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1 EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL RÉ PRESA IMPETRANTE: Advogado PACIENTE: Luciana Maria AUTORIDADE COATORA: Juízo da 1ª Vara Criminal de Charqueadas DECISÃO ATACADA: Processo nº xxx ADVOGADO, brasileiro, estado civil, advogado, inscrito na OAB/RS sob o número xxx, com escritório profissional no endereço xxx, cidade de xxx, endereço eletrônico, vem, respeitosamente perante Vossa Excelência, impetrar ordem de HABEAS CORPUS Com pedido de liminar, em favor de LUCIANA MARIA XXX, brasileira, nascida em 10 de março de 1985, solteira, natural de xxx, domiciliada no endereço xxx, na cidade de Gravataí, portadora da identidade xxx, inscrita no CPF sob o número xxx, não se conformando com a decisão de fl. xx do Processo nº xxx, proferida pelo Digno Juiz de Direito da 1ª Vara Criminal de Charqueadas, RS, com fundamento no artigo 5º, LXVIII da Constituição da República Federativa do Brasil (CF, 1988) e nos arts. 647 e seguintes do Código de Processo Penal (CPP), pelos fatos e razões que seguem expostos. I – Dos fatos Na data de 22/10/2019, a paciente foi presa em flagrante por tráfico de entorpecentes, com base na tese do delito de tráfico de drogas, fundamentado no art. 33, da Lei 11.343/2006 e art. 12 da Lei 6368/76. O flagrante ocorreu durante revista íntima realizada na entrada do estabelecimento prisional (Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas) onde 2 Marcos, seu namorado, cumpre pena por tráfico de drogas. Luciana foi presa em flagrante na posse de 23g de cocaína embaladas em 7 buchinhas e conduzida à delegacia de polícia. O flagrante foi homologado pelo juízo plantonista de Charqueadas, que converteu a prisão em preventiva, com fundamento na necessidade de garantia da ordem pública, sem que para isso tivesse sido realizada a audiência de custódia, prevista no artigo 8º da Convenção Interamericana de Direitos Humanos e artigo 1º da Resolução nº 213 do CNJ. No dia seguinte, a defensoria pública requereu ao juízo da 1ª Vara Criminal de Charqueadas a liberdade provisória, ao argumento de que Luciana é primária e o crime não foi praticado com violência ou ameaça contra a pessoa. Alegou, também, que a droga era destinada ao seu consumo pessoal, compartilhado com o seu namorado, e não com o tráfico de drogas. O pedido foi indeferido no dia 25/10/2019, ao argumento da necessidade de se garantir a ordem pública em razão da gravidade abstrata do crime, cuja pena máxima chega a 15 anos de reclusão. Além disso, o juiz consignou que o tráfico de drogas é uma chaga social, que estimula a prática de inúmeros outros crimes, e por isso deve ser ferrenhamente combatido pelo Poder Judiciário. Por fim, destacaram que Luciana está no 4º mês de gestação e que reside sozinha com Anderson, seu filho de 11 anos, e que a criança está sendo provisoriamente assistida por vizinhos, pois não possui parentes na cidade e tampouco na região. Também, foi mencionado que o filho de 11 anos requer cuidados especiais, pois sofre de autismo. II – Do Direito II.1 Do pedido de Liminar A liminar é o meio usado para assegurar celeridade aos remédios constitucionais, evitando coação ilegal ou impedindo a ocorrência desta. Em sendo assim, tal possibilidade mostra-se possível, quando o pedido está amparado com 3 prova pré-constituída que demonstre o “fumus boni iuris”, e ainda o “periculum in mora”. O “fumus boni iuris” está presente na medida em que a existência de opções diversas da prisão preventiva pode ser aplicada a esse caso em concreto. Presente também está o “periculum in mora”, onde certamente a manutenção da prisão preventiva além de perpetuar a coação ilegal trará enormes prejuízos a paciente, sejam eles de ordem moral ou psicológica, advinda da inaceitável e temerária manutenção de violação ao seu status libertatis. A paciente é primária, portadora de bons antecedentes e com residência fixa, além de decisão recente deste Tribunal de Justiça, demonstrar o entendimento dos Doutos Desembargadores, pela concessão da liminar em caso semelhante. II.2 Dos bons antecedentes da paciente e do direito à liberdade provisória Não bastasse o fato de a paciente ser primária, ter bons antecedentes, possuir residência fixa, o que, por si só, já seria motivo bastante a justificar sua soltura para responder ao processo em liberdade, o fato é que, no caso presente, a liberdade da paciente em momento algum afetará a ordem pública, o crime supostamente praticado por ela não se caracteriza pela violência ou grave ameaça, revelando-se inadmissíveis as assertivas lombrosianas acerca da gravidade abstrata do crime, com isso, não se justificando o prosseguimento da ação penal, que deve, por isso mesmo, ser trancada. “A liberdade provisória distingue-se do relaxamento do flagrante ou revogação da prisão preventiva. Nesses casos, o acusado é devolvido à condição de liberdade pura, porque o motivo foi considerado ilegal ou insubsistente. Na liberdade provisória o motivo da prisão é válido, mas esta é substituída por aquela. O acusado permanece sob uma causa de prisão que fica suspensa e, consequentemente, pode ser revigorada com a revogação da liberdade provisória se houver razão legal para isso”. Verdade é que, uma vez atendida as exigências legais para a concessão da liberdade provisória, ou seja, a inexistência de motivo para decretação da prisão preventiva, e a primariedade e os bons antecedentes da paciente, esta constitui-se um direito da indiciada e não uma mera faculdade do juiz (RTJE 42/271 e RJTAMGM 18/389). 4 Convém ressaltar, sob o enfoque do tema em relevo, o magistério de Norberto Avena: A liberdade provisória é um direito subjetivo do imputado nas hipóteses em que facultada por lei. Logo, simples juízo valorativo sobre a gravidade genérica do delito imputado, assim como presunções abstratas sobre a ameaça à ordem pública ou a potencialidade a outras práticas delitivas não constituem fundamentação idônea a autorizar o indeferimento do benefício, se desvinculadas de qualquer fator revelador da presença dos requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal. É de todo oportuno também gizar as lições de Marco Antônio Ferreira Lima e Raniere Ferraz Nogueira: A regra é liberdade. Por essa razão, toda e qualquer forma de prisão tem caráter excepcional. Prisão é sempre exceção. Isso deve ficar claro, vez que se trata de decorrência natural do princípio da presunção de não culpabilidade... O indeferimento da liberdade provisória galgou-se, tão somente, pela vedação abstrata contida na Lei de Entorpecentes, regra essa que fora considerada inconstitucional pelo STF. Por fim, a paciente é primária, possui bons antecedentes, tem residência fixa. Inexistem, pois, motivos para que sua prisão preventiva seja mantida. Tal fato por si só, autoriza a concessão de sua liberdade provisória, sendo aliás, data vênia, um direito seu. II.3 – Da não realização da Audiência de Custódia Diante de flagrante delito, deve ser realizada audiência de custódia, conforme estabelece o art. 8° da Convenção Interamericana de Direitos Humanos e também o art. 1° da Resolução 213 do CNJ, segundo o qual toda a pessoa presa em flagrante delito tem direito de ser e apresentada à autoridade judicial competente 5 para tal audiência, em caráter obrigatório, dentro de 24 horas da comunicação do flagrante. Novamente observa-se ilegalidade em razão da não realizaçãode audiência de custódia após lavrado o APF. II.4 – Da necessidade da prisão Devido à ínfima quantidade de droga apreendida na ocasião da prisão em flagrante (art. 28, Lei 11.343/2006), não é justificável a necessidade de conversão em prisão preventiva. Torna-se, portanto, a prisão decretada uma medida desnecessária de prevenção, por ausência de justa causa (art. 648, I, CPP). Razão pela qual se justifica a decretação da liberdade provisória, seguindo- se a previsão do dispositivo constante no art. 321 do CPP. II.5 – Das cautelares alternativas Considera-se que o fato de a paciente encontrar-se em situação puerperal, estando no 4º mês de gestação e tendo um filho autista de 11 anos que requer cuidados especiais, a prisão domiciliar em caráter subsidiário representa a alternativa mais adequada, a fim de assegurar às crianças os seus direitos fundamentais. HC 143.641 Ementa: HABEAS CORPUS COLETIVO. ADMISSIBILIDADE. DOUTRINA BRASILEIRA DO HABEAS CORPUS. MÁXIMA EFETIVIDADE DO WRIT. MÃES E GESTANTES PRESAS. RELAÇÕES SOCIAIS MASSIFICADAS E BUROCRATIZADAS. GRUPOS SOCIAIS VULNERÁVEIS. ACESSO À JUSTIÇA. FACILITAÇÃO. EMPREGO DE REMÉDIOS PROCESSUAIS ADEQUADOS. LEGITIMIDADE ATIVA. APLICAÇÃO ANALÓGICA DA LEI 13.300/2016. MULHERES GRÁVIDAS OU COM CRIANÇAS SOB SUA GUARDA. PRISÕES PREVENTIVAS CUMPRIDAS EM CONDIÇÕES DEGRADANTES. INADMISSIBILIDADE. PRIVAÇÃO DE CUIDADOS MÉDICOS PRÉNATAL E PÓS-PARTO. FALTA DE BERÇARIOS E CRECHES. ADPF 347 MC/DF. SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO. 6 ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL. CULTURA DO ENCARCERAMENTO. NECESSIDADE DE SUPERAÇÃO. DETENÇÕES CAUTELARES DECRETADAS DE FORMA ABUSIVA E IRRAZOÁVEL. INCAPACIDADE DO ESTADO DE ASSEGURAR DIREITOS FUNDAMENTAIS ÀS ENCARCERADAS. OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO DO MILÊNIO E DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. REGRAS DE BANGKOK. ESTATUTO DA PRIMEIRA INFÂNCIA. APLICAÇÃO À ESPÉCIE. ORDEM CONCEDIDA. EXTENSÃO DE OFÍCIO. I – Existência de relações sociais massificadas e burocratizadas, cujos problemas estão a exigir soluções a partir de remédios processuais coletivos, especialmente para coibir ou prevenir lesões a direitos de remédios processuais coletivos, especialmente para coibir ou prevenir lesões a direitos de grupos vulneráveis. II – Conhecimento do writ coletivo homenageia nossa tradição jurídica de conferir a maior amplitude possível ao remédio heroico, conhecida como doutrina brasileira do habeas corpus. III – Entendimento que se amolda ao disposto no art. 654, § 2º, do Código de Processo Penal - CPP, o qual outorga aos juízes e tribunais competência para expedir, de ofício, ordem de habeas corpus, quando no curso de processo, verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal. IV – Compreensão que se harmoniza também com o previsto no art. 580 do CPP, que faculta a extensão da ordem a todos que se encontram na mesma situação processual. V - Tramitação de mais de 100 milhões de processos no Poder Judiciário, a cargo de pouco mais de 16 mil juízes, a qual exige que o STF prestigie remédios processuais de natureza coletiva para emprestar a máxima eficácia ao mandamento constitucional da razoável duração do processo e ao princípio universal da efetividade da prestação jurisdicional VI - A legitimidade ativa do habeas corpus coletivo, a princípio, deve ser reservada àqueles listados no art. 12 da Lei 13.300/2016, por analogia ao que dispõe a legislação referente ao mandado de injunção coletivo. VII – Comprovação nos autos de existência de situação estrutural em que mulheres grávidas e mães de crianças (entendido o vocábulo aqui em seu sentido legal, como a pessoa de até doze anos de idade incompletos, nos termos do art. 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA) estão, de fato, cumprindo prisão preventiva em situação degradante, privadas de cuidados médicos pré-natais e pós-parto, inexistindo, outrossim berçários e creches para seus filhos. VIII – “Cultura do encarceramento” que se evidencia pela exagerada e irrazoável imposição de prisões provisórias a mulheres pobres e vulneráveis, em decorrência de excessos na interpretação e aplicação da lei penal, bem assim da processual penal, mesmo diante da existência de outras soluções, de caráter 7 humanitário, abrigadas no ordenamento jurídico vigente. IX – Quadro fático especialmente inquietante que se revela pela incapacidade de o Estado brasileiro garantir cuidados mínimos relativos à maternidade, até mesmo às mulheres que não estão em situação prisional, como comprova o “caso Alyne Pimentel”, julgado pelo Comitê para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher das Nações Unidas. X – Tanto o Objetivo de Desenvolvimento do Milênio nº 5 (melhorar a saúde materna) quanto o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável nº 5 (alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas), ambos da Organização das Nações Unidades, ao tutelarem a saúde reprodutiva das pessoas do gênero feminino, corroboram o pleito formulado na impetração. X – Incidência de amplo regramento internacional relativo a Direitos Humanos, em especial das Regras de Bangkok, segundo as quais deve ser priorizada solução judicial que facilite a utilização de alternativas penais ao encarceramento, principalmente para as hipóteses em que ainda não haja decisão condenatória transitada em julgado. XI – Cuidados com a mulher presa que se direcionam não só a ela, mas igualmente aos seus filhos, os quais sofrem injustamente as consequências da prisão, em flagrante contrariedade ao art. 227 da Constituição, cujo teor determina que se dê prioridade absoluta à concretização dos direitos destes. XII – Quadro descrito nos autos que exige o estrito cumprimento do Estatuto da Primeira Infância, em especial da nova redação por ele conferida ao art. 318, IV e V, do Código de Processo Penal. XIII – Acolhimento do writ que se impõe de modo a superar tanto a arbitrariedade judicial quanto a sistemática exclusão de direitos de grupos hipossuficientes, típica de sistemas jurídicos que não dispõem de soluções coletivas para problemas estruturais. XIV – Ordem concedida para determinar a substituição da prisão preventiva pela domiciliar - sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 do CPP - de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e deficientes, nos termos do art. 2º do ECA e da Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiências (Decreto Legislativo 186/2008 e Lei 13.146/2015), relacionadas neste processo pelo DEPEN e outras autoridades estaduais, enquanto perdurar tal condição, excetuados os casos de crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas pelos juízes que denegarem o benefício. XV – Extensão da ordem de ofício a todas as demais mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e de pessoas com deficiência, bem assim às adolescentes sujeitas a medidas socioeducativas em idêntica situação no território nacional, observadas as restrições acima. 8 Por esta razão, melhor atende a situação a decretação, em caráter liminar e de urgência da liberdade provisória, acima fundamentada legalmente, ou subsidiariamente, a concessão de prisão domiciliar, atendendo à previsão do artigo 318, incisos IV e V do CPP. “Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: (...) IV - gestante;V - mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos;” II.6 Da presunção de inocência Presume-se que toda pessoa é inocente, isto é, não será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, princípio que, de tão eterno e de tão inevitável, prescindiria de norma escrita para tê-lo inscrito no ordenamento jurídico. Os princípios constitucionais do Estado de Inocência e da Liberdade Provisória não podem ser elididos por normas infraconstitucionais que estejam em desarmonia com os princípios e garantias individuais fundamentais. A garantia da ordem pública deve fundar-se em fatos concretos, que demonstrem que a liberdade do agente representa perigo real para o andamento do processo criminal, sob pena de consagrar-se a “presunção de reiteração criminosa” em detrimento de inocência. É de se aplicar aqui também, o princípio constitucional de que ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória (CF. art. 5º, LVII). A prisão da paciente representa infringência a tal norma constitucional, constituindo-se sua segregação em um irreparável prejuízo à sua pessoa, pelos gravames que uma prisão temporária traz. 9 III – DOS PEDIDOS Ante o exposto, requer-se que seja: 1. Liminarmente seja concedida a liberdade provisória; 2. Relaxada a prisão em razão da ilegalidade do Auto de Prisão em Flagrante; 3. No mérito, que seja confirmada a liminar, ou concedida definitivamente a liberdade provisória; 3. Subsidiariamente, substituída a prisão preventiva por prisão domiciliar. Nestes termos, espera o deferimento. Local, data. ___________________________ Advogado OAB/XX nº xxx Relação de documentos que acompanham este Habeas Corpus: 1. Cópia do Processo Nº xxx, contendo os autos de origem com pedido de liberdade provisória indeferido pelo Juízo Ad Quo. 2. Cópia do Auto de Prisão em Flagrante; 3. Cópia da decretação da prisão preventiva; 4. Cópia do comprovante de residência.
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