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Rafael de Lazari Teoria Geral dos Direitos Fundamentais JU R 0 21 1_ v1 .0 O estudo da teoria geral dos direitos fundamentais representa o susten- táculo filosófico, político e histórico dos direitos fundamentais em espécie. Para que se compreenda, num primeiro exemplo, o motivo pelo qual os direitos e deveres individuais e coletivos consistem, essencialmente e por posição tradicional, em matérias de defesa do cidadão contra o Estado, ou, noutro exemplo, porque os direitos fundamentais sofreram processo de modificação em sua matriz de incidência para albergar, também, aquelas relações apenas entre particulares (eficácias horizontal e diagonal), urge que se estude a teoria geral, a fim de melhorar a sistematização dos argu- mentos quando da análise dos direitos em espécie. Para cada espécie de direito fundamental, portanto, é fundamental que haja uma conjugação com as premissas que são a seguir dispostas. Desta forma, este material foi dividido em quatro partes, que necessitam de compreensão conjugada (convém desde já frisar): na parte I, o processo evolutivo histórico e filosófico dos direitos fundamentais (pelos prismas do constitucionalismo, dos direitos humanos, e do próprio direito consti- tucional brasileiro); na parte II, as características dos direitos fundamen- tais (e as decorrências práticas de tais adjetivações) e suas dimensões; na parte III, alguns atributos dos direitos fundamentais (como a classificação de Jellinek, a classificação do caso Lüth, e as eficácias vertical, horizontal e diagonal de direitos fundamentais); na parte IV, por fim, as limitações em sede de direitos fundamentais (e os critérios para que elas ocorram). Espera-se do leitor um grande aproveitamento do contido neste mate- rial, o qual foi preparado com bastante atenção. Cada aula tem questões com gabarito, sugestões de atividades reflexivas, glossário, pontuações, bibliografia indicada e leituras complementares. O desejo de uma boa leitura é sincero! Apresentação da disciplina 2018 Editora e Distribuidora Educacional S.A. Avenida Paris, 675 – Parque Residencial João Piza CEP: 86041-100 — Londrina — PR e-mail: editora.educacional@kroton.com.br Homepage: http://www.kroton.com.br/ Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Lazari, Rafael L431t Teoria geral dos direitos fundamentais / Rafael Lazari. – Londrina : Editora e Distribuidora Educacional S.A., 2018. 69 p. ISBN 978-85-522-0590-6 1. Constitucional. 2. Direitos fundamentais - teoria geral. I. Lazari, Rafel. II. Título. CDD 340 Responsável pela ficha catalográfica: Thamiris Mantovani CRB: 8/9491 Presidente Rodrigo Galindo Vice-Presidente de Pós-Graduação e Educação Continuada Paulo de Tarso Pires de Moraes Conselho Acadêmico Carlos Roberto Pagani Junior Camila Braga de Oliveira Higa Carolina Yaly Danielle Leite de Lemos Oliveira Juliana Caramigo Gennarini Mariana Ricken Barbosa Priscila Pereira Silva Coordenador Juliana Caramigo Gennarini Revisor Juliana Caramigo Gennarini Editorial Alessandra Cristina Fahl Daniella Fernandes Hazure Manta Flávia Mello Magrini Leonardo Ramos de Oliveira Campanini Mariana de Campos Barroso Paola Andressa Machado Leal © 2018 por Editora e Distribuidora Educacional S.A. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito, da Editora e Distribuidora Educacional S.A. mailto:editora.educacional@kroton.com.br http://www.kroton.com.br/ Sumário TEMA 1 Teoria geral dos direitos fundamentais, parte I 05 TEMA 2 Teoria geral dos direitos fundamentais, parte II 23 TEMA 3 Teoria geral dos direitos fundamentais, parte III 43 TEMA 4 Teoria geral dos direitos fundamentais, parte IV 57 Teoria geral dos direitos fundamentais, parte I 1 6 Objetivos • Discorrer sobre o processo evolutivo histórico e filosófico dos direitos fundamentais, pelos pris- mas do constitucionalismo, dos direitos humanos, e do próprio direito constitucional brasileiro. • Apresentar ao aluno justificativas contextuais do atual “estado de coisas” em sede de direitos fundamentais (para muito além de saber “o quê são” os direitos fundamentais, implica saber “para que servem” os direitos fundamentais). • Chamar o aluno à reflexão do processo evolutivo constitucional brasileiro. Introdução Não mais deve subsistir o pensamento retrógrado de que a ciência constitucional representa dis- ciplina apartada da realidade, restrita a meras aspirações teóricas ou às cátedras jurídicas. O direito constitucional representa atualmente, isso sim, a materialização de preceitos fundamentais, dada a condição de norma vinculadora atribuída à Constituição Federal, bem como a tomada de consciência de que agentes públicos e privados não são apenas destinatários de direitos, mas também sujeitos obrigados ao seu cumprimento. Essa conquista do direito constitucional, que o alça à posição contemporânea de disciplina-matriz para todas as demais que compõem um ordenamento jurídico que se preze democrático, não se deu de forma desgarrada de um processo evolutivo histórico e filosófico. Aqui, por recorte metodológico, somente se analisa este processo evolutivo pelo prisma da teoria geral dos direitos fundamentais: como denominadores comuns, a análise do fenômeno constitucionalista e dos direitos humanos (em primeiro aspecto), e a evolução pela ótica das Constituições brasileiras (em segundo aspecto). 7 1. A evolução dos direitos fundamentais pela ótica do constitucionalismo e dos direitos humanos Como força reativa equivalente aos movimentos absolutistas do período medieval, e como embrio- nário da concretização futura dos Estados Nacionais, o constitucionalismo surgiu em oposição ao caráter divino e/ou imperativo do monarca, num tentame de impor limitação ao poder e seus des- dobramentos negativos, como o autoritarismo e a censura. Ademais, cronologicamente, o mesmo Estado que hoje consagra direitos, sempre os suprimiu (aliás, em uma primeira concepção de Estado, não havia se falar em consagração, mas apenas em omissão de direitos). Isso importa dizer que o constitucionalismo é uma construção da contempora- neidade com aplicação retroativa para fins históricos. Sequer era possível conceber um movimento constitucionalista se nem ao menos respeito adequado se dava às Constituições e estruturas hoje tipicamente constitucionais. Daí vem a paradoxalidade do movimento constitucionalista. De toda maneira, o que é inegável é que foi justamente para evitar esse cenário de desprote- ção que o constitucionalismo erigiu-se como salvaguarda dos direitos e garantias fundamentais, da organização do Estado e da organização de mais de um Poder como forma de desconcentrá-lo da mão de um único agente/órgão/instituição. 8 2. Teoria geral dos direitos fundamentais pelas fases do constitucionalismo e pela evolução dos direitos humanos Nos tópicos que seguem, há que se tecer breves notas acerca do constitucionalismo antigo, do constitucionalismo clássico, do constitucionalismo moderno e do constitucionalismo contemporâneo: a) CONSTITUCIONALISMO ANTIGO: apesar da difícil verificação prática, de início tem-se o cons- titucionalismo antigo de primeira fase, identificado por Karl Loewenstein entre os hebreus e nas Cidades-Estado gregas. Segundo o autor, vivia-se à égide da autoridade divina, e os direi- tos (predominantemente não escritos) sofriam nítida influência da religião, com as determi- nações tomadas pelos líderes dos clãs ou grupos familiares (muito embora se devareconhe- cer embrionariamente o início do fenômeno da racionalização do poder nas Cidades-Estado gregas). Se fala em “difícil verificação prática”, pois no constitucionalismo antigo de primeira fase a limitação do poder não era feita pelo interesse coletivo, mas pela sobrenaturalidade das crenças e cultos. Mas, na forma mais robusta e nos moldes primários do que se vive hoje, em segunda fase (constitucionalismo antigo de segunda fase) o constitucionalismo somente ganhou força na Idade Média, com a Magna Carta de 1215, e, já na Idade Moderna, com a Petition of Rights de 1628, o Habeas Corpus Act de 1679, o Bill of Rights de 1689, e o Act of Settlement de 1701 (vide mais questões sobre estes documentos no glossário desta aula). A importância do período consiste nas primeiras Cartas escritas e nos primeiros resquícios de proteção de direitos individuais. O contexto, pois, desenvolveu-se de modo absolutamente favorável aos primeiros escritos uniformes hoje usualmente designados por Constituições; 9 b) CONSTITUCIONALISMO CLÁSSICO: posteriormente ao constitucionalismo antigo, tem-se o constitucionalismo clássico (ou liberal), que se inicia com a Constituição dos Estados Unidos da América, em 1787, e com a Constituição Francesa de 1791 (esta última durou apenas dois anos e teve como preâmbulo a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789 - influência do direito constitucional nos direitos humanos). Apesar de ocorrerem quase simultaneamente, os constitucionalismos francês e norte-ameri- cano têm contextos distintos: nos EUA, se tratava de assegurar a independência completa em relação à Coroa Britânica, bem como a consolidação de uma união de Estados outrora inde- pendentes; na França, se tratava de quebrar uma tradição monárquica histórica que produzia grandes discrepâncias sociais. Em comum, apenas a ideia de limitação de poder. Neste período inaugura-se a característica da rigidez constitucional e é justamente nesta etapa de constitucionalismo rígido que surge a ideia de supremacia formal da Constituição, o que desencadeia, por consequência, o controle de constitucionalidade, surgido em 1803, pela via difusa, no famoso caso Marbury vs. Madison. Além disso, juntamente com a já propalada ideia de supremacia constitucional, vem a atribuição ao Poder Judiciário de assegurá-la. Por fim, é dentro do constitucionalismo liberal que surge a primeira dimensão de direitos fun- damentais (valor liberdade), trabalhada pelo jurista tcheco-francês Karel Vazak; c) CONSTITUCIONALISMO MODERNO: no período pós-Primeira Grande Guerra inicia-se a etapa mais curta - porém, não sem menor importância - do movimento constitucionalista, a saber, o constitucionalismo moderno (ou social). Com efeito, o liberalismo burguês cômodo, não intervencionista e exclusivista se revelou improfícuo em face das demandas sociais do período, o que levou à bancarrota o Estado Gendarme (não interventor) e o constitucionalismo de influência liberal, clarificando-se a necessidade de uma onipresença estatal na vida cotidiana. Vale lembrar que a Europa estava devastada por um primeiro conflito de caráter mundial, havia feridas não cicatrizadas materia- lizadas pela “paz aparente” do Tratado de Versalhes, e, principalmente, o socialismo “soprava do vento leste”. 10 Entre os documentos nacionais relevantes que merecem menção nesta fase constitucionalista destacam-se a Constituição do México de 1917 e a Constituição alemã de Weimar de 1919. A Constituição do México de 1917 foi a primeira Constituição social, mas a que teve maior reper- cussão em termos globais foi a segunda, a Constituição alemã de Weimar, de 1919. Vale lem- brar que a Constituição de Weimar, quando instituiu o Estado Social, deu nova faceta ao regime democrático alemão, a qual permitiu que nos anos seguintes ascendesse o regime totalitário. É neste período que surge o positivismo jurídico, em substituição ao jusnaturalismo do perí- odo anterior, separando direito e moral. Por fim, é durante o constitucionalismo social que surge a segunda dimensão de direitos fundamentais, predominantemente individual, ligada à igualdade, bem como as chamadas garantias institucionais, destinadas à proteção das insti- tuições democráticas componentes da organização estatal; d) CONSTITUCIONALISMO CONTEMPORÂNEO (neoconstitucionalismo): como dito alhures, o constitucionalismo moderno pouco durou, pois entre o final da década de 1930 e o primeiro lustro dos anos 1940, a ascensão das “ditaduras aparentemente democráticas” nazifascistas mergulhou o mundo em outra Grande Guerra. Ao seu fim, surge o constitucionalismo contem- porâneo (ou neoconstitucionalismo, ou, ainda, pós-positivismo), que perdura até hoje. Os graves eventos que ocorreram durante a guerra, baseados no ideário positivista, nota- damente o extermínio de milhões de civis, numa ideologia antissemita positivada no ordena- mento do país que determinava tais atos, fez com que este arcabouço teórico caísse por terra. Passou a ser necessário o resgate do conteúdo moral no direito, deixando claro que existem direitos inerentes ao homem que não podem ser violados (pressupostos da lei natural). É aqui que o discurso começa a ser no sentido de superar a dicotomia entre direito natural e direito positivo, equacionando os valores justiça e segurança jurídica. É nesta fase, também, que surge a terceira dimensão de direitos fundamentais, ligada à fra- ternidade (predominantemente coletiva), e o Estado democrático de direito. Ademais, é neste período que se começa a falar em constitucionalização do direito, com a solidificação da ideia de superioridade constitucional e os desdobramentos deste fenômeno, como a filtragem consti- tucional, a eficácia horizontal dos direitos fundamentais e o fortalecimento do Poder Judiciário. 11 3. Teoria geral dos direitos fundamentais no constitucionalismo brasileiro A história constitucional no Brasil começou tardiamente se comparada ao restante do mundo. Vejamos, no mais, as principais nuanças marcantes das Constituições brasileiras anteriores a 1988: a) CONSTITUIÇÃO DE 1824: trata-se de Constituição que assegurou o Brasil como nação inde- pendente, já que tal feito havia acontecido muito recentemente, aos sete de setembro de 1822. Tal Lei Fundamental foi outorgada por um Conselho de Estado em 25 de março de 1824 (após a Assembleia Geral Constituinte convocada em 1823 ter sido dissolvida pelo imperador por seus “ideais liberais”), e tinha como principal característica a figura do Poder Moderador como quarto poder, exercido pelo Imperador como forma de controle aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Adotou-se um governo monárquico, hereditário, constitucional e representativo. Adotava a religião católica apostólica romana como a oficial do império (Estado não laico), muito embora admitisse todas as outras religiões com seu culto doméstico ou particular em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior do templo (art. 5º - liberdade religiosa). Tal condição se estendeu até o advento do Decreto nº 119-A, de 7 de janeiro de 1890, que proi- biu a intervenção da autoridade federal e dos Estados federados em matéria religiosa, consa- grando a plena liberdade de culto. Sofreu forte influência da Constituição francesa de 1814. Trouxe a forma unitária de Estado, de modo que as antigas Capitanias Hereditárias foram transformadas em províncias (as quais poderiam ser subdivididas). Era semirrígida, consoante seu art. 178, pelo qual somente seria constitucional o que dizia respeito a limites, atribuições dos poderes políticos, bem como direitos políticos e individu- ais dos cidadãos. O que não fosse constitucional poderia ser alterado por procedimento de lei ordinária. 12 Alguns direitos fundamentais nela contidos: “nenhum cidadão pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei” (art. 179, I); “nenhuma lei seráestabelecida sem utilidade pública” (art. 179, II); “desde já ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as demais penas cruéis” (art. 179, XIX); “as cadeias serão seguras, limpas e bem arejadas, havendo diversas casas para separação dos réus, conforme suas circunstâncias e natureza de seus crimes” (art. 179, XXI); b) CONSTITUIÇÃO DE 1891: com a proclamação da República em 15 de novembro de 1889 e a deposição de Dom Pedro II, ficou insustentável a existência de uma Constituição Imperial, de modo que, aos 24 de fevereiro de 1891, o Brasil conheceu sua primeira Constituição Republicana. Todas as Constituições brasileiras foram republicanas desde então. Desde tal Constituição, também, adota-se o modelo federativo, de modo que as antigas províncias exis- tentes no Império foram convertidas em Estados. Promulgada, sofreu forte influência da Constituição norte-americana de 1787. Trouxe o con- trole difuso de constitucionalidade, bem como constitucionalizou pela primeira vez a garantia do habeas corpus. Também falou no direito de propriedade e a possibilidade de desapropria- ção por necessidade ou utilidade pública; c) CONSTITUIÇÃO DE 1934: a grande crise econômica norte-americana de 1929 trouxe reflexos para todo o mundo, inclusive para o Brasil, tornando a Carta Magna de 1891 insuficiente para a nova ordem política e social que se apresentava. Ademais, com a chegada de Getúlio Vargas ao poder, a Constituição de 1891 ficou sus- pensa, e o país ficou sendo governado “por decreto”. Explica-se: de 1930 a 1934 (Decreto nº 19.398/1930), o país ficou nas mãos de um “Governo Provisório” até que fosse eleita consti- tuinte e se reorganizasse o país. Este “governo por decreto”, inclusive, é um dos motivos da Revolução Constitucionalista de 1932. Com grande influência da Carta alemã de Weimar, de 1919, tal Constituição tinha grande conotação social, tendo durado muito pouco, mais especificamente até 1937, quando Vargas implantou o Estado Novo. 13 Como principais conquistas se pode mencionar o mandado de segurança e a ação popu- lar. Por fim, trouxe para seu bojo o voto feminino e a Justiça Eleitoral, conquistas alcançadas pouco antes, em 1932, pelo Código Eleitoral (Decreto nº 21.076) daquele ano; d) CONSTITUIÇÃO DE 1937: apelidada de “Constituição Polaca”, graças à forte influência que sofreu da Constituição Polonesa ditatorial de 1935, a Lei Maior de 1937 teve em Getúlio Vargas seu grande entusiasta, ao adotar medi- das de combate ao comunismo que supostamente “assolava o país”. Perdeu sua razão de ser quando o Brasil declarou guerra à Alemanha e à Itália, nações fascistas, na Segunda Guerra Mundial. Foi uma Constituição supressora de direi- tos (por exemplo, retirou as garan- tias do mandado de segurança e da ação popular consagradas em 1934, e que somente vieram a ser reinsti- tuídas em 1946, com uma nova Lei Fundamental); e) CONSTITUIÇÃO DE 1946: se um Estado totalitário vigia no Brasil desde 1930, a Constituição de 1946 restabeleceu o regime democrático. Tal Constituição é conhecida por ser uma grande consagradora de direitos fundamentais e foi promul- gada em 18 de setembro de 1946. Consolidou o fim do Estado Novo, de Vargas, que durou de 1937 a 1945. Para saber mais Por que o constitucionalismo brasileiro começa tão tardiamente, se comparado ao restante do mundo? Isso se deve, em grande parte, à posição colonial do país (assim como ocorreu na América Latina de maneira geral) em relação às metrópoles europeias. Frisa-se, contudo, que tal posição - colonial - não pode servir, por si só, como “desculpa” para um processo de constitucionalização tardia do país, afinal, os Estados Unidos da América também mantinham essa condição e contra ela lutaram até que conseguissem a paradigmática Constituição de 1787, vigente até hoje e vista como disparo para o movimento constitucionalista no mundo todo. O que se tem, em verdade, é um processo de sufocação da influência da colônia brasileira em relação ao mundo (isto não ocorreu com os Estados Unidos) que acabou por retardar os primeiros aportes por um movimento constitucionalista brasileiro até, pelo menos, a primeira década dos anos 1800. Com a transferência da Família Real Portuguesa para o Brasil, em 1808, decorrente da invasão do reino português pela França de Napoleão Bonaparte, os olhos dos iluministas se voltaram, enfim, para o Brasil, restando inevitável que o país passasse a ter clamores por um processo de independência e consequente Constituição própria. Você pode encontrar interessante artigo do Prof. Miguel Reale sobre momentos decisivos do constitucionalismo brasileiro no seguinte link: <https://bit.ly/2jwQXH9>. (REALE, Miguel. Momentos Decisivos do Constitucionalismo Brasileiro. In: Revista de Informação Legislativa do Senado, v. 20, n. 77, p. 57-68, jan-mar/1983. Acesso em:11 fev. 2018). https://bit.ly/2jwQXH9 14 Como principal inovação, se trouxe a competência do Supremo Tribunal Federal (pela EC nº 16/1965) para apreciar a representação contra a inconstitucionalidade de lei ou ato de natureza norma- tiva, federal ou estadual, encami- nhada pelo Procurador-Geral da República (controle concentrado de constitucionalidade); f) CONSTITUIÇÃO DE 1967 (MAIS EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 1, DE 1969): a Constituição de 1967 (24 de janeiro, com entrada em vigor no dia 15 de março) somente institucionalizou a nova ordem vigente desde 1964, com a tomada do poder pelos militares (o chamado regime militar-civil/regime ditatorial). Sua vigên- cia, bem como sua reforma em 1969 pela EC nº 1 (em cerca de 80% de seu texto), somente demonstra a ausência de garantias democráticas no país, fenômeno comprovado pelos atos institucionais que mantiveram a nação privada de seus direitos fundamentais até o pleno res- tabelecimento da democracia. Nesse período, tem-se a edição de atos institucionais, dentre os quais se destaca o de nº 5/1968, segundo o qual, dentre outros, o Presidente da República poderia decretar o recesso do Congresso, das Assembleias Legislativas e das Câmaras de Vereadores; decreto de inter- venção nos Estados e Municípios feito pelo Presidente; excluiu-se da apreciação judicial tudo o que fosse praticado conforme o ato institucional em comento; foram suspensas as garantias de inamovibilidade, estabilidade e vitaliciedade. Para saber mais A Constituição Imperial de 1824 (primeira Constituição pátria) era imutável? Em verdade, a primeira Constituição pátria era transitoriamente imutável, pois previa prazo em que não seria passível de alteração: por seu art. 174, somente se poderia alterá-la depois de passados quatro anos de sua vigência. Você pode ter acesso a esta Constituição no seguinte link: <https://bit. ly/2dmEhCX>. (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA: Casa Civil: Subchefia para assuntos jurídicos. Constituição Política do Império do Brazil. Acesso em: 11 fev. 2018). https://bit.ly/2dmEhCX https://bit.ly/2dmEhCX 15 Vamos pensar Propõe-se, como atividade de maior aprofundamento pelo aluno, a elaboração de texto que rela- cione a importância da história dos direitos fundamentais para a história do mundo ocidental em si. Dica: o aluno verá como a ciência constitucional sempre acompanhou e ajudou a revolucionar as concepções sociais, filosóficas, políticas e ideológicas de mundo. Pontuando • O constitucionalismo erigiu-se como salvaguarda dos direitos e garantias fundamentais, da organização do Estado e da organização de mais de um Poder como forma de desconcentrá-lo da mão de um único agente/órgão/instituição. Para saber mais Qual a diferença do Estado Democrático de Direito (Estado Constitucional) para o Estado de Direito? Como bem lembrado por José Joaquim Gomes Canotilho, o Estado Constitucional é “mais” do que Estado de Direito. O elemento democrático não foi apenas introduzido para “travar” o poder (to check the power); foi tambémreclamado pela necessidade de legitimação do mesmo poder (to legitimize State power). Para o autor português, caso se queira falar em um Estado Constitucional assentado em fundamentos não metafísicos, é preciso distinguir claramente duas coisas: uma é a da legitimidade do direito, dos direitos fundamentais e do processo de legislação no sistema jurídico; outra é a da legitimidade de uma ordem de domínio e da legitimação do exercício do poder político. O Estado “impolítico” do Estado de Direito não dá resposta a este último problema: de onde emana o poder. Só o princípio da soberania popular, segundo o qual “todo poder vem do povo”, assegura e garante o direito à igual participação na formação democrática da vontade popular. Assim, conclui, o princípio da soberania popular concretizado segundo procedimentos juridicamente regulados serve de “charneira” entre o “Estado de Direito” e o “Estado Democrático” possibilitando a compreensão da moderna fórmula Estado de Direito Democrático. Você pode ler mais sobre o assunto no seguinte link, que traz um artigo do Prof. José Afonso da Silva: <https://bit.ly/2HTA046>. (SILVA, José Afonso da. O Estado Democrático de Direito. In: Revista de Direito Administrativo, n. 173, p. 15-24, jul-set/1988. Acesso em: 11 fev. 2018). https://bit.ly/2HTA046 16 • Apesar da difícil verificação prática, de início, como primeira fase tem-se o constitucionalismo antigo, identificado por Karl Loewenstein entre os hebreus e nas Cidades-Estado gregas. Mas, na forma mais robusta e nos moldes primários do que se vive hoje, em segunda fase (cons- titucionalismo antigo de segunda fase) o constitucionalismo somente ganhou força na Idade Média, com a Magna Carta de 1215, e, já na Idade Moderna, com a Petition of Rights de 1628, o Habeas Corpus Act de 1679, o Bill of Rights de 1689, e o Act of Settlement de 1701. • Posteriormente ao constitucionalismo antigo, tem-se o constitucionalismo clássico (ou libe- ral), que se inicia com a Constituição dos Estados Unidos da América, em 1787, e com a Constituição Francesa de 1791. • No período pós-Primeira Grande Guerra, inicia-se a etapa mais curta - porém, não sem menor importância - do movimento constitucionalista, a saber, o constitucionalismo moderno (ou social). • O constitucionalismo moderno pouco durou, pois entre o final da década de 1930 e o primeiro lustro dos anos 1940, a ascensão das “ditaduras aparentemente democráticas” nazifascistas mergulhou o mundo em outra Grande Guerra. Ao seu fim, surge o constitucionalismo contem- porâneo (ou neoconstitucionalismo, ou, ainda, pós-positivismo), que perdura até hoje. • A história constitucional no Brasil começou tardiamente se comparada ao restante do mundo. São as seguintes as Constituições do Brasil: 1824 (Constituição imperial); 1891 (primeira Constituição republicana); 1934; 1937; 1946; 1967 (mais EC nº 1/1969); 1988. Glossário ACT OF SETTLEMENT DE 1701: o Act of Settlement - ou Decreto de Estabelecimento - completa o conjunto de limitações ao poder monárquico britânico. Seu objeto era regular a sucessão das coroas inglesa e irlandesa, diante da impossibilidade de reprodução bem sucedida dos monarcas que ocupavam o trono, passando-se o encargo a Sofia de Hanôver (neta de Jaime VI da Escócia e I de Inglaterra) e seus herdeiros protestantes. A partir deste Decreto formou-se o Reino Unido da Grã-Bretanha. Ainda vigente, o Decreto somente pode ser alterado pelo Parlamento. 17 BILL OF RIGHTS DE 1689: quando Guilherme de Orange ascendeu ao trono inglês, aceitou uma Declaração de Direitos imposta pelo Parlamento inglês, conhecida como Bill of Rights, aprovada em 1689 e até hoje vigente no Reino Unido. Trata-se de documento extremamente relevante que muito influenciou outros que o seguiram na Europa e no mundo. HABEAS CORPUS ACT DE 1679: o Habeas Corpus Act representou um ato do Parlamento inglês elaborado durante o reinado do Rei Charles II para definir e fortalecer a antiga prerrogativa do “writ” habeas corpus, uma norma processual que forçou as Cortes a examinar o pleno cumpri- mento da lei em relação à detenção de um prisioneiro, assegurando a liberdade individual de loco- moção e prevenindo a restrição arbitrária desta liberdade. Embora o habeas corpus já existisse na Inglaterra desde a Magna Carta de 1215, somente em 1679 foi promulgada a Lei do Habeas Corpus, delineando os direitos inerentes a esta garantia e tornando-a mais eficaz. MAGNA CARTA DE 1215: tida como documento embrionário do que viriam a ser as futuras Constituições, a Magna Charta Libertatum limitou os poderes monárquicos, notadamente o do Rei João, que ocupava o cargo à época de sua elaboração. As ideias inseridas no acordo entre o rei e os barões foram fundamentais para a consolidação do sistema jurídico inglês (common law), e parte das suas disposições atualmente integra a consuetudinária Constituição da Inglaterra. Dentre os conteúdos nela previstos se pode mencionar a liberdade da igreja da Inglaterra (item 1); direitos sucessórios (itens 2 a 7); liberdade matrimonial (item 8); questões relativas à proporcio- nalidade das penas (item 20); direitos de liberdade e de ampla defesa (item 39); bem como direito de prestação de justiça (item 40). PETITION OF RIGHTS DE 1628: trata-se de um documento muito importante na estruturação do sistema constitucional britânico, vigente até os dias de hoje. Ressalta-se que o documento con- tinha restrições como a não taxação dos súditos exceto com a devida autorização parlamentar, a vedação ao aprisionamento arbitrário e ao recrutamento militar forçado e a regulamentação da lei marcial para não punir de maneira indevida e arbitrária os soldados. 18 Verificação de leitura QUESTÃO 1 - Quanto ao controle concentrado de constitucionalidade, importante mecanismo de defesa da Constituição (e, por consequência, dos direitos fundamentais), assinale a alternativa correta: a) Foi trazido ao ordenamento constitucional brasileiro via manifestação de poder constituinte ori- ginário, na Constituição Federal de 1946. b) Foi trazido ao ordenamento constitucional brasileiro via manifestação de poder constituinte ori- ginário, na Constituição Federal de 1891. c) Foi trazido ao ordenamento constitucional brasileiro via manifestação de poder constituinte ori- ginário, na Constituição Federal de 1988. d) Foi trazido ao ordenamento constitucional brasileiro via manifestação de poder constituinte refor- mador (emenda constitucional) à Constituição Federal de 1946. e) Foi trazido ao ordenamento constitucional brasileiro via manifestação de poder constituinte refor- mador (emenda constitucional) à Constituição Federal de 1967. QUESTÃO 2 - Quanto ao processo de evolução histórica dos direitos fundamentais, se pode correla- cionar as seguintes dimensões de direitos fundamentais com as respectivas etapas do constitucio- nalismo, com exceção de uma: a) A primeira dimensão de direitos fundamentais (liberdade) surge durante o constitucionalismo moderno/social. b) A primeira dimensão de direitos fundamentais (liberdade) surge durante o constitucionalismo clássico/liberal. c) A segunda dimensão de direitos fundamentais (igualdade) surge durante o constitucionalismo moderno/social. d) A segunda dimensão de direitos fundamentais (igualdade) caracteriza-se por um viés interven- cionista do Estado, em substituição ao caráter abstencionista do Estado vigente durante a pri- meira dimensão (liberdade). e) A terceira dimensão de direitos fundamentais (fraternidade) surge com o constitucionalismo contemporâneo/neoconstitucionalismo. 19 QUESTÃO 3 - Muitas Constituições brasileiras sofreram influência de Constituições de outros países. Assinale a alternativa que não contempla esse grau de correlação: a) A Constituição Imperial de 1824 sofreu influência da Constituição francesa de 1814. b) A Constituição Federal de 1891 sofreu influência da Constituição norte-americana de 1787. c) A ConstituiçãoFederal de 1937 sofreu influência da Constituição de Weimar (Alemanha) de 1919. d) A Constituição Federal de 1934 sofreu influência da Constituição de Weimar (Alemanha) de 1919. e) A Constituição Federal de 1937 sofreu influência da Constituição ditatorial da Polônia de 1935. QUESTÃO 4 - Acerca do neoconstitucionalismo, período vivido atualmente no processo de evolução da ciência constitucional, se pode dizer: a) É nesse período que se começa a falar no fenômeno da “constitucionalização do direito”, mar- cado pela superação do Estado de direito (meramente legalista) em prol do Estado democrático de direito (que busca unir os valores de segurança jurídica e justiça). b) É marcado pela ideia de supremacia formal da Constituição. c) Tem como marco fundante as Constituições mexicana de 1917 e alemã (Weimar) de 1919. d) Dá prioridade à segunda dimensão dos direitos fundamentais, relacionada à igualdade. e) Se inicia após o final da Primeira Guerra Mundial. QUESTÃO 5 - A garantia do habeas corpus foi constitucionalizada pela primeira vez na Constituição de: a) 1824. b) 1891. c) 1934. d) 1937. e) 1946. 20 Referências bibliográficas CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2003. LAZARI, Rafael de. Manual de Direito Constitucional. 2. ed. Belo Horizonte: D’Plácido, 2018. ______; GARCIA, Bruna Pinotti. Manual de Direitos Humanos. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2015, p. 137-140. LOWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. 2. ed. Barcelona: Ariel, 1970. MASSON, Nathalia. Manual de Direito Constitucional. 6. ed. Salvador: JusPODIVM, 2018. 21 Gabarito QUESTÃO 1 - Alternativa D A primeira Constituição brasileira a trazer o controle concentrado de constitucionalidade foi a de 1946, através da emenda constitucional nº 16/1965. Veja-se, portanto, que o chamado “sistema austríaco de controle” não foi previsto por norma de poder constituinte originário, mas por norma de poder constituinte reformador (vide art. 101, I, “k”, da CF/1946 como competência do Supremo Tribunal Federal). Por tal motivo a letra “A” está errada (não foi poder constituinte originário, mas sim poder cons- tituinte formador); a letra “B” está errada (o que a Constituição Federal de 1891 trouxe paradig- maticamente foi o controle difuso de constitucionalidade, e não o controle concentrado); a letra “C” está errada (a Lei Fundamental de 1988 até trouxe novos mecanismos e aperfeiçoamentos no controle concentrado, mas a previsão paradigmática se deu, como visto, na CF/1946); a letra “D” está correta; e a letra “E” está errada. QUESTÃO 2 - Alternativa A A questão correlaciona as dimensões de direitos fundamentais às etapas do constitucionalismo. Todas as etapas contemplam uma manifestação de dimensão, com exceção de uma (e a questão pede a alternativa incorreta). Assim, a letra “A” está errada (o valor “liberdade” tem crescimento durante o constitucionalismo clássico/liberal - portanto, é a alternativa a ser assinalada); a letra “B” está correta (o valor “liber- dade” tem crescimento durante o constitucionalismo clássico/liberal); a letra “C” está correta (o valor “igualdade” tem crescimento durante o constitucionalismo moderno/social); a letra “D” está correta (no constitucionalismo moderno/social, substitui-se a noção de Estado não interventor da etapa anterior para uma noção de Estado interventor); a letra “E” está correta (o valor “fraterni- dade” tem crescimento durante o constitucionalismo contemporâneo/neoconstitucionalismo). 22 QUESTÃO 3 - Alternativa C A letra “C” é a única que não contempla correlação entre Carta nacional e Carta internacional, e, por isso, merece ser assinalada. A Constituição de 1824 sofreu influência da Constituição francesa de 1814 (por isso, a letra “A” está correta); a Constituição de 1891 sofreu influência da Constituição dos EUA de 1787 (por isso a letra “B” está correta); a Constituição de 1934 sofreu influência da Constituição alemã de 1919 (por isso a letra “C” está errada e a letra “D” está correta); a Constituição de 1937 sofreu influência da Constituição polonesa de 1935 (por isso a letra “E” está correta). QUESTÃO 4 - Alternativa A A letra “A” está correta. É nesse período que se começa a falar no fenômeno da “constituciona- lização do direito”, marcado pela superação do Estado de direito (meramente legalista) em prol do Estado democrático de direito (que busca unir os valores de segurança jurídica e justiça). A letra “B” está errada. A noção de supremacia formal da Constituição vem desde o constitu- cionalismo clássico/liberal. A letra “C” está errada. As Constituições mexicana (1917) e alemã (1919) são marco fundante do constitucionalismo moderno/social. A letra “D” está errada. O neoconstitucionalismo dá prioridade à terceira dimensão de direitos fundamentais, relacionada à fraternidade. A letra “E” está errada. O constitucionalismo contemporâneo se inicia após o fim da Segunda Guerra Mundial (é o constitucionalismo moderno/social que se inicia após o final da Primeira Guerra Mundial). QUESTÃO 5 - Alternativa B A primeira Constituição brasileira a consagrar a garantia do habeas corpus foi a de 1891, razão pela qual a letra “B” está correta e todas as demais estão equivocadas. Teoria geral dos direitos fundamentais, parte II 2 24 Objetivos • Analisar as semelhanças e diferenças entre os direitos fundamentais e os direitos humanos. • Trabalhar as características dos direitos fundamentais como adjetivações que se propõem a auxiliar na aplicação cotidiana de cada espécie de direito fundamental. • Discorrer sobre as dimensões de direitos fundamentais. Introdução O surgimento dos direitos humanos fundamentais está envolvido num histórico complexo no qual pesaram vários fatores, dentre eles tradição humanista, recepção do direito romano, senso comum da sociedade da Europa na Idade Média, e tradição cristã (os direitos humanos e os direi- tos fundamentais têm, portanto, um caminho evolutivo em comum, algo que já foi mencionado na aula anterior). A teoria geral dos direitos humanos fundamentais, neste diapasão, compreende o estudo amplo de uma temática, abrangendo desde os seus elementos básicos como conceito, características, fun- damentação e finalidade, passando pela análise histórica e chegando à compreensão de sua estru- tura normativa. Nesta aula, seguindo o raciocínio iniciado na aula passada (na qual já se trabalhou o processo de evolução histórica dos direitos fundamentais tanto pelo prisma do constitucionalismo como dos direitos humanos), mais algumas dessas premissas serão trabalhadas: se vai falar das semelhanças e diferenças entre os direitos fundamentais e humanos, das características dos direitos fundamen- tais, e das dimensões de direitos fundamentais. 25 1. Semelhanças e diferenças entre direitos humanos e direitos fundamentais É natural, no estudo dos direitos humanos tipicamente feito por alguém habituado ao direito interno, “caseiro”, correlacioná-los aos direitos e garantias fundamentais explícitos ou implícitos na Constituição Federal. Ainda que sejam sobrelevadas as nuanças de cada país dito “democrático de direito” na maneira como estruturam seus respectivos ordenamentos internos (organização do Estado, repartição de competências, organização dos Poderes, sistema de tributação, sistema de administração pública, maior ou menor intervenção estatal, regras procedimentais, etc.), há entre eles um ponto de sinonímia representado justamente pelos direitos humanos e pela forma como estes são encaixa- dos dentro do sistema particularizado de cada nação. Em outras palavras, enquanto cada país erige-se nos moldes de seu povo, de seu território e de sua ideologia no que diz respeito às pilastras embasadoras do funcionalismo estatal, são os direi- tos humanos, necessariamente, supranacionais, porque são resultantes de uma evolução histórica que se deu por meio de documentos internacionais,conflitos bélicos, acordos econômicos, enten- dimentos de paz, delimitação de fronteiras, dentre outros tantos meios de convivência - positiva ou negativa - no plano internacional. Os direitos humanos ficam, portanto, em uma zona de flutuação acima dos ordenamentos inter- nos, pois necessariamente dependem de um consenso que transcenda ao “quintal” de cada país. É exatamente por isso, por exemplo, que não há consenso em se admitir a condição da mulher submissa tal como em vários países dos continentes africano e asiático, ainda que pequenos gru- pos setoriais entendam isso como algo absolutamente natural. O motivo pelo qual a mulher sub- missa não é encarada como algo normal é simples: há absoluta discrepância entre sua condição de subordinação e violência física/moral e a natureza consensual inerente a uma democracia de que homens e mulheres são iguais perante a lei e na forma da lei. 26 Exatamente por isso chama-se a atenção para os direitos humanos apenas em um cenário dito “democrático de direito”: ressalvando o respeito por quem pense o contrário, somente é possível se chegar a um consenso onde é possível, antes, realizar discussões históricas em prol de tal fito. Algo que os Estados ditatoriais e/ou fundamentalistas e/ou extremistas não costumam propiciar aos seus povos. Desta forma, com maior ou menor variação, os direitos humanos são encarados de mesmo modo pelos países que prezam pelo diálogo. Diz-se “com menor ou maior variação”, pois é óbvio que nuanças internas devam ser respeitadas, ainda que num cenário macro se busque sempre um mesmo objetivo, isto é, um denominador comum. Entretanto, como fator inerente à soberania de cada país, cujos sistemas constitucionais são exemplos, mister se faz capturar estes direitos humanos de sua zona de flutuação e afixá-los den- tro de um ordenamento interno para que norteiem as pessoas vinculadas a uma Constituição (res- peitando-se, urge insistir, as peculiaridades óbvias de cada sistema interno). Assim, a mesma fórmula do devido processo legal ou do direito ao contraditório e à ampla defesa, como exemplo, pensada através de regras genéricas discutidas, aprovadas e consagra- das em documentos internacionais, é depois trazida para o ordenamento de cada país. É dizer: a República Federativa do Brasil faz sua consagração do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, e as implementa da maneira que melhor atender aos interesses do povo, assim como o fazem os Estados Unidos da América, a Alemanha, o México, o Canadá, a Austrália, a Inglaterra, dentre tantos outros países que prezam pela democracia. Cada país faz a implemen- tação destes direitos humanos de acordo com suas peculiaridades, muito embora respeitem uma matriz genérica internacionalmente consagrada. Se há diferença entre os direitos humanos e os direitos fundamentais, portanto, é uma questão de “ponto de vista”. E, ainda que assim o seja, se trata de problema puramente conceitual. Materialmente falando, ambos visam à proteção e à promoção da dignidade da pessoa humana. Logo, quanto ao conteúdo, pouca ou nenhuma diferença há entre eles. A dissonância, pois, é em relação ao plano em que esses direitos são consagrados. Assim, para quem entende haver distinção, os direitos humanos são os consagrados no plano internacional, enquanto os direitos fundamentais são os consagrados no plano interno, notadamente nas Constituições. 27 Em pensando sob enfoque de consagração interna, o que se vê em cada Constituição são os direitos fundamentais, porquanto direitos humanos internalizados. Entrementes, sob enfoque de um objetivo comum de asseguramento de direitos e deveres às pessoas e aos Estados, qualquer dife- rença pode haver entre eles, a depender do prisma de observação. Repete-se: é tudo uma questão de “ponto de vista”. Semelhanças Diferenças Direitos humanos fundamentais Direitos humanos Direitos fundamentais Estabelecem direitos individuais, sociais e coletivos a serem garantidos à pessoa humana. Supranacionais (plano internacional). Nacionais (plano interno). Visam à proteção e à promoção da dignidade da pessoa humana (pouca ou nenhuma diferença quanto ao conteúdo material). Processo histórico longo a ser observado na evolução da humanidade e em seus conflitos. Inspirados nos direitos humanos internacionalizados, embora exista influência de fatores históricos internos. São formados por princípios que possuem baixa ou baixíssima densidade normativa, favorecendo o papel do intérprete. Zona de flutuação acima do ordenamento interno, embora a baixíssima densidade normativa permita um amplo espaço de interpretação pelos países que os aplicam. Se encontram no topo do ordenamento interno e possuem conteúdo mais específico que os direitos humanos (baixa densidade normativa), sujeitando as normas do ordenamento interno. O respeito constitui marco dos regimes de governo democráticos, fundados na lei (Estados democráticos de direito). Conferem atenção especial a questões de relativismo cultural devido à abrangência territorial global. Por serem mais restritos territorialmente, se preocupam menos com questões de relativismo cultural. 2. Características dos direitos humanos As características são adjetivações conferidas aos direitos fundamentais. Tal rol é meramente exem- plificativo, obviamente, mas ajuda a compreender a importância dos direitos fundamentais para um sistema conglobado das ciências - exatas, sociais e biológicas. Vejamos algumas destas características: 28 a) ) HISTORICIDADE: os direitos fundamentais não são fruto de apenas um acontecimento espe- cífico. Eles são produto de um processo temporal e complexo no qual vão se formando suas nuanças. Convém lembrar, neste diapasão, que graças a esta característica, são os direitos fundamentais mutáveis, adaptáveis, aperfeiçoáveis. Ainda acerca da historicidade, urge obtemperar que a evolução dos direitos fundamentais observa um fluxo evolutivo contínuo, a maior ou menor velocidade a depender do período cronológico. Por último, esta característica da historicidade importa dizer que os direitos fundamentais não são estacionários, estando, portanto, em constante evolução, de acordo com as novas neces- sidades que os novos tempos e o desenvolvimento das relações humanas exigem; b) UNIVERSALIDADE: os direitos fundamentais destinam-se a todos os seres humanos, indepen- dentemente da raça, cor, credo ou ideologia assumida. A cabeça do art. 5º dispõe que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natu- reza, garantindo-se aos brasileiros (e aqui se faz menção tanto aos natos como aos naturali- zados) e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Num primeiro aspecto, urge enfatizar a insuficiente redação do constituinte no que pertine à situação dos estrangeiros, por dar-se a impressão de que somente aqueles residentes no país é que seriam destinatários de direitos fundamentais. Em verdade, os estrangeiros, resi- dam ou não em território nacional, poderão usufruir de direitos fundamentais desde que isso seja faticamente possível: exemplificativamente, não há razão para que um estrangeiro aqui residente seja atendido em um hospital após um acidente de trânsito, enquanto outro não o seja (embora tenha se ferido no mesmo acidente), pelo mero motivo de não residir no país. Os procedimentos médicos devem ser os mesmos, inclusive sendo proibido que se privilegie o tra- tamento daquele que aqui reside. Noutro exemplo, um estrangeiro, residente ou não no país (e desde que não se trate de português equiparado se houver reciprocidade), não fruirá dos direitos políticos concedidos pela Constituição Federal aos brasileiros natos e naturalizados. 29 Num segundo aspecto, complementar ao primeiro, é claro que nem todos os direitos funda- mentais serão gozados em sua integralidadepor estrangeiros aqui não residentes, pelo sim- ples fato de que alguns direitos fundamentais também não são gozados em sua integralidade por estrangeiros aqui residentes, ou mesmo entre espécies de brasileiros, sejam eles natos ou naturalizados. São exemplos possíveis: mesmo entre brasileiros natos, há aqueles que pode- rão ajuizar ação popular (se forem cidadãos-eleitores) e aqueles que não poderão (se não gozarem dessa condição); entre brasileiros natos e naturalizados, há determinados cargos que somente poderão ser ocupados pelos primeiros; entre brasileiros naturalizados há aqueles que poderão ser proprietários de empresa jornalística e de radiodifusão (se contarem mais de dez anos de naturalização) e aqueles que não poderão sê-lo (se não contarem com esse prazo); entre estrangeiros aqui residentes alguns fruirão de maior carga de direitos (se este estran- geiro for um português equiparado). Assim, convém defender que apenas o contexto de possível implementação é que poderá determinar se um direito fundamental será ou não passível de fruição por um indivíduo, e não o direito em si. O direito em si não pode conter a vedação, sendo o contexto de seu exercício que indicará a possibilidade irrestrita de fruição ou não: como exemplo, caso o indivíduo esteja preso ou na iminência de ser preso, óbice não há a que se utilize do habeas corpus, já que o contexto fático da restrição à liberdade de locomoção é invariável a quem quer que seja o indivíduo; como exemplo complementar, não será concedida a extradição de quem quer que seja, se o contexto fático que envolve o direito for a prática de um crime de opinião; como exemplo final, nem todos poderão exercer o direito à iniciativa popular para processo legislativo, pois o contexto fático prevê que somente poderão fazê-lo aqueles que integrarem o eleitorado nacional; c) INALIENABILIDADE: os direitos fundamentais são intransferíveis e inegociáveis, não se podendo, pois, se lhes atribuir valor econômico (comercialmente falando). Um indivíduo não pode, por exemplo, negociar seu direito à liberdade em troca de qualquer tipo de bem com valor financeiro. A inalienabilidade não importa dizer, entretanto, que não se possa desempe- nhar atividades econômicas utilizando-se de um direito fundamental. 30 Como exemplo, o art. 5º, XXVII, da Constituição Federal, prevê que aos autores pertence o direito de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar. Ora, o direito de criação é inerente ao direito à livre manifestação do pensamento e à liberdade de todas as formas de expressão, aqui entendidos sob a ótica da reprodução artística. E, muito embora se esteja falando de um direito fundamental, é absolu- tamente possível que o indivíduo tenha vantagem patrimonial com o exercício de um direito que lhe é assegurado: o que se negocia, nesse caso, não é o direito fundamental propriamente dito, mas a atividade resultante do exercício desse direito; d) IMPRESCRITIBILIDADE: os direitos fundamentais são sempre exigíveis, não se perdendo com o decurso do tempo. Assim, uma vez que são sempre exercíveis e exercidos, não deixam de existir pela falta de uso (prescrição). O que pode haver é a prescrição do direito decorrente do exercício dos direitos fundamentais. Tal como se viu na característica anterior, é possível desenvolver relações jurídicas negociais a partir dos direitos fundamentais inerentes à pessoa, e, como tal, caso haja violação estrita- mente negocial a este direito decorrente, abre-se prazo para reclamar sua lesão. Os direitos fundamentais em si, entretanto, não podem ser acondicionados no tempo; e) IRRENUNCIABILIDADE: direitos fundamentais não podem ser renunciados pelo seu titu- lar devido à essencialidade material destes direitos para a dignidade da pessoa humana. O máximo que se admite é a limitação voluntária de seu exercício, desde que num estrito caso concreto (esta limitação não pode ser absoluta), e por período determinado (esta limitação não pode viger sempre); f) INVIOLABILIDADE: direitos fundamentais não podem deixar de ser observados por disposi- ções infraconstitucionais ou por atos das autoridades públicas. Questão interessante quanto a esta característica da inviolabilidade remonta ao fato de que o Estado, por dever atribuidor de direitos fundamentais, é também, historicamente, seu maior violador. Isso permite concluir que o Estado, além da obrigação de estar comprometido com o não desrespeito aos direitos fundamentais (sob pena de sua responsabilização nos cenários nacional e internacional, inclu- sive), deve também fornecer instrumentos para que os cidadãos se defendam dos próprios agentes estatais. 31 Entretanto, vale lembrar que não apenas o Estado é um violador de direitos fundamentais, mas também os próprios cidadãos, entre si, numa variação hobbesiana do “lobo do homem”. Graças a isso, inclusive, desenvolveu-se a chamada “eficácia horizontal dos direitos funda- mentais”, que será estudada em outra aula. De toda maneira, tais dados permitem concluir que, mais que uma característica abstrata, goza a inviolabilidade dos direitos fundamentais de mecanismos para a sua materialização, algo de extrema importância em um mundo que, paradoxalmente, tenciona evoluir em direitos fundamentais e, ainda assim, insiste em desrespeitá-los de modo contumaz; g) INDIVISIBILIDADE: os direitos fundamentais compõem um único conjunto de direitos que não podem ser analisados de maneira isolada, separada, mas sim sistêmica. Neste sentido, não basta garantir um direito fundamental e abrir mão de outro; não basta escolher uma das dimensões e esquecer das demais em defesa de um Estado mais ou menos intervencionista, ou na busca da preservação dos interesses individuais em detrimento dos coletivos. O único sentido dos direitos fundamentais está na observação conjunta, na garantia universal de um todo de direitos e não de parcelas destes. Não cabe separar direitos fundamentais na prática, mas apenas na teoria para fins metodológicos de forma a permitir uma compreensão mais adequada do conteúdo deles; h) INEXAURIBILIDADE: os direitos fundamentais estão em constante aperfeiçoamento, ou seja, a cada dia podem surgir novas perspectivas com relação aos direitos já declarados (ou, mesmo, o que parte da doutrina denomina como “novos direitos”). 3. Dimensões de direitos fundamentais As dimensões de direitos fundamentais não são estanques, mas, sim, complementares. Somam-se e dialogam uma com a outra, formando um completo sistema de proteção da pessoa humana. Toma-se o pressuposto de que todos os bens jurídicos garantidos à pessoa humana devem ser pre- servados e respeitados, sob pena de uma proteção defeituosa. Por isso mesmo, a nomenclatura dimensão é mais adequada do que geração. 32 A teoria das dimensões de direitos humanos fundamentais foi identi- ficada pelo jurista tcheco-francês Karel Vasak, no ano de 1979, em con- ferência ministrada em Estrasburgo, sendo seguida de forma praticamente unânime pela doutrina da área dos direitos humanos fundamentais nas décadas que seguiram. Com efeito, o autor defendeu que existi- riam três dimensões de direitos humanos fundamentais, ideário aceito até os dias de hoje. São elas: a) 1ª DIMENSÃO: direitos civis e políticos (liberdade). O cerne do fundamento da liberdade está na abstenção esta- tal, retirando o governante da posição de soberano e instituindo a ideia de soberania popular, garantindo-se ao povo o exercício de seus direitos indi- viduais e a possibilidade de participar das decisões políticas do Estado; b) 2ª DIMENSÃO: direitos sociais, eco- nômicos e culturais (igualdade mate- rial). Os direitos de segunda dimen- são possuem como marca a exigên- cia de intervenção estatal, de forma a garantir determinados direitos mesmo aos que não possuem con- dições de consegui-los por si só.Para saber mais A proteção prioritária a determinados grupos fere a característica da universalidade dos direitos fundamentais? Na verdade, a característica da universalidade não apenas defende a proteção equivalente a todos, como também importa dizer que determinados grupos são mais necessitados e, portanto, devem receber maiores doses de proteção por parte do Estado. Afinal, dentro da concepção de democracia, está a discussão entre minorias e maiorias, sendo sabido que as minorias, historicamente desprotegidas, necessitam de maior carga protetiva exatamente para fornecer um ideal de igualdade material (ou substancial). Deste modo, quando se acena para um Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003), para um Estatuto da Juventude (Lei nº 12.852/2013), para um Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990), para a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), para o Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288/2010), para o Estatuto do Torcedor (Lei nº 10.671/2003), para o Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), dentre outros, tais diplomas normativos não apenas não contrariam a retórica de universalidade dos direitos fundamentais (pode-se, equivocadamente, pensar que isto demonstra apenas uma proteção setorial e puramente privilegiadora), como servem para colocar em posição de equivalência e de proteção suficiente grupos que nem sempre gozaram desta ótica protecionista. É dizer: tais diplomas não trazem privilégios a determinados setores, mas, sim, atribuem equivalência de direitos entre maiorias e minorias. Para mais considerações sobre as características dos direitos fundamentais recomenda-se a leitura do seguinte artigo: <https://bit.ly/2HRePUl>. (LOBATO, Anderson Cavalcante. O Reconhecimento e as Garantias Constitucionais dos Direitos Fundamentais. In: Revista de Informação Legislativa do Senado, v. 33, n. 129, p. 85-98, jan-mar/1996. Acesso em: 11 fev. 2018). https://bit.ly/2HRePUl 33 Se todas as pessoas possuem direito à educação, à saúde, ao lazer, entre outros, estes devem ser garantidos, mesmo que não possuam condições de pagar por eles. Aí entra o Estado com o dever de equiparar as pessoas em direitos o máximo possível; c) 3ª DIMENSÃO: direitos de solidariedade, notadamente ambientais (fraternidade). A ideia que está por trás do fundamento da fraternidade é a de que todos devem agir na comunidade glo- bal, uns com relação aos outros, como verdadeiros irmãos, preocupando-se com o exercício de direitos fundamentais por parte deles. Sem prejuízo destas três dimensões, a doutrina é altamente variável no que diz respeito a outras dimensões: a) POSIÇÃO DE NORBERTO BOBBIO: para Norberto Bobbio - e a maioria da doutrina - os chama- dos direitos de quarta dimensão se referem aos efeitos traumáticos da evolução da pesquisa biológica, que permitirá a manipulação do patri- mônio genético do indivíduo de modo cada vez mais intenso. Como estão em jogo direitos não discu- tidos anteriormente, concorda-se que os direitos biológicos surgem como quarta dimensão de direitos fundamentais; b) POSIÇÃO DE PAULO BONAVIDES: por outro lado, Paulo Bonavides defende que são de quarta dimensão os direi- tos inerentes à globalização política, notadamente composta por demo- cracia, informação e pluralismo. Bonavides também diverge ao falar de uma quinta dimensão composta pelo direito à paz, o qual foi colocado por Vasak na terceira dimensão. Para saber mais Os direitos fundamentais são extensíveis aos animais? Há importante corrente mundial (cada vez mais representativa) que defende a existência de um direito animal, estendendo a algumas espécies de animais direitos tipicamente fundamentais, como a vida e a vedação a experimentos científicos que coloquem em risco a saúde do ser vivo. O embasamento dá-se comumente na dignidade da pessoa não humana. Também, outro embasamento possível pode ser o reconhecimento dos animais como seres vivos dotados de sensibilidade, a exemplo do que o Código Civil francês reconheceu em seu art. 515- 14 (janeiro de 2015). Para maiores informações sobre o tema, recomenda-se ao leitor o seguinte artigo: <https://bit.ly/2rowdVk>. (HACHEM, Daniel Wunder; GUSSOLI, Felipe Klein. Os Animais são Sujeitos de Direito no Ordenamento Jurídico Brasileiro? In: Revista Brasileira de Direito Animal, v. 12, n. 03, p. 141-172, set-dez/2017. Acesso em: 11 fev. 2018). https://bit.ly/2rowdVk 34 Vamos pensar Propõe-se ao aluno uma experiência coletiva, consistente em indagar os colegas (de profissão ou não) e conhecidos sobre quais as suas aspirações quando se fala em direitos fundamentais. Em seguida, agrupar as congruências e discrepâncias do discurso. Dica: considere os direitos funda- mentais como uma expressão ampla, que engloba tanto os direitos em sentido específico, como também os deveres, de modo que uma relação coletiva de direitos fundamentais em sentido amplo engloba tanto os direitos fundamentais em sentido específico como os deveres fundamentais (limi- tação dos direitos fundamentais pelos deveres fundamentais, temática que será explorada na quarta aula deste material). Glossário DIMENSÕES DE DIREITOS: expressão utilizada para demonstrar garantias que vão se sobrepujando umas às outras sem que isso implique a anulação de direitos pelo mero decurso de um período/contexto histórico. Por isso se prefere a ideia de “dimensões de direitos” à ideia de “gerações de direitos”. Para saber mais Como devem dialogar a universalidade dos direitos fundamentais e o relativismo cultural? O multiculturalismo existente no globo impede que a universalidade se consolide plenamente, de forma que é preciso levar em consideração as culturas locais para compreender adequadamente os direitos humanos fundamentais. Quando se fala que direitos humanos são universais, fica estabelecido que eles são válidos para todas as pessoas do mundo, independentemente de onde elas sejam. Assim, basta ser pessoa para ter os direitos humanos reconhecidos internacionalmente. Devido ao universalismo, firma-se a ideia de cooperação internacional e toma-se um aspecto positivo da globalização. As teorias que defendem o universalismo dos direitos humanos fundamentais se contrapõem ao relativismo cultural, que afirma a validez de todos os sistemas culturais e a impossibilidade de qualquer valorização absoluta desde um marco externo, que, neste caso, seriam os direitos humanos universais. Mais considerações sobre a temática podem ser encontradas em artigo no seguinte link: <https://bit.ly/2IkDArH>. (ARAÚJO, Jailton Macena de. Direitos Humanos e Solidariedade: entre o Universalismo e o Relativismo, por uma Teoria Dialógica dos Direitos Humanos. In: Revista de Informação Legislativa do Senado, v. 53, n. 212, p. 155-179, out-dez/2016. Acesso em: 11 fev. 2018). https://bit.ly/2IkDArH 35 MULTICULTURALISMO: fenômeno que reconhece a existência de múltiplas culturas, posi- cionamentos ideológicos e políticos diversos, segmentos da sociedade complexos, dentre outros, todos eles buscando um denominador comum em se tratando de direitos huma- nos fundamentais. É também conhecido pela expressão “relativismo cultural”. ZONA DE FLUTUAÇÃO: expressão utilizada para demonstrar que os direitos humanos não pertencem apenas a um ordenamento específico, mas a todos os ordenamentos. Por serem supranacionais, os direitos humanos devem ser captados para os ordenamentos internos de cada país que se preze democrático de direito. Pontuando • O surgimento dos direitos fundamentais (também os direitos humanos) está envolvido num histórico complexo no qual pesaram vários fatores, dentre eles, tradição humanista, recepção do direito romano, senso comum da sociedade da Europa na Idade Média, e tradição cristã. • Materialmente falando, direitos humanos e direitos fundamentais visam à proteção e à pro- moção da dignidade da pessoa humana (logo, quanto ao conteúdo, pouca ou nenhuma dife-rença há entre eles). A dissonância se dá em relação ao plano em que esses direitos são con- sagrados. Assim, para quem entende haver distinção, os direitos humanos são os consagra- dos no plano internacional, enquanto os direitos fundamentais são os consagrados no plano interno, notadamente nas Constituições. • As características são adjetivações conferidas aos direitos fundamentais. Tal rol é meramente exemplificativo, obviamente, mas ajuda a compreender a importância dos direitos fundamen- tais para um sistema conglobado das ciências - exatas, sociais e biológicas. Nesta aula, foram estudadas as seguintes características: historicidade; universalidade; inalienabilidade; impres- critibilidade; irrenunciabilidade; inviolabilidade; indivisibilidade; inexauribilidade. • As dimensões de direitos fundamentais não são estanques, mas, sim, complementares. Somam-se e dialogam uma com a outra, formando um completo sistema de proteção da pes- soa humana. 36 Verificação de leitura QUESTÃO 1 - Acerca das características dos direitos fundamentais, assinale a alternativa correta: a) Os direitos fundamentais são mutáveis, adaptáveis, aperfeiçoáveis. Entretanto, o processo de evolução histórica de um direito fundamental não deve ser levado em consideração quando de sua aplicação ao caso concreto. b) Os direitos fundamentais são inalienáveis, não se lhes podendo atribuir valor econômico. Isso vale para eventuais atividades econômicas que se queira exercer a partir de um direito fundamental. c) Os direitos fundamentais são imprescritíveis, de modo que não se perdem com o decurso do tempo. Isso também vale para o direito decorrente do exercício de um direito fundamental. d) Os direitos fundamentais são irrenunciáveis em qualquer hipótese, sem qualquer exceção. e) Os direitos fundamentais são invioláveis. Isto significa que não podem deixar de ser observados por disposições infraconstitucionais ou por atos das autoridades públicas. QUESTÃO 2 - Acerca das dimensões de direitos fundamentais, assinale a alternativa correta: a) O cerne do fundamento da liberdade (primeira dimensão) está na abstenção estatal, retirando o governante da posição de soberano e instituindo a ideia de soberania popular, garantindo-se ao povo o exercício de seus direitos individuais e a possibilidade de participar das decisões políticas do Estado. b) Enquanto os direitos de primeira dimensão (liberdade) tem caráter individual, os direitos de segunda (igualdade) e terceira (fraternidade) dimensão têm caráter coletivo. c) Os direitos de terceira dimensão (fraternidade) se preocupam apenas com as gerações atuais de pessoas, sem levar em conta o mundo que será entregue às próximas gerações. d) Conforme a tradicional classificação de Paulo Bonavides, democracia, informação e pluralismo integram a terceira dimensão (fraternidade) de direitos fundamentais. e) Os direitos de segunda dimensão (igualdade) caracterizam-se pela abstenção estatal, de modo que a melhor forma de se atingir a igualdade é pela livre vontade das partes, sendo vedada qual- quer forma de atuação por parte do Estado. 37 QUESTÃO 3 - Os direitos humanos e os direitos fundamentais apresentam as mesmas característi- cas, com exceção de uma: a) Ambos estabelecem direitos individuais, sociais e coletivos a serem garantidos à pessoa humana. b) Ambos visam à proteção e à promoção da dignidade da pessoa humana (pouca ou nenhuma dife- rença quanto ao conteúdo material). c) Ambos têm caráter predominante de regra, de forma que jamais podem ser relativizados perante um caso concreto. d) Ambos são formados por princípios que possuem baixa ou baixíssima densidade normativa, favo- recendo o papel do intérprete. e) O respeito a ambos constitui marco dos regimes de governo democráticos, fundados na lei. QUESTÃO 4 - Assinale a alternativa que contempla apenas direitos de fraternidade (terceira dimen- são de diretos fundamentais): a) Vida, liberdade e propriedade. b) Educação, saúde e trabalho. c) Meio ambiente, informação e pluralismo. d) Meio ambiente e probidade administrativa. e) Propriedade, pluralismo e probidade administrativa. 38 QUESTÃO 5 - Acerca da característica da universalidade dos direitos fundamentais, assinale a alter- nativa correta: a) O caput do art. 5º da CF contempla rol taxativo dos destinatários dos direitos fundamentais: os brasileiros e os estrangeiros residentes no país. b) Os direitos fundamentais destinam-se a todos os seres humanos. Entretanto, fatores de discrimi- nação negativa podem ser criados, como o acesso a serviços de saúde somente para quem pode pagar por eles. c) Grande discussão se dá, atualmente, entre a universalidade dos direitos fundamentais e o multi- culturalismo. Pelo primeiro, os direitos fundamentais valem para todos, indistintamente; já para o multiculturalismo, variações podem ocorrer de acordo com os costumes de um determinado lugar. d) No conflito entre o multiculturalismo e o universalismo dos direitos fundamentais, o primeiro é que deve prevalecer. e) Atualmente é absolutamente pacífico que os direitos fundamentais são extensíveis aos animais. 39 Referências bibliográficas BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 9. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. LAZARI, Rafael de. Manual de Direito Constitucional. 2. ed. Belo Horizonte: D’Plácido, 2018. ______; GARCIA, Bruna Pinotti. Manual de Direitos Humanos. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2015, p. 137-140. MASSON, Nathalia. Manual de Direito Constitucional. 6. ed. Salvador: JusPODIVM, 2018. 40 Gabarito QUESTÃO 1 - Alternativa E A letra “A” está errada. Sempre que possível, o processo de evolução histórica de um direito fun- damental deve ser levado em consideração quando de sua aplicação ao caso concreto. O grande exemplo é a evolução da cláusula do devido processo legal: de uma visão de processo como mero instrumento de vingança, a tendência contemporânea é falar em devido processo cooperativo. Para saber como aplicar um direito fundamental no presente, é preciso conhecer a evolução deste direito fundamental, e o motivo pelo qual ele se tornou fundamental. As letras “B” e “C” estão erradas. De fato, os direitos fundamentais são inalienáveis e imprescri- tíveis. Isso não impede que o indivíduo desempenhe atividades econômicas a partir de um direito fundamental (exemplo: a proteção dos direitos autorais decorre de manifestação negocial inerente ao direito fundamental à livre manifestação artística, científica e cultural), e essas atividades eco- nômicas podem sim prescrever (exemplo: exaurido o prazo para cobrar direitos autorais relativos a determinado período de tempo, isso significa que foram perdidas as relações negociais de uma determinada situação, mas não que o indivíduo nunca mais poderá cobrar direitos autorais em sua vida). A letra “D” está errada. Os direitos fundamentais são excepcionalmente renunciáveis, desde que de forma voluntária, num estrito caso concreto (esta limitação não pode ser absoluta), e por perí- odo determinado (esta limitação não pode viger sempre). A letra “E” está correta. A inviolabilidade dos direitos fundamentais significa que não podem deixar de ser observados por disposições infraconstitucionais ou por atos das autoridades públicas. 41 QUESTÃO 2 - Alternativa A A alternativa “A” está certa (e, por consequência, a alternativa “E” está errada), tendo em vista que os direitos de liberdade (primeira dimensão) caracterizam-se por um não intervencionismo esta- tal, ao passo que os direitos de igualdade (segunda dimensão) caracterizam-se por um intervencio- nismo estatal na forma de políticas públicas. A alternativa “B” está errada. Tanto os direitos de primeira (liberdade) e segunda (igualdade) dimensão têm caráter individual. Os direitos de terceira (fraternidade) dimensão é que têm caráter coletivo. A alternativa “C” está errada. Os direitosde fraternidade têm preocupação intergeracional, isto é, se preocupam com as presentes e futuras gerações de pessoas. A alternativa “D” está errada. Conforme a classificação de Paulo Bonavides, democracia, informa- ção e pluralismo integram a quarta dimensão de direitos fundamentais. QUESTÃO 3 - Alternativa C Com exceção da letra “C”, todas as alternativas contemplam semelhanças entre direitos funda- mentais e direitos humanos. A letra “C”, entretanto, se equivoca ao dizer que direitos fundamentais e direitos humanos têm caráter predominante de regra, quando, na verdade, o caráter predominante é principiológico/valorativo. Assim, direitos humanos e direitos fundamentais incidem de variadas for- mas, a maior ou menor intensidade, notadamente quando está em jogo o conflito com outros direi- tos humanos e direitos fundamentais. 42 QUESTÃO 4 - Alternativa D A alternativa “A” está errada. Vida, liberdade e propriedade são clássicos direitos de primeira dimensão (liberdade). A alternativa “B” está errada. Educação, saúde e trabalho são clássicos direitos de segunda dimen- são (igualdade). A alternativa “C” está errada. Apear do meio ambiente ser relacionado à terceira dimensão, infor- mação e pluralismo são direitos de quarta dimensão (classificação de Paulo Bonavides). A alternativa “D” está correta. Meio ambiente e probidade administrativa são clássicos direitos de terceira dimensão (fraternidade). A alternativa “E” está errada. Propriedade é direito de primeira dimensão; pluralismo é direito de quarta dimensão; probidade administrativa é direito de terceira dimensão. QUESTÃO 5 - Alternativa C A letra “C” está correta. O multiculturalismo existente no globo impede que a universalidade se consolide plenamente, de forma que é preciso levar em consideração as culturas locais para com- preender adequadamente os direitos humanos fundamentais. A letra “A” está errada. O rol de destinatários de direitos fundamentais previstos no art. 5º, caput, CF, é meramente exemplificativo. A letra “B” carece de acerto. Discriminações negativas não podem ser criadas no processo de implantação de direitos fundamentais. O máximo que se admite são discriminações positivas, isto é, doses especiais de proteção a setores que sempre foram historicamente mais desprotegidos (exem- plo: mulheres e crianças). A letra “D” não está certa. Não há posição pacífica sobre a prevalência do universalismo ou do multiculturalismo na atualidade. Em termos de documentos internacionais de proteção dos direitos humanos, o que se observa, isso sim, é um pendor pelo universalismo. A letra “E” está errada. Não é pacífico que os direitos fundamentais são extensíveis aos animais, prevalecendo o entendimento de que isso não ocorre. Teoria geral dos direitos fundamentais, parte III 3 44 Objetivos • Trazer ao aluno variadas classificações dos direitos e garantias fundamentais. • Discutir sobre como essas classificações têm abordagens práticas na vida cotidiana e causam, por consequência, complicações. • Debater as relações de emanação de poder entre Estado e indivíduo, bem como entre indiví- duo e indivíduo. Introdução A CF utiliza a expressão “direitos fundamentais” como um gênero, dividindo-os nas espécies direi- tos e deveres individuais e coletivos (art. 5º, CF, em sua grande maioria), direitos sociais (generica- mente previstos no art. 6º, CF), direitos da nacionalidade (arts. 12 e 13, CF), e direitos políticos (arts. 14 a 17, CF). É diferente da lógica pensada para os “direitos humanos” propriamente ditos, cuja terminologia adota a ideia de direitos civis e políticos (prioritariamente relacionados às ideias de liberdade e de participação na vida política do Estado), direitos sociais, econômicos e culturais (prioritariamente relacionados à ideia de igualdade), e direitos de fraternidade ou de solidariedade (prioritariamente relacionados à transcendência das relações humanas). 1. Classificação com base em Jellinek acerca dos direitos e garantias fundamentais O publicista alemão Georg Jellinek faz uma classificação doutrinária dos “status” na análise da relação entre homem e Estado. Para o autor, haveria quatro “status”, a saber, “status subjectionis” (relação de sujeição ao Estado), o “status negativus” (relação de defesa contra o Estado), o “status positivus” (pos- sibilidade de exigir algo do Estado), e o “status activus” (participação na formação da vontade estatal). 45 Com base nesta teoria, faz-se uma classificação dos direitos fundamentais em funções, agrupan- do-os em três blocos: direitos de defesa, direitos prestacionais e direitos de participação. Cada um destes blocos há de ser estudado de forma separada: a) DIREITOS DE DEFESA: são aqueles que o indivíduo utiliza para se defender dos arbítrios do Estado. Estão atrelados ao valor liberdade e correspondem, portanto, aos direitos fundamentais de pri- meira geração/dimensão. Possuem um caráter negativo, isto é, exigem uma conduta de absten- ção do Estado (o Estado não deve praticar certos atos para que estes direitos sejam assegurados, como, por exemplo, não se opor à liberdade de reunião nem à liberdade de expressão); b) DIREITOS PRESTACIONAIS: são direitos que exigem do Estado uma atuação positiva, isto é, uma prestação material. Estão atrelados, essencialmente, ao valor igualdade e correspondem, por- tanto, aos direitos fundamentais de segunda geração/dimensão. Possuem, como dito, um caráter positivo, isto é, exigem uma conduta ativa do Estado (o Estado deve fornecer educação, segu- rança, lazer e saúde, por exemplo); c) DIREITOS DE PARTICIPAÇÃO: são direitos que permitem a participação do indivíduo na vida polí- tica do Estado, e, portanto, estão ligados à cidadania. Possuem natureza mista, isto é, tanto podem ter caráter positivo (o Estado tem, por exemplo, o dever de realizar eleições periódicas) como negativo (o Estado não pode, por exemplo, proibir que mulheres votem pelo simples fato de serem mulheres). 2. Classificação do Caso Lüth: direitos objetivos e subjetivos Um posicionamento mais tradicional certamente vai se ater tão somente ao aspecto subjetivo (dimensão subjetiva) dos direitos fundamentais, isto é, aos sujeitos que titularizam tais direitos. A dimensão subjetiva dos direitos fundamentais, portanto, nada mais é que os sujeitos que recebem/ exercem tais direitos (contra o Estado, inclusive, quando preciso). Nada obstante, há também um aspecto objetivo (dimensão objetiva) a ser considerado, base- ado em construções objetivas para toda uma coletividade, transpassando assim a mera maneira 46 singularizada de analisar o indivíduo como preconiza a perspectiva subjetiva. É o que se costuma chamar de “eficácia irradiante dos direitos fundamentais”: os direitos fundamentais saem do singu- lar em direção ao plural. Isso acaba por enfraquecer um pouco a dicotomia vista alhures entre direitos negativos/direitos positivos, ao clamar por uma carga dupla coexistente, objetiva e positiva, em todas as espécies de direitos fundamentais. Consoante tal entendimento, consagrado em 1958, no caso Lüth, oriundo do Tribunal Constitucional Federal alemão, todos os direitos têm um aspecto positivo, isto é, de atuação ativa do Estado. A diferença é que esta carga é mínima nos direitos tipicamente negativos, e máxima nos direitos tipicamente positivos. Por este novo enfoque, portanto, todos os direitos fundamentais exigem uma atuação estatal: mínima, nos clássicos direitos de defesa; média, nos direitos de participação; e máxima, nos direitos prestacionais. Isso não invalida, pois, a classificação baseada em Georg Jellinek acima vista, apenas propõe complementá-la às exigências dos novos tempos. Tanto a classificação baseada em Jellinek, como esta teoria das dimensões positiva e negativa devem, em verdade, coexistir. 3. Eficácia vertical, horizontal e diagonal de direitos fundamentais Inicialmente, dada a relação de subordinação entre a sociedade
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