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AULA 2 FUNDAMENTOS DE BIOENERGIA Profª Maria de Fátima dos Santos Ribeiro 02 CONVERSA INICIAL O objetivo desta aula é fornecer ao aluno uma visão geral das possibilidades de obtenção de energia utilizando a biomassa. A partir das moléculas energéticas estudadas na aula 1, vamos fazer um apanhado geral de matérias-primas, processos e produtos energéticos resultantes. CONTEXTUALIZANDO Conforme vimos na aula 1, os processos metabólicos de síntese que ocorrem nas plantas vão originar diferentes moléculas, como sacarose, amido, celulose, hemicelulose, lignina e ácidos graxos. A partir dessas moléculas, teremos produtos energéticos com diferentes características e possibilidades de uso. Quais são esses produtos e quais são os processos utilizados para converter a energia química contida nas moléculas em energia térmica, mecânica e elétrica? TEMA 1 – VISÃO GERAL DOS TIPOS DE BIOMASSA, MATÉRIAS-PRIMAS E PRODUTOS ENERGÉTICOS De acordo com o tipo de molécula energética, a biomassa pode ser classificada em: biomassa rica em óleos e gorduras, biomassa rica em sacarose e amido, biomassa lignocelulósica e biomassa residual. A Tabela 1 apresenta uma síntese dessa classificação, com os seus respectivos processos de conversão de energia e os produtos energéticos resultantes. Cada espécie vegetal possui características específicas quanto às formas de utilização dos produtos intermediários gerados na fotossíntese. Diz-se que tais produtos são intermediários porque eles ainda serão convertidos em outras moléculas para atender diferentes necessidades das plantas. Assim, a planta vai produzir sacarose e amido ou óleo para armazenar energia em diferentes estruturas, como os colmos, no caso da cana-de-açúcar, ou os grãos, no caso do milho e da soja, que vão armazenar amido e óleo, respectivamente. Já a biomassa lignocelulósica tem uma função estrutural na planta. A biomassa residual, por sua vez, representa todo material orgânico resultante de atividades econômicas ou urbanas que pode ser aproveitado para a geração de energia. 03 Tabela 1 – Matérias-primas e produtos energéticos gerados para cada classe de biomassa TEMA 2 – BIOMASSA RICA EM ÓLEOS E GORDURAS Essa classe é constituída por óleos e gorduras vegetais, óleos e gorduras animais e os óleos produzidos pelas algas. Do ponto de vista químico, os óleos e gorduras vegetais são compostos orgânicos constituídos por unidades estruturais denominadas de triacilglicerídeos. São componentes majoritários resultantes da combinação de uma unidade de glicerol e três unidades de ácidos graxos (Ribeiro; Costa, 2015). A Figura 1 mostra a estrutura do triacilglicerídeo. As moléculas de ácidos graxos podem apresentar diferentes características, de acordo com o número de carbonos e o tipo de ligação entre os átomos de carbono. O tipo de ligação (saturada ou insaturada) vai conferir diferentes características ao óleo, tornando-o mais ou menos apto para ser usado como matéria-prima. Matéria-prima Produto energético Biomassa residual Óleo de fritura Biodiesel e bioquerosene Resíduos de abate Biodiesel e biogás Resíduos agrícolas e industriais Biogás, licor negro, briquetes, pellets Biomassa rica em óleos e gorduras Óleos e gorduras vegetais e animais Biodiesel e bioquerosene Biomassa rica em açúcar e amido Cana-de-açúcar Mandioca Milho Etanol de primeira geração (1G) Biomassa lignocelulósica Biomassa florestal Casca de arroz Capim-elefante Bagaço de cana Lenha Carvão Bio-óleo Gás de síntese Briquetes Pellets Etanol celulósico (2G) Resíduos da indústria de celulose Licor negro 04 Figura 1 – Estruturas do glicerol, de um ácido graxo e de um triacilglicerídeo Fonte: Ribeiro; Costa, 2015. Os principais produtos energéticos provenientes dos óleos e das gorduras são o biodiesel e o bioquerosene. O biodiesel é definido pela Agência Nacional de Petróleo (ANP) como “um combustível renovável obtido a partir de um processo químico denominado transesterificação”. Por meio desse processo, os triglicerídeos presentes nos óleos e na gordura animal reagem com um álcool primário, metanol ou etanol, gerando dois produtos: o éster e a glicerina. O primeiro somente pode ser comercializado como biodiesel após passar por processos de purificação para adequação à especificação da qualidade, sendo destinado principalmente à aplicação em motores de ignição por compressão (ciclo diesel).1 A produção de uso de biodiesel no Brasil deve-se ao Programa Nacional de Biodiesel, o qual instituiu um marco regulatório que definiu um aumento gradativo do percentual de biodiesel na mistura com o diesel de petróleo, iniciando com 2% até chegar aos 8% desde 1º de março de 20172. O biodiesel é utilizado em motores de combustão interna do ciclo diesel sem que haja necessidade de adaptação dos motores. Isso é possível devido ao processo de transesterificação, que confere ao biodiesel características físico- químicas muito próximas às do óleo diesel. Como pode ser observado pela Figura 1, o óleo e a gordura denominados quimicamente como triacilglicerídeo são constituídos por uma molécula de ácido graxo e três moléculas de glicerol. A transesterificação, processo mais utilizado no Brasil, consiste em separar a molécula de ácido graxo da molécula de glicerol, resultando no éster metílico (biodiesel, produto principal) e no glicerol (coproduto). 1 http://www.anp.gov.br/wwwanp/biocombustiveis/biodiesel 2 http://www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2017/03/percentual-obrigatorio-de-biodiesel-no-oleo- diesel-passa-para-8% 05 O biodiesel pode ser obtido a partir de qualquer matéria graxa. Como exemplos de matérias-primas de origem vegetal, temos os óleos de soja (a matéria-prima mais utilizada no Brasil) e o óleo de canola (a matéria-prima mais utilizada na Europa). As algas também são cultivadas com o objetivo de extração de óleo, pois esses organismos possuem uma altíssima eficiência fotossintética e, dessa forma, são capazes de gerar uma grande quantidade de óleo por unidade de área. Como matéria-prima animal, temos o sebo de bovinos e o óleo de frango. Também é possível utilizar os óleos residuais de fritura para a produção de biodiesel, desde que passem por um pré-tratamento para se tornarem adequados ao processo de transesterificação. Por apresentar diferentes moléculas de ácidos graxos e diferentes características físico-químicas, cada tipo de óleo ou gordura vai originar biodieseis mais ou menos adequados para o uso em motores de combustão interna. Mais recentemente, têm sido desenvolvidas tecnologias para a produção de bioquerosene para uso em aviação. O bioquerosene também é produzido a partir de óleos e gorduras vegetais, porém também pode ser obtido a partir de moléculas de açúcar. Quando óleos e gorduras são utilizados como matéria-prima, o bioquerosene é obtido a partir da transesterificação e uma etapa posterior de purificação, que vai conferir ao combustível características semelhantes às do querosene fóssil (Bonassa et al., 2014). TEMA 3 – BIOMASSA RICA EM SACAROSE E AMIDO Do ponto de vista de geração de energia, as matérias-primas representativas da biomassa rica em sacarose e amido são a cana-de-açúcar e o milho, respectivamente. No entanto, a mandioca também é empregada como matéria-prima para produção de energia em alguns empreendimentos no Brasil. O produto energético gerado a partir desse tipo de biomassa é o etanol de primeira geração (etanol 1G). O processo-chave que converte a matéria-prima em álcool é a fermentação alcoólica, desempenhada por leveduras (fungos unicelulares) da espécie Saccharomyces cerevisae. Segundo a Renewable Fuels Association, em 2015, o Brasil produziu 26,8 bilhões de litros, enquanto os Estados Unidos produziram 56,06 bilhões de litros. Nos Estados Unidos,o milho é a matéria-prima para a produção de etanol. No 06 Brasil, que historicamente teve a produção de etanol a partir da cana-de-açúcar, nos últimos anos tem aumentado a produção de etanol a partir do milho. Pelo fato de o milho e a cana-de-açúcar armazenarem a energia de formas diferentes e em moléculas diferentes, os processos de produção de etanol possuem algumas diferenças também. A cana-de-açúcar armazena a molécula de sacarose em seus colmos, enquanto o milho armazena moléculas de amido em seus grãos. A Figura 2 apresenta as rotas tecnológicas da produção de etanol a partir da cana-de-açúcar e do milho. De uma forma resumida, a produção de etanol a partir da cana-de-açúcar envolve os seguintes processos: a) limpeza dos colmos; b) extração do caldo; c) fermentação do caldo por meio de leveduras; d) destilação do mosto (ou vinho) oriundo da fermentação, resultando no etanol. No caso do etanol de milho, o processo de produção inicia-se com a separação, a limpeza e a moagem do grão. A seguir, o amido dos grãos passa por um processo de conversão para açúcares mais simples, por meio de um processo enzimático a altas temperaturas. A seguir, os açúcares vão passar pela fermentação por leveduras, sendo o vinho resultante destilado para a produção de etanol (BNDES; CGEE, 2008). Figura 2 – Rotas tecnológicas para a produção de etanol de primeira geração a partir da cana-de-açúcar e do milho Fonte: BNDES; GEE, 2008. 07 TEMA 4 – BIOMASSA LIGNOCELULÓSICA A biomassa lignocelulósica compreende todas as matérias-primas que possuem celulose, hemicelulose e lignina em sua estrutura: espécies florestais, biomassa, bagaço de cana resultante da extração do caldo para a obtenção de açúcar, casca de arroz e resíduos de colheita de outras culturas. Os principais processos de obtenção de energia a partir da biomassa lignocelulósica são: 4.1 Combustão direta A combustão direta consiste na transformação da energia química dos combustíveis em calor por meio das reações dos elementos constituintes com o oxigênio fornecido. É um processo utilizado em fogões para a cocção de alimentos e em fornos na metalurgia e caldeiras para a geração de vapor (Brasil, 2007). Segundo Rendeiro e Nogueira (2008), o processo de combustão ocorre de acordo com as seguintes etapas: a) aquecimento e secagem, quando a água contida no material é evaporada; b) pirólise (ou volatilização), quando ocorre a liberação dos gases inflamáveis do material. Os gases liberados nessa fase, quando misturados com o oxigênio do ar em proporções adequadas, tornam-se uma mistura inflamável; c. combustão: os gases formados no processo de pirólise reagem com o oxigênio, numa reação exotérmica tendo como produtos CO2 + H2O+calor. O fogo normalmente é visível nessa fase; d. pós-combustão: a biomassa torna-se uma massa composta por carvão e cinzas. No setor sucroenergético, após a extração do caldo, a combustão é utilizada na geração de vapor de processo em caldeiras, para movimentar turbinas que vão acionar moendas e outros equipamentos. Essa utilização do bagaço de cana como resíduo faz com que as usinas sejam autossuficientes em energia e, dependendo da tecnologia utilizada nas caldeiras quanto a temperatura e pressão de vapor, ainda sejam capazes de exportar energia para a rede. Essa tecnologia é denominada ciclo a vapor (Figura 3) e é constituída pelos seguintes equipamentos: gerador de vapor (caldeira), superaquecedor, turbina ou máquina a vapor, condensador, pré-aquecedores de água e bombas de alimentação de água da caldeira (Rendeiro; Nogueira, 2008). 08 Figura 3 – Esquema de um ciclo a vapor Fonte: Rendeiro; Nogueira, 2008. 4.2 Pirólise Pirólise é o processo em que muito pouco ou nenhum oxigênio é fornecido para a combustão da carga combustível. Através do seu aquecimento, a temperaturas relativamente baixas (500 oC a 1000 oC), ocorre a degradação térmica do combustível, resultando em produtos como carvão vegetal, líquidos (óleo pirolítico) e gasosos (gás pirolítico) (Brasil, 2007). O processo mais conhecido de pirólise é a carbonização, cujo objetivo é aumentar o teor de carbono na madeira por meio de um tratamento térmico. Há uma perda seletiva de oxigênio e hidrogênio, com a consequente concentração de carbono (Oliveira et al, 1982, citado por Benites et al., 2009) Durante o processo de carbonização da madeira, o carvão é apenas um dos produtos resultantes, sendo possível também a obtenção do alcatrão pirolenhoso e dos gases não condensáveis (Figura 3). O carvão vegetal é largamente utilizado pela indústria siderúrgica brasileira para a obtenção do ferro-gusa. Um estudo realizado pelo CGEE (2014) mostra que, nas últimas três décadas, esse setor consumiu em torno de 7 milhões de 09 toneladas anuais, para uma média de 9,5 milhões de toneladas de ferro gusa produzido, com uma projeção de 14,8 milhões de toneladas em 2020. Figura 3 – Esquema de produção de carvão vegetal, alcatrão pirolenhoso e gases não voláteis a partir do processo de carbonização Fonte: Benites et al, 2009. 4.3 Gaseificação A gaseificação consiste em um processo de transformação de um combustível sólido em um gás, também em condições de fornecimento de oxigênio abaixo da estequiométrica e em altas temperaturas. O principal produto gerado é o gás de síntese ou syngas. No reator de gaseificação, ocorrem basicamente quatro reações: 1. secagem; 2. pirólise; 3. combustão e 4. redução (Eichler et al., 2015). Ou seja, no gaseificador, ocorrem reações posteriores aos processos de conversão térmica da biomassa descritos anteriormente. 010 Rocha et al. (2004) consideram a gaseificação, a pirólise e a carbonização como variações do mesmo processo, sendo que a gaseificação ocorre em altas temperaturas (900 ºC). 011 4.4 Hidrólise seguida de fermentação Essa rota tecnológica é utilizada para a fabricação de etanol de segunda geração (2G) a partir de material lignocelulósico, por exemplo o bagaço resultante da extração do caldo da cana-de-açúcar para a produção de etanol de primeira geração (1G). Conforme foi discutido na aula 1, os materiais lignocelulósico são constituídos por moléculas de celulose, hemicelulose e lignina. A celulose e a hemicelulose são recobertas pela macromolécula de lignina, formando a microfibrila celulósica. Devido à sua interação intermolecular e completa ausência de água na estrutura da microfibrila, a celulose apresenta estrutura bastante recalcitrante, difícil de ser desestruturada para que possa ser posteriormente convertida em sacarídeos fermentescíveis (Fengel; Vegner, 1989, citados por Santos et al., 2012). De acordo com Pitarello (2012), as etapas do processo de produção de etanol celulósico são as seguintes: a. Pré-tratamento: tem como objetivo alterar ou remover barreiras estruturais e tornar a biomassa lignocelulósica mais suscetível à sua conversão em acúcares livres. Nessa etapa, utilizam-se processos físicos, químicos, biológicos ou uma combinação destes. Os métodos físicos procuram reduzir o tamanho das partículas por meio de moagem; os métodos biológicos geralmente utilizam fungos que produzirão enzimas que vão solubilizar a lignina; os métodos químicos incluem o uso de água quente, água quente e oxigênio (pré-tratamento alcalino oxidativo), líquidos iônicos, materiais alcalinos, explosão a vapor e outros. b. Hidrólise enzimática ou sacarificação: conforme foi visto na aula 1, as moléculas de celulose são compostas por moléculas de monossacarídeos unidas por ligações glicosídicas. Essa etapa consiste em promover a hidrólise dessa ligação glicosídica, por meio da ação da enzima celulase, produzida por fungos celulolíticos. c. Fermentação alcoólica: esse processo é realizado pela levedura Saccharomyces cerevisae, que vai converter as moléculasde glicose em etanol e gás carbônico, da mesma forma que ocorre na produção de etanol de primeira geração. Por outro lado, essa espécie de levedura é incapaz de assimilar a xilose (monossacarídeo com 5 carbonos), principal constituinte da fração hemicelulósica da biomassa. 012 A Figura 4 apresenta um esquema dessas etapas. Figura 4 – Etapas de obtenção do etanol celulósico Fonte: Santos et al. (2012). TEMA 5 – BIOMASSA RESIDUAL Esse tipo de biomassa compreende os resíduos gerados em atividades agropecuárias, florestais, industriais e urbanas. O aproveitamento energético da biomassa residual é de extrema relevância porque, além de contribuir para a matriz energética, contribui também para a mitigação dos impactos ambientais das atividades econômicas. 013 As atividades agrícolas, madeireiras, florestais, de limpeza urbana e de produção de carvão geram grandes quantidades de resíduos que podem ser aproveitados na forma de briquetes e pellets, produzidos por meio de processos de densificação da biomassa. Segundo Dias et al. (2012), esses dois processos consistem na compactação desses resíduos, de modo a obter produtos com maior densidade (em kg/m3) e densidade energética (em kcal/m3), superiores às dos resíduos originais. Os briquetes e pellets são utilizados na geração de energia na forma de calor ou eletricidade. Podem ser produzidos a partir de qualquer resíduo vegetal, como serragem e restos de serraria, casca de arroz, sabugo e palha de milho, palha e bagaço de cana-de-açúcar, casca de algodão, casca de café, feno ou excesso de gramíneas forrageiras, cascas de frutas, cascas e caroços de palmáceas, folhas e troncos das podas de árvores, finos de carvão etc. Grande parte dos briquetes produzidos atualmente no Brasil é proveniente de resíduos de madeira como cavacos, tocos, maravalhas, serragem e outros (Dias et al., 2012). A Figura 5 apresenta uma briquetadeira e seus componentes. O processo de briquetagem consiste em inicialmente preparar a matéria-prima (resíduos). Antes da entrada da matéria-prima no equipamento, é necessário prepará-la no sentido de tornar suas partículas com tamanho adequado, mais homogêneas em tamanho e com os teores de umidade adequados para o processo. Figura 5 – Esquema de um briquetadeira Fonte: <www.biomaxind.com.br> 014 Outra forma de aproveitamento de resíduos lignocelulósicos ocorre nas indústrias de papel e celulose e é responsável por grande parte do suprimento de autossuficiência energética de tais indústrias. No preparo da polpa de celulose para a fabricação do papel, a matéria- prima passa por um processo de cozimento denominado kratf, formando um supbroduto denominado licor negro, o qual é composto por matéria orgânica e inorgânica e pelos produtos de solubilização da lignina. Esse licor é concentrado e posteriormente queimado na caldeira de recuperação para aproveitamento da parte inorgânica (licor verde), que retorna ao processo. A parte orgânica (produtos da lignina) é queimada em caldeiras para geração de energia térmica e elétrica (Brandão, 2015). Por fim, mas de extrema importância do ponto de vista ambiental, os resíduos das atividades de pecuária e agroindústria e os resíduos sólidos urbanos representam um grupo da biomassa residual que passa por processos de biodigestão anaeróbia, gerando o biogás e o biometano. Esses resíduos são constituídos por carboidratos, ácidos graxos e proteínas. As matérias-primas que são mais utilizadas como substrato para a produção de biogás são os dejetos da produção de suínos, bovinos e aves; resíduos da agroindústria, como carcaças de animais, resíduos de processamento de produtos agrícolas, lodo de esgoto e resíduos sólidos urbanos dispostos em aterros. A biodigestão anaeróbia é um processo desenvolvido por um grupo de bactérias, na ausência de oxigênio, no interior de biodigestores (Figura 6). Dentro do biodigestor, ocorrem as seguintes etapas do processo (Deublein; Steinhousen, 2008). a. Hidrólise: nessa primeira etapa, os componentes insolúveis, como celulose, proteínas e gorduras/óleos, são quebrados em monômeros (fragmentos solúveis em água) pela exoenzima hidrolase produzida pelas bactérias, que podem ser anaeróbicas facultativas ou obrigatórias. b. Acidogênese: os monômeros formados na fase hidrolítica são assimilados pelas diferentes bactérias (facultativas e obrigatórias) e são degradados em ácidos orgânicos de cadeias curtas (C1-C5). Nessa etapa há formação de ácido butírico, ácido propiônico, ácido valérico, ácido acético, álcoois e dióxido de carbono. 015 c. Acetogênese: nessa fase, os produtos da fase anterior são transformados em acetato, hidrogênio e monóxido de carbono. d. Metanogênese: nessa fase ocorre a formação de metano sob condições estritamente anaeróbicas, porém outros gases, como o H2S e o CO2, são formados. O H2S deve ser removido do biogás por possuir efeito corrosivo. O biogás possui em sua composição de 45-55% de metano (CH4), que é o produto de interesse do ponto de vista de geração de energia. Quando o biogás passa por um processo de retirada do gás carbônico, é denominado biometano. O grande valor ambiental da geração de energia a partir do biogás oriundo da biomassa residual é que se evita a emissão do metano para a atmosfera, o qual possui um potencial causador do efeito estufa 21 vezes maior do que o do CO2. Figura 6 – Esquema de um biodigestor modelo Sansuy para dejetos líquidos Fonte: Embrapa. FINALIZANDO Na aula 1, conhecemos as principais moléculas armazenadoras da energia química resultante do processo fotossintético desempenhado pelas plantas. Nessa aula, vimos que essas moléculas estão presentes em diferentes tipos de biomassa e conhecemos as rotas tecnológicas que possibilitam a utilização da energia química armazenada nas plantas em energia térmica, elétrica e mecânica. Essas matérias-primas foram classificadas em quatro grandes grupos: biomassa rica em óleos e gorduras, biomassa rica em sacarose e amido, biomassa lignocelulósica e biomassa residual. Para cada classe foram desenvolvidas diferentes tecnologias de aproveitamento da energia química 016 contida em suas moléculas. A biomassa rica em gorduras compreende os óleos e as gorduras vegetais e animais, os quais serão transformados em biodiesel e bioquerosene por meio do processo de transesterificação. A biomassas ricas em sacarose e em amido passam por processos de fermentação alcoólica para transformação em etanol. No Brasil, a cana-de-açúcar é a principal cultura produtora de sacarose para fins energéticos, enquanto o milho e a mandioca são as principais culturas produtoras de amido. A biomassa lignocelulósica é qualquer material que possua celulose, hemicelulose e lignina em sua composição. Essa biomassa pode passar por vários processos para gerar energia, como a combustão, a pirólise ou a carbonização e a gaseificação. Podem também passar por processos de obtenção do etanol celulósico. A biomassa residual, por sua vez, compreende todos os resíduos orgânicos gerados pelas atividades econômicas ou urbanas. De acordo com o tratamento conferido a esses materiais, há dois grupos: o primeiro grupo compreende os resíduos lignocelulósicos, que podem passar por processos de densificação para posterior conversão energética de uma forma mais eficiente. O segundo grupo é constituído pela biomassa orgânica residual que pode ser biodegradada por um conjunto de bactérias que vão decompor o material em um processo denominado digestão anaeróbia. O produto desse processo é o biogás, o qual, uma vez purificado, transforma-se em biometano. 017 REFERÊNCIAS BANCO nacional de desenvolvimento econômico e social; centro de gestão e estudos estratégicos (Org). 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