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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL CAMPUS DO PANTANAL DISCIPLINA: TEORIA DA LITERATURA III PROFESSOR: CAROLINA BARBOSA LIMA E SANTOS DISCENTE: WELLINGTON CESAR DE OLIVEIRA Análise do Poema “Narciso Cego” de Thiago de Mello (Narciso cego, 1952). Resumo: A análise literária baseia-se em avaliar detalhadamente e reconhecer os vários aspectos que compõem uma obra. O propósito é que, ao termino da análise literária, se possa saber que recursos usou o autor, com que intenção, etc. Deste modo, este trabalho consiste na análise do poema Narciso Cego de Thiago de Mello. Consiste ainda em destrinchar e apontar os elementos contidos no texto e os recursos utilizados pelo autor com a finalidade de facilitar a compreensão do leitor. Palavras-chave: Literatura contemporânea; Teoria Literária; Narciso Cego; Thiago de Mello 1. Introdução Ao fim da Segunda Guerra mundial, uma nova geração de artistas surge no cenário literário brasileiro como reflexo da dura realidade da época. Há um mundo em ruínas, sonhos findados e decepção generalizada com a destruição provocada pelo homem com auxílio de máquinas. As decepções causadas pela guerra foram muitas e podemos citar como a mais marcante, por exemplo, as bombas atômicas lançadas sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki (Mello, Thiago de, 2007). É neste contexto que, entre artistas singulares como Clarice Linspector, João Guimaraes Rosa, Aníbal Machade e outros, aparece o poeta Thiago de Mello. Este, nascido numa pequena cidade do estado do Amazonas em 1926, estrou no ramo literário com o livro Silêncio da Palavra em 1951. Num primeiro momento, o conteúdo dos seus poemas é predominantemente marcado por temas intimistas e espirituais. A exemplo de outros escritores de sua época, os textos são estruturados com tendência a obscuridade e tendo como maior diferencial, sua dicção inigualável. Em outra fase da sua vida, Thiago de Mello se dedica a escrever poemas regionais como Mormaço na Floresta (1981) e Amazona, pátria da água (1987). 2 Neste sentido, analisaremos, a seguir, um dos grandes poemas de Thiago de Melo. Trata- se de Narciso Cego, onde este, faz parte do livro lançado em 1952 e intitulado com o mesmo nome do poema. Na análise, serão enfatizados alguns pontos crucias que possam nos levar a compreender as formas rítmicas e esturrais, com também, o poema em si. 2. O Poeta Thiago de Mello é um poeta e tradutor brasileiro, reconhecido como um ícone da literatura regional. Sua poesia está vinculada ao Terceiro Tempo Modernista. Thiago de Mello, nome literário de Amadeu Thiago de Mello, nasceu em Porantim do Bom Socorro, município de Barreirinha, no Estado do Amazonas, no dia 30 de março de 1926. Em 1931, ainda criança, mudou-se com a família para Manaus, onde iniciou seus estudos no Grupo Escolar Barão do Rio Branco e depois, no Ginásio Pedro II. Mais tarde mudou-se para o Rio de Janeiro, onde em 1946 ingressou na Faculdade Nacional de Medicina, mas não chegou a concluir o curso para seguir a carreira literária. Em 1947, Thiago de Mello publicou seu primeiro volume de poemas, Coração da Terra. Em 1950 publicou seu poema Tenso Por Meus Olhos, na primeira página do Suplemento Literário do Jornal Correio da Manhã. Em 1951 publicou Silêncio e Palavra, que foi muito bem acolhido pela crítica. Em seguida publicou: Narciso Cego (1952) e A Lenda da Rosa em (1957). Em 1966, Thiago de Mello publicou A Canção do Amor Armado e Faz Escuro Mais Eu Canto (1968). Perseguido pelo governo militar, foi Santiago do Chile, onde permaneceu exilado durante dez anos. Em 1975 recebeu o Prêmio de Poesia da Associação Paulista de Críticos de Arte, pelo livro Poesia Comprometida Com a Minha e a Tua Vida. Autor de uma obra vinculada à geração de 1945, Thiago de Mello tornou-se nacionalmente conhecido na década de 1960 como um intelectual engajado na luta pelos Direitos Humanos, e manifestou em sua poesia o seu repúdio ao autoritarismo e à repressão. Depois do exílio político, voltou ao Brasil em 1978. Ao lado do cantor e compositor Sérgio Ricardo, participou do show “Faz Escuro Mas Eu Canto”, dirigido pelo cronista Flávio Rangel. Ainda em 1978, retorna para a cidade de Barreirinhas, no Amazonas. Em abril de 1985, o poema Os Estatutos 3 do Homem, de 1977, foi musicado por Cláudio Santoro, e abriu a temporada de concertos do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. 3. O Poema Iniciando pelos aspectos materiais desta análise, o poema Narciso Cego de Thiago de Mello é composto por trinta versos divididos em quatro estrofes. A primeira estrofe contém um quinteto, a segunda é irregular por possuir quatorze versos, a terceira há outro quinteto e, por fim, a quarta é um sexteto. Examina-se, portanto, um poema de forma irregular, típico do pós- modernismo. A seguir, serão analisados outros aspectos relacionados a estrutura do poema, a fim de apontar outros elementos importantes para este estudo. 3.1. Forma e métrica Narciso Cego é escrito no âmbito do verso tradicional, o qual era constantemente utilizado pelos poetas árcades e românticos. Seus versos apresentam regularidades métricas, no entanto não há presença de rimas. De acordo com Souza (1986), define-se como versos brancos ou soltos, os versos desprovidos de rima, mas não de medida regular. Tal definição poderá ser notada na primeira estrofe do poema: Tudo o que de mim se perde acrescenta-se ao que sou. Contudo, me desconheço. Pelas minhas cercanias passeio — não me frequento. Ao considerar as sinalefas, temos: tu-doo-que-de-mim-se-per-de (7 sílabas [7 = 8-1], ritmo: 1,5,7). a-cres-cen-ta-sea-o-que-sou (8 sílabas, ritmo: 3,5,8). con-tu-do-me-des-co-nhe-ço (7 sílabas [7 = 8-1], ritmo: 2,7). 4 pe-las-mi-nhas-cer-ca-ni-as (7 sílabas [7 = 8-1], ritmo: 1,3,7). pas-sei-o-não-me-fre-quen-to (7 sílabas [7 = 8-1], ritmo: 2,4,7). Observado o primeiro parágrafo, nota-se que o trecho é disposto de versos em linhas descontínuas e que em cada um deles há um número regular de sílabas métricas, onde a tonicidade dos versos alterna entre as silabas. Diante disto, constata-se que os versos apresentam, em sua maioria, sete sílabas métricas e distribuição irregular do acento tônico, evidenciando a repetição acentuação apenas na sétima sílaba, quando aqueles, definem-se como heptassilábicos ou redondilha maior. Segue a análise na estrofe seguinte: Por sobre fonte erma e esquiva flutua-me, íntegra, a face. Mas nunca me vejo: e sigo com face mal disfarçada. Oh que amargo é o não poder rosto a rosto contemplar aquilo que ignoto sou; distiguir até que ponto sou eu mesmo que me levo ou se um nume irrevelável que (para ser) vem morar comigo, dentro de mim, mas me abandona se rolo pelos declives do mundo. Ao considerar as sinalefas, temos: por-so-bre-fon-teer-maees-qui-va (7 sílabas [7 = 8-1], ritmo: 2,4,5,7). 5 flu-tu-a-me-ín-te-graa-fa-ce (8 sílabas [8 = 9-1], ritmo: 2,5,8). mas-nun-ca-me-ve-joe-si-go (7 sílabas [7 = 8-1], ritmo: 2,5,7). com-fa-ce-mal-dis-far-ça-da (7 sílabas [7 = 8-1], ritmo: 2,4,7). oh-quea-mar-go-é-o-não-po-der (9 sílabas, ritmo: 1,3,5,7,9). ros-toa-ros-to-con-tem-plar (7 sílabas, ritmo: 1,3,7). a-qui-lo-queig-no-to-sou (7 sílabas, ritmo: 2,5,7). dis-ti-guir-a-té-que-pon-to (7 sílabas [7 = 8-1], ritmo: 3,5,7). soueu-mes-mo-que-me-le-vo (6 sílabas [6 = 7-1], ritmo: 1,2,6). ou-seum-nu-meir-re-ve-lá-vel (7 sílabas [7 = 8-1], ritmo: 3,7). que-pa-ra-ser-vem-mo-rar (7 sílabas, ritmo: 2,4,5,7). co-mi-go-den-tro-de-mim (7 sílabas, ritmo: 2,4,7). mas-mea-ban-do-na-se-ro-lo (7 sílabas [7 = 8-1], ritmo: 4,7). pe-los-de-cli-ves-do-mun-do (7 sílabas [7 = 8-1], ritmo: 1,4,7). Como apontado na estrofe anterior, a segunda é composta, na maioria dos versos, por sete sílabasmétricas. A falta rimas é considerada no poema todo, impossibilitando uma ordenação esquemática padrão. O poema mantém o a forma e a métrica denotada dos versos anteriores nos outros dois versos seguintes. Elementos como assonância e aliteração não foram observados, assim como não há o uso de recursos como a ampliação elipses de letras para satisfazer o esquema do poema. A seguir, será estudo o poema como a forma de entender o que ele reflete ao leitor. 3.2. Reflexão sobre poema Nesta seção, haverá o esforço para externar o sentimento do eu-lírico do poema. Para tanto, será averiguado alguns trechos do poema para certificar a conclusão encontrada. A começar pelo título Narciso Cego, temos “Narciso, uma figura extraída da mitologia grega que é referido a um jovem apaixonado pela sua própria imagem. Existe aqui uma antinomia, pois o “Narciso” de Thiago não pode enxergar e, portanto, há uma contraposição 6 proposital do autor. Como poderia alguém apaixonar pela sua própria imagem se não consegue enxergá-la? Desta maneira, o “Narciso” do poeta brasileiro contrataria o termo “narcisismo” na sua definição atual. Cego como é, o narciso do eu-lírico não é apaixonado por si mesmo, e sim, pelos outros. Obviamente, o título pode sugerir outras interpretações mais próximas do senso comum e consequentemente, o conteúdo do “poema-título” acusa a incapacidade de cada um na sua condição de indivíduo. Este ponto de vista pode ser observado nos três primeiros versos da primeira estrofe: Tudo o que de mim se perde acrescenta-se ao que sou. Contudo, me desconheço. Já no início da segunda estrofe, nota-se a contradição também observado no título do poema: Por sobre fonte erma e esquiva flutua-me, íntegra, a face. Mas nunca me vejo: e sigo com face mal disfarçada. Neste trecho, há um princípio de lamentação do eu-lírico, uma vez que ele tem o rosto sobre uma fonte com pouca água e o fato de não poder vê-lo, aparenta deixa-lo frustrado. O fato dele seguir “com face mal disfarçada” sugere que o mesmo não está contente, mas tenta disfarçar a sua tristeza. Complementando o que foi dito em outro momento, Narciso era um jovem rapaz que, ao se olhar no espelho, apaixona-se pela sua própria imagem. Nos versos cinco, seis e sete da segunda estrofe do poema Narciso Cego, o trecho insinua uma apropriação desta parte da mitologia grega para demonstrar a sua tristeza: Oh que amargo é o não poder 7 rosto a rosto contemplar aquilo que ignoto sou; A tristeza do eu-lírico está no fato de, ao postar-se frente a um espelho, não poder admirar o que ele não sabe definir como é. Neste caso, trata-se dele mesmo. Refletindo sobre as suas prioridades, o eu-lírico indica que abre mão das suas verdadeiras ambições para satisfazer a vontade dos outros. É o que pode ser transmitido nos versos da terceira estrofe do poema: Desfaço-me do que sonho: faço-me sonho de alguém oculto. Talvez um Deus sonhe comigo, cobice o que eu guardo e nunca usei. A última estrofe prenuncia o desapontamento do eu-lírico narcisista: Cego assim, não me decifro. E o imaginar-me sonhado não me completa: a ganância de ser-me inteiro prossegue. E pairo - pânico mudo - entre o sonho e o sonhador. Poderia o Narciso da mitologia grega ser feliz sem conhecer a si mesmo? O “Narciso” de Thiago de Mello, tem o desejo implícito de viver os próprios sonhos, exerdar ao seu redor e reconhecer a si mesmo. No entanto, cessa em “Narciso Cego”, aquele que tem como opção viver o sonho alheio e seguir como o sonhador que tem ambições ocultas. Cabe aqui uma última reflexão. Vale a pena viver o sonho alheio na falta de opção? 8 4. Referências BAKHTIN, Mikhail. Questões de Literatura e Estética. 2ª ed. São Paulo: UNESP, 1990. CÂNDIDO, Antônio. Na Sala de Aula: caderno de análise literária. 5ªed. São Paulo: Ática, 1995. CULLER, J. Teoria Literária. São Paulo: Becca, 1999. MELLO, Thiago de. Melhores poemas Thiago de Mello / Edia Van Steen [direção]: Marcos Frederico Krüger Aleixo [seleção e prefácio] – 1. ed. São Paulo: Global, 2009. – (Coleção Melhores Poemas) SOUZA, Roberto Acízelo. Teoria da Literatura. 1ªed. São Paulo: Ática, 1986.
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