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8 RAE • v. 42 • n. 2 • Abr./Jun. 2002
Organizações
Gérard Ouimet
Ph. D. em Ciência Política pela Université de Montréal, Professor de
Psicologia Organizacional e de Administração e Diretor do Programa
Acadêmico de Certificado da HEC - École des Hautes Études Commerciales.
E-mail: gerard.ouimet@hec.ca
AS ARMADILHAS DOS
PARADIGMAS DA LIDERANÇA
RESUMO
Este artigo originou-se da análise dos limites epistemológicos – e, portanto, dos perigos inerentes aos
conhecimentos produzidos – no tocante à liderança. Nossas reflexões permitiram estabelecer uma classificação
original de diferentes tipos de estudos relativos à liderança. Esses tipos de estudo caracterizam-se por
pertencer a um paradigma, que é a concepção de liderança. Em nossa pesquisa, foram identificados quatro
paradigmas relacionados à liderança: racionalista, empírico, sensacionista e dogmático. Enquanto o paradigma
racionalista concebe a liderança como um algoritmo de ações racionalmente refletidas, o paradigma empírico
sustenta que se trata mais de uma habilidade para manipular os instrumentos de mobilização com eficiência.
O paradigma sensacionista considera, por sua vez, que a liderança é uma filosofia de vida explícita. Por fim,
o paradigma dogmático define a liderança como a expressão da psiquê dos dirigentes. Embora os
conhecimentos produzidos em qualquer um dos quatro paradigmas possam revelar-se úteis para a
compreensão do fenômeno da liderança, todos eles correm o risco de cair na armadilha de um entusiasmo
heurístico. Assim, o racionalismo pode terminar em intelectualismo, o empirismo, em reducionismo, o
sensacionismo, em simplismo e o dogmatismo, em misticismo.
ABSTRACT
Leadership studies are an emerging discipline and the concept of leadership will continue to evolve. But, despite
substantial progress in leadership research, the understanding of leadership phenomena is not free from
pernicious heuristic skids. The purpose of this analysis is to throw light on these traps. By means of an original
typology of leadership studies, we propose an epistemological reflection of the advance of knowledge in
organizational leadership studies. The proposed typology contains fours paradigms, that is: rationalist paradigm,
empirical paradigm, sensationalist paradigm, and dogmatic paradigm. The rationalist paradigm conceives the
leadership like an aprioristic logical algorithm. The empirical paradigm conceives the leadership like a posteriori
concrete performance. The sensationalist paradigm conceives the leadership like a personal philosophy of life.
The dogmatic paradigm conceives the leadership like determinist psychic drives. Each paradigm can be
respectively trapped by the following heuristics skids: intellectualism, reductionism, simplism, and mysticism.
PALAVRAS-CHAVE
Limites epistemológicos, concepção de liderança, racionalismo, empirismo, sensacionismo.
KEY WORDS
Epistemological limitations, conceptions of leadership, rationalism, empirism, sensationism.
RAE - Revista de Administração de Empresas • Abr./Jun. 2002 São Paulo, v. 42 • n. 2 • p. 8-16
As armadilhas dos paradigmas da liderança
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©2002, RAE - Revista de Administração de Empresas/FGV-EAESP, São Paulo, Brasil.
CONSTRUÇÃO DE UMA TIPOLOGIA
Neste estudo, os conhecimentos acerca da lideran-
ça serão classificados de acordo com uma tipologia
dinâmica – já que as categorias são fruto de uma con-
junção fatorial – baseada em duas variáveis: o modo
de apreensão do real (senso versus inteligência) e o
modo de avaliação da informação obtida (fatos ver-
sus valores). Inspirada nos trabalhos de Carl Gustav
Jung (1967) – que esclareceu a existência das quatro
funções psicológicas envolvidas na coleta de dados
(a sensação e a intuição) e na avaliação da informa-
ção (o pensamento e o sentimento) –, a tipologia cons-
truída para nossa análise permite a categorização de
diversos estudos sobre a liderança em função da ori-
entação heurística dos pesquisadores. Dessa forma, a
conjunção das duas variáveis citadas possibilita a es-
truturação de uma tabela de contingência 2x2, que sin-
tetiza quatro paradigmas de pesquisa em liderança: o
racionalismo, o empirismo, o sensacionismo e o dog-
matismo. A Figura 1 ilustra a composição paramétri-
ca da tipologia utilizada e as armadilhas inerentes a
cada um dos paradigmas. Examinemos, então, cada
paradigma a fim de identificar sua essência e seus li-
mites.
O PARADIGMA RACIONALISTA
O paradigma racionalista é o resultado da combi-
nação do modo intelectual de apreensão do real e do
modo objetivo de avaliação da informação obtida.
Esse paradigma considera a liderança como um
algoritmo de ações racionalmente refletidas. São os
diferentes papéis dos líderes que podem mobilizar uma
equipe de trabalho e orientar suas ações para alcançar
os objetivos da empresa. Tal paradigma estabelece,
logicamente, um sistema racional que ordena os com-
portamentos sensatos do líder (modo intelectual de
apreensão do real) em função de dados fatuais,
observáveis e quantificáveis (modo objetivo de jul-
gamento da informação).
Assim, a primazia concedida às pessoas e à im-
portância da tarefa a ser realizada (Blake e Mouton,
1978), a qualidade das relações entre o líder e os mem-
bros do grupo, o nível de estruturação da tarefa, a in-
tensidade do poder hierárquico do líder (Fiedler,
1967), as características dos subordinados e da tarefa
(House e Mitchell, 1974), a qualidade e a aceitação
da decisão (Vroom e Yetton, 1973), a maturidade e a
motivação dos empregados (Hersey e Blanchard,
1977) e a orientação estratégica da empresa (Quinn
S
E
N
TI
D
O
OBJETIVIDADE
IN
TE
LIG
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C
IA
SUBJETIVIDADE
EMPIRISMO
Liderança � Habilidade
EXPERIMENTAÇÃO
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RACIONALISMO
Liderança � Algoritmo
TEORIZAÇÃO
Modo de apreensão do real
DOGMATISMO
Liderança � Psiquê
INTERPRETAÇÃO
SENSACIONISMO
Liderança � Filosofia de vida
DESCRIÇÃO
Reducionismo
armadilha
Intelectualismo
armadilha
armadilha
Simplismo
armadilha
Misticismo
Figura 1 – Paradigmas de pesquisa em liderança: teor e limites
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et al., 1990) são dados fatoriais, observáveis, quantifi-
cáveis e considerados, por vários pesquisadores, capa-
zes de condicionar a adoção, pelo líder, de um deter-
minado estilo comportamental.
Todos os modelos teóricos desenvolvidos ao lon-
go dos últimos 30 anos baseiam-se em evidências di-
tas lógicas, isto é, de que as relações fatoriais se im-
põem elas mesmas à mente do pesquisador. Desse
modo, por exemplo, utilizando-se a legendária tabela
de Blake e Mouton, é evidente que um líder diante de
uma situação de urgência deve adotar um estilo auto-
crático chamado 9,1 (fraco interesse pelo indivíduo
versus interesse elevado pela tarefa a ser realizada).
Da mesma maneira, consultando o modelo muito po-
pular de liderança situacional de Hersey e Blanchard
(o famoso sino parabólico dividido em quatro qua-
drantes), é lógico admitir que um líder deverá mos-
trar-se, por um lado, diretivo (liderança autocrática)
para um empregado pouco competente e pouco moti-
vado e, por outro, delegante (liderança de delegação)
para um empregado competente e motivado.
Os estudos relacionados ao paradigma racionalis-
ta advêm da convicção de que é possível compreen-
der o fenômeno da liderança pelo exercício rigoroso
da razão. Mas a ordenação lógica e racional das coi-
sas é sempre um penhor da verdade? A inteligência
pode desenvolver raciocínios silogísticos estontean-
tes? É óbvio que o conhecimento da sofística convi-
da-nos a dar prova de prudência diante de atividades
intelectuais. Sob seus atraentes ornamentos, a inteli-
gência pode induzir a erros. Tudo o que é lógico não
é necessariamente verdade; grandes mentiras sabia-
mente construídas são prova eloqüente disso. Mas,
além dos escorregões falaciosos do intelecto, oculta-
se a principal armadilha do racionalismo: o intelec-
tualismo.As tentativas de entender a liderança por meio de
uma atitude racional resultaram quase sempre em te-
orias tão densas, que, na realidade, não representam
mais esse fenômeno. Presenciamos, desde então, uma
superconceitualização da liderança. Por exemplo, a
árvore da decisão de Vroom e Jago (1988) representa
uma trajetória cognitiva binária, implacável pelo ri-
gor de suas formulações dedutivas e que permite, a
partir do enunciado de um só problema, empreender
um périplo discursivo de oito questionamentos nomi-
nais (sim ou não, forte ou fraco), acarretando, inevi-
tavelmente, a identificação de cinco estilos de lide-
rança envolvidos na tomada de decisão. Tudo é lógi-
ca, tudo é racional. Não há lugar para o emocional e o
aleatório. Não há, portanto, lugar para o humano. Essa
árvore da decisão, uma possibilidade de 38 ramifica-
ções, é, de fato, uma programação idealizada do que
o líder deveria fazer para tomar a melhor decisão.
Enfim, o modelo de Vroom e Jago ilustra, de forma
reveladora, esse intelectualismo: a complexidade in-
justificada do real. Metaforicamente, o intelectualis-
mo consistiria em um padeiro resolver entregar pães
dirigindo uma Ferrari.
Não são apenas os modelos de Vroom e Jago que
sofrem de intelectualismo. Quase todos os modelos
teóricos desenvolvidos desde os anos 60 – por exem-
plo, o modelo da contingência de Fiedler (1967), com
seu coeficiente CTMA (o colega de trabalho menos
apreciado) do dirigente, a matriz tridimensional de
Reddin (1970), o modelo complexo de Blake e Mouton
(1969) e o modelo do objetivo-trajetório de House
(1971) – passaram por uma exacerbação intelectual
freqüentemente motivada pelo desejo de sempre
supervalorizar a capacidade de um instrumento de
análise.
Os pesquisadores obstinados do racionalismo ali-
mentam – e até prezam – a idéia de desenvolver um
modelo que permita a explicação, em qualquer cir-
cunstância, das manifestações de um fenômeno, no
caso, o da liderança. Com a finalidade de responder a
uma tal motivação heurística, esses pesquisadores
comprometem-se em uma sofisticação formal de seu
modelo. Teoricamente, o modelo construído deve ser
o mais exaustivamente elaborado. Além disso, deve
ser capaz de considerar, a priori, todas as expressões
racionalmente possíveis da liderança.
A realidade, porém, quase sempre difere da racio-
nalidade. Todos sabemos que os líderes não fazem
sempre o que a razão ordena. Da mesma maneira, es-
tamos conscientes de que boa parte dos líderes toma
decisões importantes utilizando motivos racionalmen-
te muito primitivos. Os trabalhos de Simon (1983) de-
monstraram claramente a “racionalidade limitada”
daqueles que tomam decisões organizacionais. Raros
são os que apóiam suas decisões em uma análise mi-
nuciosa de todos os dados de uma problemática. De
fato, as pessoas têm uma tendência natural a recorrer
a estratégias simplificadoras para tratar as informa-
ções e, conseqüentemente, tomar uma decisão. O bom
e velho modelo do lixo decisional (The Garbage Can
NO PARADIGMA RACIONALISTA,
OS DIFERENTES PAPÉIS DOS
LÍDERES PODEM MOBILIZAR UMA
EQUIPE DE TRABALHO E ORIENTAR
SUAS AÇÕES PARA ALCANÇAR
OS OBJETIVOS DA EMPRESA.
As armadilhas dos paradigmas da liderança
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Model) permite quase sempre que as pessoas tomem
a melhor decisão em relação aos recursos e ao tempo
disponível. É o princípio do “míni–max”: o mínimo
de energia empregada para o máximo de rendimento.
O PARADIGMA EMPÍRICO
O paradigma empírico é balizado pelo modo sen-
sorial de apreensão do real e o modo objetivo de ava-
liação da informação obtida. Esse paradigma consi-
dera a liderança como uma habilidade que manipula
eficazmente as ferramentas de mobilização. É o do-
mínio das técnicas de influência que permite aos lí-
deres a criação de uma sinergia no âmbito da empre-
sa. O paradigma empírico constitui o prolongamento
experimental do paradigma racionalista. Apoiando-
se, certamente, nas concepções teóricas desse para-
digma, o paradigma empírico pretende, porém, ob-
servar empiricamente as manifestações da liderança
(modo sensorial de apreensão do real) por meio de
fatores objetivos amplamente reconhecidos pela co-
munidade científica (modo objetivo de avaliação da
informação). A liderança emerge sempre de compor-
tamentos, racional e logicamente côngruos, que soli-
citam a mobilização dos membros de um grupo. Mas,
contrariamente ao paradigma racionalista – estabele-
cido em estudos teóricos –, o paradigma empírico de-
senvolve-se graças a estudos de campo.
Inspirando-se na teorização da liderança que ha-
bita o paradigma racionalista, o empírico propõe-se a
sondar a verdade. Para isso, ele recorre à experimen-
tação correlacional para o essencial. Trata-se de esta-
belecer a existência e a solidez dos laços entre as va-
riáveis que compõem os modelos teóricos concebi-
dos no seio do paradigma racionalista. Por exemplo,
a teoria da liderança transacional e transformacional
de Bass (1985) originou uma centena de estudos que
visam à estimação de correlações existentes entre as
seguintes variáveis: as recompensas proporcionais ao
rendimento, a gestão por exceções, o carisma, o reco-
nhecimento individual, o estímulo intelectual e o ren-
dimento obtido. Além disso, outros modelos, além do
de Bass, foram objeto de investigações correlacionais.
De fato, todos os modelos guilhotinados no paradig-
ma racionalista têm sido submetidos, paralela ou con-
seqüentemente, a experimentações fundamentadas em
testes estatísticos (testes, análises de variância, regres-
sões lineares e multivariadas). Uma recensão permi-
tiu identificar, desde 1990, mais de mil estudos expe-
rimentais relativos a aplicações dos modelos teóricos
da liderança. A metodologia quantitativa utilizada na
maior parte desses estudos experimentais é tão co-
nhecida que se impôs como uma norma a ser respei-
tada. Várias revistas científicas deixaram seu credo
cair no esquecimento. Revistas como a Academy
of Management Review , Administrative Science
Quarterly, Annual Review of Psychology, Educational
Leadership, Group and Organization Studies, Human
Relations, Journal of Applied Behavioral Science,
Journal of Applied Psychology, Journal of Applied
Social Psychology , Journal of Management
Development, Journal of Organizational Change
Management, Journal of Personality and Social
Psychology , Leadership and Organization
Development Journal, Occupational Psychology,
Organizational Behavior and Human Decision
Processes, Organizational Behavior and Human
Performance, Personnel Psychology, Psychological
Monographs , The Industrial-Organizational
Psychologist e The Leadership publicam, quase ex-
clusivamente, estudos que verificam, estatisticamen-
te, a solidez das associações entre as variáveis que
derivam de, ou que se somam a, modelos teóricos.
Estamos no universo da permutação fatorial, que é o
acréscimo sistemático seja de novos fatores (variá-
veis mediadoras), que modulam as prescrições dos
modelos teóricos já existentes, seja de novos indica-
dores, que aprimoram a definição das variáveis pró-
prias de certos modelos teóricos. As possibilidades
dos estudos combinatórios que dependem da permu-
tação fatorial são muito grandes. Assim, quatro vari-
áveis mantêm entre si uma possibilidade de 24 rela-
ções (sabendo-se que a fatorial de 4 é: 4 ! = 1 x 2 x 3
x 4 = 24). Há fatores na base dos modelos teóricos
construídos, mas há combinações possíveis sob for-
ma de díades, tríades ou tétrades.
A liderança que emerge do paradigma empírico
consiste na resultante quantificada dos papéis dos di-
rigentes tidos como essenciais para a mobilização dos
membros de um grupo. Em outras palavras, a lideran-
ça é a medida de um corte analítico realizado a partir
de uma concepção produzida no seio do paradigma
racionalista. O paradigma empírico revela-se, em cer-
tos aspectos, fascinante, pois permite, em um primei-
ro momento, a verificação quantitativa – e, para al-
guns, objetiva – da força de cada um dos elos entre os
componentesdos diversos modelos teóricos e, em
NO PARADIGMA EMPÍRICO,
É O DOMÍNIO DAS TÉCNICAS
DE INFLUÊNCIA QUE PERMITE
AOS LÍDERES A CRIAÇÃO DE UMA
SINERGIA NO ÂMBITO DA EMPRESA.
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seguida, o acréscimo, quase sem limite, de novos elos
possíveis. Trata-se, de fato, de um jogo de construção
Lego, exibindo um número incrível de possibilidades.
Se os estudos correlacionais, inerentes ao paradig-
ma empírico, emprestam certa desenvoltura à inferência
sistemática de hipóteses (relações entre duas variáveis)
bastante plausíveis, apoiando-se em um modelo teóri-
co aparentemente lógico e articulado, tais estudos não
permitem sondar muito a solidez epistemológica dos
modelos explorados para uma análise. De fato, os es-
tudos correlacionais estabelecem, principalmente, a
existência, a força e o sentido das relações entre os
componentes de um modelo teórico, mas não questio-
nam sua fundamentação no estudo. Além disso, tra-
tam, geralmente, das ramificações periféricas de um
modelo teórico. A soma de suas conclusões permite a
delimitação da capacidade combinatória de um mode-
lo. As questões de pesquisa subjacentes à realização
desse tipo de estudo consistem em saber quantas variá-
veis podem aderir ao modelo analisado. De fato, a for-
ça de um modelo teórico resume-se aqui unicamente à
sua capacidade de gerar hipóteses de trabalho. Trata-
se, então, do principal limite dos estudos inerentes ao
paradigma empírico. Levado ao extremo, o empirismo
termina em reducionismo.
A liderança reduz-se às correlações obtidas na orde-
nação das variáveis, apesar da armadura conceitual do
modelo teórico emprestado. Seria possível, portanto, es-
tabelecer a existência de um verdadeiro elo entre duas
variáveis que têm, aliás, pouca pertinência para a com-
preensão global do fenômeno da liderança. O reducio-
nismo parece-se com a miopia heurística, consideran-
do-se que a visão do pesquisador só trata de pares de
variáveis – as hipóteses de trabalho – tomadas isolada-
mente. Há poucas preocupações para compreender a pro-
blemática da liderança em seu conjunto (visão sistêmi-
ca). A mesma fragmentação do real não é nada estranha
à formulação de questionamentos fúteis e, conseqüente-
mente, à descoberta de verdades exíguas. De que serve
a um pesquisador descobrir que a lã é uma proteína se
ele não souber que ela cresce no lombo dos carneiros?
O PARADIGMA SENSACIONISTA
O paradigma sensacionista emerge do encontro do
modo sensorial de apreensão do real e do modo sub-
jetivo de avaliação da informação obtida. Esse para-
digma entende a liderança como uma filosofia de vida
explícita. São os valores e as crenças pessoais dos lí-
deres que servem de refrão para mobilizar as pessoas
em torno de um projeto comum. A liderança dos diri-
gentes revela-se diretamente aos sentidos do obser-
vador. Este só precisa apreender, no meio natural, os
gestos verbais e não verbais dos dirigentes para apre-
ciar a natureza e a força de sua liderança (modo sen-
sorial de apreensão do real). A informação obtida não
será matéria de uma tentativa de objetivação por meio
de adoção de um modelo de observação e de análise
calibrado e estandardizado por vários pesquisadores
independentes (modo subjetivo de avaliação da infor-
mação). Assim, a metodologia de pesquisa utilizada
com mais freqüência nesse paradigma é o estudo de
caso. Os pesquisadores que têm uma maneira de pes-
quisar própria ao sensacionismo estimam que a com-
preensão da liderança se situa na descrição mais fe-
nomenal de sua expressão. Além disso, respeitar os
princípios fenomenológicos inerentes ao sensacionis-
mo, e pretender que algo possa ser totalmente conhe-
cido pela simples descrição de seus componentes, li-
berta de toda construção conceitual e faz com que
esses pesquisadores realizem estudos de caso essen-
cialmente descritivos e qualitativos.
Construídos sem quadro teórico, os estudos de caso
pretendem ser uma revelação sincera e exata da filo-
sofia e da visão dos líderes. Esses estudos tomam a
forma de livros cultos – verdadeiras “bíblias” que
editam as prescrições que devem reger as atitudes de
todos os bons líderes – e de histórias de vida, lançan-
do uma luz penetrante sobre a dinâmica da liderança
organizacional.
Com relação aos livros que estabelecem os gran-
des princípios da liderança por meio de depoimentos
obtidos de dirigentes reconhecidos, mencionamos, por
exemplo, os trabalhos de Aguayo (1990), Bender
(1997), Blanchard et al. (1999), Covey (1989, 1996),
Daft (1999), Olmstead (2000), Rost (1991), Senge
(1990) e Vecchio (1998). A maioria desses trabalhos
normativos postula que os líderes se distinguem dos
administradores por sua visão, sua paixão, seu pensa-
mento proativo, sua intuição, seu senso de antecipa-
ção, sua propensão a correr riscos, seu conhecimento
de si mesmo, sua facilidade de locução e sua capaci-
dade de delegar. Visionários e agentes de mudanças,
os líderes conseguem administrar a incerteza utilizan-
do o pensamento sistêmico e o aprendizado em dose
dupla (aprender a aprender). Ao contrário dos admi-
nistradores, os quais obedecem às regras externas ri-
NO PARADIGMA SENSACIONISTA,
SÃO OS VALORES E AS CRENÇAS
PESSOAIS DOS LÍDERES QUE
SERVEM DE REFRÃO PARA
MOBILIZAR AS PESSOAS EM
TORNO DE UM PROJETO COMUM.
As armadilhas dos paradigmas da liderança
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gidamente, a fim de fazer bem as coisas, os líderes
recorrem às suas forças internas.
 Quanto às histórias de vida, elas estão bastante
presentes nos trabalhos didáticos sobre administração
e comportamento organizacional. Dessa maneira, nos
capítulos referentes à liderança, foi descoberta uma
faceta da vida de célebres personagens do mundo dos
negócios. Na maior parte do tempo, os estudos de caso
dedicados aos grandes líderes explanam sua filosofia
de vida, seu sistema de valores e sua maneira de en-
frentar os acasos da existência. Personagens como
Norman Brinker (fundador da Steak and Au e presi-
dente da Chili’s Inc.), Byron A. Denenberg (presidente da
MDA Scientific Inc.), Harold Geneen (ex-presidente
da ITT), Soichiro Honda (presidente da Honda Motor
Company), R. David Thomas (fundador da Wendy’s
Old Fashioned Hamburgers), Richard A. Zimmerman
(presidente da Hershey Foods Corporation), Mary Kay
Ash (fundadora da Mary Kay Cosmetics), Lee Iacocca
(presidente da Chrysler), Debbie Fields (fundadora da
Mrs. Fields’ Cookies), Sam Walton (presidente da
Wal-Mart), John Akers (diretor-geral da IBM), Roger
Smith (presidente da General Motors), por exemplo,
revelam-nos o segredo de seu sucesso. Esse segredo
não envolve mensagens esotéricas nebulosas e impe-
netráveis. Pelo contrário, ele resulta de máximas sim-
páticas de uma simplicidade surpreendente do tipo:
“é preciso sempre correr atrás do seu sonho”; “seja
proativo e tome iniciativa”; “o futuro é daqueles que
correm riscos”; “é preciso ver o mundo com os olhos
de uma criança”; “coloque seu coração em seu traba-
lho”; “pense globalmente e aja localmente”; “o su-
cesso depende de 99% de transpiração e 1% de inspi-
ração”; etc.
De fato, os estudos de caso esboçam, sem artifícios
ou pesos conceituais, o retrato de um homem ou de
uma mulher bem-sucedidos na vida graças a receitas
bem simples. Trata-se de success stories nas quais he-
róis ou heroínas são indivíduos comuns que, seguin-
do simplesmente os grandes princípios da vida aces-
síveis a todos, obtêm resultados extraordinários.
A liderança examinada sob o prisma do sensacio-
nismo aparece como uma força natural, intrinsecamente
presente em cada indivíduo. Basta simplesmente ativá-
la adotando uma filosofia de vida positiva – isto é, ba-
seada em valores que promovem o ser humano –, de
transparência, de confiança, de diálogo, de escuta, de
equilíbrio, de qualidade, de superação, etc. Por mais
interessante que seja a descrição da liderança no para-
digma sensacionista, um perigo ronda os estudos que
lhe são aferentes. Por querer mostrar as confidências
dos grandes líderes damaneira mais fiel possível, os
autores de estudos de caso terminam no simplismo.
A transcrição das idéias expostas nas entrevistas
com os líderes revela-se, na maior parte do tempo,
uma realidade mais bela. As pessoas exibem uma ten-
dência natural de mostrar o que têm de melhor. Ope-
ra-se um tipo de maquiagem inconsciente de seu ser.
Elas amplificam suas qualidades e camuflam seus
defeitos. Geralmente, as pessoas confundem a reali-
dade com suas fantasias. Em vez de apreciar justa-
mente o que e são, orgulham-se da imagem que pro-
jetam para os outros. O orgulho é uma inclinação ti-
picamente humana. Assim, não é uma surpresa cons-
tatar sua presença nos líderes.
A revelação de si mesmo mostra-se ainda mais vai-
dosa quando acontece em um contexto organizacional.
Ora, a empresa tem horror do “qualquer”. É ruim para
o negócio. É preciso ser magnânimo, ter aparato, fausto,
suntuosidade e magia. Para desenvolver-se, a empresa
precisa de um passado glorioso, cheio de mitos, heróis
e façanhas. Os estudos de caso parecem-se, assim, com
um veículo promocional concebido para mostrar o va-
lor, a força e até mesmo a excelência da empresa aos
olhos alheios. Grande parte dos estudos de caso res-
tringe-se às estratégias de marketing. É comum censu-
rar, suavizar ou mesmo suprimir os depoimentos mais
reveladores da verdadeira natureza dos líderes da em-
presa. Esses depoimentos, obtidos off the record, são
carregados de significados e, por isso, potencialmente
ameaçadores para a imagem da empresa. E preferível,
portanto, calá-los.
Além disso, os autores que insistem em explorá-
los quase sempre não têm outras escolhas além da
de maquiar seu estudo de caso, isto é, de esconder a
identidade da empresa e dos protagonistas. Aliás,
esse tipo de estudo de caso informa mais sobre a
verdadeira natureza dos líderes. Descobrimos ho-
mens e mulheres verdadeiros, por serem desprovi-
dos dos andrajos da taumaturgia organizacional. Tra-
ta-se de pessoas normais, parecidas conosco. Elas
têm certamente qualidades, mas também possuem
defeitos e limites. Elas são simplesmente humanas.
As desventuras monopolistas de um Bill Gates di-
minuíram a apologia dos grandes líderes. A justiça
norte-americana e a concorrência atribuem o impul-
so fenomenal da Microsoft às práticas comerciais
desleais. De repente, os gigantes parecem menores.
As grandes visões não são tão distantes das rasteiras
tácitas e das tramóias.
NO PARADIGMA DOGMÁTICO,
SÃO AS PULSÕES DOS DIRIGENTES
QUE DETERMINAM A FORÇA E
O ESTILO DE SUA LIDERANÇA.
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O PARADIGMA DOGMÁTICO
O paradigma dogmático é resultado da conjugação
do modo intelectual de apreensão do real e do modo
subjetivo de avaliação da informação obtida. Esse pa-
radigma define a liderança como a expressão da psiquê
dos dirigentes. São as pulsões dos dirigentes que de-
terminam a força e o estilo de sua liderança. Já que a
atualização da liderança é resultado da dinâmica do
aparelho psíquico dos dirigentes, sua apreensão origi-
na-se no intelecto do pesquisador, sabendo-se de sua
capacidade, não de observar (modo sensorial), mas de
decodificar a existência de um modelo psíquico no qual
se baseiam tanto as atitudes quanto as abstenções dos
dirigentes (modo intelectual de apreensão do real). A
informação obtida é tratada em função da subjetivida-
de do pesquisador. Este recorre, de fato, a um processo
mental indutivo, isto é, ele estabelecerá generalizações
a partir de casos específicos. Não são os fatos que im-
portam aqui, mas a maneira de o pesquisador interpretá-
los. O trabalho analítico é realizado, na maior parte do
tempo, em uma base individual. Há mais do que a sub-
jetividade de um único pesquisador para tentar desco-
brir a origem das manifestações da liderança (modo
subjetivo de avaliação da informação obtida). Dessa
forma, a metodologia de pesquisa mais freqüentemen-
te utilizada nesse paradigma é o estudo interpretativo.
Trata-se de ensaios ou de estudos de caso que não só
descrevem os fatos e gestos dos líderes, mas também
tentam explicá-los em relação a um modelo de análise
psicanalítica. Encontramo-nos, aqui, na área da psico-
logia das profundidades.
Esse paradigma é chamado de dogmático porque
o instrumento de análise dos pesquisadores, a teoria
e/ou o método psicanalítico, envolve conceitos que
não satisfazem às exigências do método científico.
Geralmente, a cientificidade é operada segundo uma
trajetória independente do pesquisador e do objeto de
estudo (princípio da universalidade), a análise dos fe-
nômenos observáveis e medíveis (princípio da objeti-
vidade), a aceitação e favorecimento da crítica (princí-
pio de falsificabilidade) e o procedimento por etapas e
por comparações (princípio de probabilidade).
Ora, conceitos como o inconsciente, a libido, o com-
plexo de Édipo, o complexo de Electra, o complexo de
castração, o desejo do pênis, as pulsões de vida (Éros),
as pulsões de morte (Thanatos), a transferência, o bom
seio e o mau seio, as fases psicossexuais de desenvolvi-
mento, etc. não podem, por sua própria natureza, res-
peitar os grandes princípios do método científico. Os
pesquisadores seguidores de um modelo de análise psi-
canalítica devem, de qualquer maneira, fazer um ato de
fé. Esses pesquisadores aderem a uma escola que, em
vários aspectos, se parece mais com uma igreja. De fato,
a adesão por convicções íntimas não é nada estranha ao
caráter eclesiástico do movimento psicanalítico: este foi,
ao longo de sua história, o teatro de profundos cismas e
de recursivas excomunhões (Lobrot, 1996; Mendel,
1988; Ouimet, 1993).
As análises interpretativas, ao emprestarem a arma-
dura conceitual psicanalítica, propõem caminhos de re-
flexão interessantes no que diz respeito às motivações
profundas dos líderes. Elas são intelectualmente estimu-
lantes, pois garantem a explicação do comportamento
dos líderes ao isolar causas ocultas, imbricadas umas
nas outras, e formar um sistema complexo de investi-
mento pulsional. Os pioneiros em termos de aplicação
da psicanálise no estudo das organizações são, certamen-
te, Levinson (1972) e Zaleznik (1970). Seus trabalhos
permitiram maior esclarecimento acerca da influência
da vida psíquica dos dirigentes no desenvolvimento e
na orientação das organizações. Seguindo a mesma li-
nha, os trabalhos de Aubert e Gaulejac (1991), Kets de
Vries (1980, 1989), Kets de Vries e Miller (1984), Pagès
et al. (1979), e de Schwartz (1990) identificam os lon-
gínquos antecedentes psíquicos de certos comportamen-
tos – quase sempre bizarros – dos líderes.
As explicações apresentadas por esses estudiosos re-
metem sempre à primeira infância dos líderes estuda-
dos. É realmente nesse período da vida de uma pessoa
que as relações entre as diferentes instâncias psíquicas
(id, ego, alter ego e superego) se cristalizam na base
dos comportamentos humanos. Descobrindo a dinâmi-
ca psíquica de uma pessoa, é possível conhecer a natu-
reza – ou mais precisamente o grau de maturidade – de
seu ego (ego psicótico, neurótico ou anaclítico) e, por-
tanto, antecipar os mecanismos de defesa utilizados, na
maior parte do tempo, em um modo transferencial. Ge-
ralmente, as ações dos líderes são apenas a expressão de
mecanismos de defesa inconscientes de seu ego. Nisso
reside a importância de conhecer os componentes de seu
aparelho psíquico.
UMA SOFISTICAÇÃO EXACERBADA
DAS TEORIZAÇÕES REALIZADAS
NO PARADIGMA RACIONALISTA
CONDUZ AO INTELECTUALISMO;
UMA FRAGMENTAÇÃO EXAGERADA
DAS EXPERIMENTAÇÕES PRÓPRIAS
DO PARADIGMA EMPÍRICO
LEVA AO REDUCIONISMO.
As armadilhas dos paradigmas da liderança
RAE • v. 42 • n. 2 • Abr./Jun. 2002 15
Or
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es
Os autores apontam as causas dos comportamentos,
quase sempre imprevisíveis e desconcertantes dos líde-
res, que parecem, para muitos, antinômicas: elas são,
em um primeiro momento, fascinantes, porém, depois
da reflexão, revelam-se pouco convincentes. Tal con-
tradição causal origina-se do fato de que a explicação
avançada é, por um lado, articulada eplausível, mas,
por outro, restritiva demais em termos de feitos causa-
dores. Na verdade, a causalidade trata somente do ar-
ranjo, certamente complexo, de fatores relativamente
pouco numerosos. No máximo, seria até possível men-
cionar monocausalidade. Vários outros fatores, que não
pertencem unicamente ao passado longínquo dos líde-
res, mas, igualmente, à contemporaneidade da empresa,
participam do condicionamento de seu próprio estilo de
liderança. O fato de engajar-se resolutamente em um
dogmatismo – que decreta que tudo acontece antes da
idade de cinco anos – permeia a via do misticismo. As
pessoas devem crer nas explicações apresentadas, mes-
mo que elas não resistam à prova da razão. A fé nos
ensinamentos da psicanálise triunfou sobre a avaliação
de sua adequação.
Um exemplo de manifestação típica do misticismo
consta nos trabalhos de Kets de Vries e Miller (1984).
Eles postulam que os estilos neuróticos da empresa ori-
ginam-se fundamentalmente na personalidade do chefe
da empresa. Apesar da sábia advertência liminar dos
autores a respeito do fato de uma situação complexa (o
tipo de organização) poder ser produto de um único fa-
tor (o tipo de personalidade do dirigente), estabelecem
uma tipologia de cinco tipos de organização (os tipos
paranóico, compulsivo, teatral, depressivo e esquizóide)
que se remetem à essência da personalidade do dirigen-
te. Ora, uma empresa revela-se como um microcosmo
muito mais complexo. Sua natureza é o substrato de uma
constelação de fatores, que não dizem respeito, neces-
sariamente, a atributos intrínsecos dos atores presentes.
O estilo de liderança dos dirigentes não poderia limitar-
se à sua personalidade, por mais forte que ela seja. Um
líder não dirige dentro de um vácuo. Ele confronta-se
com uma multiplicidade de demandas e de obrigações
do ambiente. Além do mais, raros são os líderes que têm
a possibilidade de dirigir uma empresa sozinhos. Nas
organizações estruturadas como uma capitalização pú-
blica de seus ativos, os líderes são apenas instrumentos
da vontade dos acionistas.
Convém, então, considerar, na equação da causali-
dade das ações dos líderes, muitas variáveis como, por
exemplo: a natureza da propriedade, o feudo dos con-
sórcios, a saturação do mercado, a maturidade dos con-
sumidores, as pressões da concorrência, o ciclo de vida
do produto, o nível de evolução da tecnologia, a dispo-
nibilidade de recursos, o nível de esgotamento da natu-
reza, o posicionamento estratégico dos governos, etc. A
bagagem psíquica do dirigente é apenas um fator entre
tantos outros para interpretar seu estilo de liderança. Sua
capacidade explicativa revela-se um tanto quanto frágil
quando se trata de justificar a existência de transforma-
ções no estilo de liderança do dirigente. De fato, se a
psiquê, um dado estrutural fundamentalmente invariá-
vel – ao menos segundo o paradigma dogmático –, fos-
se a única variável determinante do estilo de liderança,
esta não deveria modificar-se a priori ao sabor dos so-
bressaltos do ambiente da empresa. Ao fazer-se da psiquê
do dirigente a variável cardinal na determinação do es-
tilo da liderança, torna-se excessivamente difícil expli-
car as bruscas e desconcertantes reviravoltas generali-
zadas dos atuais dirigentes, traduzindo-se em numero-
sas fusões, radicais reorganizações de trabalho e impor-
tantes redefinições de missões organizacionais. Se a
psiquê do dirigente é tão determinante, como explicar a
fraca distinção das empresas no estabelecimento e na
implantação de suas estratégias? Como explicar o de-
senvolvimento do oportunismo em curto prazo? Como
explicar que os inimigos de ontem tornam-se subitamente
os parceiros de amanhã? A cada semana, a mídia anun-
cia casamentos heteróclitos entre empresas que exibem
tradições e culturas antípodas. É preciso admitir que,
atualmente, pouquíssimos líderes distinguem-se por uma
visão pessoal do desenvolvimento. Boa parte deles se-
gue uma perspectiva de liderança de custos voltada para
o curto prazo por meio das economias de escala e do
posicionamento de dirigentes estratégicos no exterior.
CONCLUSÃO
Este estudo traz uma reflexão sobre o teor e a am-
plitude dos conhecimentos produzidos na área da li-
derança. Agrupados em quatro paradigmas, esses co-
nhecimentos auxiliam a compreensão de que a expres-
UMA REPRODUÇÃO FIEL E
INGÊNUA DAS DESCRIÇÕES DE VIDA
QUE ACONTECE NO PARADIGMA
SENSACIONISTA TERMINA EM
SIMPLISMO, E UMA ADESÃO
CEGA ÀS INTERPRETAÇÕES
SUBJETIVAS AFERENTES AO
PARADIGMA DOGMÁTICO ACABA
NO CAMINHO DO MISTICISMO.
16 RAE • v. 42 • n. 2 • Abr./Jun. 2002
Organizações
são “sucesso de liderança” requer uma planificação
racional da ação (paradigma racionalista), uma habi-
lidade para mobilizar as pessoas em torno de um pro-
jeto coletivo (paradigma empírico), um sistema de
valores que permita promover o essencial (paradigma
sensacionista) e uma energia psíquica que inicie a ação
das pessoas (paradigma dogmático).
Porém, quando esses conhecimentos não são abor-
dados em uma perspectiva de globalidade organizacio-
nal, o resultado é um certo empolgamento heurístico.
Os conhecimentos produzidos sofrem um refinamento
isolado em uma redoma. São explorados seguindo um
eixo vertical de aprofundamento intraparadigmático.
Não há uma implantação de lições interparadigmáticas
que possam oferecer uma concepção mais completa e
realista da liderança.
Convém lembrar que uma sofisticação exacerba-
da das teorizações realizadas no paradigma raciona-
lista conduz ao intelectualismo, que uma fragmenta-
ção exagerada das experimentações próprias do para-
digma empírico leva ao reducionismo, que uma re-
produção fiel e ingênua das descrições de vida que
acontecem no paradigma sensacionista terminam em
simplismo e que uma adesão cega às interpretações
subjetivas aferentes ao paradigma dogmático acaba
no caminho do misticismo. �
NOTA
O a u t o r a g r a d e c e a D é b o r a P i n h e i r o o
exce lente t raba lho de t radução deste ar t igo
e destaca a prec iosa co laboração de Eduardo
Davel , doutorando na HEC-Montrea l , durante
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o p r o c e s s o d e r e v i s ã o final da tradução, cujos
comentários judiciosos permitiram preservar as nuanças
do pensamento do autor. Finalmente, a tradução deste
artigo foi possível em virtude do importante auxílio
financeiro do Departamento de Pesquisa e do
Cen t ro de E s tudos em Admin i s t ra ção
Internacional (CETAI), ambos da HEC-Montreal.
O autor expressa-lhes toda sua gratidão.

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