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1 Profª. Rauliette Diana Lima e Silva UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAPÁ DISCIPLINA: INTRODUÇÃO À FILOSOFIA CURSO: LETRAS∕PORTUGUÊS-EAD PROFESSORA: RAULIETTE DIANA LIMA E SILVA Mafalda, personagem dos quadrinhos do cartunista argentino Quino (1932), é uma menina bem informada e contestadora, que faz constantemente perguntas difíceis sobre ética, política e cultura para seus pais. MITO E FILOSOFIA INTRODUÇÃO Quando dizemos que o pensamento filosófico-científico surge na Grécia no séc. VI a.C, caracterizando-o como uma forma específica de o homem tentar entender o mundo que o cerca, isto não quer dizer que anteriormente não houvesse também outras formas de se entender essa realidade. Vamos examinar o mito, modo de consciência que predomina nas sociedades tribais e que nas civilizações da Antiguidade ainda exerceu significativa influência. Entre os povos indígenas habitantes das terras brasileiras, encontramos várias versões sobre a origem da noite. Um desses relatos é o dos Maué, nativos dos rios Tapajós e Madeira. Segundo eles, no início só havia o dia. Cansados da luz, foram ao encontro da Cobra-Grande, a dona da noite. Ela atendeu ao pedido com a condição de que os indígenas lhe dessem o veneno com que os pequenos animais como aranhas, cobras e escorpiões se protegiam. Em troca, receberam um cocô com a recomendação de só abri-lo ao chegarem à maloca. Ao ouvirem ruídos estranhos saindo dele, não resistiram à tentação e assim deixaram escapar antecipadamente a escuridão da noite. Atônitos e perdidos, pisaram nos pequenos bichos, cujas picadas venenosas mataram muitos deles. Desde então, os sobreviventes aprenderam os cuidados que deveriam tomar quando a noite viesse. De modo semelhante aos Maué, os gregos dos tempos homéricos narram o mito de Pandora, a primeira mulher. Em uma das muitas versões desse mito, Zeus enviou um presente aos humanos, mas com a intenção de puni-los por terem recebido o fogo do titã Prometeu, que o roubara dos Céus. Pandora levava consigo uma caixa, que abriu por curiosidade, deixando escapar todos os males que afligem a humanidade. Conseguiu, porém, fechá-la a tempo de reter a esperança, única maneira de suportarmos as dores e os sofrimentos da vida. Nos dois relatos, percebemos situações aparentemente diversas, mas que se assemelham, pois ambos tratam da origem de algo: entre os indígenas, como surgiu a noite; e entre os gregos, a origem dos males. E trazem como consequências dificuldades que as pessoas devem enfrentar. No entanto, o mito é mais complexo e muito mais expressivo e rico do que supomos quando apenas o tomamos como o relato frio de lendas desligadas do ambiente que as fez 2 Profª. Rauliette Diana Lima e Silva surgir. Não só os povos tribais ou as civilizações antigas elaboram mitos. A consciência mítica persiste em todos os tempos e culturas como componente indissociável da maneira humana de compreender e, sobretudo sentir a realidade. O QUE É O MITO? A leitura apressada do mito nos leva a compreendê-lo como uma maneira fantasiosa de explicar a realidade, quando esta ainda não foi justificada pela razão. Sob esse enfoque, os mitos seriam lendas, fábulas, crendices e, portanto, um tipo inferior de conhecimento, a ser superado por explicações mais racionais. O mito, porém, resulta de uma intuição compreensiva da realidade, cujas raízes se fundam na emoção e na afetividade. Nesse sentido, antes de interpretar o mundo de maneira argumentativa, o mito expressa o que desejamos ou tememos, como somos atraídos pelas coisas ou como delas nos afastamos. Não se trata, porém, de qualquer intuição. Para melhor circunscrever o conceito de mito, precisamos de outro componente - o mistério -, pois ele sempre é um enigma a ser decifrado e como tal representa nosso espanto diante do mundo. Segundo alguns intérpretes, o "falar sobre o mundo" simbolizado pelo mito está impregnado do desejo humano de afugentar a insegurança, os temores e a angústia diante do desconhecido, do perigo e da morte. Para tanto, os relatos míticos se sustentam na crença, na fé em forças superiores que protegem ou ameaçam, recompensam ou castigam. Entre as comunidades tribais, os mitos constituem um discurso de tal força que se estende por todas as esferas da realidade vivida. Desse modo, o sagrado (ou seja, a relação entre a pessoa e o divino) permeia todos os campos da atividade humana. Por isso, os modelos de construção mítica são de natureza sobrenatural, isto é, recorre-se aos deuses para essa compreensão do real. O mito nasce do desejo de dominação do mundo, para afugentar o medo e a insegurança. O homem, à mercê das forças naturais, que são assustadoras, passa a emprestar-lhes qualidades emocionais. As coisas não são mais matérias mortas, nem são independentes do sujeito que as percebe. Ao contrário tão sempre impregnadas de qualidades e são boas ou más, amigas ou inimigas, familiares ou sobrenaturais, fascinantes e atraentes ou ameaçadoras e repelentes. Assim, o homem se move dentro de um mundo animado por forças que ele precisa agradar para que haja caça abundante, para que a terra seja fértil, para que a tribo ou grupo seja protegido, para que as crianças nasçam e mortos possam ir em paz. O pensamento mítico consiste em uma forma pela qual um povo explica aspectos essenciais da realidade em que vive: a origem do mundo, o funcionamento da natureza e dos processos naturais e as origens deste povo, bem como seus valores básicos. O mito caracteriza- se, sobretudo pelo modo como estas explicações são dadas, ou seja, pelo tipo de discurso que constitui. O próprio termo grego mythos significa um tipo bastante especial de discurso, o discurso fictício ou imaginário, sendo por vezes até mesmo sinônimo de "mentira". Como os mitos sobre a origem do mundo são genealogias, diz-se que são cosmogonias e teogonias. A palavra gonia vem de duas palavras gregas: do verbo gennao (engendrar, gerar, fazer, nascer e crescer) e do substantivo genos (nascimento, gênese, descendência, gênero, espécie). 3 Profª. Rauliette Diana Lima e Silva Gonia, portanto, quer dizer; geração, nascimento a partir da concepção sexual e do parto. Cosmos, quer dizer mundo ordenado e organizado. Assim, a cosmogonia é a narrativa sobre o nascimento e a organização do mundo, a partir de forcas geradoras (pai e mãe) divinas. Teogonia é uma palavra composta de gonia e theos, que, em grego, significa: as coisas divinas, os seres divinos, os deuses. A teogonia é, portanto, a narrativa da origem dos deuses, a partir de seus pais e antepassados. As narrativas míticas não são produto de um autor ou autores, mas parte da tradição cultural e folclórica de um povo. Sua origem cronológica é indeterminada, e sua forma de transmissão é basicamente oral. Mesmo poetas como Homero, com a Ilíada e a Odisseia (Séc. IX a.C.), e Hesíodo (Séc. VII a.C.), com a Teogonia, que são as principais fontes de nosso conhecimento dos mitos gregos, na verdade não são autores desses mitos, mas indivíduos - no caso de Homero cuja existência é talvez lendária - que registraram poeticamente lendas recolhidas das tradições dos diversos povos que sucessivamente ocuparam a Grécia desde o período arcaico (c. 1500 a.C.). Por ser parte de uma tradição cultural, o mito configura assim a própria visão de mundo dos indivíduos, a sua maneira mesmo de vivenciar esta realidade. Nesse sentido, o pensamento mítico pressupõe a adesão, a aceitação dos indivíduos, na medida em que constitui as formas de sua experiência do real. O mito não se justifica, não se fundamenta, portanto, nem se presta ao questionamento, à crítica ou à correção. Não há discussão do mito porque ele constitui a própria visão de mundo dos indivíduos pertencentes a uma determinada sociedade, tendo, portanto um caráter global que exclui outras perspectivas a partir das quais ele poderia ser discutido. Ou o indivíduo é parte dessa cultura e aceita o mito como visãode mundo, ou não pertence a ela e, nesse caso, o mito não faz sentido para ele, não lhe diz nada. Um dos elementos centrais do pensamento mítico e de sua forma de explicar a realidade é o apelo ao sobrenatural, ao mistério, ao sagrado, à magia. As causas dos fenômenos naturais, aquilo que acontece aos homens, tudo é governado por uma realidade exterior ao mundo humano e natural, superior, misteriosa, divina, a qual só os sacerdotes, os magos, os iniciados, são capazes de interpretar, ainda que apenas parcialmente. São os deuses, os espíritos, o destino que governam a natureza, o homem, a própria sociedade. Os sacerdotes, os rituais religiosos, os oráculos servem como intermediários, pontes entre o mundo humano e o mundo divino. Os cultos e sacrifícios religiosos encontrados nessas sociedades são, assim, formas de se tentar alcançar os favores divinos, de se agradecer esses favores ou de se aplacar a ira dos deuses. O pensamento mítico está, então muito ligado à magia, ao desejo, querer que as coisas, aconteçam de determinado modo. E a partir disso que se desenvolvem os rituais como meios de propiciar os acontecimentos desejados. A primeira e fundamental forma de modelo explicativo da realidade é o mito. É um modelo originário de organização dos fatos e do universo em geral, expresso em linguagem simbólica e imaginativa. O mito é mágico não é lógico-conceitual, sua forma é narrativa, seu conteúdo é, simbólico concreto (não é conceitual-abstrato), e seu significado é inconsciente. Outra característica do mito é o fato de ser sempre dogmático, isto é, de apresentar-se como verdade que não precisa ser provada e que não admite contestação. A sua aceitação, então, tem de ser através da fé e da crença. Não é uma aceitação racional, e não pode ser nem provado nem questionado. 4 Profª. Rauliette Diana Lima e Silva Embora não reflexivo, o mito é uma expressão do desejo do homem de compreensão do mundo, relacionada a uma vontade de transformação da realidade, expresso em uma mentalidade mágica. O mito é muito confundido com o conceito de lenda, porém esta não tem compromisso nenhum com a realidade, são meras histórias sobrenaturais, como é o caso da mula sem cabeça e do saci Pererê. O mito não é exclusividade de povos primitivos, nem de civilizações nascentes, mas existe em todos os tempos e culturas como componente indissociável da maneira humana de compreender a realidade. FUNÇÕES DO MITO Alguns teóricos explicam o mito pela função que desempenha no cotidiano da tribo, garantindo a tradição e a sobrevivência do grupo. Das análises feitas pelos estudiosos de nosso tempo segue-se que o mito exerceu, entre os povos antigos, três funções principais: religiosa, social e filosófica. Primeiramente, “o mito é o primeiro degrau no processo de compreensão dos sentimentos religiosos mais profundos do homem; é o protótipo da Teologia”. Mas, ao mesmo tempo, ele é também aquilo que assinala e garante o pertencer a um grupo social e não a outro; de fato, o pertencer a este ou aquele grupo depende dos mitos particulares que alguém segue e cultiva. O grupo, cuja sobrevivência deve ser assegurada, existe antes do indivíduo e é só através dele que os sujeitos individuais se reconhecem enquanto tal. Explicando melhor, o sujeito só tem consciência, só se conhece como parte do grupo. É através da existência dos outros e do reconhecimento dos outros que ele se afirma. Por isso, pode ser expulso simbolicamente: no momento em que falta o reconhecimento dos outros integrantes do grupo, ele não se reconhece, não se encontra mais. Dentro dessa perspectiva de coletivismo, a transgressão da norma, a não obediência da regra afeta o transgressor e toda sua família ou comunidade. Assim é criado o tabu - a proibição-, envolto em clima de temor e sobrenaturalidade, cuja desobediência é extre- mamente grave. Finalmente, o mito exerce uma função semelhante à da filosofia, enquanto representa o modo de autocompreender-se dos povos primitivos, com o objetivo de fornecer e responder aos questionamentos existenciais, cósmicos e culturais. Fornecendo uma explicação para os acontecimentos da natureza e da existência humana: para a guerra e a paz, para a bonança e a tempestade, para a abundância e a carestia, para a saúde e a doença, para o nascimento e a morte. Este saber mitológico "explicava", para a época e para aquele momento histórico as principais questões da existência humana, da natureza e sociedade. Explicava a origem dos reis, a própria origem do homem, do povo grego, das guerras, dos amores, da doença e da morte, dos sentimentos; enfim, de toda riqueza da sua cultura. A síntese do mito e a consciência mitológica justificam as estruturas sociais e cimentam as relações de trabalho, parentesco e dependência política entre os gregos. Durante um longo período da história grega, a mitologia constituiu a fonte exclusiva de explicação para a existência do homem e de organização do mundo. As interpretações imaginárias criadas por ela foram adquirindo autoridade pelo fato de serem antigas. As divindades constituíam as personagens que, pelas divergências, intrigas, amizades e desejo de 5 Profª. Rauliette Diana Lima e Silva justiça, explicavam tanto a natureza humana como os resultados das guerras e os valores culturais. Nesse sentido; a linguagem do mito esconde interesses de classes e pode ser manipulada por aqueles que detêm o poder. Ela impõe comportamentos morais à comunidade e uma hierarquia de punições para aqueles que não os seguem. O pensamento mítico tem uma característica até certo ponto paradoxal. Se, por um lado, pretende fornecer uma explicação da realidade, por outro lado, recorre nessa explicação ao mistério e ao sobrenatural, ou seja, exatamente àquilo que não se pode explicar, que não se pode compreender por estar fora do plano da compreensão humana. A explicação dada pelo pensamento mítico esbarra assim no inexplicável, na impossibilidade do conhecimento. O mito, portanto, é uma primeira fala sobre o mundo, uma primeira atribuição de sentido ao mundo, sobre a qual a afetividade e a imaginação exercem grande papel, e cuja função principal não é explicar a realidade, mas acomodar o homem ao mundo. Além de acomodar e tranquilizar o homem em face de um mundo assustador, dando-lhe a confiança de que, através de suas ações mágicas, o que acontece no mundo natural depende, em parte, dos atos humanos, o mito também fixa modelos exemplares de todas as funções e atividades humanas. Historicamente, o mito tem uma importância muito grande, porque representa o primeiro esforço da humanidade para explicar as coisas e suas causas. Sob o véu da fantasia, há nessas respostas uma autêntica procura das “causas primeiras” do mundo. O MITO HOJE Mas, e quanto aos nossos dias, os mitos são diferentes? O pensamento crítico e reflexivo, que teve início com os primeiros filósofos, na Grécia do século VI a.C, e o desenvolvimento do pensamento científico a partir do século XIV, com o Renascimento, ocuparam todo o lugar do conhecimento e condenaram à morte o modo mítico de nos situarmos no mundo humano? De fato, existem outros modos de compreensão, como o senso comum, a filosofia, a arte, a religião, e nenhuma delas exclui o fato de o mito estar na raiz da inteligibilidade. A função fabuladora persiste não só nos contos populares, no folclore, como também na vida diária, quando proferimos certas palavras ricas de ressonâncias míticas - casa, lar, amor, pai, mãe, paz, liberdade, morte - cuja definição objetiva não esgota os significados que ultrapassam os limites da própria subjetividade. Essas palavras nos remetem a valores arquetípicos, modelos universais que existem na natureza inconsciente e primitiva de todos nós. O homem moderno, tanto quanto o antigo, não é só razão. Mas também afetividade e emoção. Se a ciência é importante e necessária à nossa construção de mundo, não oferece a única interpretaçãoválida do real. Ao contrário, a própria ciência pode virar um mito, quando somos levados a acreditar que ela é feita à margem da sociedade e de seus interesses, que mantém total objetividade e que é neutra. Negar o mito é negar uma das formas fundamentais da existência humana. O mito é a primeira forma de dar significado ao mundo: fundada no desejo de segurança, a imaginação cria histórias que nos tranquilizam, que são exemplares e nos guiam no dia-a-dia. Ao contrário, porém, do que muitos supõem, o mito não desapareceu com o tempo. Está presente até hoje, permeando nossas esperanças e temores. É bem verdade que o desenvolvimento do pensamento reflexivo não decreta a morte da consciência mítica, pois o mito, mesmo entre os ditos civilizados, ocupa um lugar de destaque como forma fundamental 6 Profª. Rauliette Diana Lima e Silva de todo viver humano. Em outras palavras, tudo o que pensamos e queremos se situa inicialmente no horizonte da imaginação, nos pressupostos míticos, cujo sentido existencial serve de base para todo trabalho posterior. A PERMANÊNCIA DO MITO O mito ainda é uma expressão fundamental do viver humano, o ponto de partida para a compreensão do ser. Em outras palavras, tudo o que pensamos e queremos se situa inicialmente no horizonte da imaginação, nos pressupostos míticos, cujo sentido existencial serve de base para todo trabalho posterior da razão. Continuamos a fazer isso pela vida afora, independente de nosso desenvolvimento intelectual. Essa função de criar fábulas subsiste na arte popular e permeia a nossa vida diária. Hoje em dia, os meios de comunicação de massa trabalham em cima dos desejos e anseios que existem na nossa natureza inconsciente e primitiva. Personalidades como artistas, políticos e esportistas, que os meios de comunicação se incumbem de transformar em imagens exemplares, passam a representar todo tipo de anseios: sucesso, poder, liderança, são fortes, saudáveis, bem-alimentados, têm sucesso na profissão e atração sexual etc. - que é traduzido em reconhecimento social e poder econômico -, são excelentes pais, filhos e maridos, vivem cercados de pessoas bonitas, interessantes e ricas. Como não mitificá-los? Por esses motivos, figuras míticas como as do guerrilheiro Che Guevara, da princesa Lady Diana, da superstar Madonna, do tricampeão de automobilismo Ayrton Senna exaltam o imaginário das pessoas. Hoje em dia, com a rapidez da mídia, essas influências tornaram-se múltiplas e também mais fugazes. Até a novela, ao trabalhar a luta entre o Bem e o Mal, está lidando com valores míticos, pré-reflexivos, que se encontram dentro de todos nós. Aliás, nas novelas, o casamento também é transformado em mito: é o grande anseio dos jovens enamorados, é a solução de todos os problemas, o apaziguamento de todas as paixões e conflitos. Por isso quase todas terminam com um verdadeiro festival de casamentos. Só que os astros transformados em mito são heróis sem poder real: têm somente poder simbólico no imaginário da população. Nas histórias em quadrinhos, o maniqueísmo exprime o arquétipo da luta entre o bem e o mal, enquanto a dupla personalidade do super-herói atinge em cheio o desejo da pessoa comum de superar a própria inexpressividade e impotência, tornando-se excepcional e poderosa. Também os contos de fada retomam os mitos universais do herói em luta contra as forças do mal, apaziguando os temores infantis. Os super-heróis dos desenhos animados e dos quadrinhos, bem como os personagens de filmes como Rambo, Os justiceiros e outros, passam a encarnar o Bem e a Justiça e assumem a nossa proteção imaginária, exatamente porque o mundo moderno, com inflação, sequestros, violência e instabilidade no emprego, especialmente nos grandes centros urbanos, revela-se cada vez mais um lugar extremamente inseguro. No campo político, certas figuras são transformadas em heróis, pregando um modelo de comportamento que promete combater, além da inflação, a corrupção, os privilégios e demais mordomias. Prometem, ainda, levar o país ao desenvolvimento, colocando-o no Primeiro Mundo. Prometem riqueza para todos. Têm de ganhar a eleição, não é? O nosso comportamento também é permeado de rituais, mesmo que secularizados, isto é, 7 Profª. Rauliette Diana Lima e Silva não religiosos: as comemorações de nascimentos, casamentos e aniversários, a entrada do ano- novo, as festas de formatura e de debutantes, os trotes de calouros nos fazem lembrar ritos de passagem. Examinando as manifestações coletivas no cotidiano da vida urbana do brasileiro, descobrimos componentes míticos no carnaval e no futebol, ambos como manifestações do imaginário nacional e da expansão de forças inconscientes. OS ASPECTOS SOMBRIOS DO MITO O mito se expressa ainda sob formas negativas, por exemplo quando as idéias de Hitler encontraram eco naqueles que acreditavam na idéia da raça ariana como raça pura, desencadeando movimentos apaixonados de perseguição que culminaram no genocídio de judeus, ciganos e homossexuais. Para finalizar ... O mito não se reduz a simples mentira, mas faz parte da vida humana desde seus primórdios e ainda persiste no nosso cotidiano como uma das experiências possíveis do existir humano, expressas por meio das crenças, dos temores e desejos que nos mobilizam. Assim, vemos que mito e razão se complementam nas nossas vidas. Só que o mito de hoje, se ainda tem força para inflamar paixões, como no caso dos astros, dos políticos ou mesmo de causas políticas ou religiosas, não se apresenta mais com o caráter existencial que tinha o mito primitivo. Ou seja, os mitos modernos não abrangem mais a totalidade do real. Podemos escolher um mito da sexualidade (Madonna, talvez?), outro da maternidade, outro do profissionalismo, sem que tenham de ser coerentes entre si. Sem que causem uma revolução em toda nossa vida. Assim como houve uma especialização do trabalho, parece que houve uma especialização dos mitos. De qualquer forma, como mito e razão habitam o mesmo mundo, o pensamento reflexivo pode rejeitar alguns mitos, principalmente os que veiculam valores destrutivos ou que levam à desumanização da sociedade. Cabe a cada um de nós escolhermos quais serão nossos modelos de vida. UMA NOVA ORDEM HUMANA Costuma-se dizer que os primeiros filósofos foram gregos e surgiram no período arcaico, nas colônias gregas. Embora reconheçamos a importância de sábios que viveram na mesma época em outros lugares, suas doutrinas ainda estavam mais vinculadas à religião do que propriamente à reflexão filosófica. Alguns autores chamaram de "milagre grego" a passagem da mentalidade mítica para o pensamento crítico racional e filosófico, destacando o caráter repentino e único desse processo. Outros estudiosos, no entanto, criticam essa visão simplista e afirmam que a filosofia na Grécia não é fruto de um salto, do "milagre" realizado por um povo privilegiado, mas é a culminação do processo gestado ao longo dos tempos. PASSAGEM DO MITO A RAZÃO Na história do pensamento ocidental, a filosofia nasce por meio de longo processo histórico, surge promovendo a passagem do saber mítico ao pensamento racional, sem, entretanto, romper bruscamente com todos os conhecimentos do passado. Durante muito 8 Profª. Rauliette Diana Lima e Silva tempo, os primeiros filósofos gregos compartilharam de diversas crenças míticas, enquanto desenvolviam o conhecimento racional que caracterizaria a filosofia. Essa passagem do mito à razão “significa precisamente que já havia, de um lado, uma lógica do mito e que, de outro lado, na realidade filosófica ainda está incluído o poder do lendário”. Embora existam esses aspectos de continuidade, a filosofia surge como algo muito diferente, pois resulta de uma ruptura quanto à atitude diante do saber recebido. Enquanto o mito é uma narrativa cujo conteúdo não se questiona, a filosofia problematizada e, portanto, convida à discussão. Enquanto nomito a inteligibilidade é dada, na filosofia ela é procurada. A filosofia rejeita o sobrenatural, a interferência de agentes divinos na explicação dos fenômenos. Ainda mais: a filosofia busca a coerência interna, a definição rigorosa dos conceitos, o debate e a discussão e surge, portanto, como pensamento abstrato. O mito é denso de significado, tanto religioso, como filosófico, tanto social, como pessoal. Mas não concordamos com uma valorização que o equipare à filosofia. Embora tendo fundamentalmente o mesmo objetivo que o mito, a saber, o de fornecer uma explicação exaustiva das coisas, a filosofia procura atingir este seu objetivo de modo completamente diferente. De fato, o mito procede mediante a representação fantástica, a imaginação poética, a intuição de analogias, sugeridas pela experiência sensível; permanece, pois aquém do logos, ou seja, aquém da explicação racional. A filosofia, ao contrário, trabalha só com a razão, com rigor lógico, com espírito crítico, com motivações racionais, com argumentações rigorosas, baseadas em princípios cujos valores foram prévia e firmemente estabelecidos de forma explícita. É claro que essa mudança de papel do pensamento mítico, bem como a perda de seu poder explicativo resultam de um longo período de transição e de transformação da própria sociedade grega, que tornam possível o surgimento do pensamento filosófico-científico no séc. VI a.C. Basicamente isso corresponde ao período de decadência da civilização micênico-cretense na Grécia, por volta do séc. XII a.C, e de sua estrutura baseada em uma monarquia divina em que a classe sacerdotal tinha grande influência e o poder político era hereditário, e em uma aristocracia militar e em uma economia agrária. A partir da invasão da Grécia pelas tribos dóricas vindas provavelmente da Ásia central em torno de 900 a 750 a.C, começam a surgir as cidades-Estado, nas quais haverá uma participação política mais ativa dos cidadãos, e uma progressiva secularização da sociedade. A religião vai tendo seu papel reduzido, paralelamente ao surgimento de uma nova ordem econômica baseada agora em atividades comerciais e mercantis. O pensamento mítico, com seu apelo ao sobrenatural e aos mistérios, vai assim deixando de satisfazer às necessidades da nova organização social, mais preocupada com a realidade concreta, com a atividade política mais intensa e com as trocas comerciais. É nesse contexto que o pensamento filosófico-científico encontrará as condições favoráveis para o seu nascimento. Em virtude do desenvolvimento e dos contatos culturais com outros povos, decorrentes do comércio e da navegação, os gregos cultos sentiram necessidade de encontrar uma linguagem mais universal e rigorosa para justificar o universo e as próprias instituições. O mito parecia-lhes, cada vez mais, uma forma de expressão regional, particular, uma cristalização de interesses locais. Em síntese, o mito já não satisfazia às necessidades culturais da época. Surge, então, a linguagem filosófica, trazendo novos conceitos culturais, baseados na razão, que irão tentar substituir as criações míticas. A tensão estava estabelecida. De um lado, os conservadores queriam manter o sistema explicativo do mito, muito mais popular e eficaz 9 Profª. Rauliette Diana Lima e Silva para preservar os seus privilégios. De outro, os filósofos, desejosos de mudança, rejeitavam as explicações míticas e eram favoráveis às reivindicações dos membros das classes emergentes (os artesãos e os comerciantes), democratizando assim o sistema político. CONDIÇÕES HISTÓRICAS PARA O SURGIMENTO DA FILOSOFIA Resolvido o problema da relação entre Filosofia e mito, temos ainda um último a solucionar: O que tornou possível o surgimento da Filosofia na Grécia no final do século VII e no início do século VI a.C? Quais as condições materiais, isto é, econômicas, sociais, políticas e históricas que permitiram o surgimento da Filosofia? Podemos apontar como principais condições históricas que ajudaram a alterar a visão mítica predominante e contribuíram para o surgimento da Filosofia na Grécia: A invenção da escrita e da moeda e do calendário; A lei escrita e o surgimento da vida urbana; A fundação da pólis (cidade-estado) e a Invenção da Política; Consolidação da Democracia. Invenção da Escrita: A consciência mítica predomina em culturas de tradição oral, quando ainda não há escrita. Mesmo após seu surgimento, a escrita reserva-se aos privilegiados, aos sacerdotes e aos reis, e geralmente mantém o caráter mágico: entre os antigos egípcios, por exemplo, a palavra hieróglifo significa literalmente "sinal divino”. Na Grécia, já existira uma escrita no período micênico, mas restrita aos escribas que exerciam unções administrativas de interesse da aristocracia palaciana. Com a violenta invasão dórica, no século XII a.C, a escrita desapareceu junto com a civilização micênica, para ressurgir apenas no final do século IX ou VIII a.C, por influência dos fenícios. Em seu ressurgimento, a escrita assumiu função diferente. Suficientemente desligada da influência religiosa, passou a ser utilizada para formas mais democráticas de exercício do poder. Enquanto os rituais religiosos eram cheios de fórmulas mágicas, termos fixos e inquestionados, os escritos passaram a ser divulgados em praça pública, sujeitos à discussão e à crítica. Isso não significa que a escrita se tornasse acessível a todos, muito pelo contrário, já que a maioria da população era constituída de analfabetos. O que está em destaque é a dessacralização da escrita, ou seja, seu desligamento do sagrado. A escrita gera nova idade mental porque a postura de quem escreve é diferente daquela de quem apenas fala. Como a escrita fixa a palavra para além de quem a proferiu, exige maior rigor e clareza, o que estimula o espírito crítico. Além disso, a retomada posterior do que foi escrito - não só por contemporâneos, mas por outras gerações - abre os horizontes do pensamento e proporciona o distanciamento do vivido e o confronto das idéias. Portanto, a escrita surge como possibilidade maior de abstração, de uma reflexão aprimorada que tenderá a modificar a própria estrutura do pensamento. Na época da aristocracia rural, de riqueza baseada em terras e rebanhos, a economia era pré-monetária. Os objetos usados para troca vinham carregados de simbologia afetiva e sagrada. As relações sociais, impregnadas de caráter sobrenatural, eram fortemente marcadas pela posição social de pessoas consideradas superiores, devido à origem divina de seus ancestrais. Entre os séculos VIII e VI a.C., deu-se o desenvolvimento do comércio marítimo, 10 Profª. Rauliette Diana Lima e Silva decorrente da expansão do mundo grego, com a colonização da Magna Grécia (atual sul da Itália e Sicília) e da Jônia (hoje litoral da Turquia). O enriquecimento dos comerciantes acelerou a substituição de valores aristocráticos por valores da nova classe em ascensão. A moeda, inventada na Lídia - região da atual Turquia -, apareceu na Grécia por volta do século VII a.C., vindo facilitar os negócios e impulsionar o comércio. Com o recurso da moeda, os produtos que antes se restringiam ao seu valor de troca passaram a ter valor de uso, isto é, transformaram-se em mercadoria. Emitida e garantida pela pólis, a moeda fazia reverter seus benefícios para a própria comunidade. Além desse efeito político de democratização de um valor, a moeda sobrepunha aos símbolos sagrados e afetivos o caráter racional de sua concepção: a moeda representa uma convenção humana, noção abstrata de valor que estabelece a medida comum entre valores diferentes. Nesse sentido, a invenção da moeda desempenha papel revolucionário, por vincular- se ao nascimento do pensamento racional crítico. A invenção do calendário, que é uma forma de calcular o tempo segundo as estações do ano, as horas do dia, os fatos importantes que se repetem, revelando, com isso, uma capacidadede abstração nova ou uma percepção do tempo como algo natural e não como uma força divina incompreensível; O surgimento da vida urbana e da lei escrita: Antes de tratarmos da transformação da pólis é preciso destacar a importância de legisladores como Drácon (séc. VII a.C.), Sólon e Clístenes (séc. VI a.C.), que sinalizaram uma nova era: a justiça, até então dependente da interpretação da vontade divina ou da arbitrariedade dos reis, tornou-se codificada numa legislação escrita. Regra comum a todos, norma racional, sujeita à discussão e à modificação, a lei escrita passou a encarnar uma dimensão propriamente humana. Com predomínio do comércio e do artesanato, dando desenvolvimento a técnicas de fabricação e de troca, e diminuindo o prestígio das famílias da aristocracia proprietária de terras, por quem e para quem os mitos foram criados; além disso, o surgimento de uma classe de comerciantes ricos, que precisava encontrar pontos de poder e de prestígio para suplantar o velho poderio da aristocracia de terras e de sangue (as linhagens constituídas pelas famílias), fez com que essa nova classe social procurasse o prestígio pelo patrocínio e estímulo às artes, às técnicas e aos conhecimentos, favorecendo um ambiente onde a Filosofia poderia surgir; As reformas da legislação de Clístenes fundaram a pólis sobre nova base: a antiga organização tribal foi abolida e estabeleceram-se relações que não mais dependiam da consanguinidade, mas eram determinadas por uma organização administrativa. Os que compõem a cidade, por mais diferentes que sejam por sua origem, sua classe, sua função, aparecem de uma certa maneira “semelhantes uns aos outros". Se de início a igualdade existia apenas entre os guerreiros, “essa imagem do mundo humano encontrará no século VI sua expressão rigorosa num conceito, o de isonomia, igual participação de todos os cidadãos no exercício do poder”.' A pólis buscava garantir a isonomia, do mesmo modo que a isegoria, a igualdade do direito da palavra na assembleia. ETIMOLOGIA. Isonomia. Do grego isos, “igual", e nomos,"lei" (igualdade de direitos perante a lei no regime democrático). Isegoria. Do grego isos, "igual", e aquarelo, "discursar em público". O cidadão da pólis e A Invenção da Política: o nascimento da pólis (por volta dos sécs. 11 Profª. Rauliette Diana Lima e Silva VIII e VII a.c.) é um acontecimento decisivo que “marca um começo, uma verdadeira invenção, por ter provocado grandes alterações na vida social e nas relações humanas”. A originalidade da pólis é que ela estava centralizada na ágora (praça pública), espaço onde se debatiam os problemas de interesse comum. Separavam-se na pólis o domínio público e o privado: isso significava que ao ideal de valor de sangue, restrito a grupos privilegiados em função do nascimento ou fortuna, se sobrepunha a justa distribuição dos direitos dos cidadãos como representantes dos interesses da cidade. Desse modo era elaborado o novo ideal de justiça, pelo qual todo cidadão tinha direito ao poder. A noção de justiça assumia caráter político, e não apenas moral, ou seja, não dizia respeito apenas ao indivíduo e aos interesses da tradição familiar, mas à sua atuação na comunidade. A pólis se fez pela autonomia da palavra, não mais a palavra mágica dos mitos, palavra dada pelos deuses e, portanto, comum a todos, mas a palavra humana do conflito, da discussão, da argumentação. Expressar-se por meio do debate fez nascer a política, que permite ao indivíduo tecer seu destino na praça pública. Da instauração da ordem humana surgiu o cidadão da polis. figura inexistente no mundo da comunidade tribal e das aristocracias rurais. A invenção da política, que introduz três aspectos novos e decisivos para o nascimento da Filosofia: 1. A idéia da lei como expressão da vontade de uma coletividade humana que decide por si mesma o que é melhor para si e como ela definirá suas relações internas. O aspecto legislado e regulado da cidade — da polis — servirá de modelo para a Filosofia propor o aspecto legislado, regulado e ordenado do mundo como um mundo racional. 2. O surgimento de um espaço público, que faz aparecer um novo tipo de palavra ou de discurso, diferente daquele que era proferido pelo mito. Neste, um poeta-vidente, que recebia das deusas ligadas à memória uma iluminação misteriosa ou uma revelação sobrenatural, dizia aos homens quais eram as decisões dos deuses a que eles deveriam obedecer. Agora, com a polis, isto é, a cidade política, surge à palavra como direito de cada cidadão de emitir em público sua opinião, discuti-la com os outros, persuadi-los a tomar uma decisão proposta por ele, de tal modo que surge o discurso político, como palavra humana compartilhada, como diálogo, discussão e deliberação humana, isto é, como decisão racional e exposição dos motivos ou das razões para fazer ou não fazer alguma coisa. A política, ao valorizar o humano, o pensamento, a discussão, a persuasão e a decisão racional, valorizou o pensamento racional e criou condições para que surgisse o discurso ou a palavra filosófica. 3. A política estimula um pensamento e um discurso que não procuram ser formulados por seitas secretas dos iniciados em mistérios sagrados, mas que procuram, ao contrário, ser públicos, ensinados, transmitidos, comunicados e discutidos. A idéia de um pensamento que todos podem compreender e discutir, que todos podem comunicar e transmitir, é fundamental para a Filosofia. A consolidação da democracia: Embora os regimes oligárquicos não tenham sido extirpados, em muitas pólis consolidaram-se os ideais democráticos. Entre elas, Atenas é um modelo clássico. O apogeu da democracia ateniense ocorreu no século V a.C., quando Péricles governava. 12 Profª. Rauliette Diana Lima e Silva Os cidadãos livres, ricos ou pobres, tinham acesso à assembleia. Tratava-se da democracia direta, em que não eram escolhidos representantes, mas cada cidadão participava ele mesmo das decisões de interesse comum. No entanto, quando falamos em democracia ateniense, é bom lembrar que a maior parte da população se achava excluída do processo político, tais como os escravos e os estrangeiros (metecos), mesmo que estes fossem prósperos comerciantes. Apesar disso, o que vale enfatizar é a mutação do ideal político e uma concepção inovadora de poder, a democracia. O hábito da discussão pública, na ágora, estimulava o pensamento racional, argumentativo, mais distanciado das tradições míticas. O NASCIMENTO DA FILOSOFIA A Filosofia surgiu precisamente como reação ao pensamento mitológico. Nas colônias gregas da Ásia Menor, na Jônia, um ciclo de grande prosperidade forma uma classe intermediária forte e interessada em romper com as estruturas mitológicas que justificavam o poderio da aristocracia rural. Nessas cidades conviviam diferentes culturas, e de forma harmoniosa, pois o interesse comercial fazia com que os povos que aí se encontravam, sobretudo os gregos fundadores das cidades, fossem bastante tolerantes. As colônias gregas do mar Jônico eram então cidades cosmopolitas onde reinava um certo pluralismo cultural, com a presença de diversas línguas, tradições, cultos e mitos. Em uma sociedade dedicada às práticas comerciais e aos interesses pragmáticos, as tradições míticas e religiosas vão perdendo progressivamente sua importância. Neste contexto origina-se a "Filosofia", como que tendo como característica primeira à questão da origem do universo. Os primeiros filósofos são chamados de "FÍSICOS" e este primeiro período chama-se "Cosmológico" por procurarem o princípio primordial constitutivo da natureza, que em grego é "PHYSIS". O objeto de pesquisa, isto é, o tema básico destes primeiros filósofos, que chegam a formar uma tradição e uma escola, é a origem da filosofia. Os físicos da Jônia são, portanto os primeiros filósofos da Grécia. Os historiadores de filosofia dizem que ela possui data elocal de nascimento: final do século VII e início do século VI a.C, nas colônias gregas da Ásia Menor (particularmente as que formavam uma região denominada Jônia), na cidade de Mileto. E o primeiro filósofo foi Tales de Mileto. Além de possuir data e local de nascimento e de possuir seu primeiro autor, a filosofia também possui um conteúdo preciso ao nascer: é uma cosmologia. A palavra cosmologia é composta de duas outras: Cosmo, que significa mundo ordenado e Logia, que vem da palavra Logos, que significa pensamento racional, discurso racional, conhecimento, estudo. Assim, a filosofia nasce como conhecimento racional da ordem do mundo ou da natureza, donde, cosmologia. Em outras palavras, a filosofia grega nasceu procurando desenvolver o logos (saber racional) em contraste com o mito (saber alegórico). Por diferentes respostas os físicos acabaram criando um novo método de pesquisa da realidade. A Filosofia nasceu, portanto, com um saber que busca a crítica da ideologia hegemônica e como proposta de uma pesquisa da origem material das coisas. A filosofia dos físicos é, portanto uma Filosofia materialista empírica, se bem que um tanto confusa ainda, sobre a origem e o princípio primeiro - "arquê" - das coisas e do universo. Mais do que as conclusões que chegaram, logo superadas, é importante ressaltar que a grande 13 Profª. Rauliette Diana Lima e Silva contribuição dos físicos, que inauguram a pesquisa filosófica na Grécia do século VI a.C, é a de procurar uma explicação material para a realidade da natureza, do mundo e da própria sociedade. Os físicos inauguram o método científico sob o nome de "FILOSOFIA". Os escritos dos filósofos pré-socráticos desapareceram com o tempo, e só nos restam alguns fragmentos ou referências de filósofos posteriores. Sabemos que geralmente escreviam em prosa, abandonando a forma poética característica das epopeias, dos relatos míticos. Com o surgimento da Filosofia como Ciências surgem novas formas de encarar a verdade, a natureza e a responsabilidade. O novo conceito de verdade Na época do surgimento da filosofia, aceitava-se como verdade o que a tradição, as autoridades e os deuses determinavam. Ora, os primeiros filósofos buscaram um novo conceito de verdade - uma verdade tão bem fundamentada que ninguém pudesse refutá-la. Ela deveria libertar o povo da autoridade arbitrária dos deuses, reis, oligarcas e tiranos, assim como das profecias enigmáticas dos sacerdotes. Ora, a filosofia, naquele momento, veio libertar o homem da insegurança e do temor: quem descobre a ordem universal não tem medo de nada, pois tudo está previsto. Nem os deuses podem contrariar a verdade total. Pela primeira vez em toda a história da humanidade, o ser humano formula interpretações da realidade cuja fundamentação não está na tradição ou na conformidade com os dizeres míticos dos deuses, mas na verdade argumentada da razão. É a filosofia. Até então, em todas as culturas, o homem submetia o seu pensar aos mitos religiosos. O filósofo grego, ao contrário, acreditava que tinha a capacidade para formular interpretações próprias da realidade. Estariam erradas as religiões tradicionais que as negassem. A filosofia nasce, assim, com a convicção de que existem verdades humanas e universais que estão acima das críticas sacerdotais. A busca da verdade filosófica significa, portanto, libertar-se do despotismo da classe religiosa. O novo conceito de natureza Os primeiros filósofos gregos criaram um novo conceito de natureza. A natureza é o conjunto de tudo o que existe. A existência das coisas faz com que elas sejam cognoscíveis. A natureza como um todo também é cognoscível por si mesma. Não precisamos de intermediários para contemplar a sua existência. Ela se manifesta com uma evidência incontestável. É fonte de conhecimento irrefutável. Qualquer pessoa que se disponha a isso pode conhecê-la e interpretá-la. Filosofar é, basicamente, admirar a realidade tal qual ela existe; é saber contemplá-la sem projetar nela temores míticos e crenças fantasiosas. Enfim, filosofar é ver o relâmpago como fenômeno natural e não como vingança ou ameaça divina; é saber ver o mar simplesmente como mar, a montanha como montanha, as estrelas como estrelas, a seca como seca, os fatos sociais e políticos como resultado das relações humanas. Com a filosofia, a natureza é despida de interpretações culturais, podendo manifestar-se com autonomia e por suas próprias leis. Essa nova maneira de lidar com á realidade foi o inicio da filosofia, que até hoje, 26 séculos depois. Procura libertar o homem das 14 Profª. Rauliette Diana Lima e Silva crenças e temores desumanizantes. O novo conceito de responsabilidade Graças à filosofia, os valores fundados na razão passam a orientar a vida das pessoas, individualmente e em comunidade. Nos séculos VI e V a.C, os pensadores gregos começam a tomar consciência de que os bons e maus resultados da organização da cidade dependem das relações sociais. A política, a economia e a moral são construções humanas. Enfim, o filosofar desestabiliza, mexe com as estruturas sociais e políticas vigentes e convida o cidadão a construir uma nova sociedade. A nova sociedade só poderia vingar com a democratização da verdade. A verdade filosófica deveria ser socialmente cultivada. Assim, a praça torna-se o lugar público das discussões, onde os mestres se defrontam e os cidadãos participam, onde todos procuram aprimorar a contemplação do universo. Para divulgar a verdade, surgem os primeiros livros colocados à venda na praça da cidade. A verdade implica ter de orientar a própria vida e a da cidade não mais pelo mito, que é algo de regional e limitado, mas pela verdade universal. Logo, ao filósofo urge modificar as leis míticas, conformando-as à verdade. O filósofo é o cidadão mais ativo na promoção das mudanças sociais e políticas. Qual foi o fundamento de todas as conquistas sociais no Ocidente senão essa verdade responsável? A civilização ocidental não pode ser compreendida sem a filosofia. Com efeito, foi com a filosofia que a cultura grega influenciou nossa forma de pensar e de questionar tanto a natureza quanto o ser humano e as divindades. Junto com a filosofia, surgiu a noção de cidadania, de Estado, de ciência. Quem quiser conhecer a cultura ocidental não pode furtar-se ao estudo da filosofia. O exemplo dos filósofos gregos nos deixou uma grande lição: nunca se conformar com as estruturas existentes como se fossem as únicas possíveis. Quem quer ser criativo no seu momento histórico deve refletir atenta e criticamente: é preciso filosofar. De fato, não houve época em que não tivéssemos filósofos buscando a verdade e combatendo a ignorância, o obscurantismo, a dominação do homem pelo homem, as guerras e outros atos irracionais que infelicitam a humanidade. Filosofar é preciso para participar criativamente da luta pela humanização PERÍODOS HISTÓRICOS DA FILOSOFIA ANTIGUIDADE FILOSOFIA GREGA-COSMOCÊNTRICA SÉCULO FILOSOFIA CONTEXTO HISTÓRICO VII a.C. a V a.C. Período Pré-Socrático: Problemas Cosmológicos ou Físicos – Formação da Filosofia. Escola jônica: Tales, Anaximandro, Anaxímenes, Heráclito. Escola itálica: Pitágoras Escola eleática: Xenófanes, Parmênides, Zenão. Escola atomista: Leucipo, Demócrito, Anaxágoras. Empédocles. Registro escrito da Ilíada e Odisséia (Homero)/Reformas de Sólon/ Reformas de Clístenes/ Período arcaico da arte grega./ Guerras médicas/ Péricles/ Heródoto (história)/ Hipócrates (medicina)/ 15 Profª. Rauliette Diana Lima e Silva Tragédias e comédias. V a.C. Período Clássico (Socrático): Problemas Antropológicos e Problemas Metafísicos –Apogeu da Filosofia Sofística: Górgias, Protágoras, Hípias. Escola Socrática: Sócrates, Platão, Aristóteles. Guerra do Peloponeso /Tirania dos Trinta/Período Clássico da arte grega /Eudoxo (sistema geocêntrico) /Crise política em Atenas/Filipe da Macedônia e Alexandre Magno (Helenismo) /Período helenístico da arte grega. III a.C a IV d.C. Período pós-socrático – Problemas Morais – forte preocupação com a salvação e a felicidade – Decadência da Filosofia Grega. Estoicismo: Zenão de Cítio Epicurismo: Epicuro Ceticismo: Pirro. Euclides (geometria)/Arquimedes (mecânica)/ Guerras Púnicas (Roma-Cartago). FILOSOFIA ROMANA SÉCULO FILOSOFIA CONTEXTO HISTÓRICO I a.C. a III d.C. Lucrécio, Cícero, Sêneca, Marco Aurélio, Plotino. Fundação do Império Romano/ Cristianismo/ Ptolomeu (sistema geocêntrico)/ Apogeu do Império Romano/ Galeno (anatomia). III d.C. Filosofia Patrística: Encontro da Filosofia Grega com o Cristianismo. Primeira elaboração filosófica dos conteúdos do cristianismo pelos padres da Igreja. Crise do Império Romano. IDADE MÉDIA FILOSOFIA MEDIEVAL – TEOCÊNTRICA SÉCULO FILOSOFIA CONTEXTO HISTÓRICO IV a VIII Filosofia Patrística: A fé a procura da razão – A Filosofia mantém relações com a Filosofia. A Filosofia é um instrumento a serviço da Teologia. O tema central é a tentativa de conciliar razão e fé. Santo Agostinho, Boécio, Alcuíno. Começo da Alquimia/ Vulgatta (tradução da Bíblia para o latim)/ Divisão do Império Romano (do ocidente e Oriente)./Cristianismo (religião oficial)/ Queda do Império do Ocidente/ Justiniano (Império Bizantino): (Corpus Júris Civilis)/Mosteiros Beneditinos/ Surgimento do Islamismo. Fundação do Império do Ocidente: Carlos Magno/ Alcuíno (Inglês) organiza o ensino no reino franco. IX a XIII Filosofia Árabe: Difusão da cultura Grega no Ocidente. Influência Árabe na formação da tradição ocidental. Introdução ao pensamento de Aristóteles. Scotus Erígena, Al Kindi, Avicena. Querela dos Universais: Guilherme de Champeaux, Roscelino. Abelardo e Averróis. Tradução de Aristóteles para o Latim. Tratado de Verdun/ Apogeu da Cultura Islâmica/ Cisma do Oriente/ Arte romântica/ Cruzadas/ Universidades/ Números decimais na Europa./ Cruzadas. 16 Profª. Rauliette Diana Lima e Silva XIII a XIV Escolástica: A Razão a Procura da Fé. O termo designa a filosofia ministrada nas escolas cristãs (de catedrais e conventos) e posteriormente nas universidades. A Escolástica retoma a filosofia aristotélica. Santo Tomás de Aquino elabora a síntese magistral do cristianismo como o aristotelismo. Tentativa de Compatibilizar a fé e razão continua a ser o problema central da filosofia escolástica. Santo Alberto, Santo Tomás de Aquino. Escola de Oxford: Duns Scotus, Roger bacon, Guilherme de Ockham. Ibn khaldun, Dante Alighieri, Marsílio de Pádua. Ordem dos Dominicanos e Ordem de São Francisco/ Alquimia/ Início da Guerra dos Cem anos/ Estados Gerais/ Cisma do Ocidente/ Bússola/ Pré-Renascimento/ Decadência da idade Média: Tomada de Constantinopla. IDADE MODERNA FILOSOFIA MODERNA – ANTROPOCÊNTRICA SÉCULO FILOSOFIA CONTEXTO HISTÓRICO XV a XVI Renascimento: A Filosofia Moderna é profana, crítica, leiga e encontram na razão e na ciência seus pressupostos fundamentais. Marcado por uma profunda revolução Antropocêntrica, a natureza física e o homem tornam- se o tema central. Revalorização da Antiguidade Clássica. Propõe-se um novo modelo de homem e um novo modelo de Estado. Grande interesse pela Epistemologia. O Método experimental assenta as bases da ciência moderna. Joana d’Arc/ Grandes navegações: descoberta da América/ Renascimento artístico italiano/ Gutenberg (imprensa)/. “Descobrimento” do Brasil/ Formação das monarquias nacionais/ Reforma protestante/ Concílio de Trento/ Copérnico (Heliocentricismo). XVII Racionalismo e Empirismo: o racionalismo privilegia as verdades da razão, e o empirismo que destaca a validade do conhecimento sensível como ponto de partida do conhecimento. Campanella Empirismo: Francis Bacon, Hobbes, Locke. Racionalismo: Descartes, Pascal, Malebranche, Spinoza, Leibniz. Renascimento científico: Galileu, Kepler, Newton/ Mercantilismo e absolutismo/ Guerra dos Trinta Anos/ Cromwell/ Revolução Gloriosa. XVIII Iluminismo: visa combater o absolutismo, a influência da Igreja e da tradição, considerando a razão como o único meio de atingir a completa sabedoria. Confiança na razão é acompanhada por um espírito crítico (racionalismo exacerbado). Sonha-se com um homem universal e ideal que concilie natureza e razão, defensor dos direitos humanos e difusor da cultura. Liberalismo/ Revolução Industrial/ Despotismo Esclarecido/ Inconfidência Mineira/ Independência dos EUA/ Revolução Francesa. IDADE CONTEMPORÂNEA SÉCULO FILOSOFIA CONTEXTO HISTÓRICO XIX Filosofia Contemporânea: Valorização da ciência e extensão do método científico a outras disciplinas. Confiança no progresso indefinido – material e moral – da humanidade. Idealismo: Fichte, Schelling, Hegel, Schopenhauer. Positivismo: Comte, Taine, Stuart Mill, Spence. Socialismo: Saint-Simon, Fourier, Owen, Proudhon, Feurbach, Marx e Engels. Psicanálise: Freud. Lingüística: Saussure, Jakobson, Hjelmslev, Chomsky. Filósofos independentes: Kierkegaard, Nietzsche. Napoleão, Colonialismo, Revoluções Liberais, / Comuna de Paris/ Independência do Brasil/ Unificação alemã e italiana/ República brasileira/ Independência das colônias americanas. SÉCULO XX É difícil proceder à classificação das correntes filosóficas do século XX: em primeiro lugar, trata-se de um período que ainda 17 Profª. Rauliette Diana Lima e Silva estamos vivendo, por isso não temos suficiente distanciamento para fazer análises mais objetivas; em segundo lugar, as vezes a classificação se torna uma “camisa de força”, pois “encaixamos” pensadores em correntes que podem ter exercido influências sobre eles, mas com as quais não podem ser plenamente identificados. Outros, ainda vivos, tem o seu pensamento em processo, sendo prematuramente qualquer “rotulação”.Esse período, por ser o mais próximo de nós, parece ser o mais complexo e o mais difícil de definir, pois as diferenças entre as várias filosofias ou posições filosóficas nos parecem muito grandes porque as estamos vendo surgir diante de nós. Pluralidade de correntes filosóficas. CORRENTES FILOSÓFICAS Crítica da Ciência: Ernst Mach, Pierre Duhen, Henri Poincaré. Neopositivismo: Alfred Ayer, Ludwig Wittgenstein, Russel. Filosofia da Matemática (logística): Gottlob Grege, Giusseppe Peano, George Cantor, Bertrand Russell, Alfred Whitehead. Circulo de Viena (Positivismo lógico): Rudolf Carnap, Moritz Schlick. Tendências Contemporâneas: Karl Popper, Thomas Kuhn, Imre Lakatos, Paul Feyeraben. Epistemologia Francesa: Gaston Bachelard, Maurice Merleau-Ponty, Michel Foucault. Pragmatismo: William James, Sanders Peirce, John Dewey. Neokantismo: Hermann Cohen, Ernst Cassirer, Paul Natorp, Charles Renouvier. Espiritualismo Cristão: Louis Lavelle, René Le Senne. Racionalismo Transpositivista: Alain (Émile-Auguste Chartier), León Brunschvicg, Piaget, Henri Poincaré, Koyré, Meyerson, Bachelard. Historicismo: Wilhelm Dilthey. Neo-Hegelianismo (espiritualismo): Giovanni Gentile, Benedetto Croce. Neo-Escolástica: Desiré Mercier, Jacques Maritain, Reginald Garrigou-Lagrange. Fenomenologia: Edmund Husserl, Marx Scheler, Franz Brentano, Maurice Merleau-Ponty.Martin Bubber. Existencialismo: Jean-Paul Sartre, Gabriel Marcel, Heidegger, Karl Jasper, Albert Camus. Hermenêutica: Paul Ricouer. Personalismo: Emmanuel Mounier. Filosofia da vida: Bérgson, Blondel, Dithey, Spengler. Estruturalismo: Claude Lévi-Strauss, Roland Barthes, Michel Foucault, Jacques Derrida, Louis Althusser. Marxismo: Lênin, Rosa Luxemburgo, Antônio Gramsci, George Lukács, Lucien Goldmman, Louis Althusser. Escola de Frankfurt (Teoria Crítica): Max Horkheimer, Theodor Adorno, Walter Benjamim, Herbert Marcuse, Erich Fromm. Ética do Discurso: Jurgen Habermas, Karl-Otto Apel, Ernst Tugendhat, Otte Fried Hóffe. Arqueogenealogia:Michel Foucault, Gilles Deleuze, Feliz Guattari, Jean Baudrillard, Jean-François Lyotard. Filósofos Independentes: Henri Bérgson, Teilhard de Chardin, José Ortega y Gasset. Profª. Rauliette Diana Lima e Silva 18 CONSIDERAÇÕES FINAIS A Filosofia é a mais antiga de todas as ciências. Falar de sua origem na história é falar da origem do pensamento humano. Em todos os momentos da história do homem a filosofia esteve presente. É justamente pelo filosofar que a história teve sua continuidade no tempo. Entretanto como sendo praticamente o ponto de partida de todo o conhecimento humano organizado, a Filosofia estudou tudo o que pôde, estimulando e produzindo os mais vastos campos do saber. No curso de sua evolução histórica, portanto, a filosofia forneceu ao homem um instrumento essencial no esforço de apreender a realidade com precisão cada vez maior e permitiu-lhe aceder mais completamente à compreensão de si mesmo e de seu lugar no universo. O que se pretende mostrar é o quanto é rica a história do pensamento filosófico. Toda história humana, em seus vários setores – social, político, econômico, religiosos, pedagógico, cientifico, artístico – está profundamente marcada pela Filosofia. A Filosofia existe há 26 séculos. Durante uma história tão longa e de tantos períodos diferentes, surgiram temas, disciplinas e campos de investigação filosóficos enquanto outros desapareceram. Desapareceu também a idéia de Aristóteles de que a filosofia era a totalidade dos conhecimentos teóricos e práticos da humanidade. Também desapareceu uma imagem, que durante muitos séculos, na qual a filosofia era representada como uma grande árvore frondosa, cujas raízes eram a metafísica e a teologia, cujo tronco era a lógica, cujos ramos principais eram a filosofia da Natureza, a ética e a política, as artes e as invenções. A Filosofia vista como totalidade orgânica ou viva, era chamada de “rainha das ciências”. Isso desapareceu. Pouco a pouco, as várias ciências particulares foram definindo seus objetivos, seus métodos e seus resultados próprios, e ao se desligar, levou consigo os conhecimentos práticos ou aplicados de seu campo de investigação, isto é, as artes e as técnicas a ela ligadas. As últimas ciências a aparecer e a se desligar da arvore da Filosofia foram às ciências humanas (psicologia, sociologia, antropologia, história, linguística, geografia, etc.). Outros campos de conhecimento e de ação abriram-se para a Filosofia, mas a idéia de uma totalidade de saberes que conteria em si todos os conhecimentos nunca mais reapareceu. No século XIX, o otimismo positivista ou cientificista levou a filosofia a supor que, no futuro só haveria ciências, e que todos os conhecimentos e todas as explicações seriam dados por elas. Assim, a própria filosofia poderia desaparecer, não tendo motivo para existir. No entanto, no século XX, a filosofia passou a mostrar que as ciências não possuem princípios totalmente certos, seguros e rigorosos para as investigações, que os resultados podem ser duvidosos e precários, e que, frequentemente, uma ciência desconhece até onde pode ir quando está entrando no campo de investigação de uma outra. Os princípios, os métodos, os conceitos e os resultados de uma ciência podem estar totalmente equivocados ou desprovidos de fundamento. Com isso, a filosofia voltou a afirmar seu papel de compreensão e interpretação crítica das ciências, discutindo a validade de seus princípios, procedimentos de pesquisa, resultados, de suas formas de exposição dos dados e das conclusões, etc. Temos que admitir que a filosofia é, em grau muito considerável, vítima da moda e que aquilo considerado obviamente certo em um período pode parecer inteiramente errado mesmo pouco tempo depois. Hoje muitos filósofos achariam difícil, ou mesmo impossível, pensar como, digamos, Plotino ou Hegel. Mas os mesmos tipos de mudança, mesmo que não tão dramáticas, podem ocorrer no curso de uma única vida. Por todas essas razões, é impossível arriscar um palpite confiável sobre a maneira como a filosofia será encarada dentro de 50 anos. De uma coisa podemos estar certos, contudo – haverá filosofia. FONTES BIBLIOGRÁFICAS ABBAGNANO, Nicola. HISTÓRIA DA FILOSOFIA. 2.a Edição. São Paulo: EDITORIAL PRESENÇA Profª. Rauliette Diana Lima e Silva 19 ARANHA, Maria Lúcia de A. Filosofia da Educação. 2º edição: Moderna, São Paulo, 1996. ARANHA, Maria Lúcia de A. MARTINS, Maria Helena P. Temas de Filosofia. 1º Edição. São Paulo: Moderna, 1992. _______________________________________________. Filosofando: Introdução à Filosofia. 4º Ed.rev.atual. São Paulo: Moderna, 2011. _______________________________________________. Filosofando: Introdução à Filosofia. 3º Ed.rev.atual. São Paulo: Moderna, 2004. AYER, Alfred. "AS QUESTÕES CENTRAIS DA FILOSOFIA". Trad. Alberto Oliva, 1975 BOCHENSKY, M. A FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA OCIDENTAL. São Paulo, Herder, 1962. CARVALHO, João Wilson, TEMAS BÁSICOS EM FILOSOFIA. 2ª edição. PROGRAD/UNIFAP, Macapá, 2002. CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 13ª edição revista e ampliada. São Paulo, Ed. Ática, 2004. CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo, Ed. Ática, 1994. ____________________________. Filosofia: Série Ensino Médio. 1º Ed. Ática, São Paulo, 2 COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia: Ser, Saber e Fazer. 13º Edição. São Paulo: Saraiva, 1997. _______________. Fundamentos da Filosofia. História e Grandes Temas. 15º Ed. Saraiva, São Paulo, 2000. CORBESIER, ROLAND. Introdução à Filosofia. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1993. CORDI, SANTOS, BORBO... Para Filosofar. Ed. Scipione, São Paulo, 1995. MARCONDES, Danilo. Iniciação à História da Filosofia: dos Pré-Socráticos a Wittgenstein. 6º ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001. NUNES, César Aparecido. Aprendendo Filosofia. 7a Ed. Campinas, Papirus, 1997. OLIVEIRA, Ivanilde Apoluceno de. FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO: REFLEXÕES E DEBATES. 2ª Ed. Belém: UNAMA, 2003. PILETTI, Cláudio e Nelson. Filosofia e História da Educação. 10a Ed. São Paulo, Ed. Ática, 1993. SCHIRATO, Maria Aparecida Rhein. Iniciação à Filosofia: Viva a Filosofia Viva. São Paulo: Editora Moraes, 1987. SEVERINO, Antônio J. Filosofia. São Paulo: Cortez, 1993. SOUZA, Maria Ribeiro de. Um Outro Olhar: Filosofia. São Paulo, 1995. www.mundodosfilosofos.com.br www.carpediem.com.br www.filosofiavirtual.cjb.net www.filosofia.pro.br http://www.mundodosfilosofos.com.br/ http://www.carpediem.com.br/ http://www.filosofiavirtual.cjb.net/ http://www.filosofia.pro.br/
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