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SUMÁRIO Capa Créditos O que é a Fé Reformada? Definindo a Questão Existem Fontes de Autoridade? Diferenças de Opiniões sobre as Definições É possível Identificar Características da Fé Reformada? Os Temas Dominantes da Fé Reformada Por que a Fé Reformada? Introdução A Grandeza de Deus e de Sua Glória A Pequenez e a Depravação do Homem A Graça da Obra Redentora de Cristo Uma Visão Otimista do Futuro A Mensagem da Reforma para os Dias de Hoje Porque Lembrar a Reforma Distorções verificadas na Lembrança da Reforma Esquecimento doutrinário dos princípios da Reforma Considerações Práticas sobre a Reforma e os Reformadores A Mensagem da Reforma para os dias de hoje Conclusão Nossos livros Mídias kindle:embed:0001?mime=image/jpg kindle:embed:0001?mime=image/jpg O QUE É A FÉ REFORMADA? Autores: John Richard De Witt; Terry L. Johnson; F. Solano Portela Segunda Edição digital – Agosto de 2017 É proibida a reprodução total ou parcial desta publicação, sem autorização por escrito dos editores, exceto citações em resenhas. Editor: Manoel Canuto Tradutora: Luciana Heyse (Cap. 1 e 2) Revisor: F. Solano Portela Designer: Heraldo Almeida © Can Stock Photo / csp26774497 O QUE É A FÉ REFORMADA? John Richard De Witt U Definindo a Questão ma das grandes questões que nós temos que encarar constantemente, como cristãos evangélicos de convicções reformadas, é a questão da identidade. O Assunto apresentado através daquela pergunta reiterada com frequência: O que é que significa ser reformado? E ainda mais precisamente: O que significa ser reformado não apenas no sentido histórico da palavra, mas no contexto atual, na situação em que nos encontramos na igreja, na nação e no mundo? Temos a intenção, é claro, de sermos fiéis à nossa herança, à grande tradição na qual nós nos encontramos e que deu expressão tão brilhante e convincente às verdades da Palavra de Deus, afirmadas pela igreja Cristã antiga e, num certo sentido, redescobertas na época da Reforma protestante. Mas esta nossa intenção, de nos atermos ao que é bom, requer mais do que uma afirmação de determinação. Ela também demanda definição contemporânea e claramente clama por um delineamento que fará, para nosso próprio tempo, o que outros fizeram em gerações anteriores. Sempre temos de nos relembrar, a nós mesmos, que não fazemos teologia num vácuo; que a ciência da teologia não começou com a nossa entrada no mundo. Às vezes tem-se a impressão, pela forma como alguns pregam e escrevem, que toda a cristandade esperava pelo advento dos seus ministérios, e que é somente por meio deles, e pelo que têm a dizer, que a fé cristã começou a fazer sentido e a ser entendida em todas as suas implicações. Mas tal abordagem é totalmente inaceitável; aqueles que falam dessa maneira introduzem, ao mesmo tempo, seus próprios absurdos como se eles fossem o próprio evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo. Devem, assim, ser repreendidos e seu ensino deve ser repudiado. Deveríamos dizer de uma vez por todas que, mesmo a partir de uma perspectiva histórica, não é fácil chegar a uma definição breve e satisfatória do que significa ser Reformado. Essa é sem dúvida a questão; isso por uma série de razões. Existem Fontes de Autoridade? Em primeiro lugar porque não existe uma única fonte à qual poderíamos recorrer em busca de uma expressão que defina com autoridade a fé Reformada. Certamente devemos muito a João Calvino. Mas também devemos grandemente a muitos outros: a Agostinho por exemplo, bem como a Anselmo, e a Martinho Lutero. Além do mais, esses homens, não importa quão grandes possam ter sido, eles não tinham a pretensão de estar falando com uma autoridade equivalente à autoridade da revelação divina, ou de forma tal que toda a igreja fosse constrangida a lhes obedecer. No Cristianismo evangélico não existe papa que pode falar ex catedra, e assim impor pronunciamentos infalíveis aos fiéis. Frequentemente digo aos meus alunos que, se é para aprender qual foi a posição Reformada nesse ou naquele ponto de doutrina — se for para adquirirmos qualquer coisa como um entendimento oficial da fé Reformada — temos que olhar não para os escritos dos teólogos, mas sim para as confissões das igrejas: a confissão Belga, o catecismo de Heidelberg, a Segunda Confissão Helvética, os Cânones de Dort, a Confissão de Fé de Westminster e seus respectivos catecismos. Assim chegamos mais próximo de um consensus ecclesiae, um consenso da igreja, nesses momentos específicos da história, com relação ao ensino da palavra de Deus. Diferenças de Opiniões sobre as Definições Também é verdade que ser Reformado quer dizer coisas diferentes para pessoas diferentes. Alguns tendem a identificar a fé Reformada com os cinco pontos do calvinismo, esquecendo que aqueles cinco pontos são apenas uma expressão da fé — constituindo-se uma expressão importante — contra um erro que se infiltrou no começo do século dezessete. Os Cânones de Dort continuam sendo de extremo valor; e eu particularmente acho inconcebível que qualquer pessoa possa afirmar ser reformado se os repudiar. Acima de qualquer disputa no entanto, a Fé Reformada é muito mais abrangente e de alcance muito mais amplo do que aqueles cinco pontos.É muito injusto àquela fé quando alguém restringe seu conteúdo a uma única área de doutrina, por mais essencial que seja. É possível Identificar Características da Fé Reformada? Isso nos leva a considerar, até que ponto pode ser possível isolar e identificar certos temas característicos da fé Reformada? Como poderemos tentar descrever a genialidade desta fé? O que pode ser identificado no Calvinismo que seja distinto e qual a melhor definição que pode aproximar-se do seu conceito completo? Muitas respostas a essas perguntas foram dadas, nenhuma delas totalmente satisfatória. No entanto não devemos perder a esperança. Sugiro que nós aqui não devemos pensar meramente num único tema dominante, mas sim numa série de temas que se relacionam uns com os outros e que contribuem, cada um na sua própria forma, para uma compreensão maravilhosamente harmônica e eminentemente bíblica da fé Cristã. Esses temas não são isolados uns dos outros; mas se encaixam uns nos outros; eles são os fios verticais e horizontais que se entrelaçam formando o tecido da nossa posição teológica e espiritual. Eles não devem ser entendidos de maneira desconexa, sem relação, mas devem antes ser tomados como um conjunto. Mencionarei vários deles agora; admito porem que os temas que incluo não excluem outros e que a minha tentativa de discutir aquilo que constitui a genialidade da fé Reformada é uma discussão preliminar e provisória. Os Temas Dominantes da Fé Reformada 1) A Doutrina das Escrituras: Em primeiro lugar, extremamente básica para a fé Reformada é a sua doutrina das Escrituras. De fato, num ensaio recente em que procura definir o tema em que a fé Reformada encontra sua singularidade, o Professor Fred H. Klooster sugere que pode se dizer ser a doutrina da Escritura ‘‘toda e por inteiro’’ (sola e tota Scriptura). 1 Num certo sentido Doutor Klooster está certo segundo qualquer padrão. A Reforma redescobriu e acentuou de novo e autoridade da Bíblia. Ela derrubou a tirania de uma hierarquia eclesiástica corrupta que se tinha colocado acima da Palavra de Deus. A Reforma e repudiou a autoridade da tradição eclesiástica coordenada com aquela palavra, insistindo, com um vigor proveniente de uma recém descoberta verdade, de que Jesus é Mestre em Sua própria casa; que Ele fala ao Seu povo através da Sua Palavra; e que esta “palavra é o meio pelo qual Ele chama pecadores para Si, reinando e subordinando-os ao Seu senhorio”. Atualmente um amplo debate está se alastrando sobrea questão da inspiração e sobre um assunto correlato: a inerrância das Escrituras. Verifica-se um endurecimento notável das linhas em todas as frentes: alguns considerando heréticos aqueles que não concordam com sua própria abordagem da posição, apesar deles poderem ser Cristãos evangélicos e de viverem em harmonia com as principais doutrinas da fé; outros, declarando que são obscurantistas e anti- intelectuais aqueles que querem insistir no caráter divino da palavra deDeus. 2 Não sabemos, com detalhe, como foi que Deus deu a Sua Palavra. Na verdade, sabemos que Ele deu partes da Bíblia de maneira diferente de outras partes: os dez mandamentos por exemplo, foram escritos pelo dedo do próprio Deus, enquanto que os Evangelhos foram escritos por meio de lembranças inspiradas, o uso de testemunhas, e — no caso de Lucas nos é dito especificamente — investigação histórica, e tudo isso, além de sua forma peculiar, com um propósito teológico muito definido em mente. Também é perfeitamente aparente que a humanidade e a individualidade dos escritores das Escrituras foram totalmente reconhecidas e levadas em consideração pelo Espírito Santo no processo de inspiração. Como resultado disso, vemos que Amós e Isaías escreveram livros muito diferentes, com estilos muito diferentes, mostrando origens muito diferentes; Paulo e João, semelhantemente, demonstram qualidades marcantes de suas próprias mentes e corações, dando expressão a diferentes aspectos da verdade, escrevendo em estilos incrivelmente diferentes, demonstrando igualmente experiências e intelectos afiados e exaltados, no entanto totalmente distintos. Tudo isso não deveria causar inquietação alguma. Pelo contrário, deveria causar maior adoração e louvor a Deus, de nossa parte; a Deus que, por meio da superintendência soberana do Seu Espírito, nos deu a Sua Palavra de tal forma que Isaías continuou sendo Isaías em tudo que escreveu, e Paulo continuou sendo Paulo, enquanto que o resultado é a santa e infalível Palavra de Deus. Na tradição Reformada no entanto, em sua melhor e mais elevada forma, a ênfase não caiu na maneira de inspiração, ou numa definição técnica do significado dos vários atributos da Escritura tomados por eles mesmos (sua perfeição, clareza, suficiência e necessidade), mas na sua autoridade. É quando abordamos as Escrituras desta perspectiva, eu creio, que somos capazes de compreender o significado dos vários adjetivos que usamos para descrever a Bíblia. A Bíblia é autoritativa: e muito mais do que isso, ela é absolutamente, e em última instância, autoritativa. Ela não erra e não pode errar, e nunca jamais nos desviará. Podemos repousar no seu ensino, confiar nela completamente, depender dela para tudo que precisamos saber para viver e morrer de maneira feliz. 3 “Todo o conselho de Deus concernente a todas as coisas necessárias para a glória dele e para a salvação, fé e vida do homem”, afirma a Confissão de Fé de Westminster, “ou é expressamente declarado na Escritura ou pode ser lógica e claramente deduzido dela. À Escritura nada se acrescentará em tempo algum, nem por novas revelações do Espírito, nem por tradições dos homens”. 4 Quando as Escrituras falam, então, nós obedecemos. Quando ela afirma a verdade, nós submetemos nossos corações e nossas mentes a ela com alegria e com regozijo. Mas com base em quê? Qual é a base para a nossa aceitação da autoridade das Escrituras? Como é que sabemos o que afirmamos ser verdade? Estas questões não são novas, e continuamos a lutar com elas. Estamos persuadidos da autoridade das Escrituras porque podemos desvendar todos os seus segredos, resolver toda dificuldade, e harmonizar cada aparente discrepância? Porque com nossas próprias mentes somos capazes de desvendar e penetrar seus mistérios? Aqui, Calvino — o teólogo do Espírito Santo — é de ajuda inestimável para nós, e dando sequência a Calvino temos a Confissão de Fé de Westminster. Nós sustentamos que a Bíblia é um livro singular: vemos a sua singularidade e somos por ela afetados. Sua unidade extraordinária, apesar de ter sido escrita ao longo de vários séculos, seu estilo majestoso, seu conteúdo glorioso, sua consistência maravilhosa, seu registro marcante de profecia e do seu cumprimento — todas estas coisas nos movem a uma piedosa exclamação. Mas não se trata de nenhuma dessas coisas, nem todas elas tomadas juntas, sendo citadas, que nos convencem, nos persuadem e nos movem a obedecê-la. Antes, a base de autoridade indispensável, bíblica e singularmente convincente, é, como Calvino jamais se cansou em insistir, o testemunho do Espírito Santo. Nós cremos na Bíblia porque ela é a Palavra de Deus: mas nós sabemos que é a Palavra de Deus por causa do testemunho do Espírito Santo. Quando falhamos em compreender isso, quando nós separamos a autoridade das Escrituras do testemunho do Espírito — estamos ao mesmo tempo em perigo de esfriamento espiritual e somos presas fáceis de debates estéreis que são improdutivos e, no final, insensatos. Na tradição Reformada, portanto, nossa doutrina, e também nosso sistema organizacional, nosso louvor, nossa vida pública e privada como cristãos, bem como aqueles que fazem parte da igreja, estão sob a autoridade suprema da voz do Deus vivo falando a nós nas Escrituras. Pois para nós a Bíblia não é simplesmente um livro, mas trata-se do livro de Deus: não é apenas uma coletânea de proposições, mas tratam-se das palavras do Senhor Vivente. “Credibilidade de Doutrina”, disse Calvino, “não é estabelecida até que sejamos persuadidos, acima de qualquer dúvida, de que Deus é Seu Autor. Assim, a maior prova das Escrituras é derivada em geral do fato que Deus em pessoa é quem nela fala”. 5 2) A Soberania de Deus: A Fé Reformada também é caracterizada pela insistência de que Deus deve ser conhecido e adorado como o Deus Soberano. Alguns fariam desta soberania a sua característica maior. Num certo sentido essa ideia estaria correta, especialmente quando a fé Reformada é comparada com outras tradições teológicas, onde a grandeza e a majestade de Deus são insuficientemente apreciadas ou mesmo perdidas de vista. Deus é Rei, e não o homem! Num mundo em queexiste uma crise na doutrina da providência divina, como aponta o professor G.C. Berkouwer no seu brilhante volume sobre a providência de Deus, o Calvinista insiste que Deus é Senhor, e que Ele reina na História e sobre todo universo; que Ele é livre, independente de qualquer força ou ser fora dEle; que Ele conhece o fim desde o começo; que Ele cria, sustém, governa e direciona; que no dia do Senhor, o maravilhoso desígnio que Ele teve desde o começo será completamente manifestado — completo, e perfeito, afinal. 6 Nada pode parar ou retardar o progresso da chamada dos seus eleitos, da edificação da sua igreja, da vinda do seu reino, no espaço — até o mais alto grau de extensão da vasta criação de Deus, ou no tempo — até o fim dos tempos. Não temos a intenção de entender o mistério das transações de Deus com o mundo. Sempre, de novo, deixamos de encontrar uma explicação para o horror, o sofrimento e a morte que vemos ao nosso redor. Algumas coisas podem ser compreendidas como parte de um todo coerente. Mas existe muito que nós não sabemos e jamais poderemos vir a saber nesta vida e neste mundo. Os Cristão às vezes têm sido tentados até mesmo a duvidar, não só da Onipotência e Bondade de Deus, mas até da própria existência do Deus mesmo. James Walker na sua Teologia e Teólogos da Escócia tem um parágrafo fascinante sobre as dúvidas religiosas de alguns dos grandes personagens da história da igreja Escocesa. Diz-se que Robert Bruce “uma das figuras mais dominantes na nossa história religiosa, sobre cujas palavras havia um certo poder de soberano que elas pareciam que vinham como se fossem diretamente do santuário”, costumava dizer, “É uma grande coisa crer em Deus”. E Samuel Rutherford, falando das dúvidas ateístas pelas quais bons homens são de vez em quando assaltados, comenta num parêntese condescendente, Expertus Loquor (ele fala de experiência própria). James Renwick, o último dos Covenanters (homens do Pacto) a ser condenado a morrer publicamente pela causa do Pacto, falando de suas lutas juvenis para chegar a uma fé firme e sem hesitação “descreve sua agonia imensurável naquela tempestade de alma que ameaçava engolir todas as suas convicções e esperanças mais doces. Estando nos campos e olhando para as montanhas, ele disse, ‘Se todas estas fossem fornalhas devoradoras de pedras ardentes, eu estaria contente de passar por elas, se por esse meio eu pudesse ter a certeza de que existe um Deus’”. Procuramos nos relembrar, no entanto, das palavras sábias do grande teólogo Herman Bavinck que certa vez escreveu: “Mistério é o elemento vital da Teologia... A verdade que Deus revelou concernente a Ele mesmo na natureza e nas Escrituras vai muito além do que o homem pode conceber e da compreensão humana. Nesse sentido a Teologia se ocupa especificamente com mistério, pois não trata de criaturas finitas, mas do início ao fim se eleva acima de qualquer criatura ao próprio Ser Eterno e Infinito”. 7 Apesar de não entendermos muitas coisas completamente, a despeito disso, louvamos e adoramos a Ele; nos ajoelhamos perante o Seu trono, de quem e por quem e para quem são todas as coisas. A Ele somente seja a glória para sempre [Rm 11:36]! 3) A Primazia da Graça de Deus: Outro distintivo principal da Fé Reformada é sua constante insistência sobre a invencibilidade da graça de Deus. Falamos muito das doutrinas da graça; e o fazemos com razão. Enquanto que existe no ensino das Escrituras bem mais do que os cinco pontos do Calvinismo — as doutrinas da eleição, redenção particular (expiação limitada), depravação total, graça irresistível, e a perseverança dos santos — ainda assim estas grandes verdades estão no cerne da nossa proclamação; e temos de anunciá-las sem vergonha e com grande entusiasmo. Com certeza, não pregamos sempre a eleição divina: fazê-lo seria pregar sem a perspectiva bíblica. O próprio João Calvino é muito mais cuidadoso do que muitos Calvinistas, neste sentido. Embora exalte a soberania de Deus em todos os sentidos, e a exalta, portanto, também com relação à salvação, somente quando ele começa a falar de salvação — da soteriologia — é que ele, nas suas Institutas, faz uma discussão plena da doutrina da eleição. 8 Este fato é de grande significância. A eleição sempre deve ser colocada no contexto bíblico; e isso é geralmente porém não exclusivamente, o contexto do desígnio redentor de Deus. Certamente é também dentro deste contexto que nós devemos colocar a enorme importância da redenção particular, da expiação particular. Alguns fizeram comentários sem compreensão sobre esta doutrina e supõem ser este o tendão de Aquiles do Calvinismo. 9 Mas esse não é o caso completo e fazer tal asserção se trata de ser passível de culpa de presunção e de elevada impertinência. A nossa doutrina da eficácia da obra expiatória de Cristo, é em primeiro lugar, uma das glórias e forças da Fé Reformada. Por que falamos da morte de Cristo do jeito que falamos? Por que é tão essencial que, com toda a vastidão das implicações da cruz, nós continuamente enfatizamos a sua particularidade? Por que insistimos que aqueles por quem nosso Senhor sofreu e morreu, são também aqueles que serão levantados e exaltados com Ele e se assentarão nos lugares celestiais, com Ele? Certamente a resposta só pode ser que o que está em jogo aqui é a invencibilidade da graça de Deus. O nome do nosso Senhor é Jesus, porque Ele salva o seu povo dos Seus pecados. 4) A Integração de Doutrina com a Vida Cristã: A Fé Reformada, igualmente, acentua a doutrina bíblica da vida cristã. Quantas têm sido as aberrações nesta área! Em alguns pontos da história a vida cristão foi entendida em termos de ascetismo e do abandono da vida neste mundo presente. Os cristão até mesmo foram divididos em duas categorias: de um lado, aqueles chamados ao plano mais alto de isolamento monástico e auto-negação, expressando isso em votos de pobreza, castidade e obediência; do outro lado, aqueles que não eram capazes de atingir este padrão mas viviam no nível inferior e ordinário da experiência humana. Quase que o mesmo tipo de concepção também prevaleceu em certos meios mais evangélicos: por exemplo, onde crentes têm sido agrupados em duas categorias, aqueles da vida de fé vitoriosa, e aquele grupo dos não-vitoriosos, da vida carnal, que, apesar de cristãos, não eram da mesma qualidade ou caráter dos outros. Numa outra nuança deste mesmo esquema, existem cristãos que conhecem ao Senhor somente como Salvador; e existem cristãos que O conhecem tanto como salvador como Senhor. Às vezes tem havido também uma insistência sobre o caráter privado da verdadeira vida cristã. Toda a ênfase recaiu então sobre a vida da alma na presença de Deus, num tipo de experiência cristã mística que tinha a tendência de ignorar as outras relações da vida e tinha pouco a ver com a vida corporativa do Cristianismo. Alguém também pode levantar uma tendência marcante, aqui e ali, de se retrair da vida, como se o Cristão não pudesse viver no mundo, como se a vida no mundo fosse algo que o crente devesse evitar o mais que pudesse. Eu me refiro aqui, é claro, à mentalidade de gueto que tem caracterizado, com muita frequência, as pessoas que se descrevem como cristãos bíblicos. A Fé Reformada, com sua compreensão firme da doutrina do pacto da graça, tem insistido numa vida Cristã de grande amplitude e de órbita completa: uma vida vivida no mundo, mas ao mesmo tempo uma vida que não é orientada para o mundo e seus padrões; uma vida que enfatiza a “Cristianização” dos relacionamentos — por exemplo, o lar e a família. Onde é que alguém encontra a prática do culto doméstico? Onde é que alguém procura pelo conceito da igreja como uma coleção de famílias, ou como ela própria sendo a família? Além disso, a ideia Reformada da vida Cristã é a de uma vida vivida no mundo, cumprindo com as obrigações e as responsabilidades de tal vida, dando testemunho da fé que está em Jesus Cristo, no sentido de ser sempre coram Deo, na presença de Deus. 10 5) A Relação entre Lei e Evangelho: A Fé Reformada também tem sido caracterizada por um entendimento claro da distinção e da relação entre Lei e Evangelho. Uma das diferenças que mais impressionam no Protestantismo histórico é encontrado neste ponto. Os Luteranos sempre acusaram os Calvinistas de confusos a esse respeito. Apesar de Lutero e Calvino, formalmente, terem um só pensamento no seu entendimento do uso triplo da Lei, ainda assim a ênfase de Lutero era no primeiro uso da Lei, enquanto que Calvino enfatizava o terceiro, o chamado “uso prático” (usus practicus). 11 A Lei é nossa pedagoga de Cristo como o Novo Testamento claramente nos ensina; porém é mais do que isso; ela é também o nosso amado e santo guia para a vida de obediência e fé. Aqui a instrução do apóstolo Paulo é paradigmática para o Novo Testamento como um todo [Rm 8: 3,4]. A Lei não é o Evangelho: não é um meio de vida ou um meio para se viver. Mas nós também prosseguimos e declaramos que o Evangelho não o é sem a lei;ele é um meio de vida, o meio de vida para o povo de Deus. Se a santa Lei de Deus é de fato um reflexo da santidade do próprio Deus, então também o crente apesar de estar livre da Lei como um meio de vida, continua numa relação de alegre obediência à Lei que Deus, em Sua livre misericórdia, lhe deu. Além disso, faz parte do que nós entendemos que as escrituras ensinam, que a lei de Deus tem as suas implicações para a sociedade em geral, o usus politicus. Aqui novamente está um aspecto da verdade que precisa ser diariamente pregado e a cada hora, em nossa presente situação social. Num tempo de impiedade disseminada, quando parece não existir mais nenhuma noção clara de princípios morais absolutos e normativos; quando o dia do Senhor é pisado e a vida humana é barata, facilmente abortada, e a razão de ser disso, justificada até mesmo pela suprema corte do país; quando Deus é zombado e seus preceitos desafiados, e existe perigo exatamente e precisamente nesta narrativa e neste registro de eventos de um abandono divino de toda a nossa ordem social, como consequência de nossa mesquinharia, desejos e impureza (Rm 1:18ss.); nesta situação, com certeza a igreja de Cristo precisa declarar com convicção óbvia e com vigor que, de Deus não se zomba e que Sua santa Lei não pode ser deixada de lado sem que haja punição. 6) O Relacionamento entre o Reino de Deus e o Mundo: Outra característica principal da Fé Reformada tem sido sua visão positiva e afirmativa daquilo que talvez eu possa chamar de relacionamento entre o reino de Deus e o mundo. Neste ponto as opiniões não têm sido uniformes, e nem todos os teólogos Reformados têm estado preparados para falar livre e facilmente da ideia do “mandato cultural”, como alguns outros o fazem. Não obstante, no seu melhor e mais alto ponto a tradição teológica reformada tem expressado um grande interesse na forma e cultura do mundo: não no sentido, é claro, de se conformar com o mundo, mas no sentido de transformação do mundo. Pode-se ver isso fortemente no próprio Calvino, cujos interesses eram bem mais amplos do que a proclamação do Evangelho em Genebra. 12 Esta proclamação era de primeira importância, com certeza; mas tinha suas implicações ao longo do caminho, por toda a vida da comunidade e do estado. A sociedade é importante? Existe essa coisa de um “mandato cultural”? 13 Temos de nos importar com as condições sob as quais as pessoas vivem? Os famintos devem ser alimentados, os sedentos devem ser saciados, os perseguidos defendidos, e os necessitados satisfeitos? Só pode existir uma resposta da perspectiva Reformada. Com muita frequência o pensamento nesta área foi insuficientemente ligado ao Evangelho; e muitas vezes ideias vindas de outras fontes que não o Evangelho têm permeado o que bons homens pensaram sobre a vida do crente aqui neste mundo. 14 Mas cristãos reformados creem enfaticamente que a “Ao Senhor pertence a terra e tudo o que nela se contém, o mundo e os que nele habitam” (Salmo 24:1), e que Ele não abandonou nem por um momento os poderes fora dEle mesmo. É por isso que não podemos ser indiferentes aos males sociais, e à violações da lei de Deus na sociedade como um todo; é por isso que devemos nos opor ao terrível mal do aborto, à horrível aliciação da corrupção moral perceptível em todo canto, e também ao massacre opressor dos pobres e destituídos que estão sob os poderosos, à opressão dos fracos e desamparados qualquer que seja a forma como se manifeste. Certamente a transformação social não pode, em nenhum sentido, estar divorciada da pregação do Evangelho e da regeneração de indivíduos. Mas ao mesmo tempo é muito errado supormos que não deveríamos fazer nada, não dar testemunho, não exercer nenhuma influência, não ter visão, ver a nós mesmos como se não tivéssemos um chamado para trabalhar para que a vontade preceptiva de Deus seja feita, mesmo que um reavivamento e reforma mais abrangentes tardem a vir. Trata-se de uma prostituição do conceito bíblico da vida da fé, de considerar o Cristão como uma pessoa isolada, vivendo para ele próprio somente, como se ele pudesse cumprir sua obrigação para com Deus sem ver todas as coisas como estando sujeitas ao Senhorio de Jesus Cristo. Não temos que ter medo de enfrentar o mundo, apesar do seu caráter ser mau e de jazer na impiedade (I João 5:19). Cristãos Reformados têm desafiado tiranos e destituído esses: podemos lembrar de Gaspar de Coligny, William de Nassau, o Príncipe d’Orange, John Knox, John Rym, Oliver Cromwell, Richard Cameron e os Covenanters Escoceses (homens do pacto), John Witherspoon e outros homens piedosos, santos, que tinham como meta glorificar a Deus sobre a terra. Esta é a nossa herança, nosso entendimento do que significa viver como Cristão neste mundo, viver a vida da fé. Não há razão para temer a escuridão, e a fúria dos déspotas não deve nos aterrorizar. E por que deveria, se Aquele a quem pertencemos nos disse: “Tende bom ânimo; Eu venci o mundo” (João 16:33). Assim, como Cristãos nós trabalhamos rumo ao dia em que os reinos deste mundo se tornarão o reino do nosso Senhor e do Seu Cristo (Ap11:15). 7) A Importância da Pregação: Por fim, a teologia Reformada é marcada também por uma visão muito clara de pregação. Talvez eu deveria ter dito: por uma visão definida e clara do ministério e da vida na igreja em relação a ele. Aqui, existe muito em comum entre todos os evangélicos, de qualquer período da história. Isso é claro, também é verdadeiro das outras áreas que eu mencionei. Por exemplo, João Calvino não inventou a doutrina da predestinação. Assim também com relação à pregação, na medida em que eles e nós somos bíblicos, evangélicos e calvinistas ocupam o mesmo campo e se regozijam na nossa comunhão. Continua sendo verdade, no entanto, que alguém pode falar de uma visão distintamente Reformada de pregação. Mas no que consiste isso? Certamente aqueles que se apegam à fé Reformada têm uma visão elevada do ministério (veja Rm 10:15). 15 Já podemos sugerir e pressupor isso, apesar de não termos dúvidas que muitos nas chamadas igrejas Reformadas e Presbiterianas esqueceram sua própria herança a este respeito. A doutrina do ministério que prevalece em muitas frentes é uma visão muito inferior do que aquela ensinada nas Escrituras: testemunhe a facilidade com que as congregações se livram de pastores que possam tê-los incomodado de alguma forma ou desagradado pela objetividade da sua pregação. Se temos uma visão elevada do ministério, isso quer dizer que temos também um visão elevada da própria pregação do evangelho em si (I Co 1:21; Rm 10: 13-15). É pela pregação que Deus confronta as pessoas e as traz para si, conformando-as ao padrão do Seu Filho; de fato, é pela pregação que Jesus Cristo se apresenta aos corações e às consciências dos homens (Rm 10:14). Mas nós prosseguimos e fazemos a pergunta básica: O que caracteriza a pregação no sentido neo-testamentário da palavra? a) Exposição: Certamente pregação é a exposição da Palavra de Deus. Quando estamos lidando com as Escrituras, procurando expô-las temos de lutar com a passagem que temos à nossa frente; temos de abordá-la exegeticamente; temos que procurar entender seu significado; temos que procurar entender seu significado específico. Outras áreas de estudo são de uma enorme valia aqui — a teologia sistemática, por exemplo; a história da igreja e teologia bíblica; um conhecimento integral da sua própria época e cultura dentre outros; porém nada deve interferir com o pregador e o seu texto. b) Aplicação: Pregaçãoé inevitavelmente, e na natureza do caso, a aplicação da palavra de Deus. Alguns têm negado isso, ou pelo menos têm seriamente modificado esta visão. Até mesmo aqueles que se chamam Reformados têm, ocasionalmente sentido um certo desconforto com a conexão entre “exposição” e “aplicação”, já que a aplicação parece exigir que o pregador seja muito direto na abordagem do seu povo a ponto de esperar que o povo faça algo com a verdade que os confronta. Deve ser enfatizado que o decisivo resultado da pregação não é o resultado de nossa habilidade ou criatividade, paixão ou zelo, mas sim da obra de Deus por meio do Seu Espírito nos corações daqueles que ouvem. Ao mesmo tempo está perfeitamente claro nas Escrituras “que a verdade é para o bem; e a grande pedra angular da verdade é a sua tendência a produzir santidade”; 16 e esta pregação é de longe muito mais do que anunciar: ela é exposição e aplicação; é a verdade levada à vida; é verdade com uma dimensão moral e cognitiva (2 Tm 4:1,2). Aplicar a verdade na pregação não é tarefa fácil; no entanto nós não teremos pregado enquanto assim não tivermos feito. Os teólogos de Westminster, no seu pequeno e maravilhoso tratado sobre o assunto, insistiam que o pregador “não deve ficar só em doutrina geral, apesar de confirmar e esclarecer, mas deve levá-la à vida e ao uso especial dos seus ouvintes por meio da aplicação: o que, no entanto, se mostra um trabalho de grande dificuldade para a pessoa, e que requer muita prudência, zelo e meditação, e será muito desagradável para o homem natural e corrupto; no entanto ele deve tentar apresentá-la de tal forma, que os seus ouvintes sintam a palavra de Deus rápida e poderosamente, e como um discernidor dos pensamentos e propósitos do coração; e que, se qualquer pessoa ignorante ou descrente estiver presente ele possa ter os segredos do seu coração manifestos e dar glória a Deus”. 17 c) Proclamação: Mas não podemos parar por aí. Pois a pregação é a exposição e a aplicação da Palavra der Deus; mas, além disso ela é proclamação. A própria palavra “pregar” no Novo Testamento significa isso. Nós somos expositores e aplicadores; porém somos expositores e aplicadores da Verdade de tal forma que o que nós fazemos vem a ser proclamação. Nós somos arautos, com uma mensagem, que nos foi legada para ser entregue às pessoas. Isso nos tira para fora de nós mesmos, nos eleva, tirando-nos da esfera da comunicação ordinária. Nós estamos lidando com os assuntos supremos de vida e morte, do céu e do inferno. Não somos de nós mesmos; a mensagem que trazemos não é de nossa própria imaginação; o peso que é colocado sobre nós não está confinado às preocupações do tempo e do espaço. O pregador é o homem de Deus com a mensagem de Deus. E essa mensagem é da mais desesperada urgência e consequência. Somos enviados a pessoas que vivem no mundo das sombras da morte e temos as palavras de vida e luz nos lábios. Quando um ministro reformado prega, ele o faz com a consciência do que consiste a sua tarefa e qual a sua função. Ele deve se levantar e proclamar sua mensagem com o coração cheio de amor a Cristo e pelas almas dos homens. Ele deve pregar clara e simplesmente, destemidamente, pastoralmente e amorosamente; e ele deve pregar na certeza e consciência da seriedade e majestade e da glória do que Deus está fazendo por meio dele. Ele sabe que o Senhor está consagrando a Si a boca e a língua de um mero homem a fim de ressoar por meio da própria pregação a voz do próprio Salvador.18 O que nossa geração precisa não é de um grupo de comunicadores, ou de oradores muito espertos, oradores eficazes, ou professores interessantes, mas sim de um grupo de proclamadores do Evangelho que permanece para sempre em toda sua riqueza e compreensibilidade. d) Liberdade: Porém, uma qualidade a mais da pregação no entendimento Reformado da palavra deve ser mencionado: a sua liberdade. “Eu, irmãos, quando fui Ter convosco, anunciando-vos o testemunho de Deus, não o fiz com ostentação de linguagem, ou de sabedoria. Porque decidi nada saber entre vós, senão a Jesus Cristo, e este crucificado. E foi em fraqueza, temor e grande tremor que eu estive entre vós. A minha palavra e a minha pregação não consistiram em linguagem persuasiva de sabedoria, mas em demonstração do Espírito e de poder”, (I Co 2:1-4). E de novo: “Portanto eu vos protesto, no dia de hoje, que estou limpo do sangue de todos; porque jamais deixei de vos anunciar todo o desígnio de Deus” (Atos 20: 26,27; e também 2 Co 5:10,11; 2 Tm 2:9). Dos primeiros pregadores do Evangelho, os apóstolos, nos é dito: “Tendo eles orado, tremeu o lugar onde estavam reunidos; todos ficaram cheios do Espírito Santo, e, com intrepidez, anunciavam a palavra de Deus” (Atos 4:31). Calvino tem uma ótima palavra para usarmos aqui: “De acordo, Pedro, que era bem instruído pelo Mestre em relação a quanto deveria fazer, não reserva nada para si mesmo ou para outros a não ser compartilhar a doutrina como ela foi lhe foi entregue por Deus. ‘Se alguém fala, fale de acordo com os oráculos de Deus’ (I Pedro 4:11); isto é, não hesitando ou tremendo como as consciências más estão acostumadas a fazer, mas sim com a mais alta confiança que é apropriada ao servo de Deus equipado com as suas ordens certas. O que seria isso senão rejeitar todas as invenções da mente humana (de qualquer que seja a mente que tenham vindo) a fim de que a pura Palavra de Deus seja ensinada e apreendida na igreja do crente? O que é isso senão remover as ordenanças, ou antes as invenções de todos os homens (qualquer que seja a sua posição), a fim de que somente os decretos de Deus permaneçam fortes? Estas são aquelas ‘armas espirituais... poderosas em Deus para destruir fortalezas’; por meio delas os fiéis soldados de Deus ‘anulando sofismas e toda altivez que se levante contra o conhecimento de Deus, levando cativo todo pensamento `a obediência de Cristo’ (2Cor 10: 4-5). Aqui, então, está o poder soberano com o qual os pastores da igreja, qualquer que seja o nome que forem chamados, deveriam ser equipados. Isto é, que eles se atrevam, a ousadamente fazer todas as coisas pela Palavra de Deus; que eles possam, com força, fazer com que todo poder, glória, sabedoria e exaltação do mundo se renda e obedeça à sua majestade.; que eles sustentados pelo seu poder possam comandar do maior até o menor; possam edificar a casa de Cristo e aniquilar a de Satanás; possam alimentar as ovelhas e espantar os lobos; possam instruir e ensinar aos que se deixam ensinar; possam acusar e repreender e subjugar os rebeldes e teimosos; possam ligar e desligar; e finalmente, se necessário for, possam lançar raios e trovões; no entanto, fazer tudo pela palavra de Deus”. 19 É óbvio que deve haver alguma restrição na liberdade ministerial na pregação da Palavra de Deus. Um ministro deve ser um pregador responsável; e ele é livre para pregar apenas aquilo que está nas Escrituras. Como o próprio Calvino aponta, a diferença entre os apóstolos e os seus sucessores é que “os primeiros eram certamente escribas genuínos do Espírito Santo, e seus escritos devem portanto ser considerados oráculos de Deus; mas o único ofício dos outros (dos sucessores) é de ensinar o que foi providenciado e selado nas sagradas Escrituras.’ 20 Além disso, um ministro é um dentre muitos; ele está sujeito aos seus irmãos no Senhor, como um servo da Palavra de Deus na comunhão da igreja. É uma das glórias da forma bíblica de governo de igreja, no entanto, que na tradição Reformada os ministros devem ser preservados do falso ensino e doutrina herética assim como do discurso precipitadono exercício do seu ofício, na sua relação com o presbitério e a sua supervisão dos mesmos, mas ao mesmo tempo protegidos de qualquer desprazer malicioso nas suas congregações quando o ressentimento pode brotar pela sua proclamação fiel do Evangelho. O ministro na tradição Reformada é separado até certo grau da sua congregação no que ele não pode ser dispensado pelo caráter profético da sua pregação. De forma ordinária é claro que os pastores e o povo devem ser um só, e ambos deveriam se regozijar na amizade que compartilham e no apreço que têm um para com o outro. O pastor deveria estar preocupado em edificar; não em arruinar. Mas cada ministro digno do seu sal, teve a experiência de ter sido constrangido pela obediência à Palavra de Deus, a repreender e reprovar quando há pecado, erro, visão curta na congregação; ele o faz sem medo e sem favor; ele não é bajulador de homens. E ele o faz com um grande e potencial custo próprio. Ao mesmo tempo, igrejas e instituições que clamam para si o nome de cristãs, e existem para exaltar o nome de Cristo e levar avante a sua causa na terra, devem fazer todo esforço possível para que a função profética do ministério esteja sendo exercida com toda ousadia e liberdade. E deveriam agradecer a Deus por tal coisa. Não precisamos de palavras açucaradas, pensamentos anuviados, pregadores que fazem concessões, cujo primeiro pensamento é se o que eles vão dizer vai ou não ofender aos ouvintes ou a comunidade como um todo; mas antes precisamos de pregadores cujo compromisso primordial e portanto o primeiro impulso, seja a obediência ao senhor Jesus em cujo serviço eles foram alistados, a quem eles pertencem, e a quem eles devem prestar contas. Na sua luta com o Arcebispo John Whitgift, o primeiro no ranking Elizabetano que frequentemente parecia estar mais interessado em agradar a rainha do que ao Senhor, e que resistiu até mesmo a perseguir aqueles na igreja que insistiam na aplicação livre da palavra de Deus, o grande teólogo Puritano e pregador Thomas Cartwright escreveu estas nobres palavras: “É verdade que deveríamos ser obedientes aos magistrados civis que governam a igreja de Deus naquele ofício que a ele é confiado, e de acordo com aquele chamado. Mas deve-se lembrar que magistrados civis devem governá-la de acordo com as regras de Deus prescritas na sua Palavra, e naquilo que são cuidadores assim também sejam servos para a igreja, e no governo da igreja eles lembrem-se de se submeterem a igreja, submeter seus cetros, lançar ao chão suas coroas, perante a igreja, sim, como diz o profeta, lamber o pó dos pés da igreja. De maneira que não quero dizer que a igreja ou extraia à força os cetros das mãos dos príncipes, ou tire suas coroas das cabeças, ou que requeira que os príncipes lambam o pó dos pés dela (como o fez o Papa sob esta pretensão), mas quero dizer, como o quer dizer o profeta, que qualquer que seja a sua magnificência ou excelência ou pompa deles ou das suas propriedades e posses, que não fecha com a simplicidade (no entender do mundo) e pobreza e estado desprezível da igreja, que eles estarão contentes em abrir mão”. 21 Cartwright pagou um alto preço nos seus dias pela sua obediência ao Rei dos reis: ele foi silenciado, aprisionado e exilado para sua liberdade no exercício do seu ministério, enquanto que os bispos bajuladores prosperaram e afloraram com suas consciências mortas e sua preocupação em agradar sua Majestade. Talvez tenha de ser sempre assim. Mas seja assim ou não — se a nós for dada a liberdade dentro da igreja, de ser fiel à palavra de Deus ou ter de batalhar continuamente por ela — não pode haver dúvida de onde está nosso dever. E o fato é que a luta jamais acaba, enquanto a natureza humana permanecer do jeito que ela é, mesmo que em princípio esteja convertida e humilhada aos pés da cruz de Cristo. Um ministro na igreja de Jesus Cristo, reformada de acordo com a Palavra de Deus, jamais pode passivamente aceitar uma imposição de silêncio que venha a ser ilegalmente colocada sobre ele, mas ele dirá perante qualquer sinédrio que seja chamado a comparecer: “Julgai se é justo diante de Deus ouvir-vos antes a vós outros do que a Deus; pois nós não podemos deixar de falar das coisas que vimos e ouvimos” (Atos 4:19,20). E numa palavra dos apóstolos que diz tudo que precisa ser dito: “Antes importa obedecer a Deus do que aos homens” (Atos 5:29). 1 Fred H. Klooster, A Singularidade da Teologia Reformada: Uma Tentativa Preliminar de Descrição (Grand Rapids: O Sínodo Reformado Ecumênico, 1979). A brochura inclui respostas de Raden Soedarmo, Sr. Eugene Osterhaven, W. van’t Spijker, e John H. Leith. 2 A literatura é vasta e está crescendo. Veja por exemplo, Harold Lindsell, A Batalha pela Bíblia (Grand Rapids: Zondervan Publishing House, 1976); e A Bíblia e o Equilíbrio (Zondervan, 1979); também as publicações do Conselho In ternacional de Inerrância Bbíblica (Oakland, Califórnia). Por outro lado, Jack B. Rogers, ed., Davis, O Debate Sobre a Bíblia (Philadelphia: Westminster Press, 1977); também Jack B. Rogers e Donald K. McKim, A Autoridade e a Interpretação da Bíblia: Uma Abordagem Histórica (San Francisco: Harper e Row, 1979). 3 A discussão de João Calvino sobre a autoridade bíblica é de extrema importância e é tão valiosa agora como foi no século 16; veja as suas Institutas da Religião Cristã, I/ 7,8,9. 4 A Confissão de Fé de Westminster, I/6. 5 Institutas, I/7/4; sobre o testemunho do Espírito Santo veja também I/7/I; I/7/5;I/8/13. 6 G.C. Berkouwer, A Providência de Deus ( Grand Rapids:Wm. B. Eerdmans Pub Co., 1952), pp. 7ff. 7 Herman Bavinck, A Doutrina de Deus ( Banner of Truth Trust, 1977), p. 13. 8 Institutas, III/21-24. 9 Veja por exemplo Clark H. Pinnok, ed., Grace Unlimited (Graça Ilimitada) (Minneapolis:Bethany Fellowship, Inc., 1975): “Apesar de os ensaios não terem sido escritos de maneira polêmica, sua tese dá ao livro um caráter controverso, no que nós estaríamos opondo um esforço tremendo na ortodoxia Protestante limitando o evangelho e jogando uma sombra sobre a sua disponibilidade e intenção universais, manifestando-se mais abertamente no Calvinismo clássico. Esta teologia que, na sua doutrina terrível de dupla predestinação, questiona a intenção de Deus de salvar a todos os pecadores e como consequência lógica nega que Cristo morreu para salvar o mundo como um todo, é simplesmente inaceitável exegeticamente, teologicamente e moralmente, e devemos dizer a ela um ‘Não!’ enfático”. (p. 12; as palavras são de Pinnock). 10 Veja o excelente livro de M. Eugene Osterhaven O Espírito da Tradição Reformada -The Spirit of The Reformed Tradition - (Grand Rapids: Wm.B. Eerdmans Pub. Co., 1971), especialmente o capítulo 4, “Na Presença de Deus”, pp.88ff. 11 Otto W. Heick, A History of Christian Thought, Vol. I ( Philadelfia: Fortress Press, 1965), p. 450. 12 Um estudo de grande ajuda sobre os aspectos mais amplos do ministério de Calvino nesse respeito é W.Fred Graham, The Constructive Revolutionary: John Calvin & His Socio-Economic Impact (Richmond: John Knox Press, 1971). 13 Em qualquer discussão sobre o “mandato cultural”, a passagem fundamental a que invariavelmente se faz referência é Gênesis 1:28, “E Deus os abençoou e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, e sobre todo animal que rasteja pela terra”. Está em vista a responsabilidade de sujeitar todas as áreas da vida, cada aspecto da experiência ao senhorio de Deus e de considerar cada uma dessas áreas para o Seu serviço. 14 Temos de reconhecer que na natureza do caso até mesmo o melhore mais puro dos cristãos é imperfeito; e apesar de todos os nossos esforços de nos livrarmos daquelas coisas que não têm origem na Palavra de Deus, aquelas ideias e tradições que são parte da bagagem que trazemos conosco de outra esfera, resta aquilo que é inconsistente com o Evangelho. Assim, os próprios Reformadores por exemplo, aceitaram o sacramentalismo e o territorialismo do seu tempo de maneira inquestionável, apesar de estes terem sua gênese nos reinados dos imperadores Romanos do quarto século, e não no Novo testamento. Muitos líderes cristãos no século dezesseis tendiam a pensar nos limites da igreja e do estado como quase co-extensivas. O fato de eles estarem enganados neste ponto não anula o que eles procuraram fazer em termos de reino de Deus. 15 Veja, por exemplo João Calvino, Institutas, IV/ 3/3; e IV/3/I,2. 16 Citação da “Introdução” a A Forma de Governo, da forma ratificada e adotada pela Igreja Presbiteriana nos Estados Unidos da América, 1788. 17 O Diretório do Culto Público, “Da Pregação da Palavra”, encontrado na Confissão de Fé, Catecismo Maior e Menor, etc., editado pelo Comitê de Publicações da Igreja Presbiteriana Livre da Escócia (1967),p. 380. E Pela Editora Os Puritanos/2000 18 Romanos 10:14 é de primeira importância aqui. Paulo declara: “Como porém invocarão aquele em que não creram? E como crerão naquele de quem nada ouviram? E como ouvirão, se não há quem pregue?”. O apóstolo está declarando aqui que na pregação não é simplesmente a voz do pregador que é ouvida, mas sim a própria voz do Senhor Jesus Cristo. Nas suas discussões de pregação, esta ideia é muito proeminente na mente de Calvino. 19 Institutas, IV/8/9. 20 Ibid. 21 As Obras de John Whitgift, editado para a Parker Society por John Ayre, Vol III ( Cambridge: The University Press, 1853), p. 189. As palavras de Cartwright estão impressas ao longo das respostas de Whitgift. POR QUE A FÉ REFORMADA? Terry L. Johnson G Introdução ostaria que considerássemos a razão por que alguém deveria aderir à fé reformada. O que quero dizer com “reformada”, é aquela tradição teológica cujas raízes remontam a Calvino — e, talvez, alguém poderia contestar e dizer: vão até Agostinho, antes de Calvino. Mas nós nos referimos primeiramente às reformas do século 16, reformas das corrupções do final do período da Igreja Medieval e Renascentista, e o movimento que estas produziram. Referimo-nos à herança calvinista emanante de Genebra, que resultou nas Igrejas Reformadas Suíças, Holandesas e Alemãs; no mundo anglo- saxônico, resultou na Igreja Reformada Escocesa, que ficou conhecida como Presbiteriana; resultou, também, no Puritanismo Inglês, no Puritanismo da Nova Inglaterra e também na antiga escola de Princeton. Não quero, porém, que este material seja uma aula de História. Por mais que eu aprecie a oportunidade de examinar os eventos históricos fascinantes em torno da Reforma: Lutero sendo atingido por um raio; Lutero perante a dieta de Worms bradando: “Aqui estou firme”; Knox protegendo o inflamado pregador escocês George Wishart, com uma espada de dois gumes; Knox servindo como um escravo nas galés de um navio francês de guerra; Hooper, Cranmer, Ridley, Latimer, todos sendo condenados à morte em fogueiras; Latimer voltando-se para seu amigo e dizendo: “Tende bom ânimo, Mestre Ridley, e seja homem de verdade; nós haveremos, pela graça de Deus, de acender uma chama na Inglaterra, hoje, que jamais se apagará”. Havia gigantes na terra, naqueles dias! O que eu gostaria, no entanto, de examinar, é a própria Fé Reformada; suas ideias, seus princípios fundamentais. Por muitas gerações a Fé Reformada tem capturado os corações dos homens e os têm inspirado, enviando-os, de maneira irônica, ao campo de batalha como sendo o campo missionário. Tendo sido criado numa outra tradição, foram as ideias e ideais da Fé Reformada que instigaram minha imaginação quando jovem estudante no seminário. Eu fiquei empolgado com o que vi como sendo um entendimento mais puro da visão bíblica de Deus e das coisas criadas, com cada uma delas no seu devido lugar. “Religião Bíblica em Sua Pureza”, é o que tem sido chamada. No entanto, hoje em dia há tão poucos que sequer ouviram falar da “Fé Reformada”. Na época da Revolução Americana, 85% da nossa população nacional era de tradição reformada. Como caíram os poderosos! E como o fim da sua existência enfraqueceu e prejudicou a igreja americana! Tenho que admitir, eu não gosto do evangelho da forma que o ouço hoje em dia. O antigo evangelho está morto. Os liberais o substituíram por uma versão mundanizada e politizada. Estas não são novidades recentes. Estão fazendo isso por muitas décadas. A coisa surpreendente é como podem, até mesmo os evangélicos conservadores, trocar o Evangelho real por uma mensagem de auto-ajuda e auto-realização. Os temas como pecado e salvação foram substituídos por assuntos mais em voga e na moda, emprestados da psicologia moderna. Existem mil e uma lições sobre auto- melhoramento (e.g. casamento, trabalho, família, contentamento, etc.) para cada obra sobre a expiação. Perdemos o rumo do caminho, em nossos dias, e creio que são os distintivos da Fé Reformada que apontarão o caminho de volta para a igreja. Quais são as suas ideias fundamentais? A Grandeza de Deus e de Sua Glória É aí que tudo começa. O Deus da Igreja Reformada é, de fato, um Deus Grande. B.B. Warfield, o maior dos teólogos da escola de Princeton, disse: “É a visão de Deus e da Sua majestade... que jaz no fundamento da plenitude do pensamento calvinista” (Calvino e Agostinho, 491). Se fosse para alguém isolar uma característica distintiva da Fé Reformada, todo mundo haveria de concordar que esta seria a grandeza soberana de Deus. O que se encontra no pensamento reformado é um desejo e vontade de deixar que Deus seja Deus. Enquanto outros tentam aplicar a lógica às questões dos decretos divinos e da responsabilidade humana, nós meramente curvamos nossas cabeças em silenciosa reverência. Enquanto outros mergulham no fatalismo por um lado, ou virtualmente derrubam a Deus do Seu trono, nós O louvamos nas palavras do apóstolo Paulo: “Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria, como do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos e quão inescrutáveis os seus caminhos!” (Romanos 11:33). Entre os reformados se encontra uma disposição de fechar a boca e deixar que Deus fale por Ele mesmo na Sua Palavra e crer no que Ele diz, não importa quão difícil seja de entender, ou, quando entendido, quão desconfortável faz com que eles se sintam. Ao assim fazê-lo, temos encontrado um Deus que é maior do que as simples categorias em que alguém talvez queira encaixá-lo. Alguém pode tentar o quanto quiser colocar Deus numa caixinha manejável de compreensão, mas Ele não se encaixa. Deus vai emergir sempre de novo de forma maior e maior, mais glorioso, mais dominador, mais incrível, mais aterrador, e mais confortador. “Considerai, pois, a bondade e a severidade de Deus,” diz o apóstolo (Romanos 11:22). “Quem és tu, ó homem, para discutires com Deus?” (Romanos 9:20). Este é o Deus que fez todas as coisas, que planeja todas as coisas, até “o que quer que venha a acontecer”, como ensina a nossa Confissão de Fé, quem governa, sustenta e preserva todas as coisas. Ele é um Deus grande. É o único Deus que pode manter-me leal! Talvez você se identifique com a seguinte experiência. Num certo ponto dos meus anos de estudante universitário, eu me vi perdendo as energias para praticar o discipulado. Deus, da maneira que eu O conhecia então, era grande, mas somente no sentido de ser um Ser maior do que nós homens. Eu não estava aqui para Ele, Ele é queestava lá para mim. Eu não era Seu servo, Ele era meu servo. A vida cristã estava precisamente invertida para mim naquele tempo. Foi somente quando eu cresci para esta visão bíblica e reformada de Deus que uma revolução “Copérnica” (de Copérnico) aconteceu, e eu fui forçosamente retirado do centro das coisas, e compreendi que Deus é que estava no Seu trono. Eu compreendia Deus como sendo um amigo. Eu não tinha compreendido Deus como Rei. Este é o princípio fundamental da Fé Reformada. Ele dá vida a tudo que fazemos. Nós nos reunimos para adorar não para agradar a nós mesmos, ou como é muito frequente, para nos entreter ou para “tirarmos algum proveito da coisa”, como frequentemente se ouve dizer; mas, sim, para glorificar e exultar no Senhor nosso Deus. No culto não vamos para ouvir uma boa palavra, ou para ouvir uma palestra sobre um assunto interessante, mas, sim, para nos humilhar, humilhar nosso pensamento, nosso estilo de vida, nossas práticas sob a Palavra de Deus, e obedecer à Sua Palavra como nossa lei. É com esta atitude que vivemos toda nossa vida. Ele não é apenas o Rei da Igreja, ou do nosso compartimento de oração; mas, sim, do mundo todo e de todo aspecto a Ele relacionado. A vida é um render-se contínuo de nós mesmos como sacrifícios vivos, para o louvor do grande e glorioso Deus a quem servimos (Romanos 12: 1,2). A Pequenez e a Depravação do Homem A quê nos leva esta visão da grandeza e da glória de Deus? Ela leva a um entendimento profundo da pequenez do homem. “Que é o homem, que dele te lembres?”, pergunta o salmista (Salmo 8). Quando alguém vê a Deus em Sua glória, o sujeito fica consciente da sua própria insignificância – apenas “somos pó” (Salmo 103:14). Quando foi dada a Moisés a visão gloriosa, não da face de Deus, mas apenas de suas “costas”, lemos da sua reação: “E, imediatamente, curvando-se Moisés para a terra, O adorou” (Êxodo 34:8). Esta é a revolução Copérnica à qual me referi acima. Nos apercebemos que não somos o centro do universo, mas Deus O é; e, em relação a Ele, somos apenas grãos de pó na balança (Isaías 40:15). Isso é difícil para o orgulho humano engolir. Nós gostamos de ter a nós mesmos em alta conta. Quão importante eu sou! Nós nos levamos tão a sério; vestimo-nos bem; damos títulos a nós mesmos. Somos mais honráveis e excelentes: o Reverendo, o executivo, o diretor e o presidente. Mas Deus nos diz: “Porque tu és pó, e ao pó tornarás” (Gênesis 3: 19). Na nossa força coletiva, considerando-nos como nações, Ele diz: “Todas as nações são perante ele como cousa que não é nada; Ele as considera menos do que nada, como um vácuo” (Isaías 40:17). A Fé Reformada coloca as pretensões humanas no seu devido lugar. Elas são todas vaidade.Mas, além disso, a Fé Reformada, como nenhuma outra, entende a pecaminosidade do Homem. Se alguém perguntar qual será a outra crença tipicamente citada dos calvinistas, a resposta geralmente é: “a depravação do homem”. Nós somos a última palavra em pessimismo quanto à natureza humana desassistida. Como foi que o pecado nos afetou? Quando outros falam do pecado como uma influência, nós falamos dele como escravidão. Quando outros dizem que o pecado distorce a perspectiva do homem, nós dizemos que ele cega os olhos e fecha os ouvidos. O homem não está simplesmente doente: ele está morto em delitos e pecados (Efésios 2:1). “Em mim não habita bem nenhum”, diz o apóstolo Paulo (Romanos 7;18). Quão profundamente negativa é nossa visão da natureza humana! Que outra compreensão, além da Fé Reformada, diria que o homem é, “totalmente vil em todas as suas faculdades e em todas as partes da alma e do corpo... e totalmente indisposto, sem condições, e oposto a todo bem, e inclina-se totalmente ao mal” (Confissão de Fé de Westminster, VI.2,4)? Por que dizemos que o homem é tão mau? Porque compreendemos que Deus é tão santo e tão puro, e uma vez tendo alcançado essa visão, não temos outra alternativa senão nos vermos como totalmente vis em pensamento, palavra e ação. Como Isaías, nós vemos a Deus em Sua glória, nós ouvimos os serafins clamando: “Santo, Santo, Santo”, e não podemos senão concluir com ele: “Ai de mim, porque sou homem de lábios impuros” (Isaías 6:5). O homem não é apenas pequeno, como criatura, ele é degradado por causa do pecado. O pecado nos deixou numa condição desesperançada e irremediável, cegos, escravizados e mortos. Nenhuma outra escola de pensamento vem com tanta fúria contra o orgulho humano – especialmente contra as ideias do pós-iluminismo e das visões modernas da grandeza humana – e assevera de maneira não ambígua a depravação e a degradação total humana. A Graça da Obra Redentora de Cristo É óbvio que o homem, numa condição tal como a descrita acima, está desesperadamente necessitado de um Libertador, um Salvador para o resgatar. Enquanto que alguns atribuem uma parte ao homem e uma parte a Deus, para conquistar a salvação, a Fé Reformada se posiciona sozinha e afirma, junto com Jonas, as totais implicações da palavra: “a salvação pertence ao Senhor”. Nenhuma outra visão exalta tanto a obra de Cristo na cruz. O que foi que Ele fez para assegurar a nossa salvação? Tudo. Ele morreu pelos nossos pecados. Enquanto que outros param por aí, nós vamos além e dizemos que Ele nos trouxe para a vida, fez com que “nascêssemos de novo”. Ele nos “regenerou”, como dizem os teólogos, e em nós operou a fé, que nos deu como dom (Efésios 2:8,9). Por meio dessa fé somos justificados, adotados, santificados, preservados e seremos glorificados. Se somos salvos, não podemos ter mérito em nada. Não podemos nos gloriar de nada, Paulo diz: “Mas vós sois dele, em Cristo Jesus, o qual se nos tornou da parte de Deus sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção, para que, como está escrito: Aquele que se gloria, glorie-se no Senhor” (I Co 1:30,31). Isso expressa o ponto. Foi por “Sua operação”. Então, como é que você poderia se gloriar? A Salvação é um Dom que Cristo conquistou. Ele mesmo conquistou e nos deu por Sua livre e espontânea vontade e não por alguma coisa que porventura existisse em nós. O teólogo R.C.Sproul certa vez debateu com um homem que dizia que a salvação é como a experiência de um homem que estava se afogando e para quem Cristo lança uma corda. O que o homem tem de fazer é agarrar-se à corda. A parte de Deus é providenciar a corda. A parte do homem é agarrá-la e segurá- la. Sproul retrucou que a salvação não se compara a um homem que está se afogando, mas a um homem que já está afogado, e está inconsciente no fundo do lago. A parte de Cristo é de mergulhar, retirar o homem e trazê-lo até a margem, fazer respiração boca a boca, e trazer o homem de volta à vida. Qual é a parte do homem? Apenas voltar a viver. E isso não é parte coisa nenhuma. Você diria que tal pessoa contribuiu para o seu próprio resgate? É claro que não. O mesmo é verdadeiro para salvação. É Cristo sozinho quem nos salva. Damos toda glória a Cristo, e nenhuma glória ao homem. Enquanto que outros gostam daquela imagem de Cristo passivamente batendo à porta do coração dos pecadores, esperando para ser deixado entrar, nossa imagem é a de Cristo arrombando a porta e entrando com veemência pelos portões do nosso coração, bem como nos arrancando dos portões do inferno. Ele é um salvador grandioso, que não só faz possível a salvação, mas de fato salva! Uma Visão Otimista do Futuro Em Cristo o homem é restaurado ao seu papel exaltado original na criação. Em Cristo somos refeitos (Hebreus 2:7,8; cf Salmo 8). Feitos à imagem de Deus e restaurados a Deus em Cristo, temos dignidadee possibilidades que jamais seriam alcançáveis sob a tirania do pecado. Jesus Cristo derrotou o diabo, e triunfou sobre os principados e potestades (Cl 2:15). Ele está assentado no Seu trono nos céus como possuidor “de todos os poderes nos céus e na terra”, e Ele nos envia como “mais que vencedores”, e por isso “nosso trabalho no Senhor não é vão” (I Co 15:58). Portanto, não podemos deixar de ser otimistas. Cristo vem marchando nesse mundo de maldade miserável. Ele vem “conquistando e para conquistar”. Ele está vencendo. Ele está levedando a massa toda. O grão de mostarda está crescendo e dominando o jardim. Podemos servi-Lo na confiança do sucesso do evangelho (Ap 6:2; I Co 15:57; Mt 13:31-35). Esta é a nossa herança. Pense no otimismo de William Carey, o pai das missões modernas. Depois de cinco anos e meio de trabalho missionário pioneiro na Índia sem um convertido sequer, ele escreveu ao seu amigo Samuel Pearce: “O trabalho sobre o qual Deus colocou Suas mãos, vai prosperar de maneira infalível. Cristo começou a conquistar esta fortaleza forte e antiga, e certamente o fará até o fim”. E quando, finalmente, Krishna Pal se converteu a Cristo, naquele tempo seu primeiro e único convertido, ele escreveu: “Ele foi apenas um, porém um continente está vindo após ele. A graça divina que transformou o coração de um indiano poderia obviamente transformar cem mil.” De modo semelhante, um grande missionário pioneiro no interior da África, que apesar de ter visto pouco em termos de conversão no seu tempo, escreveu: “A grande ideia de converter o mundo a Cristo não é uma utopia: é uma motivação Divina. O cristianismo há de triunfar. Isto também se aplica a cada um dos passos da pregação do Evangelho”. Quando vemos as grandes ondas de marés de impiedade em nossos dias, somos tentados a nos desesperar. O mal corre solto, de alto a baixo no nosso país, sem ser controlado, e sem ser aparentemente impedido. Existe alguma esperança? Essa massa de gente indiferente poderá um dia ser trazida a uma fé salvadora em Jesus Cristo? Existe uma maneira de parar o diabo? A situação não pode ser revertida? Outros podem até desistir. Nós não podemos. Nós sabemos que Deus pode transformar corações humanos. Ele pode tomar o homem mais indiferente e apático, que se senta em frente a sua TV noite após noite, tomando cerveja e assistindo aos jogos de futebol, e fazer dele uma pessoa cheia de zelo por Jesus Cristo. E o que Deus pode fazer por um, Ele pode fazer por uma nação inteira. “Jesus reinará, por onde quer que passe o sol”, escreveu Isaac Watts. Com certeza, “todo joelho se dobrará, e toda língua confessará, que Jesus Cristo é o Senhor” (Fp 2:10,11). Roland Baiton, o eminente historiador da igreja em Yale, disse que o calvinismo “deu à luz uma geração de heróis”. Nosso sonho é que Ele o faça de novo. Nossa oração é de que a visão reformada da majestade de Deus possa vir a ser a sua, e inspirá-lo e inspirar a toda a cristandade novamente, a que venha a acreditar em Deus para as grandes coisas, e empreender grandes coisas. Certa vez eu li um artigo com o título, “Presbiteriano Tenta Inflar a Igreja Através do Evangelismo”, no qual líderes de igreja estavam lamentando “nossos jovens estão deixando nossas igrejas a rodo”. O que pode parar isso? Quando começamos a pregar o evangelho – não o patético evangelho da televisão, da saúde e da prosperidade; nem o evangelho liberal falido, da salvação política e social; nem o evangelho superficial da auto-realização dos outros, mas, sim, “o evangelho da glória do Deus bendito”; o evangelho da sua grandeza, da nossa depravação, e da graça do Salvador (I Tm 1:11). Quando pregarmos essa mensagem e crermos que Deus a usará para transformar corações, então veremos reavivamento na minha cidade e no nosso país. Nós, como herdeiros da tradição Reformada, temos ir para a linha de frente e anunciar estes símbolos, dos quais as nossas igrejas e a nossa nação tanto necessitam nos dias de hoje.1 1 Mensagem proferida pela primeira vez pelo Rev. Terry Johnson, na Primeira Igreja Presbiteriana Independente de Savannah, Georgia (PCA), USA, no dia 29 de outubro de 1989. A MENSAGEM DA REFORMA PARA OS DIAS DE HOJE F. Solano Portela E Porque Lembrar a Reforma m 31 de outubro de 1517 Martinho Lutero pregou as suas hoje famosas 95 Teses na porta da catedral de Wittenberg. Periodicamente as igrejas evangélicas relembram aqueles eventos que, na soberana providência de Deus, preservaram viva a Sua Igreja. Muitos, entretanto, questionam estas comemorações e alguns chegam até a contestar a lembrança da Reforma. “Porque considerar o que aconteceu há quase 500 anos?” Seguramente muitos não estudam a Reforma por mero desconhecimento, por falta de informação, por não se aperceberem da sua importância na vida da Igreja e da humanidade. Entretanto, muitos procuram um voluntário esquecimento daqueles eventos do século XVI. Martin Lloyd-Jones1 nos fala que entre aqueles que rejeitam a memória da Reforma temos, basicamente, dois tipos de argumentação: 1. “O passado não tem nada a nos ensinar”. Segundo este ponto de vista, o progresso científico e o futuro é o que interessa. Firmado em uma mentalidade evolucionista, estas pessoas partem para uma abordagem histórica de que “o presente é sempre melhor do que o passado” e assim nada enxergam na história que possa nos servir de lição, apoio, ou alerta. 2. A segunda forma de rejeição parte daqueles que veem a Reforma como uma tragédia na história religiosa da humanidade. Estes afirmam que deveríamos estar estudando a unidade em vez de um movimento que trouxe a divisão e o cisma ao cristianismo. Dentro desta visão, perdemos tempo quando nos ocupamos de algo tão negativo. Podemos dar graças, entretanto, que um segmento da igreja ainda acha importante estar relembrando e aplicando as questões levantadas pelos reformadores. Mas é o mesmo Martin Lloyd-Jones que alerta para um perigo que existe ainda dentro do interesse pelos acontecimentos que marcaram o século XVI. Na realidade, ele nos confronta com uma forma errada e uma forma certa de relembrar o passado, do ponto de vista religioso. A forma errada, seria estudar o passado por motivos meramente históricos. Esse estudo seria semelhante à abordagem que um antiquário dedica a um objeto. Por exemplo, quando ele examina uma cadeira, ele não está interessado se ela é confortável, se dá para se sentar bem nela, se ela cumpre adequadamente a função de cadeira. Basicamente a preocupação se resume à sua idade, ao seu estado de conservação e, principalmente, a quem pertenceu. Isto determinará o valor daquele objeto para ele e, consequentemente, o seu estudo é motivado por esta visão. Em Mateus 23:29-35 teríamos um exemplo dessa abordagem errada do passado. O trecho diz: Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! porque edificais os sepulcros dos profetas e adornais os monumentos dos justos, e dizeis: Se tivéssemos vivido nos dias de nossos pais, não teríamos sido cúmplices no derramar o sangue dos profetas. Assim, vós testemunhais contra vós mesmos que sois filhos daqueles que mataram os profetas. Enchei vós, pois, a medida de vossos pais. Serpentes, raça de víboras! como escapareis da condenação do inferno? Portanto, eis que eu vos envio profetas, sábios e escribas: e a uns deles matareis e crucificareis; e a outros os perseguireis de cidade em cidade; para que sobre vós caia todo o sangue justo, que foi derramado sobre a terra, desde o sangue de Abel, o justo, até o sangue de Zacarias, filho de Baraquias, que mataste entre o santuário e o altar. Jesus diz que aquelas pessoas pagavam tributo àmemória dos profetas e líderes religiosos do passado. Eles prezavam tanto a história, que cuidavam e enfeitavam os sepulcros. Proclamavam a todos que os profetas eram homens bons e nobres e atacavam quem havia rejeitado os profetas. Diziam eles: “se estivéssemos lá, se vivêssemos naquela época, não teríamos feito isso!” Mas Jesus não se impressiona e os chama de hipócritas! A argumentação de Jesus é a seguinte: Se vocês se dizem admiradores dos profetas, como é que estão contra aqueles que representam os profetas e proclamam a mesma mensagem que eles proclamaram? Ele testa a sinceridade deles pondo a descoberto a atitude no presente para com aqueles que hoje pregam a mensagem de Deus e mostra que eles próprios seriam perseguidores e assassinos dos proclamadores da mensagem dos profetas. Esse é também o nosso teste: uma coisa é olhar para trás e louvar homens famosos, mas isso pode ser pura hipocrisia se não aceitamos, no presente, aqueles que pregam a mensagem de Lutero e de Calvino. Somos mesmo admiradores da Reforma, daqueles grandes profetas de Deus? Mas existe uma forma correta de relembrar o passado. Deduzimos esta não apenas por exclusão e inferência do texto anterior mas por que temos um trecho na Palavra de Deus — Hebreus 13:7-8, que diz: “Lembrai-vos dos vossos guias, os quais vos falaram a palavra de Deus, e, atentando para o êxito da sua carreira, imitai-lhes a fé. Jesus Cristo é o mesmo, ontem, e hoje, e eternamente.” A maneira correta de relembrar a Reforma é, portanto, verificando a mensagem, a palavra de Deus, como foi falada, e isso não apenas por um interesse histórico de “antiquário” mas para que possamos imitar aquela fé demonstrada. Devemos observar aqueles eventos e aqueles homens, para que possamos aprender deles e seguir os seus exemplos discernindo a sua mensagem e aplicando-a aos nossos dias. Distorções verificadas na Lembrança da Reforma Muitos de nós que crescemos neste país de maioria católica podem se recordar de, numa ou outra ocasião, terem ouvido alguma posição distorcida sobre os fatos da Reforma do Século XVI, ou sobre os reformadores. Uma das versões comuns, na visão da Igreja Católica, era apresentar Lutero como um monge que queria casar e que por isso teria brigado com o Papa. Outros diziam que Lutero foi alguém que ambicionava o poder político. Ainda outros falam que Lutero era apenas um místico rebelde, sem convicções reais e profundas. Até mesmo a descrição dele como doente de alma, psicopata, enganador e falso profeta permanece em vários escritos de historiadores famosos do período.2 Um famoso autor e historiador católico brasileiro chegou a escrever que “excomungado em Worms, em 1521, Lutero entregou-se ao ócio e à moleza.”3 Em anos mais recentes, um novo de tipo de abordagem à Reforma tem surgido nos círculos católicos, mas que igualmente representa alguma forma de distorção. Por exemplo, nos 500 anos do nascimento de Lutero (1983) o Papa participou de algumas cerimônias comemorativas do evento, na Alemanha.4 Certamente não foi por convencimento das verdades ensinadas por Lutero, pois a igreja que representa nada mudou doutrinariamente após a sua participação. A ida do Papa evidencia, entretanto, uma comprovação de que a imagem de Lutero e os princípios que pregava estão sendo alvo de revisionismo histórico e distorções. Diluindo-se a força das doutrinas que pregava, possibilita-se uma aproximação com os fatos históricos descontextualizados. Em 1967, nos 450 anos da Reforma, a revista TIME escreveu o seguinte: “O domingo da Reforma está se tornando um evento ecumênico, que olha para o futuro, em vez de para o passado”.5 Na mesma ocasião, um semanário Jesuíta, fez esta afirmação: “Lutero foi um profundo pensador espiritual que foi levado à revolta por Papas mundanos incompetentes”.6 Podemos ver como essa colocação faz da Reforma uma revolta contra pessoas temporais e não contra um sistema de doutrinas de uma igreja apóstata, que persiste até hoje. Refletindo o sentimento ecumênico que tem permeado a segunda metade do século XX, Bispos das Igrejas Católica e Luterana, dos Estados Unidos, fizeram uma declaração solidária, no aniversário da Reforma, dizendo o seguinte: “… recomendamos um programa conjunto, entre os membros de nossas igrejas, de estudos, reflexão e oração.”7Podemos imaginar discípulos jesuítas consciente e sinceramente fazendo estudos, reflexão e oração em comemoração à Reforma do Século XVI? Certamente só se ignorarem os pontos fundamentais de doutrina levantados pelos reformadores. Refletindo uma visão político-sociológica da Reforma, uma outra distorção permeou durante muito tempo o pensamento revisionista da história. Na época em que o comunismo ainda imperava na Europa oriental, porta-vozes do partido comunista, da Alemanha, relembraram Lutero como sendo: “um precursor da revolução”.8 Esquecimento doutrinário dos princípios da Reforma Muitas das ações descritas acima, de comemoração conjunta da Reforma, por católicos e protestantes, só ocorrem porque não se fala nas doutrinas cardeais levantadas pelo movimento do século XVI. Tristemente, temos observado que mesmo no campo chamado “evangélico” a situação é semelhante. Raras são as igrejas evangélicas e denominações que ensinam o que foi a Reforma do Século XVI e muito poucas as que comemoram o evento e aproveitam para relembrar e reaplicar os princípios nela levantados. Mais recentemente, temos observado que a clara linha que separa o entendimento da fé cristã e da salvação, das igrejas protestantes e católicas, tem sido removida. Esta ação, que até alguns anos atrás era praticada somente pela teologia liberal, que já havia declaradamente abandonado os princípios norteadores da Palavra de Deus, hoje está presente no campo protestante evangélico. A falta de discernimento e conhecimento histórico, prático e teológico tem- se achado mesmo dentro do campo ortodoxo e abrange até teólogos reformados e tradicionais. Referimo-nos ao documento “Evangélicos e Católicos, Juntos” (“Evangelicals and Catholics Together”), emitido em 1994, nos Estados Unidos, e que tem sido uma fonte de controvérsia, desde a sua divulgação. A base e intenção do documento foi a realização de ações conjuntas de cunho moral-político por católicos e protestantes,9 mas ele evidencia uma grande falta de discernimento e sabedoria. Por exemplo, o documento encoraja a que as pessoas convertidas seja respeitadas em sua decisão de se filiar quer a uma igreja católica quer a uma protestante.10 Estas declarações foram emitidas como se a fé fosse a mesma, como se a doutrina fosse igual, como se a base dos ensinamentos fosse comum, como se as distinções inexistissem ou como se fossem extremamente secundárias. A premissa básica do documento “Evangélicos e Católicos, Juntos” é que a evangelização de católicos é algo indesejável e não recomendável, uma vez que a verdadeira fé e prática cristã devem já estar presente na Igreja de Roma. Em sua essência, este documento é a grande evidência do esquecimento da Reforma do Século XVI e do que ela representou e representa para a verdadeira Igreja de Cristo. Algum evangélico poderia argumentar, “mas isso é coisa de americano, não atinge o nosso país!” Ledo engano! A conhecida e prestigiada Revista Ultimato trouxe em suas páginas, no número de setembro de 1996, artigos e depoimentos, advindo do campo evangélico conservador, refletindo basicamente a mesma compreensão do documento “Evangélicos e Católicos, Juntos”, ou seja: as distinções com a Igreja de Roma seriam secundárias e não essenciais. Tal situação reflete pelo menos uma crassa ignorância da doutrina Católico Romana. Por exemplo os canônes 9 e 10, do Concílio de Trento, escritosno auge da contra-reforma, mas nunca ab-rogados até os dias de hoje, dizem o seguinte: Cânon 9 — Se alguém disser que o pecador é justificado somente pela fé, querendo dizer que nada coopera com a fé para a obtenção da graça da justificação; e se alguém disser que as pessoas não são preparadas e predispostas pela ação de sua própria vontade — que seja maldito. Cânon 11 — Se alguém disser que os homens são justificados unicamente pela imputação da justiça de Cristo ou unicamente pela remissão dos seus pecados, excluindo a graça e amor que são derramados em seus corações pelo Espírito Santo, e que permanece neles; ou se alguém disser que a graça pela qual somos justificados reflete somente a vontade de Deus — que seja maldito.11 Estas declarações, ou melhor, maldições, foram pronunciadas contra os protestantes. Elas atingem o cerne da doutrina da justificação somente pela fé. São afirmações contra a defesa inabalável da soberania de Deus na salvação, proclamada pela Reforma do Século XVI e continuam fazendo parte dos ensinamentos da Igreja Católica. A visão distorcida do evangelho e da evangelização, no campo Católico Romano, não é apenas algo que data da era medieval. Vejam esta declaração extraída da encíclica papal “O Evangelho da Vida” escrita e divulgada à Igreja em 1995: “O Evangelho é a proclamação que Jesus possui um relacionamento singular com todas as pessoas. Isso faz com que vejamos em cada face humana a face de Cristo.”12 Certamente teríamos que chamar esta visão do evangelho de universalismo e declará-la contrária à fé cristã histórica. Perante este emaranhado de opiniões tão diferenciadas, perante o testemunho e o registro implacável da história, perante a crise de identidade, de doutrina e de prática litúrgica que nossas igrejas atravessam, qual deve ser a nossa compreensão da Reforma? Considerações Práticas sobre a Reforma e os Reformadores Nosso apreço sobre a Reforma e suas doutrinas não deve nos levar a uma visão utópica e idealista com relação aos seus personagens principais. Devemos reconhecer os seus feitos mas também suas limitações. É na compreensão da falibilidade humana que detectamos a mão soberana de Deus empreendendo os Seus propósitos na história. Vejamos alguns pontos que valem a pena ser recordados: a) Lutero foi um homem falível: As 95 Teses de Lutero13 realmente representaram um marco e um ponto de partida para a recuperação das sãs doutrinas. Entre as teses encontramos expressões de compreensão dos ensinamentos da Bíblia, como por exemplo na tese 62 (“O verdadeiro tesouro da Igreja é o sacrossanto Evangelho da glória e da graça de Deus”) e na tese 94 (“Os cristãos devem ser exortados a seguir a Cristo, a sua cabeça, com diligência…”). Entretanto, devemos reconhecer que elas estão longe de serem, em sua totalidade, expressões precisas da verdadeira fé cristã. Elas registram, na realidade, o início do pensamento de Lutero, que seria trabalhado e refinado por Deus ao longo de seus estudos e experiências posteriores. Vejamos os seguintes exemplos: Lutero faz referência ao Purgatório, sem qualquer contestação à doutrina em si, em 12 das suas teses (teses 10,11, 15, 16, 17, 18, 19, 22, 25, 26, 29, 82) - ex.: Tese 29: “Quem disse que todas as almas no Purgatório desejam ser redimidas? Temos exceções registradas nos casos de S. Severino e São Pascal, de acordo com uma lenda sobre eles.” Além da menção aos santos, na tese acima, Lutero faz referência à Maria como mãe de Deus (Tese 75), aparentemente não no sentido histórico do termo (o termo histórico, grego Theotokos — tinha o propósito de reconhecer a divindade de Jesus14), mas no conceito católico da expressão, que infere a existência de um poder especial em Maria: Diz a Tese 75 — “É loucura considerar que as indulgências papais têm tão grande poder que elas poderiam absolver um homem que tivesse feito o impossível e violado a própria mãe de Deus.” Quatro teses inferem legitimidade ao papado e à sucessão apostólica (77, 5, 6, 9). Ex. Tese 77: “É blasfêmia contra São Pedro e contra o Papa dizer que São Pedro, se fosse o papa atual, não poderia conceder graças maiores [do que as atualmente concedidas].” Além disso, verificamos que resquícios do Romanismo se fizeram presentes na formulação da Igreja Luterana, principalmente na sua estruturação hierárquica e na compreensão quase católica dos elementos da Ceia do Senhor. Possivelmente poderíamos também dizer que na Reforma encontramos individualismo em excesso e falta de unidade entre irmãos de mesma persuasão teológica (principalmente nas interações dos Luteranos com Zwinglio e Calvino). Mas, com todas essas limitações os reformadores foram poderosamente utilizados por Deus na preservação das Suas verdades. b) A revolta de Lutero foi eminentemente espiritual. Não podemos compreender a Reforma se acharmos que Lutero teve uma revolta contra pessoas, contra padres corruptos, apenas. A ação de Lutero foi uma revolta contra uma estrutura errada e uma doutrina errada de uma igreja que distorcia a Salvação. Não foi um movimento sociológico, ele não pretendia ensinar a salvação do homem pela reforma da sociedade, mas compreendia que a sociedade era reformada pelas ações do homem resgatado por Deus. Na realidade, a Reforma do Século XVI foi um grande reavivamento espiritual, operado por Deus, que começou com uma experiência pessoal de conversão. c) Lutero não formulou novas doutrinas, ou novas verdades, mas redescobriu a Bíblia em sua pureza e singularidade. As 95 Teses representam coragem, despreendimento e uma preocupação legítima com o estado decadente da igreja e com a procura dos verdadeiros ensinamentos da Palavra. Mas é um erro acharmos que a Reforma marca a aparição de várias doutrinas nunca dantes formuladas. A Palavra de Deus, cujas doutrinas estavam soterradas sob o entulho da tradição, é que foi resgatada. Uma das características comuns das seitas é a apresentação de supostas verdades que nunca haviam sido compreendidas, até a aparição ou revelação destas a algum líder. Estas “verdades” passam a ser determinantes da interpretação das demais e ponto central dos ensinamentos empreendidos. A Reforma coloca-se em completa oposição a esta característica. Nenhum dos reformadores declarou ter “descoberto” qualquer verdade oculta, mas tão somente apresentava em toda singeleza os ensinamentos das Escrituras. Seus comentários e controvérsias versaram sempre sobre a clara exposição da Palavra de Deus. Mais uma vez, Martin Lloyd-Jones nos indica “que a maior lição que a Reforma Protestante tem a nos ensinar é justamente que o segredo do sucesso, na esfera da Igreja e das coisas do Espírito é olhar para trás” 15 Lutero e Calvino, diz ele, “foram descobrindo que estiveram redescobrindo o que Agostinho já tinha descoberto e que eles tinham esquecido”.16 A Mensagem da Reforma para os dias de hoje As mensagens proclamadas pela Reforma continuam sendo pertinentes aos nossos dias. Da mesma forma como a Palavra de Deus sempre é atual e representa a Sua vontade ao homem, em todas as ocasiões, a Reforma, com suas mensagens extraídas e baseadas nesta Palavra, transborda em atualidade à cena contemporânea da igreja evangélica. Vejamos apenas alguns pontos pregados pelos Reformadores e a sua aplicação presente: a) A reforma resgatou o conceito do pecado — Romanos 3:10-23. A venda das indulgências mostra como o conceito do pecado estava distorcido, na ocasião da Reforma do Século XVI. A igreja medieval e, principalmente, as ações de Tetzel, fugiram totalmente à visão bíblica de que pecado é uma transgressão da Lei de Deus e qualquer falta de conformidade com Seuspadrões de justiça e santidade. A essência do pecado foi banalizada ao ponto de se acreditar que o seu resgate podia se efetivar pelo dinheiro. É fácil vermos as implicações que a falta de um conceito bíblico de pecado tem com outras doutrinas chaves da fé cristã, por exemplo: se o resgate é em função da soma de dinheiro paga, como fica a expiação de Cristo, qual a necessidade dela? Ao se insurgir contra as indulgências Lutero estava, na realidade, reapresentando a mensagem da Palavra de Deus sobre o homem, seu estado, suas responsabilidades perante o Deus Santo Criador e sua necessidade de redenção. Hoje estes conceitos estão cada vez mais ausentes da doutrina da igreja contemporânea. A mensagem da Reforma continua necessária aos nossos dias. Estamos nos acostumando a ouvir que todas as ações são legítimas; que pecado é uma conceito relativo e ultrapassado; que o que importa é a felicidade pessoal e não a observância de princípios. Mesmo nos meios evangélicos, existe grande falta de discernimento — a preocupação é muito maior em cima de se encontrar justificativas, explicações e racionalizações do que na convicção e no arrependimento. b) A Reforma pregou a doutrina da Justificação somente pela Fé - Gl. 3:10- 14. A Igreja Católica havia distorcido o conceito da salvação, pregando abertamente que a justificação se processava por intermédio das boas obras de cada fiel. Lendo a Palavra, Lutero verificou quão distanciado esta pregação estava das verdades bíblicas — salvação era uma graça concedida pela fé. Todo o trabalho vem de Deus. As boas obras não fornecem a base para a salvação, mas são evidências e sub-produto de uma salvação que procede da infinita misericórdia de Deus para com o homem pecador que Ele arranca da lama e perdição do pecado. Hoje estamos novamente perdendo esta compreensão–a mensagem da Reforma é necessária. A justificação pela fé continua sendo esquecida e procura- se a justificação pelas obras. Muitas vezes prega-se e procura-se a justificação perante Deus através do envolvimento em ações de cunho social A justificação pela fé está sendo, ultimamente, considerada até um ponto secundário, mesmo no campo evangélico, partindo-se para trabalhos de ampla cooperação, como base de fé e de unidade, como vimos no pensamento expresso pelo documento já referido: Evangélicos e Católicos Juntos. c) A Reforma resgatou o conceito da autoridade vital da Palavra de Deus - 2 Pe 1:16-21. Na ocasião da Reforma, a tradição da igreja já havia se incorporado aos padrões determinantes de comportamento e doutrina e, na realidade, já haviam superado as prescrições das Escrituras. A Bíblia era conservada longe e afastada da compreensão dos devotos. Era considerada um livro só para os entendidos, obscuro e até perigoso para a massa. Os reformadores redescobriram e levantaram bem alto o único padrão de fé e prática: a Palavra de Deus e, por este padrão, aferiram tanto as autoridades como as práticas religiosas em vigor. Hoje o mundo está sem padrão. Mas não é somente o mundo, a própria Igreja evangélica está voltando a enterrar o seu padrão em meio a um entulho místico pseudo-espiritual–a mensagem da Reforma continua necessária. Sabemos que nas pessoas sem Deus, imperam o subjetivismo e o existencialismo. A única regra de prática existente parece ser: “comamos e bebamos porque amanhã morreremos”. Verificamos que nas seitas, existem uma multiplicidade de padrões. Livros e escritos paralelos são apresentados como se a sua autoridade estivesse paralela ou até acima da Bíblia. A cena comum é a apresentação de novas revelações, geralmente de caráter escatológico e de características fluidas, contraditórias e totalmente duvidosas. No meio eclesiástico liberal, já nos acostumamos a identificar o ataque constante à veracidade das Escrituras. Já vamos com mais de dois séculos de contestação sistemática à Palavra de Deus, como se a fé cristã verdadeira fosse capaz de subsistir sem o seu alicerce principal. Mas é no campo evangélico que somos perturbados com os últimos ataques à Bíblia, como regra inerrante de fé e prática. Ultimamente muitos ditos intelectuais têm questionado a doutrina que coloca a Bíblia como um livro inspirado, livre de erro. Podemos tomar como exemplo o caso do Fuller Theological Seminary. Esta famosa instituição evangélica foi fundada em 1947, sobre princípios corretos. Logo após o seu início, formulou-se uma declaração de fé que especificava: “…os livros do VT e NT…, nos originais são inspirados plenariamente e livres de erro, no todo e em suas partes…” Entretanto, em 1968, Daniel Fuller, filho do fundador, e que havia estudado sob Karl Barth, começou a questionar a inerrância da Bíblia, fazendo distinção entre trechos “revelativos” e trechos “não revelativos” das Escrituras. Foi seguido nesta posição pelo presidente, David Hubbard, e por vários outros professores, todos considerados evangélicos.17 Logicamente não há critério coerente ou autoritário para execução desta distinção. Subtrai-se da Igreja o seu padrão, derruba-se um dos pilares da Reforma e a Igreja é retroagida à uma condição medieval de dependência dos especialistas que nos dirão quais as partes que devemos crer realmente e quais as que devemos descartar como mera invenção humana. No campo evangélico neopentecostal a suficiência da Palavra de Deus é desconsiderada e ela é superada pelas supostas “novas revelações” que passam a ser determinantes das doutrinas e práticas do Povo de Deus. A Confissão de Fé de Westminster em seu Capítulo 1º, apresenta a mensagem inequívoca da Reforma do Século XVI, cada vez mais válida aos nossos dias. Ali a Bíblia é descrita como sendo a “… única regra infalível de fé e de prática”. d) A Reforma redescobriu, na Palavra, a doutrina do sacerdócio individual do crente–Hb 10:19-21. O sacerdócio individual do crente foi uma outra doutrina resgatada. Ela apresenta a pessoa de Cristo como único mediador entre Deus e os homens, concedendo a cada salvo “acesso direto ao trono” por intermédio do sacrifício de Cristo na cruz e pela operação do Espírito Santo no “homem interior”.18 O ensinamento bíblico, transmitido pela Reforma, eliminava os vários intermediários que haviam surgido ao longo dos séculos, entre o Deus que salva e o pecador redimido. Na ocasião, esse era um ensinamento totalmente estranho à Igreja de Roma, que sempre se apresentou como tendo a palavra final de autoridade e interpretação das Escrituras. Lutero rebelou-se contra o véu de obscuridade que a Igreja lançava sobre as verdades espirituais e levou os fiéis de volta ao trono da graça. Isso proporcionou uma abertura providencial de conhecimento teológico e religioso. Lutero sabia disso, mas sabia também que o acesso a Deus deveria estar fundamentado nas verdades da Bíblia, tanto que um de seus primeiros esforços, após a quebra com a Igreja Romana, foi a tradução da Palavra de Deus na língua falada de seu país: o alemão. O ensinamento do sacerdócio individual do crente foi o grande responsável pelo estudo aprofundado das escrituras e pela disseminação da fé reformada. Levados a proceder como os Bereanos,19 os crentes verificaram que não dependiam do clero para o entendimento e aplicação dos preceitos de Deus e passaram a penetrar com determinação nas doutrinas cristãs. A mensagem da Reforma continua sendo necessária hoje. A igreja contemporânea está se multiplicando em quantidade de adeptos, mas é uma multiplicação estranha porque segue em paralelo à uma preguiça mental ao estudo. Parece que fomos todos tomados de anorexia espiritual, ondenos contentamos com muito pouco, nos achamos mestres sem estudo, nos concentramos na periferia e não no cerne das doutrinas e ficamos felizes com o recebimento só do “leite” e não da “carne”. A mensagem da Reforma é necessária para que não venhamos a testemunhar a consolidação de toda uma geração de “analfabetos cristãos”. Em vez de procurarmos “tudo enlatado” e de deixar que apenas formas de entretenimento povoem nossas mentes e corações, devemos nos relembrar constantemente da importância de “guardar a palavra no coração”. Precisamos nos aperceber que a objetividade da Palavra de Deus é verdade proposicional objetiva. Mas esta objetividade tem que ter seguimento por nosso estudo e na nossa capacidade de compreensão, sob a iluminação do Espírito Santo de Deus, e na aplicação coerente dos ensinamentos desta Palavra em nossas vidas. e) A Reforma apresentou, de forma clara e inequívoca, o conceito da soberania de Deus. Sl 24 Na ocasião da Reforma, as expressões de religiosidade tinham se tornado totalmente centralizadas no homem. Isso ocorreu principalmente pela grande influência de Tomás de Aquino na sistematização do pensamento Católico Romano. Abraçando as ideias de Pelágio, Aquino enfatizou completamente o livre arbítrio do homem, desconsiderando a gravidade da escravidão ao pecado que o torna incapaz de escolher o bem, a não ser que a ele seja direcionado por Deus. Lutero reconheceu que a salvação se constituía em algo mais que uma mera convicção intelectual. Era, na realidade, um milagre da parte de Deus e por isso ele tanto pregou e escreveu sobre “a prisão do arbítrio”. Costumamos atribuir a cristalização das doutrinas relacionadas com a soberania de Deus a João Calvino, apenas, mas o ensinamento bíblico de Lutero traz, com não menor veemência, uma teologia teocêntrica, na qual Deus reina soberanamente em todos os sentidos. Hoje, a mensagem continua a ser necessária, pois o homem, e não Deus, continua sendo o centro das atenções. Mesmo dentro dos círculos evangélicos, nossa evangelização é efetivada tendo a felicidade do homem, como alvo principal, e não a glória de Deus. Até a nossa liturgia é desenvolvida em torno de algo que nos faça “sentir bem”, e não no objetivo maior da glorificação a Deus. Nesses aspecto, deveríamos estar atentos à mensagem de Amós, que nos ensina (Am 4:4-5) que Deus não se impressiona com a Liturgia que não é direcionada a Ele.20 Neste trecho vemos que a adoração realizada em Betel21 e Gilgal22 tinha várias características dos cultos contemporâneos: 1. Os locais eram suntuosos e famosos (Betel possuía belas fontes no topo da montanha). 2. A periodicidade dos cultos e possivelmente a frequência era exemplar (diariamente se reuniam). 3. As contribuições eram abundantes, superando até os padrões de Deus (de três em três dias traziam as ofertas). 4. O louvor era abundante (sacrifícios de louvor eram ofertados. Am 5:23 e 6:5 fala também do estrépito dos cânticos e da transbordante música instrumental). 5. Havia bastante publicidade (as ofertas eram divulgadas a apregoadas). 6. Havia alegria e deleite geral nos trabalhos (“disso gostais”, diz o profeta). O resultado de toda esta adoração centralizada no homem era a mão pesada de Deus em julgamento sobre aquela sociedade insensível (com aquele culto as pessoas, dizia o profeta, “multiplicavam as suas transgressões”). Realmente, à semelhança da Reforma, precisamos resgatar a pregação da Soberania de Deus e demonstrar esta doutrina na prática de nossas vidas e na das nossas igrejas. Conclusão Devemos reconhecer a Reforma como um movimento operado por homens falíveis, mas poderosamente utilizados pelo Espírito Santo de Deus para resgatar Suas verdades e preservar a Sua Igreja. Não devemos endeusar os Reformadores nem a Reforma, mas não podemos deixá-la esquecida e nem deixar de proclamar a sua mensagem, que reflete o ensinamento da Palavra de Deus, aos dias de hoje. A natureza humana continua a mesma, submersa em pecado. Os problemas e situações tendem a se repetir, até no seio da igreja. O Deus da Reforma fala ao mundo hoje, com a mesma mensagem eterna. Devemos, em oração e temor, ter a coragem de pregá-la e proclamá-la à nossa igreja. 1 D. M. Lloyd-Jones, Rememorando a Reforma (S. Paulo: PES, 1994?) pp. 2-5. 2 O Rev. Sabatini Lalli, em seu livro, Lutero–Cinco Séculos Depois (SP: CEP, 1983) pp. 4-5, compila várias dessas distorções. 3 Plínio Corrêa de Oliveira, Folha de São Paulo, 10.01.1984, p. 2. O autor cita uma carta de Lutero a Melanchton, para provar o seu ponto, na qual Lutero reclama da sua preguiça. Provavelmente as colocações expressam o profundo sentimento de incapacidade perante as grandes tarefas que confrontam os verdadeiros e responsáveis cristãos. O autor parece desconhecer que enquanto Lutero “se entregava ao ócio e à moleza”, entre outras coisas, traduziu a Bíblia em sua totalidade. 4 Jornal de Brasília — Caderno Internacional, 10.11.1983, p. 11 e Isto É, 09.11.1983, p. 37. 5 Time, 24.03.1967, Citado por Dr. Allen A. MacRae em Luther and the Reformation (N. York: American Council of Christian Churches, 1967) p. 2. 6 Mac Rae, Ibid. 7 Ibid. 8 Time, 24.03.1967, citado em The Christian News (New Haven: Lutheran News, Inc., 1983) , 27.06.1983, p. 18. 9 lgumas dessas ações, reconhecemos, possuem validade moral; como, por exemplo, levantar a voz conjunta da sociedade contra o crime do aborto, contra a promiscuidade defendida pelos meios de comunicação, etc. 10 The Christian who “…has undergone conversion…” must have “…his decision about communal allegiance and participation… assiduously respected.” Also, “…those converted… must be given full freedom and respect as they discern and decide the community in which they will live their new life in Christ.” 11 Transcritos no WRS Journal (Tacoma: Western Reformed Seminary, Summer 1995) Vol. 2, Iss. 2, p. 15. 12 Encíclica Evangelium Vitae, pt. 81. 13 O texto completo das 95 teses, traduzidas em inglês, pode ser obtido pela Internet, no seguinte endereço: http://www.bibleclass.com/lib/95.htm. 14 Termo utilizado na igreja desde a Escola de Alexandria, por Orígenes, atacado por Nestorius, no quinto século, mas aprovado e abrigado pelos Concílios de Éfeso (431 DC) e de Calcedônia (451 DC). Posteriormente, a Igreja Católica veio a distorcer o significado de “Mãe de Deus” — em vez de representar uma defesa da divindade de Cristo o termo passou a expressar uma situação privilegiada de poder e essência à Maria, como objeto próprio de adoração e fonte de poder. 15 Lloyd-Jones, Rememorando a Reforma, p.8 16 Ibid. 17 Harold Lindsell, The Battle for the Bible (G. Rapids: Zondervan, 1976) pp. 106-121.Exemplo de outros nomes famosos (chamados, evangélicos) que questionam inerrância: Paul King Jewett e George Ladd. 18 Ef 2:18 e 3:16 19 At 17:11 20 Várias mensagens expositivas sobre os alertas de Amós, e a sua aplicabilidade aos nossos dias, têm sido proferidas pelo Rev. Dr. Augustus Nicodemus Lopes (1995/1996) das quais alguns destes pontos foram extraídos. 21 Betel (Casa de deus) - Cidade em Samaria, lugar de adoração dos Cananeus (El, Baal). Contrasta com o Templo dos judeus, chamado de Beth Yaweh, a casa de Jeová. 22 Gilgal - Existem várias (pelo menos 6) na Bíblia. Esta deve ser a de Js 4:19, Jz 2:1 e 3:19, que ficava perto de Jericó, chegando a abrigar a Arca do concerto (Js 18:1). Outros acham que seria a de 2 Rs 2:1-4. Saul utilizou a primeira como base de operações contra os Amalequitas. Os 12:11 indica que virou local de sacrifícios. Etimologicamente pode ter o significado traçado a “um círculo de pedras”. ADQUIRA NOSSOS E-BOOKS NA AMAZON OU BROCHURAS NA LOJA CLIRE! Alguns desses títulos também estão disponíveis em capa comum (paperback) na lojaAmazon internacional. Pesquise-os pelo título em português. • A Ceia do Senhor (Thomas Watson) • A Confissão de Fé Belga • Adoração Evangélica (Jeremiah Burroughs) • A Família na Igreja (Joel Beeke) • A Igreja Apostólica (Thomas Witherow) • A Igreja de Cristo (James Bannerman) • A Igreja no Velho Testamento (Paulo Brasil) • A Palavra Final (O. 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