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1DIREITOS HUMANOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES: Contexto histórico e fundamentos Leila Paiva enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes NOSSA VOZ. NOSSA FORTALEZA. FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA João Dummar Neto Presidente André Avelino de Azevedo Diretor Administrativo-Financeiro Raymundo Netto Gerente Editorial e de Projetos Emanuela Fernandes Aurelino Freitas Analistas de Projetos UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE (Uane) Viviane Pereira Gerente Pedagógica Marisa Ferreira Coordenadora de Cursos Joel Bruno Designer Instrucional CURSO ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES Valéria Xavier Concepção e Coordenadora Geral Leila Paiva Coordenadora de Conteúdo Amaurício Cortez Editor de Design e Projeto Gráfico Miqueias Mesquita Designer/Diagramador Rafael Limaverde Ilustrador Gilvana Marques Coordenadora de Produção Beth Lopes Produtora Patrícia Alencar Analista de Marketing Copyright © 2019 by Fundação Demócrito Rocha Este fascículo é parte integrante do Programa de Combate à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, em decorrência do Termo de Fomento celebrado entre a Fundação Demócrito Rocha e a Câmara Municipal de Fortaleza, sob o nº 001/2019. Todos os direitos desta edição reservados à: Fundação Demócrito Rocha Av. Aguanambi, 282/A - Joaquim Távora Cep 60.055-402 - Fortaleza-Ceará Tel.: (85) 3255.6037 - 3255.6148 - Fax (85) 3255.6271 fdr.org.br fundacao@fdr.org.br E47 Enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes [coleção] / vários autores; coordenação de conteúdo: Leila Paiva; ilustrações: Rafael Limaverde. – Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 2019. 192p.: il. color. (curso em 12 fascículos) ISBN 978-85-7529-936-4 (Coleção) ISBN 978-85-7529-937-1 (Fascículo 1) 1. Direitos Humanos. 2. Direitos das crianças. 3. Direitos dos adolescentes. I. Paiva, Leila. II. Limaverde, Rafael. III. Título. CDD 341.48 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Elaborado por Edvander Pires (CRB-3/1212) SUMÁRIO 1. Direitos Humanos: Aspectos conceituais ...............................4 2. O que são e quantos são os Direitos Humanos? ....................7 3. Origem e construção do conceito de Direito Humanos de Crianças e Adolescentes no Brasil ..............9 4. Tratados internacionais e documentos referenciais ...........10 5. Direitos Humanos,infância e adolescência ..........................12 6. Mecanismos internacionais de proteção dos Direitos Humanos ....................................................13 Referências ..........................................................................................15 Perfis da autora e do ilustrador ........................................................16 Direitos Humanos: ASPECTOS CONCEITUAIS A conceituação dos Direitos Humanos adotada por estados, pesquisadores, for- madores e movimentos sociais, no pla- no internacional, pode ser traduzida em “uma sequência normatizada de direi- tos e liberdades básicas de todos os se- res humanos, englobando, sobretudo, o direito à livre expressão de pensamen- to, à igualdade perante a lei e o acesso a esses direitos”. O termo “Direitos Humanos” surge com intensidade em todos os países e, como regra internacional, no período pos- terior ao das duas grandes guerras mun- diais. Adota-se, portanto, a concepção da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), de 1948, ratificada, e da Declaração dos Direitos Humanos de Viena (DDHV), de 1993. Assim, pode-se dizer que a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) estabeleceu uma mudança de paradigma implementada que demarcou uma nova concepção dos Direitos Humanos como universais e indivisíveis, ou seja: são indivisíveis porque considera-se que um direito não se efetiva sem o outro. Eles se fortalecem e contemplam o conjunto de direitos que as pessoas têm, e são univer- sais no sentido de que aquilo que é consi- derado um direito humano no Brasil tam- bém deve ser em qualquer país do mundo, referindo-se a todos os Estados e a todas as pessoas que compõem aquele Estado. Oriundo desse novo olhar sobre os di- reitos universais das pessoas, inicia-se o processo de desenvolvimento e dissemina- ção do chamado Direito Internacional dos Direitos Humanos, com o foco na proteção das vítimas de violações dos Direitos Huma- nos em todo mundo, partindo de duas pre- missas principais: (a) os Direitos Humanos são inerentes ao ser humano, e como tais antecedem a todas as formas de organiza- ção política; e (b) sua proteção não se esgota – não pode se esgotar – na ação do Estado. É importante destacar que quando se iniciou esse debate sobre a necessidade de reconhecer os Direitos Humanos era um momento em que surgia a urgência de garantir posturas mínimas para os Es- tados, de internacionalizar posturas, es- pecialmente perante o ser humano, com a intenção de desenvolver um sistema universalmente respeitado. Isso por conta das grandes violações vividas durante as duas guerras mundiais. 4 Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste CARTA DO TRABALHO – 1919 • Em 1919, a Organização Internacional do Trabalho foi criada, trazendo na Carta do Trabalho, do mesmo ano, documento que regeria a atuação da OIT, explicitamente na alínea “f” a “abolição do trabalho Infantil”. DECLARAÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA – 1924 • Em 1924, A Liga ou Sociedade das Nações, considerada a antecessora da ONU, publicou a Declaração sobre os Direitos da Criança, composta por um preâmbulo e cinco princípios. Esse documento serviu de base, em 1959, para a Declaração Universal dos Direitos da Criança. DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS (DUDH) – 1948 • Doutrinadores apontam a DUDH como o marco do surgimento do direito internacional dos Direitos Humanos, de 1948, com a criação da Organização das Nações Unidas. • A DUDH traz nos artigos 25 e 26 dispositivos que tratam da infância de forma específica. DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA –1959 • Após a Segunda Guerra surge o Fundo de Emergência das Nações Unidas para as Crianças – UNICEF – United Nations International Children’s Emergency Fund criado para auxiliar as crianças dos países assolados pela guerra. Em 1953, foi transformada em agência permanente e especializada para a assistência à infância dos países em desenvolvimento. • Com a criação das Nações Unidas surgiram inúmeros documentos. Declarações, Resoluções e Tratados internacionais passaram a se ocupar da proteção da criança no âmbito global, aliados a sistemas regionais de direitos humanos. Um desses, e de importância ímpar, foi a Declaração Universal dos Direitos da Criança de 1959. CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA – 1989 • A Convenção sobre os Direitos da Criança, promulgada em 1989 e implantada no Brasil pelo Decreto nº 99.710, de 21 de novembro de 1990, foi concebida tendo em vista a necessidade de garantir a proteção e cuidados especiais à criança, incluindo proteção jurídica apropriada, levando em consideração que em todos os países do mundo existem crianças vivendo em condições extremamente adversas e necessitando de proteção especial. Em 20 de novembro de 1989, trigésimo aniversário da Declaração dos Direitos da Criança, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou por unanimidade a Convenção sobre os Direitos da Criança UNICEF – CDC. • A importância da CDC está, sobretudo, no erigir como direitos humanos positivados, ou seja, como direitos constitucionais fundamentais, a maior parte das normas principiológicas do Estatuto da Criança e do Adolescente, que a precedeu em termos formais, meses antes, em 1990. 2000• O Primeiro Protocolo Facultativo para a Convenção sobre os Direitos da Criança sobre a venda de crianças, prostituição e pornografia infantis. 2000 • O Segundo Protocolo Facultativo para a Convenção sobre os Direitos da Criança sobre o envolvimento de crianças em conflitos armados. 2011 • O Terceiro Protocolo Facultativo para a Convenção sobre os Direitos da Criança sobre procedimentos de comunicação protege expressamente o direito de meninas e meninos a buscar reparação para as violações de seus direitos. enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes 5 LINHA DO Tempo enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes 5 4. Inviolabilidade: nenhuma lei cons- titucional nem nenhuma autori- dade pode desrespeitar os direitos fundamentais de outrem; 5. Irrenunciabilidade: nenhum ser humano pode abrir mão da existên- cia desses direitos; 6. Universalidade: devem ser respei- tados e reconhecidos no universo dos seres humanos; 7. Limitabilidade: não há nenhuma hipótese de direito humano absolu- to, eis que todos podem ser ponde- rados com os demais; 8. Complementaridade: os Direitos Humanos fundamentais não devem ser interpretados isoladamente, mas sim de forma conjunta, com a finalidade da sua plena realização. Observa-se que as necessidades, em todo o mundo, foram as responsáveis pela formatação dos Direitos Humanos enquan- to norma internacional, já que os Direitos Humanos precisam responder às reali- dades e necessidades sociais embasados pelos princípios trazidos pelos documen- tos internacionais que os positivam. Daí a constatação de que, se seres humanos não nascem iguais e livres do ponto de vista do exercício de direitos, como afirma o artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, é preciso que a coleti- vidade a que se pertence afirme esses di- reitos, isto é, seu território afirme esse di- reito. É essa decisão conjunta, formalizada nas normas internacionais, que efetiva os direitos e garante a todos direitos iguais. Assim, é essencial debruçar-se sobre o tema, para situar o conceito de violência sexual como uma das violações aos Direi- tos Humanos de crianças e adolescentes e, principalmente, entender que crianças e adolescentes têm direito à proteção con- tra qualquer tipo de violência, reconheci- do nos documentos internacionais e assu- mido pelo Brasil. Desse modo, a DUDH surge para tentar mobilizar os Estados para criarem meca- nismos que pudessem coibir ou reparar ações contra pessoas ou grupos, produzi- das, muitas vezes, por eles mesmos. O do- cumento advém do sentimento de que, se naquele momento houvesse uma norma- tiva internacional sobre o tema, o mundo não teria vivido os horrores do nazismo, conforme ressaltam jornalistas e defenso- res de direitos. Como se pode perceber, os Direitos Hu- manos são aqueles que possuem caracte- rísticas afirmadas nos dois documentos mundiais já citados. Em síntese: 1. Historicidade: são históricos, ou seja, são reconhecidos a partir de um processo histórico. Não nascem, são construídos por uma coletividade; 2. Inalienabilidade: são direitos in- transferíveis e inegociáveis; 3. Imprescritibilidade: não deixam de ser exigíveis em razão do não uso; 6 Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste6 Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste 2. O que são e quantos são os DIREITOS HUMANOS? Como já foi dito, o conceito de Direitos Hu- manos não tem um consenso, mas impor- ta destacar as premissas para a definição do que são Direitos Humanos. Quando se fala em Direitos Humanos, refere-se, sobretudo, a direitos baseados no princípio de respeito ao indivíduo. Daí pode-se definir Direitos Humanos como aqueles direitos que todas as pesso- as nascem merecendo, sem distinção por qualquer razão, apesar de que a dinâmica social tem negado esses direitos a deter- minados grupos. No entanto, muitas pessoas, quando perguntadas sobre seus direitos, irão ci- tar apenas a liberdade de expressão e de crença e até o direito de ter um banheiro digno ou de tomar banho todo os dias ou talvez mais um ou mais outro. Não há dúvida de que são direitos importantes, mas o propósito dos direitos humanos é muito mais amplo. Eles significam opção e oportunidade. Significam a liberdade de conseguir um emprego, seguir uma carrei- ra, escolher um parceiro e criar seus filhos. Eles incluem o direito de viajar livremente e o direito ao trabalho remunerado, sem assédio, abuso ou ameaça de ser demitido de forma arbitrária. Eles abrangem, inclu- sive, o direito ao lazer. TÁ NA Lei 1 Direito à liberdade, igualdade e dignidade 2 Direito à não discriminação 3 Direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal 4 Direito de não ser mantido em escravidão ou servidão 5 Direito a não ser submetido à tortura ou castigo cruel 6 Direito de ser reconhecida com pessoa perante a lei 7 Direito à igualdade perante a lei sem qualquer distinção 8 Direito à garantia legal dos Direitos Humanos 9 Direito a não ser arbitrariamente preso, detido ou exilado 10 Direito a julgamento justo e público 11 Direito à presunção de inocência e sanção compatível 12 Direito à privacidade 13 Direito à liberdade de locomoção e residência dentro e fora do país 14 Direito de procurar asilo se for vítima de perseguição 15 Direito a uma nacionalidade 16 Direito de contrair matrimônio e fundar uma família 17 Direito à propriedade 18 Direito à liberdade de pensamento, consciência e religião 19 Direito à liberdade de opinião e expressão 20 Direito à liberdade de reunião e associações pacíficas 21 Direito de tomar parte no governo direta ou indiretamente e ter acesso ao serviço público de seu país 22 Direito de acesso aos direitos sociais e culturais 23 Direito ao trabalho remunerado e demais proteções 24 Direito a repouso e ao lazer 25 Direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar 26 Direito à educação 27 Direito de participar livremente da vida cultural da comunidade e à proteção dos direitos autorais 28 Direito de exercer seus direitos reconhecendo o respeito ao outro 29 Direitos não podem contrariar os princípios da Declaração 30 Não poderá haver nenhuma interpretação, do direito de exercer qualquer atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer dos direitos e liberdades aqui estabelecidos DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS - 1948 enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes 7 De acordo com a Declaração Univer- sal dos Direitos Humanos, estes são 30 (trinta) direitos, construídos a partir da di- versidade de demandas no mundo. Destaca-se que no Brasil essa concepção toma maior importância, uma vez que tais direitos estão alçados ao grau de direitos constitucionais, por força da Emenda Cons- titucional n° 45, de 8 de dezembro de 2004. Para fins didáticos, alguns teóricos clas- sificam os Direitos Humanos. Alguns classi- ficam em Gerações de Direito Humanos e outros em Dimensões de Direitos Humanos. Entende-se que a classificação que melhor reconhece o fato desses direitos serem com- plementares é a classificação dos Direitos Humanos por dimensões. Vejamos: • Direitos Humanos de Primeira Di- mensão: Direitos civis e políticos, que englobam os direitos à vida, à liberda- de, à propriedade, à igualdade formal, às liberdades de expressão coletiva, os direitos de participação política e ainda algumas garantias processuais. • Direitos Humanos de Segunda Di- mensão: Direitos sociais, econômi- cos e culturais. • Direitos Humanos de Terceira Dimen- são: Direitos dos povos, da solidarieda-de, fraternidade e do desenvolvimento. • Direitos Humanos de Quarta Di- mensão: Direito à democracia, como valor e princípio. • Direitos Humanos de Quinta Di- mensão: Direito à Paz. TÁ NA Lei Emenda Constitucional n° 45, de 8 de dezembro de 2004, que inseriu o §3° do art. 5° na Constituição Federal: “Os tratados e convenções internacionais sobre Direitos Humanos que forem aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por 3/5 votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais” (BRASIL, 1988). Para fixar o conteúdo e saber mais, assista ao vídeo “O que são Direitos Humanos?”. Disponível em: www.unidospelosdireitos humanos.org.br/what-are-human- rights/videos/no-one-can-take- your-rights.html. #FICAADICA 8 Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste 3. Origem e construção DO CONCEITO DE DIREITO HUMANOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO BRASIL LINHA DO Tempo Você sabia que a criança recebe o estatuto de “criança” instituído através de políticas sociais introduzidas pelo Estado apenas a partir do século XVIII? Essa infantilização da criança não é natural nem generalizável a todas as sociedades. Relata- se que até o início da época moderna, a criança passava a ser independente, cuidar de si mesma e a frequentar o mundo dos adultos como uma igual por volta dos sete anos. O processo de infantilização inicia-se a partir de um interesse acentuado pela educação da criança desenvolvido pelo Estado, com objetivos de assegurar uma população adulta saudável, adaptada e produtiva. Essa política aguça o interesse dos religiosos e higienistas, que se apre- sentavam, antes de tudo, como moralis- tas. A família deixa de ser capacitada a educar os filhos e estes passam a ser edu- cados sob a tutela da escola. Apenas no século XIX a criança foi ob- jeto da primeira norma legal de prote- ção que estabelecia o limite mínimo de idade para o trabalho nas minas de car- vão. Com a criação da Organização In- ternacional do Trabalho (OIT), em 1919, surge a necessidade de criação de meca- nismos jurídicos de proteção da criança no ambiente de trabalho. A ideia de proteção à infância surgiu apenas ao final do século XIX e início do século XX, porém como aplicação dos di- reitos do homem à infância, somente nos últimos vinte anos do século XX. O século XVIII ainda enxergava as crian- ças como “menores” que precisariam de alguma proteção do Estado, por meio de um sistema disciplinador, até consegui- rem alcançar condições para ingressarem no modo de produção econômica. Em 1919, com a criação da OIT, sua Carta do Trabalho, do mesmo ano, docu- mento que regeria a atuação da OIT, expli- citamente prevê na alínea “f” a “abolição do trabalho infantil”. Em 1924, A Liga ou Sociedade das Na- ções, considerada a antecessora da Or- ganização das Nações Unidas (ONU), pu- blicou a Declaração sobre os Direitos da Criança, composta por um preâmbulo e cinco princípios. Esse documento serviu de base para a Declaração Universal dos Direitos da Criança, em 1959. No pós-Segunda Guerra, surge o Fundo de Emergência das Nações Unidas para as Crianças (Unicef), criado para auxi- liar as crianças dos países assolados pela guerra. Em 1953, o Fundo foi transforma- do em agência permanente e especializa- da da ONU para a assistência à infância dos países em desenvolvimento. Com a criação das Nações Unidas sur- giram inúmeros documentos referenciais atinentes à infância. Declarações, resolu- ções e tratados internacionais passaram a se ocupar da proteção da criança no âmbi- to global, aliados a sistemas regionais de direitos humanos. Dois vídeos interessantes para você assistir: A invenção da Infância: www.youtube.com/ watch?v=c0L82N1C7AQ. TV Escola: 25 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente: www.youtube.com/ watch?v=tO0q1b7ygb4. #FICAADICA enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes 9 4. Tratados internacionais E DOCUMENTOS REFERENCIAIS A Declaração Universal dos Direitos Hu- manos (DUDH) de 1948 marcou uma nova etapa do sistema de valores no âmbito internacional, transcendendo questões ideológicas, culturais ou religiosas, e se apresentou como universal, pois era dire- cionada a todos os seres humanos, sem distinção, além de situá-los no mesmo plano dos direitos civis, políticos, econô- micos, sociais e culturais. A DUDH tornou-se referência e funda- mentação de todas as declarações e tra- tados internacionais de Direitos Humanos que lhe seguiram. Em relação às crianças, a Declaração de 1948 faz expressa menção ao direito e a cuidados especiais para a mater- nidade e à infância, tema que foi retomado posteriormente na Declaração dos Direitos da Criança, de 1959, e na Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC), de 1989. A partir da Declaração dos Direitos da Criança, a realidade da infância sofre alte- ração, ainda numa perspectiva simbólica muito mais normativa do que com reais participações sociais ou políticas. Porém, a alteração da norma internacional impôs uma evolução hoje bastante sentida, so- bretudo no Brasil, que elaborou uma nor- ma muito avançada do ponto de vista da garantia dos direitos da criança. Essa evolução tem imposto novos de- bates sobre reais práticas de efetivação dos direitos protagonizados na Conven- ção sobre os Direitos da Criança e no Es- tatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A Convenção sobre os Direitos da Crian- ça, promulgada em 1989, e implantada no Brasil pelo Decreto nº 99.710, de 21 de no- vembro de 1990, foi concebida tendo em vista a necessidade de garantir a proteção e cuidados especiais à criança, incluindo proteção jurídica apropriada, levando em consideração que, em todos os países do mundo, existem crianças vivendo em con- dições extremamente adversas e necessi- tando de proteção especial. Os artigos 19 e 34 abordam medidas voltadas à proteção de crianças contra a violência sexual. Documentos REFERENCIAIS INTERNACIONAIS • Declaração Universal dos Direitos Humanos; • Convenção sobre os Direitos da Criança e Protocolos Facultativos; • Acordos e Tratados Internacionais (Gênero, Sexualidade); • Convenção 182 da OIT; • Diretrizes dos Congressos mundiais de Estocolmo (1996), Yokohama (2001) e Rio de Janeiro (2008). NACIONAIS (BR): • Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infantojuvenil (2000); • Plano Nacional dos Direitos Humanos (PNDH 3); • Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas; • Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes 2013. 10 Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA Artigo 19 1. Os Estados-Partes adotarão todas as medidas legislativas, administrativas, sociais e educacionais apropriadas para proteger a criança contra todas as formas de violência física ou mental, abuso ou tratamento negligente, maus tratos ou exploração, inclusive abuso sexual, enquanto a criança estiver sob a custódia dos pais, do representante legal ou de qualquer outra pessoa responsável por ela. 2. Essas medidas de proteção deveriam incluir, conforme apropriado, procedimentos eficazes para a elaboração de programas sociais capazes de proporcionar uma assistência adequada à criança e às pessoas encarregadas de seu cuidado, bem como para outras formas de prevenção, para a identificação, notificação, transferência a uma instituição, investigação, tratamento e acompanhamento posterior dos casos acima mencionados de maus tratos à criança e, conforme o caso, para a intervenção judiciária. Artigo 34 Os Estados-Partes se comprometem a protegera criança contra todas as formas de exploração e abuso sexual (ONU, 1989). TÁ NA Lei enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes 11 5. Direitos Humanos, INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA Para o debate sobre o enfrentamento da violência sexual contra crianças e adoles- centes, a garantia dos Direitos Humanos, prevista na norma pátria, assume especial relevância. Em face da nova concepção trazida pela normatização internacional dos direitos, observou-se a disseminação de um processo de internacionalização da abordagem em torno de tais direitos e foi alterado o foco da proteção, retirando a centralidade da discussão do próprio Es- tado e se inclinando para as vítimas. Porém, é oportuno o debate sobre a contemporaneidade das relações dos Di- reitos Humanos com os demais ramos do Direito e com as outras Ciências Sociais e a importância da transversalidade com temas como gênero, raça, etnia, econo- mia e geração, por exemplo. Um questionamento que tem sido feito é o quanto tem sido efetiva a normatiza- ção dos Direitos Humanos, considerando aqui os Direitos Humanos de crianças e adolescentes para a sua real efetividade. No Brasil, temos o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei nº. 8.069/1990) com direitos garantidos, desde 1990, e ain- da assim temos muitos desafios e assisti- do até a desrespeitos absurdos à dignida- de humana da infância e da adolescência no Brasil. Essa realidade também pode ser observada em outros países. Por óbvio, o caso brasileiro ainda apresenta maiores nuances diante da diversidade apresenta- da, tanto do ponto de vista regional, quan- to territorial, étnico, econômico e social. A questão da violência sexual tem uma inegável importância, seja na esfera social, política ou jurídica, pois, na medida em que constitui uma agressão à sexualidade dos indivíduos, representa um verdadeiro crime contra a pessoa humana e, como tal, necessita ter a sua análise ampliada. Embora o debate esteja longe de encon- trar consensos ou certezas, conforme já en- fatizado, é de suma importância entender os conceitos de violência sexual a partir da perspectiva dos Direitos Humanos, caso contrário será impossível elaborar políti- cas de caráter preventivo, de atendimento às vítimas ou repressivas, sobretudo em se tratando de crianças e adolescentes. E esse foi o maior objetivo desse artigo. O Brasil teve um longo caminho para reconhecer à existência jurídica (ter no or- denamento jurídico o reconhecimento de que pessoas com menos de dezoito anos são sujeitos de direitos) de sua infância e adolescência, e ainda persegue o objetivo de concretizar o reconhecimento de meni- nos e meninas como sujeitos de direitos, apesar do necessário destaque para os avanços na legislação. A partir dos documentos internacionais, que são discutidos sempre de forma sistê- mica com os documentos que tratam dos demais temas, é preciso pensar a aborda- gem dos Direitos Humanos de forma ampla, alinhando a pauta aos outros movimentos, entendendo a violência sexual como mais um delito com forte componente de gêne- ro, raça, etnia, classe e territorialidade. Ademais, enfrentar o fato de que o Bra- sil é um país que legitima esse tipo de prá- tica quando reforça o machismo e o sexis- mo cotidiano nas relações sociais, o que pode contribuir para tornar mais transpa- rente a realidade de impunidade que ain- da reina em torno do assunto. 12 Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste 6. Mecanismos internacionais DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS Os sistemas internacionais de proteção dos Direitos Humanos são o conjunto das normas e estruturas que vão desde órgãos e mecanismos internacionais surgidos a partir de 1945 com o intuito de promover a proteção desses direitos. Na atualidade, existem 3 sistemas regionais de prote- ção (interamericano, europeu e africano) e 1 sistema universal (Nações Unidas). A partir da criação desses mecanismos foi possível fazer gestão do cumprimento dos acordos internacionais, tratados, proto- colos e convenções por parte dos Estados. Links IMPORTANTES OS SISTEMAS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos O Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos é o sistema regional aplicável ao Estado brasileiro e é composto pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, órgãos de monitoramento da Organização dos Estados Americanos (OEA). Sistema de Proteção dos Direitos Humanos das Nações Unidas A promoção e proteção dos Direitos Humanos é um dos principais objetivos da Nações Unidas. Com a adoção da Declaração Universal de Direitos Humanos, em 10 de dezembro de 1948, a ONU começou a desenvolver diversos padrões e normas internacionais de Direitos Humanos, bem como mecanismos para promover e proteger esses direitos. CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS: http://www.corteidh.or.cr/index.cfm. Comissão Interamericana de Direitos Humanos: http://www.cidh.org/Default.htm. Organização dos Estados Americanos: http://www.oas.org/pt/. Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos: http://www.ohchr.org/EN/Pages/ WelcomePage.aspx. Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas: http://www.dhnet.org.br/abc/onu/ conselhos_dh.htm. Mecanismo de Revisão Periódica Universal das Nações Unidas: http://www.ohchr.org/EN/HRBodies/ UPR/Pages/UPRMain.aspx. Revisão Periódica Universal: http://rpubrasil.org/. #FICAADICA enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes 13 #FICAADICA Uma pesquisa da Anistia Internacional, nos EUA, concluiu que os estudantes LGBT são ofendidos, em média, 26 vezes por dia. 80% deles são isolados socialmente. Mais da metade ouve comentários desagradáveis por parte de professores/as e da administração. Se a evasão de alunos/ as heterossexuais chega a 11%, quase três em 10 estudantes homossexuais abandonam a escola e 19% são agredidos fisicamente na escola. Segundo a mesma fonte, na grande maioria dos casos, o corpo docente não intercede em relação a essa forma de violência, e se os/as professores/as forem LGBT, podem ser demitidos/as em 40 estados. Para ilustrar, em Fortaleza, a pesquisa do Programa de Ações Integradas e Referenciais, promovida pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e coordenada pela professora Glória Diógenes, tem um caso emblemático de evasão escolar decorrente do bullying homofóbico, por meio de um depoimento de um garoto com 17 anos para a pesquisa: “Mulher, é maravilhoso estudar. Lá onde eu estudava era tudo. Mas só, mulher, que eu não tenho paciência mais. Todo dia eu ficava aguentando aquele mesmo ó, todo mundo falando pêi gay, pêi gay... (G., Castelão, masculino, 17 anos). DIÓGENES, G. Os sete sentimentos capitais: exploração sexual comercial de crianças e adolescentes (2008, p. 202.) Você acha que chamar a atenção para a dimensão do preconceito e da intolerância podem ajudar na proteção de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual? novo paradigma sobre a infância: o da proteção integral dos direitos da crian- ça e do adolescente. Temas como preconceito de gênero, classe, raça, território e geração não se relacionam necessariamente com a orien- tação sexual e/ou identidade de gênero das pessoas, mas com traços físicos e/ ou comportamentos que lembrem o sexo oposto. Diz respeito à aparência, à imagem das pessoas. Afirmar o direito de acesso aos Direitos Humanos é de fato promo- ver a proteção dos direitos de crianças e adolescentes no Brasil e no mundo. Assim, entender o contexto em que foi necessárioe como se dá a responsa- bilidade do Estado para a efetivação dos Direitos Humanos é condição para enten- der, prevenir e enfrentar a violência sexual contra crianças e adolescentes. Como parte da história de lutas por ga- rantias de direitos, nascem as primeiras reivindicações sobre os direitos reprodu- tivos e direitos sexuais, que passaram a fazer parte das pautas internacionais pela garantia dos Direitos Humanos, logo após as mulheres conquistarem seus direitos à educação e ao voto. A partir disso, várias conferências e eventos pautaram o tema dos direitos se- xuais e reprodutivos em suas discussões, auxiliando na conquista de muitos direitos. O processo de reconhecimento dos direitos sexuais de crianças e adolescen- tes mantém alguns paralelos com esta trajetória, mesmo que com certo lapso temporal. O processo de reconhecimento de direitos de cidadania no Brasil aconte- ce ao mesmo tempo em que, no mundo, avança-se para o estabelecimento de um 14 Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Casa Civil, 1988. Disponível em: http://www4. planalto.gov.br/legislacao. Acesso em: 16 jul. 2016. BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8069 de 13 julho de 1990). Brasília: Casa Civil, 1990. Disponível em: http://www4.planalto.gov.br/ legislacao. Acesso em:16 jul. 2016. Campelo, E. M. B.; Carvalho, F. L.; Souza, L. R. P. (Orgs.). Anais do III Congresso Mundial de Enfrentamento da Exploração Sexual Contra Crianças e Adolescentes. Rio de Janeiro: SDH/PR, 2008. Disponível em: http://pair.ledes.net/gestor/titan. php?target =openFile&fileId=577. Acesso em: 16 jul. 2016. CARVALHO, F. L.; PAIVA, L.; ROSENO, R. Estudo Proteger e Responsabilizar. O desafio da resposta da sociedade e do Estado quando a vítima da violência sexual é criança ou adolescente. Brasília: Comitê Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, 2007. Herrera FLORES, J. Direitos Humanos, interculturalidade e racionalidade de resistência. In: Instituto Interamericano Del Niño, la Niña y Adolescente (IIN). Violencia y Explotación Sexual contra niños y niñas en América Latina y el Caribe. Montevidéu: INN, 2000. LEAL, M. L. P. A Mobilização das ONGS o Enfrentamento à Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes no Brasil. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2014. Referências ONU. 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Porto Alegre: Sérgio Fabris Editor, 1997. enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes 15 LEILA PAIVA (autora) Advogada, mestra em Direito pela Universidade Católica de Brasília (UCB), especialista em Direito Público e Processo Penal pela Universidade de Fortaleza, professora de Direitos Hu- manos e Direitos da Criança, pesquisadora do Núcleo de Estudos Especializados em Terceiro Setor (NEPATS) da UCB. É membro da Comissão de Direitos Humanos e da Comissão Especial dos Direitos da Criança e do Adolescente da OAB - CE. Compôs a equipe de elaboração do Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3) e a equipe de sistematização e revisão do Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes. Foi coordenadora do Programa Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes da SDH/Presidência da República e do Serviço Disque 100, e coordenou a Secretaria Executiva do III Congresso Mundial contra a Exploração Sexual de Crianças e Ado- lescentes, em 2008. RAFAEL LIMAVERDE (ilustrador) É ilustrador, chargista e cartunista (premiado internacionalmente) e xilogravurista. Formado em Artes Visuais pelo Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia do Ceará (IFCE). Escreve e possui livros ilustrados nas principais editoras do Ceará e em editoras paulistas. Realização NOSSA VOZ. NOSSA FORTALEZA. Apoio
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