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GESTÃO ESTRATÉGICA E INTELIGÊNCIA NA SEGURANÇA PRIVADA AULA 4 Prof. Sivanei de Almeida Gomes CONVERSA INICIAL A rota de aprendizagem da quarta aula da disciplina de Gestão Estratégica e Inteligência na Segurança Privada abordará os seguintes assuntos: Tema 1 – Metodologia da produção do conhecimento; Tema 2 – Planejamento; Tema 3 – Reunião de dados; Tema 4 – Processamento; Tema 5 – Formalização e difusão. TEMA 1 – METODOLOGIA DA PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO Para uma elaboração especializada de conhecimento, tanto no âmbito da inteligência estatal quanto na iniciativa privada, a doutrina recorre a pressupostos científicos previamente definidos, denominados Ciclo de Produção de Conhecimento (CPC). O CPC adota preceitos específicos para conhecimentos diferentes, por exemplo, a metodologia que permite a produção do conhecimento informe difere do conhecimento estimativa. A metodologia de produção de conhecimento abarca as seguintes fases: Planejamento; Reunião de dados e/ou conhecimentos; Processamento; Formalização e difusão; Arquivamento. É importante ressaltar que, embora as fases sigam uma sequência, elas não são estanques, isto é, elas se inter-relacionam e podem se desenvolver simultaneamente. Ressalta-se também que a metodologia ora apresentada admite pequenas variações e adequações, sendo salutar, aliás, que isso ocorra em virtude das variantes e características próprias de algumas atividades. 3 TEMA 2 – PLANEJAMENTO O planejamento tem por objetivo direcionar, organizar e racionalizar o trabalho do analista. Trata-se de uma fase indispensável, que trará reflexos diretos na qualidade do conhecimento produzido. No planejamento, o analista, após fazer uma breve análise acerca das necessidades do tomador de decisão e do contexto dentro do qual essas necessidades estão inseridas, deverá, de forma clara e objetiva, sistematizar o seu trabalho da seguinte forma: definir e delimitar o assunto que será estudado; delimitar a faixa de tempo; definir o usuário do conhecimento; determinar a finalidade do conhecimento; determinar o prazo disponível para a elaboração do trabalho; definir os aspectos essenciais acerca do assunto que será estudado; definir medidas extraordinárias; definir medidas de segurança. Para que não haja um descompasso entre o que a inteligência produzirá e aquilo de que o tomador de decisão precisa, é muito importante que a inteligência (chefe do setor ou próprio analista), ainda na fase do planejamento, converse com o tomador de decisão a fim de entender realmente quais são as suas preocupações e as suas reais necessidades. 2.1 Definição do assunto Consiste em determinar, por meio de uma expressão escrita, o fato ou situação que será estudado (exemplo: “reflexos da reforma trabalhista nos índices de produção mensal da empresa”). O analista, além de definir o assunto, deverá delimitar de forma clara e precisa sob quais aspectos e com que profundidade o fato ou situação deverá ser abordado, a fim de atender às necessidades de conhecimento do tomador de decisão. Para tal fim, aconselha-se que o analista desdobre o assunto em perguntas para as quais o tomador de decisão necessita de respostas. Isso 4 permitirá ao analista verificar, desde o início, se o seu trabalho estará completo e se realmente atenderá a todas as expectativas do usuário final. 2.2 Delimitação da faixa de tempo O analista deverá delimitar os limites temporais dentro dos quais a situação ou o fato será estudado. As perguntas formuladas na fase anterior, com base nas necessidades de conhecimento do usuário final, indicarão qual deverá ser a faixa de tempo considerada. 2.3 Definição do usuário do conhecimento Antes mesmo de iniciar seu trabalho, o analista deve visualizar, ao menos potencialmente, quem deverão ser as pessoas que virão a usar o conhecimento a ser produzido, bem como o nível decisório em que atuam. Este entendimento prévio permite, desde o início, que o analista ajuste a forma, a amplitude e a profundidade do produto final do seu trabalho ao perfil do tomador de decisão. 2.4 Determinação da finalidade do conhecimento Compreender para que o conhecimento será utilizado, ou seja, qual a sua finalidade específica, permite ao analista entregar produtos compatíveis com o nível decisório que pretende atender, adequando, aqui também, forma, amplitude e profundidade ao perfil e às necessidades específicas do tomador de decisão. 2.5 Determinação do prazo disponível para a elaboração do trabalho O tempo de elaboração do conhecimento deverá atender ao princípio da oportunidade, ou seja, o produto final deverá ser entregue ao tomador de decisão em prazo apropriado que lhe permita utilização. Dependendo da complexidade do assunto, nada impede que a inteligência converse com o usuário final a fim de verificar a possibilidade de dilação do prazo ou a readequação da amplitude e profundidade das suas necessidades de conhecimento, com vistas a compatibilizar o princípio da oportunidade com o princípio da eficiência. 5 2.6 Definição dos aspectos essenciais Em termos práticos, o analista deverá listar os aspectos ou aquilo que precisa conhecer e abordar para que possa responder às perguntas do tomador de decisão. Tal lista deve ser flexível, podendo sofrer ampliações ou restrições ao longo do estudo. Após listar os aspectos essenciais em relação ao assunto, o analista deverá verificar e separar os aspectos essenciais conhecidos dos aspectos essenciais a conhecer. Os aspectos essenciais conhecidos são aqueles para os quais já se tenha respostas antes do desencadeamento de qualquer medida voltada à reunião de dados. Nota-se que, neste ponto, o analista deve ter atenção e separar, entre os aspectos essenciais conhecidos, as respostas completas das incompletas e as que expressam certeza daquelas que expressam opinião ou dúvida. Os aspectos essenciais a conhecer, por sua vez, são aqueles para os quais o analista não tenha qualquer resposta, bem como aqueles que ainda precisam de confirmação ou complementação. A verificação e a separação dos aspectos essenciais em aspectos essenciais conhecidos e aspectos essenciais a conhecer torna-se imprescindível para orientar a fase de reunião, garantindo-lhe precisão, simplicidade, agilidade e objetividade. 2.7 Definição de medidas extraordinárias Consiste em identificar medidas indispensáveis à produção do conhecimento que extrapolem a capacidade e/ou os recursos normais do setor de inteligência da empresa. Dependendo da complexidade do assunto a ser estudado e das necessidades de conhecimento do tomador de decisão, a elaboração do trabalho poderá demandar medidas, adoção de técnicas ou procedimentos especiais, como pesquisa de opinião, contratação de especialistas etc. 6 2.8 Definição das medidas de segurança Já no planejamento, o analista deverá identificar e prever quais as medidas de segurança necessárias para proteger as ações que compreendem todo o processo de produção do conhecimento, levando-se em consideração a sensibilidade do assunto tratado e os possíveis impactos de um eventual vazamento sobre os ativos estratégicos da empresa no ambiente interno e externo. TEMA 3 – REUNIÃO DE DADOS Nesta fase o analista realizará um trabalho direcionado a coletar e/ou buscar os dados para lastrear a produção do conhecimento demandado e atender o tomador de decisão. Aquise consultarão as bases de dados disponíveis, fonte humanas, arquivos, internet, e, se necessário, demandará também os órgãos congêneres. Caso o analista precise de algum dado protegido (negado) poderá demandar ainda o Elemento de Operações (ELO) para auxiliar na busca de tal dado negado. Nota-se que a reunião (e a seleção das fontes de inteligência) deverá tomar por base a relação de aspectos essenciais levantados no planejamento. É importantíssimo ressaltar, ainda, que a qualidade do conhecimento produzido pelo analista de inteligência é diretamente proporcional à qualidade e a precisão dos dados obtidos na fase de reunião, motivo pelo qual uma empresa não pode prescindir de recursos e tecnologias voltados para as atividades especializadas de coleta e busca de dados. TEMA 4 – PROCESSAMENTO A fase do processamento compreende exatamente a fase intelectual do processo de elaboração do conhecimento de inteligência. Nela, o analista deverá passar por quatro etapas, sendo elas: Avaliação; Análise; Integração; Interpretação. 7 4.1 Etapa da avaliação Nesta etapa, cabe ao analista, considerando os objetivos específicos do estudo, determinar o valor dos dados e conhecimentos obtidos na fase da reunião, isto é, deverá avaliar a pertinência e a credibilidade de cada dado ou conhecimento que pretende utilizar no seu trabalho. Para se aferir a pertinência, o analista deve verificar se o dado ou conhecimento realmente possui alguma relação com os aspectos do assunto estudado, valendo lembrar que um dado ou conhecimento pode interessar no todo ou somente em parte. Interessando em parte, deve-se, então, separar as frações significativas, pois apenas estas deverão ser consideradas na continuidade do trabalho. Para aferição da credibilidade do dado ou conhecimento, o analista deverá utilizar-se de uma técnica específica de avaliação de dados, que lhe permitirá avaliar a idoneidade da fonte e a veracidade do conteúdo. 4.1.1 Técnica de avaliação de dados: avaliação da fonte A avaliação da fonte tem por objetivo estabelecer o grau de idoneidade da fonte, a partir da análise de três critérios: Autenticidade; Confiança; Competência. A autenticidade consiste em verificar se o dado realmente provém da fonte que se apresenta ou daquela que se presume. Analisando indícios e peculiaridades do caso, deve-se diferenciar a fonte do mero canal de transmissão (intermediário). Quando a recepção do dado se der por meio de um intermediário, qualquer que seja ele, o analista deverá julgar não só a credibilidade da fonte primária (origem), mas também a credibilidade do canal de transmissão, a fim de conferir maior credibilidade à sua avaliação. A confiança será determinada avaliando-se o grau de envolvimento da fonte com o assunto tratado, qual o interesse da fonte em fornecer o dado, seus antecedentes criminais, sua lealdade, sua honestidade, suas inclinações políticas, qual o resultado de contribuições anteriores, seu padrão de vida e seu comportamento social. 8 A competência consiste em verificar se as condições, capacidades e habilidades pessoais da fonte e a sua localização realmente lhe permitem, por si só, perceber, memorizar, apreender e transmitir os dados da forma em que se apresentam. O grau de idoneidade de cada uma das fontes será expresso por letras do alfabeto, segundo os seguintes critérios: “A” = fonte idônea – aquela que sempre atendeu positivamente a todos os critérios considerados; “B” = fonte normalmente idônea – aquela que apenas poucas vezes deixou de atender os critérios considerados; “C” = fonte normalmente inidônea – aquela que na maioria das oportunidades não atendeu os critérios considerados; “D” = fonte inidônea – a que não atende nenhum dos três critérios considerados; “E” = fonte não pode ser avaliada – fonte desconhecida ou sobre a qual ainda não se possui informações suficientes para avaliação. 4.1.2 Técnica de avaliação de dados: avaliação do conteúdo A avaliação do conteúdo tem por objetivo estabelecer o grau de veracidade do conteúdo do dado ou conhecimento. Para tanto, três aspectos deverão ser analisados, sendo eles: Coerência; Compatibilidade; Semelhança. O dado é coerente quando apresenta harmonia interna, isto é, mostra- se bem encadeado, cronologicamente ordenado e sem contradições entre as partes que o compõem. Para se verificar a coerência analisa-se o dado isolado, ou seja, confrontam-se, apenas, as partes que formam o próprio dado que está sendo avaliado. O analista olha apenas para “dentro” do dado. Na avaliação da compatibilidade o analista deverá olhar para fora, a fim de verificar se o dado é compatível com aquilo que já se sabe sobre o assunto estudado. O foco aqui é verificar se o dado se harmoniza com outros fatos ou situações já conhecidos a respeito do objeto de estudo. 9 Haverá semelhança quando o dado for confirmado por outras fontes, ou seja, existem dados de outras fontes com o mesmo conteúdo do dado que está sendo avaliado. O grau de veracidade do conteúdo será expresso por números, conforme o critério a seguir: “1” = verdadeiro – o dado é coerente, compatível e confirmado por outras fontes. “2” = provavelmente verdadeiro – embora coerente e compatível, o dado não foi confirmado por outras fontes. “3” = duvidoso – o dado é coerente, apenas parcialmente compatível com o que já se conhece sobre o assunto e não foi confirmado por outras fontes. “4” = improvável – embora coerente, o dado não é compatível e não foi confirmado por outras fontes. “5” = a veracidade não pode ser avaliada – o dado não é coerente, não é compatível e não foi confirmado por outras fontes. 4.2 Etapa da análise Nesta etapa o analista de inteligência deverá classificar os dados já avaliados segundo seu grau de importância em relação ao assunto estudado, bem como separá-los em três blocos: os que expressam certeza, os que expressam opinião e os que expressam dúvida. Deverá verificar, ainda, se a quantidade e a qualidade dos dados que possui são realmente suficientes para atender a todos os aspectos listados como essenciais, na extensão e profundidade necessária para atender às expectativas do tomador de decisão. 4.3 Etapa da integração Na fase da integração, o analista, tomando por base os aspectos essenciais listados no planejamento, organiza e dá encadeamento lógico àquela massa de dados que se encontram ainda dispersos, de tal sorte que as frações isoladas passem a compor um conjunto coerente e ordenado que, de forma harmônica, seja capaz de responder a todas as perguntas do tomador de decisão. 10 4.4 Etapa da interpretação Na interpretação, o analista deverá identificar e avaliar as ligações existentes entre os dados, as relações de causa e feito, os graus de motricidade e dependência de um dado em relação aos outros, bem como encontrar padrões e apontar tendências, a fim de esclarecer as particularidades e preencher as lacunas relacionadas aos aspectos essenciais do assunto estudado, conforme o tipo e as características do conhecimento que será produzido. Na fase da interpretação, deve-se procurar entender, a partir de um ponto no passado, como determinado fato chegou à situação em que se encontra hoje e quais foram os fatores de influência que modelaram a realidade atual ou interferiram nesse processo evolutivo. Com relação ao estudo dos fatores de influência, o analista deve adequar a sua interpretação a respeito do assunto levando em consideração que poderãoexistir quatro tipos diferentes de fatores de influência, quais sejam: Fatores de influência que contribuíram para modelar a trajetória da situação, mas que não mais possuem potencialidade para continuar a influenciá-la no futuro; Fatores de influência que contribuíram para modelar a trajetória da situação, e que continuam a possuir potencialidade para continuar influenciando a situação no futuro; Fatores de influência que, embora não tenham ainda se apresentado, deverão influenciar a situação no futuro (fatores de influência inferidos); Fatores de influência que foram impostos pelo tomador de decisão e que ele quer que sejam considerados durante o processo interpretativo. Com intuito de embasar e reforçar suas conclusões, os analistas não só podem como devem se utilizar, no momento da interpretação, de técnicas estruturadas de análise, como brainstorming, construção de matrizes de impactos cruzados, entre outras. 11 4.5 Fase de avaliação da satisfatividade Nesta etapa deve-se avaliar (antecipadamente) o grau de satisfatividade do usuário final, ou seja, deve-se buscar um feedback do tomador de decisão para saber o quanto o conhecimento final realmente lhe foi útil. Na prática, deve-se elaborar um relatório preliminar (rascunho) que será apresentado e discutido com o usuário final em uma reunião presencial, a fim de que ele avalie se o documento que a inteligência está pretendendo lhe entregar atende a todas as suas necessidades de conhecimento. Esta é oportunidade que a inteligência tem de corrigir um eventual descompasso entre o trabalho realizado e as expectativas do tomador de decisão, ou seja, é o momento do ajuste fino, onde se deve verificar com o usuário final se todos os aspectos do assunto de interesse foram abordados da forma e com a profundidade que ele esperava. Acertados os detalhes entre a inteligência e o usuário final, aí sim parte- se para a elaboração do documento final e definitivo que será formalmente difundido. TEMA 5 – FORMALIZAÇÃO E DIFUSÃO Nesta fase se define a forma como o conhecimento será apresentado e veiculado, bem como qual será o grau de sigilo a ele atribuído. Normalmente, os conhecimentos de inteligência são veiculados através de relatórios de inteligência, mas nada impede que sejam difundidos por meio de uma apresentação oral. Cada tomador de decisão possui suas características e preferências pessoais. Uns preferem visualizar os assuntos por meio de um texto escrito, outros preferem visualizá-los em gráficos e tabelas e outros em mapas. Uns têm tempo para ler, outros nem tanto, e por aí vai. NA PRÁTICA Aqui trataremos da produção do conhecimento informe, tomando por base uma nova modalidade de transporte de drogas utilizada por traficantes para tentar ludibriar a ação da polícia. 12 FINALIZANDO Nesta quarta aula fizemos uma rápida explanação sobre a metodologia de produção de conhecimento, destacando as suas fases e deixando latente que não estamos diante de um processo estanque, pois, apesar da divisão em fases, elas podem acontecer de forma simultânea. 13 REFERÊNCIAS BRASIL. Secretaria Nacional de Segurança Pública. Curso de Introdução à Atividade de Inteligência. 2015 ROCKEMBACH, S. J. Fundamentos doutrinários da inteligência na segurança privada. 2017.