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Este livro é dedicado à minha amiga Thia Rose. Quando nós tínhamos 12 anos, juramos que seríamos melhores amigas para sempre... ...e, após muitos mais anos do que gostaríamos de contar, ainda somos. Sumário Nota dos editores Agradecimentos Capítulo Um .Sorte de Mercador Capítulo Dois. Sonhos ylesianos Capítulo Três. Pouso de emergência Capítulo Quatro. Muuurgh Capítulo Cinco. Guerras de especiarias Capítulo Seis. Alderaan e de volta outra vez Capítulo Sete. Bria Capítulo Oito. Revelações Capítulo Nove. Achados e perdidos Capítulo Dez. Adeus ao paraíso? Capítulo Onze. Velocidade de escape Capítulo Doze. Togoria Capítulo Treze. Retorno a Corellia Capítulo Catorze. Na pior em Coruscant Capítulo Quinze. Saindo do fogo Epílogo. Renascimento NOTA DOS EDITORES O universo de STAR WARS é infinitamente rico e criativo. Desde 1977, inúmeros planetas, raças alienígenas e personagens vêm despertando a imaginação de fãs do mundo inteiro. A ideia de expandir um universo ficcional, embora não seja nova, ganha novas proporções com STAR WARS. O livro STAR WARS: from the adventures of Luke Skywalker , novelização do Episódio IV da saga, foi lançado em 1976, antes mesmo da estreia do filme no cinema. E, antes do final da trilogia clássica, já existiam diversos quadrinhos e romances, que muitas vezes davam sinais dos caminhos a ser seguidos depois nas telas, ou mesmo, como no caso do livro Splinter of the mind’s eye , de Alan Dean Foster, diferiam completamente da trajetória seguida nas continuações. Esse era apenas um prelúdio da força que o Universo Expandido de STAR WARS acumularia nas décadas seguintes. Embora outras rarefeitas obras tenham sido lançadas no início dos anos 1980, dois marcos importantes deram impulso à saga, projetando-a ao atual ousado projeto transmídia: em 1987, veio o lançamento do RPG STAR WARS: The Roleplaying Game ; em 1991, a publicação de STAR WARS: Herdeiro do Império , de Timothy Zahn. Enquanto a importância do RPG foi estabelecer novos cenários e trazer detalhes do universo de STAR WARS, o livro de Zahn fez história ao ser o primeiro com autorização oficial da Lucasfilm para abordar os acontecimentos posteriores ao Episódio VI. Os personagens e as histórias do livro foram aproveitados por toda uma nova geração de autores, que escreveram centenas de obras a fim de complementar cada vez mais esse universo e saciar a sede dos fãs, especialmente durante o intervalo de quinze anos entre os lançamentos das duas primeiras trilogias no cinema – e também depois. Em 2014, a Lucasfilm lançou o novo conceito de STAR WARS, aplicável a filmes, HQs, livros, videogames e séries televisivas relacionados à franquia, formando um só cânone. Juntos, todos esses registros contam uma única história no universo de STAR WARS, complementando e continuando os filmes lançados no cinema entre 1977 e 2005, além de servirem como preparação para os tão esperados novos filmes, a começar com STAR WARS: O despertar da Força em 2015. Todas as obras publicadas antes de 2014 passam a ser classificadas como Legends : histórias que não serviram como base para o cânone estabelecido pela Lucasfilm para STAR WARS, mas cuja importância e cuja qualidade continuam sendo apreciadas. Participando dessa nova e empolgante fase de STAR WARS, a Editora Aleph pretende lançar todos os romances adultos do novo cânone, bem como uma seleção dos títulos Legends mais relevantes. Convidamos os leitores a embarcar conosco nessa jornada rumo a uma galáxia muito, muito distante. E trata-se de uma viagem que não tem ponto de partida nem direção definidos. Não importa por qual obra você decida começar, seja por uma das novas ou uma das Legends . Temos a certeza de que viverá uma grande aventura. Que a Força esteja com você. EDITORA ALEPH Agradecimentos Escrever para o universo STAR WARS é como se tornar parte de uma comunidade – ou até mesmo de uma família. Os autores são encorajados a ler os livros uns dos outros, e há dúzias de livros de não ficção e técnicos dedicados aos personagens, equipamentos, planetas e assim por diante. Nós, autores, trocamos informações e dicas e nos ajudamos mutuamente sempre que possível. Assim sendo, muitas, muitas pessoas me ajudaram com este livro. Com a advertência de que quaisquer erros que os leitores possam encontrar são só meus, eu gostaria de agradecer às seguintes pessoas: Kevin Anderson, que me deu minha primeira chance de escrever para o universo STAR WARS. Kevin e Rebecca Moesta também me ajudaram com informações sobre o histórico e os personagens de STAR WARS, além de me darem apoio, incentivo e sábios conselhos. Michael Capobianco, meu colega e marido, pelas sessões de brainstorming, pela ajuda na pesquisa, pelos conselhos inteligentes, e por me trazer o jantar quando eu estava ocupada demais escrevendo para perceber que estava com fome. Obrigada, querido. Bill Smith e Peter Schewighofer da West End Games por terem me ajudado a descobrir as respostas para perguntas tão estranhas e exóticas como “que tipo de roupa de baixo Han Solo prefere?”. Eles me “desempacaram” de tais dilemas mais vezes do que posso contar. Tom Dupree e Evelyn Cainto da Bantam Books pela ajuda, conselhos e incentivo. Sue Rostoni e Lucy Autrey Wilson da Lucasfilm pelos “fatos reais”. Michael A. Stackpole, pela ajuda em descobrir como quebrar um raio trator, e outros conselhos relacionados a naves e pilotagem. Steve Osmanski, por ter lido o manuscrito e me oferecido conselhos preciosos sobre coisas “techies”. Como sempre, Kathy O’Malley, amiga e colega de escrita, por segurar minha mão e me dar um ocasional e merecido chute no traseiro. E, é claro, George Lucas, que começou tudo isso. STAR WARS me deixou louca na primeira vez que vi, e foi uma honra dar minha pequena contribuição para a saga. Obrigada de novo, e que a Força esteja com todos vocês. O antiquíssimo transporte de tropas, uma relíquia das Guerras Clônicas, pairava silencioso e aparentemente abandonado em órbita sobre o planeta Corellia. As aparências enganam, porém. A velha nave da classe libertador, outrora batizada de Guardião da República , agora vivia uma nova existência como Sorte de Mercador . O interior tinha sido inteiramente estripado e reformado com um sortimento heterogêneo de alojamentos, e agora continha quase uma centena de seres sencientes, muitos deles humanoides. Naquele momento, porém, apenas alguns deles estavam acordados, já que era o meio do ciclo de repouso. Havia um turno de serviço na ponte, é claro. A Sorte de Mercador passava muito de seu tempo em órbita, mas ainda era capaz de viajar pelo hiperespaço, mesmo que fosse lenta para os padrões modernos. Garris Shrike, o líder do “clã” frouxamente unido de mercadores que vivia na Sorte , era um capataz rígido, que seguia protocolos navais formais. Então sempre havia um turno de serviço na ponte. As ordens de Shrike a bordo da Sorte eram sempre cumpridas, pois ele não era um homem a ser confrontado sem um bom motivo e uma pistola carregada. Governava o clã de mercadores como um déspota não tão benevolente. Um sujeito magro de altura mediana, Garris era bonito de uma forma durona. As mechas de cabelo branco-prateado acima das têmporas acentuavam os cabelos negros e os olhos azul-gelo. Tinha lábios finos e raramente sorria; jamais por bom humor. Garris Shrike era um exímio atirador e tinha passado a juventude como caçador de recompensas. Havia abandonado essa carreira, porém, devido ao “azar”; ou seja, sua falta de paciência tinha lhe feito sacrificar as recompensas mais polpudas, reservadas para entregas vivas. Corpos mortos frequentemente valiam muito menos. Entretanto, Shrike era dono de um senso de humor doentio, especialmente no que dizia respeito ao sofrimento alheio. Quando estava ganhando no jogo, era sujeito a surtos de alegria maníaca, especialmente se também estivesse bêbado. Que era como ele estava naquele momento. Sentado à mesa no antigo alojamento de oficiais alistados, Shrike jogava sabacc e virava canecas da poderosa cerveja de Alderaan, suabebida favorita. Shrike espiou suas cartas chipadas, calculando mentalmente. Deveria ele manter aquela mão, na esperança de completar um sabacc puro? A qualquer momento, o crupiê poderia apertar um botão e os valores de todas as cartas mudariam. Se isso acontecesse, ele estaria perdido, a não ser que comprasse mais duas cartas e jogasse a mão quase toda no campo de interferência no centro da mesa. Um dos outros jogadores, um imenso Elomin, virou a cabeça com presas e deu uma olhada para trás subitamente. Havia uma luz piscando num dos painéis auxiliares de status. O enorme ser peludo grunhiu, depois comentou em língua básica gutural: – Tem alguma coisa estranha com o sensor da tranca do arsenal, capitão. Shrike insistia em manter protocolo e cadeia de comando “apropriados”, especialmente no que se aplicasse a ele mesmo. A não ser que estivesse metido em alguma aventura em terra firme, sempre vestia uniforme militar dentro da Sorte; um uniforme que ele mesmo tinha desenhado, com base no traje de gala de um moff de alta patente. Era cheio de “medalhas” e “condecorações” que Shrike tinha colecionado em casas de penhores pela galáxia. Agora, ao ouvir o aviso do Elomin, ele ergueu os olhos embaçados, esfregou- os, depois se endireitou e largou as cartas chipadas na mesa. – O que foi, Brafid? O gigante franziu o focinho dentuço. – Não sei direito, capitão. Agora está normal, mas alguma coisa piscou, como se a tranca tivesse dado curto por um segundo. Deve ter sido só uma flutuação de força momentânea. O capitão se levantou com graça e coordenação incomuns, que não foram prejudicadas pelo “uniforme” extravagante, e contornou a mesa para avaliar os indicadores. Todos os sinais de embriaguez desapareceram. – Não foi uma flutuação de força – decidiu depois de um momento. – Foi outra coisa. Em seguida, o capitão se dirigiu ao humano alto e corpulento à sua esquerda. – Larrad, dê uma olhada nisto. Alguém deu curto na tranca e colocou uma simulação para nos fazer achar que era só uma flutuação de força. Temos um ladrão a bordo. Todo mundo armado? Larrad, que calhava de ser o irmão de Garris, Larrad Shrike, deu tapinhas no coldre na perna e assentiu com a cabeça. Brafid, o Elomin, apontou o “formigador”, um aguilhão elétrico que era sua arma preferida, embora o alienígena peludo fosse grande o bastante para pegar a maioria dos humanoides e parti-los ao meio em seu joelho. A outra pessoa presente, uma Sullustana que trabalhava como a navegadora da Sorte , levantou-se e mostrou a arma de raios de tamanho reduzido que portava. – Pronta para a ação, capitão! – guinchou ela. Apesar de ser baixinha, com bochechas caídas e grandes olhos brilhantes e belos, Nooni Dalvo parecia ser quase tão perigosa quanto o imenso Elomin, que era seu melhor amigo a bordo. – Ótimo – resmungou Shrike. – Nooni, vá colocar um guarda no arsenal, para o caso de o ladrão voltar. Larrad, ative os biossensores, veja se você consegue identificar o larápio e para onde ele vai. O irmão de Shrike fez que sim com a cabeça e se curvou sobre o painel de controle auxiliar. – Humano corelliano – anunciou depois de um momento. – Homem. Jovem. Altura: 1,8 metro. Cabelos e olhos escuros. Físico esguio. O biossensor o reconhece. Ruma para a popa, em direção à cozinha. A expressão de Shrike se endureceu até que seus olhos estavam tão frios e azuis quanto as geleiras de Hoth. – O moleque Solo – disse ele. – É o único metido o bastante para tentar uma coisa dessas. – O capitão flexionou os dedos e depois os cerrou num punho. Seu anel, feito de uma gema solitária de veneno-de-sangue devaroniano, reluziu num prateado baço sob as luzes da antepara. – Bem, peguei leve com ele até agora, porque ele manda bem no swoop, e eu nunca perdi apostando nele, mas agora chega. Esta noite vou ensinar esse garoto a respeitar a autoridade, e ele vai se arrepender de ter nascido. Shrike exibiu os dentes, muito mais brilhantes que a gema do anel. – Vai se arrepender também do dia que eu o “encontrei” dezessete anos atrás e trouxe seu traseiro de fedelho chorão de fralda molhada para a Sorte. Sou um homem paciente, tolerante... – Ele suspirou dramaticamente. – ... como a galáxia bem sabe, mas até eu tenho meus limites. Deu uma olhada no irmão, que parecia bem constrangido. Garris se perguntou se Larrad estaria se lembrando da última sessão de castigo do moleque Solo um ano antes. O garoto tinha ficado dois dias sem poder andar. Shrike cerrou os lábios. Ele não toleraria nenhum tipo de brandura em seus subordinados. – Certo, Larrad? – indagou ele, baixo demais. – Certo, capitão! Han Solo segurou a arma de raios roubada enquanto se esgueirava pelo estreito corredor de metal. Quando plugou o simulador e forçou a tranca do armário de arsenal, teve apenas um momento para enfiar a mão e agarrar a primeira arma que tocou. Não houve tempo para avaliar e escolher. Nervoso, o rapaz afastou as mechas de cabelo castanho úmidas que caíam sobre sua testa e percebeu que estava suando. A arma parecia pesada e desajeitada em suas mãos enquanto ele a examinava. Han raramente pegara numa arma antes, e só sabia como conferir a carga porque tinha lido sobre isso. Nunca tinha disparado um tiro. Garris Shrike não permitia que ninguém além de seus oficiais andasse armado. O jovem piloto de swoop estreitou os olhos na penumbra, abriu um pequeno painel na parte mais grossa do cano e espiou as leituras. Ótimo. Carga completa. Shrike pode ser um valentão e um idiota, mas sabe como manter uma nave organizada. Solo não admitiria nem mesmo para si o quanto ele realmente temia e odiava o capitão da Sorte de Mercador . Tinha aprendido há muito tempo que demonstrar qualquer tipo de medo era garantia de uma surra rápida, ou coisa pior. A única coisa que os valentões e os idiotas respeitavam era coragem; ou, pelo menos, bravatas. Então Han Solo tinha aprendido a nunca deixar que o medo emergisse em sua mente ou coração. Havia momentos em que ele ficava vagamente ciente de que ele estava lá, bem no fundo, enterrado sob camadas de dureza das ruas, porém, sempre que reconhecia o sentimento pelo que realmente era, Han o enterrava ainda mais fundo, com vontade. Como teste, ele levou a arma de raios até a altura dos olhos e desajeitadamente fechou um olho castanho, enquanto espiava ao longo do cano. O bocal da arma oscilou de leve, e Han praguejou baixinho ao perceber que a mão estava tremendo. Qual é, disse a si mesmo, mostre que tem uma espinha dorsal, Solo. Cair fora desta nave e escapar de Shrike valem um pouco de risco. Deu uma olhada para trás por reflexo, depois se virou bem a tempo de se abaixar para passar sob um conduíte de energia que pendia baixo. Tinha escolhido esta rota porque ela evitava todos os alojamentos e áreas recreativas, mas era tão estreita e baixa que Han começava a se sentir claustrofóbico enquanto avançava pé ante pé, resistindo à vontade de ficar olhando para trás. Adiante, o túnel se alargava e Han percebeu que estava quase em seu destino. Só mais alguns minutos , disse a si mesmo. Ele se movia com uma graça furtiva que tornava seu progresso tão silencioso quanto as almofadinhas peludas nas patas de um wonat. Ele estava contornando os módulos de hiperespaço naquele momento e depois chegaria a um corredor transversal maior. Han virou à direita, aliviado em poder andar ereto. Esgueirou-se até a porta da cozinha principal e hesitou do lado de fora, prestando atenção em cheiros e ruídos. Ruídos... sim, apenas aquele que ele esperava escutar. A algazarra das panelas, o spluuuush da massa sendo esmurrada e, por fim, os suaves sons dela sendo sovada. Dava para sentir o cheiro da massa. Pão wastril, o favorito dele. Han espremeu os lábios. Com sorte, ele não estaria aqui para comer nenhum pão dessa fornada em particular. Meteu a arma de raios no cinto, abriu a porta e entrou na cozinha. – Ei... Dewlanna... – chamou ele em voz baixa. – Sou eu. Vim me despedir. A criatura alta e peluda que estava sovando vigorosamente a massa de wastril girou para o rapazcom um grunhido suave e inquisitivo. O nome completo de Dewlanna era Dewlannamapia, e ela tinha sido a melhor amiga de Han desde que viera morar a bordo da Sorte de Mercador há quase 10 anos, quando Han tinha mais ou menos 9. (O jovem piloto de swoop obviamente não fazia ideia de quando tinha nascido. Ou quem foram seus pais. Se não fosse por Dewlanna, ele não saberia nem que seu sobrenome era “Solo”.) Han não conseguia falar wookiee; tentar reproduzir os grunhidos, rosnados, latidos e rugidos deixava sua garganta dolorida, e ele sabia que soava ridículo; mas entendia muito bem. Por sua vez, Dewlanna não conseguia falar a língua básica, mas a compreendia tão bem quanto a própria língua. Assim sendo, a comunicação entre o jovem humano e a idosa viúva Wookiee era fluente, mas... diferente. Han tinha se acostumado à situação fazia anos e nem pensava mais no assunto. Ele e Dewlanna simplesmente... conversavam. Entendiam um ao outro perfeitamente. Agora ele ergueu a pistola roubada, tomando o cuidado de não apontá-la à amiga. – Sim – respondeu ele à pergunta de Dewlanna. – É esta noite. Vou embora da Sorte de Mercador e não volto nunca mais. Dewlanna ribombou de volta preocupada enquanto voltava automaticamente a sovar a massa. Han balançou a cabeça, lhe dando um sorriso torto. – Você se preocupa demais, Dewlanna. Claro que eu planejei tudo. Estou com um traje espacial escondido num armário perto das docas de cargueiros- robô, e tem uma nave atracada lá agora que vai partir assim que terminar de descarregar e reabastecer. Um cargueiro-robô, que vai rumar para onde eu quero ir. Dewlanna socou a massa, depois grunhiu uma pergunta. – Vou para Ylesia – contou Han. – Lembra que eu lhe contei tudo sobre esse lugar? É uma colônia religiosa perto do território Hutt, e eles oferecem aos peregrinos santuário do universo exterior. Lá eu estarei a salvo de Shrike. E... – Ele ergueu um pequeno holodisco para que a cozinheira Wookiee pudesse ver. – Veja só isso! Eles puseram um anúncio procurando um piloto! Já usei o resto dos créditos da minha porção daquele último serviço que a gente fez para mandar a mensagem, avisando que vou fazer uma entrevista pelo emprego. Dewlanna rugiu baixinho. – Ei, não posso aceitar isso – protestou Han, assistindo enquanto a cozinheira colocava os pães nas formas e então na grade termal, para que assassem. – Vou ficar bem. É só surripiar alguns créditos a caminho da nave-robô. Não esquenta, Dewlanna. A Wookiee o ignorou e atravessou rapidamente a cozinha, um vulto peludo e um pouco curvado que se movia com agilidade, apesar da idade avançada. Dewlanna tinha quase 600 anos, pelo que Han sabia. Velha até para um Wookiee. Ela desapareceu pela porta do seu alojamento particular e então, um momento depois, ressurgiu segurando uma bolsa trançada de algum material sedoso que poderia até, pela aparência, ser de pelo de Wookiee. Dewlanna estendeu a bolsa para Han com um queixume insistente. Han balançou a cabeça de novo e colocou as mãos para trás de forma infantil. – Não – retrucou com firmeza. – Não vou levar suas economias, Dewlanna. Você precisa desses créditos para comprar uma passagem e me encontrar depois. A Wookiee inclinou a cabeça para o lado e fez um ruído curto e inquisitivo. – É claro que você vai me encontrar! – insistiu Han. – Você não acha que eu vou deixar você apodrecendo aqui nessa lata velha, né? Shrike fica mais maluco a cada ano, e ninguém está a salvo a bordo da Sorte . Depois que eu chegar a Ylesia e me assentar, vou mandar buscar você. Ylesia é um retiro religioso, e eles oferecem asilo aos peregrinos. Shrike não poderá nos tocar por lá. Dewlanna botou a mão dentro da bolsa, usando os dedos surpreendentemente ágeis para selecionar as fichas de créditos, e por fim entregou várias ao jovem amigo. Com um suspiro, Han se rendeu e as aceitou. – Certo... tudo bem. Mas isto é só um empréstimo, combinado? Eu vou pagar você. Os sacerdotes Ylesianos estão oferecendo um bom salário. Ela concordou com um grunhido e em seguida, sem aviso, usou a pata imensa para agitar os cabelos do rapaz, deixando-os eriçados em completa bagunça. – Ei! – exclamou Han. Cafunés de Wookiees não eram moleza. – Eu acabei de pentear o cabelo! Dewlanna grunhiu, divertida, e Han se endireitou indignado. – Eu não fico mais bonito relaxado. Já falei para você que o termo “relaxado” não é um elogio para os humanos. Han encarou a amiga, e sua indignação desapareceu conforme ele percebeu que esta seria a última vez em um longo tempo que veria aquele amado rosto peludo e os gentis olhos azuis. Dewlanna tinha sido sua amiga mais próxima – e frequentemente sua única amiga – por tanto tempo. Deixá-la era difícil, muito difícil. Num impulso, o jovem corelliano se jogou contra a calorosa e sólida amiga, abraçando-a com força. Sua cabeça batia no meio do peito dela. Han se lembrava de quando mal alcançava a cintura. – Vou sentir saudades suas – afirmou ele, o rosto abafado contra o pelo e os olhos ardendo. – Você se cuide, Dewlanna. Ela rugiu baixinho, e os longos braços peludos o envolveram quando ela devolveu o abraço. – Ora, se esta não é uma cena tocante – comentou uma voz fria e familiar demais. Han e Dewlanna ficaram paralisados, e depois giraram para encarar o homem que entrou pelo alojamento da Wookiee. Garris Shrike estava encostado na porta, seus belos traços formando um sorriso que fez o sangue de Han gelar nas veias. Ao seu lado, ele sentiu Dewlanna estremecer, de medo ou talvez de ódio. Dois outros tripulantes, Larrad Shrike e Brafid, o Elomin, estavam atrás de Shrike. Han cerrou o punho em frustração. Se fosse apenas Shrike, ele teria podido tentar atacar o capitão da Sorte . Com Dewlanna para ajudar, os dois talvez conseguissem subjugar Garris, porém, com Larrad e o Elomin presentes, não teriam chance. Han estava muito ciente da pistola roubada enfiada no cinto. Por um momento, considerou sacá-la, mas abandonou a ideia. Shrike era conhecido por ser rápido no gatilho. Não teria a menor chance de batê-lo, e poderia acabar provocando as mortes dele e de Dewlanna. Shrike estava claramente enfurecido. Han lambeu os lábios secos. – Escute, capitão – começou ele. – Eu posso explicar... Shrike se endireitou e estreitou os olhos. – Você pode explicar o quê , seu traidorzinho covarde? O roubo à sua família? A traição àqueles que confiaram em você? A facada que você deu nas costas do seu benfeitor, seu ladrãozinho chorão? – Mas... – Estou cansado de você, Solo. Fui tolerante até hoje por causa da sua habilidade incrível como piloto de swoop, e todos aqueles créditos de premiação vieram a calhar, só que a minha paciência se esgotou. – Shrike enrolou cerimoniosamente as mangas do extravagante uniforme, depois cerrou as mãos em punhos. A luz artificial da cozinha fez o anel de gema de sangue brilhar num prateado baço. – Vamos ver o que alguns dias enfrentando envenenamento de sangue devaroniano farão com sua atitude; além de alguns ossos quebrados, talvez. Estou fazendo isso pelo seu próprio bem, moleque. Algum dia você vai me agradecer. Han engoliu em seco de terror quando Shrike começou a se aproximar. Tinha agredido o capitão mercador uma única vez antes, há dois anos, quando se sentira arrogante depois de vencer o vale-tudo de gladiadores em Jubilar; e se arrependera imediatamente. A velocidade e força do golpe de resposta de Garris tinham jogado sua cabeça para trás e ferido seus lábios tão completamente que Dewlanna fora forçada a alimentá-lo com mingau por uma semana até sararem. Com um rosnado, Dewlanna deu um passo à frente. A mão de Shrike caiu na pistola. – Você fique fora desta, Wookiee velha – retrucou ele com tanta ferocidade quanto Dewlanna. – Sua comida não é tão boa assim. Han segurou o braço peludo da amiga e tentou detê-la. – Dewlanna, não! Ela se soltou do rapaz como se ele fosse um inseto irritante e rugiu para Shrike. O capitão sacou a pistola de raios, e o caos irrompeu. – Nãããoo! – gritou Han. O rapaz saltou em seguida, com o pé estendido parafrente numa velha técnica de luta de rua. O peito do pé acertou solidamente o esterno de Shrike. O capitão perdeu o fôlego num grande houf! enquanto caía para trás. Han rolou ao aterrissar. Um disparo de formigador passou fervendo de raspão pela sua orelha. – Larrad! – ofegou o capitão enquanto Dewlanna vinha para cima dele. O irmão de Shrike sacou a arma de raios e a apontou contra a Wookiee. – Pare, Dewlanna! Suas palavras foram tão inúteis quanto as de Han. O sangue de Dewlanna fervia; ela estava possuída pela fúria guerreira wookiee. Com um rugido que ensurdeceu os combatentes, ela agarrou o pulso de Larrad e deu um puxão, girando-o e lhe dando um tranco numa paródia terrível do gesto de chicotear. Han ouviu um crunch misturado a vários pops enquanto tendões e ligamentos cediam. Larrad Shrike berrou, um grito agudo e estridente tão cheio de dor que o braço do jovem corelliano doeu em solidariedade. Han pegou a pistola no cinto e disparou um tiro brusco contra o Elomin que saltava para frente, com o formigador em riste e apontado para o abdome de Dewlanna. Brafid uivou e soltou a arma. Han ficou espantado de ter conseguido acertar, mas não teve muito tempo para se maravilhar com sua mira precisa. Shrike se levantava cambaleante com a pistola na mão, mirando diretamente na cabeça de Han. – Larrad? – gritou ele para o amontoado de agonia que era seu irmão. Larrad não respondeu. Shrike engatilhou a pistola e chegou mais perto de Han. – Pare, Dewlanna! – rosnou o capitão para a Wookiee. – Ou seu amiguinho Solo vai morrer! Han largou a arma e ergueu as mãos num gesto de rendição. Dewlanna se deteve onde estava e grunhiu baixinho. Shrike firmou a arma e o dedo tencionou o gatilho. Suas feições estavam marcadas por um ódio puro e malévolo. Então ele sorriu, seus pálidos olhos azuis cintilando com alegria brutal. – Pelos crimes de insubordinação e ataque ao seu capitão – anunciou ele –, eu o sentencio à morte, Solo. Que você apodreça em todos os infernos que já existiram. Han ficou paralisado, esperando o raio que o fritaria a qualquer momento, mas Dewlanna rugiu, empurrou Han para o lado e saltou contra Shrike. O raio de energia da pistola a acertou em cheio no peito, e a Wookiee desabou num monte de pelo chamuscado e carne queimada. – Dewlanna! – gritou Han em agonia. Com uma velocidade que ele não sabia ter, o rapaz mergulhou sobre Shrike e acertou com força os joelhos do capitão. Shrike foi atirado para trás de novo, e desta vez sua cabeça bateu com violência no convés. Ele desmaiou. Han engatinhou até a amiga e a virou gentilmente, vendo o grande buraco que o raio da pistola tinha aberto em seu peito. Soube imediatamente que a ferida era mortal. Nenhum droide médico já construído seria capaz de curar aquilo. Dewlanna gemeu, arquejou e lutou com toda sua força wookiee para respirar. Han passou os braços sob os ombros dela e tentou facilitar sua luta. Os olhos azuis dela se abriram e, depois de um momento, se fixaram nos dele. A lucidez retornou, e Dewlanna reverberou baixinho. – Não, não vou deixar você! – respondeu Han, agarrando-a com mais força. As lágrimas borravam-lhe a visão, e ela nadava abaixo do rapaz num mar de pelos castanhos. – Não me importo mais em fugir! Ah, Dewlanna... Com grande esforço, ela ergueu uma imensa pata-mão peluda e segurou o braço do rapaz. Han fez um esforço para traduzir o que ela dizia. – Eu sei – soluçou Han, falando alto para que ela soubesse que ele tinha entendido. – Sei que você me ama... – Ela ribombou de novo. – ... tanto quanto ama seus próprios filhos. Han engoliu, a garganta apertada e dolorida. – Eu também me sinto assim, Dewlanna. Você vai sempre ser a mãe que eu não tive. Um longo gemido de angústia a fez estremecer. Ela ribombou mais uma vez. – Não – insistiu Han. – Não vou deixar você. Vou ficar aqui até... até... – Ele não conseguiu terminar a frase. Dewlanna agarrou o braço dele com uma ressurgência de sua velha força e rosnou para Han com urgência. – Se eu... – Han estava com dificuldades para entender a fala pastosa dela. – Se eu morrer... nada? Ah, você está dizendo que, se eu não viver, você terá morrido por nada? Ela concordou com a cabeça. Em meio ao ninho de pelos, os olhos de Dewlanna sustentavam o olhar de Han com toda a intensidade que ela conseguiu reunir. Han balançou a cabeça com teimosia. Como ele poderia abandoná-la para morrer sozinha? Dewlanna roncou baixinho, de leve. – Sim, eu sei que você ficará bem, reunida ao poder vital – concordou Han, tentando soar sincero. Sabia que os Wookiees acreditavam num poder que unia toda a existência. Pessoalmente, ele achava que esse poder (ele nunca tinha conseguido traduzir o termo precisamente; a palavra wookiee poderia significar “potência” ou “força”) em que Dewlanna acreditava com tanta firmeza não passava de superstição. Porém, se fosse um conforto para ela acreditar naquilo em seus momentos finais, Han não discutiria. Lembrou-se das palavras que ela tinha lhe dito tantas vezes. – Dewlanna, que o poder vital esteja com você... – Por um momento ele desejou que também pudesse acreditar... Ela gemeu de dor. Han percebeu que ela se ia rapidamente. Então Dewlanna ribombou fracamente, e mais uma vez ele traduziu automaticamente. – Seu último pedido... – Ele engasgou, mal capaz de pronunciar as palavras. – Você quer que eu... me vá... para viver. E para ser... feliz. Han fez um esforço para não irromper em lágrimas. – Tudo bem – concordou ele. – Eu vou. Ainda tenho tempo para embarcar naquela nave-robô antes que ela decole. Dewlanna ganiu fracamente. – Eu prometo – concordou ele, com a voz falhando. – Vou agora. E juro que sempre me lembrarei de você, Dewlanna. Ela já não conseguia dizer mais nada, mas ele tinha certeza de que a amiga o ouvira. Han a deitou gentilmente no convés, depois se levantou e pegou a pistola. Então, depois de lançar um último olhar a Dewlanna, Han Solo se virou e saiu correndo pela porta. Seus passos ecoavam enquanto ele corria pelos corredores da Sorte de Mercador , pois aquele não era mais o momento de ser furtivo. Ele tinha que alcançar o vão de atracagem e aquele cargueiro-robô ylesiano! Han não fazia ideia de quando a nave partiria da Sorte , mas o cronograma de carga e descarga postado para os estivadores espaciais tinha listado o cargueiro como estando pronto para partir assim que os droides terminassem de reabastecê-lo. E, quando Han surrupiara e escondera o traje espacial, eles tinham acabado de iniciar o processo. A Sonho Ylesiano poderia partir a qualquer momento! Ofegante, Han saiu correndo para a escotilha, os pés batendo nos conveses que tinham sido seu playground desde que ele se entendera por gente. Ao longe, o rapaz ouviu vozes sonolentas, misturadas a gritos e ordens. Não posso deixar que eles me peguem. Shrike vai me matar. Essa certeza concedeu velocidade aos seus pés. Han derrapou pela curva final e agarrou o traje espacial que tinha ocultado atrás de alguns equipamentos de reabastecimento. O capacete pendeu sobre o braço e bateu na barriga dele enquanto o rapaz digitava apressadamente o código roubado no teclado da porta da escotilha. Segundos se passaram. Os sons de perseguição ficavam mais altos. Porém, eles certamente pensariam que Han tinha fugido para o convés das naves auxiliares ou mesmo para as cápsulas de fuga. Ninguém adivinharia que ele seria louco o bastante para tentar embarcar clandestinamente num cargueiro-robô. Ou, pelo menos, era com isso que ele contava... A escotilha se abriu. Han pulou para dentro, fechou a porta de pressão e começou a vestir o traje espacial. Conferiu o suprimento de ar. Cheio. Ótimo. Originalmente, tinha planejado trazer alguns tanques de ar adicionais, mas não ousava correr o risco de sair. O tanque do traje duraria dois dias. Deveria bastar, a não ser que a Sonho fosse um cargueiro particularmente lento. Já que a nave era automatizada, o rapaz não teria como descobrir qual rota seguiria, ou qual velocidade fora programada. Han fez uma careta. Só um homem desesperadousaria esse método de fuga. E ele estava realmente desesperado. Esperava apenas não chegar morto em Ylesia por ter ficado sem ar. Vamos ver... rações... confere. Tanque de água... cheio. Ótimo. Mais um resultado da insistência do capitão Shrike em manter todo o equipamento da nave em perfeita ordem. Han arrastou o traje por sobre os braços do seu macacão cinzento de tripulante e fechou o selo frontal. Pegou o capacete, desajeitado por conta das luvas, e o colocou sobre a cabeça. Era quase inteiramente de vidrine, e Han conseguia ver em todas as direções, menos diretamente atrás de si. Uma fileira de holoindicadores corria pela base do capacete, informando os sinais vitais, a quantidade de ar restante e todos os outros dados necessários para a sobrevivência. Han poderia “falar” com o traje de forma limitada ao apertar a alavanca de comunicação com o queixo e dar instruções relacionadas à temperatura, mistura de ar, e coisas do gênero. Certo, é agora ou nunca , pensou o rapaz enquanto seguia até a escotilha de conexão e digitava a sequência final para equalizar a pressão entre a câmara estanque e a Sonho Ylesiano. Ouviu o leve sibilo do ar sendo esvaziado da câmara. A Sonho , sendo automatizada, não precisava de ar para operar. A nave conteria apenas vácuo. Finalmente, a escotilha se abriu e Han entrou. A nave estava lotada de equipamento e carga, e os corredores eram bem estreitos. A Sonho não fora construída para acomodar uma tripulação viva, apenas para manutenção de rotina, e Han teve que se virar de lado para se espremer. O jovem ficou grato por um instante que toda a engenharia padrão fosse pensada para funcionar com gravidade. De outra forma, ele poderia ter sido obrigado a lidar com zero g, e isso teria sido um enorme aborrecimento. Han tinha saído da Sorte de Mercador em traje espacial com as equipes de solda várias vezes desde que fora considerado velho o bastante para serviços perigosos na nave, flutuando no espaço, atado à nave só por um cordão umbilical aparentemente frágil. Tinha sido meio empolgante nas primeiras vezes, mas Han não era lá muito fã de ficar sem peso, e logo tinha aprendido a nunca olhar para “baixo”. Não ver nada além de espaço sob os pés por anos-luz sem conta bastava para fazer sua cabeça girar. Han partiu em direção à “ponte”, concluindo que seria onde encontraria o maior espaço vazio. Chegou lá rapidamente; a Sonho era uma nave pequena. Se a listagem de carga estivesse correta, ela tinha trazido uma remessa de especiaria brilhestim de primeira e partiria com um estoque de componentes eletrônicos corellianos de alta qualidade, que poderiam ser usados em manutenção industrial. Han se perguntou por um instante quem Garris Shrike tinha subornado para poder receber um carregamento de especiaria. A substância era controlada rigidamente pela maioria dos governos planetários, e também pela comissão de comércio imperial. Virou-se de lado para entrar na ponte e ficou paralisado. O que, em nome de todos os Filhos de Barab, um droide astromec está fazendo na ponte? Todo mundo sabia que droides não pilotavam naves sozinhos, então ele não poderia ser o “capitão”. Han fez uma careta dentro do capacete de vidrine. O droide deveria estar ali como algum tipo de alarme antirroubo, um sofisticado dispositivo de comunicação para ajudar a deter ladrões portuários ou piratas espaciais. Han sabia que uma das razões pelas quais os sacerdotes Ylesianos estavam ansiosos para contratar um piloto – preferencialmente um corelliano, disse o anúncio deles – era o fato de estarem perdendo naves-robô para piratas. Enquanto estava ali parado, torcendo para que o droide não tivesse percebido sua presença, o rapaz sentiu a Sonho estremecer. Estamos desatracando! Preciso me preparar para o impulso de separação! Com velocidade, Han se afastou da ponte e voltou ao compartimento de carga. Finalmente encontrou o que procurava, e bem a tempo. Um espaço pequeno onde pudesse se sentar, do tamanho certo para que ele encolhesse as pernas e as abraçasse. A Sonho estremeceu de novo e de novo. Mentalmente, Han visualizou as braçadeiras de atracação se soltando, uma de cada vez. Falta só mais uma, e então... A nave estremeceu uma última vez, depois deu um solavanco violento. Como a Sonho não deveria ter tripulantes, podia usar padrões de aceleração muito mais brutos que aqueles empregados por uma nave com ocupantes vivos. Wham! O corpo de Han sofreu um tranco, então ele se segurou contra o impacto da aceleração violenta. A Sonho tinha desatracado e agora zarpava! Han visualizou a nave se propelindo para longe da Sorte de Mercador , fora do abraço do campo gravitacional de Corellia. Fechou os olhos e imaginou seu mundo natal girando preguiçosamente contra o pano de fundo das estrelas. Corellia era um belo planeta, com estreitos mares azuis, florestas marrons e verdes, desertos beges e grandes cidades. O lado noturno cintilava como um drone de batalha cravejado de luzes... O impulso mais brutal de aceleração o atingiu então, e Han ficou desconfortavelmente preso contra o contêiner de carga. Fizemos o salto para a velocidade da luz , percebeu ele. Momentos depois, enquanto a velocidade da nave se estabilizava, ele conseguiu se mover de novo. Flexionou os braços e as pernas e fez uma careta ao sentir os hematomas. São da luta na cozinha, entendeu. Com isso se lembrou de Dewlanna com uma tristeza súbita e visceral. As lágrimas arderam em seus olhos, e ele tentou contê-las com ferocidade. Chorar num traje espacial era uma péssima ideia, já que você não poderia enxugar o rosto. Han fungou e piscou na tentativa de bloquear as lágrimas. Dewlanna... pensou. Sua amiga tinha dado a vida para que ele tivesse aquela chance. Controle-se, Solo, ordenou a si mesmo com severidade. A garganta doía, mas Han engoliu com força e mordeu o lábio até a vontade de chorar se ir. Não conseguia lembrar a última vez que tinha chorado, e qual seria a utilidade? Não traria Dewlanna de volta... Han sabia que Dewlanna acreditava numa pós-vida do espírito. Se ela estivesse certa quanto a isso, então talvez pudesse ouvi-lo agora. – Ei, Dewlanna – sussurrou Han. – Eu consegui. Caí na estrada. Estou indo para Ylesia e lá me tornarei o melhor piloto do setor. Vou aprender o bastante e faturar o bastante para me candidatar à Academia, do jeito que a gente sempre sonhou. Estou livre, Dewlanna. – A voz dele falhou. Estamos seguros, Dewlanna. Shrike não pode nos tocar agora... Encravado em sua pequena fresta, o jovem piloto sorriu com determinação implacável. Estou livre e devo tudo a você. Jamais me esquecerei, também. Se algum dia tiver uma chance de pagar essa dívida ajudando alguém do seu povo, juro por tudo que há lá fora – qualquer deus, poder-vital ou força – que não vou hesitar. Han Solo inspirou profundamente uma golfada de ar enlatado de traje espacial. – Obrigado, Dewlanna – sussurrou. Onde quer que ela estivesse agora, Han esperava que ela pudesse ouvi-lo. Quando Han acordou do sono exausto, ficou completamente desorientado a princípio. Onde estou? , perguntou-se grogue. A memória voltou de supetão em imagens rápidas e violentas: a mão dele segurando uma pistola de raios... o rosto de Shrike retorcido com ódio e fúria... Dewlanna, ofegante, morrendo sozinha... Engoliu em seco, com a garganta doendo. Dewlanna havia sido parte de sua vida desde que ele era só um garotinho de 8, talvez 9 anos. Han se lembrava do dia em que a Wookiee tinha embarcado com seu companheiro, Isshaddik. Ele havia sido expulso do planeta natal dos Wookiees por algum crime que Dewlanna nunca tinha revelado. Ela seguira o companheiro ao exílio, deixando para trás tudo que já conhecera; seu lar e seus filhotes crescidos. Mais ou menos um ano depois, Isshaddik fora morto durante uma missão de contrabando a Nar Hekka, um dos mundos no setor Hutt. Shrike anunciou a Dewlanna que ela poderia ficar a bordo da Sorte de Mercador como cozinheira, já que o capitão tinha passado a gostar da comida que ela preparava. Dewlanna poderia ter voltado aKashyyyk; afinal, ela não tinha cometido crime nenhum, mas decidiu ficar na Sorte . Por minha causa , pensou Han enquanto localizava o canudo de acesso à água no capacete e dava um gole cuidadoso. Depois pegou duas bolinhas de ração com a língua e as engoliu com outro gole. Não era a mesma coisa que comida de verdade, mas daria para o gasto pelo dia... Ela ficou por minha causa. Queria me proteger de Shrike... Han suspirou, sabendo que era verdade. Wookiees estavam entre os companheiros mais leais e firmes da galáxia, ou pelo menos assim ele tinha ouvido. Lealdade e amizade wookiee não eram concedidas facilmente, porém, uma vez dadas, jamais vacilavam. O rapaz se reclinou na alcova e conferiu o tanque de ar. Restavam três quartos. Han se perguntou quão longe a Sonho teria viajado enquanto ele dormia. Em alguns minutos, ele iria à sala de controle ver se era capaz de decifrar os instrumentos do piloto automático. A mente de Han vagueou de volta no tempo, recordando Dewlanna com tristeza. Depois, conforme ele relaxava, sua memória se perdeu em dias ainda mais distantes. Sua primeira memória “real” – todo o resto se resumia a fragmentos sem sentido, pedaços de imagens velhas e distorcidas demais para significar alguma coisa – era do dia que Garris Shrike o trouxera para “casa” na Sorte de Mercador... O menininho estava encolhido na boca de um beco úmido e imundo, tentando não chorar. Ele já era muito grande para chorar, não era? Mesmo que estivesse com frio, com fome e sozinho. Por um momento, ele se perguntou por que estava sozinho, mas foi como se uma imensa porta de metal se fechasse sobre aquele pensamento, trancando tudo detrás dela. Do outro lado da porta havia perigo, do outro lado da porta havia... coisas ruins. Dor, e... e... O menino sacudiu a cabeça e seus cabelos escorridos e sujos caíram desordenados em seu rosto. Ele os afastou com a mão que era tão encardida de sujeira que sua cor de pele natural mal era visível. Vestia apenas calças esfarrapadas e uma túnica sem mangas rasgada que era pequena demais. Seus pés estavam descalços. Ele teve sapatos algum dia? Ele pensou que talvez se lembrasse de sapatos. Bons sapatos, de qualidade, sapatos que alguém havia colocado nos seus pés e o ajudado a amarrar. Alguém que era gentil, que sorria em vez de fazer cara de raiva, alguém que era limpo, cheirava bem, que vestia roupas bonitas... SLAM! A porta se fechou de novo, e o pequeno Han (ele sabia que esse era seu nome, mas não conhecia nenhum outro que o acompanhasse) estremeceu com a dor em sua mente. Ele já sabia que não deveria deixar tais pensamentos encherem sua cabeça. Pensamentos e memórias assim eram maus, eles machucavam... melhor não pensá-los. Ele fungou de novo e esfregou futilmente o nariz que escorria. Percebeu que estava parado numa poça de dejetos, e seus pés estavam tão frios que mal conseguia senti-los. Era noite, e prometia fazer uma madrugada bem fria. A fome se retorceu no estômago de Han como uma coisa viva, uma criatura que mordia dolorosamente. Ele não conseguia se lembrar de quando tinha comido pela última vez. Tinha sido naquele dia de manhã, quando ele encontrara uma fruta de kasava no lixo, aquela fruta madura e suculenta que tinha sido comida apenas pela metade? Ou será que tinha sido na noite passada? O garotinho decidiu que não poderia ficar ali parado. Tinha que se mover. Han saiu do beco para a calçada. Sabia como mendigar... quem é que lhe ensinara isso? SLAM! Não importava quem tinha ensinado, só que tinha ensinado bem. Ajustando os traços para ficar o mais patético possível, Han arrastou os pés até a transeunte mais próxima. – Por favor... moça... – choramingou ele. – Fome, tô com tanta fome... – Ele estendeu a mão, palma para cima. A mulher com quem ele falou reduziu minimamente a velocidade, olhou de súbito para a palma imunda e recuou, puxando a saia para que não encostasse nele. – Moça... – sussurrou Han, virando-se para observá-la se afastar com interesse mais que profissional. Ela trajava um belo vestido, macio e brilhoso, tipo... reluzente... sob as luzes ásperas das ruas daquela cidade portuária corelliana. Ela o lembrava de alguém, uma mulher com grandes olhos escuros, pele macia, cabelos... SLAM! Han começou a soluçar, desesperançoso, o corpinho tremendo de frio, fome, tristeza e solidão. – Ei, você! Han! – A voz forte, mas não hostil, rompeu sua muralha de infelicidade. Choramingando e engolindo, Han ergueu o olhar e viu um sujeito alto se curvando sobre ele. Cabelos negros, pálidos olhos azuis. Fedia a cerveja alderaaniana e a fumaça de uma dúzia de drogas ilegais, mas se mantinha de pé sem cambalear, ao contrário de vários outros pedestres. Ao ver que Han o encarava, o homem se agachou sobre os calcanhares, o que o deixou pouco acima do nível dos olhos do menino. – Você sabe que já é muito grande para chorar na rua, não sabe? Han fez que sim com a cabeça, ainda fungando, mas tentando se controlar. – Thim... sim. – Inicialmente ele ficou com a língua meio presa, como tinha acontecido quando ele aprendera a falar. Aquilo fora há muito, muito tempo, pensou Han. Já falava desde a estação fria, e logo seria a estação fria de novo. Ele estava falando desde... SLAM! A criança estremeceu de novo quando sua mente bloqueou decisivamente todas as memórias daquele tempo anterior. Outra coisa emergiu, algo que ele tinha ignorado a princípio em sua infelicidade. Han arregalou os olhos. Aquele homem o chamou pelo nome! Como ele sabe o meu nome? – Você... quem é você? – sussurrou Han. – Como que você sabe o meu nome? O homem sorriu, mostrando muitos dentes. Era para ser uma expressão amistosa, mas havia alguma coisa nele que incomodava o menino. Lembrava Han das alcateias de canoides que caçavam nos becos. – Eu sei de muitas coisas, garoto – respondeu o homem. – Me chame de capitão Shrike. Você consegue dizer? – S-sim. Cap-tão Shrike – repetiu Han, incerto. Ele soltou um soluço enquanto seu choro morria. – Mas... mas como você sabia meu nome? Por favor? O homem estendeu a mão como se fosse bagunçar o cabelo do menino, depois pareceu notar a sujeira e os piolhos que habitavam aquela jovem cabeça e mudou de ideia. – Você ficaria surpreso, Han. Sei de quase tudo que acontece aqui em Corellia. Sei quem está perdido e quem foi encontrado, quem está à venda e quem foi vendido, e onde todos os corpos estão enterrados. Na verdade, eu estava de olho em você. Parece ser um rapaz esperto. Você é esperto? Han se endireitou e olhou o homem nos olhos. – Sim, capitão – respondeu ele, forçando a voz a ficar firme. – Eu sou esperto. – Ele sabia que era, também. Qualquer um que não fosse não duraria meses nas ruas, como ele tinha durado. – Ótimo, grande garoto! Bem, preciso de um menino esperto para trabalhar para mim. Por que você não vem comigo? Eu lhe darei uma refeição decente e um lugar quente para dormir. – Ele sorriu de novo. – E eu aposto que você gostaria de ver minha nave. – Apontou para o céu que escurecia. Han fez que sim com a cabeça, empolgado. Comida? Uma cama? E especialmente... – Uma nave? Sim, capitão! Quero ser um piloto quando crescer! O homem riu e estendeu a mão. – Bem, venha comigo, então! Han deixou a mãozona segurar a dele, e então os dois foram embora juntos, em direção ao espaçoporto... Han se ajeitou e balançou a cabeça. Eu nunca deveria ter ido com ele naquele dia, pensou. Se eu não tivesse ido com ele, Dewlanna ainda estaria viva... Porém, se ele não tivesse ido com Shrike, provavelmente teria acordado alguma noite no beco e descoberto que vrelts tinham comido suas orelhas e nariz, que nem tinha acontecido com uma das outras “fedelhas de rua” que Garris Shrike tinha “resgatado”. Han sorriu, sombrio. O capitão Shrike não tinha um único osso altruísta no corpo. Ele recolhia as crianças e as usava para faturar créditos. Em quase todos os planetas que a Sorte visitava, Shrike juntava um grupo de seus “resgatados” e os levava às ruas numa nave auxiliar. Lá ele os deixava sob a supervisão de um droide que elemesmo tinha programado, F8GN. 8GN os distribuía por “territórios” e administrava os lucros enquanto as crianças espreitavam as ruas, mendigando e batendo carteiras. Usava os menorzinhos, os magrinhos, os deformados para mendigar. A menina mastigada por vrelts, Danalis, sempre faturou alto. Shrike a fez trabalhar duro por anos, prometendo sempre que, depois que ela ganhasse créditos suficientes para ele, o capitão a levaria para consertar seu rosto, para que ela parecesse humana outra vez. Só que ele nunca levou. Por volta dos 14 anos, Danalis acabou percebendo que Shrike jamais cumpriria suas promessas. Certa “noite”, ela entrou na escotilha estanque da Sorte e a abriu para o vácuo... sem vestir um traje antes. Han havia participado da equipe de limpeza. Estremeceu com a memória. Pobre Danalis. Han ainda conseguia vê-la em sua mente, entregando os recibos de mendicância do dia a 8GN. O droide era alto e estreito, feito de metal cor de cobre avermelhado. Tinha sido consertado tantas vezes que havia pedaços diferentes por toda parte, como se vestisse um traje muito remendado. Remendos acobreados, remendos dourados, remendos de aço... E um grande remendo prateado no topo da cabeça. Han ainda escutava a voz do droide em sua mente. 8GN tinha algum problema nos alto-falantes, e sua “voz” alternava entre o grave melífluo e mecânico guinchante. Porém, independentemente de como ele soasse, todas as crianças prestavam atenção ao que 8GN dizia... – Agora, queridas criancinhas, vocês todos receberam seus territórios? – O droide acobreado girou a cabeça enferrujada sobre o pescoço de cano, contemplando as oito crianças da Sorte de Mercador alinhadas diante de si. Todas as crianças, incluindo Han, com seus 5 anos, afirmaram que sim, elas de fato tinham recebido seus territórios. – Muito bem então, queridas criancinhas – continuou o droide em seus tons graves, depois esganiçados. – Vou lhes passar suas tarefas do dia. Padra – o droide olhou para um garotinho só um ano mais velho que Han –, hoje vamos oferecer a você sua primeira chance de nos mostrar como você pode ser útil àqueles pobres cidadãos sobrecarregados com cédulas de créditos, joias e caros comlinks. Os olhos do droide cintilaram fantasmagoricamente. Eles eram de cores diferentes; um deles tinha queimado há muito tempo, e Shrike o substituíra com uma lente recuperada de um droide descartado, deixando F8GN com um “olho” vermelho e outro verde. – Você está disposto a ajudar esses pobres cidadãos desavisados, Padra? – indagou 8GN, inclinando a cabeça metálica inquisitivamente para o lado, com a voz carregada de camaradagem artificial. – Com certeza! – exclamou o garotinho. Ele lançou um olhar triunfante a Han e às outras crianças mais novas. – Chega de pedir esmola que nem um bebê! – sussurrou ele empolgado. Han, que mal tinha começado a aprender as habilidades necessárias para bater carteiras com rapidez e sem ser detectado, sentiu uma pontada de inveja. Bater carteiras era fácil, depois que você aprendia a fazer direito. Era muito mais fácil cumprir a cota de 8GN para um dia de “trabalho” batendo carteiras do que mendigando. Pedir esmolas exigia que você abordasse pelo menos uns três alvos até receber alguma coisa. Mas bater carteiras... essa sim era a melhor maneira de faturar alto! Se você escolhesse o alvo certo, poderia ganhar o bastante numa mãozada para comparecer com sua cota a 8GN antes do meio-dia, e então ficaria livre para brincar. Han se perguntou se 8GN lhe daria algum tempo para treinar se ele se apressasse e mendigasse sua cota do dia antes que os outros terminassem. Era divertido treinar com o droide magricelo avermelhado porque 8GN ficava muito engraçado vestindo roupas! O droide vestiria trajes de rua típicos do planeta onde eles estivessem, e então ou ficaria parado, ou passaria caminhando pelo estudante. Han tinha aprendido a aliviar o droide do crono escondido, cédulas de créditos, e até alguns tipos de joias sem que 8GN detectasse seus dedos no processo. Só que não conseguia fazê-lo 100% das vezes. Han franziu o cenho um pouco enquanto se afastava. 8GN exigia perfeição de sua pequena gangue, especialmente dos punguistas. O droide não deixaria que ele começasse a roubar até que tivesse certeza de que Han conseguiria fazê-lo perfeitamente todas as vezes. Distraído, ele pegou um punhado de terra e esfregou nas mãos e depois no rosto, que já estava suado. Que planeta era este, aliás? Não se lembrava de ter ouvido o nome. O povo nativo tinha pele esverdeada, com pequenas orelhas giratórias e enormes olhos roxo-escuro. Tinham ensinado a Han apenas algumas palavras da língua local, mas ele aprendia rápido e sabia que, quando chegasse a hora de a Sorte de Mercador seguir adiante, seria capaz de entendê- la bem e falaria (pelo menos o jargão das ruas) passavelmente. Onde quer que fosse, era quente. Quente e úmido. Han ergueu o olhar para o céu azul esverdeado, onde um sol laranja pálido fulgurava. A perspectiva de passar várias horas na sua rua designada choramingando, esmolando e bajulando transeuntes não era muito atraente. Eu odeio mendigar, pensou Han azedamente. Quando eu ficar um pouco mais velho, vou fazer eles me deixarem roubar em vez de mendigar. Eu sei que serei um bom ladrão, e não sou lá um grande mendigo. Ele sabia que sua aparência estava correta; tinha ficado mais alto nos últimos dois anos, mas ainda estava magro o suficiente para ser chamado de subnutrido. E sabia como deixar a voz servil, os modos encolhidos e acovardados, como se apenas o desespero o fizesse pedir esmolas. Talvez fossem os olhos dele, pensou Han. Talvez o ressentimento e a vergonha secretos em ser obrigado a mendigar aparecessem neles, e os alvos potenciais notassem isso. Ninguém respeitava um mendigo, e Han, acima de tudo, nutria um desejo não declarado de ser respeitado. Não só respeitado, ele queria ser respeitável. Não se lembrava muito da vida antes de Garris Shrike o ter encontrado nas ruas de Corellia, mas Han de alguma forma sabia que, no passado, as coisas tinham sido diferentes. Muito tempo atrás, tinham lhe ensinado que mendigar era motivo de vergonha. E que roubar... roubar era pior. Han mordeu o lábio com raiva. Sabia que alguém, talvez os pais de que não se lembrava mais, tinha lhe ensinado essas coisas. Um dia, há muito tempo, tinham lhe ensinado caminhos diferentes... valores diferentes. Só que agora, o que ele poderia fazer? A bordo da Sorte de Mercador, havia uma regra cardeal. Se você não trabalhasse, deveria mendigar ou roubar. Han não tinha outras habilidades para oferecer. Era pequeno demais para ser piloto, fraco demais para ser estivador de contrabando. Mas isso não vai durar para sempre!, lembrou a si mesmo. Cresço mais a cada dia que passa! Logo serei grande, em só mais 5 anos eu terei 10, e então, talvez, eu seja grande o bastante para ser piloto! Han tinha descoberto que, quando decidia realizar alguma coisa, ele conseguia. Tinha certeza de que virar piloto não seria exceção. E quando eu souber pilotar, esse vai ser meu caminho para sair da Sorte de Mercador, pensou ele, com a mente mergulhando automaticamente num velho sonho que ele nunca tinha contado para ninguém. Uma vez ele tinha confidenciado a história para uma das outras crianças, e aquele vrelt maldito espalhara para todo mundo. Shrike e os outros passaram semanas rindo de Han, chamando-o de “capitão Han da Marinha Imperial”, até Han ficar com vontade de se esconder num canto com as mãos sobre as orelhas. Ele precisou de todo o autocontrole para conseguir apenas dar de ombros e fingir que não ligava... É, e quando eu for o melhor piloto de todos e tiver um montão de créditos, vou me candidatar à Academia Imperial. Vou virar um oficial da Marinha. Aí vou voltar e pegar Shrike, prender ele, e ele será mandado para as minas de especiaria de Kessel. E vai morrer lá... Esse pensamento fez Han abrir um sorriso predatório. No extremo final de sua fantasia, Han se imaginava bem-sucedido, respeitado, o melhor piloto da galáxia, com uma naveprópria, um monte de amigos leais e créditos de sobra. E... uma família. É, uma família para chamar de sua. Uma bela esposa que o adoraria, que participaria de aventuras com ele, e talvez filhos. Ele seria um ótimo pai. Não abandonaria seus filhos, como ele mesmo tinha sido abandonado. Pelo menos, Han achava que tinha sido abandonado, porém não conseguia se lembrar de nada daquilo. Não sabia nem seu sobrenome, então não tinha como rastrear a família. Ou talvez... talvez os pais dele não o tivessem abandonado... Talvez eles tivessem sido assassinados, ou ele mesmo fora sequestrado e separado deles. Han decidiu que gostava mais desse cenário. Se achasse que seus pais estavam mortos, não ficaria tão bravo com eles, pois as pessoas não tinham culpa de morrer, né? Han decidiu que, daquele momento em diante, pensaria na mãe e no pai como estando mortos. Era mais fácil assim... Sabia que provavelmente nunca iria descobrir a verdade. A única pessoa que conhecia alguma coisa sobre o passado de Han era Garris Shrike. O capitão vivia dizendo a Han que, se ele fosse bom, se trabalhasse e mendigasse muito, se ganhasse créditos suficientes, algum dia Shrike lhe contaria os segredos que explicavam porque o menino tinha ido parar nas ruas de Corellia. Han estreitou os lábios. Claro, capitão, pensou ele . Que nem você ia consertar a cara de Danalis... O menino espiou as placas de sinalização. Ele não conseguia ler aquelas na língua nativa do planeta, mas havia uma tradução em língua básica na parte de baixo. É, aquele era o seu território, mesmo. Han respirou fundo e se preparou. Uma mulher de pele verde vestindo um robe curto vinha na direção dele. – Moça... – choramingou ele, avançando todo encolhido até ela, com a mãozinha estendida num apelo. – Por favor, moça bonita elegante, eu imploro... uma ajudinha, só um creditozinho, tô com tanta foooomeeee... As orelhinhas giraram na direção dele, então ela afastou o olhar e passou direto. Num sussurro, Han murmurou um termo nada elogioso em jargão de contrabandista, e então se virou para esperar o próximo alvo... Han balançou a cabeça e se forçou a sair de seu devaneio. Hora de ir verificar o progresso da Sonho Ylesiano. O jovem piloto ergueu-se do seu cantinho e se espremeu pelas passagens estreitas até alcançar a ponte. O droide astromec ainda estava lá, com luzes piscando sem parar conforme ele rememorava seus pensamentos. Era uma unidade R2 relativamente nova, ainda reluzente em prata e verde, com um domo transparente em cima da cabeça. Dentro do domo, Han via luzes piscando com o trabalho do droide, que estava conectado aos controles da nave-robô por um cabo. O droide R2 deveria estar equipado com um sensor de movimento, porque girou a “cabeça” para Han quando o rapaz entrou audaciosamente na ponte em seu traje espacial. As luzes piscaram freneticamente quando ele “falou”, mas, obviamente, as ondas sonoras não viajavam no vácuo. Han ligou a unidade de comunicação do traje e, de súbito, seu capacete ficou cheio com os bleeps, blurps e wheeps angustiados. – Whee... bleewheeeep... wheep-whirr-wheep ! – anunciou o astromec R2, claramente surpreso. Han suspirou. O comunicador do traje transmitiria tudo que ele dissesse ao droide, mas como ele poderia realmente falar com aquele raio de R2 sem um intérprete? Como quem quer que tivesse programado o droide falava com ele? Han ativou o comunicador do traje. – Alô, você! – Blurpp... wheeep, bleep-whirrr! – respondeu a unidade, prestativa. Han fez uma careta e xingou a unidade em rodiano, jargão de mercadores e, finalmente, língua básica. – O que eu vou fazer agora? – rosnou. – Se ao menos você tivesse um módulo de fala básica. – Mas eu tenho, senhor – anunciou o droide em tom trivial. As palavras soaram mecânicas e sem entonação, só que perfeitamente compreensíveis. Han ficou boquiaberto diante da máquina por um momento, depois sorriu. – Ei! Isso eu nunca tinha visto! Como é que você pode falar? – Como não havia espaço a bordo desta nave para uma unidade astromec junto de uma unidade contraparte, meus mestres me programaram com um módulo de transmissão de fala básica, para que eu pudesse me comunicar com mais facilidade – explicou o droide. – Legal! – exclamou Han, sentindo uma onda de alívio. Ele não gostava muito de droides, mas pelo menos teria alguém com quem falar, e talvez fosse necessário que os dois se comunicassem. Viagens espaciais eram geralmente rotineiras e seguras... mas havia exceções. – Lamento informar, senhor – acrescentou a unidade R2 –, que o senhor é culpado de entrada não autorizada. Não deveria estar aqui. – Eu sei disso – respondeu Han. – Peguei uma carona nesta nave. – Com sua licença, esta unidade não compreende o termo usado, senhor. Han chamou a unidade R2 de um nome nada elogioso. – Com sua licença, esta unidade não compreende... – Cale a boca ! – berrou Han. A unidade R2 ficou em silêncio. Han respirou bem fundo. – Tudo bem, R2 – disse ele. – Eu sou um clandestino. Essa palavra consta dos seus bancos de memória? – Consta sim, senhor. – Ótimo. Eu embarquei clandestinamente nesta nave porque precisava de uma carona até Ylesia. Vou ser contratado como piloto pelos sacerdotes Ylesianos, entendeu? – Sim, senhor. Entretanto, sou obrigado a informar ao senhor que, na minha posição de droide vigia designado a garantir a segurança desta nave e de seu conteúdo, serei forçado a selar todas as saídas quando alcançarmos Ylesia, e em seguida informar aos meus mestres que o senhor está a bordo, assim promovendo a sua captura pela equipe de segurança. – Escuta aqui, camarada – retrucou Han generosamente –, quando chegarmos a Ylesia, você pode ir em frente e fazer isso mesmo. Quando os sacerdotes perceberem que eu me encaixo em todos os requisitos deles, não darão uma bunda de vrelt para como eu cheguei lá. – Com sua licença, esta unidade não... – Cale a boca. Han deu uma olhada no indicador do tanque de ar, então falou: – Muito bem, R2, gostaria de dar uma olhada no nosso plano de voo, velocidade e tempo previsto de viagem até Ylesia. Por favor, transmita esses dados. – Lamento informar, senhor, que não estou autorizado a fornecer essas informações. O humor de Han estava entrando em ebulição; ele mal conseguiu se controlar para não chutar o droide recalcitrante com sua pesada botina espacial. – Preciso verificar nosso plano de voo, velocidade e tempo previsto de viagem porque tenho que computar como está o meu ar, R2 – explicou ele com paciência exagerada. – Com sua licença, senhor, mas esta unidade... – CALE A BOCA! Han começava a suar agora, e a unidade de refrigeração do traje começou a girar um pouco mais forte. Ele fez um esforço para manter o tom de voz calmo. – Escute com cuidado, R2 – começou ele. – Você não tem algum tipo de programa no seu sistema operacional que o faça preservar as vidas de seres inteligentes sempre que possível? – Sim, senhor, essa programação é incluída em todos os droides astromecs. Para que um droide cause dano ou deixe de evitar dano a um ser senciente, seu módulo de sistema operacional tem que ser alterado. – Ótimo – concluiu Han. Aquilo se encaixava com o que ele sabia sobre programação astromec. – Escute, R2. Se você não me mostrar nosso plano de voo, velocidade e tempo previsto de viagem, você poderá ser responsável pela minha morte por falta de ar. Você me entendeu agora? – Por favor, elabore, senhor. Han explicou sua situação com paciência exagerada. Depois de terminar, o droide ficou calado por um momento, evidentemente ponderando. Finalmente, ele zumbiu uma vez e depois respondeu: – Vou aquiescer à sua requisição, senhor, e vou exibir a informação solicitada na tela de interface de diagnóstico. Han soltou um longo suspiro de alívio. Já que a nave era basicamente um imenso drone automatizado, não tinha controles visíveis nos painéis, só luzes piscantes sortidas. Porém, para que fosse possível realizar manutenção na nave, havia uma tela disponível no painel de controle. Han contornou cuidadosamente a unidade R2 e contemploua tela. Os dados rolaram pela tela tão rapidamente que nenhum humano poderia ter lido. Han se virou para a unidade R2. – Mostre os dados de novo, e desta vez deixe-os lá até que eu consiga ler! Entendeu? – Sim, senhor. – A voz artificial do droide soava quase humilde. Han estudou os números e diagramas que surgiram na tela por vários minutos, sentindo sua preocupação se tornar medo real. Ele não tinha nada com que escrever e nenhuma forma de acessar o navicomputador, mas tinha um mau pressentimento sobre o que estava vendo. Mordeu o lábio e se obrigou a se concentrar enquanto recalculava os valores repetidamente. O plano de voo da Sonho Ylesiano tinha sido traçado numa rota tortuosa até o planeta, de modo a evitar as piores áreas infestadas de piratas do território Hutt. E o pequeno cargueiro estava configurado para voar bem mais lentamente do que seria capaz, mais devagar até do que a Sorte de Mercador normalmente viajava pelo hiperespaço. Nada bom. Nada bom mesmo. Se a velocidade e o curso deles não fossem alterados, Han percebeu, ele ficaria sem ar cinco horas antes de a Sonho pousar em solo ylesiano. A nave aterrissaria com um cadáver a bordo... o dele. Han se virou de volta à unidade R2. – Escuta, R2, você tem que me ajudar. Se eu não alterar nosso curso e velocidade, não terei ar suficiente para chegar no fim. Eu vou morrer, e vai ser culpa sua. As luzes da unidade R2 piscaram enquanto a máquina contemplava tal revelação. – Só que eu não sabia que o senhor estava a bordo – disse finalmente o droide. – Não posso ser responsabilizado pela sua morte. – Ah, não. – Han balançou a cabeça dentro do capacete. – Não é assim que funciona, R2. Se você souber sobre a situação e não fizer nada, então você estará causando a morte de um ser senciente. É isso que você quer? – Não – respondeu o droide. Até mesmo seus tons artificiais soaram estressados, e suas luzes tremeluziram rápida e aleatoriamente. – Então é necessário – continuou Han, inexorável – que você faça tudo que for possível para evitar minha morte. Certo? – Eu... eu... – O droide agora tremia, de tão agitado. – Senhor, estou impossibilitado de ajudá-lo. Minha programação está em conflito com meu hardware. – O que você quer dizer? – Han estava preocupado agora. Se o pequeno droide sofresse uma sobrecarga e travasse, ele jamais seria capaz de acessar os controles manuais de “diagnóstico” que Han sabia que tinham que estar em algum lugar daqueles painéis. Seriam minúsculos, do tipo que os técnicos usariam para testar o piloto automático do drone. – Minha programação está me impossibilitando de informá-lo... Han deu um longo passo até o pequeno droide e se ajoelhou diante dele. – Raios! – Ele bateu com o punho no domo transparente do droide. – Eu vou morrer! Me conte! O droide balançava agitado, e Han se perguntou se ele se desfaria em pedaços com o estresse. Por fim, o droide falou: – Senhor, instalaram um parafuso de contenção em mim! Ele me impede de atender ao seu pedido! Um parafuso de contenção! Han se agarrou a esse detalhe com diligência. Vamos ver, onde está ele? Depois de um momento, Han o avistou, bem baixo na carapaça metálica do droide. O rapaz se abaixou, segurou e puxou. Nada. O parafuso não se mexeu. Han segurou mais forte, tentou torcer. Grunhiu com o esforço, suando para valer agora, e imaginou que podia sentir todas aquelas moléculas de oxigênio sendo consumidas numa torrente constante. O rapaz ouvira falar que hipóxia não era um jeito particularmente ruim de morrer; comparado à descompressão explosiva ou levar um tiro, por exemplo; só que ele não tinha nenhuma intenção de descobrir pessoalmente. O parafuso não se mexeu. Han fez ainda mais força, dando puxões, praguejando em meia dúzia de línguas alienígenas, mas a coisa teimosa não cedeu. Tenho que achar alguma coisa que eu possa usar para bater, pensou Han, olhando em volta desesperadamente pela cabine de controle. Só que não havia nada, nem uma hidrochave, um martelo, nada! De repente, ele se lembrou da pistola. Tinha deixado no chão, no seu cantinho. – Espere aqui mesmo – instruiu Han à unidade R2 e partiu em seguida, se espremendo pelos corredores apertados. Disparar uma arma de raios dentro de uma nave espacial, mesmo que fosse uma nave despressurizada, não era uma boa ideia, mas ele estava desesperado. Han voltou com a arma e examinou as configurações. Potência mínima, pensou ele. Feixe mais estreito. Com as luvas desajeitadas, ele teve dificuldades em ajustar as configurações de potência e largura de feixe. As luzes da unidade R2 estavam piscando freneticamente desde que ele voltara, e agora o droide soltou um wheep lastimoso. – Senhor? Senhor, poderia perguntar-lhe o que o senhor está fazendo? – Estou me livrando daquele parafuso de contenção – retrucou Han severamente. Estreitou os olhos, mirou e pressionou o gatilho com delicadeza. Um clarão de energia irrompeu, e o pequeno droide soltou um WHEEEEPPPP! tão estridente que soou como um grito. O parafuso de contenção caiu no convés, deixando para trás uma cicatriz negra de queimadura no metal brilhante da unidade R2. – Te peguei – comentou Han, satisfeito. – Agora, R2, tenha a gentileza de me mostrar as interfaces e os controles manuais da sua nave. O droide, obediente, expôs uma “perna” de mobilidade com uma roda e foi até os painéis de controle, com o cabo de interface serpenteando em seu rastro. Han o seguiu e se agachou diante do painel de instrumentos, desajeitado por conta do traje. Seguindo as instruções do droide, arrancou o tampo de um console em branco e estudou a seleção de controles minúsculos. Amaldiçoando a dificuldade em manipular os controles com luvas de traje espacial, Han começou a usar o modo de interface manual para desativar o hiperdrive. Só era possível alterar rota e velocidade no espaço real. Uma vez de volta ao espaço real, Han computou meticulosamente uma nova rota, usando a unidade R2 para executar os cálculos mais complexos para o salto que os lançaria de volta ao hiperespaço. O jovem corelliano levou algum tempo para inserir a nova rota e velocidade, mas, finalmente, Han pressionou de novo o botão ATIVAR HIPERDRIVE. Um segundo depois, ele sentiu o tranco quando o drive disparou. Han se segurou determinado ao painel de instrumentos enquanto a nave se lançava ao hiperespaço em sua nova rota, numa velocidade vastamente incrementada. Quando a nave ao seu redor se estabilizou, Han inspirou longa e profundamente e depois soltou o ar bem devagar. Desabou no convés e ficou sentado ali, com as pernas esticadas. Ufa! – O senhor compreende – comentou a unidade R2 – que o senhor agora terá que pousar esta nave manualmente. Alterar nossa rota e velocidade invalidou os protocolos de aterrissagem existentes programados na nave. – É, eu sei – respondeu Han, se reclinando cansado no console. Deu mais um gole de água e então comeu dois tabletes. – Mas não tinha outro jeito. Eu só espero que consiga operar os controles rápido o bastante para pousar. – Ele olhou em volta pela sala de controle praticamente nua. – Eu só queria que esta lata tivesse uma tela. – Um piloto automático não pode ver, senhor, então dados visuais são inúteis para ele – explicou a unidade R2, prestativa. – Não pode ser! – retrucou Han, com a voz carregada de sarcasmo. – Achei que droides pudessem ver que nem a gente! – Não, senhor, não podemos – disse R2. – Reconhecemos nossas cercanias por sensores visuais que traduzem para nosso... – Cale a boca – disse Han, cansado demais até para se divertir atormentando o droide. Ele se reclinou contra o console e fechou os olhos. Tinha feito tudo o que podia para salvar sua vida, levando a nave a Ylesia por uma rota muito mais direta a uma velocidade mais alta. Han adormeceu e sonhou com Dewlanna, como ela tinha sido há muito tempo, na época em que eles se conheceram... Han já tinha passado metade do corpo pela janela quando ouviu o grito atrás de si. – Fomos roubados! O menino agarrou seu pequeno saco de pilhagem e tentou se espremer pelaabertura estreita, chutando e se remexendo. Na escuridão do lado de fora estava a segurança. Um grito feminino de consternação. – Minhas joias! Han grunhiu com o esforço, percebendo que estava entalado. Sufocou o pânico. Tinha que escapar! Aquela era uma casa rica e, quando eles chamassem as autoridades, elas com certeza viriam de imediato. Silenciosamente, ele amaldiçoou a nova moda da arquitetura corelliana que tinha feito este lar luxuoso ser construído com estreitas janelas do chão ao teto. Eram anunciadas como sendo capazes de frustrar assaltantes. Bem, pelo jeito isso era verdade, decidiu ele. Tinha se esgueirado mais cedo por uma das portas dos jardins, depois se escondera até achar que já era seguro supor que todos os moradores estavam dormindo. Por fim, ele saíra do esconderijo para escolher dentre os tesouros deles. Tinha certeza de que conseguiria bambolear seu corpo magricelo de menino de 9 anos por aquelas janelas e escapar ileso. Han grunhiu com o esforço mais uma vez, chutando freneticamente. Talvez ele estivesse errado quanto à parte de fugir pelas janelas... Uma voz atrás dele. A mulher. – Lá está ele! Peguem-no! Han virou mais um pouco de lado, remexeu-se violentamente e de súbito estava do outro lado da janela, caindo. Mas ele não soltou o saco enquanto se esborrachava num canteiro de hera-dorva cuidadosamente cultivado. O ar lhe escapou dos pulmões e por um momento o menino ficou deitado ali, ofegando como um drel fora da água. A perna doía, assim como a cabeça. – Chamem a patrulha de segurança! – gritou uma voz masculina de dentro da casa. Han sabia que tinha meros segundos para lograr sua fuga. Forçou a perna a sustentar seu peso, rolou o corpo e se levantou cambaleante. Árvores adiante ao luar... árvores grandes. Ele poderia sumir facilmente em meio a elas. Han meio que mancou, meio que correu ao abrigo do bosque. Resolveu não contar a 8GN o que tinha acontecido. O droide poderia acusá-lo de estar ficando lerdo agora que tinha quase 10 anos. Han fez uma careta enquanto corria. Ele não estava ficando lerdo, só não se sentia bem naquele dia. Estava com uma dor de cabeça indistinta desde que acordara e se sentira tentado a pedir um dia de folga por não estar passando bem. Já que Han quase nunca ficava doente, eles provavelmente teriam acreditado nele, mas o garoto não gostava de demonstrar fraqueza diante dos outros habitantes da Sorte de Mercador, especialmente do capitão Shrike. Aquele homem nunca perdia uma chance de atormentá-lo. Estava abrigado pelas árvores, agora. E o que fazer em seguida? Ouvia o som de passos correndo, então não teria muito tempo para decidir. Seus músculos escolheram por ele. De súbito, o saco estava preso pelos dentes, havia casca de árvore contra suas palmas, e as solas das botas surradas pisavam em galhos. Han escalou, ouviu, depois escalou de novo. Foi só quando ele estava bem alto na árvore, acima do alcance de uma olhada casual para o alto, que reduziu a velocidade. Han se sentou num galho, com as costas no tronco, ofegando, a cabeça um redemoinho. Sentia-se tonto, enjoado e, por um momento, temeu vomitar e entregar sua posição. Mas o garoto mordeu o lábio e se obrigou a ficar imóvel. Depois de algum tempo, sentiu-se melhor. A julgar pelos padrões de estrelas, faltava apenas algumas horas até a alvorada. Han percebeu que seria difícil chegar a tempo à nave auxiliar da Sorte. Será que Shrike simplesmente o abandonaria, ou será que iria esperar? Bem abaixo, as pessoas vasculhavam o bosque. Luzes piscavam pela noite, e Han se encolheu junto ao tronco. Com os olhos fechados, se agarrava desesperadamente à árvore apesar da tontura. Se ao menos sua cabeça não latejasse tanto... Han se perguntou se eles trariam biossensores e tremeu. A pele dele parecia quente e inchada, apesar de a noite estar fresca e uma brisa soprar. A escuridão cedeu à aurora. Han se perguntou o que Dewlanna estaria fazendo, se ela sentiria saudades dele se a Sorte deixasse órbita sem o menino. Finalmente, as luzes se apagaram e os passos sumiram. Han esperou mais vinte minutos para garantir que os perseguidores tivessem mesmo ido embora, e depois, ainda segurando o saco de pilhagem nos dentes, desceu com cuidado, movendo-se com cautela exagerada devido à intensa dor de cabeça. Cada tranco, até mesmo dos próprios passos, fazia sua cabeça girar, e ele teve que trincar os dentes para aguentar. Han andou... e andou. Várias vezes percebeu que estivera cochilando enquanto andava, e em uns dois momentos ele caiu e se sentiu tentado a simplesmente ficar onde estava. Só que alguma coisa o mantinha em movimento, enquanto o alvorecer iluminava as ruas e casas ao seu redor. Amanheceres corellianos eram belos, Han notou atordoado. Nunca tinha percebido como eram bonitas as cores no céu. Se ao menos a luz não machucasse tanto seus olhos... A alvorada virou dia. O frescor deu lugar à tepidez, depois ao calor. O menino suava, e sua visão estava borrada. Só que, enfim, lá estava. O espaçoporto. A essa altura, Han se movia como um autômato, um pé na frente do outro, desejando apenas poder deitar e dormir na rua. Diante dele, agora... a nave auxiliar da Sorte! Com um arfar que foi quase um soluço, o menino se obrigou a avançar. Estava quase na rampa quando um vulto alto emergiu. Shrike. – Por onde raios você andou? – Não havia nada de amistoso no apertão que o capitão lhe dava no braço. Han estendeu o saco de pilhagem, e Shrike o agarrou. – Bem, pelo menos não voltou de mãos abanando – resmungou o capitão. Shrike avaliou rapidamente o conteúdo da bolsa, acenando sua satisfação com a cabeça. Só depois de terminar ele notou que Han balançava de pé. – Qual é o seu problema? Han já não conseguia dizer nada coerente, então apenas balançou a cabeça. Sua consciência ia e vinha como uma transmissão embaralhada. Shrike o chacoalhou um pouco, depois colocou a mão na testa do menino. Ao sentir o calor, praguejou. – Febre... Será que eu te deixo aqui? E se for contagioso? – Franziu o cenho, claramente com dificuldade para decidir. Por fim, sentiu de novo o peso da bolsa de pilhagem. – Acho que você conquistou uma folga – murmurou. – Vamos. Han tentou subir a rampa, mas tropeçou e tudo ficou escuro. O menino emergiu em consciência parcial muito tempo depois, ao som de vozes discutindo, uma em língua wookiee, outra em língua básica. Dewlanna e Shrike. A Wookiee grunhia, insistente. – Dá para notar que ele está bem doente – concordou Shrike –, mas esses meus moleques não morrem nem com um tiro de pistola na potência máxima. Ele vai ficar bem com mais uns dois dias de descanso. Não precisa de um droide médico, e eu não vou desembolsar o custo. Dewlanna rugiu, e Han, traduzindo automaticamente, ficou surpreso com a insistência da Wookiee. Sentiu uma pata-mão peluda colocando alguma coisa fria na sua testa. Era uma sensação maravilhosa em comparação ao calor. – Eu já disse não, Dewlanna, e ponto-final! – retrucou Shrike e, com isso, o capitão saiu batendo pé, xingando a Wookiee em todas as línguas que conhecia. Han abriu os olhos e viu Dewlanna curvada sobre ele. A Wookiee rosnou gentilmente para o menino. Han fez força para falar: – Muito mal... – admitiu ele diante da pergunta. – Com sede... Dewlanna o ergueu e lhe deu água, golinho por golinho. Ela contou que ele tinha uma febre alta, tão alta que ela temia por sua vida. Depois que Han terminou de beber, ela se abaixou e pegou o menino nos braços. – Aonde... aonde nós... Ela mandou que ele se calasse, que ela o levaria para a superfície, ao droide médico. A cabeça de Han girava, mas ele fez um grande esforço. – Não... capitão Shrike... muito bravo... A resposta dela foi curta e grossa. Han nunca tinha ouvido Dewlanna praguejar antes. Ele ficou apagando e voltando enquanto a Wookiee o carregava pelo corredor, e sua próxima memória definida foi ser atado ao assento de uma nave auxiliar. Han não sabia que Dewlanna era capaz de pilotar, mas ela manejou os controles competentemente com suas enormes patas peludas. A navese soltou da atracação e acelerou em direção a Corellia. A febre deixou Han tonto, e ele ficou imaginando a voz de Shrike praguejar. Tentou dizer alguma coisa sobre isso a Dewlanna, mas descobriu que não tinha força para fazer as palavras saírem... Recuperou a consciência de novo na sala de espera do droide médico. Dewlanna estava sentada, ainda apertando o corpinho mirrado do menino em seus braços protetores. Uma porta se abriu de repente, e o droide apareceu. Era um modelo grande e alongado, equipado com unidades antigrav de modo a flutuar ao redor do paciente enquanto Dewlanna colocava Han na mesa de exame. Han sentiu uma picada na pele quando o droide tirou uma amostra de sangue. – Entende língua básica, madame? – inquiriu o droide. Por um momento, Han estava prestes a responder que era óbvio que ele entendia língua básica, e quem era madame? Só que então Dewlanna resmungou. Ah, é claro. A unidade médica estava falando com ela. – Este jovem paciente contraiu febre tanamen corelliana – o droide informou a Dewlanna. – O caso dele é bem grave. Felizmente você não demorou mais para trazê-lo. Precisarei mantê-lo aqui em observação até amanhã. A senhora deseja permanecer com ele? Dewlanna grunhiu que sim. – Muito bem, madame. Usarei terapia de imersão em bacta para restaurar o equilíbrio metabólico. Isso também baixará sua febre. Han deu uma olhada no tanque de bacta que o aguardava e tentou debilmente correr para a porta. Dewlanna e a unidade médica não tiveram dificuldade em contê-lo. O menino sentiu outra picada de agulha no braço, e então o universo inteiro descambou para o lado e mergulhou nas trevas... Han abriu os olhos, percebendo que o devaneio tinha se tornado sono, e depois, sonhos. Balançou a cabeça, recordando como tinha ficado bambo quando Dewlanna e o droide o ajudaram a sair do tanque de bacta. Em seguida, ela pagara o droide com uma parte de suas pequenas economias e o levara de volta à Sorte de Mercador . O jovem piloto fez uma careta. E como Shrike tinha ficado furioso! Han temeu que ele jogasse os dois para fora da escotilha estanque. Só que Dewlanna não demonstrou nem o menor sinal de medo quando se interpôs entre Han e o capitão, insistindo que tinha feito a coisa certa e que, de outra forma, o menino teria morrido. No fim, Shrike cedeu porque uma das joias que Han tinha roubado naquela noite estava cravejada com o que se descobriu ser uma pérola de dragão krayt genuína. Quando o capitão se informou do seu valor, foi apaziguado. Mas ele não reembolsou Dewlanna pelas despesas médicas de Han... Han suspirou e fechou os olhos. A perda de Dewlanna era como uma ferida de faca; não importava o quanto tentasse, não conseguia se livrar da dor e das memórias. Baixaria a guarda e subitamente se pegaria pensando nela como estando ainda viva, visualizaria a si mesmo falando com ela, contando a ela seus problemas com a unidade R2 recalcitrante; só para se deter em seguida com uma dor quase tão calcinante e imediata quanto a que ele sentira no dia anterior, ao segurar o corpo moribundo da Wookiee. Han tomou mais um gole de água, tentando afrouxar o aperto na garganta. Ele devia a Dewlanna... devia tanto a ela. A vida – até mesmo a própria identidade, ele devia a ela. Han suspirou. Até completar 11 anos, seu único nome fora “Han”. O garoto frequentemente se perguntava ou se preocupava se teria um sobrenome. Certa vez, ele mencionou a questão a Dewlanna, além de sua convicção de que, se existisse alguém que sabia quem ele realmente era, seria Shrike. Logo depois disso, Dewlanna aprendeu a jogar sabacc... Han ouviu o arranhar leve na porta de seu minúsculo cubículo e acordou num instante. Prestando atenção, ele ouviu o arranhar de novo, depois um ganir suave. – Dewlanna? – sussurrou ele, enquanto saía da cama e enfiava os pés descalços no macacão de tripulante. – É você? Ela grunhiu baixinho do outro lado da porta. Han puxou o macacão, fechou- o e abriu a porta. – Como assim, você tem novidades incríveis para mim? Dewlanna entrou, o corpo enorme e felpudo quicando de empolgação. Han acenou para que ela passasse por ele, e a Wookiee se sentou no catre estreito. Como não havia outro lugar para sentar, Han tomou o lugar ao lado dela. Dewlanna o acautelou para que mantivesse a voz baixa. O menino deu uma olhada no crono e viu que era o meio da madrugada. – O que você está fazendo acordada agora? – indagou ele, confuso. – Não me diga que ficou jogando sabacc até essa hora? Ela assentiu com a cabeça, os olhos azuis faiscando de empolgação em meio aos pelos castanhos-claros e escuros. – Então qual é a novidade, Dewlanna, por que você precisa falar comigo? A Wookiee rumorejou com suavidade para ele. Han se endireitou no catre, subitamente paralisado de espanto. – Você descobriu meu sobrenome? Como? A resposta dela foi uma só palavra. – Shrike... – murmurou Han. – Bem, se alguém poderia saber, seria ele. O quê... como foi que aconteceu? Qual é meu sobrenome? O nome dele, disse Dewlanna, era “Solo”. Shrike tinha ficado muito, muito bêbado e começara a se gabar sobre o valor da pérola de dragão krayt, que ótimo negócio ele tinha feito ao vendê-la. Dewlanna indagou inocentemente se Han tinha vindo de uma longa linhagem de ladrões bem-sucedidos. Shrike, segundo o relato, explodiu numa gargalhada diante dessa sugestão. – Talvez algum outro ramo da família, mas este Solo? – matraqueou ele, meio que rindo, e fez uma pausa para dar mais um gole na cerveja alderaaniana. – Temo que não, Dewlanna. Os pais desse moleque eram... E, neste ponto o capitão de repente se deteve no meio de uma palavra, cravando um olhar desconfiado na Wookiee. – E por que você se importa, aliás? – inquiriu ele, sem sinal do seu bom humor momentâneo. Dewlanna respondeu simplesmente cobrindo e aumentando a aposta de Shrike. – Solo – sussurrou Han, testando o novo nome. – Han Solo. Meu nome completo é Han Solo. Ele olhou para Dewlanna, e um grande sorriso se abriu no seu rosto. – Eu gostei! Ficou ótimo! Dewlanna respondeu gentilmente e passou o longo braço em volta do menino, dando-lhe um abraço... Han sorriu com a recordação, mas era um sorriso triste. Dewlanna tinha agido com boas intenções, mas a descoberta dela de que o sobrenome do rapaz era “Solo” tinha levado a um dos piores episódios de sua jovem vida. Na vez seguinte em que a Sorte orbitou Corellia, o menino extraviou furtivamente parte do tempo que seria dedicado aos seus deveres de roubos e furtos para visitar um dos arquivos públicos e pesquisar. Shrike não gostava que nenhum dos seus “protegidos” investissem um minuto sequer na melhoria da própria educação. Cada criança a bordo da Sorte de Mercador recebia educação de nível fundamental pelo computador da nave, de modo que fosse capaz de ler e contar créditos. Shrike desencorajava as crianças a buscarem qualquer conhecimento além disso. Em parte porque automaticamente queria desobedecer Shrike, e em parte pelo encorajamento de Dewlanna, Han manteve seus estudos em segredo. Ele tinha uma tendência de ignorar as matérias das quais não gostasse, tais como história, e de investir todo seu tempo em assuntos que o entretinham, como ficção de aventuras e equações matemáticas. Han sabia como a matemática era importante para qualquer aspirante a piloto, então deu duro para dominar o máximo que podia da disciplina. Uma vez que Dewlanna descobriu o que ele estava fazendo, passou a monitorar seu currículo, fazendo o menino estudar matérias que ele teria pulado, o que deixaria lacunas em seu conhecimento. Relutante, Han abordou as ciências físicas e história. O garoto ficou surpreso ao descobrir que algumas das batalhas reais históricas eram tão emocionantes quanto qualquer coisa que tivesse lido nas sagas de aventura. Naquele dia, nos arquivos públicos de Corellia, Han aplicou algumas de suas recém-adquiridas habilidades de pesquisa para aprender a respeito do novo sobrenome. Os resultados foram surpreendentes. Quando Han consultou o sobrenome “Solo” nos registros históricos, ficou espantadoao descobrir que o nome era muito conhecido em Corellia. Um tal de “Berethron e Solo” tinha introduzido a democracia ao planeta natal de Han trezentos anos atrás. Na verdade, ele fora um governante, um rei! Só que havia outro Solo, mais recente, que era igualmente famoso; ou, mais precisamente, infame. Mais ou menos cinquenta anos antes, um descendente de Berethron, Korol Solo, teve um filho chamado Dalla Solo. O rapaz assumiu o pseudônimo Dalla Suul, num esforço para ocultar sua identidade, e ficou muito conhecido como assassino, sequestrador e pirata. “Dalla das Trevas” se tornara um personagem usado para fazer criancinhas tremerem nas camas em colônias distantes ou em transportes sem destino. O menino Han se perguntou se teria parentesco com esses homens. Será que sangue real corria em suas veias? Ou seria o sangue de um pirata assassino? Ele provavelmente jamais descobriria a não ser que, de alguma forma, pudesse convencer Shrike a divulgar o que já sabia. Leu sobre as aventuras de Dalla Suul como ladrão e sorriu sombriamente, perguntando-se se estaria no fundo seguindo algum tipo de tradição de família. Em seguida ele começou a conferir os artigos e as colunas sociais corellianos mais recentes no computador. Uma busca pelo sobrenome “Solo” resultou num nome. Tiion Sal-Solo. Era uma viúva rica, mas reclusa, que tinha um filho. Thrackan Sal-Solo era 6 ou 7 anos mais velho que Han, no fim da adolescência. E seu eu fosse parente dessa Tiion Solo, ou ela conhecesse meus pais?, perguntou-se Han. Essa poderia ser a minha melhor chance de escapar, até agora. Ao voltar à Sorte de Mercador, Han conversou com Dewlanna sobre essa questão. A Wookiee concordou com ele que, apesar do perigo, Han tinha que correr o risco de entrar em contato com a família Solo. – É claro que – comentou Han, apoiando o queixo no punho e fitando a mesa desanimado –, depois que eu fizer isso, não poderei mais ver você de novo, Dewlanna. A Wookiee grunhiu baixinho, dizendo a Han que é claro que ele a veria de novo. Só não seria a bordo da Sorte de Mercador . – Da última vez que eu fugi, Shrike me deu uma surra tão forte que eu fiquei sem poder sentar por dias – lembrou Han. – Se Larrad não tivesse lembrado ele que tinha outra coisa para fazer, acho mesmo que ele teria me matado. Dewlanna ribombou. – Tem razão – concordou Han. – Se essa família Solo me receber, eles serão ricos e poderosos o bastante para me proteger de Shrike. Han conhecia até algumas regras e costumes exigidos de quem vivia na alta sociedade corelliana. De tantos em tantos anos, Shrike executava um grande golpe contra os ricos de Corellia. Han tinha participado como figurante em várias dessas operações. Shrike alugaria uma propriedade luxuosa em Corellia e então armaria uma “unidade familiar” para servir de pano de fundo respeitável ao golpe. Han e outras crianças designadas como parte dessa “família” seriam mandados para viver nessa mansão. Ele frequentaria uma escola de crianças ricas, e uma das suas tarefas durante o golpe era fazer amizade com os filhos dos endinheirados e trazê-los para brincar em casa. Várias vezes, isso tinha resultado em contatos valiosos cujos pais foram convencidos a “investir” no esquema corrente de Garris Shrike. Apenas algumas semanas antes, Han fora estudante numa dessas escolas, uma tão conhecida que tinha merecido a visita do famoso senador Garm Bel Iblis. Han levantara a mão e fizera ao senador duas perguntas inteligentes e perceptivas o bastante para que o visitante realmente o notasse. Depois do fim da aula, Bel Iblis deteve Han, apertou-lhe a mão e perguntou seu nome. Han deu uma olhada rápida em volta, viu que não havia ninguém por perto, e orgulhosamente disse ao senador seu verdadeiro nome. Foi muito legal poder fazê-lo... Shrike recrutava Han frequentemente para as operações de estelionato, parcialmente por conta do charme e sorriso vencedor do menino, e em parte porque seus estudos clandestinos permitiam que Han se encaixasse no ano correto melhor que a maioria das outras crianças. Han também tinha conquistado uma reputação nascente de piloto promissor de swoop e speeder, esportes de gente rica. Conhecera vários garotos de famílias abastadas participando de corridas de swoop, e várias vezes Shrike tinha convencido os pais deles a participar de qualquer que fosse o esquema que ele aplicava na época. Em um ano, Han poderia se inscrever na divisão Júnior do Campeonato Corelliano. Isso significaria um grande prêmio em dinheiro... se ele vencesse. Han gostava e desgostava dessas missões. Gostava porque elas significavam que ele viveria no bem-bom por semanas, às vezes meses. Corridas de swoop e speeder eram um sopro de vida para o menino, e assim ele podia treinar todos os dias. Desgostava dessas operações golpistas porque sempre acabava criando laços com alguns dos meninos com quem era obrigado a fazer amizade, e o tempo todo sabia que eles e suas famílias seriam irrevogavelmente prejudicados pelo esquema de Shrike. Geralmente, Han conseguia abafar qualquer sentimento de culpa. Estava ficando muito bom em se colocar em primeiro lugar. Outras pessoas, exceto por Dewlanna, ficavam em segundo lugar ou em lugar nenhum. Era autopreservação, e Han era muito, muito bom nisso. Ainda sou, pensou Han enquanto se levantava do convés da Sonho Ylesiano e ia verificar rota e velocidade. O jovem corelliano sorriu e assentiu com a cabeça ao ler os instrumentos. Bem na mosca, pensou. Vamos conseguir. Conferiu o tanque de ar e viu que tinha passado da metade. Por um momento Han se sentiu tentado a explorar mais da Sonho , mas resistiu ao impulso. Ficar perambulando simplesmente gastaria o oxigênio mais rápido, e ele já estava no limite da segurança. Então se sentou novamente, e as memórias voltaram. Tia Tiion. Pobre mulher. E o querido primo Thrackan. Conforme se lembrava, Han repuxou os lábios para trás num esgar feral que era mais parecido com o rosnado de um canoide... Han pulou da alta muralha de pedra e aterrissou de leve na ponta dos pés. Em meio às árvores, viu uma grande estrutura construída na mesma rocha nativa que o muro, então seguiu na direção dela, ficando à sombra das árvores sempre que possível. Quando alcançou a mansão, ele parou, contemplando-a impressionado. Tinha visto muitas moradas abastadas, até vivido em várias delas, mas nunca vira nada como o palacete Sal-Solo. Torreões decorados com hera, quatro deles, se erguiam em cada quina da grande e quadrada construção de pedra. Um antiquíssimo droide jardineiro se movia artriticamente, podando os arbustos que cresciam à margem de um largo fosso cheio de água. Han contornou até a lateral e percebeu, para sua surpresa, que o fosso cercava completamente a casa. Não havia como entrar no prédio, exceto cruzando uma estreita ponte de madeira que cruzava a água e levava à porta da frente. Han tinha interesse em táticas militares desde que era pequeno e tinha lido muito sobre o assunto. Estudou a mansão Sal-Solo, percebendo que tinha sido construída sob padrões quase militares de inexpugnabilidade. Bem, isso se encaixava com as coisas que ele ouvira falar sobre a família Solo. Eles não socializavam, não compareciam a eventos de caridade nem iam a peças ou concertos. Em todas as vezes que Han posara como menino rico, nunca tinha ouvido ninguém mencionar a família Solo; e, do jeito que aqueles ricaços viviam falando uns dos outros, ele teria escutado alguma coisa se os Solo se misturassem aos pares. Han avançou cautelosamente em direção à casa. Trocara o macacão cinzento de tripulante por uma calça preta e uma túnica cinza-claro que tinha pegado “emprestadas”. Não queria que ninguém descobrisse de onde ele viera. Quando estava quase no começo da ponte, parou detrás de um dos grandes arbustos ornamentais e espiou ressabiado a casa, do outro lado da água. O que ele deveria fazer agora? Simplesmente ir até a porta e tocar a campainha? Mordeu o lábio, indeciso. E se eles chamassem as autoridades, denunciando-o como um fugitivo? Shrike poria as mãosnele tão rápido que... – Te peguei! Han deu um pulo quando a mão segurou seu braço, puxando-o para trás. O sujeito que o pegara era uma cabeça mais alto que ele. Tinha cabelo mais escuro e era mais forte também. Só que foi o rosto que fez Han o encarar em espanto mudo. Han ficou boquiaberto e calado diante do menino mais velho. Se em algum momento ele teve alguma dúvida da sua conexão à família Solo, as dúvidas sofreram morte súbita. O rosto do rapaz que segurava seu braço parecia uma versão mais velha do rosto que Han via no espelho todas as manhãs. Não que eles fossem gêmeos ou coisa do tipo, mas havia semelhança demais nos traços para ser coincidência. O mesmo formato dos olhos castanhos, o mesmo tipo de lábios, o mesmo jeito das sobrancelhas... o mesmo nariz e queixo... O outro garoto encarava Han de volta, obviamente tendo notado a mesma coisa. – Ei! – Ele chacoalhou o braço de Han com força. – Quem é você? – Meu nome é Han Solo – respondeu Han calmamente. – Você deve ser Thrackan Sal-Solo. – E se eu for? – retrucou o outro, taciturno. Han estava começando a se sentir apreensivo com a forma como o rapaz o espiava. Ele tinha visto vrelts com mais simpatia no olhar. – Han Solo, é? Nunca ouvi falar de você. De onde você veio? Quem são seus pais? – Eu esperava que vocês pudessem me dizer isso – explicou Han, com tranquilidade. – Eu fugi de onde estava hospedado, porque queria encontrar minha família. Não sei nada sobre mim mesmo exceto meu nome. – Hum... – Thrackan ainda encarava. – Bem, acho que você deve ser da família... – Está na cara – concordou Han, só percebendo o trocadilho depois de ter falado. Só que Thrackan não pareceu notar. Ele estava hipnotizado por Han e, depois de soltar o braço dele, contornou o invasor, estudando-o de todos os ângulos. – De onde você fugiu? – indagou Thrackan. – Tem alguém procurando você? – Não – assegurou Han secamente. Ele não confiaria a Thrackan nenhuma informação que pudesse assombrá-lo mais tarde. – Escuta, nós somos parecidos, então devemos ser parentes, né? Será que nós somos... nós somos irmãos? – Engraçado, mas, depois de tantos sonhos sobre encontrar uma família que o resgataria da Sorte de Mercador, Han se pegou desejando que não fosse o caso. – Sem chance – retrucou Thrackan, torcendo o lábio. – Meu pai morreu um ano depois de eu nascer, e minha mãe se trancou aqui desde então. Ela é meio... eremita. Isso se encaixava com o que Han tinha lido sobre a família Sal-Solo. Tiion Solo se casara com um homem chamado Randil Sal, uns vinte anos antes. Os registros públicos continham seu obituário. – Talvez ela saiba alguma coisa sobre mim – sugeriu Han. – Eu posso falar com ela? – Ele respirou fundo. – Por favor? Thrackan pareceu considerar. – Tudo bem – decidiu ele finalmente. – Mas, se ela ficar... chateada, você vai ter que ir embora, tudo bem? Minha mãe não gosta de gente. Ela é que nem o avô dela, não aceita serviçais humanos, só droides. Ela diz que os humanos traem e matam uns aos outros, coisa que os droides nunca fazem. Han seguiu Thrackan mansão adentro, passando por enormes salas cheias de mobília coberta e pinturas protegidas contra a poeira. Thrackan explicou que a família usava apenas alguns poucos aposentos, para economizar o tempo e o esforço dos droides de limpeza. Finalmente, chegaram à sala de estar da mãe de Thrackan. Tiion Solo era uma mulher pálida, de cabelos escuros, obesa e de aparência doentia. Não era nada atraente. Porém, depois de contemplá-la, estudar seu rosto, ver os ossos sob a flacidez inchada, Han concluiu que, um dia, há muito tempo, ela poderia ter sido bonita. Ao ver seus traços, uma lembrança se agitou dentro dele, bem de leve... Um dia, ele tinha visto traços parecidos com os dela, pensou Han. Havia muito tempo, longe dali. A “memória”, se é que era uma memória, era tão fugaz e elusiva quanto um penacho de fumaça. – Mãe – disse Thrackan. – Este é Han Solo. Ele é nosso parente, não é? O olhar de Tiion Sal-Solo tocou o rosto de Han, e seus olhos se arregalaram. Ela encarou o menino horrorizada. Sua boca se mexeu, e um som agudo e estridente emergiu. – Não... não! – gritou ela. Lágrimas se acumularam nos olhos castanhos, escorreram pelas bochechas flácidas. – Não, não é possível! Ele se foi! Os dois se foram! A mulher enterrou o rosto nas mãos e começou a chorar histericamente. Thrackan agarrou Han pelo braço e o arrastou para fora da casa. – Agora veja só o que você fez, seu idiotinha – exclamou o rapaz, olhando preocupado para a janela da mãe. – Ela vai ficar nesse estado por dias, é sempre assim quando ela se aborrece. Han deu de ombros. – Eu não fiz nada. Ela só me olhou, foi tudo. Qual é o problema dela? Com um xingamento abafado, Thrackan acertou um tapa com as costas da mão no rosto de Han tão forte que abriu o lábio do menino. – Cale a boca! – rosnou. – Você não tem o direito de falar dela! Ela não tem nenhum problema, ouviu? Nenhum! O golpe doeu, mas Han levava surras constantes aplicadas por especialistas, e uma coisa que ele sabia era como levar um soco e continuar de pé. Por um momento, sentiu-se tentado a se atirar contra a garganta do menino mais velho, mas se obrigou a relaxar. Havia dor genuína nos olhos de Thrackan quando ele defendeu a mãe. Han imaginou que teria feito a mesma coisa se um dia tivesse tido uma mãe. Preciso ficar aqui, ele relembrou a si mesmo. Qualquer coisa é melhor que Shrike... – Desculpa – ele conseguiu dizer. Thrackan pareceu um pouco envergonhado. – É só você prestar atenção em como fala sobre minha mãe, está bem? As seis semanas seguintes foram algumas das mais estranhas na vida de Han. Thrackan permitiu que Han ficasse com ele nos seus aposentos (Tiion quase nunca ia à parte de Thrackan da casa), e os dois passavam o tempo conversando e se conhecendo. Thrackan era um anfitrião exigente, Han logo descobriu. Este tinha que concordar com ele incondicionalmente, e correr para cumprir suas ordens, ou ele perdia as estribeiras e batia no menino mais novo. Thrackan fez Han pilotar para ele, transportando o rapaz pelo campo num landspeeder antiquíssimo, e os dois chegaram até a partir em algumas expedições a mansões que Thrackan sabia que estavam vazias, cujos habitantes saíram de férias. Thrackan exigia que Han arrombasse as fechaduras e desativasse os sistemas de segurança, e então o rapaz roubava qualquer coisa que lhe desse na telha. Han começou a se perguntar se era grande vantagem ter fugido da Sorte de Mercador. Duas coisas o mantinham na mansão Solo: o medo de que, se desagradasse Thrackan, o rapaz mais velho o denunciasse às autoridades, assim permitindo que Shrike o encontrasse; e a esperança de que Thrackan cedesse e contasse a Han tudo o que sabia sobre sua identidade real. Ele ficava insinuando que sabia qual era o verdadeiro grau de parentesco dos dois. – Tudo a seu tempo – Thrackan dizia quando Han tentava espremer informação dele. – Tudo a seu tempo, Han. Vamos dar uma volta. Quero que você me ensine a pilotar o speeder. Han tentou, mas Thrackan não era muito bom naquilo. O menino mais velho quase bateu o veículo várias vezes antes de dominar os rudimentos mais básicos da pilotagem do pequeno speeder. Eu tenho que cair fora daqui, repetia Han para si mesmo. Vou fugir para algum outro mundo, onde ninguém nunca vai me encontrar. Talvez eu consiga ser adotado ou arranjar um emprego ou coisa assim. Tem que haver algum jeito... Só que ele não conseguia pensar em nenhum jeito de se livrar de Thrackan. O rapaz era vingativo, sádico e simplesmente malvado. Várias vezes, Han viu Thrackan torturar insetos ou outros animais e, quando o rapaz percebeu que seus atos o perturbavam, começou a fazê-lo com frequência. Han nunca tivera um bicho de estimação, mas tendia a gostar de criaturas peludas por causa de Dewlanna. Sentia saudades dela todos os dias. A situação foi se tornando cada vez mais insustentável, até que um dia Thrackan perdeu completamente a paciência com Han. Agarrou-o pelos cabelos, arrastou-o até a cozinha, pegou umafaca e a segurou diante de seus olhos. – Está vendo isto? – rosnou. – Se você não pedir desculpas e não fizer exatamente o que eu mandar, vou cortar suas orelhas fora. Agora peça desculpas! – Chacoalhou Han com força. – E é melhor você ser convincente! Han encarou a lâmina brilhante da faca e lambeu os lábios. Tentou forçar as palavras de um pedido de desculpas, mas uma imensa erupção de raiva sanguinária brotou dentro dele. Todos os insultos, tapas e socos e surras, de Shrike e de Thrackan, pareceram transbordar. Com um urro tão alto quanto o de um Wookiee, Han virou uma fera. Deu um soco no braço de Thrackan, fazendo a faca voar, e acertou o outro cotovelo no estômago do rapaz. Este perdeu completamente o fôlego e, antes que pudesse se recuperar, Han se atirou contra ele. Chutes, mordidas, socos, dedo no olho; Han usou todos os truques sujos que tinha aprendido nas ruas para surrar Thrackan. Atordoado e chocado com a fúria de Han, Thrackan não conseguiu se recuperar, até que a luta terminou com Han sentado nele, segurando a faca em seu pescoço. – Ei... – Os olhos de Thrackan reluziam como os de um vrelt encurralado. – Ei, Han, pare de brincadeiras. Isto não é engraçado. – Você cortar minhas orelhas também não é – retrucou Han. – Escute aqui, estou farto. Você me conte o que você sabe, e conte agora mesmo, ou eu juro que abro sua garganta de orelha a orelha. E depois vou embora. Já me cansei de você. Os olhos escuros de Thrackan se arregalaram de medo. Eles viram alguma coisa no rosto de Han que o convenceu de que Han estava tão furioso que seria um erro provocá-lo. – Está bem, está bem! – Agora – mandou Han. – Fale. Gaguejando de medo, Thrackan contou a história. Anos atrás, o avô de Thrackan, Denn Solo, e a avó, Tira Gama Solo, viviam no quinto planeta habitado do sistema corelliano, uma colônia chamada Tralus. Eram tempos perigosos, e bandos itinerantes de saqueadores e piratas ameaçavam vários mundos periféricos. Os saqueadores nunca chegaram a Corellia, mas chegaram a Tralus. Uma frota deles pousou e devastou a colônia inteira. – Avó Solo estava grávida – ofegou Thrackan, porque era difícil respirar com Han sentado no seu peito. – E, na noite que a cidade deles foi atacada, ela teve os bebês. Gêmeos. Uma delas foi batizada mais tarde como Tiion. Vó Solo pegou ela e fugiu dos saqueadores. Conseguiu se esconder numa caverna nas colinas. – Tiion – repetiu Han. – Sua mãe. – Isso. O outro bebê era um menino, a vó Solo contou. O marido dela levou ele. Não tiveram tempo nem para batizá-lo. A vó disse que foi terrível. Incêndios por todos os lados, gente correndo e gritando. Ela e vô Denn se separaram na confusão da fuga. – E? – Han flexionou a mão de leve, e a lâmina se aproximou da garganta de Thrackan. – Como eu disse, vó Solo e Tiion escaparam. Mas vô Solo e o bebê menino desapareceram. Nunca mais se soube deles. – Então o que isso faz de mim? – indagou Han, completamente confuso. – Eu não sei – admitiu Thrackan. – Mas, se eu tivesse que chutar, eu diria que você é meu primo. Que, de alguma forma, o vô Solo e seu filho escaparam, e que você é o filho desse filho. – Será que ninguém sabe nada além disso? – exclamou Han, sentindo-se desesperado. Aquele era um beco totalmente sem saída; a decepção era esmagadora. – Serviçais? – O vô Solo não gostava de serviçais humanos. Sempre teve droides. E, quando a vó Solo voltou à família dela aqui em Corellia, o bisavô Gama apagou a memória de todos os droides. Ele achou que seria mais fácil assim. Queria que ela se casasse de novo, começasse uma nova vida. – Thrackan lutou para respirar fundo. – Só que ela nunca fez nada disso. – Então o que aconteceu com sua mãe? – Não sei. Ela sempre teve medo de confiar nas pessoas e odiava multidões. Depois que o meu pai morreu, ela simplesmente quis se isolar do mundo. E foi o que ela fez. Han baixou a mão da faca e balançou a cabeça. – Certo – disse ele. – Eu vo... Com um corcovear súbito, Thrackan lhe deu um tranco e, antes que Han pudesse reagir ao golpe, as posições estavam invertidas. Han encarou o primo, sabendo que teria sorte em sair daquela com vida. Os olhos escuros de Thrackan incandesciam com ódio, raiva e prazer sádico. – Você vai ser arrepender muito, muito mesmo, Han – afirmou o rapaz em voz baixa. E Han de fato se arrependeu. Thrackan o trancou numa sala vazia por três dias, lhe dando apenas pão e água. Na tarde do terceiro dia, quando Han estava sentado deprimido num canto, Thrackan destrancou a porta. – Temo que seja hora do adeus, priminho – anunciou ele, animado. – Tem alguém aqui para levar você para casa. Han olhou em volta desesperado enquanto Garris e Larrad Shrike entravam atrás de Thrackan, porém, como ele bem sabia, não havia para onde correr... Han balançou a cabeça e se recusou a se permitir pensar nos dias que seguiram. A única coisa que fez Shrike se conter um pouco na hora de puni-lo foi o fato de não querer “danificar” Han permanentemente devido à sua crescente reputação de excelente piloto de swoops e speeders. Só que havia muitas coisas que o capitão podia fazer que não causavam dano permanente, e ele tinha feito quase todas elas... A única vez que Han levou uma surra pior foi depois do fracasso em Jubilar, quando tinha 17 anos. Han já estava machucado e dolorido do vale-tudo gladiatório em que fora obrigado a lutar, depois de ser flagrado trapaceando no baralho. Daquela vez, Shrike não tinha nem se dado ao trabalho de pegar um cinto, tinha simplesmente usado os punhos, massacrando o rosto e o corpo do menino até que Larrad e vários outros o arrastaram para longe do garoto desmaiado. E agora ele matou Dewlanna, pensou Han amargamente. Se existe alguém que precisa ser morto, é Garris Shrike. Por um momento Han se perguntou por que nunca lhe ocorrera matar Shrike quando ele ficou inconsciente durante a fuga de Han para a Sonho Ylesiano . Teria sido um favor aos habitantes da Sorte de Mercador. Por que ele não o matara? Tivera uma pistola na mão... Han balançou a cabeça. Ele nunca tinha atirado em ninguém até a véspera, e matar um homem inconsciente simplesmente não era seu estilo. Só que Han sabia, sem que ninguém lhe dissesse, que, se Garris Shrike algum dia o encontrasse no futuro, Han seria um homem morto. O capitão nunca esquecia e nunca perdoava. Ele se especializava em guardar rancores contra qualquer um que lhe tivesse prejudicado. Han se levantou de novo para conferir a rota e o tanque de ar. Só restavam algumas horas de oxigênio. Fez alguns cálculos mentais enquanto verificava a tela. Por pouco. Vai ser por pouco. É melhor eu estar preparado para ejetar a porta de carga deste caixote assim que pousarmos... Vai ser por muito, muito pouco... Mesmo tendo voado centenas de horas em swoops e speeders, a experiência de Han em pilotar naves maiores se limitava às vezes que Garris Shrike permitira que ele comandasse a nave auxiliar da Sorte em trajetos fáceis. Ele tinha decolado e pousado, mas nunca antes tentara aterrissar nada tão grande quanto o cargueiro-robô. Han esperava que fosse capaz de dar conta. Tinha confiança em sua habilidade de piloto; afinal, não tinha sido o campeão planetário júnior de speeder em Corellia por três anos seguidos? E, ano passado, ele não tinha vencido o campeonato de corrida de swoop do sistema corelliano inteiro? Ainda assim, comparado à nave auxiliar da Sorte , aquele cargueiro era enorme ... Han cochilou de novo e, depois que acordou, perambulou inquieto pela cabine, sabendo que deveria conservar energia e ar, mas sem conseguir se deter. – Senhor? – A unidade R2 que tinha ficado tão quieta por tantas horas voltou à vida de repente. – Preciso informá-lo de que alcançamos a órbita de Ylesia. O senhor precisa se preparar para executar a descida e o pouso. – Obrigado por me avisar – respondeu Han. Foi até os painéis de controle e verificou os instrumentos, calculando mentalmente a taxa de descida. Não ia ser fácil. Ele não tinha nenhuma forma de se comunicar com o navicomputador, exceto pela unidade R2.Um piloto tinha que tomar decisões em frações de segundo em determinados momentos e, nesses casos, Han não poderia esperar a unidade R2 responder. A nave estremeceu de repente, depois oscilou de leve. Eles estavam entrando na atmosfera, percebeu Han. Respirou fundo e deu uma olhada no nível do tanque de ar, percebendo que seria por pouco... por muito, muito pouco. Lá vamos nós , pensou ele, ativando o controle manual da Sonho Ylesiano . – Ei, R2 – chamou ele, ajustando o curso de leve. – Sim, senhor? – Me deseje sorte. – Com sua licença, senhor, mas esta unidade não está... Han praguejou, e a Sonho Ylesiano desceu em direção à superfície de um planeta que ele não conseguia nem ver. Ele conseguia ver as leituras dos sensores e escâneres infravermelhos, porém, e percebeu que Ylesia era um mundo de correntes de ar tempestuosas, até mesmo nas camadas superiores da atmosfera. Sensores de mapeamento criaram um retrato global do planeta: mares rasos cravejados de ilhas, e três pequenos continentes. Um desses ficava perto do polo norte, mas os outros dois, o oriental e o ocidental, ficavam em latitudes mais baixas, em zonas provavelmente mais temperadas. – Ótimo – murmurou para si mesmo enquanto localizava o sinalizador de aproximação final da nave. Ele poderia usá-lo como um guia para planejar a aterrissagem. O campo de pouso ficava no continente oriental. Deveria ser lá que ficava a colônia ylesiana de sacerdotes e peregrinos religiosos. A Sonho tremeu violentamente, jogada pelas correntes rodopiantes de ar como uma criança num balanço. As luvas do traje de Han tocavam desajeitadamente os pequenos botões do controle de diagnóstico enquanto ele usava os estabilizadores para endireitar a descida. Ao tentar pegar o jeito dos controles, Han guinou para bombordo e depois exagerou na correção, fazendo a nave derrapar para estibordo. Na imagem infravermelha, uma enorme bolha vermelha surgiu de repente. É uma tempestade imensa! , pensou Han, usando os propulsores laterais para estabilizar a descida. Permitiu que a Sonho desviasse alguns graus para o norte, planejando assim se afastar da tempestade e depois virar de volta para o sul, quando estivesse abaixo da tormenta. As partículas ionizadas no rastro de todos aqueles relâmpagos confundiam completamente os instrumentos, percebeu Han. Engoliu seco, sentiu o peito apertar e conteve o pânico. Bons pilotos não podiam se dar ao luxo de deixar as emoções atrapalharem, ou acabariam mortos, e isso encerraria a viagem bem rápido, não é mesmo? – R2 – disse Han, estressado. – Veja se você consegue mapear essas áreas tempestuosas para que eu possa evitar os rastros ionizados dos relâmpagos. Concentre-se na trajetória entre nossa posição atual e o campo de pouso no continente oriental. – Sim, senhor – respondeu a unidade R2. Momentos depois, os pontos de tempestades elétricas apareceram diante dele. – Coloque uma versão desse mapa em escala reduzida no canto desta tela, R2 – ordenou Han. Geralmente, seria trabalho do navicomputador consolidar a trajetória de voo pretendida com dados geográficos e climáticos, e então sugerir uma rota ideal, que o piloto poderia implementar e modificar conforme necessário. Han nunca tinha sentido tanta falta de ter um navicomputador ao seu dispor quanto naquele momento. Reduziu marginalmente o avanço precipitado da nave, depois foi forçado a ativar os propulsores para tirá-los do caminho de mais uma rajada de vento de uma das tempestades. O suor pingava no rosto do rapaz enquanto ele lutava com os minúsculos controles, jogando a Sonho Ylesiano em manobras que só se poderia esperar que fossem executadas por um swoop ou caça militar. Han percebeu que ainda estava ofegante e se perguntou por uma fração de segundo se seria por causa do estresse e da adrenalina, ou se o ar estaria acabando. Não tinha como desperdiçar o segundo que seria necessário para verificar o tanque de ar. Eles estavam agora apenas um quilômetro acima da superfície do planeta, descendo com rapidez. Rapidez demais! Han reduziu a velocidade, abusando dos retropropulsores. A aceleração gravitacional o atingiu, e o rapaz sentiu como se alguma coisa apertasse seu peito num imenso torno. Ofegava forte agora, e ousou olhar o tanque de ar. Vazio! O indicador de status estava completamente na zona vermelha. Aguenta firme, Han, aconselhou a si mesmo. É só continuar respirando. Deve ter ar bastante no seu traje para sustentá-lo por alguns minutos, pelo menos. Balançou a cabeça, sentindo-se tonto. Seus pulmões começaram a arder com a respiração. Só que agora eles estavam quase lentos o bastante para pousar. Freou de novo, de leve, e a nave deu um tranco súbito. Perdi meu estabilizador dianteiro! Han lutou para compensar. Ainda estavam rápido demais, só que não havia mais nada que ele pudesse fazer quanto a isso. Acionou os repulsores e começou a baixar a nave, sentindo a vibração nos joelhos e nas pernas, ajoelhado no convés. Aguenta firme, sua linda! , ele pensou para a Sonho . Aguenta firme... Com um whooooommpppp! estrondoso, o repulsor dianteiro de bombordo pifou. A Sonho deu uma forte guinada para bombordo, bateu no chão, depois quicou. O repulsor de estibordo estourou, e então o lado correspondente inteiro se chocou contra o solo, quase fazendo a nave capotar. Wham! Com um crunch horroroso que Han sentiu no corpo inteiro, a Sonho Ylesiano se esborrachou na superfície do planeta, estremeceu uma vez e ficou imóvel. Han foi atirado violentamente pela cabine. Seu capacete bateu com força na antepara, e ele ficou deitado ali, atordoado, com braços e pernas esparramados. Lutou para continuar consciente. Se desmaiasse, nunca mais acordaria de novo. Tentou se sentar e grunhiu com o esforço. Ondas de escuridão o ameaçavam. Ele ativou o canal de comunicação do traje. – R2... R2... responda! – Sim, senhor, estou aqui, senhor. – O tom mecânico do droide soou um tanto estremecido. – Se o senhor me perdoar a franqueza, senhor, esta pareceu ser uma aterrissagem assaz heterodoxa. Estou preocupado com... – Cale a BOCA e ABRA A ESCOTILHA DE CARGA! – sibilou Han. Ele conseguiu ficar sentado, mas temia não ser capaz de se levantar. Balançava como um bêbado na ventania. – Mas, senhor, eu o avisei que, por questão de segurança, todas as saídas ficariam seladas pendendo... Han encontrou a pistola que tinha metido num bolso externo do traje, sacou e apontou para R2. – R2, OU VOCÊ ABRE AQUELA ESCOTILHA AGORA, OU EU FAÇO SUA CARAPAÇA DE METAL EM PEDAÇOS! As luzes do droide piscaram freneticamente. O dedo de Han tocou o gatilho enquanto o rapaz se perguntava se teria força suficiente para se arrastar até a escotilha. As trevas rondavam os limites de sua visão. – Sim, senhor – decidiu R2. – Farei conforme sua requisição. Momentos depois, Han sentiu o impacto quando o ar irrompeu na Sonho com força quase explosiva. Ofegante, ele contou até vinte e enfim, com seu último resquício de força, arrancou o capacete. Em seguida, deixou-se cair de volta ao convés. Han arfou, percebeu que conseguia respirar e inspirou profunda e repetidamente o ar fresco. Ar morno, ar úmido, ar carregado com um cheiro que ele não conseguia identificar. Mas era rico em oxigênio, eminentemente respirável e isso era tudo que importava naquele momento. O rapaz fechou os olhos e se concentrou apenas em respirar, sentindo a exaustão dominá-lo. A cabeça latejava, e ele precisava só de um momento para descansar. Só um momento... Quando Han emergiu de volta a um estado completo de consciência e abriu os olhos, se deparou com um rosto saído de pesadelos. Essa é a criatura mais feia que eu já vi! foi seu primeiro pensamento. Só os anos de experiência lidando com todo tipo de não humanos de todas as variedades permitiram que ele controlasse a reação inicial. O rosto era largo, com dois olhos protuberantes e bulbosos, e era coberto de pele coriácea cinzenta-bronzeada. Não tinha orelhas visíveis, e apenas fendas servindo de narinas. Acima dessas fendas havia um grande chifre rombudo quase tão longoquanto o antebraço de Han. A boca era um risco largo e sem lábios na imensa cabeça. Han balançou a própria cabeça dolorida e conseguiu se sentar, percebendo pelo cenário que o cercava que parecia estar em algum tipo de enfermaria. Um droide médico pairava pela sala, com luzes piscando. Seu anfitrião (se é que a criatura era isso) era grande, Han notou. Muito maior até que um Wookiee. Lembrava um pouco um Berrite, pois caminhava sobre quatro pernas grossas como troncos de árvore, mas era muito maior. A cabeça da criatura se conectava a um pescoço curto e corcunda que levava a um corpo imenso. Han calculou que o dorso do ser teria a altura dos ombros do rapaz de pé. A pele como couro que recobria o corpo pendia em pregas, rugas e dobras frouxas, especialmente no pequeno e quase inexistente pescoço. Esse couro tinha um brilho oleoso. As quatro pernas curtas terminavam em enormes patas acolchoadas. Uma longa e fina cauda ficava enrolada sobre o dorso. Por um momento, Han se perguntou se a criatura teria membros manipuladores, mas logo notou dois bracinhos que se dobravam junto ao peito, meio escondidos pela papada de pele frouxa. As mãos da criatura eram delicadas, quase femininas, com quatro longos dedos flexíveis em cada. O ser abriu a boca e falou em língua básica, com sotaque compreensível. – Saudações, sr. Draygo. Permita-me lhe dar as boas-vindas a Ylesia. Você é um peregrino? – Só que eu não me ch... – murmurou Han, com a cabeça girando. Por um momento o nome não fez sentido, mas então as coisas se encaixaram. É claro. Fechou a boca com força, pensando que provavelmente tinha levado uma pancada pior do que pensara. Vykk Draygo era o pseudônimo cuja identificação ele portava naquele momento. Han tinha vários alter egos e a documentação apropriada para sustentá-los. Ironicamente, ele não tinha nenhum tipo de identidade ou documento sob seu nome verdadeiro. – Me desculpe – murmurou ele, segurando a cabeça com a mão, na esperança de que o deslize fosse descontado como resultado do ferimento na cabeça. – Acho que ainda estou meio abalado. Não, não sou um peregrino. Vim aqui responder a um anúncio de emprego para que alguém, de preferência um corelliano, viesse ser piloto. – Entendo. Mas como o senhor calhou de estar a bordo de nossa nave quando ela sofreu o acidente? – inquiriu a criatura. – Queria chegar a Ylesia o mais rápido possível, então aproveitei a oportunidade para pegar uma carona na Sonho Ylesiano – explicou Han. – Eu teria que esperar uma semana por um voo comercial e o anúncio dizia que vocês precisavam de um piloto com urgência. Vocês receberam minha mensagem? – Sim, recebemos – confirmou o ser. Han o observava atentamente, lamentando não ser capaz de interpretar suas expressões faciais. – Nós estávamos esperando você, mas não na Sonho Ylesiano. – Veja, trouxe o anúncio comigo. – Han estendeu a mão para o macacão pendurado numa cadeira ao lado da cama e pegou o holocubo que continha o anúncio ao qual ele tinha respondido. – Diz que vocês precisam de alguém para começar imediatamente. Ele estendeu o cubo. – Então... Vykk Draygo aqui, me apresentando para o emprego. Sou corelliano e atendo a todos os seus requisitos. Eu só... Bem, queria dizer que lamento ter batido a Sonho. Sua nave é um modelo diferente daqueles que eu já pilotei, mas umas duas horas num simulador vão resolver isso. E temo que as suas correntes atmosféricas me pegaram de surpresa. O ser verificou o cubo, depois o pousou na mesa. Os cantos da imensa boca sem lábios se inclinaram levemente para cima. – Entendo. Sr. Draygo, sou o mui exaltado sumo sacerdote de Ylesia, Teroenza. Seja bem-vindo à nossa colônia. Estou impressionado com a sua iniciativa, jovem humano. Viajar a bordo de uma nave-robô para poder responder ao nosso anúncio tão rapidamente é um sinal do seu comprometimento. Han franziu o cenho, desejando que sua cabeça não doesse tanto. – Bem... obrigado. – Fiquei impressionado que você tenha conseguido controlar e aterrissar uma nave-robô. Poucos pilotos humanos teriam sido capazes de reagir com velocidade suficiente para lidar com os padrões climáticos desafiadores deste planeta. Os danos à nossa nave não foram sérios, e os reparos já estão sendo efetuados. Você pousou em terreno macio, felizmente. – Isso quer dizer que o emprego é meu? – indagou Han, ansioso. Ótimo! Eles não estão com raiva de mim! – Você estaria disposto a assinar um contrato de um ano? – perguntou Teroenza. – Talvez – respondeu Han, se reclinando e relaxando, com as mãos detrás da cabeça. – Pagando quanto? O sumo sacerdote mencionou uma cifra que fez Han sorrir por dentro. Mesmo que fosse mais do que ele esperava, o rapaz era comerciante demais para não negociar automaticamente. – Bem, não sei... – disse ele, esfregando o queixo pensativo. – Eu ganhava mais que isso no meu emprego anterior... Uma mentira, só que ninguém teria como verificar. Vykk Draygo de fato ganhava mais que aquele valor; Han tinha pago caro para garantir que o histórico de empregos de seu alter ego demonstrasse que ele já tinha recebido altos salários. Han tinha investido todas as suas economias, mais os lucros de dois roubos perigosos sobre os quais Garris Shrike jamais ficara sabendo, para financiar essas alterações no histórico profissional do alter ego ; mas queria que Vykk Draygo pudesse negociar altos salários. Teroenza ponderou a informação e enfim respondeu: – Muito bem, posso oferecer 30 mil pelo ano, com um bônus de dez depois dos seis primeiros meses, no caso de você executar todos os voos programados sem atrasos. – Bônus de quinze – retrucou Han automaticamente. – E vocês fornecem os simuladores de treinamento. – Doze – barganhou Teroenza. – E você paga pelos simuladores. – Treze – disse Han. – Vocês dão os simuladores. – Doze e meio e nós fornecemos os simuladores – decidiu o sumo sacerdote. – Oferta final. – Combinado – anunciou Han. – Vocês conseguiram seu piloto. – Excelente! – Teroenza chegou a rir, um som grave, retumbante e estranhamente melodioso. Num instante os contratos foram trazidos. Han os assinou e então permitiu uma leitura de retina como prova de sua identidade. Espero que eles sejam como todo mundo, pensou ele, e façam só uma verificação geral sistêmica dos meus padrões de retina. Se os sacerdotes fizessem uma busca completa (e muito cara) em todos os sistemas para determinar se a leitura de retina de Vykk Draygo era única, eles acabariam descobrindo que não. Vykk Draygo, Jenos Idarian, Tallus Bryne, Janil Andrus e Keil d’Tana todos compartilhavam exatamente os mesmos padrões de retina; o que não era de estranhar, pois todos esses indivíduos eram, de fato, Han Solo. Antes de deixar a Sorte de Mercador , Han tinha tomado o cuidado de guardar uma pequena soma de créditos e conjuntos completos de documentos em duas caixas-fortes em Corellia, para o caso de algum dia precisar de uma troca rápida de identidade. Garris Shrike tinha provido o rapaz com conjuntos diferentes de documentos para cada golpe em que Han participara, e ele tinha guardado cada conjunto e os atualizado conforme necessário. O corelliano sabia, porém, que nenhuma de suas identidades forjadas resistiria aos scanners imperiais. Antes que pudesse prestar os exames seletivos da Academia, Han sabia muito bem que teria que gastar uma pequena fortuna em subornos em Coruscant para obter documentos de identidade tão genuínos que passariam por uma verificação de segurança imperial. Com todos os detalhes administrativos resolvidos, Teroenza então chamou um sub-sacerdote, ou sacredot, como eles eram chamados, e o instruiu a levar Han num tour do complexo. Han foi deixado a sós para vestir o macacão, depois de receber garantias de que lhe seriam fornecidos trajes com o símbolo ylesiano: um enorme olho aberto e uma boca. Enquanto vestias as roupas e as botas, percebeu que suava muito. Quente e úmido, pensou. Que clima maravilhoso. Porém, pela grana que os sacerdotes estavam pagando, o rapaz estava disposto a aturar um ano de desconforto. Ao aceitaro emprego, ele acumularia muita experiência prática pilotando naves grandes e teria acesso a simuladores de treinamento. Isso deveria bastar para garantir seu sucesso nas provas seletivas da Academia. O dinheiro significava que ele poderia pagar as propinas necessárias para que sua inscrição fosse processada rapidamente e realmente chegasse aos oficiais de seleção. Suas pesquisas revelaram que, sem suborno, era comum que um candidato a cadete levasse um mês ou mais fazendo a inscrição, passando por todas as provas relevantes, sendo entrevistado até finalmente ser aceito na Academia Imperial. O sacredot chegou e se apresentou como Veratil. Han o seguiu por um corredor, passando por um grande anfiteatro e o que parecia ser uma área de registro. – Nosso Centro de Hospitalidade – explicou o sacredot. Veratil o levou para o lado de fora. Han saiu pela porta e, antes que pudesse respirar fundo, estava imediatamente coberto de suor. Calor fumegante e umidade lhe estapeavam a cara, quase como golpes físicos. O ar estava carregado de cheiros: perfume forte das flores, vegetação podre e outro odor, um que já tinha sentido antes, mas não conseguia identificar. Han parou no alto da pequena rampa que descia do prédio e contemplou o céu, notando que era de um azul-acinzentado translúcido. O sol era vermelho- alaranjado e parecia maior do que o rapaz estava acostumado. Esta estrela provavelmente ficava mais próxima daquele planeta que Corel de Corellia. Han espiou as sombras, percebeu que já passava muito do meio-dia e depois deu uma olhada no crono de pulso. – Quanto tempo dura o dia aqui? – perguntou a Veratil. – Dez horas-padrão, senhor – respondeu o sacredot. Não é de se espantar que o clima aqui seja tão tempestuoso, pensou Han. Temos um mundo quente e úmido com uma rotação bem rápida. Han olhou para além da área aberta. O permacreto terminava abruptamente, dando lugar ao solo e à vegetação naturais. Poças de água atestavam a recente chuva torrencial. Lama avermelhada formava um forte contraste à luxuriante flora verde-azulada. As flores que pendiam de vinhas e árvores na selva circundante eram enormes e multicoloridas; escarlates, roxas e amarelonas. – Esta é Colônia Um – explicou Veratil. – Nós também estabelecemos duas novas colônias para nossos peregrinos. Dois anos atrás fundamos Colônia Dois, e no inverno passado construímos Colônia Três, que ainda é bem pequena. Colônia Dois fica a uns 150 quilômetros ao norte, e Colônia Três, mais ou menos 70 quilômetros ao sul daqui. – Há quanto tempo Colônia Um foi fundada? – perguntou Han. – Quase cinco anos-padrão. Han deu uma boa olhada em Colônia Um. Diretamente em frente ao Centro de Hospitalidade ficava a plataforma de pouso. Um pequeno cargueiro aguardava lá, adernando sobre seus repulsores. Aquela deve ser a Sonho, pensou Han, percebendo que nunca tinha visto a nave do lado de fora. A Sonho Ylesiano era uma nave pequena, com forma de uma lágrima gorda e um tanto irregular. No ventre havia a saliência da cabine de tiro, provando que a nave não tinha sido sempre um cargueiro-robô. Outra saliência maior indicava o porão de carga principal. Era uma nave graciosa, pequena o bastante para ser ágil. Quase com certeza construída em Corellia. Han viu os imensos droides portuários trabalhando na Sonho , começando a consertar os repulsores. Nave, droides e tudo mais em volta estavam sujos com a lama vermelha da aterrissagem forçada. A nordeste, mais altas até que as gigantescas árvores da selva, Han vislumbrou uma cordilheira nevada. Apontou para ela. – Que montanhas são aquelas? – As Montanhas dos Exaltados – disse Veratil. – O Altar das Promessas fica no sopé delas, onde os fiéis se reúnem todas as noites para serem Exultados. Você verá esta noite, quando comparecer à devoção. Ah, ótimo , pensou Han. Eu tenho que participar das cerimônias, também? Então ele lembrou quanto os Ylesianos estavam lhe pagando. Han assentiu com a cabeça. – Aposto que deve ser impressionante. À esquerda do piloto, havia um vasto campo de lama vermelha. Vários seres da raça de Teroenza e Veratil se refestelavam em poços de lama, sendo paparicados por droides e serviçais de espécies sortidas. Han reconheceu um par de Rodianos, vários Gamorreanos e pelo menos um humano. – Esses são os alagadiços – contou Veratil, acenando para os banhistas enlameados e seus criados com a mão delicada. – Meu povo aprecia muito os banhos de lama. – E qual é seu povo? – perguntou Han. – Vocês são nativos de Ylesia? – Não, na verdade somos nativos de Nal Hutta, ou pelo menos tão nativos quanto nossos primos distantes, os Hutts – explicou Veratil. – Somos os T’landa Til. Han resolveu aprender a língua t’landa til o mais rápido possível. Era quase sempre uma vantagem entender uma língua que os outros não sabiam que você falava... O sacredot e Han contornaram o Centro de Hospitalidade até o outro lado. Os olhos do rapaz se arregalaram ao ver a enorme área aberta adiante. Derrubar tanta selva assim deve ter dado um trabalhão. A área desflorestada era mais ou menos retangular, com pelo menos um quilômetro em cada lado. As montanhas agora estavam atrás e à esquerda e dava para ver, à extrema direita, o reluzir azul-cinza da água. – Lago? – perguntou. – Não, aquele é Zoma Gawanga, o Oceano Ocidental – informou-lhe Veratil. Han contou os enormes prédios que se erguiam diante dos alagadiços. Havia nove deles. Cinco tinham três andares, os outros quatro eram térreos. Cada um tinha facilmente o tamanho de um quarteirão em Corellia. – Lares para os peregrinos? – perguntou Han, acenando para os prédios. – Não, o dormitório para nossos peregrinos fica para lá – respondeu Veratil. O sacerdote apontou um imenso prédio de dois andares no extremo esquerdo. – Os prédios de vários andares são onde processamos ryll, andris e carsunum. Os prédios de um andar que você vê se estendem profundamente no subterrâneo, uma necessidade para a fabricação de brilhestim, que precisa acontecer em absoluta escuridão. Andris, ryll, carsunum e brilhestim... As narinas de Han se alargaram. É claro, isso explica o odor! São usinas de processamento de especiarias! Ele lembrou que a Sonho Ylesiano tinha levado uma carga de brilhestim de primeira qualidade, o tipo mais caro e exótico de especiaria. Os outros eram geralmente mais baratos, mas ainda assim eram uma das cargas mais lucrativas que um contrabandista poderia transportar. – Recebemos carregamentos de matéria-prima de mundos como Kessel, Ryloth e Nal Hutta várias vezes por mês – continuou Veratil. – No começo, os cargueiros-robô que nos supriam pousavam aqui em Colônia Um, mas essa prática logo teve que ser descontinuada. – Por quê? – indagou Han, perguntando-se se queria mesmo saber. – Duas naves, muito lamentavelmente, não conseguiram lidar com nossa atmosfera complicada e se acidentaram. Então construímos uma estação espacial e decidimos usar pilotos vivos para trazer a matéria-prima de especiaria até as fábricas. Tínhamos três pilotos, mas agora só resta um, e o pobre Sullustano que está nos servindo de piloto anda... adoentado. Por isso precisamos de você, piloto Draygo. É tão bom ser necessário, pensou Han sarcasticamente. – Hum... Veratil... o que aconteceu aos outros dois sujeitos? – Um sofreu um acidente de espaçonave, o outro simplesmente... desapareceu. Também perdemos um número determinado de naves-robô, o que prejudicou muito gravemente nossa margem de lucro – contou Veratil, entristecido. – Especiaria é um item de exportação muito rentável, mas naves espaciais são muito caras. – É mesmo – concordou Han azedamente. – Todos esses acidentes devem atrapalhar os negócios. – Não é surpresa que eles não tenham uma fila de pilotos querendo se candidatar, pensou o rapaz. A maioria dos pilotos experientes deve ter espalhado como este planeta é perigoso... Han sabia alguma coisa sobre os vários tipos de especiaria, em grande parte por ter escutado Shrike e os outros contrabandistas conversando sobre suas propriedades. Brilhestim, extraído em Kessel,era de longe a mais valiosa. Quando exposta à luz, depois ingerida rapidamente, dava ao usuário a habilidade telepática temporária de sentir pensamentos e emoções superficiais. Espiões a usavam, amantes a usavam, e o Império a usava para interrogar prisioneiros. Na verdade, o Império reivindicava todo brilhestim extraído em Kessel como sua legítima propriedade, o que explicava por que era tão raro e lucrativo de se contrabandear. Ryll vinha do mundo Twi’lek, Ryloth, onde era perfeitamente legal de se minerar e era empregado para fins analgésicos. Mas também tinha usos ilegais e podia ser usado para produzir vários intoxicantes e alucinógenos. Carsunum era uma especiaria negra que vinha de Sevarcos e era bem rara e muito valiosa. Usuários experimentavam euforia e um aumento nas habilidades; enquanto o efeito durasse, eles ficavam mais fortes, mais rápidos e mais inteligentes. Havia um lado negativo, é claro. Depois que o efeito passava, os usuários frequentemente se tornavam apáticos, deprimidos e alguns até morriam quando a substância era tóxica para seus metabolismos. Sevarcos também supria a galáxia com andris, um pó branco que era adicionado aos alimentos para melhorar o sabor e conservá-los. Alguns usuários afirmavam que a droga causava uma leve euforia e aumento de sensações. Eles não extraem aqui, pensou Han. Essas fábricas processam a matéria- prima e a transformam no produto final. – Fábricas? – ecoou Han. – Elas são enormes... – Sim, e Ylesia conta com taxas de produção admiráveis, permitindo que possamos competir favoravelmente com o custo da especiaria despachada diretamente de Kessel, Ryloth ou Sevarcos – explicou Veratil. – E nós somos a única instalação capaz de oferecer tanta variedade de especiarias. Compradores frequentemente querem adquirir vários tipos diferentes de produto para seus consumidores, coisa que nós suprimos. Han viu vultos entrando e saindo das fábricas. Muitos humanos, alguns não humanos. Reconheceu Twi’leks, Rodianos, Gamorreanos, Devaronianos, Sullustanos... E havia outros que ele não conhecia. Todos os humanos e alienígenas bípedes vestiam robes beges que iam até embaixo dos joelhos e toucas beges que cobriam os cabelos. Ele indicou as pessoas. – Operários nas fábricas? O sacredot hesitou, depois respondeu: – São peregrinos que decidiram servir à Unidade, o Todo, em nossas fábricas. – Ah – murmurou Han. – Entendo. Ele estava começando a entender as coisas agora, e a cada momento as compreendia melhor. E tinha um mau pressentimento sobre o que estava vendo. Aqueles peregrinos vieram para cá em busca de santuário religioso e acabam trabalhando em fábricas de especiaria. Sinto cheiro de vrelt... vrelt morto. O sol ylesiano já estava bem mais baixo no céu àquela altura, quase no horizonte. Han percebeu que as multidões de trabalhadores de bege seguiam para nordeste, em direção às montanhas. Veratil chamou Han com a mãozinha. – É hora de os abençoados peregrinos comparecerem às devoções e serem Exultados no Um, rendendo suas preces ao Todo. Vamos seguir a Trilha da Unidade e alcançar o Altar das Promessas. Venha, piloto Draygo. Han seguiu obediente o sacerdote por um caminho pavimentado bem gasto. Apesar de estarem cercados por peregrinos, Han percebeu que ninguém se aventurava a chegar perto deles. Todos os peregrinos se curvavam profundamente para Veratil, com mãos cruzadas sobre o coração. – Eles estão agradecendo pela Exultação que vão receber – explicou Veratil a Han enquanto eles caminhavam. Quando os dois se afastaram dos prédios, a selva em volta se fechou até que o caminho ficou recoberto de galhos gigantes. Han se sentia caminhando dentro de um túnel. Eles passaram por uma grande área aberta que era com certeza algum tipo de pântano, porque estava completamente coberta por imensas flores belas e exóticas que Han nunca vira antes. – As Planícies Floridas – disse Veratil, ainda desempenhando o papel de guia de turismo. – E esta é a Floresta da Fé. Han assentiu com a cabeça. Queria saber quanto mais disso eu consigo aguentar, pensou. Tomara que não esperem que eu seja convertido, porque pegaram o cara errado. Depois de vinte minutos de caminhada, o grupo alcançou uma grande área pavimentada que tinha uma parte coberta na frente, o telhado sustentado por três imensos pilares. Han viu vários dos T’landa Til reunidos sob os pilares, incluindo um que ele identificou, incerto, como sendo Teroenza. Estavam distribuídos em volta de um altar baixo entalhado em pedra branca translúcida que parecia brilhar com uma luz interior. As montanhas altas de picos nevados formavam um pano de fundo impressionante para a cena, assombrando sobre a selva. Han ergueu o olhar, e ergueu, e ergueu... o topo dos picos mais altos estava escondido pelas nuvens, manchadas de branco pelo pôr-do-sol. A neve no lado oeste das encostas brilhava carmesim e rosada. Impressionante, Han foi forçado a admitir. A simplicidade do anfiteatro natural, com seu chão pavimentado e altar com pilares, o fazia parecer uma imensa catedral natural. Os fiéis se organizaram em fileiras e esperaram. Han ficou no fundo, se remexendo impacientemente, esperando que qualquer que fosse o serviço religioso prestes a acontecer não demorasse muito. Estava com fome, a cabeça latejava e o calor o deixara sonolento. O sumo sacerdote ergueu os bracinhos e entoou uma frase na sua língua nativa. Os sacredots, incluindo Veratil, repetiram a fala. Então a multidão reunida (Han calculou pelo menos 400 ou 500) ecoaram a frase do sumo sacerdote. Han se inclinou para perto do peregrino mais próximo, um Twi’lek. – O que eles estão dizendo? – Disseram “o Um é Todo” – traduziu o Twi’lek, que falava muito bem a língua básica. – Você gostaria que eu lhe servisse de intérprete durante a cerimônia? Já que Han estava determinado a aprender a língua dos T’landa Til, concordou com a cabeça. – Se você não se importar. O sumo sacerdote entoou de novo. Han prestou atenção nas frases rituais repetidas pelos sacredots, depois enunciadas em tom monótono pelos peregrinos fiéis. – O Todo é Um. – Nós somos Um. Pertencemos ao Todo. – Em serviço ao Todo, cada Um é Exultado. – Nós nos sacrificamos para alcançar o Todo. Servimos o Um. – Em trabalho e sacrifício somos Todos completados. Se cada Um tiver trabalhado duro, somos Todos Exultados. Han sufocou um bocejo. Aquilo era terrivelmente repetitivo. Finalmente, depois de quase quinze minutos de ladainha, Teroenza e todos os sacerdotes se adiantaram. – Vocês trabalharam bem – declarou o sumo sacerdote. – Preparem-se para a bênção da Exultação! A multidão emitiu um som de antecipação tão ganancioso que Han ficou espantado. Movendo-se numa grande onda, como se fossem realmente Um, se jogaram no chão e ficaram lá deitados, com braços e pernas encolhidos sob o corpo, numa atitude de esperança e desejo. Todos os sacerdotes ergueram os braços. Han observou enquanto a papada frouxa e enrugada que pendia da garganta de cada um se encheu com ar e começou a pulsar. Um zumbido grave e latejante (ou seria uma vibração?) preencheu a atmosfera gradualmente. Os olhos de Han se arregalaram quando ele sentiu alguma coisa invadir seu corpo e mente. Parte vibração, parte som? Ele não tinha certeza. Seria empatia, telepatia, ou será que a vibração ativara alguma coisa em seu cérebro? Han não poderia dizer. Sabia apenas que era forte ... O efeito atropelou o rapaz numa imensa onda. Emoções calorosas, prazer físico, era tudo isso e muito mais. Han cambaleou para trás, para fora do permacreto, até ser detido pelo tronco de uma das árvores gigantes da floresta. Segurou-se no tronco, com a cabeça girando. Cravou as unhas na casca, se agarrando à árvore. As mãos contra a textura áspera pareciam ser a única coisa evitando que ele fosse levado pela onda de emoções de proximidade e prazer extático... Han se agarrou à árvore fisicamente, e a si mesmo mentalmente, rejeitando aquela maré que o sugava para as profundezas. Não sabia direito onde encontrou força para tanto, mas lutou o máximoque pôde. Por toda sua vida, Han fora quem ele decidira ser, senhor do próprio corpo e mente, e nada mudaria esse fato. Ele era Han Solo e não precisava de alienígenas invadindo sua mente ou seu corpo para fazê-lo sentir-se bem. Não! , pensou ele. Sou um homem livre, não um peregrino qualquer, não a sua marionete! Livre, ouviu? Cerrando os dentes, Han enfrentou a invasão como teria lutado contra um oponente físico, e então, tão de repente quanto tinha começado, a sensação sumiu; ele estava livre. Só que era claro que os peregrinos não estavam. Seus corpos se contorciam na rocha, e gemidos abafados de felicidade e prazer se somavam numa arrebentação suave. Enojado, Han olhou os sacerdotes. Eles obviamente não eram afetados como os peregrinos. Então é por isso que esses pobres otários ficam, depois que descobrem que terão que trabalhar nas fábricas de especiarias, pensou Han, sentindo uma onda de ressentimento amargo em nome dos peregrinos. Eles ralam o dia inteiro, depois andam até aqui e recebem uma dose de vibrações prazerosas que fazem até a melhor especiaria parecer fraca em comparação. Han se perguntou se eles esperavam que ele frequentasse esses “cerimoniais vespertinos” todas as noites e torceu para que não fosse o caso. Já tinha sido muito difícil rechaçar aquela inundação de emoções e prazer daquela vez. Ele temia que, se fosse exposto a ela diariamente, não teria a força, a determinação, para rejeitar a “pílula de felicidade” dos sacerdotes Ylesianos. Àquela altura, os peregrinos começavam a se levantar, alguns oscilando sem firmeza. Todos tinham olhos vidrados, e muitos se pareciam com os viciados que Han vira em antros de especiarias e oobalah em Corellia e outros mundos. – Eles fazem isso todas as noites? – perguntou ele ao Twi’lek num sussurro. Os olhos avermelhados do alienígena brilhavam de alegria. – Ah, sim. Não foi maravilhoso? – Fantástico – retrucou Han, mas o Twi’lek estava tão enlevado que não percebeu o sarcasmo. – E tem alguma vez que eles não realizam essas cerimônias? – indagou Han, curioso. – Só são canceladas se houver algum problema nas fábricas. Uma vez um dos trabalhadores enlouqueceu e pegou um capataz de refém, depois exigiu passagem para fora do planeta. A cerimônia do fim do dia e a Exultação foram canceladas; foi horrível. – E o que aconteceu ao trabalhador louco? – inquiriu Han, refletindo que o “insano” parecia perfeitamente são para ele. – Antes do amanhecer, nós conseguimos dominá-lo fisicamente e o entregamos aos guardas – contou o Twi’lek. É, aposto que sim, pensou Han. Eles não aguentariam ficar sem a dosezinha da noite. A cerimônia estava claramente encerrada. Veratil se juntou a Han pela caminhada de volta ao complexo central. Han estava sem ânimo para conversar e alegou o cansaço que realmente sentia. O sacredot respondeu que entendia perfeitamente e levou o piloto corelliano de volta à enfermaria. – Você pode jantar e dormir aqui esta noite – disse o T’landa Til. – Amanhã vamos levá-lo aos seus alojamentos permanentes no prédio da administração. – Onde fica isso? – perguntou Han, fazendo uma pausa enquanto mastigava um guisado reedox que estava um tanto insosso, mas enchia a barriga. O sacredot apontou o bracinho mais ou menos para nordeste. – Não dá para ver daqui, mas há uma trilha pelas árvores. Nós nos encontramos lá em, digamos, seis horas-padrão? Isso lhe oferecerá sono suficiente? Han fez que sim com a cabeça. Sempre dava para tirar uma soneca mais tarde. – Tudo bem. Depois que o sacerdote saiu, Han tirou suas roupas e botas e percebeu que precisaria de alguma coisa limpa para vestir no dia seguinte, ou não estaria digno de convívio social de alto nível. Considerou tomar um banho antes de dormir, mas estava simplesmente cansado demais. Han sempre fora capaz de se programar mentalmente para acordar na hora que quisesse, então ele se ajustou mentalmente para se levantar dali cinco horas e meia. Por fim, com a mente rodopiando com imagens e impressões, deitou-se na estreita cama de enfermaria e adormeceu instantaneamente. Levou alguns minutos na manhã seguinte até que Han se lembrasse exatamente de quem era (Vykk Draygo, e não se esqueça disso! ) e o que estava fazendo naquele lugar tão quente e grudento. Ele se aventurou no chuveiro e ficou feliz em ver que a unidade de limpeza continha tudo o que era necessário para um ser humano. Cantarolou distraído enquanto se ensaboava, porém, quando levantou um pé para lavá-lo, ficou paralisado de surpresa e desgosto. Um troço felpudo, musguento e verde-azulado crescia entre seus dedos! Alarmado, Han verificou o resto do corpo e encontrou tufos da coisa brotando nos sovacos, na nuca e outros lugares ainda mais pessoais. Praguejando, o rapaz esfregou forte para se livrar do fungo nojento, deixando pele esfolada no lugar, e foi aí que notou que estava atrasado e saiu correndo do chuveiro. Que tipo de lugar é este, afinal? Ao voltar ao dormitório, encontrou o droide médico esperando por ele, com um novo uniforme de piloto pendurado no braço. Segurava um pote de gosma cinzenta na outra mão. – Com licença, senhor – disse o droide. – Poderia lhe perguntar se o senhor está sofrendo alguma... erupção de fungos na pele? – Estou – rosnou Han. – O clima neste lugar é infernal. Ninguém merece viver neste lamaçal. – Entendo muito bem, senhor – respondeu o droide, soando genuinamente solidário. – Poderia lhe oferecer o conteúdo deste pote? Vai prevenir infecções fúngicas com aplicação regular. – Obrigado – respondeu Han, e se retirou para tratar as áreas afetadas. O troço fedia muito, mas aliviou a irritação. Por fim, vestiu o traje, admirando-se em seu primeiro uniforme de piloto de verdade. Os distintivos coloridos eram muito bacanas. Han se recusou a se preocupar com os peregrinos que tinha visto na véspera. Ninguém tinha obrigado os idiotas de mente fraca a vir ali, então ele não perderia mais tempo imaginando o destino deles. Ia tomar conta de Han Solo, ou, mais precisamente, de Vykk Draygo . Além disso , disse Han a si mesmo, eu vou pilotar para esses Ylesianos. Terei acesso a uma nave. Se eu decidir que não gosto mais daqui, posso simplesmente pegar meus créditos e... sumir. O que eles podem fazer para me deter, afinal? Sentindo-se por cima, Han sorriu para o reflexo no espelho e bateu uma continência elegante para si mesmo. – Cadete Han Solo se apresentando para o serviço, senhor! – sussurrou, experimentando a frase. Seu sonho da Academia nunca parecera tão próximo, tão atingível. Quando Han saiu da enfermaria, a primeira pessoa que viu foi Teroenza. Deu um aceno de cabeça agradável ao patrão. – Bom dia, senhor! O sumo sacerdote inclinou a imensa cabeça. – E para você também, piloto Draygo. Permita-me apresentar-lhe alguém com quem você passará muito tempo enquanto estiver trabalhando conosco. – O sumo sacerdote chamou com um aceno, e Han ouviu uma pessoa atrás de si. Girou e não conseguiu evitar dar um rápido passo para trás. A primeira impressão foi de altura, a segunda foi de dentes afiados e garras como facas. Este ser tinha quase 3 metros, mais alto até que um Wookiee. A criatura tinha a boca cheia de presas como agulhas e garras que pareciam ser capazes de rasgar hiperaço. Era peludo, mas vestia um par de calças curtas. Tinha uma faca curva presa no cinto e uma pistola de raios num coldre atado à perna. Músculos ágeis eram visíveis por toda parte. O recém-chegado sorriu, mostrando ainda mais aqueles dentões. – Ssaudaçõess... – disse ele, falando língua básica com um forte cecear. – Este é Muuurgh – apresentou-o Teroenza. – Ele é um Togoriano, uma das espécies sencientes mais honradas nesta galáxia. A reputação togoriana de honestidade e lealdade não tem paralelo, você sabia? Han contemplou o imenso ser e engoliu seco. – Hum, não... – conseguiu dizer. – Nós designamos Muuurgh como o seu... guarda-costas, piloto Draygo. Neste planeta ou fora, Muuurgh o acompanhará por todos os lados... não é mesmo, Muuurgh? – Muuurgh deu palavra de honra – afirmou o Togoriano.O sumo sacerdote cruzou os bracinhos diminutos diante do imenso corpo, e sua boca se curvou naquele que parecia ser um sorriso zombeteiro. – Muuurgh vai garantir com muita certeza, piloto Draygo, não importando onde você estiver, ou o que faça... que você estará... seguro. Han encarou a enorme criatura de pelagem negra, percebendo que seus planos tinham sido definitivamente frustrados. O recado de Teroenza era inconfundível: saia da linha, e Muuurgh vai rasgar você em dois. Han espiou o Togoriano. – Prazer em conhecê-lo, Muuurgh – disse ele. – Vai ser bom ter companhia de verdade durante os longos voos. – Ssim... – concordou o guarda-costas, se aproximando. Han percebeu consternado que o topo de sua cabeça mal alcançava o peito do Togoriano. O alienígena parecia tão felino que Han ficou surpreso que não tivesse uma cauda. – Muuurgh gosta de viagem espacial... – afirmou o guarda-costas em língua básica com forte sotaque e ceceio. O pelo do rosto era negro, mas as suíças e pelagem do peito eram brancos. Os olhos eram de um azul-claro espantoso, com pupilas verticais num verde brilhante. – Muuurgh vai muitoss espaçoportos, quanto maiss, melhor. Han tinha um pouco de dificuldade para entender a língua básica do Togoriano, mas dava para se virar. O rapaz corelliano se perguntou quão inteligente aquele ser era. Tenho que conhecê-lo bem , decidiu Han. Só porque ele não fala língua básica muito bem, não quer dizer que ele seja burro. Só que, se ele for... Han sorriu. – Decidimos lhe dar um dia para se acomodar, piloto Draygo – disse Teroenza. – Mude-se para o alojamento que lhe foi designado, no prédio da administração. Muuurgh vai lhe mostrar onde é. Então, amanhã, você começa a transportar carga e passageiros entre as colônias. Quando o próximo carregamento de especiaria for entregue à nossa estação espacial, você estará pronto para buscá-lo. Depois de hoje, vou dar uma folga ao nosso outro piloto, Jalus Nebl. Ele anda trabalhando demais. Han concordou com um aceno de cabeça. Tenho que falar com esse Sullustano e comparar impressões. – Por mim, tudo bem. Será que eu poderia... dar uma olhada por aí? Gostaria de conferir a disposição do terreno. Teroenza inclinou a imensa cabeça. – Certamente, desde que Muuurgh o acompanhe, e você siga todos os regulamentos de segurança ao visitar as fábricas. – Com certeza – concordou Han. Teroenza se curvou de leve. – Se você me dá licença, estamos esperando a chegada de uma remessa de peregrinos vindos da nossa estação orbital agora de manhã. Tenho muito o que fazer enquanto me preparo para recebê-los. Han fez que sim com a cabeça, pensando em tudo que aguardava esses peregrinos. Ele sabia que extrair especiaria era considerado perigoso e um trabalho extremamente desagradável – de fato, ser mandado às minas de especiarias de Kessel era uma punição comum para criminosos –, só que ele não sabia quase nada sobre o que acontecia à especiaria depois que era minerada. Bem, ele pretendia descobrir. Talvez houvesse algum jeito de tornar aquela situação ainda mais vantajosa para ele. Não dava para saber o que iria encontrar... e nunca era bom deixar perguntas sem respostas. Na experiência de Han Solo, o conhecimento geralmente levava ao poder; ou, pelo menos, a uma fuga mais rápida... Muuurgh levou Han por uma trilha pavimentada pela selva, até que alcançaram um grande prédio muito moderno. – Centro administrativo – disse o Togoriano, apontando o prédio. O “guarda-costas” então guiou Han a uma entrada lateral, depois por um corredor até que alcançaram uma porta. – Você, Muuurgh, dormem aqui – anunciou ele, abrindo a porta. Dentro havia uma pequena suíte composta de quarto, unidade de limpeza e uma saleta de estar. Han ficou feliz ao notar que Teroenza tinha prestado atenção aos termos do contrato. Num dos cantos do quarto havia uma unidade de simulação completamente equipada. Muuurgh foi até a porta do quarto e acenou com a mão cheia de garras. – Seu. Piloto dorme aqui. – Mas e você, onde vai dormir? – indagou Han. Como esperado, Muuurgh indicou a saleta de estar. – Muuurgh aqui. Ótimo, pensou Han. Esses sacerdotes não confiam em mim do mesmo jeito que eu não confio neles. Com Muuurgh dormindo entre eu e a porta para o resto do mundo, seria um risco muito grande tentar me esgueirar à noite. Maravilhoso. – Isso não me parece muito confortável – comentou Han, fazendo sua melhor imitação de doce inocência. Por dentro, estava se perguntando se Muuurgh teria sono pesado. – Talvez você devesse ter um quarto próprio, para que possa dormir confortavelmente. – Muuurgh mais confortável quando está mantendo palavra de honra – retrucou o Togoriano. Han encarou o ser felino. Será que tinha visto um clarão de humor naqueles olhos verdes-azuis com suas pupilas verticais? – Muuurgh deu palavra de honra de vigiar Piloto sempre, então Muuurgh mais confortável aqui . Han concordou com um aceno de cabeça. – Certo. Espiou por um momento a pistola de raios no coldre do Togoriano. – Eu tinha uma pistola quando cheguei aqui, mas não sei onde ela foi parar – comentou. – Acho que preciso perguntar a alguém como recuperar minha arma. – Piloto não precisa pistola. – Muuurgh flexionou os dedos e as garras retráteis apareceram. – Sumo sacerdote diz Piloto não precisa pistola. – Mas e se eu for atacado por algum tipo de... predador? – Han acenou para a selva onipresente em volta do prédio. Provavelmente havia dúzias de predadores que curtiriam caçar um forasteiro, por comida ou diversão. O alienígena gigante balançou a cabeça peluda. – Nunca vai acontecer. Piloto tem Muuurgh, que tem pistola. – Hã... é verdade – admitiu Han. Mentalmente, fez uma anotação de pedir algum tipo de arma a Teroenza. Sentia-se nu sem uma pistola, mesmo que só tivesse andado com uma por dois dias. – Então, Muuurgh, vamos explorar? – perguntou Han. – Não tenho nenhuma bagagem para guardar, como você mesmo pode ver. – Explorar onde? – indagou o Togoriano. – Eu gostaria de um tour das fábricas – disse Han. – E deste centro administrativo. – Tudo bem – respondeu o Togoriano. – Vem, Piloto. – Logo atrás de você – disse Han, adequando as ações às palavras. Eles caminharam pelos corredores do centro administrativo, deram uma olhada no refeitório, passearam pela ala dos guardas e espiaram os alojamentos dos sacerdotes. Quando Han notou a existência de um arsenal, percebeu que os sacerdotes Ylesianos provavelmente temiam uma revolta de peregrinos, pois a relação de guardas por peregrinos era bem alta. O arsenal contava com um monte de armamento pesado antitumulto – piques de força e gás atordoante. Os guardas por quem eles passaram vinham de muitos mundos diferentes. Além de humanos, Han viu Rodianos, Sullustanos, Twi’leks e os Gamorreanos porcinos. – Então deixa eu ver se eu entendi bem – comentou ele com Muuurgh enquanto eles contornavam uma área do centro administrativo identificada por placas em várias línguas como sendo de ACESSO RESTRITO. – Os guardas todos quase sempre dormem aqui? Mas por que eles não dormem perto dos alojamentos de peregrinos se os sacerdotes estão tão preocupados em manter os trabalhadores sob controle? – Hora de dormir não é problema – explicou o Togoriano em sua língua básica precária. – Depois que peregrinos Exultados, mal conseguem voltar andando, vão dormir direto. Única hora que peregrinos bravos, bravos com chefes, é antes Exultação. Faz sentido, pensou Han sombriamente. Sacie a fissura dos viciados, e então eles simplesmente vão dormir até o dia seguinte. – Então as patrulhas de guar... O piloto se interrompeu no meio da palavra ao ver de relance alguma coisa grande e cinzenta deslizando bem longe no corredor da área restrita. Han estreitou os olhos na penumbra. – Ei... o que foi aquilo? – murmurou ele. – Parecia um... – Han parou de falar quando a coisa virou uma esquina. Saiu atrás dela num passo apressado. Muuurgh fez uma tentativa fútil de segurar o “protegido”, mas Han foi mais rápido que o grandalhão e se esquivou. Correu pelo corredor “proibido”,prestando muita atenção em possíveis sons de passos, mas não ouviu nada. Quando alcançou a intercessão entre os corredores, Han se virou para olhar aquele onde tinha vislumbrado movimento. Arregalou os olhos. Ei, é um Hutt! O que um Hutt está fazendo aqui? Não havia como confundir a identidade daquele vulto enorme de lesma que se reclinava no trenó repulsor. No que ele hesitou, Muuurgh pulou em cima de Han, como se este fosse um vrelt, e pegou o corelliano. Han sufocou um ganido de consternação quando o Togoriano o meteu debaixo de um dos braços musculosos e correu de volta pelo corredor, até que estavam de volta à seção de ACESSO IRRESTRITO do prédio. Muuurgh colocou Han de volta no chão e flexionou uma das mãos debaixo do nariz do corelliano. – Meu povo ensina, todo mundo tem direito a um erro – disse o guarda- costas. – Piloto acabou de ter o seu. Agora os erros acabaram, ou Muuurgh terá que ensinar Piloto como filhotinho. Muuurgh deu palavra de honra, lembra. Entendido? Han espiou as garras que reluziam debaixo do seu nariz, afiadas e brilhantes como navalhas. – Hum... sim – ele conseguiu dizer. – Entendo, Muuurgh. É só que nós humanos ficamos... curiosos, sabe? – Curiosidade fatal às vezes – rosnou Muuurgh. – Eu entendo seu ponto... de vista – Han disse secamente. – Ou melhor, suas pontas . Muuurgh contemplou as pontas aguçadas e brilhantes das garras, depois retraiu o focinho, arreganhando as presas, e por fim soltou um miado baixo. Por um momento, Han ficou paralisado, depois olhou para o Togoriano e percebeu que aquela era a risada do alienígena. Evidentemente, Muuurgh havia pescado a piada. Han conseguiu dar uma risadinha fraca. – Então, que tal a gente descolar um rango, depois dar uma olhada naquelas fábricas, hein, meu chapa? – indagou ele. – Muuurgh sempre com fome – concordou o Togoriano, saindo em direção ao refeitório. – Que quer dizer essa palavra “chapa”? – Ah, um chapa é um amigo, um camarada, sabe. Alguém com quem você gosta de passar o tempo – explicou Han. – Sssim... – disse o Togoriano, concordando com a cabeça. – Piloto quer dizer “membro da alcateia”. – Certo. – Ótimo – concluiu o guarda-costas. – Muuurgh sente saudades dos membros da alcateia dele. Han lembrou que Teroenza tinha dito que seu povo vinha de Nal Hutta, o planeta natal dos Hutts, mas não tinha percebido naquele momento que isso significava que havia Hutts vivendo em Ylesia. Quando questionado, Muuurgh confirmou que tinha visto vários dos “mestres-lesmas que se movem no ar”, como ele os chamava. Existe apenas um motivo para que os Hutts estejam aqui, pensou Han. Eles são os verdadeiros mestres de Ylesia. Afinal, eles dominam o negócio de contrabando de especiarias... O almoço estava bom, mesmo que nada imaginativo e (para o gosto de Han) um tanto insosso. Ainda assim, o ser responsável pela cozinha não era nenhum amador. O pão ázimo era muito bom, pensou Han enquanto mastigava um pedaço de pão alderaaniano. Percebeu de súbito, com uma pontada de dor, que já fazia quase um dia que não pensava em Dewlanna. Isso o fez se sentir vagamente desleal, mas então ele recuperou o autocontrole. Dewlanna não ia querer que Han ficasse todo choroso e deprimido por causa dela. Sempre tinha curtido a vida e não esperaria que Han agisse de forma diferente só porque ela se fora... Han voltou de seu devaneio e se deparou com Muuurgh o observando com curiosidade. – Piloto está pensando em alguém distante – comentou o Togoriano, acenando com o osso que tinha acabado de roer. Ainda havia alguns pequenos fragmentos de carne, mas Muuurgh tinha feito um trabalho impressionante, pensou Han. Tinha que aproveitar cada pedacinho, pois era necessária muita carne crua para sustentar aquele corpo imenso. – É verdade – concordou Han com um suspiro. – Alguém tão distante quanto se poderia estar. – Piloto tem namoradinha? Han balançou a cabeça. – Bem, houve algumas garotas aqui e ali – admitiu –, mas ninguém especial. Não, estava pensando na pessoa que mais ou menos me criou. Muuurgh tomou um longo gole de alguma bebida espumante numa caneca. – Humanos criam filhotes muito diferente do jeito do meu povo – afirmou. – É mesmo? Me conte sobre seu mundo. Muuurgh, obediente, se lançou numa descrição de Togoria, um mundo onde machos e fêmeas eram iguais em direitos, mas não misturavam suas sociedades. Machos viviam uma existência de caçadores nômades, sobrevoando as planícies em seus enormes répteis alados de estimação, chamados mosgoths. Caçavam em alcateias. As fêmeas, por outro lado, tinham domesticado criaturas que abatiam pela carne, então não precisavam caçar. Viviam em cidades e vilas, e foram as fêmeas Togorianas que desenvolveram toda a tecnologia do planeta. – Bem, se o seu povo não vive junto, como vocês... – Han buscou um termo educado – hum, se reúnem, você sabe, para... hum... se reproduzir? – Viajamos para cidade para ficar com parceira uma vez por ano – disse Muuurgh. – Entretempos, pensamos muito um no outro. Togorianos povo muito emocional, capaz de grande amor – acrescentou com sinceridade. – Especialmente machos. Grande amor é motivo de Muuurgh estar aqui. Macho da minha espécie raramente sai de nosso mundo, Piloto sabe disso? – Agora sei – disse Han. – Então... Muuurgh... quando você diz que grande amor fez você vir a Ylesia, o que quis dizer com isso? Você tem uma parceira? O Togoriano fez que sim com a cabeça. – Parceira prometida. Algum dia parceiros por vida toda, se Muuurgh conseguir encontrar ela. – O imenso alienígena suspirou, parecendo tão infeliz que Han sentiu pena dele. – Qual é o nome dela? – Mrrov. Bela, bela Mrrov. Como normal para fêmeas Togorianas, ela decidiu ver grande galáxia. Muuurgh implorou para ela não ir, mas fêmeas muito teimosas. O alienígena olhou para Han, que concordou com um aceno de cabeça. – É, eu também já passei por isso. – Mrrov longe muito tempo, anos. Quando ela não voltou para casa para união, Muuurgh tão triste que não pôde ficar em Togoria. Precisa descobrir o que aconteceu com ela. – Então... você descobriu? – Han tomou um gole da cerveja polaniana. – Muuurgh rastreia ela. Alguém em Ord Matell diz que viu ela embarcar nave em espaçoporto. Muuurgh confere horários, descobre que nave tem muitos peregrinos. Vários portos de parada para nave. Muuurgh arrisca chance, vem para cá porque tantos peregrinos vêm para cá. – O grande felinoide suspirou forte e mordiscou um osso cheio de carne. – Chance não boa. Muuurgh pergunta, sacerdotes diz nenhum Togoriano aqui. Muuurgh não sabe mais onde ir. Muuurgh precisa créditos para continuar procurando... – O alienígena engoliu uma última mordida, e seus bigodes se inclinaram para baixo. – E aí você decidiu aceitar um emprego como guarda aqui, enquanto junta dinheiro suficiente para seguir com sua busca – disse Han, deduzindo a conclusão lógica da história. – Sssim... Han balançou a cabeça. – Isso é muito triste, meu chapa. Espero que você encontre ela, de verdade. É difícil perder alguém que você ama. O guarda-costas concordou com a cabeça. Depois do almoço, os dois desceram até as fábricas e passearam em volta dos grandes prédios. Han farejou o ar, sentindo o cheiro misturado das diferentes especiarias. O nariz dele formigou um pouco, e ele se perguntou se bastaria sentir o odor da especiaria para ficar intoxicado. Acenou para o prédio de brilhestim. – Vamos entrar. Ouvi falar sobre como eles processam esta especiaria e queria ver em pessoa. Quando eles entraram no prédio cavernoso, um guarda os deteve e falou com Muuurgh, que explicou quem era Han. O Rodiano de guarda lhes entregou crachás e óculos infravermelhos, depois acenou para que entrassem. – Óculos? – indagou Han em rodiano. Entendia a linguagem perfeitamente, mas sua pronúncia era um pouco penosa. – Nós temos que usá-los? Os olhos roxos do guarda faiscaram ao ouvir um humano falando sua língua. – Sim, piloto Draygo – respondeu. – Abaixo do térreo não há nenhuma luz visível. Você desce no turboelevador. Cada andar para baixo representa umamelhoria de um grau na qualidade da especiaria. As fibras melhores e mais longas são processadas bem no subterrâneo, para eliminar qualquer possibilidade de serem estragadas pela luz. – Certo – disse Han, chamando Muuurgh. Os dois andaram entre prateleiras de suprimentos até alcançar a plataforma do turboelevador no centro da instalação. – Vamos até o nível mais fundo e ver o bagulho realmente bom – sugeriu ao Togoriano. Para si mesmo, Han se perguntava se conseguiria surrupiar alguns daqueles frasquinhos negros. Vender um pouco de brilhestim paralelamente numa cidade portuária engordaria rapidamente sua reserva de créditos... Han apertou o botão do andar mais baixo, e a plataforma, balançando um pouco, começou a descer. Ar fresco subia das profundezas enquanto o turboelevador se deslocava nas trevas absolutas. A corrente de ar era deliciosa depois do calor úmido da selva ylesiana. Depois de um andar, toda luz se foi. Han remexeu nos óculos e os colocou sobre os olhos. Imediatamente voltou a ver, apesar de tudo estar em tons de preto e branco. A iluminação vinha de pontos embutidos nas paredes. O turboelevador continuou descendo, e Han viu os trabalhadores curvados sobre suas estações de trabalho. Havia pilhas de filamentos crus cravejados de minúsculos cristais diante de cada um deles. Finalmente, depois de seis andares, o turboelevador parou. Han e Muuurgh saltaram. – Você já esteve aqui antes? – perguntou ao guarda-costas em voz baixa. O pelo do cangote de Muuurgh estava arrepiado, e os bigodes brancos se eriçavam abaixo dos óculos. – Não... – sussurrou de volta o Togoriano. – Meu povo vive em planícies. Não gosta cavernas. Não gosta escuro. Muuurgh vai ficar feliz quando Piloto quer sair deste lugar. Só palavra de honra de Muuurgh segura ele aqui no escuro maldito. – Calma – respondeu Han. – Não vamos ficar aqui tanto tempo. Só quero dar uma olhada. Ele saiu na frente fábrica adentro. A área cavernosa estava cheia de um farfalhar suave, mas não havia nenhum outro ruído. Longas mesas estavam encostadas ao longo das paredes e distribuídas em colunas nos corredores. Cada mesa era uma estação de trabalho, e um trabalhador ficava sentado ou acocorado diante dela, de acordo com sua anatomia individual. Havia muitos humanos, Han percebeu, sentados em altos bancos e encurvados sobre o trabalho. Poucos ergueram o olhar quando Han e Muuurgh foram até a supervisora do andar, uma peluda Devaroniana, e se identificaram. A supervisora indicou o andar com um gesto da mão vermelha com unhas afiadas. – Meus trabalhadores são os mais habilidosos – declarou ela, orgulhosa. – É preciso muita perícia para medir e cortar o número certo de filamentos fibrosos para que cada dose contenha a quantidade certa de especiaria. É essencial, e muito difícil, alinhar as fibras tão precisamente de forma que sejam ativadas ao mesmo tempo quando expostas à luz visível. – Essa substância é um mineral? – perguntou Han. – Sei que é minerada. – Ocorre naturalmente, mas não sabemos como é formada, Piloto. Acreditamos que tenha uma origem biológica, mas não temos certeza. É encontrada bem nas profundezas dos túneis em Kessel e precisa ser extraída em escuridão absoluta, tal qual você vê aqui. – E os filamentos precisam ser colocados nesses recipientes do jeito certo. – Isso mesmo. O alinhamento incorreto pode fazer os pequenos cristais se fraturarem uns contra os outros. Se isso acontecer, eles moem uns aos outros num pó muito menos potente e valioso. Um trabalhador habilidoso leva uma hora para alinhar adequadamente só um ou dois cilindros de brilhestim. – Faz sentido – disse Han, fascinado. – Você se importaria se eu desse uma olhada por aí? Prometo que não vou mexer em nada. – Pode dar uma volta, sim. Porém, por favor, evite distrair os trabalhadores enquanto eles estiverem alinhando a especiaria. Um giro acidental, como eu disse, poderia arruinar um filamento inteiro. – Entendi – disse Han. Os filamentos de brilhestim cru eram todos negros, mas Han tinha ouvido falar que brilhariam azuis quando ativados com luz visível. Han parou atrás de um dos trabalhadores humanos e assistiu com fascinação enquanto ele separava os filamentos de especiaria cor de ébano, alinhando-os com cuidado absoluto. Os filamentos se enrolavam nos dedos do trabalhador, alguns deles tão delicados quanto seda, mas os pequenos cristais os deixavam muito afiados. O trabalhador posicionou um grupo de filamentos incrivelmente emaranhados nas mandíbulas de um pequeno torno, depois passou a separá-los meticulosamente, até que as estruturas cristalinas ficaram alinhadas. Os dedos do trabalhador se moviam quase rápido demais para se ver, e Han percebeu que estava assistindo a um artesão... não, artesã , incrivelmente habilidosa. Ele ficou espantado que os peregrinos conseguissem realizar alguma coisa que exigisse tanta destreza assim. Depois de vê-los na noite passada, depois da “Exultação”, tinha mais ou menos presumido que se tratava de cretinos mentalmente limitados. Certamente pareciam sê-lo... A operária de brilhestim pegou um minúsculo alicate para desembaraçar um emaranhado particularmente ruim. Ela enfiou as pontas finas da ferramenta no meio da maçaroca, espiando intensamente para localizar o ponto em que os pequenos cristais se prenderam uns nos outros. O brilhestim fibroso se enrolava nas mãos dela como pequenos tentáculos vivos, com cristais cintilantes. A artesã de repente trouxe a mão para trás, puxando, e num instante o emaranhado se endireitou até que todas as fibras se alinharam perfeitamente. Exceto uma. Han observou angustiado quando um filamento cravejado de cristais afiados cortou a carne entre o indicador e o polegar da mulher. Uma linha fina de sangue emergiu do corte profundo. Han prendeu a respiração. Mais alguns milímetros de profundidade, e o tendão do polegar teria sido rompido. Ela sibilou de dor, murmurou alguma coisa em língua básica e, soltando a mão, ergueu-a para parar o sangramento. Han ficou paralisado ao ouvir o sotaque. Essa peregrina era corelliana! Ele nem tinha olhado para ela antes, escondida como estava pelo manto bege sem forma, com o chapéu bem puxado sobre a cabeça e os óculos. Só que agora o rapaz notou que ela era jovem, não velha. A mulher fez uma careta de leve ao examinar o corte. Virou a mão, girou no banco e apoiou a mão sobre o piso, para que o sangue não pingasse na mesa de trabalho. Han sabia que não deveria falar com a peregrina, mas ela não estava trabalhando no momento, e ele estava preocupado. Ela sangrava profusamente. – Você está ferida – afirmou ele. – Deixe-me chamar a supervisora para que ela possa ajudar você. A garota (que tinha a idade dele, talvez menos) levou um leve susto, depois o encarou. Seu rosto era um borrão branco esverdeado sob os óculos e o chapéu, e parecia mortalmente pálida sob a luz infravermelha. Não é de se estranhar, pensou Han, trancafiada aqui embaixo o dia inteiro, sem exposição à luz do sol. – Não, por favor, não – respondeu ela, falando língua básica com um sotaque suave que a marcava como sendo do continente meridional de Corellia. – Se ela me mandar para a enfermaria, eu vou perder a Exultação. – A moça estremeceu com o pensamento, ou talvez de frio. O próprio Han tinha começado a se sentir meio friorento, e não estava lá embaixo há horas. Como aqueles peregrinos aguentavam trabalhar ali embaixo na escuridão gélida o dia todo? – Mas esse corte está com uma cara horrível – protestou Han. A peregrina deu de ombros. – Já está parando de sangrar. Han percebeu que era verdade. – Mas e quanto a... Ela balançou a cabeça, interrompendo o rapaz no meio da frase. – Agradeço sua preocupação, mas não foi nada. Acontece toda hora. – Com um sorriso irônico, ela estendeu as mãos. Os dedos, pulsos e antebraços estavam completamente riscados com pequenos cortes. Alguns eram antigos, brancos e já tinham sarado, mas muitos estavam roxos, ainda recentes e dolorosos. Han viu pequenos pontos fosforescentes entre os dedos dela e percebeu que deveriam ser ofungo que ele tinha descoberto em si mesmo aquela manhã. Enquanto ele observava, um filete luminescente se estendeu de repente, crescendo na direção do corte entre os dedos. Ela exclamou baixinho e arrancou a coisa. – O fungo adora sangue fresco – comentou ela, evidentemente notando o nojo dele. – Pode infeccionar um corte e deixar você doente muito fácil. – Coisa asquerosa – disse ele. – Tem certeza que não precisa cuidar disso? Ela balançou a cabeça. – Como você pode ver, acontece o tempo todo. Com licença, mas... você é corelliano, não é? – Que nem você – respondeu Han. – Eu sou Vykk Draygo, o novo piloto. E você é? A moça apertou os lábios. – Eu... não deveria estar conversando. Melhor voltar ao trabalho. Muuurgh, que tinha ficado observando em silêncio, falou de repente: – Trabalhadora certa. Piloto tem que deixar trabalhadora voltar a trabalho agora. – Certo, meu chapa, entendi – respondeu Han ao Togoriano, mas depois acrescentou para a corelliana: – Talvez a gente possa conversar outra hora. No jantar, talvez. Ela balançou a cabeça silenciosamente e voltou ao trabalho. Muuurgh sinalizou para que Han seguisse adiante. O rapaz deu um passo, mas continuou falando. – Certo, mas... nunca se sabe. A gente com certeza vai se esbarrar de novo, este lugar não é tão grande assim. Então... qual é o seu nome? Ela balançou a cabeça de novo, sem falar. Muuurgh soltou um rosnado gutural bem grave, mas Han continuou ali, teimoso. A mulher parecia perturbada pela ameaça implícita de Muuurgh. Enquanto amarrava uma bandagem no corte, respondeu: – Abandonamos nossos nomes quando desistimos de todas as coisas mundanas pelo santuário de Ylesia. Han se sentia cada vez mais frustrado. Ali estava alguém que conhecia este lugar intimamente, e ela era a primeira pessoa do seu mundo natal que ele descobria neste planeta. – Por favor – insistiu ele enquanto Muuurgh o empurrava de leve. – Deve ter algum jeito que eles usam para se referir a você. – Han abriu seu sorriso mais charmoso. Muuurgh rosnou de novo, mais alto, e mostrou as presas. Os olhos da mulher se arregalaram com a exibição de dentes. – Sou Peregrina 921 – respondeu ela apressadamente. Han ficou com a impressão de que ela falou para salvá-lo da ira de Muuurgh. Muuurgh agarrou o braço de Han e começou a se afastar, arrastando o corelliano sem esforço. – Obrigado, Peregrina 921 – exclamou Han para ela, acenando animadamente, como se ser arrastado pelo Togoriano fosse uma ocorrência corriqueira. – Boa sorte com essas fibras. A gente se vê. Ela não respondeu. Quando Muuurgh enfim o soltou, no fim do corredor, Han seguiu o guarda-costas obedientemente, meio que esperando uma bronca do ser gigante. Mas Muuurgh parecia satisfeito que Han o estivesse obedecendo e retornou ao silêncio atento. Han olhou de volta e percebeu que a corelliana estava mais uma vez concentrada no trabalho, como se já o tivesse esquecido. Peregrina 921 , pensou ele. Eu me pergunto se seria mesmo capaz de reconhecê-la... Considerando os óculos, o chapéu e a visão prejudicada dele, Han não fazia ideia de qual seria a aparência da mulher; sabia apenas que era jovem. Han perambulou por toda a instalação, observando vários outros trabalhadores que alinhavam filamentos e cristais para que ficassem perfeitamente simétricos. Não tentou falar com nenhum deles. Finalmente, voltou à supervisora Devaroniana. – Então, quando eles terminam o trabalho aqui, quem é que coloca os filamentos e cristais nos frascos? – indagou. – Isso é feito no quinto andar – explicou a supervisora. – Acho que vou dar um pulo lá – comentou Han. – Isto é muito fascinante, sabia? – Certamente. Certo, então eles terminam o processamento do bagulho realmente bom aqui em cima , pensou Han enquanto ele e Muuurgh subiam pelas trevas. O Togoriano soltou um uivinho de protesto quando Han levou o elevador só um andar acima. – Fica frio, Muuurgh – disse ele. – Só quero dar uma olhadinha rápida por aqui. O rapaz vagueou pelos corredores, tentando descobrir discretamente o lugar onde o brilhestim de alta qualidade era embalado nos pequenos frascos negros que qualquer usuário da substância reconheceria. Quando chegou lá, porém, seu estômago gelou. Quatro guardas armados estavam ao lado da esteira transportadora, vigiando os pequenos frascos enquanto os trabalhadores traziam cestas cheias e as despejavam. Han sentiu uma corrente de ar, percebendo que havia uma pequena unidade aquecedora ali, afastando a friagem, evidentemente para o conforto dos guardas. Quatro guardas? Han espiou mais atentamente a penumbra. Não, espera um segundo . Viu um borrão de movimento, mas não conseguiu discernir nada por um longo instante. Depois, no que focalizou os olhos, distinguiu lentamente um negrume oleoso e granulado, mal visível no meio de tanta treva. Só que havia olhos no meio da escuridão, olhinhos vermelho-alaranjados. Quatro deles. Han estreitou os dele, ficou imóvel, forçando a visão. Então notou duas pistolas, cada uma atada a uma perna negra verruguenta. Aar’aa! Percebeu. Camaleões! Os Aar’aa eram uma espécie do outro lado da galáxia. Habitantes de Aar eram capazes de mudar de cor gradualmente para igualar-se à cor do que houvesse atrás deles. Essa habilidade os deixava muito difíceis de ver, especialmente nas trevas. Han tinha ouvido falar nos Aar’aa antes, mas nunca esbarrara num deles até agora. Eram criaturas reptilianas, o que explicava por que aquela seção da fábrica subterrânea era aquecida. Muitos répteis ficavam lentos e abobados no frio. Han espiou a penumbra e lenta e gradualmente percebeu os contornos dos dois guardas Aar’aa. Tinham uma pele de textura pedregosa, mãos e pés com garras e uma pequena crista de pele correndo pelas costas. As cabeças eram grandes, com arcadas supraorbitárias salientes, sob as quais os olhos pareciam duplamente pequenos. As caras tinham focinhos curtos e, quando uma das criaturas abriu a boca, Han vislumbrou uma língua vermelha grudenta e dentes brancos afiados. Uma crista ereta de pele começava entre os olhos, subia pelo alto da cabeça até descer para a nuca e se conectava com a crista das costas. Apesar da aparência desajeitada, pareciam ser bem ágeis. Han decidiu que não queria se meter com eles. Apesar de serem mais baixos que o rapaz, tinham ombros largos e certamente eram mais pesados que ele por uma vasta margem. Han suspirou. Esqueça o Plano A. Além dos Aar’aa, os outros guardas -– dois Rodianos, um Devaroniano e um Twi’lek – pareciam durões e obviamente levavam o serviço a sério. Não eram Gamorreanos, então não havia muita chance de desnorteá-los, confundi-los, distraí-los ou, de alguma forma, enrolar algum deles para lhe entregar uma fortuna em especiaria. Han fez uma careta e partiu com Muuurgh de volta ao turboelevador. E não há Plano B, pensou ele soturno. Acho que terei que faturar meus créditos do jeito honesto. Nem ocorreu ao rapaz que transportar especiaria pela galáxia já seria, em si, altamente ilegal. A Peregrina 921 mordiscou um bolo de grãos amanhecido e tentou esquecer o jovem corelliano que tinha visto mais cedo. Ela era uma peregrina, afinal, parte do Todo, uma com o Um, e preocupações mundanas como rapazes bonitões tinham ficado definitivamente para trás. Ela estava ali para trabalhar, de modo a ser Exultada e oferecer suas preces pela bênção do Um como parte do Todo; e conversas com rapazes chamados Vykk não faziam parte disso. Ainda assim, ela se perguntava como ele seria debaixo daqueles óculos. Qual era a cor dos cabelos? Dos olhos? Aquele sorriso tinha feito um calor brotar dentro dela, apesar do frio... Balançando a cabeça, a Peregrina 921 (Que saudade do meu nome! ) tentou exorcizar a memória do sorriso torto, de parar o coração, de Vykk Draygo. Ela precisava rezar, oferecer a devoção apropriada. Tinha que se redimir por ter se separado do Um, para não ser expulsa do Todo. Ainda assim, aqueles pensamentos sacrílegos continuavam se intrometendo. Pensamentos... memórias, também. Ele era corelliano... assim como ela. A Peregrina921 pensou no seu planeta natal e, por um mero instante, se permitiu lembrar-se dele, lembrar-se da família. Os pais dela ainda estariam vivos? O irmão? Há quanto tempo ela já estava ali? 921 tentou recordar, mas os dias ali eram todos iguais... trabalho, alguns bocados de comida insossa, Exultação e preces, depois sono exausto. Um dia fluía no outro, e Ylesia quase não tinha estações... Por um momento, ela se perguntou há quanto tempo estava lá. Meses? Anos? Quantos anos ela tinha? Será que teria rugas? Cabelos grisalhos? As mãos cheias de cicatrizes de 921 voaram até a testa, as faces. Ossos sob carne, ossos proeminentes. Muito mais do que jamais foram antes. Mas nada de rugas. Ela não era velha. Poderia estar lá há meses, mas não anos. Que idade ela tinha quando ouviu falar em Ylesia e vendeu todas as joias para comprar passagem numa nave de peregrinos? Dezessete... ela tinha encerrado seus estudos pré-universitários e estivera ansiosa para deixar seu mundo e frequentar a universidade em Coruscant. Ela ia estudar... arqueologia. Com ênfase em arte antiga. Sim, era isso. Ela ia até passar uns dois verões trabalhando numa escavação, aprendendo a preservar tesouros ancestrais. Ela queria se tornar curadora de museu. Desde criança, história sempre fora sua matéria favorita. Ela adorava aprender sobre os cavaleiros Jedi e ficava fascinada com suas aventuras. Tinha crescido no período pós-Guerras Clônicas, e o conflito a interessava também. E o nascimento da República, há tantos e tantos anos... 921 suspirou enquanto engolia mais uma mordida do bolo farelento. Às vezes ela se incomodava que suas memórias estivessem se esvaindo, que sua inteligência parecesse estar se esvaindo, junto com sua habilidade de perceber o mundo exterior. Ela sabia que, como peregrina, era seu dever expulsar de sua mente e corpo a apreciação dos prazeres carnais. Nos velhos tempos, prazer e diversão tinham sido o foco de sua vida. Naqueles dias, sua vida tivera pouco propósito, comparado com agora. Nos velhos tempos, ela vagueava de lugar em lugar, assunto em assunto, festa em festa... E tudo fora tão sem sentido . A vida agora tinha sentido . Agora ela era Exultada. Todas as noites, o Um conferia sua bênção sobre ela, por meio dos sacerdotes. Exultação era a forma como o Todo se comunicava com os peregrinos. Era uma experiência profundamente espiritual – e era tão gostosa ... 921 pensou que tinha conseguido com sucesso apagar da mente toda lembrança de Vykk Draygo e de seu sorriso, então voltou a trabalhar na pilha de brilhestim – só para perceber, minutos mais tarde, que estava se perguntando se o rapaz realmente procuraria por ela, tentaria falar com ela de novo... 921 sentiu um calafrio naquela eterna friagem úmida e fez um grande esforço para esquecer Vykk Draygo e tudo o que ele representava... Naquela noite, Han faltou à cerimônia para poder passar tempo com vários dos simuladores. Era sua primeira oportunidade de ganhar a vida “honestamente” e não queria estragar tudo. Han sabia que os cidadãos reclamavam sobre como trabalhavam duro e concluiu que isso seria essencial para o sucesso. Era verdade que mendigar, bater carteiras, roubar casas e aplicar golpes em cidadãos muitas vezes exigia muito tempo e esforço, mas Han sabia, de alguma forma, que simplesmente não era comparável. Ele foi até o console de simulação no quarto e verificou o conteúdo do sistema, os programas que estavam disponíveis para ele. Teroenza tinha cumprido a promessa, e os simuladores estavam lá. Han viu quais eram as opções, escolheu os simuladores que queria praticar e ordenou ao sistema que preparasse várias sequências. Tomou o cuidado de especificar que “turbulência atmosférica” fosse incluída em cada exercício de treinamento. Olhou para Muuurgh, que estava ali parado, observando. – Vou ficar trabalhando um tempo – anunciou. – Por que você não tira um tempo para descansar? Muuurgh balançou a cabeça devagar. – Muuurgh não deixa piloto sozinho. Contra ordens. – Tudo bem. – Han deu de ombros. – Você que sabe. Muuurgh observou nervoso enquanto Han vestiu o visicapuz, cortando qualquer contato com o mundo real ao seu redor e mergulhando num voo de treino que parecia exatamente a coisa real. Tecnologia deixava o Togoriano desconfortável. Han se deixou afundar no simulador e, em questão de minutos, o programa tinha alcançado um de seus objetivos primários – ele tinha esquecido completamente que estava num simulador. Estava convencido de que realmente pilotava – que realmente traçava uma rota em meio a campos de asteroides em alta velocidade, que realmente navegava na atmosfera ylesiana, que realmente aterrissava a nave sob toda sorte de condições adversas. O corelliano emergiu do simulador duas horas depois, tendo obtido sucesso em pousos, voos, decolagens e executado todas as variações de manobras possíveis para a nave auxiliar que pilotaria até Colônia Dois e Colônia Três no dia seguinte. Tinha também revisto os controles das naves de transporte que comandaria – a Sonho Ylesiano estava sendo convertida para pilotagem manual – além dos controles do iate particular de Teroenza. Àquela altura, o curto dia ylesiano já tinha se esvaído há muito. Muuurgh estava cochilando na cadeira, mas acordou instantaneamente assim que Han se espreguiçou. Han espiou o Togoriano, lamentando o fato de o alienígena ser tão alerta. Seria muito difícil partir nas expedições furtivas noturnas que ele tinha em mente... Muuurgh caminhava atrás do piloto, feliz que seu fardo tivesse sugerido uma visita ao refeitório para uma ceia tardia. O Togoriano estava sempre faminto. Seu povo estava acostumado a caçar e matar, depois compartilhar da presa, então carne fresca era uma parte constante da dieta deles. Aqui, ele tinha que se virar com carne cura descongelada. Antes de o Piloto aparecer na sua vida, ele tinha a liberdade ocasional de entrar na selva e caçar, para manter as garras – e as habilidades – afiadas. Sentia falta da sua mosgoth, de voar pelo ar montado nela, de sentir os poderosos músculos das asas propelindo-o pelos céus de Togoria. Muuurgh suspirou. Os céus de Togoria eram de um azul-esverdeado vívido, muito diferente deste azul-acinzentado desbotado do céu em Ylesia. Sentia falta disso. Será que um dia os veria de novo, algum dia voaria em sua mosgoth rumo a um ocaso carmesim naqueles céus tão vívidos? Os sacerdotes tinham feito o Togoriano assinar um contrato de seis meses pelos seus serviços de guarda. Ele tinha dado a palavra de honra de que cumpriria o contrato. Se passariam muitas dezenas de dias antes que pudesse voltar à sua busca por Mrrov. Muuurgh a visualizou em sua mente, o pelo cor de creme, as listras alaranjadas, os olhos amarelos inteligentes. Linda Mrrov. Ela tinha sido parte da vida dele por tanto tempo que não saber seu paradeiro era como uma ferida aberta no coração. Será que ela teria voltado a Togoria? Estaria ela de volta ao mundo dos dois, esperando por Muuurgh? Muuurgh desejou poder mandar uma mensagem ao seu mundo natal, perguntar se Mrrov tinha voltado, mas mensagens enviadas por distâncias interestelares eram muito caras, e uma delas acrescentaria quase dois meses ao seu tempo aqui em Ylesia. Ainda assim... Muuurgh considerou, depois pensou que talvez numa das entregas de especiarias a Nal Hutta, Piloto não se incomodaria se Muuurgh mandasse uma mensagem. O Togoriano não tinha confiança suficiente nos sacerdotes Ylesianos para mandar uma mensagem deste mundo. Piloto parecia ser um camarada decente, para um humano, ruminou Muuurgh. Ardiloso, rápido, sempre procurando por um jeito de contornar as coisas, mas humanos eram frequentemente assim. Pelo menos Piloto tinha aceitado a dominância de Muuurgh como líder de alcateia. Foi esperto da parte dele. Viveria muito mais tempo assim... Muuurgh realmente torcia para que Piloto continuasse sendo esperto. Ele gostava do humano e não queria ser obrigado a machucá-lo. Só que, se Piloto tentasse quebrar as regras, Muuurgh não hesitaria em machucar – ou mesmomatar – o corelliano. Teroenza tinha dado a Muuurgh ordens específicas, e o Togoriano as cumpriria da melhor maneira possível. Tinha dado a palavra de honra, e isso era a coisa mais importante do mundo para seu povo. O Togoriano distraidamente penteou os bigodes e o pelo do rosto, refletindo que, desde que Piloto não saísse da linha, tudo ia ficar bem... No dia seguinte Han levou a nave auxiliar ylesiana a Colônia Dois e Colônia Três. Descobriu que gostava muito de comandar naves maiores, e sua pilotagem era perfeita. Conseguiu descolar alguns minutos extras no trajeto de volta a Colônia Um para praticar voo em baixa altitude, dando um rasante tão baixo com o transporte que a barriga quase raspou nas copas das árvores da selva. Ao lado dele, Muuurgh alternava entre a euforia e o terror enquanto vivenciava rasantes, tonneaus e até voar de cabeça para baixo em alta velocidade. Han estava em seu elemento, executando manobras com a nave auxiliar que só tinha feito antes em simulador. O corelliano percebeu que gritava alegre e empolgado com a pura emoção daquilo tudo. Como seu último e melhor feito de voo de precisão, Han mergulhou com a nave a toda velocidade e correu por um cânion escavado por um rio, zunindo entre as paredes rochosas com tão pouco espaço de sobra que Muuurgh uivou, fechou os olhos e se recusou a abri-los. Uma vez que eles estavam de volta a céu aberto, Han teve que chacoalhar o braço do Togoriano e assegurar repetidamente ao grande alienígena que ele tinha terminado a prática daquele dia. – Muuurgh certo de que Piloto é louco – afirmou o Togoriano, abrindo cuidadosamente os olhos e se endireitando no assento. – Muuurgh voa na sua mosgoth em casa, mas não desse jeito . Mosgoths sensatos demais para voar assim . Muuurgh sensato também. Piloto – o Togoriano lançou um olhar queixoso –, prometa a Muuurgh que não vai mais voar maluco. – Mas, Muuurgh – retrucou Han, pousando cuidadosamente no campo de aterrissagem em Colônia Um –, eu tenho que treinar sempre que tiver uma chance! Veja bem... – Ele hesitou, depois decidiu confiar parte da verdade a Muuurgh. – Eu meio que exagerei um pouquinho os fatos quando contei da minha experiência de voo a Teroenza. Realmente sou um piloto campeão, isso é verdade, mas... eu preciso praticar com esta nave auxiliar. E com as naves maiores. Simuladores são legais, mas não se comparam à experiência real. Muuurgh encarou Han longa e diretamente, depois concordou com um aceno de cabeça. – Muuurgh compreende. Piloto confia em Muuurgh para não dizer isso a Teroenza? – É, alguma coisa do tipo – admitiu Han. – Então, eu posso? Quero dizer, confiar em você? O Togoriano tratou pensativo dos bigodes brancos. – Enquanto Piloto não bater com nave, Muuurgh não fala nada. – Muito justo, meu chapa – respondeu Han com um sorriso. Quando ele e Muuurgh desceram pela rampa da nave, Veratil os aguardava na chuva torrencial. Àquela altura, Han já estava acostumado com os temporais diários, apesar de o calor úmido ainda o deixar exausto. – O sumo sacerdote deseja vê-lo imediatamente, piloto Draygo – informou-o Veratil. O sacredot levou Han e seu guarda-costas aos aposentos pessoais do sumo sacerdote, que ocupavam uma grande porção do nível subterrâneo do centro administrativo. Depois que Veratil digitou o código de autorização de segurança e eles entraram pelas imensas portas duplas no santuário pessoal do sumo sacerdote, Han não conseguiu conter um assovio de espanto. – Lugarzinho bacana! – Esta é a sala de exposição do sumo sacerdote – anunciou Veratil. – Ele é um colecionador ávido e muito orgulhoso de sua coleção de raridades. – Merecidamente – afirmou Han, com sinceridade. O aposento era pelo menos dez vezes maior que o pequeno apartamento de Han no primeiro andar. Mesas, prateleiras e estantes de exposição continham tesouros e antiguidades de toda a galáxia. Esculturas de uma dúzia de mundos, pinturas e outros objetos de arte estavam espalhados em meio a ornadas armas antigas. Tapeçarias decoravam as paredes. Tapetes de beleza extraordinária estavam cobertos por campos de força protetores que tinham uma textura gelatinosa quando Han caminhou sobre eles. Gemas semipreciosas adornavam a coleção de flautas e outros instrumentos musicais. Garrafas das bebidas alcoólicas mais raras da galáxia estavam suspensas numa estante com altos-relevos dourados. Os dedos de Han literalmente coçaram durante todo o tempo que ele levou para atravessar a sala de exposição. Se eu pudesse ter cinco minutos a sós aqui dentro, estaria feito pelo resto da vida! , pensou, desejoso, enquanto reduzia o passo para observar um drreelb escavado em gelo vivo. A pequena estatueta estava coberta com uma camada de poeira, que foi perturbada pela respiração de Han. O pó se espalhou no ar, e o piloto deu um espirro retumbante. Poeirento ou não, este lugar vale várias fortunas. Se ao menos... Severo, Han lembrou a si mesmo que tinha virado a página e era um cidadão honesto e trabalhador naqueles tempos. Veratil levou os dois por mais outra porta de segurança até o alojamento pessoal do sumo sacerdote. Os visitantes foram recebidos por um antiquíssimo mordomo Zisiano, que Teroenza chamou de Ganar Tos. O Zisiano era humanoide, mas tinha uma pele verde enrugada que pendia em papadas flácidas do queixo quase inexistente. Os olhos alaranjados eram ranhentos, e ele fungava constantemente, como se tivesse sinusite. Provavelmente alérgico a toda aquela poeira, pensou Han. O sumo sacerdote acenou para que Han e Muuurgh se sentassem e se dirigiu aos dois. – Tão bom você ter vindo, piloto Draygo. Ouvi boas coisas sobre sua pilotagem de Colônia Dois e Três. Hoje nosso droide médico colocou o outro piloto, Jalus Nebl, em licença por duração indeterminada, então você assumirá o lugar dele em voos interestelares de agora em diante. Han assentiu com a cabeça, tentando esconder o entusiasmo. – Ótimo, senhor. Vou cumprir os prazos. Quando eu parto? – Depois de amanhã – contou Teroenza. – Muuurgh vai acompanhá-lo, é claro. – Quais são a carga e destino, senhor? – indagou Han. – Você vai se encontrar com uma nave de Nal Hutta nas coordenadas que vamos lhe passar no último minuto. A segurança é vital, como você pode muito bem entender. Sabe que tivemos problemas com piratas no passado. – Teroenza aceitou uma pequena criatura debilitada que o mordomo lhe estendeu e fez uma pausa para engoli-la. – Você treinou Muuurgh como artilheiro, piloto? – Hum, não, ainda não, senhor. – Cuide disso. Um bom piloto está preparado para todas as eventualidades, correto? – Sim, senhor – concordou Han. – Vou cuidar disso. Hum, senhor? Qual é a carga? – Você levará uma remessa de carsunum processado e receberá um carregamento de ryll virgem trasladado de Ryloth. – Mas a nave com a qual vou me encontrar é de Nal Hutta? – Sim. – Teroenza não se estendeu na explicação, então Han abandonou o assunto, decidido a ficar de orelhas em pé. Percebeu que havia mais que o sumo sacerdote não lhe contava, mas não estava exatamente em posição de exigir todos os detalhes sujos. Teroenza se sentou sobre os imensos quartos traseiros, acenando com os bracinhos para o portal pelo qual Muuurgh e Han entraram. – Soube que você gostou da minha sala de exposição? – Se eu gostei? – Han pôde responder com total honestidade. – É incrível , senhor. Nunca vi tantos tesouros reunidos fora de um museu! – Minha espécie tem uma longa vida, assim como nossos primos, os Hutts – contou Teroenza. – Já venho colecionando há centenas de anos-padrão, mais tempo que você, em sua juventude, poderia imaginar, piloto. – Eu realmente queria fazer um tour um dia – comentou Han. – Eu gostaria que minha coleção estivesse em condições de ser vista – lamentou Teroenza. – Ganar Tos, mesmo sendo um excelente cozinheiro e um camareiro eficaz, não recebeu o treinamento necessário para fazer a manutenção das minhas peças, muito menos catalogá-las e arrumá-las adequadamente. E eu sou muito ocupado para dedicar meu tempo a essa atividade. – O ser gigante osdispensou com um aceno da mãozinha. – Por hora é tudo. Nos vemos quando você voltar, piloto. – Sim, senhor. – Han se levantou e chamou Muuurgh. Os dois partiram, escoltados por Veratil. Uma vez do lado de fora, o sacredot saiu para cuidar de alguma tarefa, deixando os dois sozinhos. Han deu uma olhada no crono e então para o sol ocidental. – Esta noite vou começar a treinar você na função de artilheiro – disse ele ao Togoriano –, mas, por enquanto, acho que a gente merece uma folga. Na verdade, está bem na hora de visitarmos o refeitório onde os peregrinos comem. Vamos lá. – Por quê? – indagou Muuurgh. – Piloto não quer comida de peregrino. Piloto e Muuurgh comem no refeitório do centro administrativo... comida decente, não lixo. Han balançou a cabeça e seguiu pela trilha que cortava a selva até a área dos peregrinos. – Eu não quero comer com os peregrinos, meu chapa – explicou ele. – Só quero conversar com alguns deles. Calculei que, na hora do jantar, eles estarão todos juntos, e eu poderei encontrar... eles... mais fácil. – Eles? Quantos são “eles”? – Hum... bem, olha só... – começou Han, depois parou, fazendo uma careta. – Só uma – admitiu. – Peregrina 921, aquela que eu vi no outro dia. Eu gostaria de ver como ela realmente é. Muuurgh assentiu com a cabeça. – Ah, sssim... Muuurgh entende muito bem o que Piloto quer. Han sentiu a cara ficar quente e ficou feliz que o Togoriano não pudesse reconhecer aquele sinal denunciador de vergonha. – Você sabe, Muuurgh, meu velho chapa – começou ele, deliberadamente mudando de assunto –, você fala língua básica muito bem para quem só aprendeu há menos de um ano. Só que tem uma parte do idioma que você ainda não dominou, que são os pronomes. Nunca achei que ia dar uma de professor, mas, vamos lá... Os dois caminharam juntos pelo caminho, enquanto Han explicava as regras gramaticais que governam o uso dos pronomes... Uma vez no refeitório dos peregrinos, Han e Muuurgh perambularam pela enorme área onde os peregrinos jantavam. Han espiava cada rosto, imaginando se conseguiria reconhecê-la sem os óculos, sob iluminação normal. O cabelo dela estivera coberto pelo chapéu, então o rapaz não sabia nem se era claro ou escuro. Han acelerou o passo ao perceber que a refeição estava quase encerrada e ele ainda não tinha localizado 921. Talvez ela não estivesse ali. Talvez tivesse jantado num outro turno, como ele tinha ouvido que alguns peregrinos faziam. Só que ele tinha achado que quase todos os humanoides comiam durante este turno... Lá está ela! É ela mesma! Han não tinha muita certeza de como sabia... mas sentia-se seguro como se ela tivesse uma placa pendurada no pescoço dizendo PEREGRINA 921. Numa iluminação normal, o rapaz notou que ela era alta e esguia – esguia demais, na verdade. As maçãs do rosto se destacavam proeminentes, e os olhos pareciam ainda maiores do que realmente eram naquele rosto magro e excessivamente pálido. Porém, magra demais ou não, ela era, mesmo de modo simples, linda. Não classicamente bela. A mandíbula era um pouco larga demais e meio quadrada, o nariz meio longo para a beleza clássica. Mas linda... ah, sim... 921 tinha grandes olhos azuis-esverdeados, cílios escuros e pele branca e lisa. Várias madeixas de cabelos curtos e cacheados tinham escapado de baixo do chapéu de peregrina, e Han viu que eram vermelho-dourados – a cor de um pôr-do-sol corelliano num dia limpo. O salão geralmente era bem silencioso. Os peregrinos não conversavam muito, cansados como estavam de um longo dia de trabalho nas fábricas, e a Exultação que se aproximava. Mas eles geralmente comiam em grupos. 921 estava completamente só. Han viu que ela cutucava o jantar, e depois de uma olhada na massa nada apetitosa de mingau grudento, verduras murchas e pão ázimo no prato dela, ele não a culpou. A comida cheirava mal – quase estragada. Han franziu o nariz enquanto puxava a cadeira diante dela e se sentava. Estava vagamente ciente da presença de Muuurgh, encostado na parede, observando. 921 – eu tenho que convencê-la a me contar seu nome verdadeiro! – ergueu os olhos cor de turquesa, que se arregalaram ao reconhecê-lo. Han ficou imensamente feliz com isso e sorriu para ela. – Olá. Encontrei você de novo, viu? A moça o encarou, olhos ainda arregalados, depois baixou o olhar para o prato. Han se inclinou na direção dela. – Então, qual é o rango? Não parece grande coisa, tenho que admitir. Mas você não pode só ficar empurrando pelo prato, sabe. Ela balançou a cabeça. – Por favor... vá embora. – Sua voz era pouco mais que um sussurro. – Não deveria estar falando com você. Você não é do Um. – Claro que sou – retrucou Han. – Só que eu sou um tipo um pouco mais individual de Um, pode-se dizer. A boca de 921 estremeceu, muito de leve. Han percebeu que desejava ser capaz de fazê-la sorrir de verdade. – Você não sabe do que está falando, piloto Draygo – respondeu ela em voz baixa. – Temo que isso seja óbvio. – Bem, pregue para mim, então – argumentou Han. – Tenho a mente aberta, talvez você consiga me converter. – Ele sorriu, feliz em tê-la encontrado, e que ela estivesse, pelo menos, falando com ele. 921 balançou a cabeça. – Temo que você seja infiel em demasia, piloto – comentou ela. Han estendeu a mão e pegou na dela, aquela que tinha se machucado. – É Vykk – disse ele, sufocando um impulso louco de contar seu nome verdadeiro . Conseguiu resistir. – Então, como vai sua mão? Alguma sequela daquele machucado no outro dia? Quando Han tocou a peregrina, ela se enrijeceu, como se fosse puxar a mão. Depois, quando ele perguntou do corte, ela relaxou. – Está sarando – contou ela, confirmado o que Han tinha visto. – Só vai levar um tempinho. – É um serviço duro, ficar ralando lá embaixo no escuro e no frio o dia todo – apontou Han. – Você não preferiria fazer alguma coisa mais... fácil? – Tipo o quê? – perguntou ela. – Não sei. No que você é boa? O que você estudou? – Bem... um dia eu quis ser curadora de museu – revelou 921, soando um tanto nostálgica. – Eu ia estudar arqueologia. Sei muita coisa sobre isso. – Só que você veio para cá em vez de seguir com os estudos – deduziu Han. – Sim – confirmou 921. – Esta vida é espiritualmente recompensadora. Minha antiga vida era vazia e sem sentido. Han hesitou. – Como você sabe que a doutrina que eles ensinam aqui é a certa? Tem um monte de religiões na galáxia. Ela considerou a pergunta cuidadosamente, então, finalmente, respondeu. – Porque, quando nós somos Exultados, eu me sinto muito próxima do Um. É um momento místico. Eu me sinto Uma com o Todo. Tenho certeza que os sacerdotes devem ser Divinamente Dotados para poderem oferecer aos peregrinos a chance de serem Exultados. – Humm – comentou Han. – Parece que eu deveria experimentar. – Por cima do meu cadáver, pensou ele, mas tomou cuidado para esconder os verdadeiros sentimentos. – Talvez você devesse – concordou ela. – Está na hora de seguir para o Altar das Promessas. Talvez você seja abençoado e receba a Exultação, também. – Nunca se sabe – disse Han. – Posso acompanhar você até lá? Ela deu um sorriso discreto, olhando para o chão. – Tudo bem. Os dois caminharam juntos pela trilha na selva, lado a lado em meio aos peregrinos, com Muuurgh no rastro. Han tentou puxar conversa, mas 921 estava quieta e sem reação. Quando alcançaram o altar, Han não se retirou para o fundo, mas ficou ao lado de 921 no meio do grupo de fiéis. – Você não deveria estar aqui – sussurrou ela. – É óbvio que você não é um peregrino. – Se alguém reclamar, é só dizer que eu sou um candidato a peregrino – disse Han, tentando provocá-la de leve, mas 921 não caiu. Fez uma cara feia e lhe deu as costas, concentrando-se na cerimônia. Teroenza e os outros sacerdotes recompensaram a multidão de fiéis com uma devoção idêntica àquela que Han tinha visto antes. Desta vez, Han teve pouca dificuldade em resistir aos efeitos da Exultação – permaneceu lúcido do começo ao fim. Em vez disso, observou 921, viu sua expressão arrebatada e balançou a cabeça por dentro. Comoela pode ser iludida por esse embuste? , perguntou-se ele. Ela é claramente inteligente. Por que não percebe que seja lá o que for que esses sacerdotes fazem, é algum truque, e não um Dom Divino? Han assistiu angustiado enquanto 921 se prostrava para receber a Exultação, depois se acocorou ao lado dela enquanto ela se contorcia no chão. É um milagre que os corações deles não parem de funcionar de repente, pensou. Mais tarde, depois que o momento de Exultação terminou e os sacerdotes se foram, ele a ajudou a se sentar. A peregrina sorria, ainda que muito fraca. – Tudo bem? – indagou Han, preocupado. A Exultação, além de qualquer que fossem seus efeitos emocionais e físicos, parecia deixar os peregrinos exaustos. – Você parece meio mal. – Estou bem – disse ela, ainda tremendo, e tentou se levantar. Han rapidamente a segurou e ofereceu a mão. – Obrigada – sussurrou 921, com a respiração ainda ofegante. – Vou ficar bem, agora. – Vou acompanhar você de volta ao dormitório – decidiu Han. – Por via das dúvidas. Você parece meio fraca. Ela não discutiu quando Han pegou seu braço e os dois seguiram o caminho de volta. Estava ficando bem escuro, e Ylesia não tinha lua. Han mal podia distinguir a trilha adiante, mas 921 pegou seus óculos no bolso do robe e os colocou. Ela guiava, mas Han continuou segurando seu braço e servindo de apoio para a peregrina. – Então, você tem saudades de Corellia de vez em quando? – perguntou o piloto. – Não – respondeu ela, mas Han percebeu que era mentira. – E você? – Não sinto falta das pessoas, mas tenho saudades do planeta – contou Han com sinceridade. – Corellia é um belo lugar. Sempre quis visitar o oceano, mas nunca tive uma chance. Você já foi ao oceano? – Sim... – disse ela lentamente, como se a pergunta trouxesse de volta memórias que ela preferia não recordar. – Você tem família por lá? – Tenho... – 921 hesitou, depois acrescentou: – Pelo menos acho que sim. Não falo com eles há quase um ano. – Desde que chegou aqui? – perguntou Han. – Isso. Eles seguiram em silêncio pela escuridão quente e úmida. Han estava muito consciente de que segurava o braço dela sob a larga manga do robe. Os ossos da peregrina ficavam muito próximos da pele, mas a carne em si era quente, macia e muito feminina. – Então, você tá planejando ficar aqui de vez? – inquiriu Han enquanto um pequeno grupo de peregrinos cambaleantes passava por eles nas trevas. – Ou isso aqui é tipo temporário? – Temporário? – O piloto mal podia ver o borrão indistinto do rosto dela, que a linha escura dos óculos dividia ao meio, quando ela se virou para ele. – Como poderia ser temporário? Eu quero servir ao Um, ser parte do Todo, para sempre. – Ah. Bem, hum... e quanto às coisas tipo... se apaixonar, viajar, talvez se estabelecer em algum lugar e ter filhos? – Desistimos de todas essas coisas quando nos tornamos parte do Todo – explicou ela, mas havia um tom de arrependimento em sua voz. – Que pena. Sem aviso, começou uma chuva constante. Han sentiu 921 tremer um pouco, apesar do calor. O piloto puxou um poncho de chuva do bolso e abriu sobre a cabeça de ambos. Os dois continuaram andando, encolhidos debaixo da cobertura, os corpos em contato. Han estava ciente de que Muuurgh os seguia a uma distância discreta. Pobre camarada. Ele odeia se molhar. Han começou a falar mais alto para que fosse escutado apesar do barulho da chuva. – Sabe, eu não posso ficar chamando você de 921. Se a gente vai ser amigo, você tem que me dizer seu nome. – E quem disse que a gente vai ser amigo? – indagou ela. – Eu simplesmente sei que vamos – insistiu Han. Ele sorriu, sabendo que ela conseguia vê-lo no escuro. – Eu sou irresistível quando quero. – Você é um metido, isso sim – retrucou ela, soando meio irritada, meio divertida. – Metido, presunçoso, arrogante... insuportável... – A peregrina parou de falar para rir. Han percebeu que era a primeira vez que ouvia a risada dela. – Ah, por favor, continue! – protestou de brincadeira o piloto, rindo também. – Eu adoro quando as mulheres me elogiam, é música para meus ouvidos. – Han ficou deleitado de ouvir 921 soando tão viva . – Estou cansada – declarou ela, o bom humor momentâneo sumindo como a névoa da manhã. – E aqui estamos nós diante do alojamento. Obrigada por me acompanhar de volta... piloto Draygo. Havia um fraco círculo de luz emanando das janelas do dormitório, e Han parou bem na beira, de modo que conseguia ver 921, mas que eles não estivessem sob o foco da luz e não pudessem ser vistos por alguém. – Nada de “piloto” – lembrou ele. – É Vykk. A peregrina tentou dar um passo para trás e se afastar dele, mas Han segurou-lhe o braço com mais força, tomando cuidado de não machucá-la, mas não deixando que ela se desvencilhasse. – Vykk, está bem? – Vykk... certo – repetiu ela. – Agora, por favor... me deixe ir. E... não volte. Por favor. – Por que não? – Han estava magoado. – Porque... você não é bom para mim. Para a minha essência espiritual. Ele sorriu nas trevas calorosas. – Admita, você gosta de mim. – Não gosto, não. – Gosta, sim. Admita. – Ele deu um passo adiante, olhando para baixo, para o rosto dela. 921 era alta, só meia cabeça mais baixa que ele. Gentilmente, Han ergueu as mãos para levantar os óculos que escondiam os olhos dela. Os dedos se demoraram no rosto da mulher durante o gesto. – Pronto – disse ele baixinho. – Assim fica melhor. É errado... totalmente errado... cobrir esse rosto, esses olhos... – Você está... está blasfemando – acusou ela, sem fôlego, mas não se afastou. – Não, não estou. Me diz o seu nome. 921 balançou a cabeça miseravelmente, com olhos assombrados. – Vykk... eu não posso... – Tudo bem. – Eu posso esperar, pensou Han. – Mas a gente vai se ver de novo, né? A peregrina hesitou por tanto tempo que Han notou que ele mesmo prendia a respiração. Então ela abaixou a cabeça, murmurou “sim” e se afastou. Desta vez, Han a deixou ir. 921 saiu correndo, dormitório adentro, sem olhar para trás. Han se inclinou para frente no assento do piloto, espiando os números que corriam pela tela do navicomputador. – Prontos para voltar ao espaço real, nas coordenadas de encontro – anunciou em voz alta. – Três... dois... um... Puxou a alavanca, e as estrelas ao redor da Sonho Ylesiano subitamente se alongaram em finos rastros de luz, todos se estendendo a um ponto central – um ponto para onde a nave se lançava. Os motores rugiram, depois reduziram a marcha, e enfim – de uma forma abrupta que levava algum tempo para se acostumar – eles estavam de volta ao espaço real. – Bem na rota, Muuurgh – exclamou Han, triunfante. – Tô ficando bom demais nesse negócio de voos interestelares, não tô? – “Estou” – corrigiu o Togoriano. – Eu estive lendo livro que Piloto deu para Muur... – ele se deteve. – Hum, mim , e “tô” não é forma correta de falar língua básica. – Me lembre de ensinar você a usar artigos, algum dia – murmurou Han. – Eu não mereço nem parabéns por ter nos trazido ao ponto de encontro bem na mosca? – Bem melhor que primeira vez – comentou Muuurgh, referindo-se à primeira jornada interestelar deles, três semanas atrás. Han tinha cometido um pequeno erro ao programar no navicomputador exatamente onde eles sairiam do hiperespaço, e a Sonho tinha acabado a três parsecs de distância do lugar em que deveriam ter emergido. Han tivera que fazer um salto hiperespacial extra para alcançar a posição correta. – Ei – protestou Han –, aquela foi a minha primeira vez! E não é culpa minha que essa tela seja tão velha que o oito parecia um seis. – Piloto tem ido melhor desde então – reconheceu Muuurgh. – Segunda e terceira viagens foram bem. – Pode apostar que foram – murmurou Han. – Eu sou bom , Muuurgh... bom mesmo. Aposto que agora consigo passar nas provas de admissão da Academia Imperial. Mais alguns meses de prática, e eu estarei pronto. – Muuurgh vai sentir... – O Togoriano fez uma pausa. – Correção. Eu vou sentir falta de Piloto quando ele se for. – Vou sentir saudades suas também, chapa – respondeu Han, com sinceridade.– Mas não se preocupe, a gente pode... A Sonho Ylesiano estremeceu violentamente quando um alto whang! reverberou pelo casco. – Mas que... – Han apertou alguns botões, ativando a tela traseira. – Muuurgh, alguma coisa atingiu a gente! – Asteroide? – sugeriu o Togoriano. Whanggggg! – Não! – gritou Han, encarando incrédulo a tela. – Duas naves! Só podem ser piratas! Vá para a cabine de tiro! Enquanto Han encarava a tela, a nave à direita disparou outro tiro. – Se segura! Muuurgh, que tinha acabado de se desatar de seu assento e estava se levantado para ir à cabine de tiro, gritou quando mais um tiro retiniu contra o casco, jogando-o de volta à cadeira com força o bastante para deixar hematomas. Praguejando, Han guinou a Sonho forte para bombordo. Quem eram aqueles caras? Piratas geralmente davam tiros de advertência e exigiam que a nave atacada se rendesse. O objetivo era roubar a carga, sequestrar a nave e manter a tripulação viva para que pudesse ser vendida como escravos. Destruir ou incapacitar a nave e matar os ocupantes não era economicamente vantajoso. – Muuurgh! Vá lá para baixo! Eles vão nos fazer em pedaços! Perdemos um escudo! Enquanto o Togoriano se propelia da cadeira do copiloto e saía cambaleante da sala de comando, mais dois disparos pegaram a Sonho Ylesiano de raspão. Eles estão mirando nos motores de hiperespaço! Querem nos imobilizar! Han lançou a nave numa manobra desesperada, virando-a de lado, bem a tempo de escapar de outra rajada que quase acertou o ventre da nave e teria explodido o núcleo energético Quadex dela. O piloto acelerou, tentando se afastar o bastante dos piratas para poder dar meia-volta e atirar neles. Tinha pouca confiança na habilidade de Muuurgh de conseguir de fato atingir alguma coisa ao manobrar a cabine de tiro. O Togoriano era rápido e capaz, mas nunca tinha realmente atirado contra um alvo vivo – muito menos em movimento. Enquanto lançava a nave adiante, forçando a velocidade ao máximo, Han abriu o canal de comunicações. Tinha que avisar alguém sobre o que estava acontecendo, para o caso da Sonho ser inutilizada e eles terem que escapar numa cápsula salva-vidas. – Colônia Um Ylesia, aqui é a Sonho Ylesiano . Colônia Um, é a Sonho . Estamos sendo atacados, repito, sendo atacados. Duas naves nos emboscaram assim que emergimos do hiperespaço! – A voz do rapaz rachou com o esforço. – Honestamente, não foi minha culpa! Eles estão perseguindo a gente, e eu estou fazendo manobras evasivas. Piloto Draygo câmbio e desligo! Han deu uma olhada na tela com as leituras dos sensores abaixo, viu que tinham se afastado dos perseguidores – ainda não tinha dado uma boa olhada nas naves piratas – e então jogou a Sonho num parafuso para baixo, sob as naves que se aproximavam. Quando elas passaram a toda acima dele, Han virou a Sonho numa curva fechada. – Muuurgh! Agora! – gritou no intercom. Um rugido togoriano e uma erupção de lasers recompensaram o comando – só que Muuurgh errou completamente o alvo. Um dos piratas deu a volta e começou a atirar de novo... Bam! A Sonho Ylesiano tremeu violentamente ao receber um sério impacto. O estômago de Han deu um nó quando o piloto ouviu um uivo de pura agonia subir da cabine de tiro. – Muuurgh? Muuurgh? Você foi atingido? – gritou ele, mas não houve resposta. Uma rápida verificação de status revelou que eles tinham sofrido uma minúscula queda de pressão, mas que o vazamento tinha sido automaticamente selado pelos sistemas da nave. – Tudo bem, seus palhaços... – murmurou Han, fazendo pontaria com seus mísseis de concussão, centralizando o pirata da direita na mira – ... tomem isto! A Sonho deu um tranco violento quando o míssil voou. Han fez uma careta quando o pirata conseguiu se esquivar no último segundo. Ele tentou de novo... se pelo menos pudesse fazê-lo se mover um pouco mais para bombordo... – Isso! – murmurou Han selvagemente ao lançar outro míssil bem no caminho do pirata, antecipando a manobra evasiva dele. – Te peguei! Um segundo depois, uma luz amarela e branca se espalhou em todas as direções, expandindo numa bola de fogo de beleza incandescente. Han teve que desviar o olhar e, quando encarou a tela novamente, o outro pirata estava em fuga na direção oposta com aceleração máxima. – Ah, não, sem chance – grunhiu Han. – Vou te pegar também... – Com um apertão feroz do dedo, ele rastreou o alvo e disparou de novo. O míssil de concussão seguiu o alvo, mas então a nave pirata desapareceu num estouro de luz estriada. Eles tinham escapado para o hiperespaço em segurança. Han praguejou enquanto botava a Sonho em piloto automático e corria para a cabine de tiro. Será que Muuurgh estava bem? Segundos depois, Han se encontrava nas ruínas do suporte do canhão, examinando o selante de pressão que os sistemas da Sonho tinham espirrado automaticamente para fechar o vazamento de ar. Havia um forte cheiro de ozônio e marcas de chamuscado onde os raios tinham atingido. Muuurgh ainda estava atado ao assento móvel, mas o Togoriano estava desmoronado, inconsciente, e nem se mexeu quando Han soltou o cinto e conseguiu meio que arrastá-lo, meio que carregá-lo pela escadinha até a sala de controle. Muuurgh ainda respirava, mas tinha uma marca de queimadura num lado da cabeça, logo abaixo da orelha direita. Han examinou mais atentamente, passando os dedos pelo pelame negro, e descobriu um galo cada vez mais inchado logo atrás da orelha. O Togoriano obviamente tinha levado uma pancada feia na cabeça. Han não sabia o que fazer – conhecia primeiros socorros para humanos, e algumas espécies de alienígenas, mas o povo de Muuurgh era raro na galáxia. Preciso levá-lo a uma instalação médica, pensou ele, cobrindo o alienígena inconsciente com um cobertor. Em seguida, conferiu o navicomputador. Onde fica o sistema mais próximo? Han esquadrinhou as cartas estelares, cravando o dedo num ponto específico. – Certo – sussurrou. – Lá vamos nós. – Deu uma olhada no Togoriano. – Aguenta firme, Muuurgh! Han programou o curto salto pelo hiperespaço e, antes de dar o comando, foi verificar os motores. O cheiro desagradável de conectores queimados lhe provocou uma careta. Será que eu deveria usar a unidade de hiperdrive de reserva? Só que a reserva era muito mais lenta, e ele não tinha como avaliar a seriedade da condição de Muuurgh. Han decidiu correr o risco de usar o motor hiperdrive principal. Prendeu a respiração ao iniciar o salto para o hiperespaço. Han começou a suar com a forma como a nave hesitou e com o barulho de esforço que o motor fez. A Sonho estremeceu, gemeu, mas as estrelas subitamente correram contra ela em listras, e eles saltaram. Han saiu do hiperespaço um curto período depois, agradecendo às suas estrelas da sorte que a Sonho Ylesiano tivesse aguentado o pulo. Os motores de velocidade da luz da nave certamente precisavam de reparos... O corelliano seguiu para o sistema estelar que tinha escolhido, na direção do único mundo habitado. Enquanto ainda estavam bem distantes, colocou a Sonho em piloto automático e foi no compartimento de carga verificar a caixa de brilhestim. O mundo que ele tinha escolhido era conhecido por ter inspeções de alfândega e especiarias, então o rapaz abriu o compartimento secreto que os sacerdotes tinham incluído no convés de carga e tirou as caixas de perfume âmbar gris doreeniano que transportava como carga de “cobertura”. Grunhindo com esforço, Han carregou os pesados caixotes de perfume até o porão. Depois levou a caixa muito menor de frascos de brilhestim ao compartimento oculto, assegurando-se de que o tinha fechado bem. A não ser que alguém soubesse que aquilo estava ali, jamais encontraria, e o espaço tinha sido criado para ser à prova de varreduras. Quando Han chegou de volta ao assento de piloto, o mundo escolhido já crescia nas telas. Com a aproximação, viu que era um lindo planeta, azul, branco e bege contra a treva noturna do espaço. O piloto lembrou de repente que tinha desligado o sistema de comunicações depois de mandar a mensagem a Ylesia. Melhor ligarde novo, pensou, entrar em contato com o controle do espaçoporto e receber autorização para pousar. Olhou de volta para Muuurgh, que não tinha se mexido ou feito um ruído. E solicitar transporte ao hospital mais próximo... Assim que seus dedos clicaram na unidade de comunicação, a tela de vídeo foi preenchida com a imagem de um homem de aparência gentil, com uma garotinha de cabelos negros sentada no seu colo. Han levou um susto, depois percebeu que a mensagem era pré-gravada e transmitida a todas as naves num vetor de aproximação. Uma narração identificou o homem: – Sua majestade, Bail Prestor Organa, vice-rei e primeiro-secretário. O homem sorriu para a tela. – Saudações. Em meu nome e do meu povo, lhe dou as boas-vindas a Alderaan. Han ouviu sem prestar muita atenção enquanto o homem – rei Fulano de Tal, ele disse? – continuou com a vídeo-mensagem. – Como muitos de nossos visitantes já sabem, Alderaan é um mundo pacífico, onde nos abstemos das armas e de seu uso. Enquanto você for nosso hóspede, pedimos que respeite nossas tradições e leis e deixe suas armas com a Capitania dos Portos durante sua estadia. Você perceberá que Alderaan tem muito a oferecer aos visitantes. Não temos praticamente nenhum crime... Certo, pensou Han. Aposto que... – ... e nenhuma poluição. Nossos lagos são límpidos, nosso ar é puro e nosso povo é feliz. Temos museus maravilhosos, e o convidamos a visitá-los. Não perca nossas gravuras de grama quando as sobrevoar na sua aproximação de pouso. Nossos pintores de relva estão entre os maiores artistas da galáxia. Damos as boas-vindas a todos os visitantes de nosso bel mundo e pedimos apenas que venham em paz e que obedeçam nossos... Han murmurou uma ofensa, inclinou-se para a frente e desativou o som da transmissão. Fez um gesto rude para a tela. Um planeta inteiro de cidadãos honestos? Só vou acreditar quando vir... Minutos depois, a mensagem enlatada de Bail Organa foi substituída por um controlador de tráfego da Capitania dos Portos. Han reativou o áudio. – Capitão Draygo, pilotando a Sonho Ylesiano – anunciou, eficiente. – Peço permissão para pousar. Fui atacado por piratas, minha nave está danificada, e eu estou com um artilheiro ferido. Vocês poderiam providenciar um veículo de remoção médica para se encontrar com minha nave assim que eu pousar? – Certamente, capitão Draygo. Designei a você um vetor de aproximação prioritário. Vamos encaixá-lo na Baia de Atracação 422. É só seguir o sinalizador de aterrissagem até seu ponto. Teremos um transporte e um droide médico no aguardo. – Obrigado. O vetor de aproximação de Han realmente o levou por sobre as pinturas de grama e, mesmo ocupado como ele estava, não conseguiu deixar de se impressionar. A imensa planície de relva ondulante, soprada pelo vento, exibia um design abstrato de quilômetros de extensão, composto com flores silvestres multicoloridas. Truque bacana, pensou. Como será que eles fazem? E por que se dão ao trabalho? Não é como se você pudesse vender arte desse tipo e ganhar dinheiro com isso... A capital de Alderaan, Aldera, ficava numa ilha no meio de um lago. O local do lago na verdade era uma cratera de meteoro que tinha se enchido com a água dos lençóis freáticos. Os restos da cratera imensa e relativamente “recente” (em termos geológicos, pelo menos) cercavam o lago numa série de contrafortes baixos e pontiagudos cujas encostas estavam salpicadas com prados verdes e florestas. A água azul-gelo que preenchia a cratera milenar faiscava sob os raios do sol matinal. O espaçoporto ficava do lado oposto da ilha, e Han mergulhou sobre a cidade no seu vetor de aproximação designado. Em poucos minutos, ele baixou a Sonho Ylesiano num pouso perfeito. Agora tinha tanta experiência aterrissando apesar das imensas tempestades e correntes de ar maldosas que pousar uma nave num planeta normal parecia brincadeira de criança. A unidade médica estava esperando, conforme prometido. Han rapidamente pegou a pistola de Muuurgh e a guardou, depois trouxe a bordo o droide médico com a maca antigrav e ajudou a colocar Muuurgh nela. – Você acha que ele vai ficar bem? – perguntou ao droide atendente. – Minha varredura preliminar indica que não há trauma com risco de vida como resultado do ferimento craniano – respondeu o droide. – Entretanto, teremos que executar testes adicionais. Eu anteciparia que seu tripulante vai precisar passar a noite em nossa instalação. – Certo – disse Han. Tenho que dar algum jeito para pagar pelo tratamento de Muuurgh , pensou ele enquanto observava a maca que levava o Togoriano desaparecer dentro do transporte, que imediatamente decolou e seguiu para o sul. Han viu uma técnica passando e a chamou com um aceno. – Escuta, eu sofri alguns danos – contou ele. – Tem como uma equipe de reparos aparecer aqui imediatamente? – Deixe-me ver o tamanho do estrago – respondeu ela. Han a guiou até o suporte do canhão, depois até a sala de máquinas para conferir o hiperdrive. – Os dois serviços vão levar pelo menos seis horas para ficarem prontos – informou ela. – Mas já podemos começar a trabalhar hoje mesmo. – Ótimo – disse Han. Ele fizera pequenos reparos em swoops e speeders quando era piloto de corrida, mas nunca tinha lidado com algo tão grande assim e queria se assegurar de que o serviço ficaria perfeito. Quando a equipe de reparo embarcou na Sonho , Han se perguntou o que deveria fazer em seguida. Ligar para Ylesia, decidiu. Os sacerdotes teriam que providenciar o pagamento dos reparos e do tratamento de Muuurgh. Han seguiu para a cabine de comando, querendo fazer a chamada imediatamente. A mão estava no botão quando o rapaz subitamente ficou paralisado. Espeeeeeera um minuto... pensou ele. O que eu estou fazendo? Estou sentado aqui com uma remessa de brilhestim, a especiaria mais valiosa de todas, e vou simplesmente levá-la de volta a Ylesia para que eles possam vendê- la de novo? Han conferiu a gravação automática dos registros, prestando atenção no que tinha dito durante a transmissão. Sorriu para si mesmo. Isso é moleza. Só tenho que dizer aos sacerdotes que fui abordado e os piratas levaram o brilhestim. Muuurgh estava apagado, e não sabe o que aconteceu. Posso vender essa especiaria aqui em Alderaan, esconder o dinheiro numa conta local, depois transferir mais tarde. Eles nunca vão saber... Porém, se ele quisesse manter o emprego de piloto para os sacerdotes Ylesianos, teria que fazer negócio rápido . Tinha informado que estava nas coordenadas de encontro na mensagem, e os sacerdotes não eram burros. Poderiam conferir quanto tempo levava para uma nave ir de onde ele tinha sido atacado até Alderaan. Han poderia explicar algumas horas adicionais apontando o dano que a Sonho tinha sofrido e alegando a lerdeza da viagem, a necessidade de pegar leve com a nave... Certo, pensou Han. Posso enrolar mais ou menos cinco horas por aqui... não mais. A essa altura, eu terei que ligar e contar para eles que estou vivo, que a nave está danificada, e que eles terão que providenciar pagamento. Mais tempo que isso, e eles vão ficar desconfiados... Han tirou a surrada jaqueta marrom de couro de lagarto do armário e endireitou o velho macacão de piloto do melhor jeito que pode. Depois penteou o cabelo. Não quero parecer relaxado, pensou ele ironicamente, recordando Dewlanna e como a Wookiee sempre insistira que ele ficava bonito com o cabelo espetado para cima, como o povo dela fazia. Vestiu a jaqueta sobre o uniforme cinzento e contemplou com tristeza a pistola de raios de Muuurgh, desejando poder levá-la. Planeta idiota. Quem já ouviu falar num mundo onde armas não são permitidas? Suspirou, balançou a cabeça e deixou a Sonho Ylesiano para as equipes de reparo. Caminhou rapidamente até a entrada do espaçoporto, depois tomou um dos transportes gratuitos que levavam à capital de Aldera. A metrópole reluzia branca sob a luz do sol, tão limpa e luxuriante quanto uma cidade de sonho. Han encarava tudo pela janela do transporte, prestando atenção nas torres, domos e prédios em camadas,todos ultramodernos, formas brancas entremeadas com terraços verdes. A ilha era montanhosa, e os arquitetos da cidade tinham seguido as linhas naturais do terreno em vez de terraplenar tudo. O resultado era agradável e variável aos olhos... belo e moderno, sem parecer agressivo ou artificial. O programa enlatado do transporte automatizado indicava pontos de interesse conforme passavam por eles. Han viu museus, galerias fechadas gigantescas, edifícios de escritórios e governamentais e, finalmente, ao se aproximar do coração da cidade, viu os altos pináculos e domos rasos do palácio real cintilando brancos e dourados ao sol. Han sorriu ironicamente, imaginando se aquela princesinha que tinha visto na mensagem estaria em algum lugar por ali, vivendo sua vidinha rica e perfeita. Com alguma sorte, eu logo serei rico também... Han ficou no transporte enquanto ele deslizava pela rota e continuou avaliando a cidade. Tinham saído da área de grandes prédios e agora seguiam em meio aos subúrbios residenciais. O piloto admitiu que parecia um bom lugar para se viver, enquanto contemplava as muitas praças com chafarizes e pátios, as casas opulentas, ruas limpas, e as pessoas bem vestidas por quem eles passavam. Só que esta não é a área que eu quero... Melhor eu sair explorando sozinho. Eles não querem que os turistas vejam os lugares que eu preciso visitar... Depois de saltar do transporte, Han perambulou pela parte central da cidade, conferindo a disposição do terreno. Por instinto, seguiu para uma região em que as casas eram menores e não tão bem mantidas. Por fim, numa vizinhança que era definitivamente de baixa renda e contava com mais de uma taverna e loja de penhores, o rapaz percebeu que tinha chegado ao lugar certo. Han esquadrinhou as ruas conforme andava, procurando um tipo particular de indivíduo. Finalmente, encontrou o que queria. Um garoto vestindo roupas quase pequenas demais, esfarrapadas, e não muito limpas passeava pela rua, espiando ah-tão-casualmente cada transeunte. Han reconheceu o menino, mesmo que nunca o tivesse visto antes. Um batedor de carteiras. Dez anos antes, ele tinha sido esse menino. Han esticou o passo até alcançar o menino. Como esperado, o garoto deslocou o peso e alterou a passada para esbarrar em Han quando o corelliano passou por ele. E, também como esperado, os dedos rápidos como relâmpagos mergulharam fundo no bolso da jaqueta do piloto. Mas emergiram vazios; a identidade e poucos créditos que Han carregava estavam selados dentro do bolso interno do macacão. Han andou mais rápido até estar à frente do menino, então, sem aviso, deu meia-volta e confrontou a criança. – E aí? – disse ele, sorrindo agradavelmente e estendendo o identidisco e o dinheiro do menino. – Perdeu alguma coisa? O garoto ficou boquiaberto de espanto, depois se recuperou e fez cara feia para Han, com olhos negros incandescentes. Han se encostou casualmente numa vitrine de loja. – Você é descuidado de perder essas coisas... O menino inchou como um lagarto mrelfa envenenado, depois se lançou numa descrição furiosa e detalhada dos ancestrais, hábitos pessoais e provável destino de Han. O piloto escutou pacientemente até que o pivete começou a gaguejar e se repetir, aí ele acenou, pedindo silêncio. – Eu vou te devolver – afirmou, alegremente –, em troca de algumas informações. O garoto o encarou zangado, tirando os cabelos longos demais dos olhos. – Que tipo de informações, seu filho de um tarado pestilento? Han jogou uma das moedas no ar e a pegou de novo com facilidade, sem olhar. – Meça suas palavras, moleque. Só quero saber aonde as pessoas vão nesta cidade para fazer negócios. – Que tipo de negócios? – Você sabe que tipo de negócios. Negócios que elas não querem que a lei fique sabendo. Negócios que envolvem substâncias que você não pode comprar legalmente. – Especiaria? – O menino franziu o cenho. – Qual tipo? – Brilhestim. O cenho do menino se franziu ainda mais. – Que que é isso? Bem a minha sorte, pensou Han. Eu encontrei o único pivete burro de Aldera. Maravilha. – Brilhestim – repetiu Han. – É tipo... bem, é valioso pra caramba. Mais até que carsunum ou andris. O menino balançou a cabeça de novo. – Nunca ouvi falar neles também. Não acredito nisso! – E quanto a andris? Vocês têm andris aqui? Usam para temperar a comida, preservar? O menino fez que sim com a cabeça. – É, andris. Temos isso sim. Troço caro. – Certo, quando vocês compram andris, com quem vocês compram? – Eu não compro andris, seu nojento – retrucou o menino. – Agora me devolve meu dinheiro e documento. – Só um segundo, tenha paciência – insistiu Han, levantando os itens para fora do alcance do menino. – Tá, tudo bem, você não compra andris você mesmo. Mas e se os seus amigos quiserem um pouco, onde eles conseguiriam? Numa loja? Numa agência do governo? A expressão do menino foi eloquente enquanto ele balançava a cabeça. – Não, cara. A gente compra do Darak Lyll. Finalmente! Um nome! – Era isso que eu queria. Darak Lyll. Como é que ele é? – Mais alto que você. Cabelo comprido, barbudo. Barrigudo. – Velho ou jovem? – Velho. Cabelo grisalho. – E por onde ele circula? – Eu lá tenho cara de mãe dele? – zombou o pivete. Han respirou fundo. – É só você me dizer os nomes de quaisquer lugares que ele frequente num dia normal. Não minta, ou eu juro que vou gritar que você tentou me roubar. O garoto indicou seis tavernas, explicando que todas ficavam a 5 minutos dali. Han se endireitou e devolveu as posses do menino. – Da próxima vez, guarde suas coisas dentro das suas roupas, moleque – aconselhou. – Junto ao seu corpo. – Han deu tapinhas no próprio dinheiro e abriu um sorriso arrogante. O garoto vociferou para Han e se afastou xingando. Tavernas alderaanianas eram limpas e bem iluminadas demais, Han concluiu uma hora mais tarde. Já tinha visitado três das seis até aquele momento, e nenhuma delas tinha parecido suficientemente mal frequentada para seus propósitos. Nenhum sinal de Darak Lyll também. Num dos lugares ele viu de relance um sujeito, no fundo, deslizar alguma coisa para outro homem, escondida debaixo do braço, e em seguida um disco de créditos foi passado de volta para ele de uma forma igualmente clandestina. Han esperou até que o primeiro homem se levantasse para usar a unidade de limpeza, depois foi atrás dele. Quando o sujeito saiu, Han esperava por ele no corredor escuro. – Queria bater um papo contigo, meu chapa. O “comerciante”, um cara pequeno e de rosto fino que lembrava Han de um ranat, espiou desconfiado o corelliano, depois claramente concluiu que Han não representava risco. – É mesmo? Sobre o quê? – Você trabalha com especiarias? O homem hesitou por um longo momento. – Quanto você quer? – Não, chapa, eu tô vendendo, não comprando. Interessado? – Que que você tem? – Brilhestim. Cem frascos. – Brilhestim! – A voz do homem se elevou, mas ele a baixou apressadamente e chegou mais perto. – Onde que você arranjou isso , filho? – Não sou seu filho, e não é problema seu onde eu arranjei. Tá interessado? – Em qualquer outro mundo que não este, pode crer que eu estaria interessado, mas... – O sujeito balançou a cabeça. – Não. Nenhum canal para desovar o material. Teria que contrabandear para fora do planeta, e isso é arriscado demais. Eles me mandariam para as minas de Kessel para escavar essa coisa infernal. Brilhestim pode ser perigoso, sabe. Te deixa cego se você tomar demais. Deixa os Biths loucos, sabe. – Sei disso tudo – retrucou Han, impaciente. – Obrigado por nada, chapa. Fazendo cara feia, Han saiu da taverna. Finalmente esbarrou com Darak Lyll na quinta taverna que visitou. Reconheceu o traficante pela descrição do pivete. Lyll jogava sabacc e, quando viu Han parado ali, observando o jogo, cordialmente chamou o jovem corelliano com um aceno. – Topa jogar uma mão? Han já tinha jogado sabacc antes, mas não era esse o motivo da sua vinda. Encarou Darak Lyll diretamente e ergueu as sobrancelhas. – Tudo depende do que você aceitar como aposta, Lyll. A expressão do homem nãomudou em nada enquanto ele deu uma olhada casual para Han. – Tem alguma coisa boa, piloto? – Talvez. – Bem, a aposta inicial é de vinte créditos. Han balançou a cabeça. – Mudei de ideia. Vou lá fora pegar um ar fresco. O rapaz esperou do lado de fora, encostado na parede do beco, por uns 5 minutos. Quando ouviu alguém se aproximando, Han falou sem olhar: – Demorou bastante. Estava ganhando? – Mão do idiota – explicou Lyll, usando o jargão de jogador de sabacc para uma poderosa sequência vencedora. – Então, o que você tem? Han se virou para o homem. – Brilhestim. Cem frascos. – Uau! – Darak Lyll assoviou, impressionado. – Onde você arranjou isso ? – Não é assunto seu – retrucou Han. – Vai querer? Faço um bom preço... – Bem que eu queria, meu jovem amigo, bem que eu queria – respondeu Lyll, soando pesaroso. – Mas eu seria um idiota de aceitar. Não tem mercado nenhum aqui em Alderaan. Han praguejou em voz baixa e lhe deu as costas. O que eu vou fazer? , perguntou-se. O tempo dele estava definitivamente acabando. Talvez ele devesse embarcar num transporte intercontinental e tentar outra cidade. Talvez só Aldera fosse assim tão absolutamente limpa neste mundo. Han suspirou. Não tenho tempo. Ou vendo o bagulho em uma hora, ou eu ... Alguém pôs a mão em seu ombro. Han precisou de cada gota de autocontrole que tinha para não gritar e sair correndo, de tão tenso que estava. Em vez disso, apenas se virou e olhou feio para o homem de meia-idade e pele escura que caminhava ao seu lado. – Acho que você me confundiu com outra pessoa – afirmou o rapaz com voz calma. – Acho que não, Vykk – respondeu o homem. – Piloto Vykk Draygo, vindo de Ylesia, não é? – E se eu for? – retrucou Han. – Eu não te conheço. – Marsden Latham – apresentou-se o sujeito, sacando um distintivo de holoidentidade debaixo do nariz de Han. – Força de segurança interna alderaaniana. Ah, não... – Estamos de olho em você, piloto Draygo, desde que você chegou todo estragado esta manhã. Ficamos felizes em poder ajudar com os reparos e com o tratamento do seu colega. Você viu aquela mensagem quando entrou no alcance da frequência de Alderaan? – Vi. – Bem, é para ser levada a sério. Não gostamos de encrencas aqui. – O homem sorriu de repente, mostrando dentes muito brancos e retos. – Você não gostaria de provocar encrencas, gostaria, piloto? Han fez um esforço para manter o rosto impassível. Eles sabem que eu andei tentando vender o bagulho ... devem estar me vigiando a manhã inteira ... Silenciosamente, amaldiçoou o policial. Em voz alta, respondeu: – Claro que não, senhor. Sou um cara do tipo paz e amor. – Disse isso ao meu chefe e fico feliz que a minha impressão tenha se confirmado. Bom falar com você, piloto Draygo. Tenha uma boa estadia em Alderaan. Os passos do homem se alongaram e aceleraram, então, e ele se afastou de Han, rua acima. O corelliano se forçou a continuar andando devagar, a não olhar para trás. Sem dúvida alguma eles estariam lá, seguindo-o. A brincadeira acabara, e Han tinha perdido. Fez uma cara feia e balançou a cabeça, meio aborrecido, meio impressionado. Aqueles agentes de segurança eram muito bons. Han não fizera ideia de que estava sendo vigiado. Era óbvio que a “conversa” do homem tinha sido uma advertência não tão velada para que ele parasse de tentar vender a carga. Teria que levá-la de volta a Ylesia. Não havia nenhum outro planeta próximo que ele pudesse alcançar para fazer negócio. Conferiu a hora e percebeu que teria tempo apenas para visitar Muuurgh antes de ligar para Ylesia. Han apertou o passo e seguiu para a estação de transporte público mais próxima. O hospital universitário aonde o Togoriano tinha sido levado ficava no campus da Universidade de Alderaan. Han saltou do transporte e deu uma olhada em volta por um momento. Bacana... pensou ele, bacana mesmo... Por um momento, perguntou-se se a Academia seria parecida com aquilo. Provavelmente não , concluiu. É uma instalação militar. Vai ser mais parecida com uma base, aposto ... mas isto aqui ... é classudo de verdade ... Gramados verdes e azuis se estendiam pelo quadrângulo central. Canteiros de flores criavam manchas brilhantes de cor e cercavam o imenso chafariz central. No meio do chafariz havia uma enorme escultura em gelo vivo de um jovem casal alderaaniano de mãos dadas e estendidas aos céus. Ei, isso deve valer um barril de créditos , pensou Han, espiando a escultura e concluindo que deveria ser uma obra de arte sem preço. Definitivamente um casebre de classe , decidiu Han enquanto passava ao lado da escultura e seguia em direção à impressionante escadaria de pedra branca que levava ao hospital. O infodroide na recepção forneceu o número do quarto do Togoriano. Han se apressou pelos corredores e, diante do quarto, parou para falar com o droide médico. – Seu amigo sofreu um impacto severo no crânio – explicou o droide. – Provavelmente teria matado um humanoide. Felizmente, Togorianos têm tecidos ósseos muito densos, portanto ele está relativamente ileso. Está recebendo tratamento de cura rápida desde que chegou aqui e deve estar pronto para partir amanhã de manhã. – Obrigado – disse Han, abrindo a porta e entrando. Muuurgh estava enrodilhado num grande catre redondo. Estava coberto por pequenos sensores que monitoravam sua condição. Quando Han entrou, o Togoriano abriu os olhos azuis. Muuurgh se ergueu parcialmente. – Piloto! – Ei, como vai você, meu chapa? – Han ficou surpreso ao sentir uma imensa onda de alívio ao ver o Togoriano consciente e lúcido outra vez. Não tinha percebido que passara a gostar tanto do grande felinoide. – Tão te tratando direito? – Piloto... – Muuurgh dava impressão de estar completamente espantado de encontrar Han ali. – Você parece surpreso em me ver – comentou Han. Era um tremendo eufemismo. Muuurgh não parecia surpreso, ele estava totalmente pasmo. – Muuurgh está... – O grande alienígena balançou a cabeça peluda, meio tonto. – Quer dizer, eu estou sim. Não pensei que veria você de novo nunca mais. Han se endireitou. – Por que não? Você achou que eu ia simplesmente largar você aqui e sumir com a carga? – Isso – confirmou Muuurgh com simplicidade. – Bem, eu tô aqui, não tô? Se eu não tivesse arrastado nós dois até o espaço de Alderaan por um triz, você estaria morto agora. Sugiro que você se lembre disso, chapa. Você me deve uma. Muuurgh concordou com a cabeça, tonto. – Sim, Piloto... Eu lhe devo uma. Han fez uma careta e se sentou na beira do catre. – E chega dessa formalidade de “piloto”. Sou Vykk de agora em diante, está bem? Muuurgh estendeu a pata e a pousou com gentileza no braço de Han. Os enormes dedos com as garras agora retraídas faziam o membro humano parecer minúsculo. – Certo, Vykk... Depois que Han deixou Muuurgh aos cuidados atenciosos dos droides médicos, voltou à Sonho e ligou para Ylesia. Teroenza não estava disponível, então ele pediu para falar com Veratil. Quando o semblante chifrudo e inchado do Ylesiano apareceu na tela, Han lhe deu um relato resumido das aventuras recentes, prometendo partir de volta para Ylesia no dia seguinte. Veratil, por sua vez, se comprometeu a providenciar o pagamento pelos reparos da nave e o tratamento de Muuurgh. Depois de encerrar a chamada, Han percebeu que estava com fome. Então, depois de conferir sua pequena reserva de créditos, seguiu para uma combinação de taverna e lanchonete no campus da Universidade de Alderaan. Ficava num pátio reservado, e um chafariz das cores do arco-íris lançava cascatas de gotas cristalinas no ar diante da entrada. Han abriu a porta e entrou. A taverna estava cheia de jovens vestidos com roupas da moda... conversando, rindo, bebendo e comendo. Han hesitou, sentindo-se subitamente inibido, mas sua ousadia natural veio ao resgate. Sou tão bom quanto qualquer um deles, pensou ele, desafiador, seguindo o droide garçom até uma mesinha. Apesar da fachada de coragem, o jovem corelliano estava embaraçosamente ciente da forma como seu macacão manchado de suor e jaqueta surrada contrastavam comos trajes elegantes e contemporâneos dos estudantes que papeavam e riam nas mesas. Uma vez sentado, Han pediu uma cerveja alderaaniana. Estudou o menu e notou que o lugar oferecia, como prato do dia, “cubos de nerf e tubérculos em molho de vinho”. Era meio caro, mas ele pediu mesmo assim, sabendo que nerf era conhecido como uma iguaria. O ensopado veio com um prato de pão ázimo, o que o fez pensar na Peregrina 921. Queria que ela estivesse aqui, pensou ele. Seria legal ter alguém com quem conversar... Mergulhou um pedaço de pão no caldo, provou, mastigou e sorriu. Isto é bom demais! Fazia muito, muito tempo que ele não comia algo bom de verdade... os habitantes da Sorte de Mercador frequentemente sobreviviam à base de rações espaciais durante as viagens. As únicas vezes que Han comera bem tinha sido quando desempenhava um papel num dos golpes de Garris Shrike. Lembrava de um churrasco a que tinha ido em Corellia. Costelas de traladon com molho especial... Só que mesmo costelas de traladon grelhadas não se igualavam a nerf, concluiu ele. Esfomeado, Han caiu matando no prato. Quando estava na metade, uma menina bonita com longos e cacheados cabelos castanhos e olhos azuis brilhantes subiu no pequeno palco, carregando uma bandoviola. Sentou-se num banco e começou a dedilhar. Então, um momento mais tarde, sua voz soou, clara e cristalina, no que era evidentemente uma balada tradicional alderaaniana. Era aquela história de sempre, sobre uma garota que perdeu o namorado para o encanto das trilhas espaciais, e como ela o esperava, mas ele nunca voltava para casa – só que a voz da cantora era tão pura, tão sem afetações, que ela conferia emoção verdadeira e dignidade à letra cheia de clichês. Depois que ela terminou, Han, acompanhado dos outros presentes, bateu palmas com entusiasmo. A jovem cantou outra canção, depois desceu do palco e veio direto na direção de Han. Por um momento, ele achou – torceu! – que ela estivesse vindo se sentar com ele, mas não teve essa sorte. Ela se acomodou num assento na mesa ao lado. Como a taverna era evidentemente um ponto de encontro popular, as mesas ficavam todas bem próximas; a moça estava a um braço de distância de Han. A outra pessoa na mesa era um jovem de rosto redondo, um ano ou dois mais velho que o piloto. Provavelmente o namorado dela, pensou Han, espiando o rapaz disfarçadamente. Tinha cabelos castanho-claros e olhos verde-castanho-claros pálidos. Ao contrário da garota, que vestia um vestido simples, que descia até os tornozelos, e sandálias, o acompanhante era um tributo à moda moderna. Sua túnica roxa era atada com um largo cinturão laranja que contrastava com as botas vermelhas até os joelhos. As calças amarelas aderiam às pernas como uma segunda pele. Han, em seu velho macacão cinzento, parecia um pardal perto de uma ave do paraíso. Quando a cantora jogou o cabelo para trás e sorriu triunfante, Han conseguiu chamar sua atenção. Fez um gesto de bater palmas em silêncio, e ela sorriu e se curvou em agradecimento. – Você foi ótima! – disse ele. – Obrigada! – respondeu ela. – Foi a primeira vez que eu tive coragem de cantar diante de uma plateia! – A garota estava corada, sem fôlego e era muito charmosa. Han sorriu de volta para ela. Não me incomodaria em passar algumas horas (e o resto da noite) com ela... Em voz alta, ele disse: – Somos uma plateia muito sortuda, então. Testemunhamos o nascimento de uma grande carreira. – Obrigada! – Ela estendeu a mão. – Sou Aryn Dro, e este é Bornan Thul. Han tomou a mão dela e, em vez de apertar, curvou-se sobre ela, como se Aryn fosse da nobreza corelliana. Seus lábios não chegaram a tocar as costas da mão da cantora, mas chegaram perto o bastante para que ela sentisse o calor do hálito dele na pele. – Estou honrado, Aryn – disse ele. – Vykk Draygo. Depois que soltou a mão de Aryn e se virou para cumprimentar o rapaz, Han percebeu que este estava irritado e não fazia o menor esforço para esconder. – Saudações... – disse Han, já que não sabia qual honorífico seria apropriado em Alderaan, isso se eles usassem algum. – Saudações – respondeu Thul. – Aryn, você esteve magnífica. Gostaria de ir a algum outro lugar para celebrar seu triunfo? Não aguenta a competição ... pensou Han, sufocando um sorriso maroto. Ele também tinha visto os olhos azuis de Aryn se iluminando quando Han se apresentou. – Olha, não quero atrapalhar – afirmou Han, abrindo seu sorriso mais charmoso para a cantora. – Só queria lhe dizer o quanto eu gostei de te ver cantar. Não vou mais tomar seu tempo. Thul o encarou como se quisesse dizer “ótimo!” mas não tivesse coragem. Aryn balançou a cabeça e pousou a mão de forma reconfortante no braço de Han. – Ah, não! Claro que você não está atrapalhando... Vykk. – Ela espiou o macacão. – Eu ia perguntar se você era aluno aqui, mas você não é, é? Han fez que não com a cabeça. – Não, eu só estou por aqui esta noite. Cheguei esta manhã para fazer reparos. Me meti numa luta com alguns piratas e minha nave sofreu alguns danos. Os grandes olhos azuis se arregalaram ainda mais. – Nave? Piratas? Você é piloto estelar? Han deu de ombros modestamente. – Sou. Bornan Thul estava ficando irritado, o corelliano notou. Não gosta da ideia da sua garota conversando com um cara trabalhador que nem eu, esse palhaço metido a besta... bem, azar o seu, irmão Bornan... – Minha nossa... – suspirou Aryn. – Isso é tão... empolgante. Piratas de verdade? O que aconteceu? Han deu de ombros outra vez. – Saí do hiperespaço, e eles colaram em mim mais rápido que fedor num skeeg. Dois deles. Detonei um, mas os dois juntos conseguiram estragar meu hiperdrive. Então eu vim para Alderaan consertar a nave. – Você detonou um? – inquiriu Bornan agressivamente, erguendo uma sobrancelha cética. – Com o quê? – Com um míssil Arakyd, meu chapa – respondeu Han calmamente. – Explodi o traseiro dele em mil pedacinhos. Aryn teve um calafrio, em parte de excitação, em parte de aflição. – Isso parece... realmente assustador. Han deu um gole na cerveja. – Um mero dia de trabalho – comentou, deliberadamente lacônico. A essa altura, Bornan já tinha aturado demais. Com o rosto vermelho, ele segurou o braço de Aryn. – Querida, vamos indo? Vou levar você ao melhor restaurante da cidade. Se você nos dá licença... Piloto Draygo. Aryn hesitou por um longo momento. Eu poderia conquistá-la, pensou Han. Sei que poderia. E isso ia deixar esse babaca de alta classe realmente fulo da vida, ver sua garota sair daqui comigo... Por um momento, Han se sentiu tentado, depois decidiu relaxar e abrir mão da conquista. Sentia que Aryn era uma garota muito legal , alguém que não merecia ser tratada como uma peça de jogo para que ele pudesse ganhar pontos em cima do namorado arrogante dela. Uma das razões que ele a achava tão atraente, Han percebeu, era que Aryn o lembrava um pouco de 921, com seus grandes olhos azuis e sorriso doce. Além disso, pensou ele, aqueles sujeitos de segurança provavelmente ainda estão me seguindo. O velho Bornan aqui poderia ser homem o bastante para comprar uma briga, e se eles ainda estiverem por aí, a coisa pode ficar feia... Então Han se levantou de forma respeitosa e se curvou formalmente para Aryn. – Foi um grande prazer – disse. – Divirta-se na sua celebração. – Obrigada... – respondeu ela, abrindo um último e rápido sorriso para o piloto antes de deixar que Bornan a conduzisse para fora. Han se sentou de volta com o jantar que esfriava, refletindo que o incidente reforçava o quanto ele detestava gente rica e metida. Tinha encontrado muitos deles em Corellia, quando trabalhava nos golpes de Shrike, e o fato de que a maioria deles não valia o custo de um tiro de arma de raios para desfazê-los em átomos era a única coisa que possibilitara sua participação nos golpes. Quando Han chegou à Sonho Ylesiano e à minúscula cama de campanha que tinha sido instalada na área de carga para ele, já estava meio afetado pela cerveja alderaaniana. Pensamentos sobre 921 continuavam voltando à sua cabeça, e ele praguejouem voz alta na nave silenciosa, desejando ser capaz de parar de pensar nela. Han nunca tinha encontrado uma mulher em quem pensasse tanto quando não estava com ela... Saber que 921 tinha se aninhado tão profundamente na sua mente deixava Han perturbado e incomodado. Ela é só uma garota, Solo. Você nem sabe o maldito nome dela. Pare de sonhar acordado assim. Tá ficando abestalhado? Han se jogou na cama e grunhiu em voz alta, relembrando os eventos do dia. Que planeta, pensou ele, sonolento. Tão certinho que um cara não consegue nem vender uma carga perfeitamente boa de especiaria... A viagem de volta a Ylesia foi tranquila. Han pilotou a Sonho através das nuvens na reentrada sem problema nenhum, e praticamente não houve turbulência. Nem mesmo Muuurgh, que ainda sofria de dor de cabeça, pôde reclamar. Para Han, o processo de ver, analisar e evitar os imensos sistemas de tempestades do planeta estava se tornando algo instintivo. Assim que a nave se assentou na plataforma de pouso, o comunicador de Han ganhou vida, convocando-o para se encontrar com Teroenza imediatamente. Han já esperava por isso. Mandou Muuurgh para a enfermaria para que cuidassem da sua dor de cabeça e caminhou sozinho até o centro administrativo. Desta vez, foi recebido por Ganar Tos e escoltado ao santuário interior do sumo sacerdote, que já tinha visitado antes. Teroenza descansava numa peça de mobília muito exótica – um tipo de rede que permitia que o sumo sacerdote se reclinasse para trás sobre os imensos quartos traseiros, tirando o peso das patas posteriores. As grossas pernas dianteiras ficavam apoiadas num descanso acolchoado que girava para dentro e para fora, permitindo que ele entrasse e saísse da engenhoca. Assim que o sumo sacerdote viu Han, sua expressão (que o rapaz estava começando a conseguir interpretar) se tornou positivamente benevolente. – Piloto Draygo! – ribombou. – Fiquei sabendo que você é um herói! Sua bravura e coragem não têm preço, mas ordenei que um bônus fosse depositado na sua conta. Han piscou, depois sorriu. – Obrigado, senhor. – No último ano e meio, perdemos duas naves que deixaram de voltar dos pontos de encontro – continuou Teroenza. – Você é o primeiro piloto a dar uma olhada nos atacantes e voltar para nos contar quem eram. O que você viu? Han deu de ombros. – Bem, tudo aconteceu muito rápido, e eu estava meio que ocupado, senhor. Mas eu tenho bastante certeza de que a nave que eu destruí era de construção drelliana. Parecia muito. Aquela proa afilada e popa atarracada são bem distintas. – Eles se comunicaram com você? Deram alguma chance de se render antes de atacar? – Não, eles chegaram atacando e atiraram sem parar. Não estavam tentando destruir a Sonho , porque, se eles quisessem isso, teriam conseguido. Só que eles não tinham interesse pela nave, o que é estranho. A maioria dos piratas tentaria enfraquecer a nave o suficiente para tomá-la, mas sem causar estragos que não fossem fáceis de consertar, para poderem usá-la ou vendê-la depois. Esses caras queriam avariar a Sonho e matar Muuurgh e eu. – Como eles atacaram? – Por trás. Poderiam ter detonado a gente antes mesmo que soubéssemos que eles estavam lá. Tiveram pelo menos dois tiros livres, e os escudos da Sonho não são tão bons assim. – Ao se lembrar da batalha, Han respirou fundo. – Acho que temos que reforçar os escudos, senhor. – Vou mandar que isso seja feito, piloto – concordou Teroenza. O enorme T’landa Til cruzou os bracinhos e franziu a testa imensa enquanto considerava o relatório de Han. – Interessante que eles tenham atacado primeiro, sem usar um raio trator para tentar provocar sua rendição. – É... foi isso que eu pensei. Han havia conhecido vários mercadores na Sorte que tinham passado algum tempo em tripulações de piratas e tinha ouvido esses sujeitos se gabando sobre suas aventuras. Um ataque direto não fazia o estilo piratesco; teria sido mais típico que um pirata interestelar disparasse um tiro de advertência, e então, depois que o piloto tivesse se rendido, abordasse a nave. – Estranho, é como se eles tivessem planejado aleijar a Sonho , provavelmente matando Muuurgh e eu no processo, e então abordar, enquanto ela estivesse à deriva no espaço. – Absolutamente nenhuma comunicação ou exigência de rendição. – Não – confirmou Han. Teroenza alisou as dobras de pele frouxa da papada pensativamente. – Quase como se eles estivessem dispostos a correr o risco de destruir a Sonho e sua carga em vez de se comunicar com você... – É, eu diria que sim. – Quão perto você estava do ponto de encontro quando foi atacado? – A gente tinha saído do hiperespaço há menos de cinco minutos. Sem dúvida, senhor, eles estavam esperando. Sabiam que a gente estava chegando. – Você fez alguma transmissão fazendo referência à sua rota ou coordenadas, piloto Draygo? – Não, senhor. Conforme instruído, mantive silêncio estrito em todas as frequências. Teroenza retumbou nas profundezas do peito, enquanto pensava, e por fim assentiu com a enorme cabeça chifruda. – Mais uma vez, parabéns pela sua bravura. Como vai Muuurgh? – Ele vai ficar bem. Mas levou uma bela pancada na cabeça. – Quero falar com ele quando estiver melhor. Muito bem, piloto, dispensado. Han não se moveu. – Senhor... gostaria de pedir um favor. – Sim? – Minha pistola de raios foi confiscada quando eu cheguei em Ylesia. Queria ela de volta. Se há chance de eu ser abordado por piratas em algum momento do futuro, quero poder atirar de volta. Teroenza considerou por um momento, depois fez que sim com a cabeça. – Vou mandar que lhe devolvam sua arma, piloto. Você certamente demonstrou sua lealdade e conquistou nossa confiança com suas ações nestes últimos dias. – O enorme ser acenou com a mãozinha. – Diga-me, piloto Draygo, nunca lhe ocorreu tentar vender a carga e nos dizer que ela foi roubada por piratas? Han balançou a cabeça. – Não, senhor, de forma alguma – respondeu ele, soando sincero. – Muito bem. Eu estou... impressionado. – A boca larga e sem lábios de Teroenza se curvou para cima naquilo que obviamente era para ser um sorriso de aprovação. – Muito impressionado... Han saiu do centro administrativo, grato por ser capaz de mentir de forma convincente desde os 7 anos de idade. Estava especialmente orgulhoso da habilidade de inventar histórias no calor do momento. Seus passos o levaram pela trilha da enfermaria. Hora de conferir Muuurgh, ver como o Togoriano estava. Além disso... era hora de conhecer Jalus Nebl, o piloto Sullustano que tinha sido colocado em licença médica. Han tinha algumas perguntas para o Sullustano... Muuurgh estava deitado, enrodilhado num dos grandes catres que a espécie dele usava como cama. Han foi até o Togoriano e se sentou ao lado dele. – Como vai a cabeça? – Minha cabeça ainda dói – respondeu Muuurgh. – O droide médico disse que eu tenho que ficar aqui esta noite. Mas eu lhe disse que não, eu não poderia fazer isso, porque Vykk poderia precisar de mim. – Não, eu estou bem – garantiu Han ao grande felinoide. – Vou visitar o Sullustano, jantar, treinar no simulador e praticar um pouco de tiro ao alvo. Depois eu vou me deitar cedo. Foi um longo dia. – Vykk falou com Teroenza sobre os piratas? – É, falei sim. Ele vai querer conversar com você quando você conseguir. E... boas notícias. Teroenza me deu minha pistola de volta. – Ótimo – afirmou Muuurgh. – Vykk precisa se proteger de piratas. – Foi isso que eu comentei, meu chapa. – Han se levantou. – Escuta, eu vou no quarto ao lado, bater um papo com o outro piloto. Volto aqui para te ver de novo amanhã de manhã, está bem? Muuurgh se espreguiçou luxuriantemente, depois se enrodilhou no catre, parecendo quase um enorme círculo negro e peludo. – Tudo bem, Vykk. Han seguiu pelo corredor até encontrar o droide médico, depois pediu para ser levado ao quarto do piloto Sullustano. Uma vez lá, tocou a campainha e, um momento depois, ouviu uma voz em sullustano dizer: – Entre. Han abriu a porta e se deparou com uma parede de vento que cobria a entrada como uma cortina.O rapaz passou do calor a uma atmosfera fria e refrescante. A porta se fechou atrás dele com um sibilo. Ar enlatado, percebeu Han. Eles colocaram o Sullustano num sistema de ar recirculante, para que ele não respire ar ylesiano. Por que será? Jalus Nebl estava sentado diante de uma vid-unidade de entretenimento, assistindo a um documentário de notícias galácticas. Han foi até lá e ofereceu a mão ao ser olhudo com bochechas caídas. – Oi, sou Vykk Draygo, o novo piloto. Prazer em conhecê-lo. Falou em básico, torcendo para o alienígena entender. O ser bochechudo assentiu para Han e respondeu na própria linguagem, rápida e aguda. – Você entende a língua do meu povo, ou vamos precisar de um tradutor para conversar? – Eu entender – respondeu Han em sullustano extremamente precário –, mas fala só mau. Entender básica você bom? – Sim – confirmou o Sullustano. – Eu entendo língua básica muito bem. – Ótimo – concluiu Han, voltando ao próprio idioma. – Você se importa se eu me sentar? – Por favor, fique à vontade – respondeu o outro piloto. – Eu já queria falar com você há algum tempo, mas estive muito doente e, como você pode ver, confinado a estes poucos aposentos onde o ar é filtrado especialmente para mim. Han se sentou num banco baixo e deu uma boa conferida no alienígena. Não conseguiu ver nenhum ferimento ou dano externo. – Que chato, meu chapa. O que foi que aconteceu? Trabalho demais? A boca pequena e molhada do Sullustano se franziu, infeliz. – Missões demais, é. Tempestades demais, eu tive que enfrentar. Quase- colisões demais, meu amigo. Um dia eu acordei, e minhas mãos... – O Sullustano ergueu as pequenas mãos delicadas com suas estreitas unhas-garras ovais. – ... minhas mãos não paravam de tremer. Eu não conseguia mais lidar com os controles da minha nave. – A expressão já pesarosa do alienígena ficou ainda mais triste. Han quase esperou ver lágrimas enchendo aqueles grandes olhos já tão úmidos. Han espiou as mãos do outro piloto e viu que, de fato, tremiam descontroladamente. Sentiu uma mistura de consternação e pena. Pobre sujeito! Isso deve ser horrível! – Mas que azar, meu chapa – comentou o rapaz. – Foi só, cê sabe, os seus nervos indo pro espaço, ou o quê? – Muita pressão, sim – concordou o Sullustano. – Missões demais, descanso de menos, repetidamente. Tempestades demais. Só que também... muito transporte de brilhestim. Droide médico diz que eu tenho reação ruim a isso. Deixa Jalus Nebl muito doente mesmo. Han se ajeitou desconfortável no banco. – Você quer dizer que é alérgico a brilhestim? – Isso. Descobri assim que comecei a transportar e tentei ficar longe da substância, mas está no próprio ar deste mundo. Mesmo trancado naqueles frascos, mínimos resíduos escapam no ar. Quando Jalus Nebl respira isso tudo, ao longo de dias, semanas, mais de um ano planetário... causa maus efeitos. Tremores nos músculos. Reflexos reduzidos. Estômago revirado, respiração difícil... – Então é por isso que você está confinado à enfermaria, com esses filtros de ar – percebeu Han. – Tentando tirar isso aí do seu sistema. – Correto. Eu quero voar de novo, amigo e colega piloto Draygo. Você é um dos poucos que conseguem entender, correto? Han pensou em como se sentiria se não pudesse mais voar – se ficasse tão sobrecarregado de trabalho e envenenado por exposição a especiaria que suas mãos tremessem o tempo todo – e assentiu com a cabeça. – Ei, chapa – comentou ele com sinceridade. – Lamento muito mesmo. Espero que você melhore logo. – Baixou a voz e passou a falar em jargão de mercador. – Entende tu fala-de-mercador, amigo? O Sullustano fez que sim com a cabeça. – Não falo – respondeu, em voz igualmente baixa. – Mas entendo bem. Han deu uma olhada para o teto. Estariam os Ylesianos ou seus seguranças monitorando o quarto? Não havia como ter certeza. Mas Han não conhecia muitos droides capazes de traduzir jargão de mercador, porque se tratava de uma mistura bastarda de uma dúzia ou mais línguas e vários dialetos, sem uma sintaxe fixa. Han aumentou o volume do documentário mais... e mais, depois disse, mal emitindo som: – Amigo-piloto, quando mãos ficar firme, então se eu você, não dizer adeus, só voar para longe mau mundo de especiaria, rápido rápido, entende? O Sullustano fez que sim com a cabeça. Han baixou um pouco o volume do programa, depois continuou conversando, como se nada tivesse acontecido. – Fui atacado por piratas outro dia. O Sullustano se inclinou para a frente. – O que aconteceu? – Eles atiraram na minha nave, estragaram os motores hiperdrive, mas eu consegui pegar um deles com um míssil – contou Han, fazendo um gesto de “buum” com as mãos. – Tive que fazer uma parada em Alderaan para o conserto. Já passou por lá? – Mundo legal – comentou o Sullustano secamente. – Legal até demais, em alguns aspectos. – Nem me fale – concordou Han de coração. – Enfim, quando cheguei aqui de volta, Teroenza me fez um milhão de perguntas sobre que tipos de nave os piratas usaram, por que eles não dispararam tiros de advertência ou tentaram sequestrar a Sonho , coisas assim. Eu fiquei com a impressão clara de que esse ataque era algo mais que uma mera ação de pirataria. Para começar, eles estavam me esperando no ponto de encontro. Como poderiam ter descoberto as coordenadas? – Ah – disse Jalus Nebl. – Pode mesmo haver muita coisa por trás desse ataque, piloto. – Por favor... me chame de Vykk. Nós, pilotos, temos que ficar unidos. – Você me chame de Nebl, então. Meu nome de ninho. – Obrigado. Então, o que você acha que está acontecendo? – Acredito que os T’landa Til estejam preocupados que essas naves “piratas” possam ser na verdade de Nal Hutta. Despachadas por Hutts, se passando por piratas comuns. Han assoviou baixinho. – Por todos os Lacaios de Xendor... essa foi demais. Os Hutts estão lutando uns contra os outros? – Não é difícil de acreditar se você já tiver passado um tempo entre eles – comentou Nebl secamente. – As alianças dos Hutts são criadas e rompidas no girar de uma moeda. A lealdade hutt derrete diante da perda de lucro ou poder, sabe? – Estou começando a perceber um padrão, aqui – afirmou Han, se ajeitando desconfortável no banco duro, pensando em como chegou perto de virar poeira cósmica. – Tem facções hutts em Nal Hutta? – Ah, sim. Uma família ou clã acumula poder e riqueza só para cair quando outra família planeja sua derrota. Não é de se espantar que os Hutts sejam os mais desconfiados dos sencientes. Ser um provador de comida para um Hutt é provavelmente uma carreira muito curta, Vykk. É bem difícil envenenar um Hutt, mas isso não impede os assassinos de tentar e, de vez em quando, de conseguir. Os clãs também não deixam de usar mísseis, assassinos ou tropas de infantaria para atingir seus objetivos. – Só que são os Hutts que realmente mandam aqui – argumentou Han. – Ah! Você viu Zavval, então? – Se esse for o filho da mãe inchado que anda por aí num trenó repulsor, pode apostar que eu vi. Ainda não tive a honra de me encontrar com ele cara a cara. – Reze para isso nunca acontecer, Vykk. Zavval, como a maioria dos Hutts, não é fácil de agradar. Os sacerdotes podem até ser mestres difíceis de satisfazer, mas não são nada comparados aos Hutts, os mestres deles . – Então, o que está rolando neste mundo? Temos Hutts que mandam aqui e que estão brigando com outros clãs de Hutts em Nal Hutta. Por quê? – Han pensou por um momento, depois respondeu à própria pergunta. – Ah. É claro. Pela especiaria. – Naturalmente. Os Hutts e os T’landa Til, seus representantes, lucram com Ylesia de duas formas. Primeiro, tem a especiaria processada. Só que os Hutts Ylesianos precisam comprar a especiaria-base de outras famílias Hutts que fornecem a matéria-prima. Você já ouviu falar em Jiliac ou Jabba? – Jabba? – Han franziu o cenho. – Jabba, o Hutt? Acho que ouvi falar nele sim. Não é o tal do cara que praticamente controla toda Nar Shaadaa, a lua de contrabandistas em órbita de Nal Hutta? – Ele mesmo. Jabba divide o tempo entre seu lar em Nal Hutta e uma operaçãode translado de especiarias que ele faz passar por um planeta no meio do nada, chamado Tatooine. – Tatooine? Nunca ouvi falar. Nebl estremeceu. – Acredite em mim, você não ia querer ir lá. É uma espelunca. – Vou me lembrar disso. Então os tais Jabba e Jiliac pegam a especiaria crua e mandam para cá para ser processada, certo? – Isso. Só que eu acho que, ultimamente, eles podem estar tentando engordar os lucros, mandando naves se passando por piratas para roubar os transportes de especiarias ylesianos. Assim, Jabba e Jiliac ficam com a especiaria processada de graça, algo que os agradaria imensamente. Han franziu os lábios num assovio silencioso. – Isso é que é morder a mão que o alimenta... – De fato. Porém, não tenho dificuldade alguma em crer que eles são capazes de tal ato. Han passou a mão no cabelo e suspirou. Tinha sido um dia muito longo. – É, pelo que eu ouvi, um Hutt venderia a própria avó por um crédito de lucro; isso se eles tiverem avós. – Portanto você precisa ser muito, muito cauteloso, jovem Vykk. Diga a Teroenza que você precisa de escudos reforçados. – Já disse. – Ótimo. Mais poder de fogo também não seria ruim. – É, tem razão. – Han encarou fixamente o Sullustano. – Nebl, já que a gente tá conversando francamente aqui, me diz uma coisa. Essa religião que os sacerdotes empurram pros peregrinos não vale nada, né? – Acredito que não, Vykk. Porém, eu não entendo exatamente no que consiste a Exultação. Não sou um fiel, então nunca a senti. Entretanto, a julgar pela forma como os peregrinos reagem, tem um efeito mais intoxicante que qualquer dose de especiaria. – É, tem um coice brabo mesmo – concordou Han. – O que eu estou percebendo é que essa coisa toda aqui em Ylesia é um imenso golpe para poder processar especiaria baratinho. – Não é o único motivo, Vykk. Você lembra que eu afirmei que havia duas formas pelas quais os sacerdotes e Hutts lucravam com estas colônias? – Lembro – disse Han. – Então me conta, qual é a segunda forma? – Escravos – revelou Nebl sem rodeios. – Escravos treinados e dóceis. Os Ylesianos exportam os peregrinos das fábricas de especiarias quando consideram ter terminado seu treinamento e removido toda vontade de resistir. São levados a outros mundos para serem vendidos. Seus lugares nas fábricas são ocupados por novas levas de peregrinos. – E os escravos estão submissos e condicionados demais para reclamar ou contar a verdade sobre Ylesia e sobre o que aguarda os peregrinos por aqui? – complementou Han. – Certamente. E mesmo se eles falassem, quem é que escuta um escravo? E se o escravo ficar barulhento demais... – Nebl fez um gesto súbito e inconfundível com a mão, como se cortasse a garganta. – Silenciar um escravo é fácil. Han estava pensando em 921. Ela contou que já estava em Ylesia havia quase um ano... – Quanto tempo os escravos ficam aqui antes de serem despachados? E para onde são mandados? – O padrão é um ano. Eles mandam muitos dos mais fortes para Kessel, para trabalhar nas minas de especiaria. Ninguém nunca sai vivo de Kessel, você sabe. E os bonitinhos... São os poucos sortudos. Viram dançarinos ou dançarinas, ou acabam nas casas de prazer de quartel. Uma vida sem dignidade, talvez, mas muito mais fácil que escravidão e morte nas minas. Nebl observava Han atentamente com seus olhos úmidos e luminosos. – Por que você pergunta? Tem alguma escrava em particular que lhe é importante? – Bem... mais ou menos – admitiu Han. – Ela trabalha na fábrica de brilhestim, lá no nível mais fundo. Já está aqui há quase um ano. – Se você se importa com ela, deveria tirá-la daqui, Vykk – aconselhou o Sullustano. – As taxas de mortalidade dos operários de brilhestim são muito altas. A especiaria os corta, depois o fungo entra na corrente sanguínea deles, e... – Nebl fez um gesto de jogar fora. – Tire-a daqui. Ser despachada para fora deste mundo como escrava é sua última esperança. – Fora deste mundo? – Han sufocou uma pontada de medo ao pensar que poderia não ver a Peregrina 921 nunca mais. – O quê, eu tenho que torcer para que ela seja mandada para uma casa de prazer de quartel, para ser um brinquedo para soldados imperiais entediados? – Melhor que uma morte lenta e dolorosa por envenenamento sanguíneo. Han estava pensando rápido e não gostava de seus pensamentos. – Escuta, Nebl, foi bom a gente ter conversado. Vou voltar para te visitar de novo outro dia. Por enquanto... tem uma coisa que eu preciso fazer. O alienígena acenou com a cabeça, compreensivo. – Eu entendo bem, Vykk. Uma vez do lado de fora, Han percebeu que o curto dia ylesiano estava definitivamente terminando. Os peregrinos estariam nas devoções vespertinas. Se ele corresse, talvez pudesse alcançar 921 e falar com ela. Tinha que inventar algum jeito de tirá-la daquela fábrica e mesmo assim mantê-la em Ylesia. Apesar do calor úmido e da garoa fina que caía, Han começou a correr pela selva, até a trilha familiar. Seu peito ardia a cada respiração, depois dos primeiros cinco minutos, mas ele se recusou a reduzir o passo. Tinha que ver o rosto de 921 de qualquer jeito, se assegurar de que ela ainda estava lá, em Ylesia. E se ela tivesse sido despachada? Ele nunca a encontraria... nunca! Han sentiu o pânico roer os limites da sua mente e se xingou em todas as línguas que conhecia. O que foi que deu em você, Solo? Você tem que se controlar! As coisas vão bem para você aqui em Ylesia. No fim do ano, você terá uma pilha de créditos lhe esperando numa conta em Coruscant. Agora não é hora de perder a cabeça por causa de uma fanática religiosa qualquer. Supere isso! Só que seu corpo e seu coração não estavam escutando aos apelos de sua mente. Os passos de Han ficaram mais longos e rápidos até que ele começou a correr a toda velocidade. Virou uma curva perto das Planícies Floridas e quase se chocou contra os primeiros peregrinos que voltavam da cerimônia de fim de tarde. Eles cambaleavam ou bamboleavam adiante, com aquela expressão drogada e extasiada nos olhos vidrados. Han começou a se acotovelar pela massa, sentindo-se como um peixe nadando rio acima. Espiava os rostos na penumbra crescente, sob os chapéus, procurando, procurando... Cadê ela? Cada vez mais preocupado, Han começou a segurar os peregrinos pelo braço e inquirir se algum deles tinha visto a Peregrina 921. A maioria o ignorou ou só olhou estupidamente, de queixo caído, mas finalmente uma velha mulher corelliana apontou para trás com o dedão. Han se virou e descobriu 921 a alguma distância atrás dos outros. O alívio lhe inundou o corpo. Se apressou ao seu lado, ainda ofegante, suado e desarrumado por conta da corrida. – Oi – ofegou ele, torcendo para que a saudação não tivesse soado tão ridícula para ela quanto soara para ele. Ela ergueu o olhar para o rapaz no crepúsculo. – Oi – respondeu, incerta. – Você sumiu por um tempo. – No espaço – explicou Han. Tomou o braço dela e passou a caminhar ao seu lado. – Tinha carga para levar. – Ah. – Então, como vão as coisas? – indagou ele. – Bem. A Exultação foi maravilhosa esta noite. – É – concordou Han, aborrecido. – Tenho certeza de que foi. – Como foi sua viagem, Vykk? – perguntou ela depois de um minuto de silêncio. Han ficou feliz com a pergunta; era a primeira vez que 921 demonstrara qualquer curiosidade sobre ele e sua vida. – Acabou tudo bem – contou o rapaz, escolhendo um caminho pela trilha enlameada, tentando não deixar as botas ainda mais sujas do que já estavam. Por causa da corrida, sua perna estava emporcalhada até a altura dos joelhos. – Mas uns piratas atiraram em mim. – Ah, não! – Ela parecia angustiada. – Piratas! Você poderia ter se machucado! Han sorriu e mudou o braço de lugar para que eles caminhassem de mãos dadas. – Que bom saber que você se importa – comentou ele com um traço da sua velha arrogância. Por um momento, Han achou que 921 poderia se afastar, mas deixou que ele continuasse segurando sua mão. Quando eles chegaram ao dormitório, já estava escuro. Han a levou até o mesmo lugar, a meio do caminho entre a luz e as trevas. Entãotirou os óculos infravermelhos dela. – O que você está fazendo? – indagou ela, nervosa. – Eu quero te ver – explicou Han. – Você sabe que estes óculos escondem seus olhos. – Han levou aos lábios e beijou a mão de 921. – Senti sua falta enquanto estava fora – murmurou. – Sentiu? Han não conseguia definir se a ideia a agradava ou angustiava. Talvez ambos. – É, eu pensei em você – continuou ele baixinho. O rapaz percebeu que nunca tinha sido tão honesto sobre seus sentimentos com uma garota. Pela primeira vez na vida, não estava fingindo. – Eu não queria – acrescentou, com sinceridade –, mas pensei. Você também sente alguma coisa, né? Um pouquinho? – Eu... eu... – gaguejou ela. – Eu não sei... – 921 tentou puxar a mão, mas Han não deixou. Ele começou a beijar os dedos, os dedos cheios de cicatrizes e cortes. O toque da pele da menina contra seus lábios o intoxicou tanto quanto a cerveja alderaaniana. Ele despejou beijinhos delicados nos nós e pontas dos dedos. – Pare com isso... – sussurrou ela. – Por favor... – Por quê? – indagou ele, virando a mão dela para beijar o pulso. Han se sentiu extasiado com o saltar da pulsação dela contra os lábios. Pressionou a boca contra a palma, sentindo o relevo das velhas e novas cicatrizes. – Você não gosta? – Sim... não... eu não sei! – explodiu 921, soando à beira das lágrimas. Puxou a mão de volta e, desta vez, Han deixou, mas deu um passo à frente para pegar sua manga. – Por favor... – pediu o piloto, segurando-a com os olhos tanto quanto com as mãos. – Por favor... não vá. Você não percebe que eu gosto de você? Eu me preocupo com você, eu penso em você... Eu gosto de você. – Han engoliu, e isso doeu. – Muito. Ela ofegou e soou como um soluço de choro. – Eu não quero que você goste – retrucou ela com a voz emocionada. – Porque eu não posso gostar... – Você não me disse nem o seu nome – acusou Han, sem conseguir esconder o amargor na voz. 921 estava pronta para fugir, como um pássaro, com olhos arregalados e atormentados. – Eu gosto de você também – ela sussurrou, finalmente. A voz tremia. – Mas eu não deveria. Só devo me importar com o Um e com o Todo! Você quer que eu quebre meus votos, Vykk! Como eu poderia desistir de tudo em que acredito? Ouvir a admissão de que ela tinha sentimentos por ele fez o coração de Han dar um salto. – Me diga seu nome – implorou ele. – Por favor... 921 o encarou, olhos brilhantes com lágrimas, depois sussurrou: – É Bria. Bria Tharen. Então, sem outra palavra, ela ergueu a barra do robe e saiu correndo pela porta dormitório adentro. Han ficou na escuridão e sentiu um lento e largo sorriso se abrindo no rosto. Todo o cansaço sumiu, e o piloto se sentiu como se vestisse botas repulsoras. Afastou-se do alojamento, ainda sorrindo, e mal notou quando os céus se derramaram num temporal. Ela gosta de mim... pensou ele, caminhando pela lama onipresente. Bria... que bonito. Parece música ou coisa assim. Bria... No dia seguinte, depois de longas horas pensando e planejando durante uma noite praticamente sem dormir, Han foi atrás de Teroenza. Encontrou o sumo sacerdote e Veratil relaxando nos alagadiços que ficavam a mais ou menos um quilômetro do raso oceano ylesiano. Os dois sacerdotes se espojavam à vontade, imersos em lama morna vermelha até os imensos flancos. De vez em quando, um deles ficava de patas para cima e chafurdava um pouco para cobrir uma área que tivesse secado. Os dois Gamorreanos de guarda pareciam sentir uma profunda inveja dos mestres. Han, por outro lado, chegou perto o bastante do lamaçal para sentir o perfume e fez uma careta. Ugh! Fede como se alguma coisa tivesse morrido semana passada! O corelliano se equilibrou precariamente na margem e acenou para chamar a atenção de Teroenza. – Hã, senhor? Gostaria de falar com o senhor, se possível. O sumo sacerdote estava de ótimo humor, relaxado com a lama. Acenou com o bracinho. – Nosso heroico piloto! Por favor, se junte a nós! Entrar nesse lodo? De propósito? pensou Han, reprimindo uma careta. Só que ele sabia que o T’landa Til lhe oferecia uma grande honra. Então suspirou. Quando Teroenza lhe chamou de novo com um gesto, Han sorriu e acenou de volta, animado. Desatou o cinto do coldre e pousou sua recém-recuperada pistola no chão. Depois de tirar as botas, abriu o macacão de piloto e o tirou, ficando apenas de shorts. Com cuidado, colocou a cartucheira do cinto em cima da pilha, com o lado aberto virado para o lodaçal. Então, com uma careta que tentou transformar em sorriso, o corelliano desceu da margem. Lama vermelha subiu pelas pernas e, por um segundo, Han quase entrou em pânico, imaginando que afundaria por completo até sumir de vista. Só que havia chão sólido sob a lama. Acenando e sorrindo para os dois T’landa Til, Han vadeou até a lama ficar na altura das coxas. – Não é maravilhoso? – indagou Veratil, generosamente pegando uma mãozada de lama e esfregando nas costas de Han. – Nada nesta galáxia se compara a um bom banho de lama! Han assentiu vigorosamente com a cabeça. – É! Legal! – Sugiro que você role um pouco – ribombou Teroenza. – Isso sempre me recupera depois dos estresses da vida cotidiana. Experimente! – Claro! – concordou Han, sorrindo entre dentes trincados. – Um bom chapinhar nessa lama toda parece um sonho! – Cuidadosamente, ele se baixou na lama e, com um grande slosh e um splat! , rolou completamente na coisa gosmenta e viscosa. Não ajudou perceber que havia longas minhocas brancas vivendo na substância. Han presumiu que não seriam carnívoras, ou os sacerdotes não estariam se divertindo tão maravilhosamente. Bria, meu bem, espero que você fique agradecida... pensou Han enquanto completava seu giro e se sentava, recoberto do pescoço para baixo. – Que maravilha! – exclamou. – Tão... melequento! – Então, piloto Draygo... o que você queria falar comigo? – indagou Teroenza enquanto se afundava languidamente ainda mais no lodaçal. – Bem, acho que posso ter resolvido seu problema, senhor. Aquele de como cuidar da sua coleção, quer dizer. Teroenza girou a imensa cabeça sobre o pescoço quase inexistente. – É mesmo? Como? – Fiz amizade com uma das peregrinas, uma jovem do meu planeta natal. Antes de ela ter vindo para cá, estava estudando para ser curadora de museu, e sabe muita coisa sobre como cuidar de objetos raros. Antiguidades, colecionáveis, essas coisas. Aposto que ela poderia catalogar e manter as coisas na sua coleção. Teroenza ouviu muito atento, depois o sumo sacerdote se sentou sobre os quartos traseiros, esguichando lama ao seu redor. – Não fazia ideia que uma de nossas peregrinas tinha recebido tal treinamento. Talvez eu entreviste essa moça. Qual é a designação dela? – É a Peregrina 921, senhor. – E onde ela trabalha? – Na fábrica de brilhestim, senhor. – Há quanto tempo ela já está aqui em Ylesia? – Quase um ano, senhor. Teroenza se virou para Veratil, e os dois começaram a conversar na própria língua. Eu tenho que aprender a entender essa linguagem deles, pensou Han. Tinha encontrado um programa que ensinava huttês básico e passara o mês estudando. Só que não conseguira localizar nenhum guia ou programa de tradução para o idioma t’landa til. Han prestou muita atenção, na esperança de decifrar o que os sacerdotes diziam, mas t’landa til parecia ser diferente de huttês o suficiente para que Han não entendesse nada. Voltando-se para Han, Veratil perguntou: – Essa Peregrina 921... você diria que ela é atraente, de acordo com os padrões de avaliação de atratividade da sua espécie? Por exemplo, você a considera interessante como uma parceira sexual em potencial? Dentro da lama, Han cruzou os dedos. – 921? Ah, não senhor, ela é... bem, para ser franco, senhor, é tão feia que, se eu tivesse um bicho de estimação com aquela cara, faria ele andar de costas. Ao escutar as palavras de Han, os dois santos seres caíram na gargalhada, dando tapas com as mãozinhas no peito, o que, aparentemente, era a forma daquela espécie de prestar tributo a uma frase espirituosa. – Muito bem, piloto Draygo – ribombouTeroenza. – Você é realmente um camarada esperto, e eu vou investigar essa jovem. – Ele chafurdou mais um pouco, deixando a lama se acumular e escorrer pelos grandes flancos. – Ahhhhhh... – suspirou com prazer. – Então, Veratil. – Han se remexeu na lama até ficar de frente para o sacredot. – Eu estou curioso com uma coisa. O senhor se importaria se eu fizesse uma pergunta? – De forma alguma – respondeu o sacerdote mais jovem. – Como que vocês fazem aquele lance com os peregrinos todas as noites na cerimônia? Aquilo que eles chamam de Exultação? Tem um coice brabo, o que quer que seja. – A Exultação? – Veratil deu uma risadinha, um som grave e ribombante. – Aquele momento de êxtase que os peregrinos consideram uma dádiva divina? – Isso mesmo – concordou Han. – Nunca consegui sentir – admitiu. Porque eu lutei contra ele com toda a minha força, acrescentou silenciosamente. Porque a última coisa que eu quero é uma criatura feia que nem você dando choques nos meus neurônios de prazer... – Isso porque você é um indivíduo com muita força de vontade, piloto Draygo – explicou Veratil. – Nossos peregrinos vêm até nós porque não têm muita força de vontade, são fracos e buscam orientação. E suas dietas foram criadas para deixá-los ainda mais... maleáveis. – A Exultação é o refinamento de uma habilidade que nós, machos da espécie T’landa Til, usamos para atrair as fêmeas durante a temporada de acasalamento – explicou Teroenza. – Estimulamos os centros de prazer criando uma ressonância de frequência dentro do cérebro do receptor. Esse zumbido é gerado pelo ar fluindo sobre os cílios no interior das nossas papadas, quando nós as inflamos. Nossas fêmeas acham irresistível. – Nós machos também temos uma habilidade de projeção empática em baixo nível – continuou Veratil. – Se nos concentrarmos em nos sentir bem, podemos projetar essas sensações sobre a multidão de peregrinos. Ambos efeitos, combinados, produzem a Exultação. – Que truque bacana! – exclamou Han, admirado. – É difícil de fazer? – De forma alguma – respondeu Teroenza. – O mais difícil é ter que celebrar aquelas cerimônias e preces intermináveis para os peregrinos. Às vezes, eu fico tão entediado que quase caio no sono, enquanto espero pela minha vez de falar durante a devoção. – Ano passado, um dos sacredots chegou a cair no sono de verdade – contou Veratil, ribombando com a versão da espécie dele para uma risada. – Palazidar desabou ali mesmo. Os peregrinos ficaram muito chateados. Os dois sacerdotes curtiram a memória. Han riu também, mas por dentro fervia de raiva, pensando nos peregrinos que cambaleavam pela trilha, com olhos brilhantes de devoção e fé religiosa. Este lugar faz qualquer um dos golpes de Garris Shrike parecer brincadeira, pensou ele enojado. Alguém deveria encerrar o negócio desses vermes gananciosos... Por um momento, Han desejou que pudesse ser o cara que iria acabar com aquilo. Depois, se lembrou que se arriscar pelos outros era um ótimo jeito de ter a cabeça permanentemente separada do pescoço. Então por que você está fazendo tudo isto por Bria? , indagou com sarcasmo sua mente traiçoeira. Porque , respondeu o coração, o bem-estar de Bria se tornou tão importante para mim quanto o meu próprio. Eu não tenho como evitar, as coisas simplesmente são assim... Agora que tinha alcançado a meta que o trouxera até ali, Han começou a pensar em como se remover graciosamente (em termos metafóricos) da lama e da companhia dos sacerdotes. Foi resgatado pela chegada de um Hutt, que veio pairando sobre o lamaçal no seu trenó repulsor. Um pequeno esquadrão de guardas trotava com vigor ao lado, ofegando no calor úmido enquanto se esforçavam para acompanhar. – Zavval! – Teroenza saudou seu mestre Hutt e se levantou respeitosamente. Sentindo-se ridículo, Han fez o mesmo. Aquele era o primeiro encontro ao vivo e de perto do corelliano com um Hutt, e ele tentou não encarar o vulto imenso e reclinado da criatura, os enormes olhos empapuçados em meio à pele castanha coriácea, e a gosma verde que escorria dos cantos da boca. Ugh... eles são ainda mais feios que Teroenza e a turma dele, pensou Han. O rapaz lembrou a si mesmo que os Hutts já eram civilizados provavelmente desde muito antes que os seres humanos – mas ainda assim não conseguiu eliminar a repulsa que a aparência deles causava. Ou talvez sua repugnância viesse da simples consciência de que tinham sido os Hutts que desenvolveram aquele plano de tocar uma religião em Ylesia como forma barata de escravizar sencientes inocentes. O Hutt se inclinou para Teroenza e disse em huttês: – Recebi uma mensagem de casa. Jabba e Jiliac negam tudo, e nós não temos provas. O conselho dos clãs se recusou a... – Han não conseguiu entender a palavra –, então não temos outro jeito de... – e terminou com uma frase que Han não sabia traduzir. – Lamentável – respondeu Teroenza na mesma língua. – E quanto ao meu pedido de mais soldados, armamentos e escudos para nossas naves, vossa excelência? – Aprovado – confirmou Zavval. – Devem chegar a qualquer momento. – Ótimo. Teroenza então continuou em língua básica: – Zavval, gostaria de lhe apresentar nosso corajoso piloto, Vykk Draygo, que salvou nosso carregamento de brilhestim. O enorme Hutt deu uma risada, um som de “heh, heh, heh” que era tão grave e ressonante que Han se sentiu tonto quando ouviu. – Saudações, piloto Draygo. Você tem nossa gratidão. – Obrigado, senhor... Teroenza acenou com o bracinho. – A forma correta de tratamento é “vossa excelência”, piloto Draygo. – Certo, então. Obrigado, vossa excelência. Fico honrado em poder servi-lo. O Hutt riu de novo e falou com Teroenza em huttês: – Um rapaz muito educado e perceptivo, para um humano. Você providenciou um bônus? Queremos mantê-lo feliz. – Sim, providenciei, vossa excelência – respondeu Teroenza. Han, é claro, não deixou transparecer que entendia as conversas em huttês. – Ótimo, ótimo – concluiu Zavval. Han observou enquanto o alienígena girou seu trenó repulsor e se afastou. Teroenza e Veratil começaram a vadear para sair do alagadiço, grunhindo com o esforço. O sumo sacerdote falou com Han em língua básica: – Sua Excelência está satisfeito com o seu desempenho, piloto. O capataz da fábrica já lhe informou quando o próximo carregamento estará pronto para transporte? Han também voltava à margem. – Ele disse que deve ser no fim da semana, senhor. Enquanto isso, tem dois carregamentos de peregrinos chegando na estação espacial; um amanhã, o outro no dia seguinte. – Ótimo. Não queremos ficar sem mão de obra nas fábricas. Uma vez de volta à terra seca, Han catou as roupas, depois se virou para leste e fez um gesto na direção do oceano, a um quilômetro dali. – Acho que vou fazer uma caminhada e me enxaguar – comentou – antes de me vestir. – Ah, sim – concordou Veratil. – Nós usamos a lama como um agente de limpeza, mas ela não gruda na nossa pele da forma que parece grudar na sua. Uma vez secos, nós só precisamos chacoalhar. – Ele deu uma estremecida forte, e a poeira se ergueu em nuvens. – E a coisa toda descasca, como você pode ver. – É, tô vendo – concordou Han. – Mas eu vou precisar de água para enxaguar. – Tome cuidado de não entrar demais no oceano, piloto Draygo – acautelou Teroenza. – Alguns dos habitantes dos oceanos ylesianos são bem grandes, e muito famintos. – Sim, senhor – respondeu Han. Han ergueu as roupas e botas, mantendo-as longe do corpo coberto de lama vermelha, e partiu descalço em direção ao oceano, escolhendo onde pisava. Quando lá chegou, pouco tempo depois, aventurou-se com cuidado, ficando com água até os joelhos, e se agachou para deixar a arrebentação lavá-lo. As ondas o recobriram repetidamente, enxaguando cada traço do lodo vermelho. Han voltou à praia arenosa, encontrou um pedaço liso e se esticou para secar. Sentiu o turvo sol ylesiano castigando-o, secando-o, deixando seu cabelo endurecido e bagunçado. Só que qualquer coisa é melhor que lama, concluiu ele, sonolento. Han estava quase adormecido quando acordou num susto, lembrandoalgo que tinha esquecido. Levantou-se, foi até as roupas e remexeu na cartucheira do cinto. Olhou em volta muito atentamente, e depois puxou o minúsculo dispositivo de gravação de áudio que ele tinha pegado “emprestado” da Sonho Ylesiano e, ao ver que ainda estava gravando, o desligou com um estalo decisivo. Depois de confirmar que tinha gravado a conversa inteira com os sacerdotes Ylesianos, Han voltou ao seu lugar, deitou na areia morna e tirou uma bem merecida soneca. Han voou em muitas missões para os Ylesianos nos três meses seguintes. Várias vezes, com a cumplicidade de Muuurgh, ele fez pequenos “voos secundários” para treinar suas habilidades de pilotagem e permitir que Muuurgh praticasse com os canhões. Han conseguiu pousar naves em luas sem atmosfera, luas gélidas, até mesmo num pequeno asteroide apenas um pouco maior que a nave. Aprendeu a atracar com estações espaciais, acoplando escotilhas perfeitamente na primeira tentativa. Como resultado do encontro de Han com os “piratas”, os Hutts Ylesianos aumentaram o armamento e equiparam as naves com escudos melhores. Também incrementaram a segurança ao redor das datas e dos locais dos carregamentos e passaram a recusar pontos de encontro no espaço. Em vez disso, Han recebia ordens de levar a carga a algum planeta e trocar a especiaria processada pela matéria-prima em solo. Em regiões habitadas, havia menos chance de uma traição que poderia levar a uma emboscada. Teroenza deixou claro para Muuurgh que Vykk Draygo tinha provado seu valor como empregado de confiança, então Muuurgh não se sentia mais obrigado a passar cada segundo com o corelliano. Porém, o Togoriano grandalhão ainda estava preso à sua promessa de guardar o piloto e nunca se esquecia disso. Teroenza cumpriu sua promessa, entrevistou Bria e deu a ela o serviço de manter e catalogar sua coleção. Uma vez que começou a comer melhor no refeitório da administração e receber uma exposição saudável ao ar fresco e à luz do sol, aquela aparência pálida, doentia e magra demais desapareceu. Os olhos verdes ficaram mais brilhantes, os passos mais leves, e o sorriso, mais fácil. Ela gostava do novo serviço, tanto porque curtia cuidar das antiguidades como por considerar uma honra sagrada servir o sumo sacerdote. Bria continuava participando das preces toda manhã e da cerimônia toda noite. Quando Han estava em Ylesia, ele geralmente a acompanhava na ida e na volta da Exultação. Haviam oferecido a Bria um quarto no centro administrativo, mas ela disse a Teroenza que preferia ficar no dormitório dos peregrinos. Não só ela gostava da companhia dos colegas peregrinos na hora das preces, mas também se sentia constrangida com a ideia de ocupar um apartamento no mesmo prédio que Vykk Draygo. Bria Tharen ainda preferia evitar o corelliano; ainda estava indisposta a reconhecer os sentimentos que haviam acordado dentro de si. Ela era uma peregrina, lembrava a si mesma constantemente. Sua lealdade, dever e seu eu espiritual estavam reservados para o Um e o Todo. Ainda assim, não havia dúvidas de que Bria gostava da companhia de Vykk. Ele era tão vivo, tão cheio de energia, tão charmoso e atraente... ela nunca encontrara ninguém assim. Durante a hora anterior às devoções vespertinas, quando seu trabalho com a coleção do sumo sacerdote já estava encerrado, Bria desenvolveu o hábito de procurar Vykk e Muuurgh (os dois estavam sempre juntos), e os três iam para o refeitório administrativo para tomar uma xícara de estim-chá juntos... Bria caminhou pela selva, curtindo o pequeno alívio do calor proporcionado pelo sol poente. Uma brisa soprava vinda do mar, que era aonde a peregrina rumava. Andava com rapidez, sentindo as barras do robe bege de fiel roçar as plantas que cresciam às margens da trilha. Flores brilhantes pendiam de cipós... escarlates, roxas e verde-amareladas. O perfume cortante e um pouco adstringente fazia Bria abrir as narinas ao passar pelas plantas. O Exaltado, Teroenza, tinha dito a Bria que ela poderia vestir roupas normais, em vez dos volumosos trajes de peregrino, argumentando que assim seria mais fácil cuidar da coleção dele... Porém, a garota ainda insistia nos robes, assim como insistia nos votos. A jovem corelliana alcançou o alagadiço e parou para prestar uma reverência diante do lamaçal onde os dois sacerdotes se espojavam. Ambos a ignoraram, mas Bria estava acostumada com isso. Sacerdotes não prestavam muita atenção aos peregrinos, a não ser que precisassem orientar o trabalho deles. Era natural... suas mentes se atinham a coisas mais elevadas, alçando-se a planos espirituais que humanoides como Bria não tinham esperança de alcançar. Na primeira vez que Bria viu os santos seres chafurdando na fétida lama vermelha, ficou chocada. Era perturbador vê-los se entregar a uma atividade tão... secular. Porém, ao longo dos últimos três meses, desde que começara a trabalhar para Sua Exaltidade, Teroenza, Bria se acostumara a vê-los assim. Estava feliz em não ter que trabalhar mais nas trevas da fábrica de brilhestim. O serviço no centro administrativo era tão melhor. Climatizado, com boa iluminação e a comida... a comida era muito mais saborosa. Bria levara quase um mês inteiro para conseguir comer uma refeição normal. Inicialmente, ela estivera tão apática, tão drenada de energia, que só cutucava a comida, como já fazia há meses. O droide médico teve que tratar sua malnutrição, além de traços de doença de sangue induzida pelos fungos. Mas agora ela estava bem. As coisas tinham melhorado muito para ela, Bria tinha que admitir, desde que Vykk entrara na sua vida. Se ao menos... Bria franziu o cenho e suspirou. Se ao menos Vykk fosse um peregrino também. Então eles poderiam adorar juntos, participar das preces juntos e receber o sacramento da Exultação juntos. Só que Vykk... ela não podia ignorar o fato de que ele era um infiel, mesmo que o rapaz nunca admitisse. Vykk não acreditava em nada além de si mesmo. Quando eles frequentavam a cerimônia juntos, ele segurava a mão ou o braço dela para apoiá-la no caminho de volta ao dormitório. O toque da mão dele fazia Bria questionar a própria devoção ao Um, ao Todo, e ela não gostava disso. Não queria que nada abalasse sua fé ou enfraquecesse seus votos. Bria chegou às dunas. Como tinha meio que esperado, ouviu o som de um tiro de pistola gemer e chiar. – Vykk! – chamou, não querendo pegar de surpresa um homem que praticava tiro ao alvo. – Vykk, sou eu! Quando alcançou o topo da duna, o vento soprou-lhe os robes e os agitou em volta das pernas. Bria teve que segurar o chapéu, para que não fosse levado pelo vento do oceano. Na praia abaixo ela viu Vykk, pernas afastadas numa postura de pistoleiro, a arma de raios no coldre que usava bem baixo, no meio da coxa. Muuurgh estava a alguma distância do corelliano, segurando vários alvos de cerâmica negra. Sem aviso, o Togoriano grandalhão jogou dois dos alvos no ar, um bem alto e à esquerda, o outro baixo e à direita. A mão de Vykk se moveu num borrão tão rápido que os olhos de Bria mal conseguiram acompanhar. Raios de pistola destruíram primeiro o alvo da direita, depois o da esquerda. Pequenos destroços de cerâmica derretida choveram na incansável arrebentação ylesiana. Muuurgh uivou sua aprovação. Vykk se virou, pronto para treinar tiro à distância com o alvo estacionário que tinham montado, mas então viu Bria. Com um aceno e um sorriso, colocou a arma de raios de volta no coldre e correu até ela. Bria ficou estarrecida, como sempre acontecia, com como o rapaz era bonito, com suas feições regulares, cabelos e olhos castanhos e físico esguio. Tudo somado, ele não era exatamente um homem classicamente belo – mas nenhuma mulher que fosse o alvo daquele sorriso perceberia isso. – Oi! – gritou ele, correndo duna acima. Antes que Bria pudesse escapar, ele plantou um beijo na testa dela. Sem fôlego, ela o empurrou para trás. – Não, Vykk. Isso vai contra meus votos. – Eu sei – admitiu ele, sem vergonha. – Só que, algum dia, meu bem, você vai me beijar de volta. – Eu queriasaber se você gostaria de tomar um estim-chá antes da cerimônia – disse ela. – Hoje não – respondeu ele, subitamente sério, contemplando o rosto dela. – Precisamos conversar sobre uma coisa, Bria. Esperei até que você estivesse... melhor, porque eu temo que será um grande choque. Só que você vai ter que descobrir um dia. Bria olhou para ele, tentando entender o que estava acontecendo. – Do que você está falando, Vykk? – Vamos nos sentar um pouco. Ali, na praia, tudo bem? Ele a levou até uma área de areia lisa e, quando Muuurgh veio ver se eles iam voltar, Vykk balançou a cabeça. – A gente vai precisar de um pouco de privacidade, tudo bem, meu chapa? O Togoriano se afastou, duna acima. Bria observou o vulto sombrio desaparecer atrás do monte de areia. O coração dela se acelerou quando Vykk tirou um pequeno dispositivo do bolso. – Este é o gravador de registros de áudio que eu tirei do painel de controle da Sonho – explicou o piloto. – Vou tocar uma gravação que eu fiz há uns dois meses, antes que Teroenza lhe pedisse para tomar conta da coleção dele. Seja paciente e escute, tudo bem? – Eu não sei... Já vi que não vou gostar disso – murmurou ela. – Estou com um mau pressentimento sobre essa gravação. – Por favor – pediu ele. – Por mim. É só escutar. Bria concordou com um aceno de cabeça, torcendo as mãos no colo. De repente, a brisa oceânica, em vez de parecer agradável, fez a peregrina tremer apesar do sol que mergulhava a oeste. Vykk ligou o gravador. Bria escutou a conferência que se seguiu... Ouviu Vykk saudar os sacerdotes e ouviu quando eles o convidaram para um banho de lama. Bria reconheceu as vozes do Exaltado Teroenza e do sacredot Veratil falando com o piloto. Banhos de lama. Eles discorriam sobre como os banhos de lama eram relaxantes. Bria se mexeu, agitada, e Vykk ergueu o dedo em aviso e moveu os lábios, dizendo “espere”. Ela se obrigou a continuar quieta, ainda que ficasse cada vez mais constrangida. Certamente os sacerdotes não sabiam que Vykk estava gravando a conversa – as ações dele eram piores que bisbilhotice, eram espionagem descarada! Então Bria prendeu o fôlego, chocada. Ela podia ouvir Veratil e Teroenza rindo e comentando sobre a Exultação – estavam dizendo que não era uma dádiva divina, que não tinha absolutamente nada a ver com o Um e o Todo! Bria arregalou os olhos, depois os estreitou furiosa, e se levantou num salto. O vento levou seu chapéu de peregrina, permitindo que cachos ruivo-dourados se libertassem, mas ela não prestou atenção. Tremia de raiva enquanto encarava Vykk. Ao perceber a reação dela, o piloto desligou o gravador e se levantou para encará-la. – Como você pôde ? – exigiu Bria, com voz grave e trêmula. – Eu achei que você era meu amigo. Ele deu um passo adiante, as mãos erguidas em atitude apaziguadora. – Bria, meu bem, eu sou seu amigo. Fiz isso por você... Você tem que saber a verdade. Lamento que... O braço e a mão de Bria pareceram se mover por conta própria, acertando um slap! sólido na bochecha do piloto. Vykk cambaleou para trás, segurando o rosto. – Você está mentindo! – gritou ela. – Mentindo! Você falsificou isso para me fazer quebrar meus votos! Admita! Vykk baixou a mão e ficou parado, olhando fixamente para ela, com olhos cheios de tristeza e pena. Devagar, ele balançou a cabeça. – Eu lamento muito, querida – respondeu ele. – Lamento mais do que eu poderia expressar. Mas eu não falsifiquei nada. Isso que você ouviu é a verdade, e ficar com raiva de mim não vai mudar nada. Teroenza e a turma dele não têm nenhuma dádiva divina. Inventaram essa vigarice toda só para conseguir operários para as fábricas e escravos para vender. A marca da mão de Bria escurecia no rosto de Vykk, um vermelho baço onde ela tinha acertado. Bria viu as marcas dos próprios dedos e controlou o impulso de se jogar nele e se desmanchar em pedidos de desculpas. Como ela pôde machucá-lo assim? Ao mesmo tempo, porém, ela estava absolutamente brava e sentia o rosto se mexendo. O queixo tremia enquanto ela tentava se controlar. – Não! – Ela cerrou os punhos. – Não! Não é verdade! Você falsificou. O que você é... telepático? Como é que você sabe do sacredot Palazidar? Você nem estava aqui naquele dia! Vykk balançou a cabeça. – Eu não sabia, Bria. Eu não sabia, nem falsifiquei essa gravação. Vou provar a você. – Remexeu no bolso e tirou um pequeno vidro negro. Bria conhecia o objeto bem até demais. – Brilhestim? Onde você conseguiu? – Surrupiei durante uma entrega – respondeu Vykk. – Você sabe o que ele pode fazer, né? Bria assentiu lentamente com a cabeça. – Esse é meu único jeito de provar que não estou mentindo. Se você abrir, expor à luz e então engolir, vai ficar com habilidades telepáticas temporárias. Vai poder ler minha mente e saber que eu não estou mentindo sobre a Exultação; e que eu não falsifiquei a gravação. Aqui – ele estendeu o frasco e soltou na mão dela –, pegue. Bria contemplou o tubo. – Eu... eu preciso pensar nisso, Vykk. Preciso decidir o que fazer. – Não estou mentindo, meu bem, eu juro. – O piloto se aproximou da peregrina e estendeu as mãos para pegar as dela. – Confie em mim. Bria se afastou de Vykk. – Olha... me deixa em paz por enquanto, Vykk. Eu... falo com você mais tarde. Depois da cerimônia. Agora, eu tenho que ir. Ele olhou para ela. – Você poderia faltar, só hoje. Não é como se eles fizessem chamada. Faltar à Exultação? Bria se sentiu nauseada só de pensar nisso, e a reação a aterrorizou. E se Vykk estivesse certo? E se a Exultação não passasse de uma combinação de vibrações físicas e mentais de uma espécie alienígena? Se não havia nenhuma dádiva divina presente, então os peregrinos não eram nada além de viciados atrás de uma dose. Bria fitou os olhos de Vykk e teve a sensação vertiginosa de que ele estava dizendo a verdade. Os dedos dela se apertaram em volta do pequeno cilindro negro de brilhestim. Ali estava a resposta dela. Com aquilo, ela poderia descobrir a verdade... Virou-se e saiu andando, deixando Vykk na praia. Bria ouviu o piloto chamar, mas o dispensou com um aceno e seguiu em frente. Não tinha tempo a perder se quisesse participar da cerimônia. Meia hora depois, ela estava em meio às hordas de peregrinos, vendo o sol se pôr em esplendor sangrento atrás do Altar de Promessas. Era quase hora da Exultação. Deu uma olhada em volta, pensando que, se ela ia fazer aquilo, tinha que ser logo. Furtivamente, seus dedos puxaram o cilindro negro do bolso no robe. Luz... ela precisaria de luz para ativar o brilhestim. Porém... não poderia fazê-lo enquanto alguém mais pudesse ver. Por fim, chegou o momento que Bria esperava – o sinal para os fiéis de que a Exultação estava prestes a começar. Bria se posicionou na multidão para que tivesse visão livre do sumo sacerdote e dos sacredots enquanto eles liderassem os peregrinos na cerimônia. Porém, ela estava bem no fundo da massa, longe o bastante para que pudesse ocultar o brilhestim na larga manga, de modo que a ativação não seria notada pelos T’landa Til. E os outros peregrinos estariam tão ocupados com a Exultação que provavelmente nem notariam um tiro de pistola. A toda sua volta, os peregrinos caíam de joelhos. Bria se deixou segui-los, e, ao se abaixar, abriu a tampa do frasco de brilhestim. Sob a proteção do próprio corpo, dobrado para a frente, puxou a dose fibrosa da droga – e se perguntou, por um segundo insano, se ela mesma teria preparado aquela dose. Quando os peregrinos se prostraram, as papadas dos sacerdotes começaram a distender. Enquanto o princípio da vibração reverberava no ar, Bria ergueu o brilhestim, expondo-o por completo aos últimos raios do sol poente. Depois de alguns segundos ele se ativou, faiscando azul, mas nenhum dos peregrinos percebeu, e o efeito ficou escondido do sumo sacerdote. Mesmo que nunca tivesse tomado brilhestim antes, Bria sabia exatamente quantos segundos esperar. Um momento depois, ela enfiou a fibra na boca e permitiu que a saliva apagasse a substância faiscante. Assim que ela levou a droga à boca edepois engoliu, a Exultação começou. Bria estremeceu como se tivesse sido atingida por um raio de pistola. Os efeitos do brilhestim foram imediatos. O sangue corria pelo corpo como uma nave entrando no hiperespaço. O coração disparou. Só que os efeitos físicos não eram nada comparados aos mentais. A mente da peregrina se abriu de uma forma que ela jamais conseguiria explicar depois. Quando as ondas de Exultação a alcançaram, ela experimentou o prazer de todos os outros peregrinos na multidão. A sensação era tão poderosa que Bria quase desmaiou. Só a raiva que fervia dentro de si desde que Vykk lhe tocara aquela gravação a manteve sã e concentrada. Tenho que... abrir... meus olhos... pensou ela. Foco... Engasgada e ofegante, Bria abriu os olhos, estremecendo com as ondas de prazer que a devastavam com tamanha intensidade que estavam quase virando dor. Encarou Teroenza, forçando a si mesma a não afastar o olhar, a estreitar a própria mente para abarcar apenas a dele. Imagens de natureza alienígena inundaram a mente de Bria, entalhando-se de forma indelével em sua consciência. Não importava o quanto ela queria esquecer, sabia que nunca, jamais conseguiria. A mente de Teroenza, assim como a de qualquer senciente, estava cheia de trivialidades superficiais – perguntava-se o que comeria no jantar, estava entediado com a cerimônia, pensava sobre as novas medidas de segurança que os Hutts tinham lhe mandado implementar, sentia uma pequena agitação gastrointestinal... Não havia o menor traço de divindade na mente do sumo sacerdote. Ele não acreditava no Um ou no Todo. Na verdade, Teroenza tinha orgulho de si mesmo por ter inventado o Um e o Todo, para que aqueles peregrinos crédulos pudessem ter algo em que acreditar. Bria teve ânsia de vômito; sentia a boca cheia do gosto amargo do brilhestim. Era difícil pensar com a Exultação em curso, mas ela se obrigou a continuar sintonizada à mente do sumo sacerdote... peneirando, assegurando-se com certeza absoluta de que o que ele fazia era um truque puramente físico e mental – algo que todos os machos de sua espécie poderiam fazer quando quisessem. De repente, Teroenza se sacudiu, olhando em volta com ansiedade. Sua mente se encheu de desconfiança, depois certeza – ele sabia que estava sendo sondado telepaticamente! A Exultação vacilou, depois enfraqueceu abruptamente quando o sumo sacerdote parou de participar. Os sacredots continuaram num coro esfarrapado mas, sem o líder, a Exultação se deteve. Peregrinos gritaram, em choque, e alguns até desmaiaram. Bria desconectou sua mente de Teroenza e se juntou aos peregrinos que gemiam em angústia, choravam e cambaleavam, desorientados. Alguns se levantaram tremendo e choramingando enquanto contemplavam suplicantes os sacerdotes. Teroenza desceu da plataforma junto ao Altar e se enfiou na multidão. O T’landa Til espiava os rostos, murmurando bênçãos distraído, enquanto tentava encobrir o fato de que buscava em desespero o peregrino que tinha acabado de esquadrinhar sua mente. Felizmente, Bria estava bem no fundo do grupo, próxima do fim do anfiteatro. Ela se deixou ser empurrada para trás, para fora do permacreto, até que seus pés encontraram o barro viscoso da selva. Com um único movimento rápido e decisivo, Bria cravou o dedão do pé num monte de lama e folhas pisoteadas e o ergueu. Soltou o cilindro de brilhestim, que caiu no centro do buraco recém-aberto. Bria se virou e, ao fazê-lo, o pé pisou a bola de lama de volta no solo da floresta. A sequência de eventos toda levou apenas um segundo. Ela começou a se deslocar ao longo do fundo da multidão, em direção à trilha, permitindo-se ser levada pela maré de peregrinos incoerentes, resmungões, confusos e insatisfeitos. Uma cautelosa olhadela para trás assegurou que Teroenza tinha abandonado a busca, aparentemente por ter percebido como seria infrutífera, e o quanto seu comportamento atípico estava aborrecendo os peregrinos. Bria torcia para que ele descontasse a experiência toda como sendo fruto da curiosidade de algum recém-chegado quanto ao brilhestim. Caminhou apática pela trilha, com passos lentos e inseguros. Os efeitos do brilhestim tinham se esvaído tanto que ela mal estava ciente dos pensamentos e emoções daqueles ao seu redor. Não ficou surpresa quando Vykk surgiu caminhando ao seu lado. Como de costume, tomou-lhe o braço para sustentá-la. Bria se encostou nele, agradecida pelo apoio, e sentiu o braço do rapaz passando por sua cintura, até que ele estava praticamente segurando-a. As velozes trevas equatoriais agora os envolviam. Bria mal via Vykk. Ele a guiou pela trilha, evitando as piores poças de lama. Então, quando chegaram ao dormitório, ela parou. – Eu... não vou entrar agora – murmurou. – Eu preciso... preciso falar com você, Vykk. Ele assentiu. Seus traços mal eram visíveis sob a luz lançada pelas portas abertas. – Certo. Acho que ninguém se importaria se a gente fosse para o refeitório administrativo para uma xícara de estim-chá. Você parece estar precisando. Juntos deram meia-volta, escuridão adentro. Bria se encostou em Vykk enquanto eles subiam o caminho. Nunca tinha se sentido tão cansada. Um droide teria se movido com mais animação. Quando chegaram ao refeitório, Vykk a sentou e foi buscar xícaras de estim- chá, além de um doce confeitado, que ele empurrou para Bria. – Aqui, coma isso. Você parece estar precisando. Obediente, ela bebericou o chá e mordiscou o doce. Não jantara, e a comida parecia acalmá-la, trazendo o mundo de volta a foco. Inclinou-se na direção de Vykk, pronta para falar, mas bem quando a peregrina abriu a boca, Vykk balançou a cabeça em advertência. – Acho melhor você voltar ao seu dormitório – comentou ele bem alto. – Isso vai ensinar você a não pular refeições, 921. Achei que você fosse desmaiar lá atrás. Recado recebido, Bria se levantou em silêncio e o seguiu para fora. Quando chegaram ao lado de fora, Vykk pegou e colocou um par de óculos infravermelhos. – Você trouxe os seus? Bria fez que sim com a cabeça, localizou-os e os colocou. A noite subitamente se definiu em imagens fantasmagóricas verdes e negras. Ela via o rosto de Vykk agora, semioculto pelos óculos. Ele passou o braço por ela de novo quando os dois partiram juntos pela trilha na selva. – Você tomou o brilhestim – disse ele em voz baixa. – Sim – confirmou ela, sentindo-se tão dormente quanto se tivesse sido espancada até desmaiar. – Você tinha razão. Me perdoe por ter duvidado... – Ei – disse ele, tentando soar animado, mas fracassando completamente. – Eu também ia querer confirmar minha história, no seu lugar. Foi... foi difícil? Bria assentiu com a cabeça, e de repente o sentimento voltou, numa maré negra, deixando-a trêmula e sem fôlego. – Ah, Vykk! – balbuciou. – Eu entrei na mente dele, na mente de Teroenza, e foi terrível! Nada de dádiva divina, só um senciente entediado e egoísta que quer ficar rico para poder aumentar sua coleção! – Calma lá – disse Vykk, segurando os ombros de Bria para acalmá-la. – Você recebeu um choque horrível. – Eu me sinto... me sinto... tão... traída – desabafou Bria, entre dentes que batiam. – Foi... terrível... – Ei, calma, querida... – Vykk a abraçou, e sua expressão de solidariedade foi a gota d’água. Bria começou a chorar, soluçando tão forte e devastadoramente que chegava a doer. Vykk a ajudou a tirar os óculos, depois ficou apenas abraçado a ela, acariciando os cabelos e murmurando palavras carinhosas e tranquilizantes. Bria agarrou a frente do macacão dele com as duas mãos, torcendo e amassando o tecido, e chorando tão forte que assustou a si mesma. Ela jamais chorara assim antes. A sensação de desolação era terrível. – Não... não... me resta mais nada – afirmou ela entre espasmos de choro. – Nada... nada... – É claro que resta – murmurou Vykk, beijando a bochecha dela carinhosamente. – Você ainda tem nós dois, né? – Hã... nós dois? – sussurrou ela. – Claro. Vamos ficar juntos, meu bem. A gente vai cair fora deste planeta infernal e vai ser feliz. Bria levantou a cabeça,encarando cegamente a escuridão; mal conseguia distinguir o borrão mais claro do rosto dele. – Só que eles nunca deixam os peregrinos irem embora – resmungou Bria. – Eu li isso na mente de Teroenza. – Nós não vamos pedir para ir embora, querida. A gente simplesmente vai. – Fugir? – Isso mesmo. Assim que eu conseguir bolar um jeito, a gente vai dar o fora daqui. Já comecei a tramar. – Ele deu um beijo rápido na bochecha dela. – Confie em mim. Tenho experiência com esse tipo de coisa. Vou dar um jeito. – Mas... e o seu dinheiro? – inquiriu ela. – Você está sob contrato, e não pode romper. Se fugir, vai perder o dinheiro. Você me contou que precisa dos créditos do seu salário para tentar entrar na Academia. Como pode desistir disso? Vykk encolheu os ombros. – Um crédito é tão bom quanto qualquer outro. Eu só tenho que tirá-lo de Teroenza de outro jeito. A mente de Bria estava nublada com exaustão e a dor da traição. Ela levou um minuto inteiro para perceber o que Vykk queria dizer. – A coleção... – sussurrou. – Você está planejando roubar a coleção de Teroenza e fugir. – Muito bem – respondeu ele com aprovação. – Você tem certeza de que não está mais recebendo as transmissões de pensamento do brilhestim? – Acho que não estou, não – respondeu Bria, cansada. – Só sei que você me perguntou sobre a coleção um monte de vezes, perguntou quais itens são mais valiosos. Você realmente acha que consegue romper as travas de segurança e roubar a coleção? – Não a coisa toda. Eu precisaria de um cargueiro maior do que qualquer um em Ylesia para levar tudo embora. Vou carregar só as coisas pequenas e realmente valiosas. – Vykk fitou Bria intensamente. – Você vai me ajudar, né? Bria hesitou. Roubar antiguidades ia contra tudo que ela já acreditara. Só que as antiguidades de Teroenza não estavam num museu, onde o público poderia vê-las. Eram acumuladas por um colecionador particular ganancioso. Se Vykk as roubasse, elas seriam postas de volta em circulação, e havia uma boa chance de que pelo menos algumas delas acabariam em exposição pública em lojas ou galerias. – Tudo bem – concordou Bria. Inspirou profunda e tremulamente. – Vou te ajudar, Vykk. – Ótimo. Eu e você, a gente vai puxar uma nave e vai cair fora deste planeta. Tô de saco cheio do calor, da umidade, e de saco muito cheio desses sacerdotes e da religião fajuta deles. Bria respirou fundo. Ir embora daqui? Nunca mais participar da cerimônia e receber a Exultação? Como posso viver sem ela? Decidida, afastou a pergunta da mente. Ia conseguir, de algum jeito. Talvez pudesse ir se libertando gradualmente ao longo da semana seguinte, até que eles partissem. – Tem só mais uma coisa, Vykk – comentou ela, incerta. – O quê, meu bem? – Muuurgh. E quanto a Muuurgh? Você me disse que ele deu a palavra que seria tanto seu guardião como seu protetor. O que você fará quanto a ele? Vykk respirou fundo, e Bria viu o borrão do rosto dele se mover quando ele balançou a cabeça. – Esse é o vrelt na cozinha – respondeu, usando uma velha frase corelliana para “azar” ou “desastre”. – Eu não sei o que fazer com ele. Gosto muito do grandalhão, mas ele me contou sobre o código de honra do povo dele. Temo que Muuurgh será leal a Teroenza custe o que custar. – Você quer dizer que, se descobrir o que nós estamos planejando, ele vai nos entregar? – Grandes chances. – Ah, Vykk... – A voz dela estava embargada. – O que nós vamos fazer? E se não conseguirmos escapar? – Não se preocupe com isso, querida, deixa comigo. – Vykk suspirou. – Se for o caso, eu cuido de Muuurgh. Eu atiro muito melhor que ele e sou muito mais rápido no gatilho. – Você atiraria nele? – Se for uma escolha entre nós dois ou Muuurgh, é, eu vou atirar sim. Eu só queria que tivesse como convencê-lo a vir com a gente. Se ele viesse, eu o levaria aonde ele quisesse. E lhe daria créditos suficientes para que continuasse sua busca. – Busca? – É, ele está procurando pela parceira, e veio para cá achando que ela estaria em Ylesia; só que eu acho que ele deduziu errado. Togorianos são raros, tão raros que eu nem tinha ouvido falar neles até chegar aqui. Se tivesse uma Togoriana neste planeta, seria muito fácil de encontrar. Bria arfou, espantada. – Mas... Vykk! Havia outro Togoriano aqui! Eu me lembro de ter visto um deles; hum, há seis ou oito meses. Só um vislumbre, mas tenho certeza da espécie. – É mesmo? Era macho ou fêmea? Como se parecia? – Não faço ideia do sexo. Acho que esse Togoriano não era tão grande quanto Muuurgh. Era branco, com listras laranjas... Acho. Vi uma noite, logo após a cerimônia, e estava escurecendo. – Tenho que contar ao Muuurgh – decidiu Vykk. – Esses sacerdotes mentem para viver. É muito capaz que Mrrov, acho que esse é o nome dela, esteja aqui em Ylesia esse tempo todo. Talvez em Colônia Dois ou Três. O rapaz se calou. Bria ficou ali parada, ruminando o que ele tinha acabado de dizer e, finalmente, não aguentou mais. – Por favor, Vykk – implorou. – Diga que você não falou sério quanto a atirar em Muuurgh se ele tentar nos impedir de roubar a coleção de Teroenza! Tem que haver um jeito de evitar! – Bria gostava de Muuurgh. Ao longo dos últimos meses, os dois haviam se conhecido melhor, e a peregrina admirava o grande felinoide. – Vou cuidar dele, custe o que custar. Se eu for obrigado, atiro nele. – Vykk falava com determinação. – Mas, talvez, eu possa só... atordoar ele, ou então dar uma pancada naquela cabeça dura, e deixar ele amarrado, para que os sacerdotes não o culpem quando nós fugirmos. – Ah, Vykk... – Os olhos de Bria se encheram de lágrimas de novo. – Por favor, tente pensar em alguma coisa para que Muuurgh não se machuque. Você é bom nisso. – Vou pensar, querida, vou pensar... O piloto se inclinou para frente, para pregar um beijinho na testa da corelliana, e desta vez ela não o lembrou de seus votos. Eu não tenho mais votos , pensou Bria atordoada enquanto os dois voltavam ao dormitório. Nada de votos, nada de religião... nada de nada... Deu uma olhada de lado nas trevas. Nada além de Vykk... Muuurgh saiu silenciosamente da selva e seguiu a trilha. A visão noturna do Togoriano era muito melhor que a dos humanos; conseguia facilmente distinguir o casal distante andando pelo caminho. Estavam quase no dormitório. O felinoide tinha se esgueirado pela mata com cuidado exagerado pelos últimos minutos, determinado a chegar perto o bastante para escutar o fim da conversa – mas tinha ouvido o suficiente. Piloto e Bria planejavam escapar. Planejavam roubar dos mestres dele. Piloto planejava “cuidar” de Muuurgh. O Togoriano balançou a imensa cabeça, infeliz. Muuurgh tinha dado sua palavra de honra aos mestres – seu curso deveria estar claro. Mas não estava. Ele sabia muito bem o que deveria fazer. Deveria ir falar com Teroenza e lhe contar o que tinha escutado. Ou, talvez, ele mesmo, Muuurgh, deveria matar Piloto e contar ao sacerdote o motivo depois que estivesse feito. Só que ele ficou parado ali, hesitando. Era óbvio que Piloto estava desesperado o bastante para atirar nele para fugir. Muuurgh tinha dado sua palavra de honra de guardar Piloto. Só que Piloto também era Vykk... e Muuurgh tinha passado a pensar em Vykk como amigo. Vykk estava determinado a defender sua mulher. Muuurgh entendia isso. Ele faria quase qualquer coisa para defender Mrrov... se ao menos conseguisse encontrá-la... Muuurgh rosnou no fundo da garganta. Talvez ele devesse se passar por amistoso, para que Piloto lhe deixasse chegar suficientemente perto para usar os dentes e as garras. Muuurgh era um excelente caçador. Depois que ele pegava a presa, não havia mais escapatória. Ele conseguiria matar Vykk para manter sua palavra de honra? Muuurgh rosnou de novo e voltou à selva. Naquela noite ele ia caçar, e ia matar. Ia eviscerar e consumir a presa fresca. Talvez isso desanuviasse sua mente, e ele então conseguiria decidir o que fazer. Muuurgh deslizou sob as árvores gigantes, tão silencioso e invisível quanto um espectro. Na manhã seguinte, Han assoviou animadoenquanto tomava banho, e nem mesmo aquela fétida e nojenta gosma antifúngica que ele tinha que esfregar no corpo o deprimiu. Ele e Bria iam sair daquele mundo, e ele teria créditos de sobra depois que vendesse os itens roubados da coleção de Teroenza. Han poderia pagar pela nova identidade, comida e hospedagem enquanto participasse do processo seletivo da Academia. E, quando saísse, seria um oficial, um homem respeitado, e Bria estaria esperando por ele... Enxugou os cabelos molhados com uma toalha e foi até as roupas, que estavam arrumadas no pé da cama. Ele não teve aviso, nada mesmo. Num momento estava andando, no outro alguma coisa o tinha agarrado e arremessado no chão com tanta força que ele ficou sem fôlego. Ofegou como um baleiodonte encalhado e pontos negros voaram diante dos seus olhos. Havia mais alguma coisa ali, também... prendendo-o no chão, alguma coisa que tinha uma imensa pata que segurava seu peito. Por instinto, Han ficou parado, ofegando e tentando respirar, percebendo que a mão poderia esmagá-lo como uma noz-dilga. As trevas se mexiam diante dos olhos dele – não, a escuridão era real. Real e peluda, com um ponto branco no meio do peito e bigodes brancos eriçados. Han conseguiu focalizar os olhos. – Muuurgh...? – ofegou fracamente. – Que tá’contecendo...? Muuurgh rosnou na cara de Han, as presas enormes tão próximas que Han as viu reluzir com saliva. – Piloto planeja escapar, levar Bria – grunhiu. – Vykk planeja roubar de mestres Ylesianos. Vykk planeja cuidar de Muuurgh... – Mas...– A mão pressionou para baixo, um pouco, e Han desistiu, com olhos arregalados. Muuurgh ergueu uma imensa mão-pata e a flexionou de leve. Garras como cimitarras surgiram. – Agora Piloto traiçoeiro vai morrer – rosnou o Togoriano. – Não! – Han ergueu as mãos num gesto de apelo. – Por favor! Me escuta! – Muuurgh escutou noite passada. Muuurgh escutou muito – retrucou o Togoriano com severidade. – Ei, meu chapa – balbuciou Han, imaginando o que aquelas garras fariam com sua garganta exposta. – Achei que a gente fosse amigo! – Muuurgh gostava Piloto. Muuurgh triste ter que matar Piloto. Mas palavra de honra foi dada. Sem opção para Muuurgh. A mão começou a descer. Han apertou os olhos e esperou o fim. Sentiu a brisa do golpe do Togoriano passar de raspão pela bochecha, pela garganta, mas nada o tocou. Depois de várias eternidades, Han abriu os olhos de novo. Muuurgh o encarava, claramente dividido. Por fim, ele segurou Han pelo ombro e o cabelo, puxou-o até ficar de pé, e depois o empurrou até as roupas. – Vista-se! Muuurgh não quer sangue de piloto em suas garras. Vamos contar a Teroenza o que Piloto e garota planejam. Sacerdote vai mandar guardas matar traidores. Han se apressou até a cama e começou a se vestir. Pelo menos, ele não ia morrer pelado e molhado. – Escuta, Muuurgh, você tem que me escutar. Por favor! Que mal pode fazer? – Piloto mente. Muuurgh sabe que mente. Eu não vou escutar. É um bom sinal de que ele está recuperando a calma, pensou Han. A gramática que eu lhe ensinei está voltando. Han selou a frente do macacão e se sentou na beira da cama para calçar as botas. – Seu povo tem um código de honra, não tem? – indagou o rapaz, pensando mais rápido do que nunca. – Temos. – Se você der sua palavra de honra para alguém que te emprega, você tem que manter, né? – Tenho. Piloto pode se mexer mais rápido que isso. Calce logo essas botas. Han lentamente colocou o pé direito, com os dedos esticados, e começou a puxar a bota. – Bem, meu chapa, suponha que você deu sua palavra de honra para alguém e descobriu que tudo que ele lhe contou era uma mentira na parte dele do contrato. O que isso faz com seu acordo? Você tem que manter sua palavra para alguém que mentiu para você e fez você de idiota? Muuurgh espiou Han desconfiado, mas não disse nada. – Vamos lá, chapa, o que seu código de honra diz quanto a fazer acordos com mentirosos, hein? Muuurgh balançou a cabeçorra, depois suas orelhas se achataram de raiva. – Se um Togoriano der palavra de honra a um mentiroso, contrato é inválido. Não há honra alguma em se lidar com um mentiroso. – Tudo bem – disse Han com uma onda de satisfação. Ele pegou a bota esquerda. – Me escute bem, chapa. Acho que Mrrov está aqui em Ylesia. Acho que Teroenza mentiu para você. Muuurgh encarou Han, depois estreitou os olhos azuis. – Você mentiria para continuar vivo, Vykk. – É, eu mentiria, chapa – admitiu Han com honestidade. – Mas eu vou jurar pra você que não estou mentindo quanto a isso. – Jurar? O que é isso de “jurar”? – É como... como uma palavra de honra, mais ou menos. Meu povo jura pelas coisas mais importantes no universo para eles. É como se fosse... sagrado, acho que você diria. – Então pelo que Vykk jura? Han pensou por um momento. – Eu juro – começou ele, lenta e claramente – pela vida de Bria. Você sabe como ela é... muito importante para mim, não sabe? Muuurgh considerou por um momento, depois assentiu. – Tudo bem, então, eu juro para você, pela vida de Bria, que noite passada ela me contou que viu um Togoriano aqui, há uns seis meses ou mais. Isso se encaixaria com a época em que você estava procurando Mrrov, não é? Silenciosamente, o Togoriano assentiu de novo. – Ela viu um Togoriano, Muuurgh. Pense bem. Teroenza e seus capangas mentiram para você quando disseram que ela nunca veio aqui. Provavelmente ainda está aqui, em Ylesia. Provavelmente não em Colônia Um, porque seria arriscado demais. Mas há uma boa chance de ela estar em Colônia Dois... ou mesmo Três. Mas Colônia Dois já está lá há mais tempo, eles têm muito mais peregrinos lá do que em Colônia Três. Então eu aposto que ela tá em Dois. Vale a pena conferir, né? – E como era esse Togoriano? – indagou Muuurgh lentamente. Por um momento, Han se sentiu tentado a mentir, dizer que não sabia... porque, e se ele estivesse errado quanto a esse Togoriano ser Mrrov, e Muuurgh ficasse furioso e o matasse ali mesmo, naquele instante? Respirou fundo. – Bria disse que ela era branca e alguma outra cor. Listrada. Disse que poderiam ser listras laranjas, mas que estava quase de noite, então não tinha certeza. Eu realmente espero que Mrrov não seja de cor sólida ou malhada! Muuurgh achatou as orelhas e sibilou como uma válvula furada, dentes expostos com ferocidade. Han olhou em volta em desespero, em busca de algo para bater na cabeça do Togoriano, mas não havia nada ao alcance. Em silêncio, se resignou a ser rasgado em dois. Então o sibilo furioso de Muuurgh se transformou num uivo doloroso de angústia. O grande alienígena caiu no chão, segurando a cabeça e uivando um lamento ululante. – Você descreveu ela! – grunhiu, finalmente. – Por todos os deuses dos meus pais, será que ela estava aqui todos esses dias enquanto eu acreditava nesses mentirosos? Eu vou lá agora arrancar suas gargantas e comer seus corações! – Ufa – murmurou Han bem baixo. Que bom que deu certo! Muuurgh se levantou num salto, obviamente pronto para cumprir a ameaça. – Espere! – Han pulou e segurou um bração, pendurado nele enquanto era arrastado pelo quarto, pela sala de estar, quase pela porta. Cravou os calcanhares no chão e se recusou a soltar. – Muuurgh, se você quiser ela de volta, pare! Muuurgh reduziu o passo, depois parou. – Ótimo – disse Han, ofegante. – Agora vamos conversar sobre isso como sencientes racionais, está bem? Sente-se. Muuurgh desabou no seu catre. Han ligou a música, depois puxou a cadeira surrada para tão perto do Togoriano que os dois ficaram quase encostados. – Fale baixo – sussurrou ele, e Muuurgh fez que sim com a cabeça. – Eu tenho um plano, acho que sei como buscar Mrrov, se ela ainda estiver aqui em Ylesia. – Eu só espero que ela não tenha sido despachada para as minas de especiarias, pensou, mas não disse em voz alta. Muuurgh já sabia o que acontecia aos escravos tão bem quanto ele. – Certo, Vykk – respondeu Muuurgh, em voz igualmente baixa –, me conte o plano. Han pensou por um momento. – Vou precisar da sua ajuda para algumas partes. Tenho que fazeralguns preparativos e vou tentar deixar tudo que eu puder armado antes que eu parta. – Partir? Vykk vai partir? – Vou, mas não estou falando da nossa fuga final. Daqui uns dois dias eu tenho que entregar uma mensagem e um presente de Zavval a um Hutt chamado Jiliac em Nal Hutta. Vou ter que ficar lá e esperar por uma resposta. Nunca estive em Nal Hutta e não conheço as manhas por lá, mas Jalus Nebl conhece. Muuurgh fez que sim com a cabeça para mostrar que estava prestando atenção e começou a limpar os bigodes brancos, nervoso. – Então, tudo bem. A Sonho é pequena demais para três. Vou comentar isso com Teroenza e dizer a ele que Nebl quer voltar a voar como meu copiloto. Tenho certeza de que ele vai concordar em deixar eu e Nebl irmos nessa missão juntos. Vou sugerir que você fique aqui, porque não vai ter lugar pra você. Han se levantou e começou a andar de um lado ao outro. – Os sacerdotes sabem que você gosta de caçar, né? Então, quando eu receber permissão para levar Nebl comigo, você deve pedir para passar uns dois dias caçando. Você consegue correr bem rápido em terreno irregular, né? – Muito rápido – concordou o Togoriano. – Rápido o bastante para rastrear e matar presas. – Você acha que consegue chegar a pé em Colônia Dois? – Sim. – Muuurgh parecia ter certeza. – Bem, é a nossa melhor chance. Se Mrrov ainda estiver aqui em Ylesia, há mais de 50% de chance de que esteja em Colônia Dois. Você deveria ir lá e dar uma olhada, descobrir se ela está lá mesmo. – E resgatar ela! – Muuurgh se levantou num salto. – Não! – retrucou Han. – Fique sentado . Essa seria a pior coisa que você poderia fazer. Eles iniciariam uma busca planetária por vocês dois. Usariam sensores sintonizados em sinais togorianos para encontrar vocês. Então vocês seriam capturados e provavelmente mortos. Ou mandados para as minas de Kessel, o que dá no mesmo. – Você quer que Muuurgh veja Mrrov e não deixe que ela veja ele? – Exatamente. É só você encontrar ela, descobrir onde ela dorme, come, essas coisas. Então, quando chegar a hora da nossa fuga, eu e você damos um pulo em Colônia Dois e tiramos ela de lá. Eu andei fazendo reconhecimento noturno por estas bandas, no caso de você não ter notado. – Muuurgh notou – respondeu o Togoriano secamente. – Todo lugar que Vykk ia, Muuurgh estava atrás dele, vigiando. Como você acha que eu sabia que tinha que ouvir quando você levou Bria de volta para dormitório? – Bem, de qualquer maneira, eu descobri como criar uma distração que vai manter os guardas ocupados enquanto a gente pega as melhores coisas da coleção. E eu sei onde o centro de comunicações fica. Eu vou me assegurar de que a conexão entre as colônias esteja rompida na hora da gente cair fora. Então a gente dá um pulo em Colônia Dois e, antes que eles saibam o que está acontecendo, a gente agarra Mrrov e dá no pé deste planeta. Aí eu levo vocês dois de volta a Togoria, tudo bem? Muuurgh olhou para Han, estreitando os olhos azuis enquanto os bigodes estremeciam de emoção. – Você faria isso por Muuurgh e Mrrov? – Sim. Eu juro. Se você ajudar Bria e eu a invadir e roubar as coisas de Teroenza, eu juro para você que não vamos sair daqui sem Mrrov. O Togoriano grandalhão pensou nisso por um longo tempo, depois olhou nos olhos de Han. – Eu vou ajudar. Palavra de honra. Han assentiu com a cabeça. – Negócio fechado, meu chapa. Naquela mesma noite, Han foi até a sala de tesouro de Teroenza se encontrar com Bria. Estava se perguntando se ela iria à cerimônia agora que sabia que era falsa. Parado do lado de fora, Han bateu na pesada porta revestida de metal. – Sou eu – disse ele em resposta à voz dela do lado de dentro. A porta se abriu, e Bria saiu. Han arregalou os olhos. – Ei! Você está linda ! Pela primeira vez desde que Han a conhecera, Bria dispensou os robes beges e o chapéu. Em vez deles, ela vestia uma túnica azul-clara simples e calças. Mesmo não sendo reveladoras, as roupas evidenciavam uma silhueta esguia, mas definitivamente feminina. – O Exaltado Teroenza me disse que eu poderia dispensar meus robes de peregrina quando estivesse trabalhando com a coleção – explicou ela. Quando notou a ternura nos olhos do piloto, Bria corou um pouco, mas sorriu. – Ele temia que eu esbarrasse com o robe em algum artefato precioso e o derrubasse da estante. – Bem, eu aprovo – comentou Han. – Topa tomar uma xícara de chá? – Claro. Quando os dois estavam sentados no refeitório administrativo, com xícaras de estim-chá diante de si, Bria sorriu timidamente para Han. – Então... você realmente gosta da minha aparência? – Pode crer. Você é a garota mais bonita deste planeta, sem brincadeira. Bria sorriu, só que o sorriso se desfez e ela pareceu preocupada. – Parece que você não é o único a pensar assim, Vykk... – Como assim? – Tive a experiência mais estranha com Ganar Tos, o mordomo de Teroenza, hoje de manhã. Ele aparentemente nunca tinha visto além dos robes de peregrina, só que, quando eu vesti estas roupas, ele me notou pra valer. Ficou me seguindo por uma hora enquanto eu tentava reorganizar algumas peças, puxando conversa, ou pelo menos tentando. Aqueles olhos vermelhos-alaranjados dele me dão arrepios. Ele é velho, mas é óbvio que ainda tem... hum... vida de sobra dentro de si, se você me entende. Vida masculina. Han se recostou. – Você quer dizer que o velho safado estava dando em cima de você? Bria teve um calafrio. – Temo que sim. Ele queria saber qual era a minha idade, se eu já fui casada, se já tive filhos. Perguntou por que acabei vindo parar em Ylesia para ser peregrina. Perguntas muito pessoais! Ele foi muito intrometido. Han se inclinou para a frente. – Então, por que você veio para cá, afinal? Ou você acha que isso é pessoal demais para me contar, também? Ela sorriu languidamente. – Claro que não, Vykk. Por que eu vim parar aqui? Parece que foi há tanto tempo que é difícil de lembrar. Eu estava passando por um momento ruim. Tinha acabado o ensino médio e tinha um pouco de medo de ir para a universidade. Nunca ficara sozinha antes. Mamãe sempre me manteve em rédea curta e me deixava com a impressão de que eu não era capaz de fazer nada direito. Que eu fosse muito estudiosa e muito comportada não era suficiente para ela. – Bria sorriu um sorriso nada simpático. – Papai me encorajou a seguir uma carreira, mas mamãe só conseguia pensar em me arranjar “um marido fantástico”. Achou que seus sonhos se realizaram quando comecei a namorar Dael. Han sentiu uma pontada de ciúmes, mas lembrou a si mesmo que houve algumas garotas no seu passado. Mais do que algumas, na verdade... – Estávamos prestes a noivar quando eu o peguei no flagra com outra garota. Então terminei tudo. Mamãe ficou furiosa comigo por acabar com Dael. Ele era de uma das famílias mais ricas de Corellia, e ela já tinha começado a planejar o casamento. – Bria suspirou. – Ela me mandou procurar Dael e pedir desculpas, fazer ele me aceitar de volta. Pela primeira vez na minha vida, eu lhe disse “não”. – Sua mãe parece uma mulher muito... determinada – comentou Han cautelosamente. – Determinada não é palavra. Mamãe tinha me empurrado para cima de Dael desde que éramos colegas de escola, e eu nunca tive coragem de dizer a ela que eu nem gostava muito dele. É engraçado – seus olhos azuis esverdeados ficaram úmidos –, eu não queria muito Dael, mas quando eu soube que ele andava ficando com outra mulher pelas minhas costas, me senti traída e com o coração partido. As pessoas são estranhas, não são? Han concordou com a cabeça. – Continue – encorajou. – Bem, foi por volta dessa época que eu ouvi que um missionário Ylesiano estava promovendo reuniões. Eu estava me sentindo muito mal comigo mesma, porque sabia que simplesmente não conseguia fazer nada direito. Isolada, sabe? Separada de todo mundo. Então eu fui à reunião. O sacerdote Ylesiano encerrou o serviço com alguns poucos segundos de Exultação... e aquilo me fez me sentir tão bem . Como se o meu lugar fosse com aquelas pessoas. Então eu vendi minhas joias, fugi de casa e peguei apróxima nave para Ylesia. Ela sorriu melancólica. – Então essa é minha história. Voltando ao assunto em questão, o que você acha que eu deveria fazer para manter o pobre e velho Ganar Tos à distância? – Bem, se ele te incomodar muito, fale com Teroenza. Tenho certeza que ele não quer que nada interfira com o seu trabalho e, se Ganar Tos estiver atrapalhando, então ele vai acabar com isso. – Certo – concordou Bria, se animando. – É uma boa ideia. – Você vai à cerimônia? – perguntou Han, olhando Bria com seriedade. Ela balançou a cabeça. – Não. Não quero ir. – Eles não vão notar que você não foi? – Eu sempre posso dizer que fiquei com dor de cabeça ou que fiquei trabalhando até tarde. A maioria dos peregrinos mal pode esperar para ir, então eles não controlam quem vai. – Verdade. Que tal uma caminhada, então? – Vamos. Uma vez do lado de fora, Han esperou até chegar às Planícies Floridas para tocar no assunto que tinha em mente. Resumiu rapidamente a interação daquela manhã com Muuurgh. Bria ficou alarmada ao descobrir que o Togoriano tinha escutado a conversa da noite anterior e comentou isso com Han. – É, eu também fiquei preocupado – respondeu Han. – O grandalhão sabe ser silencioso de verdade quando quer. Não é de se espantar que ele diga que é o melhor caçador do planeta. Aparentemente, me seguiu todas as vezes que eu saí para fazer reconhecimento do terreno e descobrir a melhor maneira de escapar daqui. – É melhor nós tomarmos cuidado com a nossa localização quando discutirmos os planos de fuga – comentou ela, olhando em volta nervosamente. – Por que você acha que eu trouxe a gente até aqui antes mesmo de tocar no assunto? As árvores aqui têm ouvidos. A gente tem que ser muito cuidadoso. Noite passada foi só Muuurgh, então está tudo bem, mas podia ter sido qualquer um dos camaleões que eles usam de guarda lá na fábrica de brilhestim. Bria estremeceu com a ideia. – Então, o que você tinha para me contar? – Muuurgh vai pedir para sair numa viagem de caça enquanto Jalus Nebl e eu vamos na missão para Nal Hutta. Estamos com tudo armado. Teroenza aprovou meu pedido para levar Nebl comigo hoje. Nal Hutta fica a dois sistemas de distância, e vamos levar quatro, talvez cinco dias. Prometi a Muuurgh que ele teria esse tempo para descobrir se Mrrov ainda está aqui e que, se ela estiver, a gente vai levar ela junto. – Isso seria bom – concordou Bria. – Odiei a ideia de deixar Muuurgh para trás. Se Teroenza ficar furioso o bastante, ele provavelmente o mataria por nos deixar escapar, quer fosse culpa dele ou não. – Verdade. – Han suspirou. – Eu só queria descobrir um jeito de invadir os aposentos de Teroenza e vasculhar o lugar até achar onde ele guarda os códigos de acesso das naves e os códigos de segurança da coleção. Até agora, estou empacado. Sei como manter os guardas ocupados, só que, se eu não conseguir os códigos, talvez tenha que mudar os planos. Quem sabe tacar fogo no Centro de Hospitalidade ou coisa assim. – Códigos de segurança? – Bria franziu o cenho e fechou os olhos. – Códigos de segurança... – Ela respirou fundo e começou a recitar uma sequência de números, símbolos e letras. – Parece que é isso mesmo! – Han segurou o braço de Bria, empolgado. – E como você descobriu? Bria abriu um sorriso trêmulo. – Estavam na mente de Teroenza. Temo que estejam gravados na minha, junto com tudo mais. Eu queria poder esquecer os códigos e todas as outras coisas, só que não consigo. Han segurou os ombros dela e lhe deu uma chacoalhada animada. – Bem, não deseje isso até que a gente esteja fora deste buraco imundo. Bria, querida, isto é ótimo! Você me poupou um trabalhão. Ela deu outro sorriso incerto. – Paguei um preço horrível por isso mas, se nos ajudar... acho que valeu a pena. – Vai valer – prometeu Han. – Confie em mim. Eu juro que vai valer. Ela assentiu com a cabeça. – Então a gente só precisa evitar criar suspeitas até que estejamos prontos para dar no pé. Vai ser fácil para mim; Nebl e eu estaremos em Nal Hutta. Você acha que consegue manter tudo na normalidade por aqui até eu voltar? – Acho que sim. Mas... não demore! – Não vou demorar, querida. Bria lhe lançou um olhar suplicante. – Depois que nós estivermos livres, poderíamos ir a Corellia, Vykk? Quero ver minha família de novo. Quero que eles saibam que eu estou bem. Han lhe deu um sorriso tranquilizador. – Claro, meu bem. Eu tenho alguns assuntos a resolver em Corellia, então essa vai ser uma das nossas primeiras paradas, tudo bem? Bria abriu um sorriso radiante em resposta. – Tudo bem. Quando Vykk a deixou à entrada do dormitório, Bria disse a si mesma que só ia dar um pulo no andar de cima e tirar um cochilo até que fosse hora do jantar. Se alguém perguntasse, ela alegaria uma dor de cabeça como desculpa para perder a cerimônia. Porém, quando chegou ao quarto, Bria pegou o robe e o chapéu e ficou parada, segurando-os. Amanhã, pensou ela. Vou começar amanhã. Afinal, tive dois dias difíceis. Ninguém poderia esperar que eu perdesse a Exultação assim. Vou precisar de um dia para me preparar... E, antes que soubesse o que estava fazendo, Bria se pegou de volta nos trajes de peregrina, avançando apressada pela Trilha da Imortalidade, em direção ao Altar das Promessas... Dois dias depois, um Han nervoso e um Jalus Nebl plácido esperavam do lado de fora do salão de audiências de Jiliac, o Hutt, no seu Palácio de Inverno. Um pequeno dispositivo de hologravação jazia aos pés de Han; tinha sido criado para projetar um simulacro audiovisual do remetente. Nebl endireitava uma grande e elaborada caixa sobre um suporte antigrav. A caixa continha o presente que Zavval, o Hutt, tinha mandado para seu parceiro de negócios, e ocasionalmente rival, Jiliac. – Quanto tempo será que a gente vai ter que esperar? – resmungou Han, nervoso, dando alguns passos. – Já faz quase uma hora. – Para uma audiência com um líder de clã, isso não é nada – respondeu Jalus Nebl. – Uma vez eu esperei dois dias só para alcançar a antecâmara. E, não se esqueça, nós temos que aguardar uma resposta. Uma vez eu esperei uma semana. – Não me fala uma coisa dessas – reclamou Han. – Não quero escutar sobre tudo o que pode dar errado. Ainda acho difícil de acreditar que a gente vai sair vivo deste lugar. Hutts são famosos pelo mau humor, sabe. – Eu já disse, estamos perfeitamente seguros – insistiu o Sullustano. – Perdoe-me pela minha burrice, mas como você pode ter tanta certeza disso? – retrucou Han. – Há muito tempo, nos primeiros dias após a chegada deles a Nal Hutta, os Hutts perderam tantos mensageiros que a comunicação entre os clãs foi completamente rompida, e todo mundo perdeu lucros com isso – explicou Nebl. – Então todos os clãs fizeram um pacto: um mensageiro de um Hutt a outro é sacrossanto. Enquanto estivermos entregando a mensagem de Zavval e levando sua resposta, não podem nos tocar ou atrapalhar de forma alguma. – É, espero que você esteja certo – resmungou Han. Deu uma olhada na grande caixa. – Então por que ele está mandando um presente? Nebl balançou a cabeça. – Presentes são tradicionais. Para ganhar a atenção de um Hutt, você precisa apresentar-lhe um presente ou uma ameaça. Às vezes, os Hutts fazem as duas coisas ao mesmo tempo. Han fez uma careta. – Esquisito. Você não faz ideia mesmo do que tem aí dentro? Essa caixa é grande o bastante para conter praticamente qualquer coisa. Até um cadáver, se você dobrasse todo. Eu me sentiria melhor se eu soubesse. – A caixa está selada – observou Nebl. – Se nós a abríssemos, sua excelência Jiliac saberia. Não queremos criar problemas. – É... eu sei. – Han fez outra careta e, para se distrair das preocupações, deu uma olhada em volta. A antecâmara tinha teto alto, com claraboias. Era construída com pedra de cor clara, e as paredes pálidas estavam revestidas com tapeçarias que tinham sido tecidas (pelo que se dizia) pelos inimigos de Jiliac enquanto eles definhavam na masmorra dele, esperando pela misericórdia da execução. Uma delas ilustrava o planeta natal original dos Hutts,o desolado e infértil mundo de Varl. Outra mostrava o grande cataclismo que o destruíra há muito, muito tempo. Ainda outra tapeçaria exibia a grande diáspora dos Hutts para Nal Hutta, no sistema Y’Toub. Han sabia que Nal Hutta significava “joia gloriosa” em huttês. A última tapeçaria era um retrato em tamanho real do próprio Jiliac, reclinando-se em seu pódio extravagante, mas de bom gosto. Han não tinha visto muita coisa de Nal Hutta, já que ele e Nebl tinham sido enfiados num landspeeder com droide chofer e levados para o sul, para o remoto Palácio de Inverno de Jiliac. O retiro do poderoso Hutt ficava numa pequena ilha próxima ao equador. Jalus Nebl informou Han que ele era sortudo – que essa ilha era, em comparação ao resto de Nal Hutta, um verdadeiro “jardim” naquele mundo úmido e nauseante. A ilha o lembrava de Ylesia – quente, úmida e cheia de árvores gigantes coalhadas de cipós imensos. A atenção de Han se voltou ao aqui e agora quando percebeu que Dorzo, o mordomo Rodiano de Jiliac, os estava chamando. – Sua suprema excelência Jiliac, líder de clã e protetor dos justos, os verá agora. Han catou o gravador apressadamente, e em seguida ele e Nebl entraram na câmara de audiências. Era imensa. Han caminhou pela nave central em direção ao pódio, sentindo a textura luxuriante de um carpete caríssimo sob suas botas. A câmara estava lotada de puxa-sacos obsequiosos de todas as espécies, dançarinas e dançarinos trajados com muito bom gosto e uma orquestra num canto. Uma enorme mesa de bufê coberta com a comida de uma dúzia de mundos fez as narinas de Han se agitarem quando ele se lembrou subitamente de que não tinha almoçado. Jiliac se reclinava num pódio de audiências, fumando alguma coisa que Han não conseguia identificar e que jamais gostaria de provar. Até mesmo o leve sopro de fumaça que ele recebeu fez sua cabeça girar. Jalus Nebl deu uma cutucada em Han, que deu um passo à frente, nervoso. – Todo poderoso Jiliac – disse ele em huttês, relembrando o discurso que Zavval tinha ensaiado com ele. – Viemos em nome de nosso mestre Ylesiano, Zavval, o Hutt, para lhe trazer uma mensagem e um presente. Primeiro, o presente... – Fez um gesto para Nebl, e o Sullustano se adiantou, conforme combinado. Jiliac contemplou os dois, depois ordenou, em huttês: – Abra. Quero ver o que Zavval considera digno de mim. – Sim, Vossa Excelência – guinchou o Sullustano, que tratou de cortar todos os selos e desfazer todas as travas. Han observou fascinado enquanto o Sullustano erguia a tampa e puxava dois globos cristalinos com suportes de bronze, que ele equilibrou um sobre o outro, e depois colocou a geringonça toda sobre uma sólida base curva de bronze. Todo o metal era entalhado com desenhos em ouro e prata. Havia um pequeno compartimento na parte inferior do globo traseiro que continha algum tipo de bateria, pensou Han. O corelliano fitou a coisa, perplexo. Não fazia ideia do que era. Jiliac, por outro lado, fazia. – Um combo de narguilé com lancheiraquário! – ribombou, falando, obviamente, em huttês, que, àquela altura, Han entendia muito bem. – E quase à altura da nossa grandeza! Era bem o que eu queria! Como é que ele soube? – Voltou sua atenção aos mensageiros de novo e continuou, mais formalmente. – Mensageiros, o presente de Zavval me agrada. Vamos torcer para que a mensagem também o faça. Ative-a, humano. Han se curvou profundamente, pôs o gravador numa mesa baixa e o ligou. No instante seguinte, um holossimulacro de Zavval surgiu, ocupando o espaço diante da plataforma de Jiliac. – Meu caro Jiliac – dizia Zavval, estendendo uma das mãos para Jiliac, como se ele realmente pudesse ver o outro e estivesse presente de verdade. – Ao longo do último ano, algumas ocorrências infelizes assolaram nossas operações de transporte de cargas ylesianas. Naves desapareceram, e uma delas foi atacada. Como um dos líderes do nosso Kajidier, era meu dever investigar essas incursões tão desprezíveis. A expressão de satisfação de Jiliac tinha desaparecido. Han lançou um olhar nervoso ao Sullustano. Eu realmente espero que ele tenha razão quanto à nossa segurança! – Nós rastreamos esses supostos “piratas” a Nar Shaddaa, e recentemente os meus agentes capturaram e interrogaram um dos capitães dessas naves. O infeliz indivíduo revelou, antes de sucumbir a um coração fraco, que foi recrutado e enviado nessas missões ignóbeis por você e seu sobrinho-neto, Jabba. Sua inimizade nos magoa profundamente e, acima de tudo, reduz nossa margem de lucro. Esteja advertido, Jiliac. Deixe nossas remessas em paz. Quaisquer outros ataques produzirão represálias velozes contra você e seu clã. Reunimos uma grande frota, que certamente aniquilará suas míseras forças. Reunimos? pensou Han angustiado. Somos só eu e Nebl! Zavval está blefando. Ou será que ele contratou mais pilotos recentemente? A mensagem de Zavval continuou, inexorável. – Aceite nosso presente como uma oferenda de paz ou aguarde as consequências severas, dentre as quais sua morte será uma das mais leves. Jiliac, apelo a você, em nome da irmandade Hutt, que pare de sequestrar e aterrorizar nossas naves. Podemos lucrar muito mais se trabalharmos juntos em vez de enfrentarmos uns aos outros. A essa altura, Han e o Sullustano recuavam aterrorizados, pois Jiliac inchava como uma ferida envenenada. – Atenda à minha advertência, Jiliac. Cesse seus... – AiiiiiieeeeeeaaaaaaarrrrrrrRRGGGGGGGGGGHHHHHHHHHHHHH!!! O grito de fúria de Jiliac fez Han e Nebl saltarem para trás da mesa de bufê. A cauda do lorde Hutt chicoteou num largo arco para atingir o dispositivo de gravação, que foi atirado longe. A imagem de Zavval desapareceu. Jiliac deslizou adiante. Han assistiu em fascinação horrorizada. Era a primeira vez que via um lorde Hutt se mover por conta própria. – Mensageiros! – gritou Jiliac. – Adiantem-se! Devagar e com relutância, Han e Nebl contornaram a mesa engatinhando e se levantaram tremulamente. – Pois não, todo-poderoso Jiliac? – indagou Nebl. Han não conseguia falar. – Mando vocês de volta àquela infestação parasítica de vermes que se chama de Zavval – bradou Jiliac, com a cauda chicoteando enquanto ele andava de um lado ao outro. – Digam-lhe que caluniou a mim e meu sobrinho, Jabba. Digam- lhe que sua tentativa apalermada de me provocar a um ataque precipitado fracassou completamente. Eu vou aguardar o momento propício. Ele é um Hutt morto, mas, por enquanto, concederei a graça de permitir que finja estar dentre os vivos. Somente eu decidirei quando ele morrerá, e será de acordo com a minha conveniência. Vocês entendem, mensageiros? – Entendemos, ó todo-poderoso! – declarou Han, depois de recuperar a voz. Era óbvio que Jiliac os estava dispensando, e Han não queria nada mais que sair daquele planeta. Curvou-se, e curvou-se de novo. – Eu direi a ele exatamente o que o senhor disse! – Ótimo! Vocês podem ir. Levem minha mensagem a Zavval, imediatamente! Curvando-se, Han e Nebl saíram do salão de audiências de costas. Uma vez do lado de fora, saltaram apressadamente no transporte e mandaram o droide- motorista voltar ao espaçoporto o mais rápido possível. Han nunca ficara tão feliz em ver a Sonho Ylesiano esperando por ele. O corelliano e Jalus Nebl correram pelo campo de pouso, subiram pela rampa e se jogaram na cabine de controle. Foi só quando eles estavam no espaço e Han puxou a alavanca que os lançou ao hiperespaço que conseguiu recuperar o senso de humor em quantidade suficiente para abrir um sorriso para o Sullustano. – Bem, Nebl, não podia ter ido melhor, hein? O Sullustano revirou os imensos olhos úmidos. – Você ainda não entendeu, Vykk. Quando se está lidando com Hutts, há engrenagens dentro de engrenagens dentro de engrenagens. É completamente possível que Zavval tenha mandado a mensagem porque nós estamos vulneráveis, para evitar que Jiliac ataque mais abertamente. Nós somos meros lacaios. Vemos só uma parte do quadro geral. Podemos apenas rezar para nossos deuses para jamais enfurecer um Hutt. Seria melhor estar morto, e issonão é um eufemismo. Han concordou com a cabeça. – Eu acredito. Ainda assim, se eu fosse Zavval, não dormiria muito bem à noite. Ele pode não ter muito tempo de vida. Muuurgh deslizou pela selva na penumbra do curto crepúsculo ylesiano. Tinha levado um dia e meio para percorrer os 147 quilômetros até Colônia Dois. Parte da lentidão tinha sido causada pela perigosa travessia do rio Gachoogai. Ficou tão cansado depois de lutar contra a poderosa correnteza que teve que tirar duas horas da jornada para caçar, e mais uma para dormir. Ainda estava exausto com a provação, mas finalmente tinha chegado. Prestou atenção nos sons de cânticos enquanto contornava o perímetro do complexo. Até onde ele sabia, Colônia Dois seguia a mesma programação que Colônia Um, então os peregrinos deveriam estar na cerimônia vespertina. Suas narinas se abriram no que ele testava o vento, farejando constantemente em busca de rastros togorianos. Várias vezes, Muuurgh ficou de quatro e avançou, farejando, aspirando os odores deixados pelos peregrinos que tinham passado por ali recentemente. Cinco minutos depois, levou um baque como se tivesse sido atingido com um aguilhão atordoante. Mrrov! Mrrov passou por aqui, não mais que um dia atrás! Movendo-se cautelosamente ao redor dos prédios, ele primeiro localizou o dormitório onde ela dormia, depois a fábrica onde ela trabalhava. Por fim, seguiu a trilha de cheiro mais recente por um caminho que certamente levaria ao Altar das Promessas. Pelo jeito, Colônia Dois era organizada com uma planta idêntica a Colônia Um. Sem verificar mais adiante, o Togoriano desapareceu de volta na selva e foi o mais rápido possível até o local de cerimônias. Por um momento, perguntou-se se Mrrov farejaria o rastro dele , mas era pouco provável. Ele tinha se encharcado por completo naquele rio e tinha evitado instintivamente esbarrar em qualquer coisa e deixar marcas de cheiro. Não queria que Mrrov tentasse segui- lo de volta a Colônia Um e se perdesse na mata quando a trilha fosse interrompida pelo rio. O Togoriano chegou bem a tempo de resistir às ondas mentais e físicas da Exultação. Muuurgh estreitou os olhos e esquadrinhou os vultos que se retorciam à sua frente... ...e encontrou Mrrov. Ela se contraía, mas não chegava a se retorcer... e havia algo de falso na forma como ela se movia que permitia que ele a localizasse facilmente. Ela está fingindo, pensou Muuurgh. Eu sabia que Mrrov era forte demais para ser enganada por esses mentirosos por muito tempo! O Togoriano forçou os olhos para divisar cada linha dela sob o robe de peregrina. Porém, ele só conseguia ver claramente a cabeça, listras alaranjadas contrastando vividamente com o branco. Ele desejava ver os lindos olhos amarelos, mas estava atrás dela, para a direita. Mrrov não conseguiria vê-lo. Por um segundo, Muuurgh quase jogou a cautela e seu juramento a Vykk para o alto – teve que fazer um enorme esforço para não sair correndo pela massa de peregrinos, agarrar sua prometida e carregá-la para a selva. Só que Muuurgh tinha dado sua palavra de honra a Vykk. Mrrov não poderia saber que ele estava ali. Quando os peregrinos se levantaram cambaleantes, com o fim da Exultação, os olhos de Muuurgh se arregalaram ao ver que Mrrov vestia uma faixa azul – assim como mais uns cinquenta dos cem peregrinos na cerimônia. Aquela faixa! Aquela é a faixa dos Escolhidos! Ah, não! Muuurgh quase sibilou bem alto sua frustração e medo. Já estava em Ylesia há muitos meses. Já vira aquelas faixas antes. De fato, conforme os peregrinos começaram a se dispersar na noite, o sumo sacerdote se adiantou para chamá-los com sua voz ribombante. – Todos os peregrinos que receberam faixas azuis hoje, por favor fiquem para trás! Seu sumo sacerdote tem um anúncio a fazer. Obedientes, os peregrinos com faixas azuis interromperam a caminhada em direção à trilha e seguiram ao altar. Mrrov aparentava estar pensando em arrancar a faixa e correr dali, mas não fez nada. Muuurgh uivou por dentro. Será que ela sabe o que as faixas significam? – Aqueles de vocês que receberam as faixas azuis estão sendo honrados como Escolhidos. Sua fé e devoção ao Um e ao Todo nos fizeram selecioná-los para esta honra singular. Amanhã à noite vocês receberão sua última Exultação aqui neste Altar. Ao amanhecer da manhã seguinte, vocês serão levados numa espaçonave para se encontrar com nossos missionários, e cada um será selecionado por um deles para acompanhá-lo e espalhar a palavra do Um e do Todo. Muuurgh ouviu os murmúrios excitados e gananciosos da multidão e sabia que os verdadeiros peregrinos estavam extasiados com a implicação de que poderiam receber Exultações sem compartilhá-las com centenas de outros peregrinos. Idiotas... foi o primeiro pensamento do Togoriano. Eles não passam de meros bists ou etelos, dignos apenas de serem caçados e devorados. Essas espaçonaves vão levá-los apenas às minas de Kessel ou às casas de prazer dos soldados imperiais. Nunca mais receberão nenhuma Exultação, viverão a degradação e a miséria, e a maioria morrerá dentro de um ano... O segundo pensamento eriçou o pelo de sua nuca e espinha. Só um dia e meio até que ela seja despachada daqui! E, como os soldados imperiais só querem humanoides nas casas de prazer deles, isso quer dizer que Mrrov está destinada às minas de Kessel. Eles devem pensar que, como ela é Togoriana e forte, vai durar um tempão nas minas... Muuurgh socou o tronco de uma árvore. Malditos sejam, o tempo é muito curto! Os senhores Ylesianos certamente vão chamar Vykk ou o Sullustano para transladar esses peregrinos à estação espacial para aguardar o cargueiro que virá de Kessel. Tenho que voltar a Colônia Um para ajudar Vykk, de modo que todos possamos escapar juntos! Muuurgh se levantou num salto e cavalgou pela selva, sentindo o medo afastar o cansaço de seu corpo. Virou-se para sudeste, rumo a Colônia Um. Não havia tempo a perder... A vida de Mrrov estava em risco. O Togoriano correu, saltando troncos e córregos, abaixando-se sob arbustos. O fôlego veio com facilidade, mas Muuurgh sabia que não ia durar muito. Ele já estava fatigado – mas não ia permitir que isso atrapalhasse. Como uma sombra negra numa noite ainda mais escura, o Togoriano correu... A cerimônia tinha acabado, e Bria seguia para a trilha de volta ao dormitório quando Ganar Tos surgiu caminhando ao seu lado. Ela se enrijeceu, manteve a cabeça baixa e se recusou a erguer o olhar. Eu queria que Vykk já tivesse voltado! Já faz três dias que ele partiu... Ganar Tos não estaria me seguindo assim se Vykk estivesse aqui... O idoso Zisiano tentou segurar o braço dela, mas Bria o puxou. O mordomo sorriu e se posicionou à frente da peregrina, barrando seu caminho. – O Exaltado Teroenza deseja falar com você, Peregrina 921 – disse ele. Ah, não! pensou Bria, sentindo como se seu coração tivesse parado e depois recomeçado a bater contra o seu peito tão forte que ela temeu que Ganar Tos pudesse ouvir. Teroenza descobriu que fui eu quem sondou a mente dele telepaticamente! – O qu-que ele quer? – Ela conseguiu perguntar com lábios rígidos, considerando se deveria simplesmente sair correndo. Talvez conseguisse se esconder na selva por um dia ou dois até que Vykk voltasse... – Ele tem algo a conversar com você – respondeu Tos, sorrindo para ela. Bria estremeceu com aquele sorriso, mas decidiu que correr não adiantaria de nada. Os guardas simplesmente a rastreariam e a matariam... Então ela deu meia-volta e seguiu para o Altar das Promessas. Quando alcançou Teroenza, o sumo sacerdote a espiou do alto enquanto ela prestava os respeitos. O coração de Bria batia muito forte, e ela estava tão assustada que se sentia tonta. – Peregrina 921 – começou Teroenza em sua voz retumbante. – Você nos serviu fielmente, e eu estou satisfeito com você. Também estou satisfeito com meu fiel servo, Ganar Tos. Quero recompensar vocês dois. Bria deu uma olhada de lado no Zisiano, cujos olhos alaranjados praticamente brilhavam de felicidade. Ah, não. Estou com um mau pressentimentoquanto a isto... Teroenza apontou o mordomo. – Ganar Tos me pediu sua mão em casamento e fico feliz em anunciar que eu concedi o pedido. Venha aqui na minha frente, e eu pronunciarei as palavras para torná-la a esposa dele. Bria arfou e tentou decidir se deveria se deixar desmaiar. Tinha a sensação de que conseguiria – pontos pretos flutuavam diante dos seus olhos, e tinha um zumbido nos ouvidos. Então Bria sentiu uma onda de prazer engolfá-la, um prazer tão delicioso que ela quase desmaiou daquilo. A sensação era tão intensa, calorosa, amorosa, que ela quase teria concordado com qualquer coisa, só para que não acabasse. Porém, bem quando ela estava pronta para assentir como um zumbi obediente, o rosto de Vykk surgiu diante dos olhos dela. Bria endireitou as costas e ergueu o queixo. Não ousou desmaiar – se o fizesse, provavelmente acordaria casada com Ganar Tos, sendo carregada para o leito nupcial. O pensamento lhe deu ânsia de vômito, e as vibrações de prazer do sacerdote perderam seu poder sobre ela. Bria experimentou uma imagem súbita e vívida dela mesma compartilhando uma cama com Ganar Tos e, por um segundo horrível, ela teve medo de vomitar. Controle-se! comandou ela. Pense! – Mas, Exaltado – ela murmurou com timidez, forçando-se a manter os olhos modestamente baixos. – Eu fiz votos de castidade. Não posso me casar com ninguém. – Sua devoção é inspiradora, peregrina – ribombou Teroenza. – Mesmo assim, o Um e Todo abençoa uniões frutíferas, tanto quanto abençoa o estado celibatário. Estou lhe concedendo uma dispensa especial para que possa se casar com Ganar Tos e criar seus filhos para serem fiéis ao Um e ao Todo. Monstro espertalhão, pensou Bria, odiando Teroenza como nunca tinha odiado ninguém em sua vida. Não tem como eu contornar esse argumento sem cometer blasfêmia. Bria respirou longa e profundamente para ganhar tempo para pensar. – Muito bem, ó Exaltado – respondeu ela com humildade. – Se você diz que esta é a vontade do Um e do Todo, então eu me submeterei. Serei uma boa esposa para Ganar Tos. – Trincando os dentes por dentro, ela se obrigou a pousar a mão no braço verde verruguento do mordomo. – Ótimo, Peregrina – declarou Teroenza, erguendo os braços para iniciar a cerimônia. – Só que, Exaltado – Bria ergueu um pouco a voz –, eu preciso seguir os costumes do meu povo antes que possa me considerar legalmente casada. – Antes que o sacerdote pudesse recusar, ela se apressou em continuar. – São simples e facilmente cumpridos, Exaltado. Peço apenas um dia para me purificar e meditar sobre o sagrado estado de casamento. Além disso, em Corellia, é tradicional que a mulher traje um vestido verde no casamento. Posso pedir com facilidade ao droide-alfaiate que prepare um para mim até amanhã à noite. Bria segurou a respiração enquanto Teroenza hesitava. Por fim, o sumo sacerdote deve ter decidido que ela não estava pedindo demais. – Muito bem, Peregrina 921 – retumbou ele. O rosto de Ganar Tos ilustrou seu desapontamento. – Amanhã à noite, diante de todos os fiéis, você e Ganar Tos serão unidos. Que a bênção do Um e do Todo esteja com você. Teroenza fez um sinal rápido no ar, deu meia-volta e se afastou. Ganar Tos rumou decidido para Bria. – Eu a levarei de volta ao seu dormitório – anunciou. – Muito bem – concordou ela, mas se afastou quando ele tentou passar o braço ao seu redor. – O noivo não pode tocar a noiva no último dia antes da cerimônia – arrulhou ela, mentindo descaradamente. – Mais uma tradição corelliana. Certamente você pode esperar um diazinho, meu futuro marido? Ele assentiu. – Muito bem, minha futura esposa. Juro para você, serei um bom marido. É meu desejo profundo que sejamos abençoados com muitos filhos. – É igualmente o meu – concordou Bria docemente. Dentro das mangas volumosas dos robes, ela cruzou todos os dedos das duas mãos. Por favor, Vykk ¸ ela pensou desesperadamente, volte logo! Por favor! A viagem de volta de Han e Nebl correu muito bem, e Han guiou a Sonho Ylesiano na descida em meio às nuvens do lado noturno. Viram várias células de tempestade espetaculares iluminadas por relâmpagos, porém, quando pousaram em Colônia Um mais ou menos uma hora depois da meia-noite, milagrosamente não estava chovendo. – Bela aterrissagem. Não posso dizer que já fiz melhor – comentou Jalus Nebl. Han sorriu com o elogio e ainda trazia a expressão feliz quando os dois desceram pela rampa até o campo de pouso. Tanto ele como o Sullustano tiveram que colocar os óculos infravermelhos apressadamente; a noite estava negra como piche, e não havia uma única estrela visível. – Bem, vou tirar algumas horas de sono, meu rapaz – anunciou o Sullustano enquanto seguia pelo caminho da enfermaria, onde ele ainda estava sendo tratado, mesmo que não precisasse mais respirar ar filtrado. – Boa noite. – Boa noite, Nebl – respondeu Han, tomando a trilha para o centro administrativo. Minha cama vai estar deliciosa, ele pensou. Acho que vou dormir até mais tarde e... Sem aviso, alguma coisa grande o agarrou por trás, e uma mão-pata peluda cobriu sua boca para sufocar o grito de surpresa. Han arfou ao ser erguido da trilha e carregado alguns passos selva adentro. Por fim, uma voz familiar sussurrou no ouvido dele. – Muuurgh lamenta ter feito isso, mas Vykk ia gritar. Temos que ser silenciosos. O Togoriano colocou o corelliano no chão de novo, e Han respirou fundo, preparando-se para dar uma bela bronca no alienígena quanto a assustar pessoas em noites escuras. Muuurgh balançou a cabeça peluda, e alguma coisa na expressão dele, vista pelos óculos infravermelhos, fez Han desistir. Em vez disso, ele indagou: – O que foi? – Encontrei Mrrov – explicou Muuurgh. – Piloto será acordado ao alvorecer para voar até Colônia Dois e levar Mrrov mais uma carga de peregrinos para estação espacial. Lá vão esperar outra nave, vem de Kessel, só pode ser. Então não tem tempo a perder. Tem que escapar. Agora . Ou Mrrov será perdida. Han balançou a cabeça. Ele estava cansado. Tinha dormido em turnos curtos pelas últimas cinco noites, e o sacrifício estava cobrando o preço. – Escapar? Esta noite? – Ssssim! – A ansiedade de Muuurgh era contagiante. Han sentia a adrenalina começando a correr pelo corpo. – Tem que escapar! Diz a Muuurgh o que fazer! Quase duas horas até o sol nascer. Aí Mrrov estará esperando com outros no Altar, e Vykk e Muuurgh precisam estar prontos com nave! – Tudo bem, tudo bem, chapa. Calma aí. – Han tentou pensar no que precisava ser feito primeiro. – Você me pegou de surpresa aqui, eu preciso de um segundo para desembaralhar meu cérebro. Uma coisa de cada vez. Precisamos de algumas armas de raios. Cinco ou seis delas. Você vivia no alojamento dos guardas. Acha que consegue entrar lá discretamente e pegar? Muuurgh assentiu com a cabeça. – Ssssim... Vou pegar cinco ou seis armas. – Se eu fosse você, eu surrupiava dos Gamorreanos. Eles são burros como um saco de pedras e dormem como portas. Os bigodes de Muuurgh se agitaram no que ele achou graça. – Ssssim... – Tudo bem, então. Me encontre em frente ao centro administrativo em meia hora. Com um último aceno de cabeça, Muuurgh desapareceu na mata. Han seguiu para o centro administrativo. O primeiro item na lista era desativar o sistema de comunicações da Colônia. Ele não queria que ninguém chamasse reforços das outras colônias ou as avisasse que havia problemas. Quando o corelliano alcançou o centro de comunicações, enfiou a mão no bolso para encontrar o pedacinho de papel que Bria lhe dera com todos os códigos de segurança que tinha obtido em sua visita à mente de Teroenza. Isso incluía o código do iate pessoal do sumo sacerdote, Talismã , que era a nave que Han pretendia usar na fuga. Também trazia o código da sala de coleção e do centro de operações onde ficavam os geradores da Colônia, as telas de segurança da base, a oficina de droides, o arsenal e a unidade de comunicações. Han se esgueirou pelos corredores silenciosos, perguntando-se se veria Muuurgh de relance na tarefa dele, mas não teve nem vislumbrede movimento. Àquela altura ele já conhecia o bastante sobre o layout de segurança de Colônia Um para evitar automaticamente os entediados guardas noturnos, que muito provavelmente estavam dormindo em seus postos, pelo que ele tinha visto em suas explorações anteriores. Pareceu levar uma eternidade até chegar ao centro de operações, mas ele finalmente estava lá, digitando o código de Bria. Com um leve zumbido eletrônico, a porta se abriu. – Essa é a minha menina – murmurou Han enquanto entrava. Havia um guarda postado ali, como Han sabia. Um Twi’lek, adormecido na cadeira, pés apoiados no console de comunicações, os lekkus pendurados atrás dele como duas cordas de carne pálida. Roncos ressoantes vibravam no ar parado. Han sacou a pistola de raios, configurou para ATORDOAR e puxou o gatilho. Emitiu um raio azul circular, que envolveu o guarda. O Twi’lek deu um tranco, depois desabou molenga na cadeira, exatamente como estivera, exceto pelos roncos, que pararam. – Isso foi um belo bônus – murmurou Han, guardando a arma no coldre. Foi até o console de comunicação, puxou a pequena multiferramenta que a maioria dos pilotos sempre trazia nos bolsos e começou a abrir a tampa do aparelho. O plano era desativar a unidade de comunicação e depois colocar a tampa de volta, de modo que qualquer pessoa que tentasse usá-la levaria algum tempo para perceber que tinha sido sabotado. Um momento depois, tirou a tampa e a colocou no chão. Arregalou os olhos diante da miríade de fios, circuitos, transceptores, cabos e fileiras e mais fileiras de compartimentos idênticos e não marcados. Han grunhiu em voz alta. – Como é que eu vou saber qual desses se conecta aos geradores de força? Escolheu um fio aleatoriamente e o cortou com o pequeno maçarico laser da multiferramenta. O indicador de força continuou marcando LIGADO . Han cortou outro fio. E mais outro. Com frustração crescente, segurou um punhado dos circuitos e os arrancou. Nada de resultado visível. Praguejando em voz baixa, rasgou e arrancou e cortou implacavelmente, até que ofegava com o esforço – e o aparelho ainda estava ligado! Mais de cinco minutos tinham se passado. – Painel idiota... – rosnou Han, que em seguida sacou a arma de raios, colocou-a em intensidade máxima e atirou bem no meio das entranhas do console teimoso. Chamas irromperam, o cheiro de isolamento atingiu suas narinas, fagulhas voaram... ...e o indicador de força se apagou. – Aí sim – murmurou Han irritado. Por via das dúvidas, atordoou o Twi’lek de novo, deu meia-volta e saiu. Uma vez do lado de fora do centro administrativo, Han botou os óculos e seguiu pela trilha da selva num trote. Seus passos foram ficando cada vez mais rápidos, até que começou a correr quase em velocidade máxima, e só uma queda de cara numa poça de lama o deteve. Pingando e praguejando, se levantou de novo e saiu correndo outra vez. Os outros prédios estavam à sua frente agora, incluindo o dormitório de Bria. Han tinha determinado que, ao contrário do centro administrativo e das fábricas de especiarias, os dormitórios não eram guardados à noite. Afinal de contas, os T’landa Til não davam a mínima se alguém machucasse seus escravos; eles eram facilmente substituíveis. A pequena cama de Bria ficava no segundo andar. Uma fraca luz noturna brilhava na escadaria. Han subiu pé ante pé, com a arma de raios em ATORDOAR na mão, mas não encontrou ninguém. Os peregrinos ficavam tão eufóricos depois da Exultação toda noite que dormiam como mortos. Han não sabia direito qual cama Bria ocupava. Espiou pelos óculos e avançou rapidamente até centro, olhando os rostos adormecidos nos vários tipos de sofás, catres e camas que cada espécie preferia. Uma tábua rangeu sob o pé dele, e Han parou, segurando a respiração. Um vulto se sentou numa cama estilo humano, vestindo uma camisola branca sem mangas. – Vykk? – sussurrou ela. Han assentiu com a cabeça e acenou com urgência. – Rápido! – sibilou ele. Para sua surpresa, ela já estava vestindo calças. Pegou a túnica e as sandálias e veio até Han na ponta dos pés, evitando a tábua que rangia. Juntos, em silêncio, eles desceram cuidadosamente a escadaria, passaram pelo átrio e saíram para a escuridão da noite. Bria pôs os óculos. – Vamos lá – disse Han segurando a mão de Bria antes que ela tivesse tempo de responder. – Temos que correr! Ele saiu correndo, e Bria o acompanhou. Logo, porém, os passos da peregrina se encurtaram, e Han percebeu que ela estava ficando sem fôlego. Reduziu o passo para uma caminhada rápida e a rebocou pela trilha da floresta. Bria ofegava demais para falar, mas Han, que estava em melhor forma, recuperou o fôlego em instantes. – É hoje à noite – informou ele. – Preciso que você e Muuurgh comecem a recolher a coleção de Teroenza enquanto eu tiro os guardas da nossa cola. Você acha que consegue? Bria assentiu sem conseguir falar. – Ganar Tos... – tentou dizer. – Esquece ele – retrucou ríspido. – Você nunca mais vai ver o cara, com alguma sorte. – Mas ele... e Teroenza... – Ela cedeu ao puxão urgente e começou a correr de novo. – Vão me fazer... casar... com ele... Han arregalou os olhos. – Ganar Tos queria casar com você? Pelos Lacaios de Xendor! Ainda bem que a gente tá dando o fora daqui! Incapaz de falar, Bria apenas concordou com a cabeça. Quando eles alcançaram o centro administrativo, Bria já tinha recuperado o fôlego. Seguiu Han conforme ele caminhava pelos corredores escuros até a porta da sala de coleção de Teroenza. Muuurgh esperava os dois. Aos seus pés havia uma pilha de armas de raios. Bria arregalou os olhos. – Para que isso tudo? – Distração – respondeu Han. – Certo, agora... aqui está o código de entrada... – Digitou o código rapidamente e, como antes, a porta se abriu. Os três entraram furtivamente no imenso salão mal iluminado. Han pegou uma poderosa eletrotocha na escrivaninha de Bria e iluminou o aposento com o feixe forte. – Acha que a gente pode correr o risco de acender as luzes? Bria fez que sim com a cabeça. – A sala é bem isolada. Conferi semana passada. Não tem como se ver do apartamento de Teroenza. Han ligou as luzes do teto, e o salão subitamente se iluminou completamente. Desde que Bria assumira a manutenção da coleção, tinha arrumado o salão inteiro. Os expositores de itens reluziam, as estantes estavam bem menos entulhadas, e as cores das tapeçarias eram vívidas, livres da camada de poeira. Os três pilares centrais de sustentação tinham uma camada fresca de tinta. – Certo – sussurrou Han. – Você e Muuurgh comecem a recolher os itens que você escolheu. Eu volto em uns quinze minutos, tudo bem? Bria concordou com um aceno de cabeça. – Mas onde eu vou carregar isso tudo? – Semana passada eu escondi uma mochila na parte de trás das duas fadas naquela fonte de jade branco – disse Han, apontando o imenso objeto. – Vai dar para começar. Vou tentar trazer algo comigo se encontrar qualquer coisa que sirva. – Tudo bem – sussurrou ela. Muuurgh já estava mais adiante, examinando uma coleção de adagas cravejadas. Bria hesitou, com expressão angustiada. Han pôs as mãos nos ombros dela. – O que foi, querida? – Vykk... eu nunca fiz nada assim antes! – Ela mordeu o lábio e apontou as armas que Muuurgh tinha trazido. – Armas e roubos! Alguém pode se machucar , e até morrer ! Você pode ser morto, ou eu! – Ela tremia de cima a baixo. Han a abraçou e a puxou para perto. – Bria, nós temos que ir esta noite – afirmou, ainda que fosse um esforço manter a voz gentil e esconder a impaciência. – Amanhã eles vão despachar Mrrov para as minas de Kessel. A nave provavelmente vai chegar em órbita a qualquer momento agora para levá-la. É agora ou nunca, meu bem. – E... e... – Bria agarrava a frente do macacão de Han com as duas mãos. – Eu tenho medo do que vai acontecer comigo quando eu sair daqui. Sem a Exultação... Como eu vou viver assim? – Você vai ter a mim – relembrou ele. – Vamos ficar juntos. Eu estarei com você... cada minuto. Você vai ficar bem... Bria engoliu seco e fez que sim com a cabeça, mas duaslágrimas lhe corriam pelo rosto. Han lançou um sorriso encorajador. – Ei... Eu sou melhor que Ganar Tos, né? Bria conseguiu soltar uma risada engasgada, depois abriu um sorriso aguado. Han pegou as armas e saiu pela porta, tomando o cuidado de verificar que estava fechada depois de passar. Descobriu que carregar seis armas sozinho não era fácil. Por fim, acabou metendo-as na frente do macacão e no cinto. Isso atrapalhava um pouco os movimentos, mas era melhor que fazer malabarismo com as armas e ficar com medo que uma ou mais caíssem com um estardalhaço. A noite estava escura como sempre, mas Han sabia que não devia faltar mais de uma hora para a alvorada. Conseguiu engrenar uma corridinha desengonçada pela trilha enlameada, com as armas batendo nas pernas e no peito. Levou quase sete minutos para chegar à primeira fábrica de brilhestim, e mais dois para se esgueirar até perto o bastante do guarda, um enorme Gamorreano, para então poder atordoá-lo à queima-roupa. Ao ver o vulto gigante e porcino da criatura, Han lhe deu um tiro adicional para garantir que ficaria quieto pelo tempo que fosse necessário. O rapaz então se virou e entrou na fábrica, indo direto até o turboelevador, quase levando um tombo por causa das armas quando se espremeu pela grade da porta. Despachou o turboelevador para o andar mais baixo e aguentou a jornada de descida para as trevas gélidas e mais escuras que a escuridão. Quando Han alcançou o fundo, o nível onde Bria costumava trabalhar, partiu direto para onde tinha espiado os recipientes de brilhestim bruto que esperavam para ser distribuídos pelos trabalhadores. Han puxou cinco armas de raios do cinto (ficou com a sexta de reserva, já que não tivera como saber que deveria ter mantido a própria totalmente carregada para a fuga) e as arrumou em cima do brilhestim num belo desenho de “sol raiado”. Depois abriu cada uma das poderosas armas e, usando os óculos para ver, configurou-as para SOBRECARGA . Um apito agudo soou, ficando mais alto, ecoando no espaço cavernoso conforme mais apitos se juntaram ao primeiro nas profundezas úmidas da fábrica. – Isso deve resolver – sussurrou Han para si mesmo. Sabendo que só tinha minutos para escapar dali antes que o lugar inteiro explodisse, saiu correndo para o turboelevador. Foi gostoso sentir o sopro do vento batendo contra seu rosto suado. Han saltou para fora, correu pelo andar térreo da fábrica, saltou sobre o Gamorreano derrubado – que começava a fungar e se mexer – e saiu correndo noite adentro. Han estava a meio caminho do centro administrativo quando sentiu o chão tremer e virou-se para ver uma labareda de chamas amarelas subindo ao céu. Momentos depois, as faíscas azuis de brilhestim voaram como fogos de artifício, lançando fitas reluzentes bem alto. Han mal conseguia estimar quantos créditos ele via virar fumaça. Era de fazer pensar. Adiante, ouviu uma comoção vinda do centro administrativo e, momentos depois, teve que saltar da trilha e continuar correndo pela selva quando uma turba de guardas que gritavam quase o atropelou. Derrapando no lodo do piso florestal, Han conseguiu manter um bom ritmo ao correr pelo resto do caminho. As botas deixaram pegadas enlameadas nos degraus do centro administrativo quando Han os subiu velozmente e depois seguiu pelos corredores até a sala de tesouros de Teroenza. Havia guardas por todos os lados agora, gritando e berrando perguntas, mas nenhum deles deteve ou interrogou Han. O piloto chegou à porta do salão de exposição, olhou para os dois lados e por fim entrou furtivamente. Bria e Muuurgh ergueram o olhar, viram que era Han e então relaxaram perceptivelmente. – Como vocês estão indo? – sussurrou Han. – Tudo bem – respondeu Bria em voz baixa. – Quase terminamos a lista A. – Ótimo. – O que foi que Vykk fez? – indagou Muuurgh. – Vykk explodiu a fábrica de brilhestim – respondeu Han, satisfeito. – Um monte de peregrinos ficou desempregado. – Ah, Vykk! Se nós formos pegos... – O rosto de Bria ficou branco como giz. – Não seremos – retrucou Han. – Estou com tudo sob controle. Estendeu a mão para puxar uma pequena escultura de um torsk de Alzoc III, entalhada em lápis-lazúli, que demonstrou ser mais pesada do que ele esperava, e deu um puxão forte. A escultura se inclinou para cima e revelou um emaranhado de fios e transponderes. Em algum lugar ali perto, nos aposentos pessoais de Teroenza, um alarme começou a trinar estridente. Han olhou a escultura, depois os colegas ladrões. – Oh-oh... Bria encarou Han, aterrorizada e furiosa. – Ah, ótimo! Agora o que nós vamos fazer? Han pensou rápido. – Vamos dar o fora daqui. A lista A já é boa o bastante. Bria, você leva a mochila, está bem? E aqui, pegue isto. – Tirou a arma de raios extra do cinto e entregou a Bria. Mostrou como mirar e onde ficava o gatilho. – Talvez a gente tenha que lutar para sair daqui. – Maravilhoso – retrucou ela amargamente. – Tudo sob controle, não é, Vykk? Nada com que se preocupar! Han só podia dar de ombros. Desta vez, era definitivamente culpa dele . – Para que lado? – indagou Muuurgh, o mais prático do grupo. – Por porta de sacerdote ou porta principal? Han considerou por um segundo, mas foi salvo de ter que tomar uma decisão – as duas portas foram abertas ao mesmo tempo. Teroenza surgiu emoldurado pela porta de seus aposentos, fungando de raiva. Zavval e um esquadrão de guardas preenchiam as grandes portas duplas. Han agarrou Bria e mergulhou detrás da imensa fonte de jade branco, enquanto Muuurgh se protegia atrás do pilar central de suporte do aposento. – Peguem eles! – vociferou Zavval, avançando no trenó repulsor. Teroenza investiu como uma fera enlouquecida, a cabeça baixa e o chifre em riste. Han deu um tiro, viu o raio azul de atordoamento e praguejou enquanto ajustava a intensidade da arma para TOTAL . O raio atordoante nem desacelerou Teroenza. Muuurgh mirou, disparou e derrubou um guarda Sullustano. Han puxou o gatilho de novo, mas o raio da arma ricocheteou no trenó de Zavval e atingiu o pilar de sustentação mais próximo da porta, queimando-o pela metade. O pilar cedeu, mas não desabou. Teroenza investiu contra Muuurgh, e o grande Togoriano saltou e agarrou o sumo sacerdote, segurando-o pelo pescoço e o chifre. Muuurgh cravou os pés no carpete e tentou conter o ex-chefe. O impulso do T’landa Til, detido pela força do Togoriano, fez com que seus quartos traseiros se dobrassem para cima, atingindo o pilar central com um baque. O chão tremeu e poeira choveu do teto. Os pés posteriores de Teroenza derraparam, e o sumo sacerdote desabou. O chão tremeu de novo. Han mirou e atirou, e um Gamorreano caiu de volta no corredor, com um grito. Bria contornou o chafariz com a pistola em riste, mas, antes que pudesse atirar, um dos guardas disparou. Ela gritou e se abaixou no que um raio estourou um pedaço do chafariz, lançando fragmentos de jade no ar. Teroenza, que tentava se levantar, soltou um uivo angustiado de protesto. Outro raio zuniu perto de Han, tão perto que o corelliano sentiu o cabelo sendo queimado. Jogou-se no chão, rolou e deu mais dois tiros no ventre do trenó de Zavval. Como ele tinha planejado, os raios atingiram a unidade de repulsão. Porém, em vez de afundar para o chão, o trenó sofreu danos nos controles de velocidade e direção. Zavval tentou em vão controlá-lo, mas o trenó disparou à frente em velocidade máxima. Segundos depois, ricocheteou na parede oposta. Atropelando tudo em seu caminho, o trenó quicou pelo salão de exposição, levando Zavval como um passageiro indefeso. Um guarda Rodiano, concentrado em tentar acertar Han, não viu o veículo desgovernado e foi esmagado numa chuva de sangue. O trenó destroçou uma mesa expositora, e Teroenza gritou ao ver sua preciosa coleção de vasos antigos virar poeira. O Hutt bateu na parede oposta, e o salão inteiro tremeu. Poeira e destroços caíram do teto. Han e Bria se deitaram no chão quando o trenó desgovernado bateu numa das ninfas de jade e a destroçou. Zavval gritava, e a maioria dos guardas tinha sabiamentefugido. Então o trenó, com o imenso peso de Zavval em cima, se esborrachou direto na coluna central do aposento. O suporte cedeu e gemeu, depois se dobrou em dois e se partiu – seguido por aquele que Han tinha parcialmente vaporizado. Com um último suspiro agonizante, o trenó repulsor se assentou no chão e morreu. Han contemplou em horror paralisado quando, aparentemente em câmera lenta, metade do teto estrondou, cedeu, rachou e por fim desabou em imensos pedaços. O piloto se recuperou bem a tempo de agarrar Bria e arrancá-la do caminho de um enorme pedaço do piso de pedra do andar de cima que caiu na direção deles. Jogou-a no chão, debaixo da bacia do chafariz, e caiu em cima da peregrina, protegendo-a. Zavval gritou esganiçado enquanto enormes escombros caíam nele, soterrando-o sobre os restos destruídos do trenó. A poeira subiu numa nuvem sufocante. Tossindo e engasgando, Han rastejou de cima de Bria assim que percebeu que o teto tinha acabado de desabar. Olhou para o lugar onde Zavval tinha ficado, mas daquele senhor do crime Hutt ele só viu a cauda que se contorcia em espasmos. Teroenza tinha se enfiado sob a proteção de uma imensa mesa antiga e acabara relativamente ileso. Quando os escombros terminaram de cair, ele saiu engatinhando de sob a poeira e os destroços da mesa agora rachada. O T’landa Til cambaleou em direção a Han, Bria e Muuurgh – o Togoriano tinha se abrigado sob o batente da porta do apartamento do sacerdote – e uivou, espumando de raiva. Obviamente ainda determinado a se vingar, Teroenza baixou a cabeça, de chifre em riste, e investiu. Han mirou e disparou um tiro no flanco direito, derrubando-o no chão com um grito. Um cheiro nauseante de carne queimada inundou o ar. Um tiro de um dos guardas acertou o chafariz de novo, e pequenos estilhaços de pedra incandescente passaram bem diante do rosto de Han. Um deles se cravou no seu pescoço, e os dedos do piloto ficaram sujos de sangue ao arrancá-lo. Han fez pontaria ao longo do cano da pistola, disparou, e o último guarda caiu, fora de combate. – Vamos! – gritou Han, agarrando Bria e a mochila, enquanto fazia um gesto para Muuurgh. – Vamos cair fora daqui! Escorregando em escombros e tropeçando em corpos, os três ladrões seguiram para as portas duplas. Quando chegaram lá, Han fez um gesto para que os colegas esperassem enquanto ele metia a cabeça cuidadosamente para fora, só para ser recompensado por um tiro que quase lhe arrancou a orelha. – Muuurgh, leve Bria pelo outro lado! – ordenou. – Vá pela porta de Teroenza, e a gente pega eles no fogo cruzado. Na contagem de cinquenta! O Togoriano assentiu com a cabeça e saiu com Bria, deslizando e escorregando de volta pelas ruínas da sala de tesouro; passou por Teroenza, que gemia, e atravessou a porta que levava ao apartamento do sacerdote. Han contou em silêncio. No quinze, enfiou a mão pelo batente da porta e metralhou quatro tiros rápidos, sendo recompensado com um grito de agonia. Menos um guarda... O piloto esperou, ofegando, tentando não tossir com a poeira que ainda enchia o ar. Quarenta e cinco, quarenta e seis, quarenta e sete, quarenta e oito, quarenta e nove... cinquenta! Han mergulhou porta afora, fez um rolamento no corredor e atirou. Raios vermelhos quase lhe acertaram as pernas e a cabeça, mas ele derrubou outro guarda, um Whiphid. Conforme planejado, Muuurgh e Bria disparavam de trás dos guardas, e mais dois caíram. Os dois últimos guardas, um Devaroniano e um Gamorreano, deram no pé e saíram correndo para longe da corelliana e do Togoriano, pulando por sobre Han, que ainda estava caído no chão. O piloto se levantou cambaleante, bem a tempo de ouvir Muuurgh soltar um poderoso urro de batalha e começar a lutar com... quem? Han não conseguia ver ninguém! Será que ele ficou maluco? perguntou-se Han, mas então teve um vislumbre de um olho vermelho-alaranjado, uma boca cheia de dentes, e ouviu um sibilo alto. Viu uma arma de raios sendo chacoalhada, aparentemente no ar, e por fim distinguiu o ser pálido, verruguento e escamoso. Um camaleão! Muuurgh grunhiu e rosnou enquanto atacava o Aar’aa. O Togoriano era tão mais alto que o oponente que quase se dobrava ao meio. Han estremeceu quando Muuurgh caiu de joelhos, agarrando o adversário. A criatura reptiliana era da cor exata das paredes e do piso neutros no corredor mal iluminado. Com um movimento como o bote de uma víbora-graal, o Togoriano cravou as presas na garganta do ser e arrancou. Sangue vermelho alaranjado espirrou no ar. Muuurgh saltou para trás, e Han assistiu, fascinado, enquanto o Aar’aa vacilou, depois caiu, com lentidão pesada, para o chão. Ali esparramado no chão, a criatura reverteu à sua pálida cor natural, um bege acinzentado. Han não precisou olhar duas vezes para saber que estava morta. Bria encarava horrorizada o ponto onde o Aar’aa morto jazia. – Ele quase me pegou – sussurrou ela. – Se não fosse por Muuurgh... – Como foi que você viu ele, chapa? – indagou Han, guardando a pistola no coldre. – Eu não consegui ver nada! – Eu não o vi , eu o farejei – declarou Muuurgh, categórico. – Togorianos caçam com a visão e o faro. Muuurgh é um caçador , lembra? – Obrigado, chapa – disse Han e passou o braço pelos ombros de Bria. – Eu te devo uma. Agora é melhor a gente... – Cuidado! – gritou Bria, e Han se abaixou por instinto. Bria disparou a arma em modo atordoante logo acima da cabeça dele, fazendo seus ouvidos zumbir. Endireitou-se a tempo de ver Ganar Tos desabando lentamente para o chão enquanto uma pistola escorregava de seus dedos verdes. Han foi até o velho mordomo, pegou a pistola e a meteu no cinto. Bria parou ao seu lado. – Eu só consigo pensar que, se você não tivesse voltado hoje, esta noite eu me tornaria a mulher dele – murmurou Bria, estremecendo tão forte que Han lhe deu um abraço tranquilizante. – Ainda bem que você só atordoou ele – comentou Han. – Ele pode até ser um velho tarado nojento, mas como eu poderia culpar ele por ter se sentido atraído por você? – Han sorriu para Bria, com um olhar intenso. Bria olhou para baixo e ficou corada. – Eu não queria me casar com ele, mas fico feliz que não esteja morto. – Bem, eu te devo uma, meu bem. – Não, não deve. Estamos quites. Se não fosse você, eu estaria soterrada por aquele teto lá atrás, que nem o Hutt. – É, temo que o velho Zavval não esteja mais conosco – afirmou Han. – E eu acho que os Hutts vão me culpar por isso. Por um momento, Han se lembrou de Teroenza, que ainda estava vivo, só ferido. Será que ele deveria voltar para acabar com o T’landa Til? A ideia de andar até um senciente indefeso e atirar na criatura a sangue-frio não o agradava. – Vamos dar o fora daqui – decidiu, chamando Muuurgh, que limpava com lambidas o sangue Aar’aa das patas com nojo fastidioso. – Anda logo, Muuurgh, você pode cuidar dos bigodes mais tarde. Não se esqueça que Mrrov está esperando. Os três saíram correndo do centro administrativo e viram que a fábrica de brilhestim ainda lançava faíscas azuis no ar – mas o céu não estava mais negro, e sim mais claro, quase azul. – A aurora não está longe! – exclamou Han. – Vamos lá! O trio disparou a correr pela trilha da selva. Quando chegaram perto do fim, Han acenou para que esperassem enquanto ele esquadrinhava o campo de pouso com cuidado. Não viu nenhum guarda... aparentemente todos eles ainda enfrentavam o incêndio ou estavam no centro administrativo. Mesmo assim, eles avançaram cuidadosamente, com armas de raios em riste, todos os sentidos atentos a movimentos ou sons. Quando Han alcançou a Talismã , digitou com rapidez na tranca o código de acesso que Bria lhe dera, e os três subiram a rampa. A Talismã era um pouco maior que a Sonho Ylesiano , em forma de lágrima, com uma quilha protuberante. Porém, em vez de um porão de carga, a maior parte do interior era dedicada a luxuosos aposentos de passageiros e amenidades. Era dividida e desenhada para os T’landa Til, então apenas a cabine de pilotagem tinha assentos no estilo humanoide. Havia uma pequena cama de tamanho