguns impossível essa independência se não se cuidasse de conseguir, contra o elemento africano, a proteção de uma potência européia, ou de assegurar-se, no novo Estado, a preponderância do elemento europeu. No desenvolvimento de novo elemento que não fosse nem africano nem europeu mas a combinação dos dois e de mais um terceiro, o indígena - numa palavra, o mestiço -, é que estava, porventura, a solução, aliás entrevista não só pelos homens de gênio de José Bonifácio como pelo bom-senso dos simples Soares Franco. Solução para a qual vinham, aliás, concorrendo desde remotos anos a política social da Metrópole e a da própria Igreja, com exceção, talvez, dos Jesuítas. A esse respeito são significativas ocorrências como aquelas que se encontram em velhos cronistas do Brasil colonial" (Freyre, 1951, p. 1009-1010).
Depreende-se aqui que em praticamente nada mudou essa preocupação por parte dos detentores do poder sócio-economico nacional. Diante do exposto, somos tentados da acreditar na mestiçagem como solução dos preconceitos sobre as diferenças que nos individualizam, porém o que vemos atualmente é a intolerância ainda infiltrada no cotidiano como um assunto praticamente esgotado em suas retóricas, não recebendo a atenção devida, quando ele envolve questões que ainda cabe muito estudo e novas abordagens. “Não há preconceito de cor no Brasil; o negro conhece o seu lugar.” (FONSECA, 2012, p. 101). Pois é.
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