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Este livro é dedicado à minha amiga Thia Rose. Quando nós tínhamos 12 anos, juramos que seríamos melhores amigas para sempre... ...e, após muitos mais anos do que gostaríamos de contar, ainda somos. Sumário Nota dos editores Agradecimentos Capítulo Um .Sorte de Mercador Capítulo Dois. Sonhos ylesianos Capítulo Três. Pouso de emergência Capítulo Quatro. Muuurgh Capítulo Cinco. Guerras de especiarias Capítulo Seis. Alderaan e de volta outra vez Capítulo Sete. Bria Capítulo Oito. Revelações Capítulo Nove. Achados e perdidos Capítulo Dez. Adeus ao paraíso? Capítulo Onze. Velocidade de escape Capítulo Doze. Togoria Capítulo Treze. Retorno a Corellia Capítulo Catorze. Na pior em Coruscant Capítulo Quinze. Saindo do fogo Epílogo. Renascimento NOTA DOS EDITORES O universo de STAR WARS é infinitamente rico e criativo. Desde 1977, inúmeros planetas, raças alienígenas e personagens vêm despertando a imaginação de fãs do mundo inteiro. A ideia de expandir um universo ficcional, embora não seja nova, ganha novas proporções com STAR WARS. O livro STAR WARS: from the adventures of Luke Skywalker , novelização do Episódio IV da saga, foi lançado em 1976, antes mesmo da estreia do filme no cinema. E, antes do final da trilogia clássica, já existiam diversos quadrinhos e romances, que muitas vezes davam sinais dos caminhos a ser seguidos depois nas telas, ou mesmo, como no caso do livro Splinter of the mind’s eye , de Alan Dean Foster, diferiam completamente da trajetória seguida nas continuações. Esse era apenas um prelúdio da força que o Universo Expandido de STAR WARS acumularia nas décadas seguintes. Embora outras rarefeitas obras tenham sido lançadas no início dos anos 1980, dois marcos importantes deram impulso à saga, projetando-a ao atual ousado projeto transmídia: em 1987, veio o lançamento do RPG STAR WARS: The Roleplaying Game ; em 1991, a publicação de STAR WARS: Herdeiro do Império , de Timothy Zahn. Enquanto a importância do RPG foi estabelecer novos cenários e trazer detalhes do universo de STAR WARS, o livro de Zahn fez história ao ser o primeiro com autorização oficial da Lucasfilm para abordar os acontecimentos posteriores ao Episódio VI. Os personagens e as histórias do livro foram aproveitados por toda uma nova geração de autores, que escreveram centenas de obras a fim de complementar cada vez mais esse universo e saciar a sede dos fãs, especialmente durante o intervalo de quinze anos entre os lançamentos das duas primeiras trilogias no cinema – e também depois. Em 2014, a Lucasfilm lançou o novo conceito de STAR WARS, aplicável a filmes, HQs, livros, videogames e séries televisivas relacionados à franquia, formando um só cânone. Juntos, todos esses registros contam uma única história no universo de STAR WARS, complementando e continuando os filmes lançados no cinema entre 1977 e 2005, além de servirem como preparação para os tão esperados novos filmes, a começar com STAR WARS: O despertar da Força em 2015. Todas as obras publicadas antes de 2014 passam a ser classificadas como Legends : histórias que não serviram como base para o cânone estabelecido pela Lucasfilm para STAR WARS, mas cuja importância e cuja qualidade continuam sendo apreciadas. Participando dessa nova e empolgante fase de STAR WARS, a Editora Aleph pretende lançar todos os romances adultos do novo cânone, bem como uma seleção dos títulos Legends mais relevantes. Convidamos os leitores a embarcar conosco nessa jornada rumo a uma galáxia muito, muito distante. E trata-se de uma viagem que não tem ponto de partida nem direção definidos. Não importa por qual obra você decida começar, seja por uma das novas ou uma das Legends . Temos a certeza de que viverá uma grande aventura. Que a Força esteja com você. EDITORA ALEPH Agradecimentos Escrever para o universo STAR WARS é como se tornar parte de uma comunidade – ou até mesmo de uma família. Os autores são encorajados a ler os livros uns dos outros, e há dúzias de livros de não ficção e técnicos dedicados aos personagens, equipamentos, planetas e assim por diante. Nós, autores, trocamos informações e dicas e nos ajudamos mutuamente sempre que possível. Assim sendo, muitas, muitas pessoas me ajudaram com este livro. Com a advertência de que quaisquer erros que os leitores possam encontrar são só meus, eu gostaria de agradecer às seguintes pessoas: Kevin Anderson, que me deu minha primeira chance de escrever para o universo STAR WARS. Kevin e Rebecca Moesta também me ajudaram com informações sobre o histórico e os personagens de STAR WARS, além de me darem apoio, incentivo e sábios conselhos. Michael Capobianco, meu colega e marido, pelas sessões de brainstorming, pela ajuda na pesquisa, pelos conselhos inteligentes, e por me trazer o jantar quando eu estava ocupada demais escrevendo para perceber que estava com fome. Obrigada, querido. Bill Smith e Peter Schewighofer da West End Games por terem me ajudado a descobrir as respostas para perguntas tão estranhas e exóticas como “que tipo de roupa de baixo Han Solo prefere?”. Eles me “desempacaram” de tais dilemas mais vezes do que posso contar. Tom Dupree e Evelyn Cainto da Bantam Books pela ajuda, conselhos e incentivo. Sue Rostoni e Lucy Autrey Wilson da Lucasfilm pelos “fatos reais”. Michael A. Stackpole, pela ajuda em descobrir como quebrar um raio trator, e outros conselhos relacionados a naves e pilotagem. Steve Osmanski, por ter lido o manuscrito e me oferecido conselhos preciosos sobre coisas “techies”. Como sempre, Kathy O’Malley, amiga e colega de escrita, por segurar minha mão e me dar um ocasional e merecido chute no traseiro. E, é claro, George Lucas, que começou tudo isso. STAR WARS me deixou louca na primeira vez que vi, e foi uma honra dar minha pequena contribuição para a saga. Obrigada de novo, e que a Força esteja com todos vocês. O antiquíssimo transporte de tropas, uma relíquia das Guerras Clônicas, pairava silencioso e aparentemente abandonado em órbita sobre o planeta Corellia. As aparências enganam, porém. A velha nave da classe libertador, outrora batizada de Guardião da República , agora vivia uma nova existência como Sorte de Mercador . O interior tinha sido inteiramente estripado e reformado com um sortimento heterogêneo de alojamentos, e agora continha quase uma centena de seres sencientes, muitos deles humanoides. Naquele momento, porém, apenas alguns deles estavam acordados, já que era o meio do ciclo de repouso. Havia um turno de serviço na ponte, é claro. A Sorte de Mercador passava muito de seu tempo em órbita, mas ainda era capaz de viajar pelo hiperespaço, mesmo que fosse lenta para os padrões modernos. Garris Shrike, o líder do “clã” frouxamente unido de mercadores que vivia na Sorte , era um capataz rígido, que seguia protocolos navais formais. Então sempre havia um turno de serviço na ponte. As ordens de Shrike a bordo da Sorte eram sempre cumpridas, pois ele não era um homem a ser confrontado sem um bom motivo e uma pistola carregada. Governava o clã de mercadores como um déspota não tão benevolente. Um sujeito magro de altura mediana, Garris era bonito de uma forma durona. As mechas de cabelo branco-prateado acima das têmporas acentuavam os cabelos negros e os olhos azul-gelo. Tinha lábios finos e raramente sorria; jamais por bom humor. Garris Shrike era um exímio atirador e tinha passado a juventude como caçador de recompensas. Havia abandonado essa carreira, porém, devido ao “azar”; ou seja, sua falta de paciência tinha lhe feito sacrificar as recompensas mais polpudas, reservadas para entregas vivas. Corpos mortos frequentemente valiam muito menos. Entretanto, Shrike era dono de um senso de humor doentio, especialmente no que dizia respeito ao sofrimento alheio. Quando estava ganhando no jogo, era sujeito a surtos de alegria maníaca, especialmente se também estivesse bêbado. Que era como ele estava naquele momento. Sentado à mesa no antigo alojamento de oficiais alistados, Shrike jogava sabacc e virava canecas da poderosa cerveja de Alderaan, suabebida favorita. Shrike espiou suas cartas chipadas, calculando mentalmente. Deveria ele manter aquela mão, na esperança de completar um sabacc puro? A qualquer momento, o crupiê poderia apertar um botão e os valores de todas as cartas mudariam. Se isso acontecesse, ele estaria perdido, a não ser que comprasse mais duas cartas e jogasse a mão quase toda no campo de interferência no centro da mesa. Um dos outros jogadores, um imenso Elomin, virou a cabeça com presas e deu uma olhada para trás subitamente. Havia uma luz piscando num dos painéis auxiliares de status. O enorme ser peludo grunhiu, depois comentou em língua básica gutural: – Tem alguma coisa estranha com o sensor da tranca do arsenal, capitão. Shrike insistia em manter protocolo e cadeia de comando “apropriados”, especialmente no que se aplicasse a ele mesmo. A não ser que estivesse metido em alguma aventura em terra firme, sempre vestia uniforme militar dentro da Sorte; um uniforme que ele mesmo tinha desenhado, com base no traje de gala de um moff de alta patente. Era cheio de “medalhas” e “condecorações” que Shrike tinha colecionado em casas de penhores pela galáxia. Agora, ao ouvir o aviso do Elomin, ele ergueu os olhos embaçados, esfregou- os, depois se endireitou e largou as cartas chipadas na mesa. – O que foi, Brafid? O gigante franziu o focinho dentuço. – Não sei direito, capitão. Agora está normal, mas alguma coisa piscou, como se a tranca tivesse dado curto por um segundo. Deve ter sido só uma flutuação de força momentânea. O capitão se levantou com graça e coordenação incomuns, que não foram prejudicadas pelo “uniforme” extravagante, e contornou a mesa para avaliar os indicadores. Todos os sinais de embriaguez desapareceram. – Não foi uma flutuação de força – decidiu depois de um momento. – Foi outra coisa. Em seguida, o capitão se dirigiu ao humano alto e corpulento à sua esquerda. – Larrad, dê uma olhada nisto. Alguém deu curto na tranca e colocou uma simulação para nos fazer achar que era só uma flutuação de força. Temos um ladrão a bordo. Todo mundo armado? Larrad, que calhava de ser o irmão de Garris, Larrad Shrike, deu tapinhas no coldre na perna e assentiu com a cabeça. Brafid, o Elomin, apontou o “formigador”, um aguilhão elétrico que era sua arma preferida, embora o alienígena peludo fosse grande o bastante para pegar a maioria dos humanoides e parti-los ao meio em seu joelho. A outra pessoa presente, uma Sullustana que trabalhava como a navegadora da Sorte , levantou-se e mostrou a arma de raios de tamanho reduzido que portava. – Pronta para a ação, capitão! – guinchou ela. Apesar de ser baixinha, com bochechas caídas e grandes olhos brilhantes e belos, Nooni Dalvo parecia ser quase tão perigosa quanto o imenso Elomin, que era seu melhor amigo a bordo. – Ótimo – resmungou Shrike. – Nooni, vá colocar um guarda no arsenal, para o caso de o ladrão voltar. Larrad, ative os biossensores, veja se você consegue identificar o larápio e para onde ele vai. O irmão de Shrike fez que sim com a cabeça e se curvou sobre o painel de controle auxiliar. – Humano corelliano – anunciou depois de um momento. – Homem. Jovem. Altura: 1,8 metro. Cabelos e olhos escuros. Físico esguio. O biossensor o reconhece. Ruma para a popa, em direção à cozinha. A expressão de Shrike se endureceu até que seus olhos estavam tão frios e azuis quanto as geleiras de Hoth. – O moleque Solo – disse ele. – É o único metido o bastante para tentar uma coisa dessas. – O capitão flexionou os dedos e depois os cerrou num punho. Seu anel, feito de uma gema solitária de veneno-de-sangue devaroniano, reluziu num prateado baço sob as luzes da antepara. – Bem, peguei leve com ele até agora, porque ele manda bem no swoop, e eu nunca perdi apostando nele, mas agora chega. Esta noite vou ensinar esse garoto a respeitar a autoridade, e ele vai se arrepender de ter nascido. Shrike exibiu os dentes, muito mais brilhantes que a gema do anel. – Vai se arrepender também do dia que eu o “encontrei” dezessete anos atrás e trouxe seu traseiro de fedelho chorão de fralda molhada para a Sorte. Sou um homem paciente, tolerante... – Ele suspirou dramaticamente. – ... como a galáxia bem sabe, mas até eu tenho meus limites. Deu uma olhada no irmão, que parecia bem constrangido. Garris se perguntou se Larrad estaria se lembrando da última sessão de castigo do moleque Solo um ano antes. O garoto tinha ficado dois dias sem poder andar. Shrike cerrou os lábios. Ele não toleraria nenhum tipo de brandura em seus subordinados. – Certo, Larrad? – indagou ele, baixo demais. – Certo, capitão! Han Solo segurou a arma de raios roubada enquanto se esgueirava pelo estreito corredor de metal. Quando plugou o simulador e forçou a tranca do armário de arsenal, teve apenas um momento para enfiar a mão e agarrar a primeira arma que tocou. Não houve tempo para avaliar e escolher. Nervoso, o rapaz afastou as mechas de cabelo castanho úmidas que caíam sobre sua testa e percebeu que estava suando. A arma parecia pesada e desajeitada em suas mãos enquanto ele a examinava. Han raramente pegara numa arma antes, e só sabia como conferir a carga porque tinha lido sobre isso. Nunca tinha disparado um tiro. Garris Shrike não permitia que ninguém além de seus oficiais andasse armado. O jovem piloto de swoop estreitou os olhos na penumbra, abriu um pequeno painel na parte mais grossa do cano e espiou as leituras. Ótimo. Carga completa. Shrike pode ser um valentão e um idiota, mas sabe como manter uma nave organizada. Solo não admitiria nem mesmo para si o quanto ele realmente temia e odiava o capitão da Sorte de Mercador . Tinha aprendido há muito tempo que demonstrar qualquer tipo de medo era garantia de uma surra rápida, ou coisa pior. A única coisa que os valentões e os idiotas respeitavam era coragem; ou, pelo menos, bravatas. Então Han Solo tinha aprendido a nunca deixar que o medo emergisse em sua mente ou coração. Havia momentos em que ele ficava vagamente ciente de que ele estava lá, bem no fundo, enterrado sob camadas de dureza das ruas, porém, sempre que reconhecia o sentimento pelo que realmente era, Han o enterrava ainda mais fundo, com vontade. Como teste, ele levou a arma de raios até a altura dos olhos e desajeitadamente fechou um olho castanho, enquanto espiava ao longo do cano. O bocal da arma oscilou de leve, e Han praguejou baixinho ao perceber que a mão estava tremendo. Qual é, disse a si mesmo, mostre que tem uma espinha dorsal, Solo. Cair fora desta nave e escapar de Shrike valem um pouco de risco. Deu uma olhada para trás por reflexo, depois se virou bem a tempo de se abaixar para passar sob um conduíte de energia que pendia baixo. Tinha escolhido esta rota porque ela evitava todos os alojamentos e áreas recreativas, mas era tão estreita e baixa que Han começava a se sentir claustrofóbico enquanto avançava pé ante pé, resistindo à vontade de ficar olhando para trás. Adiante, o túnel se alargava e Han percebeu que estava quase em seu destino. Só mais alguns minutos , disse a si mesmo. Ele se movia com uma graça furtiva que tornava seu progresso tão silencioso quanto as almofadinhas peludas nas patas de um wonat. Ele estava contornando os módulos de hiperespaço naquele momento e depois chegaria a um corredor transversal maior. Han virou à direita, aliviado em poder andar ereto. Esgueirou-se até a porta da cozinha principal e hesitou do lado de fora, prestando atenção em cheiros e ruídos. Ruídos... sim, apenas aquele que ele esperava escutar. A algazarra das panelas, o spluuuush da massa sendo esmurrada e, por fim, os suaves sons dela sendo sovada. Dava para sentir o cheiro da massa. Pão wastril, o favorito dele. Han espremeu os lábios. Com sorte, ele não estaria aqui para comer nenhum pão dessa fornada em particular. Meteu a arma de raios no cinto, abriu a porta e entrou na cozinha. – Ei... Dewlanna... – chamou ele em voz baixa. – Sou eu. Vim me despedir. A criatura alta e peluda que estava sovando vigorosamente a massa de wastril girou para o rapazcom um grunhido suave e inquisitivo. O nome completo de Dewlanna era Dewlannamapia, e ela tinha sido a melhor amiga de Han desde que viera morar a bordo da Sorte de Mercador há quase 10 anos, quando Han tinha mais ou menos 9. (O jovem piloto de swoop obviamente não fazia ideia de quando tinha nascido. Ou quem foram seus pais. Se não fosse por Dewlanna, ele não saberia nem que seu sobrenome era “Solo”.) Han não conseguia falar wookiee; tentar reproduzir os grunhidos, rosnados, latidos e rugidos deixava sua garganta dolorida, e ele sabia que soava ridículo; mas entendia muito bem. Por sua vez, Dewlanna não conseguia falar a língua básica, mas a compreendia tão bem quanto a própria língua. Assim sendo, a comunicação entre o jovem humano e a idosa viúva Wookiee era fluente, mas... diferente. Han tinha se acostumado à situação fazia anos e nem pensava mais no assunto. Ele e Dewlanna simplesmente... conversavam. Entendiam um ao outro perfeitamente. Agora ele ergueu a pistola roubada, tomando o cuidado de não apontá-la à amiga. – Sim – respondeu ele à pergunta de Dewlanna. – É esta noite. Vou embora da Sorte de Mercador e não volto nunca mais. Dewlanna ribombou de volta preocupada enquanto voltava automaticamente a sovar a massa. Han balançou a cabeça, lhe dando um sorriso torto. – Você se preocupa demais, Dewlanna. Claro que eu planejei tudo. Estou com um traje espacial escondido num armário perto das docas de cargueiros- robô, e tem uma nave atracada lá agora que vai partir assim que terminar de descarregar e reabastecer. Um cargueiro-robô, que vai rumar para onde eu quero ir. Dewlanna socou a massa, depois grunhiu uma pergunta. – Vou para Ylesia – contou Han. – Lembra que eu lhe contei tudo sobre esse lugar? É uma colônia religiosa perto do território Hutt, e eles oferecem aos peregrinos santuário do universo exterior. Lá eu estarei a salvo de Shrike. E... – Ele ergueu um pequeno holodisco para que a cozinheira Wookiee pudesse ver. – Veja só isso! Eles puseram um anúncio procurando um piloto! Já usei o resto dos créditos da minha porção daquele último serviço que a gente fez para mandar a mensagem, avisando que vou fazer uma entrevista pelo emprego. Dewlanna rugiu baixinho. – Ei, não posso aceitar isso – protestou Han, assistindo enquanto a cozinheira colocava os pães nas formas e então na grade termal, para que assassem. – Vou ficar bem. É só surripiar alguns créditos a caminho da nave-robô. Não esquenta, Dewlanna. A Wookiee o ignorou e atravessou rapidamente a cozinha, um vulto peludo e um pouco curvado que se movia com agilidade, apesar da idade avançada. Dewlanna tinha quase 600 anos, pelo que Han sabia. Velha até para um Wookiee. Ela desapareceu pela porta do seu alojamento particular e então, um momento depois, ressurgiu segurando uma bolsa trançada de algum material sedoso que poderia até, pela aparência, ser de pelo de Wookiee. Dewlanna estendeu a bolsa para Han com um queixume insistente. Han balançou a cabeça de novo e colocou as mãos para trás de forma infantil. – Não – retrucou com firmeza. – Não vou levar suas economias, Dewlanna. Você precisa desses créditos para comprar uma passagem e me encontrar depois. A Wookiee inclinou a cabeça para o lado e fez um ruído curto e inquisitivo. – É claro que você vai me encontrar! – insistiu Han. – Você não acha que eu vou deixar você apodrecendo aqui nessa lata velha, né? Shrike fica mais maluco a cada ano, e ninguém está a salvo a bordo da Sorte . Depois que eu chegar a Ylesia e me assentar, vou mandar buscar você. Ylesia é um retiro religioso, e eles oferecem asilo aos peregrinos. Shrike não poderá nos tocar por lá. Dewlanna botou a mão dentro da bolsa, usando os dedos surpreendentemente ágeis para selecionar as fichas de créditos, e por fim entregou várias ao jovem amigo. Com um suspiro, Han se rendeu e as aceitou. – Certo... tudo bem. Mas isto é só um empréstimo, combinado? Eu vou pagar você. Os sacerdotes Ylesianos estão oferecendo um bom salário. Ela concordou com um grunhido e em seguida, sem aviso, usou a pata imensa para agitar os cabelos do rapaz, deixando-os eriçados em completa bagunça. – Ei! – exclamou Han. Cafunés de Wookiees não eram moleza. – Eu acabei de pentear o cabelo! Dewlanna grunhiu, divertida, e Han se endireitou indignado. – Eu não fico mais bonito relaxado. Já falei para você que o termo “relaxado” não é um elogio para os humanos. Han encarou a amiga, e sua indignação desapareceu conforme ele percebeu que esta seria a última vez em um longo tempo que veria aquele amado rosto peludo e os gentis olhos azuis. Dewlanna tinha sido sua amiga mais próxima – e frequentemente sua única amiga – por tanto tempo. Deixá-la era difícil, muito difícil. Num impulso, o jovem corelliano se jogou contra a calorosa e sólida amiga, abraçando-a com força. Sua cabeça batia no meio do peito dela. Han se lembrava de quando mal alcançava a cintura. – Vou sentir saudades suas – afirmou ele, o rosto abafado contra o pelo e os olhos ardendo. – Você se cuide, Dewlanna. Ela rugiu baixinho, e os longos braços peludos o envolveram quando ela devolveu o abraço. – Ora, se esta não é uma cena tocante – comentou uma voz fria e familiar demais. Han e Dewlanna ficaram paralisados, e depois giraram para encarar o homem que entrou pelo alojamento da Wookiee. Garris Shrike estava encostado na porta, seus belos traços formando um sorriso que fez o sangue de Han gelar nas veias. Ao seu lado, ele sentiu Dewlanna estremecer, de medo ou talvez de ódio. Dois outros tripulantes, Larrad Shrike e Brafid, o Elomin, estavam atrás de Shrike. Han cerrou o punho em frustração. Se fosse apenas Shrike, ele teria podido tentar atacar o capitão da Sorte . Com Dewlanna para ajudar, os dois talvez conseguissem subjugar Garris, porém, com Larrad e o Elomin presentes, não teriam chance. Han estava muito ciente da pistola roubada enfiada no cinto. Por um momento, considerou sacá-la, mas abandonou a ideia. Shrike era conhecido por ser rápido no gatilho. Não teria a menor chance de batê-lo, e poderia acabar provocando as mortes dele e de Dewlanna. Shrike estava claramente enfurecido. Han lambeu os lábios secos. – Escute, capitão – começou ele. – Eu posso explicar... Shrike se endireitou e estreitou os olhos. – Você pode explicar o quê , seu traidorzinho covarde? O roubo à sua família? A traição àqueles que confiaram em você? A facada que você deu nas costas do seu benfeitor, seu ladrãozinho chorão? – Mas... – Estou cansado de você, Solo. Fui tolerante até hoje por causa da sua habilidade incrível como piloto de swoop, e todos aqueles créditos de premiação vieram a calhar, só que a minha paciência se esgotou. – Shrike enrolou cerimoniosamente as mangas do extravagante uniforme, depois cerrou as mãos em punhos. A luz artificial da cozinha fez o anel de gema de sangue brilhar num prateado baço. – Vamos ver o que alguns dias enfrentando envenenamento de sangue devaroniano farão com sua atitude; além de alguns ossos quebrados, talvez. Estou fazendo isso pelo seu próprio bem, moleque. Algum dia você vai me agradecer. Han engoliu em seco de terror quando Shrike começou a se aproximar. Tinha agredido o capitão mercador uma única vez antes, há dois anos, quando se sentira arrogante depois de vencer o vale-tudo de gladiadores em Jubilar; e se arrependera imediatamente. A velocidade e força do golpe de resposta de Garris tinham jogado sua cabeça para trás e ferido seus lábios tão completamente que Dewlanna fora forçada a alimentá-lo com mingau por uma semana até sararem. Com um rosnado, Dewlanna deu um passo à frente. A mão de Shrike caiu na pistola. – Você fique fora desta, Wookiee velha – retrucou ele com tanta ferocidade quanto Dewlanna. – Sua comida não é tão boa assim. Han segurou o braço peludo da amiga e tentou detê-la. – Dewlanna, não! Ela se soltou do rapaz como se ele fosse um inseto irritante e rugiu para Shrike. O capitão sacou a pistola de raios, e o caos irrompeu. – Nãããoo! – gritou Han. O rapaz saltou em seguida, com o pé estendido parafrente numa velha técnica de luta de rua. O peito do pé acertou solidamente o esterno de Shrike. O capitão perdeu o fôlego num grande houf! enquanto caía para trás. Han rolou ao aterrissar. Um disparo de formigador passou fervendo de raspão pela sua orelha. – Larrad! – ofegou o capitão enquanto Dewlanna vinha para cima dele. O irmão de Shrike sacou a arma de raios e a apontou contra a Wookiee. – Pare, Dewlanna! Suas palavras foram tão inúteis quanto as de Han. O sangue de Dewlanna fervia; ela estava possuída pela fúria guerreira wookiee. Com um rugido que ensurdeceu os combatentes, ela agarrou o pulso de Larrad e deu um puxão, girando-o e lhe dando um tranco numa paródia terrível do gesto de chicotear. Han ouviu um crunch misturado a vários pops enquanto tendões e ligamentos cediam. Larrad Shrike berrou, um grito agudo e estridente tão cheio de dor que o braço do jovem corelliano doeu em solidariedade. Han pegou a pistola no cinto e disparou um tiro brusco contra o Elomin que saltava para frente, com o formigador em riste e apontado para o abdome de Dewlanna. Brafid uivou e soltou a arma. Han ficou espantado de ter conseguido acertar, mas não teve muito tempo para se maravilhar com sua mira precisa. Shrike se levantava cambaleante com a pistola na mão, mirando diretamente na cabeça de Han. – Larrad? – gritou ele para o amontoado de agonia que era seu irmão. Larrad não respondeu. Shrike engatilhou a pistola e chegou mais perto de Han. – Pare, Dewlanna! – rosnou o capitão para a Wookiee. – Ou seu amiguinho Solo vai morrer! Han largou a arma e ergueu as mãos num gesto de rendição. Dewlanna se deteve onde estava e grunhiu baixinho. Shrike firmou a arma e o dedo tencionou o gatilho. Suas feições estavam marcadas por um ódio puro e malévolo. Então ele sorriu, seus pálidos olhos azuis cintilando com alegria brutal. – Pelos crimes de insubordinação e ataque ao seu capitão – anunciou ele –, eu o sentencio à morte, Solo. Que você apodreça em todos os infernos que já existiram. Han ficou paralisado, esperando o raio que o fritaria a qualquer momento, mas Dewlanna rugiu, empurrou Han para o lado e saltou contra Shrike. O raio de energia da pistola a acertou em cheio no peito, e a Wookiee desabou num monte de pelo chamuscado e carne queimada. – Dewlanna! – gritou Han em agonia. Com uma velocidade que ele não sabia ter, o rapaz mergulhou sobre Shrike e acertou com força os joelhos do capitão. Shrike foi atirado para trás de novo, e desta vez sua cabeça bateu com violência no convés. Ele desmaiou. Han engatinhou até a amiga e a virou gentilmente, vendo o grande buraco que o raio da pistola tinha aberto em seu peito. Soube imediatamente que a ferida era mortal. Nenhum droide médico já construído seria capaz de curar aquilo. Dewlanna gemeu, arquejou e lutou com toda sua força wookiee para respirar. Han passou os braços sob os ombros dela e tentou facilitar sua luta. Os olhos azuis dela se abriram e, depois de um momento, se fixaram nos dele. A lucidez retornou, e Dewlanna reverberou baixinho. – Não, não vou deixar você! – respondeu Han, agarrando-a com mais força. As lágrimas borravam-lhe a visão, e ela nadava abaixo do rapaz num mar de pelos castanhos. – Não me importo mais em fugir! Ah, Dewlanna... Com grande esforço, ela ergueu uma imensa pata-mão peluda e segurou o braço do rapaz. Han fez um esforço para traduzir o que ela dizia. – Eu sei – soluçou Han, falando alto para que ela soubesse que ele tinha entendido. – Sei que você me ama... – Ela ribombou de novo. – ... tanto quanto ama seus próprios filhos. Han engoliu, a garganta apertada e dolorida. – Eu também me sinto assim, Dewlanna. Você vai sempre ser a mãe que eu não tive. Um longo gemido de angústia a fez estremecer. Ela ribombou mais uma vez. – Não – insistiu Han. – Não vou deixar você. Vou ficar aqui até... até... – Ele não conseguiu terminar a frase. Dewlanna agarrou o braço dele com uma ressurgência de sua velha força e rosnou para Han com urgência. – Se eu... – Han estava com dificuldades para entender a fala pastosa dela. – Se eu morrer... nada? Ah, você está dizendo que, se eu não viver, você terá morrido por nada? Ela concordou com a cabeça. Em meio ao ninho de pelos, os olhos de Dewlanna sustentavam o olhar de Han com toda a intensidade que ela conseguiu reunir. Han balançou a cabeça com teimosia. Como ele poderia abandoná-la para morrer sozinha? Dewlanna roncou baixinho, de leve. – Sim, eu sei que você ficará bem, reunida ao poder vital – concordou Han, tentando soar sincero. Sabia que os Wookiees acreditavam num poder que unia toda a existência. Pessoalmente, ele achava que esse poder (ele nunca tinha conseguido traduzir o termo precisamente; a palavra wookiee poderia significar “potência” ou “força”) em que Dewlanna acreditava com tanta firmeza não passava de superstição. Porém, se fosse um conforto para ela acreditar naquilo em seus momentos finais, Han não discutiria. Lembrou-se das palavras que ela tinha lhe dito tantas vezes. – Dewlanna, que o poder vital esteja com você... – Por um momento ele desejou que também pudesse acreditar... Ela gemeu de dor. Han percebeu que ela se ia rapidamente. Então Dewlanna ribombou fracamente, e mais uma vez ele traduziu automaticamente. – Seu último pedido... – Ele engasgou, mal capaz de pronunciar as palavras. – Você quer que eu... me vá... para viver. E para ser... feliz. Han fez um esforço para não irromper em lágrimas. – Tudo bem – concordou ele. – Eu vou. Ainda tenho tempo para embarcar naquela nave-robô antes que ela decole. Dewlanna ganiu fracamente. – Eu prometo – concordou ele, com a voz falhando. – Vou agora. E juro que sempre me lembrarei de você, Dewlanna. Ela já não conseguia dizer mais nada, mas ele tinha certeza de que a amiga o ouvira. Han a deitou gentilmente no convés, depois se levantou e pegou a pistola. Então, depois de lançar um último olhar a Dewlanna, Han Solo se virou e saiu correndo pela porta. Seus passos ecoavam enquanto ele corria pelos corredores da Sorte de Mercador , pois aquele não era mais o momento de ser furtivo. Ele tinha que alcançar o vão de atracagem e aquele cargueiro-robô ylesiano! Han não fazia ideia de quando a nave partiria da Sorte , mas o cronograma de carga e descarga postado para os estivadores espaciais tinha listado o cargueiro como estando pronto para partir assim que os droides terminassem de reabastecê-lo. E, quando Han surrupiara e escondera o traje espacial, eles tinham acabado de iniciar o processo. A Sonho Ylesiano poderia partir a qualquer momento! Ofegante, Han saiu correndo para a escotilha, os pés batendo nos conveses que tinham sido seu playground desde que ele se entendera por gente. Ao longe, o rapaz ouviu vozes sonolentas, misturadas a gritos e ordens. Não posso deixar que eles me peguem. Shrike vai me matar. Essa certeza concedeu velocidade aos seus pés. Han derrapou pela curva final e agarrou o traje espacial que tinha ocultado atrás de alguns equipamentos de reabastecimento. O capacete pendeu sobre o braço e bateu na barriga dele enquanto o rapaz digitava apressadamente o código roubado no teclado da porta da escotilha. Segundos se passaram. Os sons de perseguição ficavam mais altos. Porém, eles certamente pensariam que Han tinha fugido para o convés das naves auxiliares ou mesmo para as cápsulas de fuga. Ninguém adivinharia que ele seria louco o bastante para tentar embarcar clandestinamente num cargueiro-robô. Ou, pelo menos, era com isso que ele contava... A escotilha se abriu. Han pulou para dentro, fechou a porta de pressão e começou a vestir o traje espacial. Conferiu o suprimento de ar. Cheio. Ótimo. Originalmente, tinha planejado trazer alguns tanques de ar adicionais, mas não ousava correr o risco de sair. O tanque do traje duraria dois dias. Deveria bastar, a não ser que a Sonho fosse um cargueiro particularmente lento. Já que a nave era automatizada, o rapaz não teria como descobrir qual rota seguiria, ou qual velocidade fora programada. Han fez uma careta. Só um homem desesperadousaria esse método de fuga. E ele estava realmente desesperado. Esperava apenas não chegar morto em Ylesia por ter ficado sem ar. Vamos ver... rações... confere. Tanque de água... cheio. Ótimo. Mais um resultado da insistência do capitão Shrike em manter todo o equipamento da nave em perfeita ordem. Han arrastou o traje por sobre os braços do seu macacão cinzento de tripulante e fechou o selo frontal. Pegou o capacete, desajeitado por conta das luvas, e o colocou sobre a cabeça. Era quase inteiramente de vidrine, e Han conseguia ver em todas as direções, menos diretamente atrás de si. Uma fileira de holoindicadores corria pela base do capacete, informando os sinais vitais, a quantidade de ar restante e todos os outros dados necessários para a sobrevivência. Han poderia “falar” com o traje de forma limitada ao apertar a alavanca de comunicação com o queixo e dar instruções relacionadas à temperatura, mistura de ar, e coisas do gênero. Certo, é agora ou nunca , pensou o rapaz enquanto seguia até a escotilha de conexão e digitava a sequência final para equalizar a pressão entre a câmara estanque e a Sonho Ylesiano. Ouviu o leve sibilo do ar sendo esvaziado da câmara. A Sonho , sendo automatizada, não precisava de ar para operar. A nave conteria apenas vácuo. Finalmente, a escotilha se abriu e Han entrou. A nave estava lotada de equipamento e carga, e os corredores eram bem estreitos. A Sonho não fora construída para acomodar uma tripulação viva, apenas para manutenção de rotina, e Han teve que se virar de lado para se espremer. O jovem ficou grato por um instante que toda a engenharia padrão fosse pensada para funcionar com gravidade. De outra forma, ele poderia ter sido obrigado a lidar com zero g, e isso teria sido um enorme aborrecimento. Han tinha saído da Sorte de Mercador em traje espacial com as equipes de solda várias vezes desde que fora considerado velho o bastante para serviços perigosos na nave, flutuando no espaço, atado à nave só por um cordão umbilical aparentemente frágil. Tinha sido meio empolgante nas primeiras vezes, mas Han não era lá muito fã de ficar sem peso, e logo tinha aprendido a nunca olhar para “baixo”. Não ver nada além de espaço sob os pés por anos-luz sem conta bastava para fazer sua cabeça girar. Han partiu em direção à “ponte”, concluindo que seria onde encontraria o maior espaço vazio. Chegou lá rapidamente; a Sonho era uma nave pequena. Se a listagem de carga estivesse correta, ela tinha trazido uma remessa de especiaria brilhestim de primeira e partiria com um estoque de componentes eletrônicos corellianos de alta qualidade, que poderiam ser usados em manutenção industrial. Han se perguntou por um instante quem Garris Shrike tinha subornado para poder receber um carregamento de especiaria. A substância era controlada rigidamente pela maioria dos governos planetários, e também pela comissão de comércio imperial. Virou-se de lado para entrar na ponte e ficou paralisado. O que, em nome de todos os Filhos de Barab, um droide astromec está fazendo na ponte? Todo mundo sabia que droides não pilotavam naves sozinhos, então ele não poderia ser o “capitão”. Han fez uma careta dentro do capacete de vidrine. O droide deveria estar ali como algum tipo de alarme antirroubo, um sofisticado dispositivo de comunicação para ajudar a deter ladrões portuários ou piratas espaciais. Han sabia que uma das razões pelas quais os sacerdotes Ylesianos estavam ansiosos para contratar um piloto – preferencialmente um corelliano, disse o anúncio deles – era o fato de estarem perdendo naves-robô para piratas. Enquanto estava ali parado, torcendo para que o droide não tivesse percebido sua presença, o rapaz sentiu a Sonho estremecer. Estamos desatracando! Preciso me preparar para o impulso de separação! Com velocidade, Han se afastou da ponte e voltou ao compartimento de carga. Finalmente encontrou o que procurava, e bem a tempo. Um espaço pequeno onde pudesse se sentar, do tamanho certo para que ele encolhesse as pernas e as abraçasse. A Sonho estremeceu de novo e de novo. Mentalmente, Han visualizou as braçadeiras de atracação se soltando, uma de cada vez. Falta só mais uma, e então... A nave estremeceu uma última vez, depois deu um solavanco violento. Como a Sonho não deveria ter tripulantes, podia usar padrões de aceleração muito mais brutos que aqueles empregados por uma nave com ocupantes vivos. Wham! O corpo de Han sofreu um tranco, então ele se segurou contra o impacto da aceleração violenta. A Sonho tinha desatracado e agora zarpava! Han visualizou a nave se propelindo para longe da Sorte de Mercador , fora do abraço do campo gravitacional de Corellia. Fechou os olhos e imaginou seu mundo natal girando preguiçosamente contra o pano de fundo das estrelas. Corellia era um belo planeta, com estreitos mares azuis, florestas marrons e verdes, desertos beges e grandes cidades. O lado noturno cintilava como um drone de batalha cravejado de luzes... O impulso mais brutal de aceleração o atingiu então, e Han ficou desconfortavelmente preso contra o contêiner de carga. Fizemos o salto para a velocidade da luz , percebeu ele. Momentos depois, enquanto a velocidade da nave se estabilizava, ele conseguiu se mover de novo. Flexionou os braços e as pernas e fez uma careta ao sentir os hematomas. São da luta na cozinha, entendeu. Com isso se lembrou de Dewlanna com uma tristeza súbita e visceral. As lágrimas arderam em seus olhos, e ele tentou contê-las com ferocidade. Chorar num traje espacial era uma péssima ideia, já que você não poderia enxugar o rosto. Han fungou e piscou na tentativa de bloquear as lágrimas. Dewlanna... pensou. Sua amiga tinha dado a vida para que ele tivesse aquela chance. Controle-se, Solo, ordenou a si mesmo com severidade. A garganta doía, mas Han engoliu com força e mordeu o lábio até a vontade de chorar se ir. Não conseguia lembrar a última vez que tinha chorado, e qual seria a utilidade? Não traria Dewlanna de volta... Han sabia que Dewlanna acreditava numa pós-vida do espírito. Se ela estivesse certa quanto a isso, então talvez pudesse ouvi-lo agora. – Ei, Dewlanna – sussurrou Han. – Eu consegui. Caí na estrada. Estou indo para Ylesia e lá me tornarei o melhor piloto do setor. Vou aprender o bastante e faturar o bastante para me candidatar à Academia, do jeito que a gente sempre sonhou. Estou livre, Dewlanna. – A voz dele falhou. Estamos seguros, Dewlanna. Shrike não pode nos tocar agora... Encravado em sua pequena fresta, o jovem piloto sorriu com determinação implacável. Estou livre e devo tudo a você. Jamais me esquecerei, também. Se algum dia tiver uma chance de pagar essa dívida ajudando alguém do seu povo, juro por tudo que há lá fora – qualquer deus, poder-vital ou força – que não vou hesitar. Han Solo inspirou profundamente uma golfada de ar enlatado de traje espacial. – Obrigado, Dewlanna – sussurrou. Onde quer que ela estivesse agora, Han esperava que ela pudesse ouvi-lo. Quando Han acordou do sono exausto, ficou completamente desorientado a princípio. Onde estou? , perguntou-se grogue. A memória voltou de supetão em imagens rápidas e violentas: a mão dele segurando uma pistola de raios... o rosto de Shrike retorcido com ódio e fúria... Dewlanna, ofegante, morrendo sozinha... Engoliu em seco, com a garganta doendo. Dewlanna havia sido parte de sua vida desde que ele era só um garotinho de 8, talvez 9 anos. Han se lembrava do dia em que a Wookiee tinha embarcado com seu companheiro, Isshaddik. Ele havia sido expulso do planeta natal dos Wookiees por algum crime que Dewlanna nunca tinha revelado. Ela seguira o companheiro ao exílio, deixando para trás tudo que já conhecera; seu lar e seus filhotes crescidos. Mais ou menos um ano depois, Isshaddik fora morto durante uma missão de contrabando a Nar Hekka, um dos mundos no setor Hutt. Shrike anunciou a Dewlanna que ela poderia ficar a bordo da Sorte de Mercador como cozinheira, já que o capitão tinha passado a gostar da comida que ela preparava. Dewlanna poderia ter voltado aKashyyyk; afinal, ela não tinha cometido crime nenhum, mas decidiu ficar na Sorte . Por minha causa , pensou Han enquanto localizava o canudo de acesso à água no capacete e dava um gole cuidadoso. Depois pegou duas bolinhas de ração com a língua e as engoliu com outro gole. Não era a mesma coisa que comida de verdade, mas daria para o gasto pelo dia... Ela ficou por minha causa. Queria me proteger de Shrike... Han suspirou, sabendo que era verdade. Wookiees estavam entre os companheiros mais leais e firmes da galáxia, ou pelo menos assim ele tinha ouvido. Lealdade e amizade wookiee não eram concedidas facilmente, porém, uma vez dadas, jamais vacilavam. O rapaz se reclinou na alcova e conferiu o tanque de ar. Restavam três quartos. Han se perguntou quão longe a Sonho teria viajado enquanto ele dormia. Em alguns minutos, ele iria à sala de controle ver se era capaz de decifrar os instrumentos do piloto automático. A mente de Han vagueou de volta no tempo, recordando Dewlanna com tristeza. Depois, conforme ele relaxava, sua memória se perdeu em dias ainda mais distantes. Sua primeira memória “real” – todo o resto se resumia a fragmentos sem sentido, pedaços de imagens velhas e distorcidas demais para significar alguma coisa – era do dia que Garris Shrike o trouxera para “casa” na Sorte de Mercador... O menininho estava encolhido na boca de um beco úmido e imundo, tentando não chorar. Ele já era muito grande para chorar, não era? Mesmo que estivesse com frio, com fome e sozinho. Por um momento, ele se perguntou por que estava sozinho, mas foi como se uma imensa porta de metal se fechasse sobre aquele pensamento, trancando tudo detrás dela. Do outro lado da porta havia perigo, do outro lado da porta havia... coisas ruins. Dor, e... e... O menino sacudiu a cabeça e seus cabelos escorridos e sujos caíram desordenados em seu rosto. Ele os afastou com a mão que era tão encardida de sujeira que sua cor de pele natural mal era visível. Vestia apenas calças esfarrapadas e uma túnica sem mangas rasgada que era pequena demais. Seus pés estavam descalços. Ele teve sapatos algum dia? Ele pensou que talvez se lembrasse de sapatos. Bons sapatos, de qualidade, sapatos que alguém havia colocado nos seus pés e o ajudado a amarrar. Alguém que era gentil, que sorria em vez de fazer cara de raiva, alguém que era limpo, cheirava bem, que vestia roupas bonitas... SLAM! A porta se fechou de novo, e o pequeno Han (ele sabia que esse era seu nome, mas não conhecia nenhum outro que o acompanhasse) estremeceu com a dor em sua mente. Ele já sabia que não deveria deixar tais pensamentos encherem sua cabeça. Pensamentos e memórias assim eram maus, eles machucavam... melhor não pensá-los. Ele fungou de novo e esfregou futilmente o nariz que escorria. Percebeu que estava parado numa poça de dejetos, e seus pés estavam tão frios que mal conseguia senti-los. Era noite, e prometia fazer uma madrugada bem fria. A fome se retorceu no estômago de Han como uma coisa viva, uma criatura que mordia dolorosamente. Ele não conseguia se lembrar de quando tinha comido pela última vez. Tinha sido naquele dia de manhã, quando ele encontrara uma fruta de kasava no lixo, aquela fruta madura e suculenta que tinha sido comida apenas pela metade? Ou será que tinha sido na noite passada? O garotinho decidiu que não poderia ficar ali parado. Tinha que se mover. Han saiu do beco para a calçada. Sabia como mendigar... quem é que lhe ensinara isso? SLAM! Não importava quem tinha ensinado, só que tinha ensinado bem. Ajustando os traços para ficar o mais patético possível, Han arrastou os pés até a transeunte mais próxima. – Por favor... moça... – choramingou ele. – Fome, tô com tanta fome... – Ele estendeu a mão, palma para cima. A mulher com quem ele falou reduziu minimamente a velocidade, olhou de súbito para a palma imunda e recuou, puxando a saia para que não encostasse nele. – Moça... – sussurrou Han, virando-se para observá-la se afastar com interesse mais que profissional. Ela trajava um belo vestido, macio e brilhoso, tipo... reluzente... sob as luzes ásperas das ruas daquela cidade portuária corelliana. Ela o lembrava de alguém, uma mulher com grandes olhos escuros, pele macia, cabelos... SLAM! Han começou a soluçar, desesperançoso, o corpinho tremendo de frio, fome, tristeza e solidão. – Ei, você! Han! – A voz forte, mas não hostil, rompeu sua muralha de infelicidade. Choramingando e engolindo, Han ergueu o olhar e viu um sujeito alto se curvando sobre ele. Cabelos negros, pálidos olhos azuis. Fedia a cerveja alderaaniana e a fumaça de uma dúzia de drogas ilegais, mas se mantinha de pé sem cambalear, ao contrário de vários outros pedestres. Ao ver que Han o encarava, o homem se agachou sobre os calcanhares, o que o deixou pouco acima do nível dos olhos do menino. – Você sabe que já é muito grande para chorar na rua, não sabe? Han fez que sim com a cabeça, ainda fungando, mas tentando se controlar. – Thim... sim. – Inicialmente ele ficou com a língua meio presa, como tinha acontecido quando ele aprendera a falar. Aquilo fora há muito, muito tempo, pensou Han. Já falava desde a estação fria, e logo seria a estação fria de novo. Ele estava falando desde... SLAM! A criança estremeceu de novo quando sua mente bloqueou decisivamente todas as memórias daquele tempo anterior. Outra coisa emergiu, algo que ele tinha ignorado a princípio em sua infelicidade. Han arregalou os olhos. Aquele homem o chamou pelo nome! Como ele sabe o meu nome? – Você... quem é você? – sussurrou Han. – Como que você sabe o meu nome? O homem sorriu, mostrando muitos dentes. Era para ser uma expressão amistosa, mas havia alguma coisa nele que incomodava o menino. Lembrava Han das alcateias de canoides que caçavam nos becos. – Eu sei de muitas coisas, garoto – respondeu o homem. – Me chame de capitão Shrike. Você consegue dizer? – S-sim. Cap-tão Shrike – repetiu Han, incerto. Ele soltou um soluço enquanto seu choro morria. – Mas... mas como você sabia meu nome? Por favor? O homem estendeu a mão como se fosse bagunçar o cabelo do menino, depois pareceu notar a sujeira e os piolhos que habitavam aquela jovem cabeça e mudou de ideia. – Você ficaria surpreso, Han. Sei de quase tudo que acontece aqui em Corellia. Sei quem está perdido e quem foi encontrado, quem está à venda e quem foi vendido, e onde todos os corpos estão enterrados. Na verdade, eu estava de olho em você. Parece ser um rapaz esperto. Você é esperto? Han se endireitou e olhou o homem nos olhos. – Sim, capitão – respondeu ele, forçando a voz a ficar firme. – Eu sou esperto. – Ele sabia que era, também. Qualquer um que não fosse não duraria meses nas ruas, como ele tinha durado. – Ótimo, grande garoto! Bem, preciso de um menino esperto para trabalhar para mim. Por que você não vem comigo? Eu lhe darei uma refeição decente e um lugar quente para dormir. – Ele sorriu de novo. – E eu aposto que você gostaria de ver minha nave. – Apontou para o céu que escurecia. Han fez que sim com a cabeça, empolgado. Comida? Uma cama? E especialmente... – Uma nave? Sim, capitão! Quero ser um piloto quando crescer! O homem riu e estendeu a mão. – Bem, venha comigo, então! Han deixou a mãozona segurar a dele, e então os dois foram embora juntos, em direção ao espaçoporto... Han se ajeitou e balançou a cabeça. Eu nunca deveria ter ido com ele naquele dia, pensou. Se eu não tivesse ido com ele, Dewlanna ainda estaria viva... Porém, se ele não tivesse ido com Shrike, provavelmente teria acordado alguma noite no beco e descoberto que vrelts tinham comido suas orelhas e nariz, que nem tinha acontecido com uma das outras “fedelhas de rua” que Garris Shrike tinha “resgatado”. Han sorriu, sombrio. O capitão Shrike não tinha um único osso altruísta no corpo. Ele recolhia as crianças e as usava para faturar créditos. Em quase todos os planetas que a Sorte visitava, Shrike juntava um grupo de seus “resgatados” e os levava às ruas numa nave auxiliar. Lá ele os deixava sob a supervisão de um droide que elemesmo tinha programado, F8GN. 8GN os distribuía por “territórios” e administrava os lucros enquanto as crianças espreitavam as ruas, mendigando e batendo carteiras. Usava os menorzinhos, os magrinhos, os deformados para mendigar. A menina mastigada por vrelts, Danalis, sempre faturou alto. Shrike a fez trabalhar duro por anos, prometendo sempre que, depois que ela ganhasse créditos suficientes para ele, o capitão a levaria para consertar seu rosto, para que ela parecesse humana outra vez. Só que ele nunca levou. Por volta dos 14 anos, Danalis acabou percebendo que Shrike jamais cumpriria suas promessas. Certa “noite”, ela entrou na escotilha estanque da Sorte e a abriu para o vácuo... sem vestir um traje antes. Han havia participado da equipe de limpeza. Estremeceu com a memória. Pobre Danalis. Han ainda conseguia vê-la em sua mente, entregando os recibos de mendicância do dia a 8GN. O droide era alto e estreito, feito de metal cor de cobre avermelhado. Tinha sido consertado tantas vezes que havia pedaços diferentes por toda parte, como se vestisse um traje muito remendado. Remendos acobreados, remendos dourados, remendos de aço... E um grande remendo prateado no topo da cabeça. Han ainda escutava a voz do droide em sua mente. 8GN tinha algum problema nos alto-falantes, e sua “voz” alternava entre o grave melífluo e mecânico guinchante. Porém, independentemente de como ele soasse, todas as crianças prestavam atenção ao que 8GN dizia... – Agora, queridas criancinhas, vocês todos receberam seus territórios? – O droide acobreado girou a cabeça enferrujada sobre o pescoço de cano, contemplando as oito crianças da Sorte de Mercador alinhadas diante de si. Todas as crianças, incluindo Han, com seus 5 anos, afirmaram que sim, elas de fato tinham recebido seus territórios. – Muito bem então, queridas criancinhas – continuou o droide em seus tons graves, depois esganiçados. – Vou lhes passar suas tarefas do dia. Padra – o droide olhou para um garotinho só um ano mais velho que Han –, hoje vamos oferecer a você sua primeira chance de nos mostrar como você pode ser útil àqueles pobres cidadãos sobrecarregados com cédulas de créditos, joias e caros comlinks. Os olhos do droide cintilaram fantasmagoricamente. Eles eram de cores diferentes; um deles tinha queimado há muito tempo, e Shrike o substituíra com uma lente recuperada de um droide descartado, deixando F8GN com um “olho” vermelho e outro verde. – Você está disposto a ajudar esses pobres cidadãos desavisados, Padra? – indagou 8GN, inclinando a cabeça metálica inquisitivamente para o lado, com a voz carregada de camaradagem artificial. – Com certeza! – exclamou o garotinho. Ele lançou um olhar triunfante a Han e às outras crianças mais novas. – Chega de pedir esmola que nem um bebê! – sussurrou ele empolgado. Han, que mal tinha começado a aprender as habilidades necessárias para bater carteiras com rapidez e sem ser detectado, sentiu uma pontada de inveja. Bater carteiras era fácil, depois que você aprendia a fazer direito. Era muito mais fácil cumprir a cota de 8GN para um dia de “trabalho” batendo carteiras do que mendigando. Pedir esmolas exigia que você abordasse pelo menos uns três alvos até receber alguma coisa. Mas bater carteiras... essa sim era a melhor maneira de faturar alto! Se você escolhesse o alvo certo, poderia ganhar o bastante numa mãozada para comparecer com sua cota a 8GN antes do meio-dia, e então ficaria livre para brincar. Han se perguntou se 8GN lhe daria algum tempo para treinar se ele se apressasse e mendigasse sua cota do dia antes que os outros terminassem. Era divertido treinar com o droide magricelo avermelhado porque 8GN ficava muito engraçado vestindo roupas! O droide vestiria trajes de rua típicos do planeta onde eles estivessem, e então ou ficaria parado, ou passaria caminhando pelo estudante. Han tinha aprendido a aliviar o droide do crono escondido, cédulas de créditos, e até alguns tipos de joias sem que 8GN detectasse seus dedos no processo. Só que não conseguia fazê-lo 100% das vezes. Han franziu o cenho um pouco enquanto se afastava. 8GN exigia perfeição de sua pequena gangue, especialmente dos punguistas. O droide não deixaria que ele começasse a roubar até que tivesse certeza de que Han conseguiria fazê-lo perfeitamente todas as vezes. Distraído, ele pegou um punhado de terra e esfregou nas mãos e depois no rosto, que já estava suado. Que planeta era este, aliás? Não se lembrava de ter ouvido o nome. O povo nativo tinha pele esverdeada, com pequenas orelhas giratórias e enormes olhos roxo-escuro. Tinham ensinado a Han apenas algumas palavras da língua local, mas ele aprendia rápido e sabia que, quando chegasse a hora de a Sorte de Mercador seguir adiante, seria capaz de entendê- la bem e falaria (pelo menos o jargão das ruas) passavelmente. Onde quer que fosse, era quente. Quente e úmido. Han ergueu o olhar para o céu azul esverdeado, onde um sol laranja pálido fulgurava. A perspectiva de passar várias horas na sua rua designada choramingando, esmolando e bajulando transeuntes não era muito atraente. Eu odeio mendigar, pensou Han azedamente. Quando eu ficar um pouco mais velho, vou fazer eles me deixarem roubar em vez de mendigar. Eu sei que serei um bom ladrão, e não sou lá um grande mendigo. Ele sabia que sua aparência estava correta; tinha ficado mais alto nos últimos dois anos, mas ainda estava magro o suficiente para ser chamado de subnutrido. E sabia como deixar a voz servil, os modos encolhidos e acovardados, como se apenas o desespero o fizesse pedir esmolas. Talvez fossem os olhos dele, pensou Han. Talvez o ressentimento e a vergonha secretos em ser obrigado a mendigar aparecessem neles, e os alvos potenciais notassem isso. Ninguém respeitava um mendigo, e Han, acima de tudo, nutria um desejo não declarado de ser respeitado. Não só respeitado, ele queria ser respeitável. Não se lembrava muito da vida antes de Garris Shrike o ter encontrado nas ruas de Corellia, mas Han de alguma forma sabia que, no passado, as coisas tinham sido diferentes. Muito tempo atrás, tinham lhe ensinado que mendigar era motivo de vergonha. E que roubar... roubar era pior. Han mordeu o lábio com raiva. Sabia que alguém, talvez os pais de que não se lembrava mais, tinha lhe ensinado essas coisas. Um dia, há muito tempo, tinham lhe ensinado caminhos diferentes... valores diferentes. Só que agora, o que ele poderia fazer? A bordo da Sorte de Mercador, havia uma regra cardeal. Se você não trabalhasse, deveria mendigar ou roubar. Han não tinha outras habilidades para oferecer. Era pequeno demais para ser piloto, fraco demais para ser estivador de contrabando. Mas isso não vai durar para sempre!, lembrou a si mesmo. Cresço mais a cada dia que passa! Logo serei grande, em só mais 5 anos eu terei 10, e então, talvez, eu seja grande o bastante para ser piloto! Han tinha descoberto que, quando decidia realizar alguma coisa, ele conseguia. Tinha certeza de que virar piloto não seria exceção. E quando eu souber pilotar, esse vai ser meu caminho para sair da Sorte de Mercador, pensou ele, com a mente mergulhando automaticamente num velho sonho que ele nunca tinha contado para ninguém. Uma vez ele tinha confidenciado a história para uma das outras crianças, e aquele vrelt maldito espalhara para todo mundo. Shrike e os outros passaram semanas rindo de Han, chamando-o de “capitão Han da Marinha Imperial”, até Han ficar com vontade de se esconder num canto com as mãos sobre as orelhas. Ele precisou de todo o autocontrole para conseguir apenas dar de ombros e fingir que não ligava... É, e quando eu for o melhor piloto de todos e tiver um montão de créditos, vou me candidatar à Academia Imperial. Vou virar um oficial da Marinha. Aí vou voltar e pegar Shrike, prender ele, e ele será mandado para as minas de especiaria de Kessel. E vai morrer lá... Esse pensamento fez Han abrir um sorriso predatório. No extremo final de sua fantasia, Han se imaginava bem-sucedido, respeitado, o melhor piloto da galáxia, com uma naveprópria, um monte de amigos leais e créditos de sobra. E... uma família. É, uma família para chamar de sua. Uma bela esposa que o adoraria, que participaria de aventuras com ele, e talvez filhos. Ele seria um ótimo pai. Não abandonaria seus filhos, como ele mesmo tinha sido abandonado. Pelo menos, Han achava que tinha sido abandonado, porém não conseguia se lembrar de nada daquilo. Não sabia nem seu sobrenome, então não tinha como rastrear a família. Ou talvez... talvez os pais dele não o tivessem abandonado... Talvez eles tivessem sido assassinados, ou ele mesmo fora sequestrado e separado deles. Han decidiu que gostava mais desse cenário. Se achasse que seus pais estavam mortos, não ficaria tão bravo com eles, pois as pessoas não tinham culpa de morrer, né? Han decidiu que, daquele momento em diante, pensaria na mãe e no pai como estando mortos. Era mais fácil assim... Sabia que provavelmente nunca iria descobrir a verdade. A única pessoa que conhecia alguma coisa sobre o passado de Han era Garris Shrike. O capitão vivia dizendo a Han que, se ele fosse bom, se trabalhasse e mendigasse muito, se ganhasse créditos suficientes, algum dia Shrike lhe contaria os segredos que explicavam porque o menino tinha ido parar nas ruas de Corellia. Han estreitou os lábios. Claro, capitão, pensou ele . Que nem você ia consertar a cara de Danalis... O menino espiou as placas de sinalização. Ele não conseguia ler aquelas na língua nativa do planeta, mas havia uma tradução em língua básica na parte de baixo. É, aquele era o seu território, mesmo. Han respirou fundo e se preparou. Uma mulher de pele verde vestindo um robe curto vinha na direção dele. – Moça... – choramingou ele, avançando todo encolhido até ela, com a mãozinha estendida num apelo. – Por favor, moça bonita elegante, eu imploro... uma ajudinha, só um creditozinho, tô com tanta foooomeeee... As orelhinhas giraram na direção dele, então ela afastou o olhar e passou direto. Num sussurro, Han murmurou um termo nada elogioso em jargão de contrabandista, e então se virou para esperar o próximo alvo... Han balançou a cabeça e se forçou a sair de seu devaneio. Hora de ir verificar o progresso da Sonho Ylesiano. O jovem piloto ergueu-se do seu cantinho e se espremeu pelas passagens estreitas até alcançar a ponte. O droide astromec ainda estava lá, com luzes piscando sem parar conforme ele rememorava seus pensamentos. Era uma unidade R2 relativamente nova, ainda reluzente em prata e verde, com um domo transparente em cima da cabeça. Dentro do domo, Han via luzes piscando com o trabalho do droide, que estava conectado aos controles da nave-robô por um cabo. O droide R2 deveria estar equipado com um sensor de movimento, porque girou a “cabeça” para Han quando o rapaz entrou audaciosamente na ponte em seu traje espacial. As luzes piscaram freneticamente quando ele “falou”, mas, obviamente, as ondas sonoras não viajavam no vácuo. Han ligou a unidade de comunicação do traje e, de súbito, seu capacete ficou cheio com os bleeps, blurps e wheeps angustiados. – Whee... bleewheeeep... wheep-whirr-wheep ! – anunciou o astromec R2, claramente surpreso. Han suspirou. O comunicador do traje transmitiria tudo que ele dissesse ao droide, mas como ele poderia realmente falar com aquele raio de R2 sem um intérprete? Como quem quer que tivesse programado o droide falava com ele? Han ativou o comunicador do traje. – Alô, você! – Blurpp... wheeep, bleep-whirrr! – respondeu a unidade, prestativa. Han fez uma careta e xingou a unidade em rodiano, jargão de mercadores e, finalmente, língua básica. – O que eu vou fazer agora? – rosnou. – Se ao menos você tivesse um módulo de fala básica. – Mas eu tenho, senhor – anunciou o droide em tom trivial. As palavras soaram mecânicas e sem entonação, só que perfeitamente compreensíveis. Han ficou boquiaberto diante da máquina por um momento, depois sorriu. – Ei! Isso eu nunca tinha visto! Como é que você pode falar? – Como não havia espaço a bordo desta nave para uma unidade astromec junto de uma unidade contraparte, meus mestres me programaram com um módulo de transmissão de fala básica, para que eu pudesse me comunicar com mais facilidade – explicou o droide. – Legal! – exclamou Han, sentindo uma onda de alívio. Ele não gostava muito de droides, mas pelo menos teria alguém com quem falar, e talvez fosse necessário que os dois se comunicassem. Viagens espaciais eram geralmente rotineiras e seguras... mas havia exceções. – Lamento informar, senhor – acrescentou a unidade R2 –, que o senhor é culpado de entrada não autorizada. Não deveria estar aqui. – Eu sei disso – respondeu Han. – Peguei uma carona nesta nave. – Com sua licença, esta unidade não compreende o termo usado, senhor. Han chamou a unidade R2 de um nome nada elogioso. – Com sua licença, esta unidade não compreende... – Cale a boca ! – berrou Han. A unidade R2 ficou em silêncio. Han respirou bem fundo. – Tudo bem, R2 – disse ele. – Eu sou um clandestino. Essa palavra consta dos seus bancos de memória? – Consta sim, senhor. – Ótimo. Eu embarquei clandestinamente nesta nave porque precisava de uma carona até Ylesia. Vou ser contratado como piloto pelos sacerdotes Ylesianos, entendeu? – Sim, senhor. Entretanto, sou obrigado a informar ao senhor que, na minha posição de droide vigia designado a garantir a segurança desta nave e de seu conteúdo, serei forçado a selar todas as saídas quando alcançarmos Ylesia, e em seguida informar aos meus mestres que o senhor está a bordo, assim promovendo a sua captura pela equipe de segurança. – Escuta aqui, camarada – retrucou Han generosamente –, quando chegarmos a Ylesia, você pode ir em frente e fazer isso mesmo. Quando os sacerdotes perceberem que eu me encaixo em todos os requisitos deles, não darão uma bunda de vrelt para como eu cheguei lá. – Com sua licença, esta unidade não... – Cale a boca. Han deu uma olhada no indicador do tanque de ar, então falou: – Muito bem, R2, gostaria de dar uma olhada no nosso plano de voo, velocidade e tempo previsto de viagem até Ylesia. Por favor, transmita esses dados. – Lamento informar, senhor, que não estou autorizado a fornecer essas informações. O humor de Han estava entrando em ebulição; ele mal conseguiu se controlar para não chutar o droide recalcitrante com sua pesada botina espacial. – Preciso verificar nosso plano de voo, velocidade e tempo previsto de viagem porque tenho que computar como está o meu ar, R2 – explicou ele com paciência exagerada. – Com sua licença, senhor, mas esta unidade... – CALE A BOCA! Han começava a suar agora, e a unidade de refrigeração do traje começou a girar um pouco mais forte. Ele fez um esforço para manter o tom de voz calmo. – Escute com cuidado, R2 – começou ele. – Você não tem algum tipo de programa no seu sistema operacional que o faça preservar as vidas de seres inteligentes sempre que possível? – Sim, senhor, essa programação é incluída em todos os droides astromecs. Para que um droide cause dano ou deixe de evitar dano a um ser senciente, seu módulo de sistema operacional tem que ser alterado. – Ótimo – concluiu Han. Aquilo se encaixava com o que ele sabia sobre programação astromec. – Escute, R2. Se você não me mostrar nosso plano de voo, velocidade e tempo previsto de viagem, você poderá ser responsável pela minha morte por falta de ar. Você me entendeu agora? – Por favor, elabore, senhor. Han explicou sua situação com paciência exagerada. Depois de terminar, o droide ficou calado por um momento, evidentemente ponderando. Finalmente, ele zumbiu uma vez e depois respondeu: – Vou aquiescer à sua requisição, senhor, e vou exibir a informação solicitada na tela de interface de diagnóstico. Han soltou um longo suspiro de alívio. Já que a nave era basicamente um imenso drone automatizado, não tinha controles visíveis nos painéis, só luzes piscantes sortidas. Porém, para que fosse possível realizar manutenção na nave, havia uma tela disponível no painel de controle. Han contornou cuidadosamente a unidade R2 e contemploua tela. Os dados rolaram pela tela tão rapidamente que nenhum humano poderia ter lido. Han se virou para a unidade R2. – Mostre os dados de novo, e desta vez deixe-os lá até que eu consiga ler! Entendeu? – Sim, senhor. – A voz artificial do droide soava quase humilde. Han estudou os números e diagramas que surgiram na tela por vários minutos, sentindo sua preocupação se tornar medo real. Ele não tinha nada com que escrever e nenhuma forma de acessar o navicomputador, mas tinha um mau pressentimento sobre o que estava vendo. Mordeu o lábio e se obrigou a se concentrar enquanto recalculava os valores repetidamente. O plano de voo da Sonho Ylesiano tinha sido traçado numa rota tortuosa até o planeta, de modo a evitar as piores áreas infestadas de piratas do território Hutt. E o pequeno cargueiro estava configurado para voar bem mais lentamente do que seria capaz, mais devagar até do que a Sorte de Mercador normalmente viajava pelo hiperespaço. Nada bom. Nada bom mesmo. Se a velocidade e o curso deles não fossem alterados, Han percebeu, ele ficaria sem ar cinco horas antes de a Sonho pousar em solo ylesiano. A nave aterrissaria com um cadáver a bordo... o dele. Han se virou de volta à unidade R2. – Escuta, R2, você tem que me ajudar. Se eu não alterar nosso curso e velocidade, não terei ar suficiente para chegar no fim. Eu vou morrer, e vai ser culpa sua. As luzes da unidade R2 piscaram enquanto a máquina contemplava tal revelação. – Só que eu não sabia que o senhor estava a bordo – disse finalmente o droide. – Não posso ser responsabilizado pela sua morte. – Ah, não. – Han balançou a cabeça dentro do capacete. – Não é assim que funciona, R2. Se você souber sobre a situação e não fizer nada, então você estará causando a morte de um ser senciente. É isso que você quer? – Não – respondeu o droide. Até mesmo seus tons artificiais soaram estressados, e suas luzes tremeluziram rápida e aleatoriamente. – Então é necessário – continuou Han, inexorável – que você faça tudo que for possível para evitar minha morte. Certo? – Eu... eu... – O droide agora tremia, de tão agitado. – Senhor, estou impossibilitado de ajudá-lo. Minha programação está em conflito com meu hardware. – O que você quer dizer? – Han estava preocupado agora. Se o pequeno droide sofresse uma sobrecarga e travasse, ele jamais seria capaz de acessar os controles manuais de “diagnóstico” que Han sabia que tinham que estar em algum lugar daqueles painéis. Seriam minúsculos, do tipo que os técnicos usariam para testar o piloto automático do drone. – Minha programação está me impossibilitando de informá-lo... Han deu um longo passo até o pequeno droide e se ajoelhou diante dele. – Raios! – Ele bateu com o punho no domo transparente do droide. – Eu vou morrer! Me conte! O droide balançava agitado, e Han se perguntou se ele se desfaria em pedaços com o estresse. Por fim, o droide falou: – Senhor, instalaram um parafuso de contenção em mim! Ele me impede de atender ao seu pedido! Um parafuso de contenção! Han se agarrou a esse detalhe com diligência. Vamos ver, onde está ele? Depois de um momento, Han o avistou, bem baixo na carapaça metálica do droide. O rapaz se abaixou, segurou e puxou. Nada. O parafuso não se mexeu. Han segurou mais forte, tentou torcer. Grunhiu com o esforço, suando para valer agora, e imaginou que podia sentir todas aquelas moléculas de oxigênio sendo consumidas numa torrente constante. O rapaz ouvira falar que hipóxia não era um jeito particularmente ruim de morrer; comparado à descompressão explosiva ou levar um tiro, por exemplo; só que ele não tinha nenhuma intenção de descobrir pessoalmente. O parafuso não se mexeu. Han fez ainda mais força, dando puxões, praguejando em meia dúzia de línguas alienígenas, mas a coisa teimosa não cedeu. Tenho que achar alguma coisa que eu possa usar para bater, pensou Han, olhando em volta desesperadamente pela cabine de controle. Só que não havia nada, nem uma hidrochave, um martelo, nada! De repente, ele se lembrou da pistola. Tinha deixado no chão, no seu cantinho. – Espere aqui mesmo – instruiu Han à unidade R2 e partiu em seguida, se espremendo pelos corredores apertados. Disparar uma arma de raios dentro de uma nave espacial, mesmo que fosse uma nave despressurizada, não era uma boa ideia, mas ele estava desesperado. Han voltou com a arma e examinou as configurações. Potência mínima, pensou ele. Feixe mais estreito. Com as luvas desajeitadas, ele teve dificuldades em ajustar as configurações de potência e largura de feixe. As luzes da unidade R2 estavam piscando freneticamente desde que ele voltara, e agora o droide soltou um wheep lastimoso. – Senhor? Senhor, poderia perguntar-lhe o que o senhor está fazendo? – Estou me livrando daquele parafuso de contenção – retrucou Han severamente. Estreitou os olhos, mirou e pressionou o gatilho com delicadeza. Um clarão de energia irrompeu, e o pequeno droide soltou um WHEEEEPPPP! tão estridente que soou como um grito. O parafuso de contenção caiu no convés, deixando para trás uma cicatriz negra de queimadura no metal brilhante da unidade R2. – Te peguei – comentou Han, satisfeito. – Agora, R2, tenha a gentileza de me mostrar as interfaces e os controles manuais da sua nave. O droide, obediente, expôs uma “perna” de mobilidade com uma roda e foi até os painéis de controle, com o cabo de interface serpenteando em seu rastro. Han o seguiu e se agachou diante do painel de instrumentos, desajeitado por conta do traje. Seguindo as instruções do droide, arrancou o tampo de um console em branco e estudou a seleção de controles minúsculos. Amaldiçoando a dificuldade em manipular os controles com luvas de traje espacial, Han começou a usar o modo de interface manual para desativar o hiperdrive. Só era possível alterar rota e velocidade no espaço real. Uma vez de volta ao espaço real, Han computou meticulosamente uma nova rota, usando a unidade R2 para executar os cálculos mais complexos para o salto que os lançaria de volta ao hiperespaço. O jovem corelliano levou algum tempo para inserir a nova rota e velocidade, mas, finalmente, Han pressionou de novo o botão ATIVAR HIPERDRIVE. Um segundo depois, ele sentiu o tranco quando o drive disparou. Han se segurou determinado ao painel de instrumentos enquanto a nave se lançava ao hiperespaço em sua nova rota, numa velocidade vastamente incrementada. Quando a nave ao seu redor se estabilizou, Han inspirou longa e profundamente e depois soltou o ar bem devagar. Desabou no convés e ficou sentado ali, com as pernas esticadas. Ufa! – O senhor compreende – comentou a unidade R2 – que o senhor agora terá que pousar esta nave manualmente. Alterar nossa rota e velocidade invalidou os protocolos de aterrissagem existentes programados na nave. – É, eu sei – respondeu Han, se reclinando cansado no console. Deu mais um gole de água e então comeu dois tabletes. – Mas não tinha outro jeito. Eu só espero que consiga operar os controles rápido o bastante para pousar. – Ele olhou em volta pela sala de controle praticamente nua. – Eu só queria que esta lata tivesse uma tela. – Um piloto automático não pode ver, senhor, então dados visuais são inúteis para ele – explicou a unidade R2, prestativa. – Não pode ser! – retrucou Han, com a voz carregada de sarcasmo. – Achei que droides pudessem ver que nem a gente! – Não, senhor, não podemos – disse R2. – Reconhecemos nossas cercanias por sensores visuais que traduzem para nosso... – Cale a boca – disse Han, cansado demais até para se divertir atormentando o droide. Ele se reclinou contra o console e fechou os olhos. Tinha feito tudo o que podia para salvar sua vida, levando a nave a Ylesia por uma rota muito mais direta a uma velocidade mais alta. Han adormeceu e sonhou com Dewlanna, como ela tinha sido há muito tempo, na época em que eles se conheceram... Han já tinha passado metade do corpo pela janela quando ouviu o grito atrás de si. – Fomos roubados! O menino agarrou seu pequeno saco de pilhagem e tentou se espremer pelaabertura estreita, chutando e se remexendo. Na escuridão do lado de fora estava a segurança. Um grito feminino de consternação. – Minhas joias! Han grunhiu com o esforço, percebendo que estava entalado. Sufocou o pânico. Tinha que escapar! Aquela era uma casa rica e, quando eles chamassem as autoridades, elas com certeza viriam de imediato. Silenciosamente, ele amaldiçoou a nova moda da arquitetura corelliana que tinha feito este lar luxuoso ser construído com estreitas janelas do chão ao teto. Eram anunciadas como sendo capazes de frustrar assaltantes. Bem, pelo jeito isso era verdade, decidiu ele. Tinha se esgueirado mais cedo por uma das portas dos jardins, depois se escondera até achar que já era seguro supor que todos os moradores estavam dormindo. Por fim, ele saíra do esconderijo para escolher dentre os tesouros deles. Tinha certeza de que conseguiria bambolear seu corpo magricelo de menino de 9 anos por aquelas janelas e escapar ileso. Han grunhiu com o esforço mais uma vez, chutando freneticamente. Talvez ele estivesse errado quanto à parte de fugir pelas janelas... Uma voz atrás dele. A mulher. – Lá está ele! Peguem-no! Han virou mais um pouco de lado, remexeu-se violentamente e de súbito estava do outro lado da janela, caindo. Mas ele não soltou o saco enquanto se esborrachava num canteiro de hera-dorva cuidadosamente cultivado. O ar lhe escapou dos pulmões e por um momento o menino ficou deitado ali, ofegando como um drel fora da água. A perna doía, assim como a cabeça. – Chamem a patrulha de segurança! – gritou uma voz masculina de dentro da casa. Han sabia que tinha meros segundos para lograr sua fuga. Forçou a perna a sustentar seu peso, rolou o corpo e se levantou cambaleante. Árvores adiante ao luar... árvores grandes. Ele poderia sumir facilmente em meio a elas. Han meio que mancou, meio que correu ao abrigo do bosque. Resolveu não contar a 8GN o que tinha acontecido. O droide poderia acusá-lo de estar ficando lerdo agora que tinha quase 10 anos. Han fez uma careta enquanto corria. Ele não estava ficando lerdo, só não se sentia bem naquele dia. Estava com uma dor de cabeça indistinta desde que acordara e se sentira tentado a pedir um dia de folga por não estar passando bem. Já que Han quase nunca ficava doente, eles provavelmente teriam acreditado nele, mas o garoto não gostava de demonstrar fraqueza diante dos outros habitantes da Sorte de Mercador, especialmente do capitão Shrike. Aquele homem nunca perdia uma chance de atormentá-lo. Estava abrigado pelas árvores, agora. E o que fazer em seguida? Ouvia o som de passos correndo, então não teria muito tempo para decidir. Seus músculos escolheram por ele. De súbito, o saco estava preso pelos dentes, havia casca de árvore contra suas palmas, e as solas das botas surradas pisavam em galhos. Han escalou, ouviu, depois escalou de novo. Foi só quando ele estava bem alto na árvore, acima do alcance de uma olhada casual para o alto, que reduziu a velocidade. Han se sentou num galho, com as costas no tronco, ofegando, a cabeça um redemoinho. Sentia-se tonto, enjoado e, por um momento, temeu vomitar e entregar sua posição. Mas o garoto mordeu o lábio e se obrigou a ficar imóvel. Depois de algum tempo, sentiu-se melhor. A julgar pelos padrões de estrelas, faltava apenas algumas horas até a alvorada. Han percebeu que seria difícil chegar a tempo à nave auxiliar da Sorte. Será que Shrike simplesmente o abandonaria, ou será que iria esperar? Bem abaixo, as pessoas vasculhavam o bosque. Luzes piscavam pela noite, e Han se encolheu junto ao tronco. Com os olhos fechados, se agarrava desesperadamente à árvore apesar da tontura. Se ao menos sua cabeça não latejasse tanto... Han se perguntou se eles trariam biossensores e tremeu. A pele dele parecia quente e inchada, apesar de a noite estar fresca e uma brisa soprar. A escuridão cedeu à aurora. Han se perguntou o que Dewlanna estaria fazendo, se ela sentiria saudades dele se a Sorte deixasse órbita sem o menino. Finalmente, as luzes se apagaram e os passos sumiram. Han esperou mais vinte minutos para garantir que os perseguidores tivessem mesmo ido embora, e depois, ainda segurando o saco de pilhagem nos dentes, desceu com cuidado, movendo-se com cautela exagerada devido à intensa dor de cabeça. Cada tranco, até mesmo dos próprios passos, fazia sua cabeça girar, e ele teve que trincar os dentes para aguentar. Han andou... e andou. Várias vezes percebeu que estivera cochilando enquanto andava, e em uns dois momentos ele caiu e se sentiu tentado a simplesmente ficar onde estava. Só que alguma coisa o mantinha em movimento, enquanto o alvorecer iluminava as ruas e casas ao seu redor. Amanheceres corellianos eram belos, Han notou atordoado. Nunca tinha percebido como eram bonitas as cores no céu. Se ao menos a luz não machucasse tanto seus olhos... A alvorada virou dia. O frescor deu lugar à tepidez, depois ao calor. O menino suava, e sua visão estava borrada. Só que, enfim, lá estava. O espaçoporto. A essa altura, Han se movia como um autômato, um pé na frente do outro, desejando apenas poder deitar e dormir na rua. Diante dele, agora... a nave auxiliar da Sorte! Com um arfar que foi quase um soluço, o menino se obrigou a avançar. Estava quase na rampa quando um vulto alto emergiu. Shrike. – Por onde raios você andou? – Não havia nada de amistoso no apertão que o capitão lhe dava no braço. Han estendeu o saco de pilhagem, e Shrike o agarrou. – Bem, pelo menos não voltou de mãos abanando – resmungou o capitão. Shrike avaliou rapidamente o conteúdo da bolsa, acenando sua satisfação com a cabeça. Só depois de terminar ele notou que Han balançava de pé. – Qual é o seu problema? Han já não conseguia dizer nada coerente, então apenas balançou a cabeça. Sua consciência ia e vinha como uma transmissão embaralhada. Shrike o chacoalhou um pouco, depois colocou a mão na testa do menino. Ao sentir o calor, praguejou. – Febre... Será que eu te deixo aqui? E se for contagioso? – Franziu o cenho, claramente com dificuldade para decidir. Por fim, sentiu de novo o peso da bolsa de pilhagem. – Acho que você conquistou uma folga – murmurou. – Vamos. Han tentou subir a rampa, mas tropeçou e tudo ficou escuro. O menino emergiu em consciência parcial muito tempo depois, ao som de vozes discutindo, uma em língua wookiee, outra em língua básica. Dewlanna e Shrike. A Wookiee grunhia, insistente. – Dá para notar que ele está bem doente – concordou Shrike –, mas esses meus moleques não morrem nem com um tiro de pistola na potência máxima. Ele vai ficar bem com mais uns dois dias de descanso. Não precisa de um droide médico, e eu não vou desembolsar o custo. Dewlanna rugiu, e Han, traduzindo automaticamente, ficou surpreso com a insistência da Wookiee. Sentiu uma pata-mão peluda colocando alguma coisa fria na sua testa. Era uma sensação maravilhosa em comparação ao calor. – Eu já disse não, Dewlanna, e ponto-final! – retrucou Shrike e, com isso, o capitão saiu batendo pé, xingando a Wookiee em todas as línguas que conhecia. Han abriu os olhos e viu Dewlanna curvada sobre ele. A Wookiee rosnou gentilmente para o menino. Han fez força para falar: – Muito mal... – admitiu ele diante da pergunta. – Com sede... Dewlanna o ergueu e lhe deu água, golinho por golinho. Ela contou que ele tinha uma febre alta, tão alta que ela temia por sua vida. Depois que Han terminou de beber, ela se abaixou e pegou o menino nos braços. – Aonde... aonde nós... Ela mandou que ele se calasse, que ela o levaria para a superfície, ao droide médico. A cabeça de Han girava, mas ele fez um grande esforço. – Não... capitão Shrike... muito bravo... A resposta dela foi curta e grossa. Han nunca tinha ouvido Dewlanna praguejar antes. Ele ficou apagando e voltando enquanto a Wookiee o carregava pelo corredor, e sua próxima memória definida foi ser atado ao assento de uma nave auxiliar. Han não sabia que Dewlanna era capaz de pilotar, mas ela manejou os controles competentemente com suas enormes patas peludas. A nave
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