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Livro do Professor Filosofia Volume 1 ©Editora Positivo Ltda., 2015 Presidente: Ruben Formighieri Diretor-Geral: Emerson Walter dos Santos Diretor Editorial: Joseph Razouk Junior Gerente Editorial: Júlio Röcker Neto Gerente de Arte e Iconografia: Cláudio Espósito Godoy Autoria: Lidiane Grützmann; reformulação dos originais de: Michele Czaikoski Silva e Sandro Fernandes Supervisão Editorial: Jeferson Freitas Edição de Conteúdo: Camila Castro Souza (Coord.), Daniela dos Santos Souza e Michele Czaikoski Silva Edição de Texto: Tania Tatiane Cheremeta Revisão: Priscila Rando Bolcato Supervisão de Arte: Elvira Fogaça Cilka Edição de Arte: Cassiano Darela Projeto Gráfico: YAN Comunicação Ícones: ©Shutterstock/Ericlefrancais, ©Shutterstock/Sashkin, ©Shutterstock/Goritza, ©Shutterstock/Lightspring, ©Shutterstock/Nelson Marques e ©Shutterstock/Chalermpol Imagens de abertura: ©Shutterstock/Anastasios71 e ©Shutterstock/Jeka Editoração: Cassiano Darela Ilustração: DKO Estúdio Pesquisa Iconográfica: Janine Perucci (Supervisão) e Júnior Guilherme Madalosso Engenharia de Produto: Solange Szabelski Druszcz Produção Editora Positivo Ltda. Rua Major Heitor Guimarães, 174 – Seminário 80440-120 – Curitiba – PR Tel.: (0xx41) 3312-3500 Site: www.editorapositivo.com.br Impressão e acabamento Gráfica e Editora Posigraf Ltda. Rua Senador Accioly Filho, 431/500 – CIC 81310-000 – Curitiba – PR Tel.: (0xx41) 3212-5451 E-mail: posigraf@positivo.com.br 2018 Contato editora.spe@positivo.com.br Todos os direitos reservados à Editora Positivo Ltda. Dados Internacionais para Catalogação na Publicação (CIP) (Maria Teresa A. Gonzati / CRB 9-1584 / Curitiba, PR, Brasil) G893 Grützmann, Lidiane. Filosofia : ensino médio / Lidiane Grützmann ; reformulação dos originais de Michele Czaikoski Silva, Sandro Fernandes ; ilustrações DKO Estúdio. – Curitiba : Positivo, 2015. v. 1. : il. Sistema Positivo de Ensino ISBN 978-85-385-9357-7 (Livro do aluno) ISBN 978-85-385-9358-4 (Livro do professor) 1. Filosofia. 2. Ensino médio – Currículos. I. Silva, Michele Czaikoski. II. Fernandes, Sandro. III. DKO Estúdio. IV. Título. CDD 373.33 Introdução à Filosofia ................................. 4 Mito e Filosofia ............................................................................................... 6 Cosmologia: a questão da arché...................................................................... 13 Ser e devir ...................................................................................................... 16 Retórica e dialética ........................................................................................ 17 Filosofia na pólis grega .................................................................................. 23 Períodos e áreas da Filosofia .......................................................................... 24 01 Sumário Acesse o livro digital e conheça os objetos digitais e slides deste volume. Introdução à Filoso fia 01 KREUTZBERG, Siegfried. A árvore da vida indígena. Téc. Mista – 70 x 50, 1999. Ponto de partida 1. Você acha que se conhece? 2. O que significa conhecer a si mesmo? 3. Por meio do espelho, você conhece sua aparência física. De que modo é possível conhecer outros aspectos de si mesmo, como sua personalidade? 4. Você considera importante desenvolver o autoconhecimento? Por quê? Getty Images/Cargo 4 Esta unidade apresenta uma introdução ao pensamento filosófico. Por meio dela, você descobrirá a importância do mito e verá como se deu a passagem do pensamento mítico para o filosófico. Também saberá como eram as investigações realizadas pelos primeiros filósofos na Grécia Antiga e as condições que eles tinham para desenvolvê-las, além de conhecer os diferentes períodos e as áreas em que se organiza a Filosofia. POR QUE ÀS VEZES ME SINTO INADEQUADA, INACABADA? ALGUM DIA ME SENTIREI SATISFEITA? PRECISO REPETIR OS MODELOS SOCIAIS TRADICIONAIS? COMO FAÇO PARA “CONSTRUIR” UMA IDENTIDADE PRÓPRIA DIANTE DE TANTOS MODELOS PRONTOS? É POSSÍVEL SER LIVRE? POSSO MUDAR O MUNDO? O ato de perguntar está muito presente no processo de desenvolvimento humano. Crescemos, mudamos e as perguntas mudam conosco. Afinal, a curiosidade contribui para que nos conheçamos melhor e nos ajuda a investigar o sentido do mundo à nossa volta. Provavelmente, algumas das perguntas a seguir lhe sejam familiares. As perguntas que você faz sobre sua existência tam- bém são feitas por outros jovens, em diferentes partes do mundo. Podemos até arriscar dizer que também foram feitas por jovens medievais, ou ainda por jovens que vi- veram na Antiguidade, mesmo em recantos remotos da Terra. São perguntas consideradas filosóficas, pois estão arraigadas na existência humana e não têm uma respos- ta acabada e definitiva. Exatamente por isso elas aproxi- mam o ser humano da Filosofia, a qual pode revelar nossa condição de ser no mundo e nos ajudar a compreender nossas possibilidades e limitações. A palavra grega filosofia significa amizade ou amor à sabedoria. Trata-se de uma forma de conhecimento cuja base são os atos de questionar, refletir e investigar. A Fi- losofia pode nos encorajar a percorrer a sinuosa senda de nossa existência, sem nos perder nos meandros da ilusão. Ao trilhar esse caminho, você experimentará o conheci- mento filosófico e a sua construção, aprenderá a fazer perguntas e analisá-las, refletirá sobre questionamentos filosóficos e sobre as respostas desenvolvidas por diver- sos pensadores. Você verá o quanto as perguntas dos filósofos podem ser parecidas com algumas das que fa- zemos cotidianamente e que acabam sendo ignoradas por pressa ou por conveniência. D KO E st ú d io . 2 01 4. D ig ita l. QUAIS AS POSSIBILIDADES DE CRIAÇÃO DE MINHA PRÓPRIA EXISTÊNCIA DIANTE DE UM MUNDO PROGRAMADO E PREVISÍVEL? sinuoso: tortuoso, que apresenta curvas irregulares. senda: caminho estreito, vereda. meandro: sinuosidade, volteios de um caminho. 1 Encaminhamento metodológico. ção ao pensamento filosófico. Por meio dela, você á como se deu a passagem do pensamento mítico 5 Troca de ideias O mito corresponde a um modo específico de compreensão da realidade. É composto de uma narrativa simbólica que representa a necessidade humana de compreender a origem, o destino, a organização e o sentido da existência. Ao se investigar a palavra mito, chega-se à raiz grega mythos, que se relaciona com o verbo narrar, ou seja, transmitir oralmente algo a alguém. Em uma comunidade, os mitos são vistos como verdades, uma vez que são ensinados aos mais novos por membros cuja autoridade é tida como confiável e indiscutível. Conceito D KO E st ú d io . 2 01 4. D ig ita l. O objetivo desse estudo é ajudá-lo a entender parte da construção do raciocínio humano no decorrer da história: compreender a elaboração, as divergências e as transformações do raciocínio desde o surgimento dos primeiros mitos ocidentais. Nesse percurso, você descobrirá que o raciocínio filosófico nasce de um conjunto de atitudes filosóficas: interesse, curiosidade e reflexão. Aprenderá também que a reflexão filosófica é a análise do pensamento, buscando a totalidade, a radicalidade e a profundidade, considerando todos os elementos possíveis, tentando ultrapassar limites e indo além da superficialidade. Mito e Filosofia Você já percebeu que a palavra mito é frequentemente relacionada à ideia de algo falso, a um engano ou mesmo a uma explicação mentirosa sobre determinado assunto? Conhece programas nos meios de comu- nicação dispostos a desvendar fenômenos fazendo a seguinte chamada: “verdade ou mito”? E você, o que entende por mito? Em quais contextos essa palavra pode ser usada? Converse com os colegas e registre o que você já conhece sobre esse assunto. Você já ouviu o termo narcisista, utilizado em referência às pessoas que ex- pressam comportamentoegoísta ou vaidoso? Conhece a expressão calca- nhar de aquiles, utilizada para designar algum ponto fraco? Essas expressões decorrem de mitos antigos. Atualmente, várias comu- nidades organizam sua estrutura social com base em mitolo- gias específicas. Em nosso estudo, você conhecerá uma dessas comunidades e verá que uma compreensão aprofundada dos significados dos mitos pode ampliar seu entendimento sobre si e sobre o mundo. É importante ter em mente que a maneira mítica de ver, enten- der, explicar ou sentir o mundo não deve ser prejulgada como algo negativo, nem vista em absoluta oposição ao que é considerado atual- mente como verdadeiro e confiável. O mito não é oposto à Filosofia ou à Ciência, tampouco pode ser relegado a comunidades rotuladas como primi- tivas ou pré-científicas. Afinal, tanto o pensamento mítico quanto os pensa- mentos filosófico e científico são modos ou possibilidades diferentes de apreensão da realidade e do conhecimento. 2 Encaminhamento metodológico. 6 Volume 1 genealogia: palavra formada pela junção dos termos gregos genos, que significa descendência, casta, família, e logia, derivada de logos, que quer dizer palavra, discurso, conhecimento. Assim, genealogia é o nome que se dá às pesquisas e aos estudos realizados em busca das origens de uma estirpe, ou seja, de uma linhagem familiar. teogonia: palavra formada pela junção dos termos gregos theós, que significa deus, e goné, que quer dizer geração, nascimento. Teogonia, portanto, significa genealogia dos deuses. Tipos de mitos Uma narrativa sobre grandes feitos de um antepassado pode se tornar um mito. Quando, por exemplo, um ancião narra passagens da vida de um fundador ou de um guerreiro, a bravura e a nobreza desses personagens transformam-se em modelos de comportamento para o grupo e em ideais a serem buscados por todos. Do mesmo modo, há mitos que representam comportamentos a serem evitados, uma vez que, pelas narrativas, sabe-se que eles geraram trágicas consequências individuais e coletivas no passado. Os mitos revelam a forma e os contornos da cultura em que estão inseridos. Isso pode ser percebido tanto nos seres mitológicos, que geralmente assumem características mui- to próximas da cultura local, quanto nos elementos naturais citados, tais como montanhas, vales e rios próximos da co- munidade, que se transformam em locais sagrados. Esse é o caso do Monte Olimpo, considerado pelos gregos a morada de seus principais deuses, os quais, por essa razão, são cha- mados de deuses olímpicos. © W ik im ed ia C om m on s/ A lin a Zi en ow ic z Sugestão de atividades para aprofundar o conhecimento: questões 1 e 2 da seção Hora de estudo. 3 Texto complementar. Na Grécia Antiga, o Monte Olimpo era considerado o local de morada do Dodecatheon, nome dado ao conjunto dos 12 principais deuses do panteão grego: Zeus, Posseidon, Apolo, Ares, Artemis, Afrodite, Deméter, Hera, Atena, Hefesto, Dioniso (ou Dionísio) e Hermes. 4 Informações complementares. Os mitos podem se diferenciar conforme sua intencionalidade. Conheça três tipos: Mitos cosmogônicos (do grego khosmos, universo, conjunto de tudo o que existe, e goné: geração, nasci- mento): tratam das origens daquilo que existe. Na Grécia Antiga, os mitos cosmogônicos eram muito valo- rizados. O primeiro a sistematizar os mitos gregos e a organizá-los em uma sequência lógica, que permitiu vislumbrá-los em sua genealogia, foi Hesíodo. Na obra Teogonia, ele narra poeticamente o princípio de tudo e apresenta as divindades primordiais: Caos, Terra, Tártaro, Eros e Céu, que deram origem a outras divindades. Conta ainda que a origem do mundo e de seus elementos aconteceu pela união do Céu (Urano) com a Terra (Gaia, a grande mãe), o que sugere que a criação se deu a partir do choque entre elementos contrapostos e complementares. Mitos escatológicos: explicam o que acontece após a morte física na Terra ou versam sobre a finalidade e o destino da vida humana. Funcionam, para alguns povos, como profecias sobre o fim do mundo, o destino do planeta e o juízo final. Na Antiguidade, entre os egípcios, os mitos escatológicos tinham grande importância, pois descreviam o destino das almas, conforme a conduta dos indivíduos na Terra. Mitos épicos: narrativas que descrevem grandes proezas realizadas por heróis e guerreiros que venceram al- gum obstáculo com inteligência, força e nobreza. Na Grécia Antiga, por exemplo, os heróis épicos eram des- critos como semideuses, devido aos seus feitos e à sua coragem. Nesse contexto, os poemas épicos tinham função pedagógica, ou seja, ensinavam aos cidadãos gregos como deveriam se portar, servindo de inspiração e incentivo para que cada indivíduo cultivasse as mesmas características dos heróis míticos ao lidar com questões cotidianas. 7Filosofia Para ler e refletir Leia um trecho da obra Teogonia, de Hesíodo, o qual mostra um exemplo de mito cosmogônico, explicando a ori- gem divina e o nascimento (gonia) do mundo (cosmos). Os deuses primordiais Sim bem primeiro nasceu Caos, depois também Terra de amplo seio, de todos sede irresvalável sempre, dos imortais que têm a cabeça do Olimpo nevado, e Tártaro nevoento no fundo do chão de amplas vias, e Eros: o mais belo entre Deuses imortais, solta-membros, dos Deuses todos e dos homens todos ele doma no peito o espírito e a prudente vontade. Do Caos Érebos e Noite negra nasceram. Da Noite aliás Éter e Dia nasceram, gerou-os fecundada unida a Érebos em amor. [...] Terra primeiro pariu igual a si mesma Céu constelado, para cercá-la toda ao redor e ser aos Deuses venturosos sede irresvalável sempre. Pariu altas Montanhas, belos abrigos das Deusas ninfas que moram nas montanhas frondosas. E pariu a infecunda planície impetuosa de ondas o Mar, sem o desejoso amor. Depois pariu do coito com Céu: Oceano de fundos remoinhos e Coios e Crios e Hipérion e Jápeto e Teia e Reia e Têmis e Memória e Febe de áurea coroa e Tétis amorosa. E após com ótimas armas Crono de curvo pensar, filho o mais terrível: detestou o florescente pai. [...] HESÍODO. Teogonia: a origem dos deuses. 3. ed. São Paulo: Iluminuras, 1995. p. 111 e 113. 5 D KO E st ú d io . 2 01 4. D ig ita l. Encaminhamento metodológico. irresvalável: qualidade do que é firme, fixo ou inalterável. venturoso: qualidade de quem é afortunado, de quem tem muita sorte e vive em felicidade. infecundo: que não pode ser fecundado, improdutivo, estéril, infértil. impetuoso: dotada de grande ímpeto, força e impulsividade. coito: cópula ou ato sexual. D KO D KO DD Es tú E d io . 2 01 4. D ig ita l. 8 Volume 1 Origem dos mitos Ao pensar em mito, é inevitável fazer uma as- sociação com o povo grego. Porém, é importante pensar: Quais motivos conduzem a essa associa- ção? É possível pensar em uma mitologia que transponha os limites da Grécia Antiga? Diante das características já apontadas sobre o mito, é possível deduzir que ele não é uma exclusividade grega. Ainda assim, é comum lembrar primeiro dos mitos gregos, pois eles ocupam o lugar de maior destaque entre as mi- tologias presentes no mundo ocidental. O Brasil contemporâneo, por exemplo, como herdeiro da cultura ocidental, sofreu influências da mitologia greco-romana. A Grécia é vista como berço da Filosofia ocidental, então o mito grego encontra-se tam- bém diretamente ligado às suas raízes, uma vez que o pensamento mítico antecede o pensamento filosófico. Sendo assim, é importante refletir se algo diferencia a mitologia grega das demais. O autor Mircea Eliade ajuda a compreender a peculiaridade do mito grego. Ele garante que, na Grécia, como em nenhum outro lugar, o mito serviu de inspiração para a arte, em especial para a poesia e para as ar- tes plásticas. Outro ponto importante é que os gregos foram os únicos a submeter sua mitologia a uma rigorosa análise. Assim, os primeiros filósofos gregos utilizaramo mito como ponto de partida para promover uma reinterpretação da realidade, cada um a seu modo. Logo, é possível afirmar que a mitologia grega destaca-se por constituir um alicerce para a formação do pensamento ocidental. KLEOPHRADES (atribuído). Hércules e o touro de Creta. Cerca de 490 a.C. (período arcaico tardio). 1 figura vermelha ática, 34,4 cm × 31,2 cm. Museu Universitário da Universidade da Pensilvânia, Filadélfia. A imagem representa uma façanha de Hércules, um dos maiores heróis da mitologia épica grega. mundo ocidental: essa expressão não rem ete a uma divisão de mundo meramente geo grá- fica. No contexto dos estudos propostos n esta unidade, o mundo ocidental correspond e à manifestação e aos desdobramentos da he ran- ça cultural greco-romana do Período Clás sico, verificados em determinados países e reg iões. Essa herança é observada na perpetuação dos costumes; na vivência e incorporação de v alo- res, normas e tradições; na inspiração dos mo- dos de organização social e política; nas ar tes e assim por diante. Relembre alguns seres da mitologia de diferentes povos conhecidos por você e registre seus nomes. Depois, converse com os colegas e o professor sobre as origens deles. Provavelmente, os alunos mencionarão os seres mais conhecidos da mitologia grega. É importante instigá-los a relembrar, preferencialmente, mitologias de outros povos que não os gregos, sobre os quais já tenham ouvido falar. Como exemplo, podem ser citados Thor e Odin, deuses da mitologia nórdica. Sugestão de atividades para aprofundar o conhecimento: questões 3 e 5 da seção Hora de estudo. 6 Orientação didática. 9Filosofia Atualmente, a estrutura social de algumas comuni- dades permanece vinculada às suas crenças sobre o sur- gimento do mundo, de acordo com seus mitos. É assim entre os baniwa, de modo que sua mitologia é constan- temente reproduzida nos rituais e nas cerimônias para que seja lembrada por todos e utilizada como uma re- ferência para se distinguir o que é certo do que é errado. Logo, entre os membros da tribo, a generosidade é um valor importante, fundamentado em seu mito de origem. Baniwa: povo que vive na fronteira do Brasil com a Colômbia e a Venezuela. Organiza-se em aldeias localizadas às margens do Rio Içana e seus afluentes, no norte do Amazonas. 1. Com a orientação do professor e em grupo, pesquise as mitologias de diferentes povos. Apresente algumas divinda- des dessas mitologias e suas principais características, indicando algumas semelhanças e diferenças entre elas. 2. Com base no que você pesquisou, discuta as questões a seguir com seus colegas. Depois, registre as suas conclu- sões, em forma de texto dissertativo, com argumentos para sustentar suas opiniões. a) O mito ainda pode ocupar um lugar na sociedade tecnológica? b) Haverá ainda lugar em nossos dias para os contadores de histórias, os poetas, os guardadores das memórias comunitárias? Segundo esse mito, o criador Yampirikuri distribuiu ferramentas de trabalho entre os diferentes grupos sociais, todas elas ligadas à produção de elementos necessários à sobrevivência. Isso fez com que cada grupo desenvolvesse uma habilidade distinta da dos demais. Um grupo apren- deu a cestaria, outro, a pesca, e assim por diante. Por essa razão, os baniwa acreditam que a pessoa mais detestável é aquela que se recusa a repartir com os demais os frutos do seu trabalho, pois estaria se recusando a repartir os dons recebidos de Yampirikuri. Para os baniwa, as habilidades não são méritos particulares, mas algo a ser desenvolvido pelos indivíduos em benefício de toda a tribo. RICARDO, Beto. Produção de cestaria Baniwa, Tucumã. Rio Içana, Amazonas. 2000. 1 fotografia, color. Entre os baniwa, a prática da cestaria é ligada à mitologia e aos rituais de iniciação. Os meninos aprendem a fazer os waláya (balaios grandes) para ofertá-los aos amigos ao final de um período de reclusão. ConexõesConexões 7 Encaminhamento metodológico. Reflexão em ação © Be to R ic ar d o/ IS A 10 Volume 1 Já imaginou utilizar a mitologia em seu cotidiano profissional? É o que fazem alguns psicólogos e psicana- listas. Eles são profissionais que buscam ajudar os indiví- duos a compreender a relação entre o funcionamento de suas mentes e seus padrões de comportamento. Nesse contexto, os mitos são considerados um tipo de linguagem que pode explicar, por meio de símbolos, os processos que atravessamos ao longo da vida. Por exem- plo, Freud, considerado o pai da psicanálise, foi quem pri- meiro relacionou o mito grego de Narciso a um aspecto específico do comportamento humano. Ele afirmava que o narcisismo pode se transformar em um transtorno psíquico, ou uma patologia, quando dificulta a ação do indivíduo em seu cotidiano. No Brasil, a formação em Psi- canálise ocorre por meio de um curso de pós-graduação. Mundo do trabalho Origem e desenvolvimento do raciocínio filosófico De um modo geral, afirma-se que a Filosofia surgiu com a busca de explicações racionais para a realidade que cercava o homem grego. Essas explicações deveriam fundamentar-se em raciocínios rigorosos, além de considerar a complexidade das relações sociais e a necessidade de se estabelecerem formas de organização benéficas para o ser humano, recorrendo menos à interferência de deuses, tradições e revelações míticas. Mas como o pensamento mítico deu lugar ao pensamento filosófico? O que a Filosofia modificou no pensamento mítico? O pensamento filosófico tem origens muito remotas no tempo e no espaço. Alguns estudiosos buscam as suas raízes em antigas civilizações orientais, ao passo que outros defendem a sua origem unicamente grega. Mesmo sem alcançar uma solução definitiva para esse impasse, é preciso reconhecer a Antiguidade grega como o marco histórico da sistematização do que hoje o Ocidente denomina Filosofia. Alguns historiadores da Filosofia consideram a existência de uma forma sistematizada de reflexão, inclusive com indícios do que hoje chamamos ciência, entre civilizações que não sofreram a influência da cultura grega, tais como: maia, egípcia e chinesa. No entanto, esse pensamento sistematizado tem características específicas e não leva, oficial- mente, o nome de Filosofia. Sendo assim, o pensamento grego, tal como se desenvolveu a partir do século VI a.C., é geralmente considerado a origem da Filosofia. Do mito à Filosofia: ruptura ou continuidade? Muitos pesquisadores divergem sobre como deve ter ocorrido a passagem do mito à Filosofia. Essa passagem aconteceu de modo abrupto ou gradual? O autor Werner Jaeger, por exemplo, afirma que não é nada fácil traçar uma linha temporal para delimitar a fronteira entre o mito e a Filosofia, mas que, se houvesse tal linha, ela estaria sobre a epopeia homérica. Esse pesquisador garan- te que nos poemas épicos de Homero, como Ilíada e Odisseia, há tanto de pensamento mítico quanto de pensamento racional. Do mesmo modo, mostra que, no pensamento dos primeiros grandes filósofos, havia ainda muito de mito e, para exemplificar essa afirmativa, cita a concepção do filósofo grego Platão a respeito da alma. D KO E st ú d io . 2 01 4. D ig ita l. 8 Texto complementar. 11Filosofia Contexto Jaeger garante que a história da Filosofia grega deve ser encarada como o “processo de racionalização pro- gressiva da concepção religiosa do mundo implícita nos mitos”. Além disso, ele acredita que os gregos receberam influência do mundo oriental, embora tenham conseguido tecer algo completamente diferente. Há também quem defenda a ideia do “milagre grego”, acreditando que a Filosofia teria sido inventada sem a influência do pensamento oriental, de modo espontâneo e inesperado, como um milagre. Em especial, os defen- sores dessa teoria entendem que há uma forte oposição entre o pensamento mítico e o pensamento filosófico ou racional. técnicas: sendo coletiva e progressi va, a técnica representao conjunto de tod os os procedimentos sistematizados e q ue podem ser ensinados para melhora r a qualidade de vida das pessoas. Pode ser produtiva (como na indústria) ou artíst ica (como na pintura). A tecnologia, por s ua vez, corresponde à aplicação da técni ca, associada a princípios científicos, em p ro- dutos e processos dos diversos ramos de atividade que interferem na organizaç ão do cotidiano de quem os utiliza. No período que precedeu o surgimento da Filosofia, mudanças socioculturais tornavam a sociedade grega cada vez mais complexa. Guerras e invasões haviam ocasionado a migração de populações gregas para outras regiões e um maior contato com alguns povos aconteceu. Ampliava-se o número de especializações profissionais, modifi- cando-se as relações e a mentalidade das pessoas. A geração de riquezas contribuía para estabelecer novas formas de hierarquia, não mais baseadas em uma aristocracia de sangue. Além disso, o domínio de novas técnicas proporcionava aos homens mais independência em relação às divindades míticas e às forças da natureza. Pode-se dizer que vários fatores contribuíram para a formação desse novo cenário, como: vida urbana; escrita alfabética; relações com outras culturas; uso de moeda; desenvolvimento comercial, econômico, financeiro e político; expansão das técnicas de trabalho e ensino; entre outros. Juntos, esses fatores colaboraram para facilitar a vida cotidiana de algumas parcelas da população e, consequentemente, favoreceram o desenvolvimento de novas formas de raciocínio e investigação da realidade. D KO E st ú d io . 2 01 4. D ig ita l. No diálogo Fedro, Platão apresenta sua concepção de alma por meio da “alegoria do cocheiro”, um trecho da obra que segue a estrutura simbólica dos mitos. Nessa alegoria, Platão diz que a alma é composta de três partes distintas: a primeira é represen- tada por um cocheiro que conduz as outras duas, representadas por dois cavalos. Um dos cavalos é bom e procura seguir o ca- minho da verdade, já o outro é teimoso e arrogante, deixando-se levar facilmente por enganos. Utilizando-se dessa sim- bologia, Platão apresenta suas ideias sobre a estrutura da alma dos homens mortais. Para ele, os deuses, também possuidores de alma, diferenciam-se dos humanos porque seus dois cavalos são bons e nenhum deles é teimoso. 12 Volume 1 Cosmologia: a questão da arché Você se lembra dos mitos cosmogônicos? Eles narram o surgimento do universo por meio das genealogias divinas. É sobre esse conteúdo que Hesíodo escreveu sua grande obra, Teogonia. Houve um determinado momento em que as teorias míticas não satisfaziam mais os gregos. Eles precisavam de uma explicação mais consistente, pautada pelos princípios da racionalidade. Agora pense sobre esta questão: Que motivações e condições teriam os habitantes da Grécia Antiga para estudar cientificamente as origens do universo e do homem? Aborde essa questão oralmente. Tales e a busca pela origem Tales de Mileto inaugurou, por meio de seus estudos no século VI a.C., uma maneira diferente de pensar sobre o mundo que o cercava, sendo ele o primeiro a buscar, para além dos mitos, uma nova maneira, mais sistematizada e organizada, de explicar a origem das coisas à sua volta. Uma das grandes preocupações de Tales foi a busca da arché, ou seja, de um princípio material único, formador de todas as coisas. Assim, ele inaugurou um problema que viria a ser abordado também por outros filósofos em suas investigações sobre a physis. Era o início da mudança do pensamento mítico-cosmogônico para o pensamento filosófico-cosmológico. 1. Mudanças no tratamento dado à técnica interferiram na organização social dos gregos na Antiguidade, o que modifi- cou também as formas humanas de se compreender diante do mundo, privilegiando atitudes como perguntar, criticar, questionar as aparências, valorizar a razão humana e construir o raciocínio filosófico. Pensando nisso, considere o tratamento dado à técnica em nossa sociedade e cite um exemplo de sua interferência na organização do cotidiano. As maiores mudanças no modo de organização das sociedades contemporâneas são decorrentes do desenvolvimento das tecnologias digitais e da internet. Essas mudanças passam pelo consumo cada vez maior de aparelhos eletrônicos e seu rápido descarte, produzindo resíduos que causam sérios problemas ambientais. Mas também podem ser identificadas interferências positivas das novas tecnologias no cotidiano, como o acesso rápido à informação global. Além disso, é importante ressaltar que o desenvolvimento tecnológico não alcança todos os lugares de modo igual. Enquanto algumas regiões são muito industrializadas, em outros lugares não há sequer acesso à energia elétrica. 2. Esse tipo de intervenção altera nossa maneira de entender e explicar o mundo? Justifique sua resposta. Sim. No contexto do amplo desenvolvimento tecnológico, é comum as sociedades descreverem seu entorno com base nos princípios da racionalidade científica e se distanciarem das explicações míticas ou poéticas do mundo. Reflexão em ação No século IV a.C., o pensador grego Aristóteles elegeu esse comerciante e engenheiro da cidade de Mileto como o primeiro filósofo. O termo filósofo só foi criado por Pitágoras algumas déca- das após o início da atividade intelec- tual de Tales, portanto, ao refletir sobre diversas questões, ele não imaginava que essa sua atitude inaugurava um tipo de pensamento que viria a se cha- mar, posteriormente, Filosofia. 10 9 Sugestão de atividade. Orientação didática. 13Filosofia Para ler e refletir Qual elemento disponível no planeta poderia ter sido o gerador dos demais? O fogo? A água? O ar? Algum outro elemento? Nenhum deles? Justifique sua resposta. Pessoal. O termo grego physis refere-se à ampla compreensão que os gregos tinham sobre a natureza. Deriva de um verbo cujo significado é fazer nascer, fazer brotar e crescer. A physis é considerada o elemento primordial de toda a natureza. Ao mesmo tempo em que é eterna, permanece em contínua transformação. Essa é uma concepção que liga todas as dimensões da existência humana. Pensando a physis, o ser humano adquire a compreensão da totalidade dos elemen- tos que compõem o real: o cosmos, os deuses e as coisas particulares, o ser humano e a verdade, o movimento e a mudança, o animado e o inanimado, o comportamento humano e a sabedoria, a política e a justiça. Conceito doxografia: nome dado ao conjunto de escritos e interpretações de outros autores sobre o pensamento de um filósofo. Muitas das informações que chegaram aos nossos dias em relação às ideias dos primeiros filósofos têm essa origem. No caso de Tales, restou-nos somente essa fonte. Na mitologia grega, divulgada pelos po e- tas, Oceano, Tétis e Estige eram div in- dades ligadas ao elemento água. Quan do o povo grego entendia a Terra como u ma esfera achatada, rodeada pelas águas de um imenso rio, designava por Oceano a div in- dade que personificava esse rio. Tétis, sua esposa, personificava a fecundidade do m ar. Era mãe de três mil rios e quarenta e u ma Oceânidas, as quais personificavam riach os, fontes e nascentes. Uma delas era Esti ge, divindade que nomeava uma fonte nasc ida no alto de um rochedo, na região da Ar cá- dia. Contam os mitos que ela e seus filh os ajudaram Zeus na luta contra os titãs. Co mo recompensa, ela foi consagrada como a ga- rantia dos juramentos dos deuses. Quan do um deles fazia um juramento solene, rece bia uma porção da água de Estige. A partir de então, a quebra desse juramento acarreta ria punições terríveis. Fonte: BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia grega . v. I. Petrópolis: Vozes, 2004. A maior parte dos primeiros filósofos considerava como os únicos prin- cípios de todas as coisas os que são da natureza da matéria. Aquilo de que todos os seres são constituídos, e de que primeiro são geradose em que por fim se dissolvem, enquanto a substância subsiste, mudando-se apenas as afecções, tal é, para eles, o elemento (stokheion), tal é o princípio dos seres; e por isso julgam que nada se gera nem se destrói, como se tal natureza subsistisse sempre... Pois deve haver uma natureza qualquer, ou mais do que uma, donde as outras coisas se engendram, mas continuando ela a mesma. Quanto ao número e à natureza destes princípios, nem todos dizem o mesmo. Tales, o fundador de tal filosofia, diz ser a água [o prin- cípio] (é por esse motivo também que ele declarou que a terra está sobre água), levado sem dúvida a esta concepção por ver que o alimento de todas as coisas é úmido, e que o próprio quente dele procede e dele vive (ora aquilo de que as coisas vêm é para todos o seu princípio). Por tal observar adotou esta concepção, e pelo fato de as sementes de todas as coisas terem a natureza úmida; e a água é o princípio da natureza para as coisas úmidas. Alguns há que pensam que também os mais antigos, bem anteriores à nos- sa geração, e os primeiros a tratar dos deuses, teriam a respeito da natureza formado a mesma concepção. Pois consideram Oceano e Tétis os pais da geração e o juramento dos deuses a água, chamada pelos poetas de Estige; pois o mais venerável é o mais antigo; ora, o juramento é o mais venerável. (ARISTÓTELES. Metafísica.) SOUZA, José Cavalcante de (Seleção de textos). Os pré- -socráticos: fragmentos, doxografia e comentários. São Paulo: Nova Cultural, 2005. p. 40. O texto a seguir foi escrito por Aristóteles sobre o pensamento de Tales e faz parte da doxografia conhecida desse filósofo. 11 Encaminhamento metodológico. 14 Volume 1 A arché segundo diferentes filósofos Os primeiros pensadores gregos, anteriores a Sócrates, são conhecidos como filósofos pré-socráticos. Recebem essa designação comum não por uma determinação meramente cronológica, mas porque compartilharam um mesmo objeto de investigação: buscaram a origem, o princípio unificador de tudo o que existe, o qual chamavam de arché. Observe, na tabela a seguir, como os filósofos pré-socráticos pensaram a questão da arché. Reflexão em ação Filósofo Cidade Período (aproximado) Arché Tales Mileto 624 a.C. a 546 a.C. água Anaximandro Mileto 611 a.C. a 546 a.C. ápeiron Anaxímenes Mileto 586 a.C. a 525 a.C. ar Pitágoras Samos 580 a.C. a 500 a.C. números Heráclito Éfeso 535 a.C. a 470 a.C. fogo, opostos, movimento Empédocles Agrigento 492 a.C. a 432 a.C. água, terra, fogo e ar Anaxágoras Clazômenas 499 a.C. a 428 a.C. homeomerias Demócrito Abdera 460 a.C. a 370 a.C. átomos 1. Diferencie os caminhos pelos quais Tales e os poetas chegaram ao elemento água em suas indagações sobre a ori- gem da natureza. Pessoal. Espera-se que os alunos considerem a abordagem filosófica de Tales e a abordagem mítica dos poetas. 2. Leia o texto a seguir com atenção. Depois, comente os pontos apresentados por Aristóteles sobre o início do filosofar. Foi, com efeito, pela admiração que os homens, assim hoje como no começo, foram levados a filosofar, sendo primeiramente abalados pelas dificuldades mais óbvias, e progredindo em seguida pouco a pouco até resolverem problemas maiores: por exemplo, as mudanças da Lua, as do Sol e dos astros e a gênese do Universo. Ora, quem duvida e se admira julga ignorar, por isso também quem ama os mitos é, de certa maneira, filósofo, porque o mito resulta do maravilhoso. Pelo que, se foi para fugir à ignorância que filoso- faram, claro está que procuraram a ciência pelo desejo de conhecer, e não em vista de qualquer utilidade. ARISTÓTELES. Metafísica. Livro I. São Paulo: Abril Cultural, 1973. p. 214. Pessoal. Espera-se que os alunos considerem a veracidade dos mitos, sua funcionalidade como explicação da realidade em determinadas circunstâncias e demonstrem que o processo de construção do conhecimento é anterior à Filosofia. 3. Relacione o pensamento de Tales de Mileto a teorias biológicas sobre o surgimento da vida em nosso planeta. Lembre-se de que esse filósofo construiu o raciocínio com base em observações e sem o auxílio de instrumentos científicos sofisticados. 4. Identifique o elemento cientificamente aceito hoje como responsável pelas diferentes formas de matéria viva e com- pare essa teoria com a de Tales, que apontava o elemento água. 12 Encaminhamento metodológico. 15Filosofia Troca de ideias Ser e devir 1. Uma crisálida é uma lagarta ou uma borboleta? 2. É possível que a mudança seja apenas uma aparência, uma impressão dos nossos sentidos? 3. É possível que algo se transforme e continue sendo, ao mesmo tempo, igual ao que era? 4. É possível mergulhar duas vezes no mesmo rio? 5. É possível ser e não ser ao mesmo tempo? antinomia: contradição entre dois princípios ou duas afirmações opostas e conflitantes. © Sh ut te rs to ck /C at hy K ei fe r 14 13 Observe a imagem e converse com os colegas sobre as questões a seguir. A questão sobre a mudança e a permanência – sobre o ser e o vir a ser (devir) – está na base da Filosofia grega e ainda é tema de estudo e discussão na atualidade. Os pensadores que primeiro propuseram essa antinomia foram Heráclito de Éfeso e seu contemporâneo, Parmênides de Eleia, no século VI a.C. Heráclito afirmava que a multiplicidade, o movimento e a contradição estavam presentes em todas as coisas. Para ele, não havia o ser (uma realidade fixa e imutável), mas o devir (o constante vir a ser das coisas, o seu eterno processo de oposição, mudança e fluidez). Seria inútil buscar algo uno e fixo nesse constante fluir ou devir de coisas múltiplas e contrárias entre si. Por isso, jamais se poderia entrar duas vezes no mesmo rio, por exemplo, porque, na segunda tenta- tiva, a pessoa e o rio já teriam se modificado. Logo, a unidade não poderia ser tomada como base para o conhecimento. Afinal, desse ponto de vista, nada era (definitivamente), tudo estava (provisoriamente), mesmo quando aparentava permanecer igual. Ainda assim, Heráclito valorizou o aspecto racional do conhecimento, mostrando que caberia à razão revelar a verdadeira natureza das coisas, corrigindo a falsa percepção de imobilidade e estabilidade daquilo que era essencialmente móvel e instável. Parmênides, por sua vez, negava todo o devir e a multiplicidade pensados por Heráclito. Ele entendia o ser como uno, imóvel e não criado. Nessa perspectiva, o ser é o que permanece sempre idêntico a si mesmo e nunca pode ser o oposto. É o princípio da não contradição: elementos contraditórios jamais poderão coexistir. A oposição implicaria a anulação do ser anterior, o que é impossível, uma vez que o ser não pode deixar de ser. Assim, o rio jamais deixa de ser rio, pois é na sua essência que reside sua mobilidade. Toda mudança é mera opinião (doxa), impressão ou ilusão dos sentidos. Encaminhamento metodológico. Referência teórica. 16 Volume 1V l 1 1. Após a leitura sobre os pensamentos de Heráclito e Parmênides, retome a questão apresentada anterior- mente: uma crisálida é uma lagarta ou uma borboleta? Como Parmênides e Heráclito responderiam a essa questão? Parmênides afirmaria que a crisálida é tão somente uma crisálida. Não é borboleta nem lagarta. É o que é (A = A). Já Heráclito defenderia a ideia de que a crisálida é ao mesmo tempo lagarta e borboleta, pois tudo o que existe está ligado ao seu contrário. Não há como existir borboleta sem lagarta. 2. Escolha a resposta hipotética de um dos filósofos, que você registrou na questão anterior, e elabore uma ar- gumentação favorável ou contrária à opinião dele. Pessoal. 3. Os pensamentos de Heráclito e Parmênides são opostos ou complementares entre si? Por quê? Entre Parmênides e Heráclito há mais elementos concordantes do que discordantes. Cada um apresenta, ao seu modo e desenvolvendo seus próprios argumentos, uma compreensão sobre a physis. Reflexão em ação Retórica e dialética Sócrates é considerado o grande marco da transiçãoentre dois tipos de investigação filosófica. Após o desen- volvimento do seu pensamento, as investigações cosmológicas deram lugar a investigações antropológicas, isto é, a pergunta passou a recair sobre o ser humano, sua identidade e origem, suas angústias, seus desejos e deveres. Essa mudança foi muito significativa para os estudos filosóficos da época e exerceu grande influência em toda a história do pensamento ocidental. SANZIO, Raphael. A escola de Atenas. 1509. 1 afresco, color, 500 cm × 770 cm. Palácio Pontífice, Museu do Vaticano, Roma. (Detalhe). Esse detalhe da obra A escola de Atenas retrata os filósofos pré-socráticos Parmênides (à esquerda) e Heráclito (à direita). Parmênides, da cidade de Eleia, defendeu a polêmica tese do imobilismo, ou seja, de que o movimento e as mudanças não passavam de aparências. Já Heráclito, da cidade de Éfeso, defendeu a tese do mobilismo: tudo está em permanente devir (transformação, vir a ser). 17Filosofia Um questionador incômodo Sócrates filosofava de um modo curioso: ele dialo- gava, pelas ruas de Atenas, com diversos interlocutores. Não deixou obras escritas, e o que conhecemos de seu pensamento foi anotado por seus discípulos, principal- mente Platão e Xenofonte. Sabe-se que Sócrates abordava as pessoas utilizan- do uma máxima que se achava inscrita no templo de Apolo, em Delfos: “Conhece-te a ti mesmo”. Por meio de questionamentos, ele levava seus interlocutores a refle- tir sobre a razão humana e sobre seus próprios conhe- cimentos, interesses, necessidades e senso de justiça. Desconcertante para a época, e talvez ainda o fosse para os dias atuais, ele era considerado o mais sábio dos homens e, no entanto, repetia categoricamente: “Só sei que nada sei”. Imagem atual de Atenas, importante cidade-estado grega na Antiguidade Clássica, onde Sócrates viveu, divulgou seu pensamento filosófico e foi condenado à morte por questões políticas. No alto e ao fundo, encontra-se a Acrópole, a área mais importante de Atenas na época em que viveu o filósofo. © Sh u tt er st oc k/ A n as ta si os 71 Em relação ao pensamento de Sócrates, a palavra razão tem um sentido muito específico. O pensamento socrático, revelado pelas obras de Platão, descrevia o ser humano como essencialmente racional e identificava a razão com a virtude. O bem era apontado como a ideia mais sublime, identificando-se com a beleza e com a verdade. Sendo assim, o ideal de conduta virtuosa era representado pelo filósofo, aquele que se dedicava à investigação racional da realidade, em busca do conhecimento verdadeiro. Afinal, para Sócrates, conhecer a verdade e agir de acordo com o bem eram aspectos inseparáveis. Conceito Antes de ler o texto a seguir, pense nas perguntas que você traz internamente. Todos carregam uma carga considerável de questionamentos de toda natureza, desde os que se referem ao funcionamento das coisas até os mais profundos e complexos, de cunho filosófico, como os que dizem respeito ao sentido de nossa existência. É importante tomarmos consciência de nossa capacidade questionadora, ouvir nossas perguntas, reformulá-las e frequentemente formular novas indagações. Sendo assim, pense e registre duas perguntas de cunho filosófico que você carrega consigo. Pessoal. Para ler e refletir 15 Encaminhamento metodológico. 18 Volume 1 Reflexão em ação [...] Mal avista alguém na rua, já se aproxima e começa a se entreter com ele. É indiferente a ele se seu interlocutor é um estadista ou um sapateiro, um general ou um arrieiro. Evidentemente, pensa que o que tem a dizer interessa a todos. [...] Sócrates é da convicção de que ao homem cabe conhecer real- mente a si mesmo. [...] Pergunta a cada um se sabe realmente do que fala: àquele que fala de devoção; a um outro que tem sempre a palavra coragem na boca; a um terceiro que se acha conhecedor de po- lítica ou da arte do discurso persuasivo. Tão logo essas pessoas se deixam envolver na conversação, estão perdidas. Pois Sócrates lhes mostra, com ironia e diversos artifícios dialéticos, que elas não enten- dem nada daquilo de que falam com tanta certeza e que, menos ainda, conhecem a si mesmas. [...] O que pretende então Sócrates com sua importu- na mania das perguntas? Nada mais que levar o ho- mem a entender como teria de se comportar a fim de ser verdadeiramente homem. [...] Sócrates dá tanta importância a que se comece a perguntar seriamen- te, pois perguntar significa não se deixar acalentar na sonolência das ilusões. Perguntar significa ter a coragem de suportar também o amargor da verdade. Essa radicalidade do perguntar, essa compreensão da miséria da época, esse saber acerca das verdadeiras exigências do ser humano: isso é o que proporciona a Sócrates o pendor apaixonado de seus discípulos. arrieiro: guia de bestas de carga; tocador. artifício dialético: boa argumentação (na Filosofia do período socrático, dialética é a arte de discutir, é uma argumentação dialogada que confronta opiniões opostas, a fim de identificar as verdadeiras). 1. Analise e interprete as mais conhecidas máximas socráticas: “Só sei que nada sei” e “Conhece-te a ti mesmo”. Que significados elas poderiam ter para a sociedade grega do século V a.C.? E para o mundo contemporâneo? Pessoal. 2. Sócrates foi comparado, por alguns atenienses, a uma mosca que irritava e tirava as pessoas do sossego. E você, gostaria de desacomodar a sociedade? Experimente! Formule uma questão difícil sobre as incoerências do mundo atual que desacomodaria (ou incomodaria) muitas pessoas. Pessoal. Oriente os alunos a elaborar perguntas abrangentes e polêmicas, as quais podem envolver assuntos como guerra, miséria, desigualdade, violência, corrupção e ecologia. WEISCHEDEL, Wilhelm. A escada dos fundos da Filosofia: a vida cotidiana e o pensamento de 34 grandes filósofos. 2. ed. São Paulo: Angra, 2000. p. 38-40. 16 Agora, observe no texto o sentido e a importância que Sócrates atribuía ao exercício da pergunta. Orientação didática e sugestão de atividade. 19Filosofia Dialética socrática Sócrates fazia do diálogo um instrumento de investigação e busca da verdade. O estilo de diálogo utilizado por Sócrates ficou conhecido como dialética, uma vez que tinha um método específico e uma intencionalidade bem defi- nida: conduzia os indivíduos à obtenção de ideias legítimas e claras sobre o objeto do discurso, rompendo os limites da ignorância e da superficialidade cotidiana a que estavam habituados. Sobre o método, Sócrates utilizava ini- cialmente a ironia, isto é, conduzia seu in- terlocutor a descrever o que ele acreditava saber sobre determinado assunto. Então, mostrava que esses supostos conhecimen- tos não passavam de afirmações vazias, con- traditórias e sem fundamento. Ou seja, fazia com que seus interlocutores reconhecessem a própria ignorância, a fim de separar o que de fato eles sabiam daquilo que apenas jul- gavam saber. A clareza sobre a real natureza do co- nhecimento que um indivíduo detinha sobre um objeto oferecia condições para o trabalho com o próximo passo do método. Sócrates continuava a utilizar o recurso da pergunta, mas agora com o intento de fazer nascer do interlocutor ideias próprias, pensamentos verdadeiros, reflexões válidas sobre um objeto de conhecimento. Inspirado no ofício de sua mãe, que era parteira, Sócrates nada desejava ensinar aos seus discípulos, não lhes dava nada, pelo contrário, ajudava-os a “dar à luz” os próprios conhecimentos. Esse exercício ficou conhecido como maiêutica. Sócrates acreditava que o conhecimento simplesmente transmitido não tem grande valor. Ele garantia que, por meio da dialética, era possível fazer nascer o conhecimento de dentro do próprio indivíduo. Seu método dialético tornou-se bastante respeitado, mas não era o único a ser utilizado em relação ao diálogo. Na mesma época, havia um grupo de pessoas consideradas pela população comoprofessores de sabedoria. Eram os sofistas, nome que deriva da palavra sophia, cujo significado é sabedoria. Eles exerciam uma prática de ensino itinerante e remunerada. Porém, o fato de vincularem a atividade de ensino a uma troca financeira escandalizava Sócrates, que também os acusava de falta de compromisso com a verdade, uma vez que, em muitos casos, sua retórica era constituída por sofismas. Para ler e refletir No trecho do diálogo Sofista, de Platão, os interlocutores, Estrangeiro e Teeteto, apresentam a atividade dialética do filósofo em contraposição à atividade retórica do sofista. retórica: arte de falar e se comunicar bem, com clareza, convicção e de forma convincente. É uma técnica que garante ao orador expressar suas ideias com beleza, eloquência, eficácia, e exercer a persuasão sobre os ouvintes. sofisma: elaboração de raciocínio que induz a conclusões errôneas. Aparentemente é uma construção válida e correta, o que pode tornar difícil sua identificação, porém corresponde a um discurso retórico, geralmente utilizado com a intenção de levar o ouvinte ao engano. 17 D KO E st ú d io . 2 01 4. D ig ita l. Texto complementar. 18 Encaminhamento metodológico. 20 Volume 1 Estrangeiro – Ora, esse dom, o dom dialético, não atribuirás a nenhum outro, acredito, senão àquele que filosofa em toda pureza e justiça. Teeteto – Como atribuí-lo a outrem? Estrangeiro – Eis, pois, em que lugar, agora ou mais tarde, poderemos encontrar o filósofo se chegarmos a procurá-lo. Ele próprio é difícil de ser visto com bastante clareza. Mas essa dificuldade não é a mesma para ele e para o sofista. Teeteto – Como assim? Estrangeiro – Este [o sofista] se refugia na obscuridade do não-ser, aí se adapta à força de aí viver; e é à obscuridade do lugar que se deve o fato de ser difícil alcançá-lo plenamente, não é verdade? Teeteto – Ao que parece. Estrangeiro – Quanto ao filósofo, é à forma do ser que se di- rigem perpetuamente seus raciocínios, e é graças ao resplendor dessa região que ele não é, também, de todo fácil de se ver. Pois os olhos da alma vulgar não suportam, com persistên- cia, a contemplação das coisas divinas. Teeteto – É uma explicação tão verossimilhante quanto a primeira. Estrangeiro – Dentro em pouco procuraremos uma ideia clara do filósofo, se assim quisermos. Mas quanto ao sofista, parece-me que não devemos abandoná-lo an- tes de o havermos examinado muito bem. Teeteto – Tens razão. A dialética e o filósofo No final do texto apresentado, o estrangeiro insiste na importância de pensar sobre a figura do sofista. Os capítu- los do diálogo completo, do qual o texto foi retirado, se organizam justamente no sentido de buscar uma definição para esse tipo de pensador. Primeiramente, ele é definido como “caçador interesseiro de jovens ricos”, depois como “comerciante em ciências” (uma espécie de mercenário do saber) e, por fim, como “perito nas artes ilusionistas”. Nesse contexto, uma grande crítica dirigida aos sofistas é o fato de serem mestres da retórica e da eloquência, mas utilizarem esses recursos para manipular o público, de acordo com um interesse específico. Uma diferença básica entre o pensamento de Sócrates e o dos sofistas é que o primeiro não considerava as impres- sões dos sentidos sobre o mundo como fontes válidas de conhecimento, ao passo que os sofistas não só aceitavam a legitimidade das opiniões e dos sentidos, como elaboravam seus pensamentos com base nessas opiniões e impressões, o que, para Sócrates, não passava de mentira e falsidade. Ainda assim, alguns autores defendem a importância da atividade sofística na Antiguidade Clássica, especialmente no que diz respeito à sistematização dos saberes e de sua disseminação. Como se pode imaginar, a dialética socrática causava desconforto em muitos interlocutores. Imagine como seria sen- tir-se destituído dos pensamentos e das opiniões que você acreditava serem verdadeiros. Portanto, assim como atraiu muitos admiradores, Sócrates teve também muitos inimigos e alguns deles muito influentes. Há relatos afirmando que, frequentemente, ele sofria golpes com os punhos ou tinha seus cabelos arrancados por interlocutores inconformados. Esses relatos também afirmam que ele não revidava e era bastante paciente, mesmo diante das reações mais violentas. As afirmações desse parágrafo têm como fonte o artigo intitulado O cidadão Sócrates e o filosofar numa democracia, de Roberto Goto. PLATÃO. Diálogos. Seleção de textos de José Américo Motta Pessanha; traduções e notas de José Cavalcante de Souza, Jorge Paleikat e João Cruz Costa. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural. p. 176-177. (Os pensadores). não-ser, aí se deve di- or D KO E st úd io . 2 01 4. D ig ita l. 21Filosofia ético: relativo à conduta humana, pautada pelas noções de bem e mal, de certo e errado, do ponto de vista moral. Reflexão em ação Sócrates defendia o potencial da palavra falada e vivida como modo ético de ser na pólis. Considerava sua missão conduzir todas as pes- soas à vivência do bem e da justiça. Condenava com muita força a retó- rica sofística, ou seja, o discurso belo e tecnicamente eficaz que não se fundamentava na verdade e no co- nhecimento, sendo utilizado para im- pressionar, bajular ou manipular um público. Por isso, em 399 a.C., Sócrates foi condenado à morte, pela ingestão de um veneno chamado sicuta. As acusações eram a de negar os deuses da cidade e a de corromper a juven- tude com seus pensamentos. Mesmo tendo oportunidade de se desculpar ou de fugir, Sócrates preferiu manter e defender seu posicionamento. Mor- reu ao lado de seus amigos, enquan- to ainda dialogava com eles. SAINT-QUENTIN, Jacques-Philip-Joseph de. A morte de Sócrates. 1762. 1 óleo sobre tela, color., 140 cm × 115 cm. Escola Nacional Superior de Belas-Artes, Paris, França. Representação da morte de Sócrates, consequência da condenação que sofreu em um julgamento ocorrido em 399 a.C. Os motivos das acusações que resultaram na condenação de Sócrates à morte revelam os inúmeros desconfortos sentidos pelos homens de poder, que, por sua vez, tinham na retórica um instrumento de dominação. 1. Estabeleça uma relação entre o discurso retórico combatido por Sócrates e o discurso político da atualidade. É possível relacionar a retórica sofística com o discurso político da atualidade. Ao compararmos, por exemplo, os crimes cometidos por um político corrupto e o discurso utilizado por esse mesmo político em período eleitoral, é possível perceber o quanto uma retórica bem construída pode estar a serviço das piores intenções. 2. Quem seriam os “sofistas” do nosso tempo? Justifique sua resposta. No sentido que Sócrates atribuía ao termo, os “sofistas” da atualidade são aqueles que utilizam o discurso com a intenção de beneficiar a si ou a um pequeno grupo. Podem ser políticos, líderes religiosos ou qualquer outro indivíduo que utilize a retórica como artifício de convencimento, sem compromisso com a verdade. 22 Volume 1l Na Grécia clássica, a compreensão de pólis estava associada a duas ideias principais: a primeira, de cunho geográ- fico, remetia a um grande território de uso comum, semelhante ao que hoje entendemos como cidade. A segunda, de cunho político, remetia à população que estava submetida a um governo comum. As póleis surgiram da união de grandes famílias com interesses comuns, como o cultivo da terra e a defesa do território. Em Atenas, por exemplo, a for- ma de governo era a democracia direta, em que os próprios cidadãos (politai) determinavam as regras para organizar a convivência na pólis, possibilitando o bem comum. Filosofia na pólis grega Nas cidades gregas havia locais de uso coletivo, conhecidos como ágoras (ou praças de mercado). Nesses locais, as pessoas se encontravam, comercializavam seus produtos, ouviam discursos públicos sobre assuntos de interesse coletivo como a justiça ou a cultura, realizavamrituais religiosos e assembleias de discussão dos assuntos relativos ao bem comum. Muitos dos discursos públicos nas ágoras eram realizados por sofistas, mestres na arte retórica, que ti- nham o papel de convencer a população sobre um determinado assunto. A influência que exerciam sobre os cidadãos determinava muitas vezes o rumo de uma votação e, até mesmo, o destino da pólis. Além de se preocuparem com as questões filosóficas, os primeiros filósofos gregos também tinham uma grande preocupação com a organização da pólis e suas leis. Tales de Mileto, por exemplo, pretendia convencer os gregos da Jônia a unirem-se em uma grande federação para tentar combater a ameaça representada pelo povo persa. Platão, por sua vez, criticava a democracia ateniense e defendia um modelo de governo com base no mérito do(s) governante(s). Conceito Mulheres gregas e a Filosofia A participação das mulheres na pólis ateniense dependia do lu- gar social que ocupavam. Eram reconhecidas como cidadãs quando nasciam em famílias cidadãs tradicionais, mas não tinham direitos políticos, sendo educadas para se tornar esposas e mães. Seus filhos homens, por sua vez, eram reconhecidos como cidadãos. Entretanto, os cidadãos com maior poder aquisitivo podiam ter outras mulheres, as concubinas. Estas eram consideradas membros das famílias de seus companheiros, mas não eram reconhecidas como cidadãs, tampouco seus filhos homens. Enquanto as cidadãs não podiam opinar em de- cisões políticas, certas concubinas, de origem estrangeira, exerceram alguma influência intelectual e política. Entre elas destaca-se Aspásia de Mileto, companheira de Péricles, que governou Atenas no século V a.C. Alguns textos dessa época revelam que Sócrates admirava o co- nhecimento político e a capacidade filosófica de Aspásia, afirmando ter aprendido com ela a arte da eloquência, que o levou à dialética. Outra mulher relacionada ao pensamento de Sócrates é a sacer- dotisa Diotima de Mantinea. No diálogo platônico O banquete, ele afirma que as ideias de Diotima fundamentam a sua filosofia sobre o amor. Para alguns estudiosos, ela existiu de fato, ao passo que ou- tros afirmam tratar-se apenas de uma personagem, provavelmente inspirada em Aspásia. Sugestão de atividades para aprofundar o conhecimento: questões 4 e 6 da seção Hora de estudo. DAUMIER, Honoré. Sócrates visita Aspásia. 1842. 1 litogravura, color. Museu de la Ville, Museu Carnavalet, Paris, França. O caricaturista Daumier ilustrou Sócrates dançando e descreveu a cena com versos cômicos, sugerindo que, após os banquetes filosóficos, ele se entregava a uma pequena dança com Aspásia. 19 Sugestão de atividade. 23Filosofia TARDIEU, Ambrose. Retrato de Tales de Mileto. [ca. 1808-1841] Períodos e áreas da Filosofia Para facilitar o estudo da Filosofia grega, é possível classificá-la em diferentes períodos, situando no tempo, de forma didática, as ideias de antigos filósofos que influenciaram o pensamento ocidental. É importante destacar a existência de posi- cionamentos filosóficos semelhantes em diferentes períodos, bem como de diver- gências, contradições e discussões sobre teorias em um mesmo período. Período Pré-socrático ou Cosmológico – do século VII a.C. ao século V a.C. Sócrates é considerado um divisor de águas no pensamento grego antigo. O termo pré-socrático, portanto, indica que os filósofos e as questões discutidas nesse período eram anteriores a ele. Já o termo cosmológico indica a investigação do que estava ao redor das pessoas. Tales, da cidade de Mileto, é o primeiro filóso- fo citado nesse período em que se questionava a origem das coisas e o princípio do qual seriam formadas (arché), ou seja, em que se investigavam o cosmos (a ordem geral do Universo) e a physis (a natureza, a substância física do mundo). © W ik im ed ia C om m on s/ A m b ro se T ar d ie u 21 Orientação didática. Com base nas questões a seguir, reflita sobre a organização social e política da cidade em que você vive. Discuta as questões com seus colegas e registre as suas conclusões. 1. Você está satisfeito com o modo como sua cidade é organizada? Por quê? Nela, há espaços de convivência que contemplam a diversidade dos grupos locais? Pessoal. 2. Em sua cidade, há espaço para todos expressarem suas opiniões e sugestões de melhoria? Quem são os que têm maior voz? Há excluídos? Pessoal. 3. Você acredita que a Filosofia possa contribuir para se pensar em questões sociais e políticas? Por quê? Pessoal. ConexõesConexões 20 Encaminhamento metodológico. 24 Volume 1 Período Socrático ou Antropológico – final do século V a.C. e século IV a.C. Esse é o período mais famoso da Antiguidade grega, no qual as reflexões pas- saram a enfatizar a psyché (a alma, consciência, ou razão humana). Ele recebe o nome de socrático em virtude da importância do pensamento de Sócrates e de seu maior discípulo, Platão. Já o termo antropológico indica o principal tema da reflexão filosófica: o ser humano e suas relações, pois o termo grego para designar o ser humano é ánthropos. O que é, de onde vem, para onde vai, o que quer e como deve viver o ser humano eram algumas das questões discutidas nesse período. As investigações voltavam-se, principalmente, para a verdade e a virtude. Os filósofos indagavam sobre quais cami- nhos o ser humano deveria seguir para se realizar como um ser dotado de razão e para construir uma sociedade ideal. Nesse contexto, o raciocínio e o diálogo filosóficos, a vivên- cia política, a busca do bem e da justiça eram considerados fundamentais. Período Sistemático – final do século IV a.C. e século III a.C. O maior representante desse período foi Aristóteles, filósofo que realizou uma rigoro- sa classificação dos seres, objetos e conhecimentos de sua época. O termo sistemático indica a maior preocupação do período, evidente no pensamento aristotélico: garantir a cientificidade do conhecimento filosófico, reunindo e sistematizando o pensamento já produzido. Uma das mais relevantes contribuições desse pensador foi a criação da Lógica como instrumento para avaliar os raciocínios, por meio da observação da forma como eles encadeavam afirmações e conclusões. Período Helenístico ou Greco-romano – final do século III a.C. ao século VI d.C. A ética, voltada à maneira correta de se viver, e o ser humano foram as maiores preocupações dos filósofos do Período Helenístico. As guerras e a dominação de outros povos (macedônios e roma- nos) atingiram brutalmente a pólis e o pensa- mento gregos nesse período. Como reação ao novo modelo social, a Filosofia passou a ser exercida em pequenas comunidades, nas quais se partilhavam ideias e formas de conduta. Entre esses grupos, destacam-se os epicuristas (seguidores do pensamento de Epicuro), os estoicos e os neoplatônicos (es- pecialmente Plotino). ética: palavra com origem em dois termos gregos – éthos (hábito, uso, costume) e êthos (índole, caráter). © W ik im ed ia C om m on s/ M u se u d o Lo u vr e, P ar is Busto de Sócrates. Museu do Louvre, Paris © W ik im ed ia C om m on s/ M u se u d o Lo u vr e, P ar is Busto de Aristóteles. Museu do Louvre, Paris © W ik im ed ia C om m on s/ M u se u d o Lo u vr e, P ar is Busto de Epicuro de Samos. Museu do Louvre, Paris ê © W ik im ed ia C om m on s/ M u se u d o Lo u vr e, P ar is © W ik im ed ia C om m on s/ M u se u d o Lo u vr e Pa ris dom no B t d E i d S er) Helenístico: o que atualmente cham a- mos de Grécia, a Antiguidade conhe cia como Hélade. Os gregos, portan to, denominavam-se helenos e a palavra helênico era empregada para se refe rir ao que pertencia à Grécia. Após a d o- minação dos macedônios, Alexand re, o Grande, difundiu a língua e a cult ura gregas em outras regiões do seu Impé rio. Esse “movimento” ficou conhecido co mo helenismo.Durante a dominação rom a- na, ainda era verificada a influência do helenismo, fato que explica a nomenc la- tura dada ao período em questão. 25Filosofia Linha do tempo e áreas da Filosofia Você já estudou um pouco o início da Filosofia e seu desenvolvimento na Antiguidade grega. Esse desenvolvimen- to, entretanto, perpassa toda a história da humanidade. Por isso, é importante que conheça os períodos em que se divide a Filosofia, das suas origens até a atualidade. Além de situar o desenvolvimento da Filosofia em uma linha do tempo, é necessário considerar a sua divisão em áreas distintas. Essas áreas interagem entre si, mas se ocupam de objetos de estudo específicos. Logo, é importante que você tenha informações sobre elas, a fim de compreender os estudos que virão a seguir. Neles, cada área da Filosofia será abordada com base em uma linha do tempo que inicia na Antiguidade e se estende até o pensamento contemporâneo. Algumas áreas em que se divide o conhecimento filosófico e que serão estudadas a seguir Filosofia da linguagem Séc. VII a.C. ao séc. III Filosofia antiga Séc. III ao séc. XVI Filosofia medieval Séc. XVII ao séc. XIX Filosofia moderna Séc. XIX aos dias atuais Filosofia contemporânea Áreas da Filosofia História da Filosofia Epistemologia – Teoria do Conhecimento Estética Ética Filosofia política Metafísica/Ontologia Epistemologia – Filosofia da Ciência Lógica 26 Volume 1 Hora de estudo 1. Compare os mitos gregos a seguir com situações co- nhecidas ou vividas por você. Depois, registre como eles podem explicar simbolicamente questões cotidia- nas da atualidade. O texto [anterior] é parte de uma narrativa mítica. Con- siderando que o mito pode ser uma forma de conheci- mento, assinale a alternativa correta. a) A verdade do mito obedece a critérios empíricos e científicos de comprovação. b) O conhecimento mítico segue um rigoroso procedi- mento lógico-analítico para estabelecer suas verdades. c) As explicações míticas constroem-se de maneira argumentativa e autocrítica. X d) O mito busca explicações definitivas acerca do homem e do mundo, e sua verdade independe de provas. e) A verdade do mito obedece a regras universais do pen- samento racional, tais como a lei de não contradição. 3. Analise o texto a seguir e posicione-se criticamente em relação ao papel dos mitos em nossa vida. Em que medida você concorda com o ponto de vista da autora ou discorda dele? A que tipo de mitos ela se refere? Narciso Narciso, em grego, significa “entorpecido”. Na mitologia, era um semideus de rara beleza, que despertava grandes amores, mas desprezava qualquer pretendente. Em virtude de seu orgulho, foi castigado pela deusa Nêmesis. Ao depa- rar-se com a própria imagem refletida nas águas de uma límpida fonte, apaixonou-se irremediavelmente por si mes- mo, paixão que o levou à morte. Algumas versões do mito dizem que ele definhou pouco a pouco, admirando-se até morrer. Outras afirmam que ele se atirou às águas, afogan- do-se na tentativa de unir-se à imagem refletida na fonte. Sísifo Sísifo era um homem muito ardiloso. Tudo o que con- seguia era sempre à custa de tramas, chantagens e ma- quinações. Seu último grande truque foi enganar a morte: ele combinou com sua esposa que ela não enterrasse seu corpo após sua morte, o que os gregos consideravam uma tragédia maior que morrer. No mundo dos mortos, Sísifo pediu aos guardiões o direito de retornar e organizar seu próprio funeral, o que foi concedido, mas apenas por três dias. De volta ao mundo dos vivos, ele passou a viver sua vida normalmente, como se nada tivesse ocorrido. Zeus considerou a atitude de Sísifo um grande absurdo e o condenou a um castigo: após retornar ao mundo dos mortos, ele deveria rolar uma pedra muito grande até o alto de um morro. Chegando ao topo, Sísifo se sentiria tão cansado que a pedra rolaria morro abaixo. Ele deveria fazer isso todos os dias por toda a eternidade, para entender que não se pode enganar os deuses nem a morte. Boa parte de nossa infelicidade ou aflição nasce do fato de vivermos rodeados (por vezes esmagados ou algemados) por mitos. Nem falo dos belos, grandiosos ou enigmáticos mitos da Antiguidade grega. Falo, sim, dos mitinhos bobos que inventou nosso inconsciente me- droso, sempre beirando precipícios com olhos míopes e passo temeroso. Inventam-se os mi- tos, ou deixamos que aflorem, e construímos em cima deles a nossa desgraça. Zeus ocupa o trono do universo. Agora o mundo está ordenado. Os deuses disputaram entre si, alguns triunfaram. Tudo o que havia de ruim no céu etéreo foi expulso, ou para a prisão do Tártaro ou para a Terra, entre os mor- tais. E os homens, o que acontece com eles? Quem são eles? 2. (UEL – PR) VERNANT, Jean-Pierre. O universo, os deuses, os homens. Trad. de Rosa Freire d’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 56. LUFT, Lya. Faxina nos mitos. Veja, São Paulo, n. 1901, 20 abr. 2005. 4. Em relação ao conteúdo das primeiras questões fi- losóficas discutidas na Antiguidade grega, assinale a alternativa correta. a) Entre os primeiros conteúdos propriamente filosófi- cos, temos a ética e a linguagem. X b) Além de buscarem a origem de tudo, ou seja, a arché, os primeiros filósofos gregos preocupavam-se com a organização da pólis e de suas leis. c) O pensamento filosófico deu origem ao mito e a seus diversos modos de manifestação. Pessoal. Considere estereótipos da sociedade atual, em relação, por exemplo, à beleza, à maternidade, à força e ao sucesso profissional. 22 Gabaritos e sugestão de atividade. A resolução das questões discursivas desta seção deve ser feita no caderno. 27Filosofia d) Era somente o papel político do filósofo que impri- mia os contornos da Filosofia desde seu princípio no Ocidente. e) Os primeiros filósofos gregos ocupavam-se exclusi- vamente da investigação sobre a arché. 5. No poema a seguir, Fernando Pessoa faz referência ao fundador mítico de Lisboa, Ulisses, grande herói da Guerra de Troia e do poema épico Odisseia, de Home- ro. Ele sofre várias desventuras ao retornar para sua terra natal, a ilha de Ítaca. De acordo com o poema, Ulisses teria aportado em uma das suas navegações e fundado Lisboa. e) No poema, Fernando Pessoa questiona a constru- ção da imagem mítica de Ulisses, considerando-o e elogiando-o apenas como personagem histórico fundador de Lisboa, não como mito. 6. (UEM – PR) ULISSES O mytho é o nada que é tudo. O mesmo sol que abre os céus É um mytho brilhante e mudo – O corpo morto de Deus, Vivo e desnudo. Este, que aqui aportou, Foi por não ser existindo. Sem existir nos bastou. Por não ter vindo foi vindo E nos criou. Assim a lenda se escorre A entrar na realidade, E a fecundá-la decorre. Em baixo, a vida, metade De nada, morre. A filosofia surgiu quando alguns gregos, admirados e espantados com a realidade, insa- tisfeitos com as explicações que a tradição lhes dera, começaram a fazer perguntas e buscar res- postas para elas, demonstrando que o mundo e os seres humanos, os acontecimentos materiais e as ações dos seres humanos podem ser conhe- cidos pela razão humana. Oriente os alunos a fazer a adição dos números correspondentes às alternativas corretas e re- gistrar a soma como resposta da questão. MARTINS, Fernando Cabral (Org.). Mensagem. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. Analise as afirmações a seguir com base no tipo de mito que o poema expõe. a) Ao evocar os feitos de Ulisses e sua participação na fundação de Lisboa, Fernando Pessoa apresenta um mito cosmogônico. b) Por evidenciar os grandes feitos de um herói, o mito de Ulisses é escatológico. X c) O poema apresenta uma exaltação heroica dos fei- tos de Ulisses, o que o classifica como mito épico. d) O mito exposto por Fernando Pessoa é cosmogôni- co, pois narra a origem do universo e de tudo o que existe. CHAUÍ, Marilena.Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2011. p 32. Considerando o exposto, assinale o que for correto. (01) A filosofia surgiu na Grécia durante o séc. VI a.C. Apesar de seu nascimento ser considerado o “mi- lagre grego”, é conhecida a frequentação de Ate- nas por outros sábios que viveram no século VI a.C., como Confúcio e Lao Tse (provenientes da China), Buda (proveniente da Índia) e Zaratustra (provenien- te da Pérsia), fazendo da filosofia grega uma espécie de comunhão dos saberes da Antiguidade. X (02) O surgimento da filosofia é coetâneo ao advento da pólis (cidade). Novas estruturas sociais e polí- ticas permitiram o desenvolvimento de formas de racionalidade, modificadoras da prática do mito. (04) Por serem os únicos filósofos a praticar a retóri- ca, os sofistas representam, indiscutivelmente, o ponto mais alto da filosofia clássica grega (sécu- los V e IV a.C.), ultrapassando Sócrates, Platão e Aristóteles. X (08) Filósofo é aquele que busca certezas sem garan- tias de possuí-las efetivamente. Por essa razão, o filósofo deseja o conhecimento do mundo e das práticas humanas por meio de critérios aproxi- mativos e compartilhados (de aceitação comum), através do debate. X (16) A atividade filosófica pode ser definida, entre ou- tras habilidades, pela capacidade de generaliza- ção e produção de conceitos, encontrando, sob a multiplicidade de objetos do mundo, relações de semelhança e de identidade. coetâneo: do mesmo período, contemporâneo. 28 Volume 1
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