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1 OBJETIVOS DA APRENDIZAGEM INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA PARAÍBA AULA 05Literatura Brasileira II Etiene Mendes Kelly Sheila Inocêncio Costa Aires Rosangela Vieira Freire Romancistas do século XIX II � Conhecer ficcionistas brasileiros do século XIX; � Identificar marcas da estética romântica em textos literários; � Ler textos ficcionais sugeridos, na íntegra. UNIDADE 01 66 Romancistas do século XIX II 2 COMEÇANDO A HISTÓRIA Prezado aluno, esta é a quinta aula de Literatura Brasileira II. Na aula anterior, nós o lançamos no exuberante universo da nossa ficção romântica. Falamos sobre o romance, o “arquigênero”, e recomendamos que você revisse, relesse a nona aula de teoria literária II. Trata-se daquele texto indispensável e altamente recomendável tanto para quem está iniciando a vida acadêmica quanto para quem já é veterano neste caminho. Em outras palavras, dissemos que, no Romantismo, a burguesia chega ao poder, a arte abandona a elite e chega ao povo. Nenhum movimento artístico-literário se manifestou tão revolucionário e com tanta rebeldia quanto o Romantismo. Só para rememorar, houve um tempo, século XVIII, que para estar no poder, uma classe social, a burguesia, teve que destronar o antigo poder, a nobreza, tão sólida e institucionalizada. Você já viu que para estar no poder implica luta, disputa e conquista. Muito bem, vejamos então: essa burguesia, no período da Idade Média era constituída por servos obedientes, pobres, ignorados, um exército de famintos trabalhadores. Esse grupo cresceu mais, começou a ganhar dinheiro com o comércio, tornou-se poderoso, passou a ser olhado com respeito, por causa do prestígio oferecido pelo status social proveniente do dinheiro conquistado na troca, no esforço, no truque, na aventura, na exploração do menos favorecido. O grupo de novos ricos aumentou tanto que abalou o alicerce da sólida nobreza há séculos no poder. Representando os anseios da burguesia recentemente chegada ao poder na França, o Romantismo alastrou-se pelo mundo, qual epidemia a contaminar artistas, políticos, filósofos e o povo de modo geral. Foi assim que a partir de 1789, surge a necessidade de uma representação artística que atendesse ao novo público e estivesse sintonizada com o contexto social. Estamos pois no século XIX, o Antigo Regime agoniza, o mundo é influenciado pela ousadia da Revolução Francesa, o povo se organiza em manifestações lentas, é verdade, mas persistentes “ defensoras dos ideais de liberdade, igualdade, fraternidade”. Caberia pois ao novo estilo, criar uma linguagem acessível aos padrões de vida da classe média e da burguesia. E assim aconteceu. No Brasil, talvez só o Modernismo, no século XX, vai igualar-se ao Romantismo no que ele tem de inovador. E a ficção romântica é muito vigorosa em nossas letras. Por isso, vamos continuar estudando-a. 67 AULA 05 3 TECENDO O CONHECIMENTO Então, caro estudante, no romance, a escola romântica descobriu o maior veículo para difusão de suas ideias. Como forma de narrativa moderna, o “gênero de ruptura” nasce pela necessidade de expressão, no caso do autor, e pelo desejo de respostas, no caso do leitor. No caso brasileiro, o Romantismo não veio fecundar um romance porventura existente. Veio criar o romance (COUTINHO, 1986, 233). Mesmo com toda a renovação trazida pelo Romantismo tanto na poesia quanto no drama, para Coutinho (1986, 231), “não faria o mesmo com a ficção, principalmente na França, Inglaterra e Alemanha onde a existência de importante tradição levaria o romance romântico à condição de mero prolongamento dos romances dos séculos precedentes”. Significa dizer que os romancistas dos países citados não se beneficiaram da liberdade inaugurada pela escola romântica que não possuía uma norma, uma ordem geral, por isso a produção artística será muito marcada pelos estilos pessoais. Os escritores franceses, ingleses e alemães não ousaram, preferiram continuar na tradição, por um bom tempo. No Brasil, pode-se dizer que a prosa alcança o espaço necessário para sua difusão. Essa conquista marca a plenitude do Romantismo entre nós. A participação do público começa a se definir com o surgimento da ficção romântica. Conforme Sodré (1982, 225), “enobrecida pela divulgação do romance, a prosa brasileira estava em condições de circular nos gêneros nobres, a crônica e a história, e mesmo a crítica, dentro das possibilidades do tempo”. A diversificação de temas abordados e os percursos escolhidos destacam-se nesse momento em que há uma libertação da “monotonia” das crônicas de viagem e das descrições tão carregadas de minúcias. Pedimos que você continue lendo os romances românticos levado pelo propósito de percorrer as primeiras trilhas de nossa ficção em prosa. Mas falemos de romancistas. 3.1 José de Alencar: “o romancista por vocação”1 O romance alencarino é, de fato, um diferencial notável na fase romântica. Um projeto ousado de abarcar o Brasil com seu talento 1 A expressão aspeada foi retirada de CANDIDO, A. Formação da Literatura Brasileira II. Belo Horizonte-Rio de Janeiro: Editora Itatiaia limitada, 1993, p. 212. Figura 1 68 Romancistas do século XIX II inventivo. O autor cearense foi para a prosa o que Gonçalves dias foi para a poesia: um estilista indianista. Podem acusá-lo de artificial e sentimentalista, mas, na verdade, o enredo, a ação, a cor local e a crítica implícita ao colonizador português como desestabilizador da ordem é formidável. Nesse campo, temos Iracema, Ubirajara e O Guarani. Num iniciante passo regional, adentrou-se pelo sertão com O Gaúcho e O Sertanejo. Verdade que sem muito vínculo à região, as narrativas desse bloco não deixam, porém, de prender-se ao local pela linguagem, usos, costumes e pequenas particularidades, como a seca e as invasões inimigas. A abrangência de seus relatos destaca-se na prosa urbana, na crítica à sociedade burguesa movida por falso moralismo e apego ao dinheiro. Pertencem a esse ciclo os romances: Cinco Minutos, A Viuvinha, Lucíola e Senhora, esses dois últimos constituem a prosa adulta, ousada, antecipada. Lucíola é prostituta e isso antecipa em um século a Literatura Brasileira. Seria Jorge Amado o continuador do tema iniciado por Alencar. O casamento por conveniência seria um tema realista, mas Alencar o enfocou em Senhora. E assim, a coluna número um da Literatura brasileira passou pelo romance histórico com as Minas de Prata, deixando um sopro do Brasil colônia na trama inventada. A obra alencarina é um painel variado da vida brasileira, mesmo sem preocupação de fidelidade ao real, com seus finais oscilantes entre o trágico e o feliz. Embora existam enredos com cenas plenas de exagero, seus romances estiveram na linha de frente e ainda fazem parte da lista dos mais vendidos e lidos. Uma geração vai e outra geração vem e Alencar continua mestre insuperável, imaginativo, pioneiro de nossas Letras. Num estudo de Antonio Candido sobre o ficcionista cearense, o crítico o chama de “os três alencares”. Só lendo os livros, irá descobrir a razão de título tão abrangente para um artigo. Você também pode, caro estudante, visitar a casa José de Alencar. Situada no bairro de Messejana, em Fortaleza, a Casa de José de Alencar não é só um mergulho nas obras e vida do escritor cearense, mas também uma incursão na arte e na cultura do estado. Foi lá que nasceu José de Alencar, em 1829. Construído no século 18, o local tem, Figura 2 Casa preserva memória de escritor José de Alencar 69 AULA 05 além da simples casinha que mantêm seu desenho orginal, uma biblioteca, a pinacoteca, um restaurante, ruínas históricas e museus. Tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em 1968, a casa é um retorno à infância e histórias de José de Alencar. O lugar recebe visitas de segunda a sábado, saiba mais em: à www.cja.ufc.br. Mais adiante, nestadisciplina, você terá uma aula inteiramente dedicada a José de Alencar. Passemos, agora, a outro grande ficcionista romântico: 3.2 Alfredo d’Escragnolle de Taunay: “sensibilidade e bom senso”2 Carioca e militar, Visconde de Taunay colheu de suas andanças pela região de Mato Grosso experiências para a composição de suas obras. Soube reproduzir precisamente a paisagem sertaneja, em especial, a fauna e a flora. Escreveu vários romances, porém apenas dois se destacaram: A Retirada da Laguna e Inocência. O primeiro livro possui valor mais documental que literário. Já Inocência é um romance regionalista de rara beleza em que tudo parece verossímil. Segundo Coutinho (1986, 281), Inocência foi traduzido para quase todas as línguas cultas modernas, inclusive, o japonês, tornando-se leitura popular em todas elas. A que se deve essa impressionante popularidade de Inocência? O segredo disso parece residir na conjugação de vários fatores do mesmo modo importantes, de cuja fusão resultaram 2 A expressão aspeada foi retirada de CANDIDO, A. Formação da Literatura Brasileira II. Belo Horizonte-Rio de Janeiro: Editora Itatiaia limitada, 1993, p. 275. Figura 3 Capa original de Inocência (1872), de Visconde de Taunay. Figura 4 Visconde de Taunay. 70 Romancistas do século XIX II qualidade novas capazes de despertar a curiosidade e o interesse, mesmo do público estrangeiro. A uma história de amor de acentuado sabor romântico, que se passa no interior do Brasil, na região central, junta Inocência uma descrição realista de hábitos e costumes, episódios e cenários da vida sertaneja, até então inédita em nossa 86, 282). Detentor de uma fantástica memória visual, Visconde de Taunay recompõe os espaços do interior de uma maneira muito fiel, podendo-se indagar onde termina a realidade e começa a ficção. Soube situar suas personagens dentro da moldura em que os conheceu: como se expressavam verbalmente, como se comportavam, como sentiam as coisas e os sentimentos. Para Moisés (1985, 279), no romance de estreia de Alfredo d’Escragnolle, evidenciava-se o apego a um modelo: o modelo macediano. Devia a Joaquim Manuel de Macedo gratidão e respeito ao velho professor de História e Corografia do Brasil. Taunay possui um nome meio esquisito, mas é bom saber, caro estudante, que ele era franco-brasileiro e foi num lar com tradição de artistas e escritores que ele nasceu, cresceu e se tornou militar. Segundo depoimento do escritor: Com a educação artística que recebera de meu pai, acostumado desde pequeno a vê-lo extasiar-se diante dos esplendores da natureza brasileira, eu era o único dentre os companheiros, e portanto de toda a força expedicionária, que ia olhando para os encantos dos grandes quadros naturais e lhes dando o devido apreço. Viajava de lápis na mão, registrando as cenas de viagem em desenho de ingênuo paisagista (TAUNAY In CANDIDO,1993, 275). Vivendo num ambiente intelectualmente requintado, o autor de Inocência possuía refinamento estético e trouxe para a Literatura brasileira experiências de guerra e sertão ambientados no Centro-Oeste do Brasil. 3.3 Teixeira e Sousa: “Sob o signo do folhetim” O modesto carpinteiro de Cabo Frio, “o primo pobre do grupo fluminense”, escritor literalmente esquecido, foi vítima da moda e da incipiência, ou seja, o folhetim e a ausência de talento para a ficção. Mesmo assim, atirou à terra o húmus que alimentaria a melhor prosa de ficção romântica. Escreveu poesia, peças teatrais e romances. Seu primeiro romance data de 1843, antecedendo a publicação de A Moreninha em 1844. Por ser visto como novela e não como romance, a crítica 71 AULA 05 recomenda que O Filho do pescador não seja o romance brasileiro inicial. Mas essa observação não é consensual entre a crítica brasileira. Assim se posiciona Antonio Candido sobre Antonio Gonçalves Teixeira e Sousa: Embora a qualidade literária seja de terceira plana, é considerável a sua importância histórica, menos por lhe caber até nova ordem a prioridade na cronologia do nosso romance (não da nossa ficção), do que por representar no Brasil, maciçamente, o aspecto que se convencionou chamar folhetinesco do Romantismo. Ele o representa, com efeito, em todos os traços de forma e conteúdo, em todos os processos e convicções, nos cacoetes, ridículos, virtudes (CANDIDO, 1993, p. 288). Conforme dissemos no início dessa aula, trata-se de um público vasto, desprovido de dotes intelectuais e o folhetim surge como a melhor forma de entretenimento e, segundo (BOSI, 1989, p.113), “seja como for, foi com Teixeira e Sousa que o Romantismo caminhou para a narração, instrumento ideal para explorar a vida e a nascente sociedade brasileira”. Ambientado em espaços conhecidos, o romance romântico ainda em folhetins traz enredos simples, lineares, personagens sem muita densidade psicológica com quem os novos leitores logo se identificaram. E é o romance, “o gênero da ruptura” que vai investigar o conflito do homem com o mundo e consigo mesmo nessa sociedade, digamos, emergente. 4 APROFUNDANDO CONHECIMENTO Caro estudante, para o engrandecimento intelectual, não há caminho mais seguro de trilhar do que o da pesquisa, desde que se sinta impelido a caminhar nessa direção. Esse universo que se descortina acionado por um click possui Figuras 5- 6 72 Romancistas do século XIX II uma sedução e uma maldição. Ele nos arrasta para o conhecimento e nos leva à tentação da cópia, do conhecimento “pronto”. Sejamos honestos conosco mesmos e repudiemos essa prática. Vamos visitar bibliotecas, comprar livros bem surrados em sebos. Veja essas sugestões de leitura: É um pouco como aprender a jogar futebol com Pelé ou aproximar-se da arquitetura guiado por Oscar Niemeyer. A introdução ao conhecimento e à degustação das obras da literatura brasileira pelas palavras e explicações do livro de Antonio Candido é uma experiência única. Aqui não é só o crítico literário que escreve; é também o professor que fala, escancarando diante dos seus alunos um universo fascinante. à Disponível em: http://www.revistadehistoria.com.br/secao/livros/ formacao-da-literatura-brasileira-momentos-decisivos-1750-1880. Acesso em: 15 de fev. de 2014. “Acompanhando a evolução da literatura bra- sileira, sempre em cadência com o desenrolar dos acontecimentos históricos, para verificar o momento em que a ficção, o poema, o conto, o ensaio alcançaram, na estrutura e na temática, uma identidade brasileira, típica, peculiar, que se pudesse considerar como de nossa terra, A Litera- tura no Brasil é um dos mais completos tratados de história literária, apresentando a literatura como obra de arte, possuidora de valor estético, encarada como um todo, autônoma, uma das grandes contribuições ao estudo e à pesqui- sa da língua e da literatura brasileira pelo nível das informações, funda- mentos teóricos, crítica e história literária”. A Literatura no Brasil - Vol. 3 de Afrânio Coutinho à Disponível em: http://www.wook.pt/ficha/a-literatura-no-brasil-vol-3/a/id/169707. Acesso em: 15 de fev. de 2014. Figura 7 Figura 8 73 AULA 05 Outros livros em PDF. Os livros de Antonio Candido, Formação da Literatura Brasileira, volumes 1 e 2 estão disponíveis no site abaixo: à Disponível em:http://joaocamillopenna.files.wordpress.com/2013/08/117023824-candido- antonio-formacao-da-literatura-brasileira-vol-1-e-2.pdf. Acesso em 15 de fev. 2014. Você poderia aproveitar e ler só o primeiro capítulo de um livro extraordinário: Por que ler os clássicos de Ítalo Calvino. Ele vai lhe dar dez razões para nos convencer do retorno a esses livros que nós estamos apenas “relendo”. Sempre você já se lançou mesmo a esse labirinto sem o fio da deusa. 5 TROCANDO EM MIÚDOS Bem, caro estudante, iniciamos nossa aula sobre os autores românticos, retomando questões introdutórias do Romantismo, a exemplo da chegada da burguesia ao poder. Houve uma readequação ao estilo, gosto, preferências,no terreno das artes aos novos ricos. Depois nos detivemos nos escritores José de Alencar, Visconde de Taunay e Teixeira e Sousa. Você pode perceber a postura de alguns críticos em relação aos autores mencionados. Naturalmente, ao revisitá-los, estará mais embasado para aceitar ou refutar a conduta dos estudiosos referente à produção ficcional de José de Alencar, Visconde de Taunay e Teixeira e Sousa. Pesquisando um pouco mais, você além de se revigorar no conhecimento sobre o Romantismo e seus autores, também poderá contribuir nos fóruns, no esclarecimento de dúvidas bem mais confiante. 6 AUTOAVALIANDO Caro aluno, você já se deu conta de que a escola romântica cobre um bom período, por isso tantas aulas sobre esse movimento literário. Mas, continue se indagando. 1) Como anda minha bagagem de leitura da ficção romântica? Estou em débito? 2) Domino, sem tanta hesitação, algumas discussões sobre os ficcionistas românticos tratados nesta aula? 3) Consigo, a partir de agora, estabelecer conexões, preencher lacunas e compreender o romance como um gênero de ruptura? 74 Romancistas do século XIX II 7 PRATICANDO Diante da diversidade de leituras que você assumirá, sua prática como licenciando, caminhando para a sala, está sedimentada na leitura. Olhe, Literatura é leitura e leitura é prazer. Nesse caso, sugerimos a leitura de Inocência, esse publicado em folhetins na França, na Inglaterra, na Dinamarca e em tantos outros países. Não fica bem dever essa leitura, não é verdade? Após a leitura, discuta o conflito posto na narrativa, trazendo fragmentos que amparem sua resposta. Com a perspicácia que você possui, essa proposta não vai deixá-lo desanimado. Então, vamos procurar Inocência e lê-lo no suporte que lhe deixa mais confortável: a tela ou o livro físico. 75 AULA 05 REFERÊNCIAS BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1995. CANDIDO, A. Formação da Literatura Brasileira II. Belo Horizonte-Rio de Janeiro: Editora Itatiaia limitada, 1993. COUTINHO, Afrânio O Romantismo In: A literatura no Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1986. MOISÉS, Massaud. História da literatura brasileira: romantismo. São Paulo: Cultrix, 1985. VERÍSSIMO, Érico. Breve história da Literatura do Brasil. São Paulo: Editora São Paulo, 1995, p.54.
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