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INTRODUÇÃO
Destina-se o trabalho monográfico ao exame do tráfico de pessoas, com o objetivo de aferir se o crime viola a dignidade da pessoa humana, elemento ínsito do homem e de salvaguarda internacional.
O tema em apreço se justifica em razão da importância do bem jurídico tutelado: dignidade, compreendo, também, a liberdade e a igualdade do homem. O tráfico retira de suas vítimas os sonhos que um dia alimentou. Tornam-se mercadorias na rede do tráfico, sendo o corpo, em sua plenitude física e espiritual, a moeda de troca. 
Os argumentos expostos ao decorrer dos três capítulos aos quais o estudo foi divido, tiveram como embasamento teórico a doutrina especializada, legislação pertinente, documentos elaborados pela Secretaria Nacional de Justiça sobre o tema e jurisprudências voltadas ao tráfico internacional e tráfico interno de pessoa para fim de exploração sexual. O método dedutivo, foi o escolhido à confecção do estudo.
O primeiro capítulo fará menção à afirmação histórica dos Direitos Humanos. Ver-se-á, nesse momento, o reconhecimento de que o homem é dotado de espiritualidade e racionalidade, características que os tornam iguais em si, contudo diferente dos outros seres. Tomar-se-á conhecimento das etapas referentes à luta pelos Direitos Humanos e quais as garantias conquistadas em cada uma delas. Alguns dos aspectos referentes à Organização Nacional dos Direitos Humanos e à Declaração Universal dos Direitos Humanos, serão esboçados.
O segundo capítulo, apresentará os meandros do Tráfico de Pessoas. Aqui, tomar-se-á conhecimento que o Brasil é signatário do Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional relativo à Prevenção, à Repressão e à Punição do Tráfico de Pessoas, também conhecido como Protocolo de Palermo. Como modo de efetivar o referido documento internacional, o Brasil promulgou, em 2006, a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, cujo objetivo é criar mecanismos de repressão, prevenção e apoio às vítimas do tráfico. O momento se fez oportuno para conhecer o atual retrato do tráfico de pessoas, sendo as vítimas cidadãs brasileiras.
O terceiro capítulo trará a dignidade da pessoa humana, os direitos humanos e a posição brasileira no atual combate ao tráfico de pessoas, com destaque à II Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas que, em 2013, estabeleceu mais de 100 metas a serem alcançadas até 2016. Almeja-se coibir, prevenir e apoiar as vítimas do tráfico. Regulamentações legais, campanhas de disseminação de dados relativos ao tráfico e capacitação dos profissionais que atuam próximo às áreas fronteiriças do país, são apenas alguns dos objetivos traçados. Os dispositivos referentes à proteção penal contra o crime de tráfico de pessoas serão pormenorizados. Arestos judiciais confirmarão o exposto.
Ao final, a autora do trabalho relatará o seu posicionamento sobre todo o exposto.
1 AFIRMAÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS HUMANOS
O presente capítulo se reserva ao estudo não apenas dos direitos humanos em si, mas de algo que está além de tal proteção, a pessoa humana, ao qual as prerrogativas humanitárias são atribuídas. Apesar de sua individualidade, todos são iguais, dotados de espiritualidade, racionalidade, o que lhe confere valor próprio e o difere de outras espécies. (COMPARATO, 2010, p. 30).
Ao consultar a doutrina verifica-se a impossibilidade de descrever com exatidão o momento do surgimento de um pensamento sobre os “direitos do homem”, direitos fundamentais ou direitos humanos, como se tem concebido. Há quem diga que tal raciocínio é antigo, sendo possível delinear sua origem por volta de dois mil anos atrás. Contudo, existem oposições ao período citado. (GRECO, 2011, p. 52).
Comparato (2010, p. 30) afirma que já na era axial, período compreendido entre os anos de 800 a.C a 200 d.C, houve o reconhecimento do valor de cada homem, de sua liberdade, igualdade e dignidade, todavia somente depois de vários séculos, tais valores foram legalmente reconhecidos e protegidos. Nas palavras do autor:
[...] foram necessários vinte e cinco séculos para que a primeira organização internacional a englobar a quase totalidade dos povos da Terra proclamasse, na abertura de uma Declaração Universal de Direitos Humanos, que “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos”.
O surgimento do sentido de respeito à pessoa humana, pode-se dizer, nasceu juntamente com uma importante instituição: a lei escrita. Instrumento de valor e aplicação igual a todos os indivíduos de uma sociedade. (COMPARATO, 2010, p. 34).
Entre os judeus, a lei escrita representava a palavra do próprio criador. Contudo, foi na Grécia que esse instrumento atuou, pela primeira vez, como fundamento de uma sociedade organizada. Assim, como escreveu Eurípedes: “uma vez escritas as leis, o fraco e o rico gozam de um direito igual; o fraco pode responder ao insulto do forte, e o pequeno, caso esteja com a razão, vencer o forte.” Desse modo, a lei escrita constituiu importante ferramenta na salvaguarda da liberdade do homem contra as tiranias do soberano. Pontua-se, igualmente, que não somente a lei escrita ditava as regras da sociedade. Os costumes religiosos tinham grande influência sobre todos os seus indivíduos. Contudo, o transcurso do tempo pôs termo às leis axiológicas. (COMPARATO, 2010, p. 34).
Nesse período, Sócrates procurava demonstrar que a importância do homem não estava em sua aparência, mas na sua alma. Para este: “a individualidade de cada ser humano não pode ser confundida com a sua aparência, estampada no rosto.” (COMPARATO, 2010, p. 38).
Os estoicos foram os responsáveis por instituir e aprofundar o termo personalidade, relacionada à essência de cada ser humano. Da filosofia estoica surgiu o pensamento de moral e de respeito ao homem, por ser detentor de direitos universais, ainda que diante da diversidade individual e grupal. Todos eram substancialmente iguais e, por tal razão, precisavam ter sua liberdade, individualidade e igualdade respeitados em toda a parte. (COMPARATO, 2010, p. 38).
Apesar da busca pela definição de pessoa humana ser bem antiga, somente na era medieval que se teve estabelecida a igualdade essencial do homem nos moldes que hoje se tem concebido. Assim, ainda que detentores de diferenças culturais, biológica etc., todos tinham algo inerentes à sua condição de ser humano ao qual carecia de pleno respeito. (COMPARATO, 2010, p. 45).
Pessoa, portanto, “era a substância individual de natureza racional”. Essa substancia constituía o elemento principal da constituição do homem. Logo, a dignidade de outrem era algo ao qual não tem preço, haja vista que coisa alguma é capaz de substituir a individualidade humana. Por isso do devido sentido de respeito, pela unicidade que cada ser humano representa, ainda que vivendo num grupo repleto de diferenças individuais. (COMPARATO, 2010, p. 47).
Tal postulado advém do pensamento de Kant, a quem: 
Os entes, cujo ser na verdade não depende de nossa vontade, mas da natureza, quando irracionais, têm unicamente um valor relativo, como meios, e chamam-se por isso coisas; os entes racionais, ao contrário, denominam-se pessoas, pois são marcados, pela sua própria natureza, como fins em si mesmos; ou seja, como algo que não pode servir simplesmente de meio, o que limita, em consequência, nosso livre arbítrio. (KANT apud COMPARATO, 2010, p. 47).
Veja-se que, para Kant, pessoa difere de coisa em razão daquela nascer dotada de racionalidade, ao contrário dessa última. Sendo a natureza do homem um fim em si mesmo, não como modo de se obter algum resultado. Por ser racional, nasce livre, podendo guiar-se por leis ditadas por ele ao decorrer da vida. Ao contrário do que acontece com os animais, “o homem é o único ser, no mundo, dotado de vontade, isto é, da capacidade de agir livremente, sem ser conduzido pela imutabilidade do instinto.” (COMPARATO, 2010, p. 47 e 51).
No decorrer da história, o sentido de liberdade, igualdade e dignidade do homemforam sendo aprimorados e legalmente reconhecidos de importância e proteção. A seguir, ver-se-ão os marcos históricos que representam cada etapa da evolução dos direitos humanos a nível internacional. Seu estudo se faz importante, para que se possa adequadamente compreender as garantias individuais da pessoa humana nos moldes que hoje se têm estabelecidas.
1.1 ETAPAS HISTÓRICAS NA AFIRMAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS
É possível conhecer a evolução histórica dos direitos humanos a partir da análise da progressão de acontecimentos que mudaram o olhar dos Estados em direção aos direitos individuais de seus cidadãos. 
Greco (2011, p. 52) enumera as etapas pelas quais passaram os direitos humanos:
direitos humanos pré-revolucionários;
direitos humanos de primeira geração (ou dimensão);
direitos humanos de segunda geração (ou dimensão);
direitos humanos de terceira geração (ou dimensão).
Para que se possa apreender cada uma das etapas citadas, necessário recorrer à história, haja vista que os direitos humanos possuem como principal característica a luta do homem por novas liberdades, contra os velhos poderes. São direitos que surgiram de modo gradual, “não todos de uma vez e nem de uma vez por todas”, afirma Bobbio (1992, p. 5).
Siqueira e Piccirillo (2009) dispõem: 
Os direitos essenciais a pessoa humana nascem das lutas contra o poder, das lutas contra a opressão, das lutas contra o desmando, gradualmente, ou seja, não nascem todos de uma vez, mas sim quando as condições lhes são propícias, quando passa-se a reconhecer a sua necessidade para assegurar a cada indivíduo e a sociedade um existência digna
Desse modo, não basta buscar as alterações legislativas, tão somente, mas os acontecimentos marcantes que serviram como mola propulsora à conquista de direitos tão importantes para existência da pessoa humana.
Como se viu na seção anterior, a ideia de direitos humanos subsiste desde os tempos mais remotos. A Lei de Moisés presente na Bíblia, por exemplo, trazia em seu bojo caracteres de direitos humanos como, p. ex., o perdão de dívidas, assistência aos pobres, libertação de escravos, dentre outras regras ali presentes. Todavia, foi a partir do cristianismo que os direitos humanos se tornaram mais evidentes. (GRECO, 2011, p. 54).
Cita-se como marco do cristianismo primitivo, a carta de libertação escrita pelo rei João Sem Terra, em 1215. Dentre os direitos dispostos na Magna Carta Libertatum, destaca-se o presente no art. 39 do referido documento:
Nenhum homem livre será preso, aprisionado ou privado de uma propriedade, ou tornado fora da lei, ou exilado, ou de maneira alguma destruído, nem agiremos contra ele ou mandaremos alguém contra ele, a não ser por julgamento legal dos seus pares ou pela lei da terra. (GRECO, 2011, p. 56).
Todos os direitos presentes nos sessenta e três artigos do documento foram instituídos como modo de proteger os cidadãos das tiranias praticadas pelo monarca. Os direitos de humanos de primeira geração (ou dimensão) constituem, portanto, os “os direitos civis e políticos do povo, traduzidos no valor liberdade”, tendo como destinatário o indivíduo, resistindo aos próprios interesses do Estado. (PENTEADO FILHO, 2012, p. 38).
Importante ressaltar que os direitos de primeira geração surgiram em conjunto com um importante acontecimento histórico: a Revolução Francesa, de 1789. Nas palavras de Barros (apud FRANCISCHINI, 2013), tais direitos: 
[...] estendem-se a todos os seres humanos, mas compreendidos como indivíduos, os quais, por sua simples e singular condição humana, merecem a proteção do direito, sem levar em consideração outras condições pessoais, ou sociais, ou quaisquer.
Os direitos humanos de segunda geração (ou dimensão) tiveram seu marco na Revolução Industrial do final do séc. XI, início do séc. XX, onde os trabalhadores se revoltaram contra as condições a que eram submetidos pelos patrões. Os operários encontravam-se revoltados com os baixos salários, o trabalho demasiadamente exaustivo e o fato de não conseguirem adquirir suas próprias propriedades, em função da extrema desigualdade existente à época. (GRECO, 2011, p. 66).
Marx e Engels (1848, p. 14) preocuparam-se ao ver o trabalho como uma mercadoria. A concentração de renda na mão de poucos gerava significativa desigualdade social, uma das principais queixas da época. Era preciso uma modificação urgente daquele cenário. Para os autores: “a burguesia suprime cada vez mais a dispersão dos meios de produção, da propriedade e da população. Aglomerou as populações, centralizou os meios de produção e concentrou a propriedade em poucas mãos.” 
As péssimas condições de trabalho do período industrial acarretaram numa forte tensão entre trabalhadores e os donos das indústrias. Abastecidos por ideias de cunho filosófico e revolucionário, a classe operária passou a manifestar sua insatisfação com o modelo de exploração vigente. 
D’Angelis ([200-]) sintetiza as condições de trabalho aos quais estavam submetidos os operários da época: 
O proletariado estava submetido a todo o tipo de exploração: jornada de trabalho excessiva (de 14 a 16h/dia), remuneração indigna, condições insalubres e insegurança no trabalho, abusiva situação trabalhista de mulheres e crianças, desemprego e miséria crescentes, péssimas condições de vida (moradia, saúde, alimentação, educação), dentre outros aspectos.
Os direitos de segunda geração, direitos coletivos, portanto, advieram da busca por melhores condições de vida ao ser humano que vive em sociedade, tendo reconhecido o direito à saúde, educação, lazer, habitação, cultura, trabalho, dentre outros essenciais a uma existência com dignidade. Greco (2011, p. 66) aduz que esses direitos levaram ao surgimento de um Estado preocupado com a satisfação das necessidades do povo, em sobreposição aos próprios interesses.
Ramos (2012, p. 110) aponta os acontecimentos históricos que resultaram na conquista dos direitos de segunda geração: 
Os direitos humanos de 2ª geração são frutos, como vimos, das chamadas lutas sociais na Europa e Américas, sendo seus marcos a Constituição mexicana de 1917 (que regulou o direito ao trabalho e à previdência social), a Constituição alemã de Weimar de 1919 (que, em sua parte II estabeleceu os deveres do Estado na proteção dos direitos sociais) e, no Direito Internacional, o Tratado de Versailles, que criou a Organização Internacional do Trabalho, reconhecendo direitos dos trabalhadores.
Os direitos de terceira geração (ou dimensão) advieram de importantes conquistas na área da ciência, da tecnologia etc. Os direitos de terceira dimensão representam a preocupação com a manutenção da qualidade de vida dos indivíduos, protegendo, portanto, as causas ambientais, pela necessidade que todos dispõem de um ecossistema equilibrado para a geração futura, bem como para usufruto da atual. (PENTEADO FILHO, 2012, p. 38).
Paulo e Alexandrino (2011, p. 103) explicam a que se destinam os referidos direitos:
Os direitos fundamentais de terceira geração não se destinam especificamente à proteção dos interesses individuais, de um grupo ou de um determinado Estado. Sua titularidade é difusa ou coletiva, haja vista que têm por preocupação a proteção de coletividades, e não do homem individualmente considerado. Representam uma nova e relevante preocupação com as gerações humanas, presentes e futuras, expressando a ideia de fraternidade e solidariedade entre os diferentes povos e Estados soberanos.
Os direitos de terceira geração referem-se, igualmente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade. São direitos voltados aos “interesses difusos e coletivos, que transcendem o indivíduo ou grupos de indivíduos, representando os direitos de fraternidade ou solidariedade, uma vez considerado o homem como integrante da sociedade.” (PENTEADO FILHO, 2012, p. 38).
As gerações (dimensões) de direitos citadas até o momento, inferem-se da concepção clássica de direitos humanos, com supedâneo nas lições de Noberto Bobbio e Karel Vasak. A doutrina modernaacrescenta outras duas dimensões de direitos humanos: os direitos de quarta e de quinta geração. (FRANCISCHINI, 2013). 
Os direitos de quarta geração foram concebidos a partir da necessidade de oferecer proteção legal à própria genética humana, uma vez que os avanços da ciência poderia colocar em risco o legado genético de cada indivíduo, por meio de clonagens, p. ex. 
A Conferência Geral da Unesco, em 1997, adotou a Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos, documento que possibilita a utilização de genes humanos em pesquisas cujo objetivo seja a descoberta de elementos que venham a melhorar a saúde dos indivíduos. Contudo, estabeleceu regras a serem obedecidas na utilização dos genomas humanos. (GRECO, 2011, p. 70).
Bonavides (2008) é autor que sustenta a existência de uma quinta dimensão de direitos humanos, onde a paz encontra-se como bem supremo de interesse universal e não de apenas um povo. O elemento que antes categoricamente foi tratado como direito de terceira geração por Karel Vasak, ou seja, um direito da coletividade, sustenta o autor merece estar acima de todas as outras dimensões. 
Para o autor, o direito à paz é um direito inerente à própria vida, “sendo condição indispensável ao progresso de todas as nações, grandes e pequenas, em todas as esferas.” O direito à paz surgiu primeiramente na Declaração das Nações Unidas, constituindo um desejo de todos e o meio para a satisfação dos direitos humanos. (BONAVIDES, 2008). Desse modo, não haveria progresso em tempos de guerra, mas somente mediante a paz entre os povos. 
Conhecidos os direitos conquistados em cada etapa da evolução histórica dos direitos humano, o estudo passará à abordagem sucinta de alguns importantes documentos de salvaguarda ao direito humanitário em sua ordem internacional. 
1.2 PRIMEIROS PRECEDENTES DE INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS
Os direitos humanos constituem um grupo de garantias individuais conquistadas após incessante luta em prol do reconhecimento do valor da dignidade que cada pessoa humana possui. Assim, ao decorrer da história, acontecimentos marcantes serviram de subsídio à universalização dos direitos humanos. 
Piovesan (2013, p. 447) cita o Direito Humanitário, a Liga das Nações e a Organização Internacional do Trabalho como o ponto de partida da internacionalização dos direitos humanos. Segundo a autora, para que se pudesse falar em universalização de direitos dessa natureza, foi preciso “redefinir o status do indivíduo no cenário internacional, para que se torna-se verdadeiro sujeito de Direito Internacional.”
O Direito Humanitário representou um importante instrumento para imposição de limites à ação Estatal nos casos de guerras, a fim de que os direitos fundamentais do homem sejam resguardados pelos Estados em conflito. A proteção se dava tanto para os militares postos fora do combate, por motivo de doenças, feridas, prisões et., quanto para a população civil das regiões em guerra. (PIOVESAN, 2013, p. 447).
Após a Primeira Guerra Mundial, foi criada a Liga das Nações, em 1920. Seu objetivo consistia em “promover a cooperação, paz e segurança internacional, condenando agressões externas contra a integridade territorial e a independência política dos seus membros.” Almejava-se a relativização da soberania dos Estados. Em seu preâmbulo, determinava:
As partes contratantes, no sentido de promover a cooperação internacional e alcançar a paz e a segurança internacionais, com a aceitação da obrigação de não recorrer à guerra, com o propósito de estabelecer relações amistosas entre as nações, pela manutenção da justiça e com extremo respeito para com todas as obrigações decorrentes dos tratados, no que tange à relação entre povos organizados uns com os outros, concordam em firmar este Convênio da Liga das Nações. (PIOVESAN, 2013, p. 530).
Nota-se que a busca pela paz, pela segurança internacional, pelo estabelecimento de relações amistosas e justas entre as nações e o máximo respeito entre os povos, eram objetivos preconizados pela Liga das Nações, aos quais todos países membros do diploma internacional deveriam lutar pelo seu fiel cumprimento.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) tornou-se um marco no referencial internacional dos direitos humanos, por oferecer proteção à classe operária, tão penalizada com as desigualdades existentes entre proletariado e burguesia, no período da Revolução Industrial. Criada como parte do Tratado de Versalhes, a OIT fundou-se sobre a convicção de que a paz universal somente pode ser alcançada com justiça social. São atributos da OIT formular convenções e recomendações trabalhistas. As convenções, uma vez ratificadas, fariam parte do ordenamento jurídico do país. (DELGADO, 2013, p. 93-94).
A partir dos três instrumentos internacionais citados, o Direito Internacional deixou de reger apenas a relações entre estados, para estender proteção ao ser humano em sua forma individual e coletiva. Destarte, o cidadão passou de mero objeto a sujeito de Direito Internacional. Seus interesses transpuseram as barreiras locais para receber reconhecimento e importância a título internacional. (PIOVESAN, 2013, p. 451 e 454).
1.3 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS
Ao final Segunda Guerra Mundial, outra vez se teve no cenário internacional a necessidade da conquista pela afirmação dos direitos humanos. Durante o nazismo de Hitler, muitas atrocidades foram cometidas com o povo judeu. A pessoa humana, nesse período, foi tomada como objeto, podendo ser descartada ao bel prazer de um governante, sem sentido racional para tal barbárie. (PIOVESAN, 2013, p. 454).
Os seres humanos eram divididos conforme a raça. Se o indivíduo não pertencesse à raça pura ariana, não possuía valor algum, devendo morrer. O genocídio de 11 milhões de pessoas inocentes pelas duas guerras mundiais, deixaram profundas marcas no século XX, sendo medida cogente, a reconstrução dos direitos humanos, direitos esses totalmente renegados durante a era Hitler. (PIOVESAN, 2013, p. 457).
Necessário se fazia trazer ao homem o sentido que ele realmente merecia, por sua condição de pessoa humana. Destarte, não é difícil entender o porquê da doutrina dividir os direitos humanos em duas etapas: antes e depois das guerras, sendo a última guerra, a mais importante no que concerne à universalização dos direitos humanos. 
Pela imperiosa necessidade de trazer à órbita jurídica a volta do reconhecimento da dignidade humana e a imposição de limites à soberania estatal, cujas ações deveriam estar limitadas à salvaguarda dos direitos humanos, direitos esses de importância universal, sem limites de fronteiras, foi criada, em 1945, a Organização das Nações Unidas (ONU). 
Ao consultar a Carta das Nações Unidas e Estatuto da Corte Internacional de Justiça, vislumbra-se o compromisso assumido, aos quais estariam empenhados, a partir de então, os povos das nações unidas. Em seu preâmbulo, encontra-se sintetizado a razão principal da existência de uma organização como a ONU. Veja-se:
NÓS, OS POVOS DAS NAÇÕES UNIDAS, RESOLVIDOS a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade, e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas, e a estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos, e a promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade ampla. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1945).
Ressalta-se, portanto, que a ONU tem como como intenção impedir a eclosão de uma nova guerra, facilitar o diálogo entre os Estados-Membros, buscar a cooperação dos países na busca pela segurança internacional, o progresso social e o desenvolvimento econômicos, a salvaguarda dos direitos humanos e a paz social. É composta por 192 países.Para o fiel cumprimento de seus objetivos, a ONU é dividida em instâncias administrativas: a Assembleia Geral, o Conselho de Segurança, o Conselho Econômico e Social, o Secretariado e o Tribunal Internacional de Justiça. Cada órgão atua de modo a efetivar os objetivos da ONU, pelo cumprimento do acordo firmado pelos seus países-membros. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1945).
1.4 DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS
Proclamada em 10 de dezembro de 1948, pela Resolução 217 A da Assembleia Geral das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) representa a universalização legal da proteção aos direitos humanos. A DUDH tornou-se o documento mais traduzido em todo o mundo e serviu como alicerce das Constituições de muitos países. Logo em seu preâmbulo, encontra-se o reconhecimento universal da dignidade da pessoa humana, da igualdade de seus direitos, que são inalienáveis. Todos os países devem se esforçar por promover o respeito aos direitos humanos proclamados pela DUDH. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948).
Logo em seu Artigo I, a DUDH afirma a liberdade, a igualdade e a dignidade pertencente ao homem, que deverá agir, uns com os outros, com espírito de fraternidade. Já em seu Artigo VI, encontra-se o direito do homem de ser reconhecido como pessoa perante a lei, em todos os lugares pelos quais transitar. Em seus 30 artigos, a DUDH dispõe de direitos civis e políticos (arts. 3º a 21) e direitos sociais e econômicos (arts. 22 a 28). (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948).
Piovesan (2013, p. 499 e 503) argui que a DUDH trouxe em seu bojo duas inovações, quais sejam: “a) parificar, em igualdade de importância, os direitos civis e políticos e os direitos econômicos, sociais e culturais; e b) afirmar a inter-relação, indivisibilidade e interdependência de tais direitos.” Nesse sentido, a Resolução n. 32/130 da Assembleia Geral das Nações Unidas estabeleceu: “Todos os direitos humanos, qualquer que seja o tipo a que pertencem, se inter-relacionam necessariamente entre si, e são indivisíveis e interdependentes.”
Por todo o exposto no capítulo, apreendeu-se que a história dos direitos humanos é marcada por importantes acontecimentos. Incialmente, se fez preciso distinguir em que consistia a diferença entre a pessoa humana e os outros seres. Viu-se que a distinção reside em sua substância interior, em sua racionalidade, que coloca o homem em situação privilegiada. Por tal razão, aquilo que o homem carrega dentro de si deve ser tomado como importante e, portanto, respeitado. 
Infelizmente, foi preciso passar por muitos dissabores e grandes atrocidades, para que o direito do homem à liberdade, à igualdade, à dignidade fosse respeitado, pela sua simples condição de pessoa humana. Somente assim para o Estado deixar de olhar para os próprios interesses e voltar sua atenção aos interesses de seus cidadãos. 
Ao contrário do que existiu no passado, os direitos do homem, hodiernamente, encontram-se em bases sustentáveis de reconhecimento internacional. Isso se deve a importantes acontecimentos, dentre os quais a criação da ONU e a proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos. 
Destarte, foi pelos instrumentos nascentes em marcantes períodos da história, que hoje se tem a dignidade do homem como pedra fundamental da constituição de muitos Estados, dentre os quais, o Estado brasileiro.
2 DO TRÁFICO DE PESSOAS
O tráfico de pessoas constitui um grave atentado contra os direitos humanos, ao retirar do ser humano sua liberdade, dignidade e, não raras as vezes, sua vida. É um crime preocupante e de proporções mundiais, todavia de grande espectro no âmbito interno, onde pessoas são remanejadas de uma unidade da federação para outra, a fim de padecerem de toda a sorte.
O número de pessoas traficadas é assustador. A ONU afiança que, anualmente, cerca de quatro milhões de pessoas são traficadas em todo o mundo. A OIT apresenta dados mais comedidos, anunciando que este número é de pouco mais de dois milhões de pessoas/ano, sendo 250 mil traficadas apenas na América Latina, para fins de trabalho escravo. Um terceiro parecer é emitido pela Organização para Segurança e Cooperação na Europa, que aponta montante quase parecido ao da OIT, sendo a quantidade de pessoas traficadas no montante de dois milhões e seiscentos mil. Destas, 800 mil são destinadas ao trabalho forçado. (SIQUEIRA In: BRASIL, 2013a, p. 26).
As causas para o tráfico de pessoas, ou tráfico de seres humanos (TSH), são muitas, sendo a desigualdade social um dos principais fatores à sua ocorrência. Em parte dos casos, a pessoa livremente aceita deixar o país ou o Estado natural, a fim de buscar condições melhores de vida em um lugar desconhecido. Parte cheia de sonhos e esperanças, mal sabendo que a realidade que encontrará à sua frente será ainda mais cruel do que aquela que ficou para trás.
Anjos e Abrão (In: BRASIL, 2013a, p. 224) destacam as causas motivadoras à ocorrência do tráfico, como a exclusão social, discriminação, dentre outros, na seguinte exposição: 
Do ponto de vista social e econômico, elementos como a exclusão social, a pobreza, a desigualdade social e regional e os obstáculos de acesso a oportunidades, bens e serviços, o impacto social dos modelos de desenvolvimento constituem um forte elemento de atração. Mas a discriminação de diversos grupos sociais - populações afrodescendentes, povos originários, população rural, população LGBT - geram condições de vulnerabilidade para que estas populações sejam capturadas por redes de tráfico, especialmente mulheres, crianças e adolescentes. 
No Brasil, o tráfico de pessoas tem sido motivo de grande apreensão entre as autoridades públicas, principalmente em razão de o país não contar com um aparato legal capaz de coibir o crime ou, pelo menos, reduzir a sua ocorrência consideravelmente. Estima-se que, atualmente, o TSH ocupe a terceira posição no ranking das atividades mais rentáveis do planeta, perdendo posições apenas para o tráfico de drogas e de armas. (SIQUEIRA In: BRASIL, 2013a, p. 17 e 18).
De acordo com a ONU, o TSH movimenta cerca de US$12 bilhões ao ano. A OIT, contudo, afirma que o montante é bem maior, ultrapassando a casa dos US$31 bilhões. O alto rendimento com a atividade ilícita em contraponto com a legislação insuficiente para punir e coibir a prática, atua de modo a favorecer o TSH. (SIQUEIRA In: BRASIL, 2013a, p. 27).
A fim de melhor apreender os meandros que envolvem o tráfico de pessoas, as seções a seguir se destinam ao exame do Protocolo de Palermo, importante documento de ordem internacional de repressão e punição aos agentes do tráfico; o retrato do tráfico de pessoas no Brasil, tendo por base relatórios recentes emitidos pela Secretaria Nacional de justiça, em conjunto com outros órgãos; a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. O acervo é denso, todavia nestas páginas buscar-se-á apresentar os principais aspectos que envolvem o crime e a política brasileira para sua repressão.
2.1 O PROTOCOLO DE PALERMO
O Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional relativo à Prevenção, à Repressão e à Punição do Tráfico de Pessoas, em especial de Mulheres e Crianças, também conhecido como Protocolo de Palermo, traz em seu bojo a explicação do que constitui o tráfico de pessoas, conforme se extrai de seu art. 3º, a, in verbis: 
	
Por “tráfico de pessoas” entende-se o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou ao uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou de situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tem autoridade sobre outra, para fins de exploração. A exploração deverá incluir, pelo menos, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, a escravatura ou práticas similares à escravatura,a servidão ou a extradição de órgãos. (SIQUEIRA In: BRASIL, 2013a, p. 24).
O Protocolo de Palermo é um documento de caráter internacional, cujo Brasil se faz signatário desde 29 de janeiro de 2004, quando da ratificação do instrumento junto à Secretaria-Geral da ONU. Em 12 de março do mesmo ano, pelo Decreto nº 5.017/2004, o Estado brasileiro promulgou o referido protocolo em âmbito nacional. 
Três são os objetos do Protocolo de palermo: prevenir e combater o tráfico de pessoas, com atenção especial ao tráfico de mulheres e de crianças; conferir proteção e auxílio às vítimas do tráfico; promover a interação entre os países a fim de que os dois primeiros objetivos sejam alcançados. (art. 2º).
O quadro abaixo sintetiza o conceito de tráfico de pessoas, a partir da subdivisão em três aspectos: ação, meio e fim. Vide: 
Figura 1 - Conceito de Tráfico de Pessoas
Fonte: BRASIL, 2012.
Frisa-se que, a atividade ilícita acontece independentemente do consentimento da vítima. Sua anuência deverá ser desconsiderada se, para a prática do crime, qualquer dos meios descritos no quadro acima tenha sido utilizado. (art. 3º, b).
O acolhimento de crianças para fins de exploração, ainda que não tenha sido empregado os meios acima, igualmente será tomado como tráfico de pessoas. A Convenção entende como criança toda a pessoa menor de 18 anos. (art. 3º, c e d).
Ao torna-se Estado-Membro do Protocolo de Palermo, o Brasil assumiu o compromisso de adotar medidas legislativas para coibir a prática criminosa. Sanções específicas haverão de ser implementadas para criminalizar a conduta dos agentes que cometerem a tentativa, participarem como coautores, cúmplices ou serem mentores ou mandantes do TSH. (art. 5º).
No art. 6º do Protocolo de Palermo encontra-se a proteção internacional das vítimas do TSH. De modo sucinto, apresentam-se as ações de assistência a serem conferidas pelos países:
proteção da privacidade e da identidade das vítimas do tráfico de pessoas;
informações sobre processos judiciais e administrativos;
auxílio para que as opiniões e preocupações das vítimas sejam levadas em consideração no processo penal contra os agentes do tráfico;
segurança às vítimas do tráfico enquanto encontrarem-se em território nacional;
medidas jurídicas que possibilitem a reparação material pelos danos sofridos em decorrência do TSH.
Destaca-se, também, que o país deverá considerar a prestação de assistências às vítimas do tráfico, oferecendo o apoio necessário à sua recuperação física, psicológica e social, facultando-lhes, ainda, disponibilizar alojamento, aconselhamento, assistência médica e material e oportunidades para o trabalho, educação e formação. Toda a assistência governamental dispensada deverá levar em consideração o sexo, a idade e as condições das vítimas. (art. 6º).
Além das medidas citadas, os países poderão adotar outras ações que permitam às vítimas do TSH permanecerem em seu território, de modo temporário ou mesmo permanente. Tais medidas levarão em consideração fatores humanitários e compassivos. (art. 7º). 
2.3 O RETRATO DO TRÁFICO DE PESSOAS 
Antes de mais nada, é preciso reforçar a ideia de que o tráfico de pessoas hoje concebido engloba não somente mulheres e crianças, mas também homens. Entretanto, ao avaliar os dados estatísticos e documentos oficiais referentes ao TSH, afere-se que a mulher continua sendo o principal alvo dos traficantes, seguida das crianças. Nem mesmo deficientes físicos, transexuais ou pessoas idosas estão isentos da prática criminosa. 
A exploração sexual, o trabalho forçado, o trabalho doméstico infantil, a adoção ilegal e a venda de órgãos, constituem as principais finalidades a que se destina esta modalidade de tráfico, conforme se verá.
Em 28 de julho de 2014, o Ministério da Justiça divulgou um importante documento com números do tráfico de pessoas e vítimas de trabalho escravo. O trabalho foi realizado pela Secretaria Nacional de Justiça, em parceria com o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UnoDC). Os dados apresentados são reflexos do trabalho conjunto de diversos órgãos responsáveis por captar os casos de TSH, como o próprio Ministério da Justiça, Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério da Saúde, dentre outros, são referentes ao ano de 2012 e constituem o mais atualizado relatório sobre o tema. (STOCHERO, 2014). 
Destaca-se, por oportuno, a dificuldade em se obter informações precisas acerca do TSH. Pode-se afirmar que os números evidenciados são diferentes dos reais, pois muitos órgãos não se preocupam em registrar o fenômeno. Nesse sentido, veja-se a declaração presente no Relatório Nacional sobre Tráfico de Pessoas: consolidação dos dados de 2005 a 2011:
As informações quantitativas sobre o fenômeno do tráfico de pessoas são raras ou de difícil acesso. [...]. O tráfico de pessoas, assim como outras condutas ofensivas, não é propriamente registrado quando chega no sistema de Segurança Pública e Justiça Criminal. As instituições se preocupam, via de regra, em buscar informações que lhes são caras e principalmente em registrar seus procedimentos, não havendo uma sensibilidade para o registro do fenômeno investigado, mas tão somente para o registro das informações que vão ajudar aquela instituição a realizar suas atividades e cumprir suas metas [...]. (BRASIL, 2013 apud UNODC; BRASIL, 2014, p. 9).
A fim de unirem forças ao alcance de quantidade e qualidade nas informações obtidas sobre o tráfico de pessoas, foi criado um Grupo de Trabalho integrado para elaboração de metodologia dialogável e integrada das coletas de dados nacionais sobre o tráfico de pessoas - GT dados. O trabalho foi articulado no segundo semestre de 2012 e teve como participantes diversos parceiros da Secretaria Nacional de Justiça. (UNODC; BRASIL, 2014, p. 9).
Partindo à análise do documento, extraem-se importantes tabelas que atuarão de modo positivo na demonstração do tráfico brasileiros em âmbito nacional e internacional. Assim, inicialmente, é apresentado dados referentes ao tráfico de pessoas no país onde o caso foi identificado. Vide:
Tabela 1 - Vítimas de tráfico de pessoas no ano de 2012 por país onde foram identificadas
Fonte: UNODC; BRASIL, 2014.
Os números parecem pequenos, mas são de importante menção, haja vista estarem relacionados a casos de vítimas que procuraram a Divisão de Assistência Consular do Ministério das Relações Exteriores (MRE/DAC), nesses países, para denunciar o tráfico. Além do mais, somente as vítimas que encontravam-se sob liberdade puderam recorrer ao Consulado brasileiro, o que torna presumível um número bem maior, se consideradas fossem, também, as vítimas que se encontra sobre prisão privada. (UNODC; BRASIL, 2014, p. 17).
Nota-se que, em se tratando de vítimas de tráfico de pessoas por país, o número das traficadas para fins de exploração sexual é igual ao daquelas traficadas para exploração laboral, sendo o total de 4 vítimas para cada modalidade. Constata-se, ainda, que a quantidade de vítimas mulheres foi maior para o tráfico para exploração sexual (três casos), sendo que, para o trabalho escravo, a divisão entre os sexos foi igual. 
Ainda sobre a Tabela 1, o Relatório aponta como fator de relevante atenção a inserção de países nunca dantes evidenciados como traficantes de pessoas. Nesse sentido, merece destaque nações como Romênia e Sérvia, que “receberam vítimas aliciadas e exploradas por trabalho análogo à escravidão como jogadores de futebol.” (UNODC; BRASIL, 2014, p. 17).
A Tabela 2, por seu turno, representa o número de pessoas traficadas e de crimes correlatos no ano de 2012, sob apontamento dos órgãos: Polícia Rodoviária Federal (DPRF), Secretaria de Direitos Humanos (SDH), Secretaria de Proteção às Mulheres (SPM), Ministério da Saúde (MS) e Ministério do Desenvolvimento Sustentável e do Combate à Fome (MDF). Importante neste momento destacar, o que se tem concebido como crimes correlatos do TSH.
O tipo penal tráfico de pessoas encontra-se presente nos arts. 231 e 231-A do Código Penal brasileiro(CP). Acontece que, os referidos dispositivos tratas apenas do tráfico para fins de exploração sexual, o que reduz o alcance do tráfico de pessoas estabelecido pelo Protocolo de Palermo. 
Embora a norma penal preveja claramente a figura do TSH apenas para fins sexuais, outros dispositivos no próprio CP e também na legislação ordinária, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), dispõem sobre distintas condutas relacionadas ao tráfico de pessoas, como o trabalho escravo (art. 149 do CP) e adoção ilegal (arts. 238 e 239 do ECA). 
Assim, por não serem propriamente tratados como tráfico de pessoas nesses diplomas, o relatório apontou-os como crimes correlatos. Não deixando, contudo, de receber o mesmo tratamento por parte das autoridades públicas.
Volte-se à tabela:
Tabela 2 - Número de vítimas do tráfico de pessoas e crimes correlatos em 2012
Fonte: UNODC; BRASIL, 2014.
Das informações presentes, ressalte-se os dados colhidos pela DPRF e pela SDH, pois são fonte novas, não sendo apreciadas no Relatório anterior, quando se analisou as vítimas de tráfico e de crimes correlatos nos anos 2005-2011. Enquanto a DPRF detectou em suas operações federais 547 casos de pessoas em situação de tráfico ou de crimes assemelhados, a SDH recebeu 141 denúncias sobre a ocorrência do crime. (UNODC; BRASIL, 2014, p. 18).
Sobre os dados referentes ao MS, afirma o relatório que, apesar de ainda ser um número pequeno de vítimas identificadas, houve uma sensibilização por parte dos profissionais da saúde em delatar os casos desses crimes às autoridades públicas. (UNODC; BRASIL, 2014, p. 18).
A Tabela 3 é mais específica e expõe as denúncias recebidas pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, por intermédio do serviço Disque 100 - Disque Direitos Humanos -, canal telefônico colocado à disposição da sociedade para informes de crimes relativos à violação de direitos humanos, dentre os quais, o tráfico de pessoas.
O Disque Direitos Humanos tem a competência para receber, examinar e encaminhar as denúncias de casos de violação e direitos humanos à autoridade competente. Está apto a atuar na solução de conflitos. Aquele que não se sentir confortável em ser identificado, pode realizar a denúncia de forma anônima. O sigilo do contato é resguardado. O serviço funciona 24 horas por dia, sete dias por semana. A ligação é direta e gratuita. (BRASIL, [200-a]).
Além do Disque 100, o governo federal conta com o Ligue 180 - Serviço de Proteção à Mulher da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República. O número funciona 24 horas por dia, todos os dias por semana, inclusive sábado, domingo e feriados. A ligação é gratuita. O canal tem por objetivo atender o público feminino, principalmente, em casos de manifestação de violência em razão do gênero, em suas variadas formas. Pelo Ligue 180, a vítima recebe acolhimento e orientação necessários. Os casos são submetidos à Rede de Enfrentamento à Violência contra a Mulher. (BRASIL, [200-b]).
Tabela 3 - Especificação dos tipos criminais, abrangência do crime e categoria da categoria da vítima nas denúncias recebidas sobre tráfico de pessoas pelo Disque 100 da SDH em 2012
Fonte: UNODC; BRASIL, 2014.
Consoante dados levantados em 2012 pelas entidades responsáveis, práticas recorrentes de TSH tem ocorrido dentro dos limites do Estado brasileiro, sob os olhos das autoridades públicas, pode-se assim dizer. É preocupante evidenciar que, dos 141 casos denunciados pelo Disque 100, 136 envolvem crianças e adolescentes.
Vide que 41 crianças e adolescentes foram comercializadas para adoção em âmbito interno, contra 16 traficadas internacionalmente para este fim. 20 crianças e adolescentes foram remanejadas de Estados para serem exploradas sexualmente. O mesmo crime foi cometido contra 14 crianças e adolescentes, todavia sendo recrutadas para outros países. 9 casos de tráfico interno para remoção de órgãos de crianças e adolescentes, contra 8 casos internacionais de mesma natureza. O destaque, aqui, vai para o uso de pessoas com deficiência (1 caso) e de pessoa idosa (1 caso) para a remoção de órgãos. 
A título de conhecimento, conforme dados da Organização das Nações Unidas para a Infância apresentados no Primeiro Congresso Mundial contra a Sexual Comercial de Crianças e Adolescente, realizado na cidade de Estocolmo, em 1996, cerca de um milhão de crianças desaparecem, anualmente, em todo mundo. Estima-se que o desaparecimento esteja diretamente relacionado com tráfico para adoção ilegal, exploração sexual ou tráfico de órgãos. (SIQUEIRA In: BRASIL, 2013a, p. 25 e 26). 
Sob outro modo de análise, a pesquisa apontou os seguintes resultados referentes a denúncias de TSH no ano de 2012 pelos canais telefônicos Disque 100 e Ligue 180. Foram 35 contatos dessa natureza para a Secretaria de Direitos Humanos e 28 para a Secretaria de Proteção à Mulher:
Tabela 4 - Números de relatos do crime de tráfico de pessoas em 2012
Fonte: UNODC; BRASIL, 2014.
Em se tratando de vítimas de exploração laboral, o relatório apresentou dados quantificados pelos órgãos Ministério do Trabalho e Emprego, Polícia Rodoviária Federal, Secretaria de Direitos Humanos e Secretaria de Proteção à mulher. O MTE foi quem mais recebeu denúncias de vítimas de trabalho em condições análogas à escravidão: 2.771 ocorrências. Veja-se:
Tabela 5 - Número de vítimas do crime de trabalho análogo o à escravidão em 2012
Fonte: UNODC; BRASIL, 2014.
A Tabela 6, por sua vez, retrata o perfil das vítimas do TSH e de crimes correlatos em 2012, com destaque à idade e o gênero das vítimas:
Tabela 6 - Perfil de vítimas do crime de tráfico de pessoas e crimes correlatos
Fonte: UNODC; BRASIL, 2014.
Afere-se que, em sua maioria, a vítima é do sexo feminino, com idade entre 20 e 29 anos. Em seguida, estão crianças e adolescentes com idade entre 10 e 14 anos. Mulheres com idade entre 50 e 59 anos e aquelas acima com 60 anos ou mais, somam 15 casos. Dos 130 casos apresentados, apenas 26 tratavam-se de homens, em sua maioria adolescentes e jovens com idade entre 15 e 19 anos. Nenhum homem com 60 anos ou mais foi identificado como vítima. 
Num quadro geral, a maior parte dos traficados (somados homens e mulheres) são jovens adultos (29 casos), acompanhados de adolescentes e jovens (23 casos) e de crianças e adolescentes (20 casos). Em relação à idade, a menor incidência do tráfico se deu sobre aquelas com idade igual ou superior a 60 anos. Apenas seis casos foram contabilizados, sendo todas mulheres.
O Ministério da Saúde apresentou os dados constantes na Tabela 6 em forma de percentuais, ora veja-se:
Os dados do MS são os únicos que possuem um perfil mais detalhado das vítimas, sendo as mesmas caracterizadas por gênero, idade e raça. Segundo os dados do MS, 80% das vítimas são mulheres e apenas 20% homens. Quanto à idade, 65% das vítimas tinham idade até os 29 anos, configurando um maior número de vítimas entre pessoas jovens, sendo que 40% eram crianças e adolescentes 22. (UNODC; BRASIL, 2014, p. 20).
A Tabela 7 remonta o perfil das vítimas de tráfico e de crimes correlatos, contudo sob enfoque da raça/cor e do gênero: 
Tabela 7 - Vítimas de tráfico de pessoas e crimes correlatos por raça/cor e gênero em 2012
Fonte: UNODC; BRASIL, 2014.
Em uma análise isolada de cor/raça, a maioria das vítimas traficadas são pardas (55 casos) e brancas (46 casos). Das 130 ocorrências, apenas 15 vítimas era da cor preta. Somente um homem da cor amarela e uma mulher da raça indígena foram traficados. Homens e mulheres vítimas de tráfico de pessoas ou de crimes correlatos sem informação de cor ou raça nos sistemas oficiais somaram-se 12, sendo 2 homens e 10 mulheres.
Contudo, ao analisar a somatória entre pardos e pretos, tem-se uma dimensão real do problema. 55 mulheres (59%) e 15 homens pardos e pretos traficados (63%), contra 38 mulheres (40%) e 8 homens brancos (33%). Levando-se em consideração que a população parda e preta do país atingeum patamar de 51%, afere-se que a essa mesma população é a mais vitimada nos crimes de TSH, uma vez constituir a marca de 59% dos casos. (UNODC; BRASIL, 2014, p. 20-21).
2.3 A POLÍTICA NACIONAL DE ENFRENTAMENTO AO TRÁFICO DE PESSOAS 
Viu-se no início do capítulo que o Brasil é signatário do Protocolo de Palermo. Este documento internacional prescreve aos estados a criação de medidas para o enfrentamento do TSH. Em obediência ao compromisso firmado, em 26 de outubro de 2006, pelo Decreto nº 5.948/2006, foi aprovada a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e instituído o Grupo de Trabalho Interministerial com o objetivo de elaborar proposta do Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, o PNETP. (BRASIL, 2006).
A referida política tem por finalidade disciplinar as ações de prevenção e repressão ao tráfico de pessoas e de atendimento às vítimas e é regida por sete princípios, além do preceito da proteção integral da criança e do adolescente. Vide:
respeito à dignidade da pessoa humana;
não-discriminação por motivo de gênero, orientação sexual, origem étnica ou social, procedência, nacionalidade, atuação profissional, raça, religião, faixa etária, situação migratória ou outro status;
proteção e assistência integral às vítimas diretas e indiretas, independentemente de nacionalidade e de colaboração em processos judiciais;
promoção e garantia da cidadania e dos direitos humanos;
respeito a tratados e convenções internacionais de direitos humanos;
universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos; e
transversalidade das dimensões de gênero, orientação sexual, origem étnica ou social, procedência, raça e faixa etária nas políticas públicas.
No rol de diretrizes gerais estabelecidos pela Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas estão o trabalho conjunto dos entes federativos na prevenção e repressão ao tráfico de pessoas, bem como no atendimento e reinserção social das vítimas; promoção à cooperação internacional bilateral ou multilateral; articulação com organizações não-governamentais, nacionais e internacionais; estruturação de rede de enfrentamento ao tráfico; fortalecimento da fiscalização nas áreas de maior incidência do crime; harmonização das legislações e procedimentos administrativos relativos ao tema em todas as esferas do governo. (art. 4º). 
Dentre as diretrizes específicas, citam-se a implementação de medidas preventivas nas políticas públicas, de maneira integrada ou intersetorial, nas áreas de saúde, educação, trabalho, segurança, justiça, assistência social etc.; apoio e realização de campanhas socioeducativas sobre o tema; monitoramento e avaliação de campanhas; apoio à mobilização social e fortalecimento da sociedade civil; fortalecimento dos projetos já existentes e promoção à criação de novos projetos de prevenção sobre o tráfico de pessoas. (art. 5º).
O art. 6º determina quatro diretrizes específicas sobre a repressão ao TSH e de responsabilização de seus agentes:
cooperação entre órgãos policiais nacionais e internacionais;
cooperação jurídica internacional;
sigilo dos procedimentos judiciais e administrativos, nos termos da lei; e
integração com políticas e ações de repressão e responsabilização dos autores de crimes correlatos.
Sobre as políticas específicas de atenção às vítimas do tráfico de pessoas estabelecidas pela Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, tem-se a proteção e assistência jurídica, social e de saúde às vítimas diretas e indiretas do crime; assistência consular às vítimas independentemente de sua situação migratória ou de ocupação; acolhimento em abrigo provisório; medidas para a reinserção social dessas vítimas, com a garantia de acesso à educação, cultura, formação profissional e ao trabalho; reinserção familiar e comunitária de crianças e adolescentes vítimas de tráfico de pessoas; atenção às necessidades específicas das vítimas, considerando as questões relativas ao gênero, orientação sexual, origem social, religião, faixa etária etc.; proteção à intimidade e identidade das vítimas; levantamento e informações sobre as instituições brasileiras ou de outros países que prestam assistência à vítima de TSH. (art. 7º).
Ressalte-se, por fim, que em 4 de fevereiro de 2013, o Decreto nº 7.901/2013 instituiu a Coordenação Tripartite da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e o Comitê Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (CONATRAP). 
A coordenação tripartite é formada pelos órgãos: Ministério da Justiça, Secretaria de Política para as Mulheres da Presidência da República e Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e possui como atribuições (BRASIL, 2013b):
analisar e decidir sobre aspectos relacionados à coordenação das ações de enfrentamento ao tráfico de pessoas no âmbito da administração pública federal;
conduzir a construção dos planos nacionais de enfrentamento ao tráfico de pessoas e coordenar os trabalhos dos respectivos grupos interministeriais de monitoramento e avaliação;
mobilizar redes de atores e parceiros envolvidos no enfrentamento ao tráfico de pessoas;
articular ações de enfrentamento ao tráfico de pessoas com Estados, Distrito Federal e Municípios e com as organizações privadas, internacionais e da sociedade civil;
elaborar relatórios para instâncias nacionais e internacionais e disseminar informações sobre enfrentamento ao tráfico de pessoas; e
subsidiar os trabalhos do Comitê Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, propondo temas para debates.
Ato conjunto dos Ministros de Estados, com representação na Coordenação Tripartite, disporá sobre o II Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, para o período de 2013 a 2016, e instituirá os órgãos responsáveis pelo seu monitoramento e avaliação. (art. 3º). 
Ao avaliar conjuntamente os Decretos nº 5.948/2006 e 7.901/2013, averígua-se que os mesmos constituem importantes instrumentos na repressão contra o tráfico de pessoas em âmbito nacional, com disposição de princípios, metas, diretrizes e ações a serem alcançadas pelos órgãos integrantes da rede de combate ao TSH.
3 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
A dignidade da pessoa humana está relacionada com a própria condição do ser humano. Para os estoicos, todos, indistintamente, são dotados de uma qualidade própria do ser humano. A concepção de dignidade foi fortalecida a partir do cristianismo, que a concebeu como uma característica inerente à essência do ser humano. O homem é um ser individual, de natureza racional. (SARLET In: CANOTILHO, 2013, p. 559).
Imannuel Kant trouxe importantes considerações sobre a concepção de dignidade. Segundo seu pensamento, a dignidade confere ao homem uma autonomia especial, o diferenciado dos demais objetos, não podendo, portanto, ser tratado como tal, em razão desta prerrogativa que os difere das demais espécie. O pensamento Kantiniano serviu como base das raízes do constitucionalismo contemporâneo, calcado, dentre outros elementos, no respeito à dignidade da pessoa humana. (SARLET In: CANOTILHO, 2013, p. 560).
O principal documento internacional de proteção aos direitos humanos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, logo em seu art. 1º reconhece a dignidade da pessoa humana: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.” 
Rememore-se que a referida Declaração tem suas raízes no pós-guerras, onde milhões de judeus foram dizimados e, os que sobreviveram aos tempos difíceis, carregavam consigo as marcas de um tempo em que prevalecia os interesses estatais, não os individuais. 
Conforme Piovesan (2000, p. 130):
A internacionalização da proteção aos direitos humanos teve início após a Segunda Guerra Mundial. As atrocidades cometidas sob a égide de suposta supremacia racial chocaram o mundo e impulsionaram a criação de normas capazes de viabilizar tal proteção, bem como a responsabilização dos Estados em casode violação. Houve a efetiva “conversão em tema transcendente ao interesse estritamente doméstico dos Estados”. 
Reconhecer publicamente, num instrumento de caráter internacional, que o ser humano é dotado de razão e consciência de tudo que o permeia, diferenciando-o, portanto, dos demais seres, é modo de respeitá-lo exatamente por ser o que é e colocá-lo como epicentro de um aparato legal de nível internacional, que subsiste, em primeiro lugar, hoje, para atender às necessidades primordiais do homem para, depois, satisfazer os interesses do Estado. O que nem sempre foi assim, como se viu no capítulo 1 do presente estudo.
Na órbita nacional, a dignidade da pessoa humana constitui fundamento da República Federativa do Brasil. Presente em sem art. 1º, inciso III, a Constituição Federal de 1988 elevou a dignidade da pessoa humana ao patamar de princípios do Estado brasileiro, atuando como direcionado do criador das leis infraconstitucionais e de seus intérpretes. 
Sarlet (In: CANOTILHO, 2013, p. 575-576) comenta a importância do preceito constitucional da dignidade da pessoa humana:
Em termos gerais, a doutrina constitucional parte do pressuposto de que a dignidade da pessoa humana assenta-se em fundamentos ético-filosóficos, sendo ínsita à condição humana, representando um “princípio supremo no trono da hierarquia das normas”. Importa considerar, neste contexto, que a dignidade da pessoa humana desempenha o papel de valor-guia não apenas dos direitos fundamentais, mas de toda a ordem jurídica (constitucional e infraconstitucional), razão pela qual, para muitos, se justifica a caracterização da dignidade como princípio constitucional de maior hierarquia axiológica.
Confirma-se que a dignidade é concebida como algo próprio da pessoa humana. Todos possuem dignidade e deve tê-la respeitada. Erigi-la como base de um Estado Democrático de Direito é reconhecer a condição particular do ser humano e conferir que todos os cidadãos tenham a sua liberdade, igualdade e individualidade preservados, tanto pelo Estado, quanto pela sociedade. 
À efetivação do respeito à dignidade do ser humano, o Estado cria um conjunto de normas tomadas como fundamentais, com vistas a proteger o indivíduo de atos cruéis e desumanos, e assegurar que o mínimo seja garantido à sua subsistência. Esses direitos fundamentais, na visão de Padilha (2014, p. 623), são “considerados indispensáveis à manutenção da dignidade da pessoa humana, necessários para assegurar a todos uma existência digna, livre e igual.”
Em tempos onde os olhares se voltam aos direitos humanos do indivíduo, as principais constituições contemporâneas têm na dignidade da pessoa humana o alicerce de seu edifício jurídico.
3.2 O BRASIL, O TRÁFICO DE PESSOAS E OS DIREITOS HUMANOS
Em relação ao tráfico de pessoas, afirma-se, sem margens para dúvidas, de constitui uma das maiores violações à dignidade da pessoa humana, ao retirar da vítima a sua liberdade de ir e vir, os seus sonhos, a sua individualidade. A vítima do tráfico deixa de ser considerada um ser humano, para ser tratada como mercadoria, à mercê de toda a sorte, por parte de seus algozes. 
Como se viu no estudo, a maior parte das vítimas do tráfico são do sexo feminino. Grande parte sai do Brasil, ou migram de um estado para outro, com base em propostas de trabalho com bons salários. Em casos de viagem para o exterior, por exemplo, as despesas com a viagem, futura moradia alimentação etc. são demasiadamente altos, situação em que a vítima se propõe a um acordo com o aliciador, em fazer o pagamento dos custos com parte dos salários que auferir com o novo trabalho.
Entretanto, quando chegam em seus destinos, encontram uma realidade totalmente diferente da combinada em seu país natal. Descobrem que, ali, serão comercializadas em casas de prostituições, em sua maioria. Logo na chegada no aeroporto de destino, seus documentos são retidos pela máfia, sendo liberados somente quando do pagamento de toda a dívida contraída. 
Segundo apontamentos de uma Organização sem Fins Lucrativos ligadas à Igreja Católica com assento na ONU, a mulher traficada terá de ser submetida a 4.500 relações sexuais para saldar sua dívida junto aos traficantes. Como se faz inconcebível, e até impossível, manter tantas relações em poucos dias, semanas e até meses, novas dívidas são contraídas, a fim de que a vítima tenha o essencial à sua subsistência. Aquilo que tinha um valor determinado a ser pago, vira uma bola de neve onde, dificilmente, será possível pôr termo. (SIQUEIRA In: BRASIL, 2013a, p. 32).
O comércio ilegal de pessoas é altamente lucrativo, tanto que a prática no crime é recorrente. Um traficante ao ser indagado sobre o lucro que a exploração sexual confere, respondeu: “[prefiro] mil vezes vender uma mulher a vender armas ou drogas, pois armas e drogas a gente só vende uma vez, ao passo que a mulher a gente vende e revende até ela morrer de AIDS, ficar louca ou se matar.” (SIQUEIRA In: BRASIL, 2013a, p. 32).
Tal declaração corrobora a violação da dignidade da mulher traficada, que não tem liberdade para dispor do próprio corpo do modo que lhe aprouver. É coisificada por aqueles que dela almejam apenas o lucro que pode gerar. Infelizmente, o fato de a mulher ser o principal alvo dos traficantes, advém de uma cultura machista onde homem foi tido, por muito e muito tempo, como um ser superior em relação à mulher, uma vez que foi feito à imagem e semelhança de Deus, como aduzem. (SIQUEIRA In: BRASIL, 2013a, p. 37).
Em 13/05/2013, em discurso proferido na Assembleia-Geral das Nações Unidas, o Secretário Nacional de Justiça, Paulo Abraão, destacou que, aos olhos do Brasil, o Plano Global de Combate ao Tráfico de Pessoas deve ter suas ações voltadas não apenas ao combate direto ao tráfico de pessoas, mas na prevenção e no apoio às vítimas do tráfico. Imprescindível, também, que os países voltem sua atenção à desigualdade de gênero, punindo todas as formas de discriminação, pois são elas, as mulheres, as maiores vítimas do crime. (SOARES In: BRASIL, 2013a, p. 89).
Nas palavras do Secretário Nacional de Justiça:
[...] o sexismo e a discriminação de gênero são especialmente cruéis com as mulheres que sobrevive ao tráfico, as quais normalmente são discriminadas pela sociedade depois de sobreviverem à situação, incapazes de se reintegrarem e, às vezes, forçadas a regressar às redes do tráfico. (ABRAÃO apud SOARES In: BRASIL, 2013a, p. 89).
Ressalte-se a necessidade de programas de apoio à vítima do tráfico que, muitas vezes por não ser aceita na própria sociedade ou não obter as condições dignas de vida que tinha antes de ser traficada, se vê obrigada a voltar à vida de exploração, seja sexual ou laboral. 
A situação do tráfico de pessoas no Brasil é preocupante, pois o país exporta e importa seres humanos. No tráfico interno, mulheres e crianças migram de seus estados para outros a fim de trabalharem como domésticas ou na prostituição. No nordeste brasileiro concentra-se a maior parte das crianças traficadas para fins sexuais no país. Mulheres e homens transexuais são traficados internacionalmente para países de primeiro mundo, como Espanha, Holanda, Itália, Reino Unido e Alemanha. Mulheres e crianças de países vizinhos saem de seus países e são explorados sexualmente em solo brasileiro. (SOARES In: BRASIL, 2013a, p. 90). 
Para reverter este cenário, o Brasil tem na Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoa a sua principal arma. Em 2013, foi instituída a II PNETP, diploma que reproduz o forte trabalho político-brasileiro no sentido de reprimir e prevenir o tráfico de pessoas, além de oferecer às vítimas do tráfico o apoio necessário ao resgate de sua dignidade, principalmente. O II PNETP estabelece ações para os anos de 2013-2016, com execução de atividades e metas programadas de enfrentamento ao tráfico, divididas em cinco linhas operativas. 
A primeira linha operativa buscará o aperfeiçoamento da legislação brasileira para fortalecimento do enfrentamento do tráfico de pessoas, com a criaçãode leis específicas para regular o tema. (BRASIL, 2013c, p. 11).
Dentre as disposições normativas estão: aprovação do Estatuto do Estrangeiro; elaboração e aprovação de lei específica para tratar do tráfico de pessoas no país; elaboração de anteprojeto que disponha sobre a reversão dos bens adquiridos com o tráfico para a prevenção, repressão e amparo às vítimas; elaboração de lei com punições mais severas para os agentes do tráfico, bem como sanções administrativas às empresas condenadas em processos de tráfico de pessoas; elaboração de lei com vistas à regulamentação de agências de casamento e recrutamento, introdução e colocação de pessoas no Brasil e no exterior. (BRASIL, 2013c, p. 20-21).
A segunda linha operativa tem como meta a integração e o fortalecimento das políticas públicas, redes de atendimento e organizações para prestação de serviços necessários ao enfrentamento ao tráfico de pessoas. (BRASIL, 2013c, p. 21).
Eis alguns dos objetivos a serem alcançados até 2016: fortalecimento da atuação integrada dos atores governamentais de forma descentralizada, com apoio aos órgãos responsáveis pelo enfrentamento ao tráfico de pessoas, garantindo a articulação de suas ações, o intercâmbio de experiências e a participação da sociedade civil; criação de mecanismos para monitorar e avaliar as ações de enfrentamento ao tráfico de pessoas; promoção de relações de cooperação transfronteiriças para o enfrentamento ao tráfico de pessoas, fortalecendo capacidades e estruturas; criação de estratégias de integração dos sistemas nacionais para o enfrentamento e para a reintegração das vítimas do tráfico de pessoas; fortalecimento e ampliação da capacidade dos órgãos competentes para implementação de ações voltadas à repressão ao tráfico de pessoas; combate às redes, pessoas e organizações que se beneficiam financeiramente com o tráfico de pessoas; ampliação ao acesso de direitos e grupos vulneráveis ao tráfico de pessoas e a oferta de serviços e iniciativas públicas, com vistas a diminuir a vulnerabilidade e os seus impactos; promoção e garantia dos direitos dos cidadãos estrangeiros vítimas do tráfico de pessoas no Brasil. (BRASIL, 2013c, p. 21-26).
A terceira linha operativa atuará na capacitação para o enfrentamento ao tráfico de pessoas, a partir da adoção das seguintes medidas, dentre outras: matriz de formação em enfrentamento ao tráfico de pessoas elaborada e implementada; programas permanentes de formação consular com ações de intercâmbio de experiências sobre o tráfico de pessoas; curso de formação continuada em Educação em Direitos Humanos para os profissionais da educação com tema do tráfico de pessoas incluído; capacitação dos profissionais da saúde no tema do enfrentamento ao tráfico de pessoas; cursos de formação e atualização para servidores públicos que atuam nas áreas de fronteiras com o tema do enfrentamento ao tráfico de pessoas inseridos. (BRASIL, 2013c, p. 27-28).
A quarta linha operativa agirá na produção, gestão disseminação de informações e conhecimento sobre o tráfico de pessoas. Citam-se algumas de suas metas: diagnóstico nacional sobre o tráfico de pessoas, sua dinâmica e modalidades realizado e disseminado; investigação ou análise sobre a relação entre as novas tecnologias de comunicação, as redes sociais virtuais e o tráfico de pessoas desenvolvida e disseminada; mapeamento de serviços existentes, órgãos e entidades governamentais e não governamentais envolvidas com o tema do tráfico de pessoas realizado, publicado e disseminado, com versão a ser disponibilizada também na internet; mecanismo de integração das informações dos bancos de dados e harmonização de protocolos de coleta e análise de dados implementado; relatório público do sistema de informações sobre o enfrentamento ao tráfico de pessoas realizado e publicado anualmente, com versão disponibilizada na internet. (BRASIL, 2013c, p. 29-30).
A quinta linha operativa, por fim, trabalhará no desenvolvimento e no apoio de campanhas e estratégias comunicativas sobre o tráfico de pessoas, suas modalidades, impactos e outros aspectos. Vejam-se suas principais atividades: campanha nacional sobre o tráfico de pessoas realizada durante os grandes eventos; estabelecimento de critérios condicionantes nos editais de fomento à cultura, para a divulgação do tráfico de pessoas, de acordo com a linguagem do projeto financiado; realização de campanha nacional de conscientização e sensibilização contra o trabalho escravo; realização de campanha nacional de prevenção ao tráfico de pessoas. (BRASIL, 2013c, p. 31).
O que se percebe ao avaliar o II PNETP é a forte preocupação do Estado brasileiro em alinhar-se ao Protocolo de Palermo, resguardando todos os cidadãos da barbárie que constitui o tráfico de pessoas no tocante à sua dignidade, dentre outros. Se as metas propostas até 2016 forem alcançadas, o país estará à frente na repressão, prevenção e no apoio às vítimas do TSH, pode-se dizer. 
Entretanto, não apenas a Política de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas subsiste no ordenamento jurídico para combater o crime. O Código Penal brasileiro traz em seu bojo sanções aqueles que cometem o TSH. Os dispositivos penais serão apresentados a seguir.
3.3 A PROTEÇÃO PENAL CONTRA O TRÁFICO DE PESSOAS 
O Código Penal (CP) brasileiro tipifica o crime de tráfico de pessoas em dois dispositivos: o art. 231 e 231-A. Em seu art. 231, o CP descreve o crime de tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual, ora veja-se:
Art. 231. Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de alguém que nele venha a exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou a saída de alguém que vá exercê-la no estrangeiro. 
Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos. 
§ 1º Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la. 
§ 2º A pena é aumentada da metade se: 
I – a vítima é menor de 18 (dezoito) anos; 
II – a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato; 
III – se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou 
IV – há emprego de violência, grave ameaça ou fraude. 
§ 3º Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa. (BRASIL, 1940).
Trata-se de crime cujo o sujeito passivo pode ser homem ou mulher, indistintamente. Masson (2014, p. 2898), valendo-se de dados apresentados pelo UNODC, destaca 79% das vítimas do tráfico são para exploração sexual, enquanto 18% seguem para o trabalho forçado. A incidência do crime se dá, preferencialmente, contra crianças, adolescentes e mulheres. 
Capez (2012, p. 359) explica que o tipo penal em comento nem sempre trouxe como sujeito passivo o homem. Até edição da Lei nº 11.106/2005, apenas a mulher poderia ser considerada vítima do tráfico. A alteração se deu em razão de atender aos anseios sociais que, à época de construção do Código Penal, em 1940, não poderia cogitar a exploração sexual do homem, contudo se fez prática corriqueira, ao decorrer do tempo. Eis a explicação dada pelo autor:
Tal modificação veio atender aos reclamos da sociedade que não mais compactuava com a ideia de que somente as mulheres poderiam ser vítimas desse crime. Sem dúvida, à época em que o Código Penal foi editado, era inimaginável o tráfico de homens para exercer a prostituição. Lamentavelmente, essa prática se tornou comum. À vista disso, foi necessário também proteger as vítimas do sexo masculino, sob pena de grave ofensa aos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade.
O que se almeja tutelar com o tipo penal, além da moralidade sexual, é a dignidade sexual da pessoa traficada, que tem o direito de dispor do corpo livremente, sem coações. Todos têm liberdade de se prostituir, contudo aexploração sexual é punida pelo sistema penal pátrio. Tal situação se agrava, quando a pessoa é deslocada de seu estado para outro país, pois ali fica à mercê da rede do tráfico, tendo sua individualidade, liberdade e dignidade violadas, enfrentando, sozinha, nefastas consequências. O objeto material do tipo reside no transporte da pessoa para fora do país, ou trazida de outro país para o território nacional, a fim de ser explorada sexualmente. (MASSON, 2014, p. 2.900; CAPEZ, 2012, p. 371).
Em raras ocasiões, o TSH é praticado por uma só pessoa. Geralmente, existe uma rede montada para a prática do crime, com pessoas destinadas ao aliciamento, ao agenciamento e, por fim, à compra das vítimas. 
O crime em referência é consumado a partir da entrada ou da saída de pessoa, independente se homem ou mulher, do território nacional. O fato do consentimento da vítima para a saída do país, ainda que esteja ciente do seu objetivo, não infere na caracterização do crime, conforme posicionamento da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 10/01/2014: 
PENAL E PROCESSO PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS. EXPLORAÇÃO SEXUAL DE MULHERES. ARTIGO 231, 3º, DO CÓDIGO PENAL. AUTORIA E MATERIALIDADE. CONDENAÇÃO EM RELAÇÃO A UMA DAS ACUSADAS. POSSIBILIDADE. 1. O crime de tráfico de pessoas previsto no art. 231 do Código Penal, com redação alterada pela Lei 11.106, de 28/03/2005, consuma-se com a entrada ou a saída da pessoa, homem ou mulher, independentemente do fato de se ter ciência ou não do propósito de exercer a prostituição no exterior, vez que não constitui elemento do tipo. 2. Autoria e a materialidade do delito em relação a uma das acusadas provadas pelos depoimentos e documentos juntados aos autos. [...] 7. Apelação do Ministério Público parcialmente provida. (TRF-1 - ACR: 200535000045049 GO 2005.35.00.004504-9, Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL MONICA SIFUENTES, Data de Julgamento: 10/12/2013, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: e-DJF1 p.258 de 10/01/2014)
A decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, cujo Relator foi o Des. Federal Tourinho Neto, sintetiza todo o exposto no estudo sobre o que constitui o tráfico de pessoas, como se consuma, as vítimas do tráfico etc.
A ementa do acórdão pode ser destrinchada em diversas partes. Logo de início, tem-se a questão do consentimento da vítima para a caracterização do crime insculpido no art. 231 do CP. Como já se afiançou, se faz irrelevante o assentimento da vítima para deixar o país, uma vez que o tráfico é fundado no engano, da dívida, da exploração etc. Pode até ter ciência da prostituição ao qual será submetida, mas não tem noção da gravidade que constitui o crime e as suas consequências. 
Apesar de o delito presente no art. 231 referir-se à exploração sexual, o TSH, sabe-se que a conduta criminosa inclui, além da prostituição ou outras formas de exploração sexual, o trabalho em condições análogas à escravidão, servidão ou, ainda, a remoção de órgãos. O início do crime se dá com o aliciamento da vítima até termina com a pessoa que compra a vítima para exploração sexual, do trabalho ou para remoção de seus órgãos.
Observe os detalhes transcritos na ementa do julgamento da ACR 1188em 26/03/2013:
PENAL E PROCESSO PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE SERES HUMANOS. EXPLORAÇÃO SEXUAL DE MULHERES. ARTIGO 231 DO CÓDIGO PENAL. (ART. 239 DO ECA). CONSENTIMENTO DAS VÍTIMAS. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. 1. O consentimento da vítima em seguir viagem não exclui a culpabilidade do traficante ou do explorador, pois que o requisito central do tráfico é a presença do engano, da coerção, da dívida e do propósito de exploração. É comum que as mulheres, quando do deslocamento, tenham conhecimento de que irão exercer a prostituição, mas não têm elas consciência das condições em que, normalmente, se vêem coagidas a atuar ao chegar no local de destino. Nisso está a fraude. 2. O crime de tráfico de pessoas - foi a Lei 11.106, de 28.03.2005, que alterou a redação do art. 231 do Código Penal, de tráfico de mulheres para tráfico internacional de pessoas - consuma-se com a entrada ou a saída da pessoa, homem ou mulher, seja ou não prostituída, do território nacional, independentemente do efetivo exercício da prostituição - basta o ir ou vir exercer a prostituição - , e ainda que conte com o consentimento da vítima. 3. O Protocolo para Prevenir, Suprimir e Punir o Tráfico de Pessoas, Especialmente Mulheres e Crianças, que suplementa a Convenção da ONU contra o Crime Organizado Transnacional, adotada em novembro de 2000, trouxe a primeira definição internacionalmente aceita de tráfico de seres humanos: "a) 'Tráfico de pessoas' deve significar o recrutamento, transporte, transferência, abrigo ou recebimento de pessoas, por meio de ameaça ou uso da força ou outras formas de coerção, de rapto, de fraude, de engano, do abuso de poder ou de uma posição de vulnerabilidade ou de dar ou receber pagamentos ou benefícios para obter o consentimento para uma pessoa ter controle sobre outra pessoa, para o propósito de exploração. Exploração inclui, no mínimo, a exploração da prostituição ou outras formas de exploração sexual, trabalho ou serviços forçados, escravidão ou práticas análogas à escravidão, servidão ou a remoção de órgãos; b) O consentimento de uma vítima de tráfico de pessoas para a desejada exploração definida no subparágrafo (a) deste artigo deve ser irrelevante onde qualquer um dos meios definidos no subparágrafo (a) tenham sido usados". 4. "O tráfico pode envolver um indivíduo ou um grupo de indivíduos. O ilícito começa com o aliciamento e termina com a pessoa que explora a vítima (compra-a e a mantém em escravidão, ou submete a práticas similares à escravidão, ou ao trabalho forçado ou outras formas de servidão). O tráfico internacional não se refere apenas e tão-somente ao cruzamento das fronteiras entre países. Parte substancial do tráfico global reside em mover uma pessoa de uma região para outra, dentro dos limites de um único país, observando-se que o consentimento da vítima em seguir viagem não exclui a culpabilidade do traficante ou do explorador, nem limita o direito que ela tem à proteção oficial" (Damásio de Jesus, in Tráfico Internacional de Mulheres e Crianças - Brasil, São Paulo: Saraiva, 2003, p. XXIV). 5. O crime disposto no art. 239 do ECA configura-se quando se promove ou auxilia a efetivação de ato destinado ao envio de criança ou adolescente para o exterior com inobservância das formalidades legais ou com o fito de obter lucro. 6. Materialidade e autoria comprovadas pelo conjunto probatório contido nos autos. (TRF-1 - ACR: 1188 AC 0001188-98.2011.4.01.3000, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL TOURINHO NETO, Data de Julgamento: 26/03/2013, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: e-DJF1 p.291 de 05/04/2013).
No julgamento do HC 206607, em 19/08/2014, a Quinta Turma do STJ apresentou o seu entendimento acerca da competência para o julgamento do crime de tráfico disposto no art. 230 do Código Penal. Para o E. Tribunal, a configuração do crime se dá a partir da realização das condutas: promover, intermediar ou facilitar a entrada ou a saída de pessoa no/do território nacional para fins de exploração sexual. In casu, como a saída das vítimas se deu pelo Aeroporto de Goiânia/GO, o crime restou-se consumado dentro do território nacional, não havendo que se falar em processamento da ação na capital do país, especificamente, em razão do acusado ser cidadão italiano:
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOA PARA FIM DE EXPLORAÇÃO SEXUAL. ART. 231 DO CÓDIGO PENAL. CRIME QUE SE CONSUMOU NO TERRITÓRIO NACIONAL, COM A SAÍDA DAS VÍTIMAS. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DO LOCAL EM QUE ESSE FATO OCORREU. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL QUE IMPONHA A CONCESSÃO DE ORDEM DE HABEAS CORPUS EX OFFICIO. WRIT NÃO CONHECIDO. 1. É errônea a impetração de habeas corpus originário em substituição à via de impugnação cabível no caso, qual seja, o recurso ordinário constitucional (art. 105,

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