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elementos básicos da linguagem visual Rogério Silva Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa Introdução O presente trabalho pretende ser um exercício de reflexão e de análise acerca dos elementos básicos da linguagem visual. Para isso, foram escolhidas vinte imagens que de certa forma se manifestassem como directrizes para uma análise específica e que proporcionassem uma leitura baseada nos principais conceitos que podemos encontrar na comunicação e na cultura visual. As imagens que integram este trabalho, foram registadas no Museu Colecção Berardo, e apresentam-se aqui em dois grupos distintos. Um dos grupos reúne imagens de obras dos artístas Alexander Calder, , Angela Detanico e Rafael Lain, Eugenio Dittborn, Joseph Kosuth, Matt Mullican e Tony Cragg. O outro grupo, são imagens de lugares, integrados no espaço físico do museu. Tanto um grupo como o outro e apesar de fazerem incidir o olhar em aspectos formais diferentes, foram veículos de reflexão a questões inerentes à percepção visual, mas nem por isso desagregados entre si, tanto em contexto como na atribuição de conceitos. Este exercício não pretende ser uma análise crítica ao conteúdo de qualquer uma destas obras e muito menos aos seus autores, mas sim uma análise apoiada em conceitos básicos normalmente usados na reflexão acerca da linguagem visual. Neste contexto, foi usada uma bibliografia de autores como Bruno Munari, Donis Dondis ou Rudolf Arnheim, que melhor pudessem justificar e clarificar alguns pontos desta análise, e assim estruturar de forma coerente o desenvolvimento deste trabalho. Figura 1. Black Spray, 1956 (pormenor), Alexander Calder, Museu Colecção Be- Figura 3. Black Spray, 1956 (pormenor) Figura 2. Estrutura de ramo de árvore 1. Bruno Munari, A arte como ofício, Editorial Presença, Lisboa, 2ª edição, 1982, pag. 11 Palavras-chave: equilibrio, simetria, construção, repetição, analogia, espaço, linha, plano, movimento, ritmo, tempo Esta obra do artista americano Alexander Calder (Figura 1), é um móbile que vive em suspensão no espaço tridimensional. Se a observarmos como um desenho, podemos constatar que a sua estrutura é composta por linhas e planos e que assenta no mesmo princípio de construção dos ramos de uma árvore (Figura 2), apresentando nas extremidades formas irregulares que nos fazem lembrar folhas. «Os móbiles, pelo contrário, são de natureza diferente: parecem ter origem numa inspiração de carácter vegetal. Poder-se–ia dizer que Calder é o primeiro escultor de árvores.»1 A linha vertical imaginária que passa através da sua estrutura, é a coluna central de equilíbrio onde assentam os pontos de força que unem as hastes umas às outras. Se traçarmos essa linha no espaço e separarmos a obra ao meio, apercebemo-nos que ela vive em equilíbrio simétrico, pois as forças proporcionais que criam essa estabilidade visual, necessitam que as duas partes estejam em harmonia. A construção simples e a suavidade visual que esta obra apresenta, desenvolve- se em pequenos ritmos. Isso é sugerido pelas hastes que suportam os planos e na forma como se agarram umas às outras num padrão de repetição (Figura 3). Esta peça vai alterando a sua forma e posição no espaço físico, através dos suaves movimentos ambientais, em que o tempo de agora nunca será o mesmo que o anterior. Figura 4. Escada de acesso ao piso superior, Museu Colecção Berardo Figura 5. Piso superior, Palavras-chave: linha, plano, espaço, volume, movimento, simplicidade construção, opacidade As escadas de acesso ao piso superior do Museu Colecção Berardo, estão envolvidas por duas construções volumétricas circulares - uma interior e outra exterior (figura 3). É no meio destes dois planos sólidos e paralelos que se faz a passagem de um piso para o outro. As linhas dinâmicas destas formas definem-se por semi-circulares, pois não fecham o circulo na totalidade. O efeito de cápsula e de protecção que se revela, para quem sobe ou desce, é provocado pela precisão das linhas estruturantes, que se fecham, num primeiro olhar, na curvatura destes dois volumes estáticos, e se vão abrindo, num movimento circular, durante o percurso. «A sugestão de movimento nas manifestaçães visuais estáticas é mais difícil de conseguir sem que ao mesmo tempo se distorça a realidade, mas está implícita em tudo aquilo que vemos, e deriva da nossa experiência completa de movimento na vida.»2 Existe um interior da forma que está subjacente à cor roxa usada na parede lateral, lembrando um corte no interior de uma forma orgânica (figura 4). Por outro lado, a opacidade destes volumes limitam o olhar de quem percorre esta passagem, apontando naturalmente um objectivo preciso - a via dos dois acessos. 5 Donis Dondis, Sintaxe da liniguagem visual, Martins Fontes, São Paulo, 2003, pag. 80 Figura 6. Exposição Amplitude, 2013 (projecção Multimédia), Angela Detanico e Rafael Lain, Museu Colecção Berardo Palavras-chave: linha, plano, escala, movimento, tempo, analogia, contraste, próximidade, distância, sobreposição, perspectiva O trabalho dos artista brasileiros Ângela Detanico e Rafael Lain, incide particularmente na instalação, arte digital e no uso da linguagem visual no espaço. Esta projecção multimédia (figura 6) pretende criar alguns efeitos ópticos, de linhas e de planos em movimento. Os planos deslocam-se horizontalmente da direita para a esquerda, dando a ilusão ao observador de estar em movimento - mesmo estando parado - visualizando uma paisagem geométrica, na qual as formas mais próximas se deslocam mais rápidas que as detrás. Esse fenómeno visual é atribuído ao tempo da deslocação no espaço o qual podemos constatar em analogia, como quando nos deslocamos de automóvel numa estrada e observamos as árvores a correr mais rápido que as montanhas ao longe. Os planos estão sobrepostos verticalmente e contrastam entre si pela variação cromática da cor azul. Neste contexto, podemos visualizar uma espécie de perspectiva atmosférica em que as variantes tonais (figura 8) do azul e a distância das linhas entre si (figura 7), transmitem a profundidade visual do que está próximo e do que está distante. «Quanto mais nitidamente for apresentado o gradiente na forma, cor ou movimento, mais convincente será o efeito de profundidade. A fidelidade ao mundo físico não é uma variável decisiva.»3 3 Rudolf Arnheim, Arte e percepção visual: uma psicologia da visão criadora, Pioneira, Ed. da Universidade de São Paulo, São Paulo 2ª edição, 1980, pag. 264 Figura 7. A distância das linhas entre si dá-nos a ilusão de perspectiva Figura 8. Esquema da graduação usada Figura 9. Exposição Amplitude, 2013, Angela Detanico e Rafael Lain, Museu Colecção Berardo Palavras-chave: tipografia, plano, textura, ritmo, construção, código Ângela Detanico e Rafael Lain usam muitas vezes a tipografia nas suas instalações, num jogo de relações entre texto e texturas ou densidades. Nesta imagem (figura 9) podemos ver o cartão de visita do início da exposição. É-nos apresentado aqui não só o título e o nome dos artistas como informação para o visitante, mas também a revelação de uma obra. Logo aqui é-nos sugerido entramos num jogo de descodificação de significados. Estes planos, formados por manchas de letras, também se transformam em texturas visuais quando nos dão a percepção, pelas sensações do olhar, que existem densidades e espaços diferentes nas letras. A disposição dos planos em forma de um movimento descendente, transmitem uma preocupação ao nível do agrupamento e distância dos elementos uns dos outros, segundo o príncipio da proximidade. «Mas a localização espacial por si só é também um factor de agrupamento; (...) “próximidade” ou “vizinhança”, na terminologia de Wertheimer;»4 4 Rudolf Arnheim, Arte e percepção visual: uma psicologia da visão criadora, Pioneira, Ed. da Universidade de SãoPaulo, São Paulo 2ª edição, 1980, pag. 72 Figura 10. La Ciudad en Llamas, Eugenio Dittborn, in Exposição Da solidão do lugar a um horizonte de fugas, 2013, Museu Colecção Berardo Figura 11. Eugenio Dittborn, La Ciudad en Llamas (pormenor) Palavras-chave: ponto, linha, plano, textura, repetição, tipografia, simetria, equilíbrio Nesta obra do chileno Eugénio Dittborn (figura 10), o artista joga com alguns elementos básicos da linguagem visual – o plano, a linha, o ponto, a fotografia e a tipografia. Nesta construção de vários elementos, podemos observar a existência de uma simetria visual. Não uma simetria de repetição de elementos, mas sim de planos. Os planos que aqui vemos, uns são formados por linhas e outros por pontos em forma de tramas de impressão. Estas formas rectangulares, portadoras de um jogo de relações tanto fotográficas como de elementos tipográficos, transmitem-nos sensações de diferentes complexidades visuais. Enquanto os planos formados pelos pontos, negros que por vezes também se apresentam de diferentes tamanhos e densidades e nos dão a impressão de um tom acizentado, os planos formados pelo cruzamento das linhas, são abertos e arejados (figura 11). «Em grande número e justapostos, os pontos criam a ilusão de tom ou de cor, o que, como já se observou aqui, é o fato visual em que se baseiam os meios mecânicos para a reprodução de qualquer tom contínuo»5 Ao observarmos estas duas diferenças apercebemo-nos que nos encontramos perante planos com diferentes texturas visuais que se relacionam em diferentes expressões. Todas estas nuances e diferenças de linguagem, parecem-nos à priori que assentam nalguma espécie de desordem visual mas, mesmo nessa possibilidade de caos poderemos encontrar no seu todo, uma grande estabilidade formal. 5 Donis Dondis, Sintaxe da liniguagem visual, Martins Fontes, São Paulo, 2003, pag. 54 Figura 12. Exposição Amplitude, 2013 (pormenor de obra exposta), Angela Detanico e Rafael Lain, Museu Colecção Berardo Palavras-chave: ponto, linha, plano, escala, textura, analogia, ritmo, simplicidade, complexidade, concentração, dispersão Estes círculos concêntricos expostos no chão de uma das salas do Museu Be- rardo (figura 12), fazem parte de um conjunto de obras dos artistas Ângela Detanico e Rafael Lain. Estas peças de linhas redondas, que se fecham na forma de círculos, en- caixam-se umas nas outras, encontrando-se o circulo mais pequeno con- centrado no ponto do centro, passando pela dispersão de outros circulos de tamanhos e gradações de escalas diferentes, até terminar em toda a sua amplitude formal, no círculo maior e exterior. As linhas são construídas em aço polido e refletem a luz branca dos pro- jectores tornando estas peças nuns objectos de movimento, em que a per- manência de um ritmo visual assemelha-se em analogia às ondas vibratórias da água, causadas pelo caír de uma pedra. Existem outros grupos de circulos dispostos no mesmo chão que se interli- gam entre si transformando a simplicidade formal numa complexidade de novas formas que surgem pelo seu cruzamento de forças (figura 13). «(...) compreende uma complexidade visual constituída por inúmeras unidades e forças elementares, e resulta num processo de organização do significado no âmbito de um determinado padrão»6 Num jogo de contrastes entre materiais - o aço polido e a textura do chão de madeira - a peça entrega-se a sensações de grande leveza visual. Figura 13. (Pormenor de obra exposta) 6 Donis Dondis, Sintaxe da liniguagem visual, Martins Fontes, São Paulo, 2003, pag. 144 Concentração e dispersão Figura 14. Hall (vista de uma janela para o exterior), Museu Colecção Berardo Palavras-chave: ponto, linha, plano, escala, textura, cor, espaço, volume, tempo, proximidade, distância, construção A vista exterior que se pode observar através desta parede em vidro (figura 14), leva-nos a entender o rigor da extrutura das linhas horizontais e verticais, tanto das janelas como das linhas extruturantes dos próprios blocos de pedra que compõem todo o edifício exterior. Ao observarmos através do grande vidro o edifício em frente, reparamos que ele se apresenta visualmente compartimentado dentro de quadrados criados pelas linhas verticais e horizontais da extrutura. Podemos desta forma e nessa divisão de fragmentos, convocar visualmente uma quadrícula que nos poderá facilitar a observação isolada de cada parcela do edifício, que na sua escala, compõem o todo. As linhas que sustentam toda esta imagem, traduzem o rigor volumétrico da pedra no espaço da construção, e os conceitos visuais de proximidade/ distância falam-nos das texturas do material usado. «Ao longe, obtém-se uma percepção visual de textura em relevo; ao pé, uma textura que poderemos definir como material»7 Os pontos negros que salpicam as paredes texturadas do edifício, não são nada mais nada menos que respiradores (figura 15). Existe uma serenidade que o olhar absorve e isso é-nos dado pelo descanso visual das cores pastel que as pedras comportam. Ao mesmo tempo que existe distância de volumes, existe o tempo e o espaço criado entre eles. Figura 15. Respirador 7. Bruno Munari, A arte como ofício, Editorial Presença, Lisboa, 2ª edição, 1982, pag. 97 Figura 16. Auditório (vista para o exterior), Museu Colecção Berardo Palavras-chave: plano, textura, espaço, movimento, tempo, regular, irregular, distorção, distância, transparência Nesta imagem de dois ambientes enquadrados em espaços diferentes (figura 16), podemos observar a particularidade de que estão assentes num mesmo plano, que se estende e se prolonga através do espaço interior para o espaço exterior. No interior, um chão regular em pedra polida, espelha e inverte a paisagem natural do exterior que envolve todo o edifício. Esses reflexos da natureza, prolongam-se visualmente para fora, através de um chão de água que se manifesta e movimenta através de pequenas irregularidades e texturas. Estas diferenças texturais evocam, só por si, sensações diversas tanto físicas como visuais. A primeira, estática e permanente, diz respeito ao silêncio interior e ao momento em que o tempo se encontra suspenso em si próprio; a segunda, exterior, mais distante e em permanente movimento, transmite- nos a possibilidade de uma extensão do olhar, mostrando-nos um chão de água reflector da realidade, distorcida pela acção de forças naturais, em que cada movimento avança para um tempo que se adivinha constante e veículo transformador visual de formas e texturas. «A distorção adultera o realismo, procurando controlar seus efeitos através do desvio da forma regular, e, em alguns outros casos, até mesmo da forma verdadeira.»8 8 Donis Dondis, Sintaxe da liniguagem visual, Martins Fontes, São Paulo, 2003, pag. 154 Irregular e regular Figura 17. Pormenor de alcatifa com sistema eléctrico Palavras-chave: linha, textura, cor, forma As texturas artificiais atribuídas a alguns objectos, podem transmitir-nos visualmente impressões de variadas formas e dizer-nos algo acerca dos materiais com que são feitos sem ser necessário o toque da mão. Nesta alcatifa (figura 17), a cor vermelha reflete um valor cromático, o qual associamos ao calor e ao conforto. A sua textura diz-nos visualmente que é feita de um material suave e que poderá ser mole ou áspero. Apercebemo- nos disso porque já todos nós tivemos a experiência de tocar alguma vez uma alcatifa, ficando essa memória associada à sensação que esse contacto estabeleceu e a qual ficou impressa junto ao conhecimento que temos das coisas. Poderemos também estabelecer alguns parâmetros com as sensações que temos em relação a outros materiais. É mais fácil para nós, muitas vezes, percebermos visualmente um objecto pela comparação com outro objecto diferente. No caso desta imagem, a alcatifa transmite-nos ao olhar uma moleza e uma uniformidade, tornando- se mais fácilentendermos porque os conhecemos como identificadores de uma experiência táctil de uma superfície em relevo. «Cada textura é formada por muitos elementos iguais ou similares, dispostos a igual distância entre si sobre uma superfície a duas dimensões ou com baixo-relevo. A característica das texturas é a uniformidade, o olho humano apreende-as sempre como superfície»9 9. Bruno Munari, A arte como ofício, Editorial Presença, Lisboa, 2ª edição, 1982, pag. 96 Representação de texturas visuais Figura 18. Exposição Amplitude, 2013 (pormenor de obra exposta) Angela Detanico e Rafael Lain, Museu Colecção Berardo Figura 19. Exposição Amplitude, 2013 (pormenor de obra exposta) Palavras-chave: linha, plano, ritmo, ordem, lógica, aleatório, repetição, textura, caos Angela Detanico e Rafael Lain, propõem-nos aqui vários planos (figura 18), os quais são construídos por linhas formadas por números, quer organiza- dos segundo uma regra de repetição, quer insinuando uma espécie de caos (figura 19). De qualquer modo estas duas formas de organização oferecem- nos duas leituras visualmente distintas. Podemos observar nas primeiras três linhas que foram usados diferentes al- garismos que nos evocam texturas visuais e ritmos pela repetição. Na quarta linha parece haver uma repetição de algarismos diferentes que nos obrigam a estabelecer uma lógica de organização mental. A última linha tem um padrão de algarismos que vai do zero ao nove e que se repete vezes sem conta. Numa primeira abordagem visual, pode parecer-nos que estas linhas não tem qualquer ordem lógica númerica, mas quando as observamos cui- dadosamente, transparece toda uma continuidade lógica e unificadora. «(...) a continuídade não se define apenas pelos passos ininterruptos que levam de um ponto a outro, mas também por ser a força coesiva que mantém unida uma composição de elementos díspares»10 As linha posicionadas por cima dos números propõem-nos, pela sua posição, mais ou menos próxima uma das outras, uma perspectiva visual transfor- mando a imagem numa paisagem construída com códigos que intuitiva- mente procuramos descodificar. 10 Donis Dondis, Sintaxe da liniguagem visual, Martins Fontes, São Paulo, 2003, pag. 159 Figura 21. Exposição Amplitude, 2013 (pormenor de obra exposta) Figura 20. Exposição Amplitude, 2013 (pormenor de obra exposta) Angela Detanico e Rafael Lain, Museu Colecção Berardo Palavras-chave: plano, tempo, ordem, caos, transparência, sobreposição, textura Manchas planas de texto, fazem parte do nosso dia-a-dia, através dos livros que lemos, das revista ou jornais. O tipo de letra adotado para cada um destes exemplos, varia conforme o design dos seus conteúdos gráficos. Há tipografias que nos transmitem sensações visuais diferentes umas das outras. Nas manchas de texto, como o exemplo que se vê na fotografia (figura 20), em que o texto corre numa certa ordem formando um plano, o corpo de letra tem um determinado tamanho sendo o seu tipo é patilhado. Podemos encontrar algumas linhas em que a letra, por vezes é regular e outras itálica. Visualmente e num contexto geral, apercebemo-nos dessa desigualdade pois as texturas criadas pelas diferentes manchas de texto, dizem-nos que existe nessas partes uma determinada distãncia visual entre si. Dentro do corpo do texto, podemos observar que, inesperadamente, surge uma mancha com uma diferente textura que nos chama a atenção para uma sobreposição de textos (figura 21). Essa porção de texto em transpar- ência, sugere-nos uma desordem em que as linhas de texto se sobrepõem regulares mas visualmente diferentes das outras linhas. «A experiência servirá para conhecer quantos tipos de textura podem existir; mantendo o príncipio de idealizar superfícies absolutamente uniformes, regularmente uniformes, mas muito diferentes umas das outras»11 11. Bruno Munari, A arte como ofício, Editorial Presença, Lisboa, 2ª edição, 1982, pag. 95 Figura 22 Exposição Amplitude, 2013 Angela Detanico e Rafael Lain, Museu Colecção Berardo Palavras-chave: linha, plano, movimento, ritmo, cor, luz, sombra Este quadrado (figura 22), formado por linhas verticais que, pela sua espessura, também se transformam noutros planos mais estreitos, dá-nos a ilusão de um movimento visual em que as linhas verticais adquirem um ritmo cromático que varia entre a luz e a sombra. Essas diferenças cromáticas, avançam nas duas extremidades do quadrado num tom escuro, progredindo em degradée para um centro luminoso, dando a ilusão de ser um plano curvo. «Variando a inclinação do gradiente, pode-se controlar a forma da curvatura percebida. Um gradiente mudando a uma razão constante produz o efeito de um plano inclinado, reflectindo o fato físico de que o ângulo de inclinação é constante em toda a superfície»12 A separação das linhas verticais por um pequeno espaço branco, torna- se diferente do que se fora uma mancha contínua e sem separação, mas com o mesmo degradée. O efeito de ritmo é-nos dado precisamente por esses espaços numa cadência variável de tonalidades que se vão desdobrando em cada forma vertical, sendo o nosso olhar o motor para que tal movimento se cumpra. 12 Rudolf Arnheim, Arte e percepção visual: uma psicologia da visão criadora, Pioneira, Ed. da Universidade de São Paulo, São Paulo 2ª edição, 1980, pag. 301 Figura 23. Exposição Amplitude, 2013, Angela Detanico e Rafael Lain, Museu Colecção Berardo Figura 24. Exposição Amplitude, 2013 (pormenor de obra exposta) Palavras-chave: linha, ritmo, aleatório, movimento, código Os textos que aqui vemos projectados na parede (figura 23), é mais uma instalação que faz parte da exposição Amplitudes. Estas palavras simples for- mam linhas que por sua vez são os ponteiros de um relógio. Cada ponteiro, tanto o das horas como dos minutos independentemente, é formado por certas palavras, que nos propõem alguns conceitos que aparentemente per- tencem a uma qualquer ordem aleatória. Quando as lemos temos que ser nós a dar-lhe essa amplitude de entendimento num exercício de descodifi- cação e de junção de conceitos. «A comunicação visual é assim, em certos casos, um meio insubstituível que permite a um emissor passar as informações a um receptor (...)»13 Os ponteiros, ao encontrarem-se, fazem surgir um encadeamento e inter- calar de palavras (figura 24), atribuíndo-se deste modo outros valores de descodificação, pela sobreposição e encontro dessas palavras, local para onde o olhar divaga num movimento ascendente em direcção ao topo. 13. Bruno Munari, A arte como ofício, Editorial Presença, Lisboa, 2ª edição, 1982, pag. 78 Figura 25. Matt Mullican (1951) Signs, 1980 Museu Colecção Berardo Palavras-chave: plano, ritmo, ordem, lógica, signo, cor Esta obra de Matt Mullican (figura 25), apresenta-nos um plano quadrado dividido em 16 quadrados mais pequeno, os quais são divididos em 4 gru- pos. Cada grupo, formado por 4 quadrados, tem uma cor que define o grupo. A obra desenvolve-se num ritmo de registo em que são usados pictogramas, símbolos informativos com que habitualmente nos confrontamos em espa- ços públicos. Existem cores quentes, neutras ou frias associadas a cada um destes símbo- los, os quais transmitem-nos impressões várias. Para além do valor formal de significados inscrito em cada pictograma, o que realmente os identifica como elementos numa escala de preferências e de sensações visuais, é a cor em cada um deles. «Essas qualidades podem afectar a posição espacial, uma vez que a temperatura da cor pode sugerir próximidade ou distância»14 É a cor que os distingue como elementos de cada grupo e não o seu signifi- cado. Por outro lado, é também a cor que nos obriga a fazermos uma sepa- ração associando cada elemento do grupo ao próprio grupo e daí tentarmos fazer uma interpretação lógica seguindo o príncipio da similaridade. 14 Donis Dondis, Sintaxe da liniguagem visual, MartinsFontes, São Paulo, 2003, pag. 125 Figura 26. Exposição Amplitude, 2013 (pormenor de obra exposta) Angela Detanico e Rafael Lain, Museu Colecção Berardo Figura 27. Exposição Amplitude, 2013 (pormenor de obra exposta) Palavras-chave: plano, ritmo, aleatório, tipografia, analogia A palavra Univers indica um conceito abrangente e abstrato daquilo que nos rodeia enquanto habitantes do planeta Terra. Mas também é o nome de um tipo de letra utilizada no design por designers gráficos. Aqui (figura 26), nesta intervenção, a palavra está colada a uma parede branca. Para o observador, esta imensa parede branca onde assenta a pala- vra Univers, já por si é um universo. A palavra define o seu tipo de letra, mas também o espaço em que está inserida. Ao aproximarmo-nos da palavra, constatamos que toda ela está dividida com pequenos cortes (figura 27). Em frente à parede branca existe uma imensa parede negra onde assentam aleatóriamente, pequenos planos bran- cos como se fossem a representação de pontos de luz num imenso universo abstracto. . «Mas captar a semelhança estrutural entre uma coisa e qualquer representação dela é, contudo, uma enorme proeza de abstracção.»15 Neste contexto, todos os pequenos cortes da letra começam a fazer sen- tido, pois eles justificam a desintegração da palavra, resultando na imagem daquilo que nós consideramos universo - uma imensa parede escura com múltiplos pontos brancos. 15 Rudolf Arnheim, Arte e percepção visual: uma psicologia da visão criadora, Pioneira, Ed. da Universidade de São Paulo, São Paulo 2ª edição, 1980, pag. 130 Figura 28. Exposição Amplitude, 2013 (Angela Detanico e Rafael Lain, Museu Colecção Berardo Palavras-chave: linha, ritmo, ordem, repetição, textura, espaço, analogia, código Nesta sala do Museu, as linhas que estão coladas ao chão (figura 28), num primeiro relance parecem-nos uma espécie de trajecto composto por traços organizados que nos obrigam a seguir um percurso segundo uma ordem pré-estabelecida. São linhas negras feitas com fita adesiva que se repetem, ora horizontal ora verticalmente, conforme a nossa posição no espaço e que nos fazem interrogar acerca da sua função. O trabalho desenvolvido por Angela Detanico e Rafael Lain, incide muitas vezes na descodificação por analogia - um traço vertical é análogo a uma letra do alfabeto, um traço horizontal é outra letra. Uma formação de traços verticais e horizontais dispostos de uma certa ordem, formam uma palavra segundo um padrão codificado. . «A ordenação pode seguir uma fórmula qualquer, mas em geral envolve uma série de coisas dispostas segundo um padrão ritmíco.»16 16 Donis Dondis, Sintaxe da liniguagem visual, Martins Fontes, São Paulo, 2003, pag. 157 Padrão codificado Figura 29. Porta de elevador, com número de identificação do piso 2 Figura 30. Piso 0 Palavras-chave: tipografia, cor, signo, contraste A numeração tipográfica é usada muitas vezes como fonte de significados visuais, que nos transmitem informações importantes para quando circula- mos no interior de espaços públicos. Nestas imagens (figura 29 e 30), temos um exemplo de uma numeração que nos aponta o piso onde nos encontra- mos. Estes números de grande escala foram colocados junto ao elevador de cada piso. A cor escolhida foi o vermelho, pois é a cor que mais visualmente chama a atenção e cujo cromatismo e luminosidade contrastam mais com as paredes brancas. A sua posição junto aos elevadores indica mais facilmente o local dos acessos aos outros pisos. . «Suportes da comunicação visual são, portanto o sinal, a cor, a luz, o movi- mento...que são usados de acordo com quem recebe a mensagem.»17 Outra particularidade na escolha gráfica deste posicionamento tipográfico, é o número dobrado na esquina. Tanto é visivel e indicativo para quem vem de um lado do corredor como do outro. 17. Bruno Munari, A arte como ofício, Editorial Presença, Lisboa, 2ª edição, 1982, pag. 80 Figura 31. Tony Cragg (1949) Three modern buildings, 1984 Museu Colecção Berardo Palavras-chave: volume, plano, ritmo, ordem, repetição, textura, constução, cor Nesta imagem, podemos observar uma escultura de Tony Cragg (figura 31) que no propõem 3 peças construídas com tijolos. Estes volumes dão- nos três exemplos de materiais de construção diferentes entre si - tijolos feitos de cimento e tijolos feitos de argila. Essa diferença poderá ser visível somente pela observação. Através da sua cor, textura e pela forma como são construídos. Por exemplo, os tijolos de cimento aparentam ser bastante mais robustos que os tijolos de argila que têm uma espessura de placas mais estreita. «Os próprios materiais de construção têm, no código visual de construção civil, uma textura particular.»18 O artísta convoca aqui o tema da construção de edifícios numa sobreposição de tijolos, organizados por uma ordem formal, sugerindo, pelos planos frontais, estruturas urbanas as quais apontam para um ritmo de repetição visual, em que os próprios buracos que formam a estrutura do tijolo, se assemelham às janelas destas formas de edifícios. 18. Bruno Munari, A arte como ofício, Editorial Presença, Lisboa, 2ª edição, 1982, pag. 79 Figura 32. Joseph Kosuth (1945), Self-Described and Self-Defined, 1965 Museu Colecção Berardo Palavras-chave: linha, luz, tipografia, cor Esta obra do artista americano Joseph Kosuth (figura 32), é uma peça conceptual em que o uso da tipografia se torna um meio artístico para a transmissão de conceitos e de mensagens para o público. As letras construídas em tubo de neon sugerem reclamos luminosos muito usados nos anos 60 e 70 em lojas, móteis, em marcas de produtos, fachadas de edifícios. É nesse imaginário, porquanto comunicar um desejo se pode traduzir nestas luzes apetecíveis de qualquer marca comercial, que encaixam estes textos de Kosuth como o espelho para uma auto reflexão. A frase encontra-se numa linha horizontal agarrada a uma parede, a qual nos dá a ilusão de emanar um calor abrasador. As letras, a uma temperatura visualmente quente, transformam, envolvem e determinam o olhar com a sua cor vermelha, estimulando o observador para uma expressividade hipnótica. «Ao invés, a cor desperta em nós a reacção também provocada pela estimulação do calor, e as palavras “quente” e “fria” são usadas para descrever cores, simplesmente porque a qualidade expressiva em questão é mais forte e biologicamente mais vital no âmbito da temperatura.»19 19 Rudolf Arnheim, Arte e percepção visual: uma psicologia da visão criadora, Pioneira, Ed. da Universidade de São Paulo, São Paulo 2ª edição, 1980, pag. 360 glossário Aleatório - Sujeito ao acaso. Analogia - Relação, semelhança entre elementos diferentes. Caos - Casualidade, desorganização intencional ou acidental. Código - Conjunto de normas que relacionam significantes com significados. Complexidade - Forças elementares, resultantes de um difícil processo de organização do significado no âmbito de um determinado padrão. Concentração - Agrupamento de elementos reunidos num ponto. Cor - Interacção do espectro de luz com os receptores sensitivos do olho humano, resultando na percepção visual das categorias conhecidas por vermelho, azul, amarelo, verde e outras. Construção - Edificação de um projeto previamente elaborado. Contraste - Oposição entre elementos, cor ou forma, em que um faz sobressair o outro. Dispersão - Afastamento de elementos em várias direcções. Distância - Intervalo que separa dois pontos num determinado espaço. Distorção - Adulteração do real através da deformação da imagem. Equilíbrio - Elementos actuando com forças iguais e contrárias, resultando visualmente num todo. Escala - Representação das medidas de um determinado objecto, na relação e proporção com a sua medida real. Espaço - Campo de acção e de relação entre formas ou elementos. Forma - Planos com limites precisos. Irregular - Forma inesperada semqualquer espécie de lógica. Linha - Cadeia de pontos. Lógica - Organização coerente e estruturada. Luz - Onda eletromagnética, cujo comprimento de onda se inclui num determinado intervalo dentro do qual o olho humano é a ela sensível. Movimento - Na linguagem visual, é a ilusão criada de um elemento animado através de formas estáticas. Opacidade - Propriedades de um corpo que não permite que se veja através dele. Ordem - Disposição lógica. Perspectiva - Representação espacial das diversas distâncias e proporção que os objetos têm entre si. Plano - Superfície lisa gerada por uma reta que se move em torno de um eixo. Ponto - Unidade de comunicação visual mais simples e irredutivelmente mínima. Próximidade - Pequena distância entre objectos; pequeno intervalo de tempo. Regular - Distribuição uniforme de elementos. Repetição - Número de execuções de um mesmo elemento. Ritmo - Elementos que se repetem, seja na dimensão temporal ou espacial, segundo um padrão estabelecido. Signo - Combinação de um conceito (significado) com uma imagem (significante). Simetria - Factor de equilíbrio em que as duas partes de uma composição são iguais. Simplicidade - É a síntese dos vários elementos de uma composição. Sobreposição - Acrescentar por camadas. Sombra - Área escurecida pela presença de um corpo opaco entre ela e uma fonte de luz. Tempo - Período que separa dois pontos, usados como base para classificar uma acção. Textura - Características regulares ou irregulares da forma de uma determinada superfície. Tipografia - Desenho de um determinado tipo de letra usado num texto escrito ou impresso. Transparência - Detalhes visuais através dos quais se pode ver, de tal modo que o que lhes fica atrás também nos é revelado aos olhos. Volume - Espaço contido dentro de uma forma tridimensional. Bibliografia Bruno Munari, A arte como ofício, Editorial Presença, Lisboa, 2ª edição, 1982 Donis Dondis, Sintaxe da liniguagem visual, Martins Fontes, São Paulo, 2003 Rudolf Arnheim, Arte e percepção visual: uma psicologia da visão criadora, Pioneira, Ed. da Universidade de São Paulo, São Paulo 2ª edição, 1980
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