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L ín g u a B ra s ile ir a d e S in a is – L ib ra s Lídia da Silva Lí ng ua B ra si le ira d e Si na is – L ib ra s Lí di a da S ilv a Capítulo Língua Brasileira de Sinais – Libras Curitiba 2010 Lídia da Silva EDITORA FAEL Gerente Editorial William Marlos da Costa Edição Thaisa Socher Revisão Monique Gonçalves Silvia Milena Bernsdorf Projeto Gráfico e Capa Denise Pires Pierin Ilustração da Capa Cristian Crescencio Diagramação Ana Lúcia Ehler Rodrigues Ilustrações Dilmar Kempner Júnior Ficha Catalográfica elaborada pela Fael. Bibliotecária – Cleide Cavalcanti Albuquerque CRB9/1424 Silva, Lídia da S586l Língua brasileira de sinais – Libras/ Lídia da Silva. – Curitiba: Fael, 2010. 164 p.: il. ISBN 85-64224-28-5 Nota: conforme Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. 1. Educação inclusiva 2. Libras. I. Título. CDD 371.9 Direitos desta edição reservados à Fael. É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael. Ao Ronaldo Quirino, intérprete de Libras, que me indicou este caminho. apresentação A produção de textos para a disciplina de Língua Brasileira de Sinais – Libras, nos cursos de Pedagogia, é crucial e precisa se concretizar. Antes do Decreto n. 5.262/2002, as entidades da comunidade sur- da, como as associações de surdos, a Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos, as igrejas, etc., sempre divulgavam cursos de Libras, visando promover a comunicação entre as pessoas, de uma ma- neira informal e nada padronizada. Hoje muita coisa mudou. A aprendizagem de Libras é lei em muitos cursos, cujos alunos precisam aprofundar não apenas o conhecimento da língua de sinais, mas conhecer o porquê de ser um direito na educação dos surdos, a história e as lutas do povo surdo pelo reconhecimento de sua língua. A aprendizagem da língua precisa estar dentro de um contex- to organizado, que permita diminuir o preconceito com que, em geral, são vistos os surdos. A autora Lídia da Silva conseguiu abordar os mais importantes con- teúdos necessários ao entendimento dos desafios colocados aos profes- sores pela mudança implantada na educação dos surdos, que exige deles uma atuação esclarecida e interessada. Os assuntos são apresentados de uma forma clara, o que reflete muitas pesquisas recentes na área, sem diminuir os conteúdos necessários. Professores esclarecidos quanto à complexa realidade da criança surda poderão trabalhar dispensando o carinho merecido a essas crian- ças e atuar de forma a fazer avançar as condições de acolhimento na escola e na família. apresentação Esses avanços são necessários para que se concretize uma real in- clusão na sociedade e a diminuição dos preconceitos existentes, mesmo entre a maioria dos professores. Marianne Rossi Stumpf* * Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade do Oeste do Pa- raná. É Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal de Santa Catarina. Possui especialização em Educação Especial pelo Instituto Brasileiro de Pós-Graduação e Extensão (IBPEX). Tem experiência com educação de surdos nos diversos níveis de ensino, em tradução da Libras, formação de intérpretes e inclusão da pessoa com deficiência na educação e no trabalho. Atualmente, é tutora da turma de bacharelado do curso de Letras-Libras da UFSC, no Polo da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Desenvolve pesquisas em Linguística da Libras e aquisição da linguagem de crianças surdas. apresentação apresentação sumário Prefácio.........................................................................................9 1 Status linguístico da Libras ........................................................11 2 Estrutura gramatical da Libras ..................................................43 3 Implicações sociais da surdez .................................................129 Referências...............................................................................163 sumário Capítulo 9 prefácio prefácio Quando nos deparamos com uma pessoa surda pela primei- ra vez, algo acontece que faz desse encontro um momento único e singular em nossas vidas. Para alguns, esse momento vai significar o confronto com suas dificuldades e limites, que ficará apenas na memória. Para outros, vai significar uma mudança de vida, devido a uma tomada de decisão quanto às questões relacionadas à surdez e à língua de sinais. Uma tomada de decisão que implica a proximidade com a pessoa surda e sua língua. No meu caso, o efeito do encontro foi o segundo. Diante de um primeiro contato com uma pessoa surda, fui tomada pelo desejo de me desafiar e de tentar uma aproximação com ela, ainda que isso exigisse muito esforço e dedicação, pois o processo de aprendizagem de uma segunda língua não é uma atividade das mais fáceis da nossa vida. A entrada nessa nova esfera linguística me motivou a buscar cada vez mais conhecimento sobre a Libras e suas implicações para os sujeitos surdos, e essa busca foi determinante na minha formação acadêmica e profissional. Hoje sou pesquisadora, usuária, tradutora e professora de língua de sinais e me deparo todos os dias com os desafios que uma língua espaço-visual impõe às pessoas que são fa- lantes nativas de uma língua oral-auditiva. Porém, além dos desafios, deparo-me também com a beleza, com a completude, com a satisfa- ção de poder estabelecer comunicação por meio das mãos, dos olhos, do corpo, dos sinais. Assim se constituiu minha busca, e assim espero que se constitua a leitura deste livro aos leitores: descobertas rechea- das de desafios e encantamentos. 10 Julgo que os principais desafios que se encontram neste texto são de ordem gramatical, já que é uma tarefa árdua esboçar grafica- mente os detalhes de uma língua “espacial-tridimensional”. Minha expectativa é conseguir, minimamente, esclarecer a constituição dos aspectos fonológicos, morfológicos, sintáticos e semânticos da Libras, sem esgotá-los, é claro. Até porque espero que esse desafio soe como um convite a uma leitura mais aprofundada sobre o tema, que o leitor possa – após receber esta introdução – percorrer caminhos mais lon- gos no conhecimento da estrutura gramatical da Libras. Além disso, acredito que o leitor será tomado de encantamento ao se deparar com o status linguístico da Libras, no sentido de poder empregar a característica de “língua” a essa forma de comunicação e de não mais creditar como verdade as falácias sociais ditas sobre ela até então. Esse encantamento pela Libras, no seu valor e nas suas possibilidades comunicativa é que gera condições de entender as im- plicações sociais da surdez. Com esse olhar de diferença linguística, torna-se mais fácil conceber a ideia de uma pessoa viver apenas com experiências visuais e, assim, construir toda sua impressão sobre o mundo. É preciso que tenhamos esse encantamento para podermos, de alguma forma, contribuir com as discussões sobre os surdos e sua língua, sempre destacando que eles – os surdos – também devem ter voz nesse processo. A autora.* * Lídia da Silva é Mestre em Linguística. Atua como orientadora de aprendizagem no curso de Letras-Libras e é tradutora de Libras da Universidade Positivo. prefácio prefácio 11 Neste primeiro capítulo, apresentaremos uma introdução das ideias que serão desenvolvidas posteriormente. Vamos abordar algumas definições preliminares e algumas discussões sobre as mudanças das ter- minologias na área da surdez. Nesse ponto, atentaremos para a forma de nomeação da pessoa surda e da sua língua. Trataremos, de forma mais pormenorizada, sobre a teoria inatista de Chomsky, pois ela embasa nossas considerações acerca dos fenômenos lin- guísticos explanados, tais como aquisição da linguagem e estrutura grama- tical das línguas naturais, portanto, da Libras. Essa teoria atesta que princí- pios e parâmetros imperam na constituição de todas as línguas do mundo. Por princípios,a teoria entende características iguais entre os idiomas – predominantemente, a estrutura sintática – enquanto que os parâmetros são as diferenças que existem entre eles – as categorias gramaticais. Dessa forma, este texto se insere nessas discussões por acreditar que a Libras possui os mesmos valores linguísticos que as línguas orais, por exemplo o caso de empréstimos de outra língua – fenômeno recorrente nos sistemas linguísticos. Há, porém, parâmetros que a distinguem das línguas orais, como a modalidade linguística espaço-visual, as marcas para formalidade e informalidade e outros. Assim, o texto apresenta os universais “comprobatórios” da natureza linguística da Libras, bem como o refutamento dos mitos sociais que até então circundavam a concepção que se tinha sobre ela. Definições preliminares Atualmente, tem sido muito comum pessoas se depararem com outros indivíduos conversando de um modo muito diferente do que Status linguístico da Libras 1 Língua Brasileira de Sinais – Libras FAEL 12 estão acostumadas a ver. Quando isso ocorre, em um primeiro mo- mento, surge um sentimento de estranhamento, mas com o passar do tempo esse sentimento se desfaz e dá lugar a uma impressão de normalidade; aquilo vai se tornando comum. À medida que essas pessoas vão se mostrando à sociedade, mais aceitável a sua forma de expressão passa a ser. Porém, infelizmente, nem sempre foi assim. Houve uma época (século XV) em que as pessoas que não podiam ouvir eram atiradas do alto dos rochedos, pois elas não eram considera- das humanas. Havia uma exclusão escancarada não só com essas pessoas, mas com qualquer uma que apresentasse alguma limitação física ou sen- sorial, sendo considerada improdutiva para a sociedade. Depois, a socie- dade decidiu que as pessoas que não ouviam deveriam ser oralizadas. Ser uma pessoa oralizada significa desenvolver sua fala por meio da vocali- zação dos sons, ainda que não pudesse ouvir sua própria voz. Esse tipo de concepção e, consequentemente, esse método de ensino chamado oralismo, prevaleceu por muito tempo, especialmente depois da decisão do II Congresso Internacional sobre Instrução de Surdos, que aconte- ceu em Milão, em 1880, que entendia que o método de ensino, mais adequado aos surdos seria a oralização. Nesse sentido, o trabalho era de recuperação auditiva, tratamento de reabilitação e exercícios mecânicos. O professor era mero treinador de fonemas e o aluno deveria empreen- der todos os esforços possíveis para realizar uma boa leitura labial. Após esse período, a integração foi a concepção adotada. A inte- gração é a fase que compreende a concepção e a prática da pessoa com deficiência a partir de um esforço adaptativo apenas de sua parte, no sentido de que ela deve se adequar aos moldes padrões, para, então, estar integrada à sociedade. Porém, no início do ano 2000, começaram os ru- mores de uma nova filosofia social e educacional: a inclusão. Nessa pers- pectiva, as pessoas que não ouviam passaram a se integrar e empenhar esforços para tornarem-se normais, mas há um duplo envolvimento: por parte deles e por parte da sociedade. Porém, mesmo emergindo um novo paradigma social, ainda há contradições manifestadas nas práticas. Prova disso é a própria dificul- dade terminológica. De fato, como devemos nos referir a tais pessoas? Certamente, o modo como nos reportamos aos outros quer dizer algu- ma coisa, vem impresso de significado. Não fosse assim, não existiriam os títulos, os vocativos e os pronomes de tratamento. Normalmente, a forma como nos dirigimos à pessoa revela o valor que damos a ela. Capítulo 1 Língua Brasileira de Sinais – Libras 13 No caso das pessoas que não podem ouvir, há algumas alternati- vas de tratamento que podem denotar a consideração social a respeito de sua condição. É o caso do termo “deficiente auditivo” ou “D.A.”. Quando usamos esse termo para nos referirmos a uma pessoa, estamos invocando aquilo que ela não tem, aquilo que lhe é deficiente, esta- mos destacando o que há de ausente naquela pessoa, aliás, não estamos vendo-a como pessoa, mas a informação que mais nos importa é sua patologia e/ou sua condição clínica. Com o acelerar da recepção de informações, a sociedade progrediu e teve sua visão alterada. Foi a partir da década de 90 do século XX que se inauguraram algumas pesquisas no país sobre a língua de sinais, e isso pro- piciou um olhar antropológico e cultural sobre a surdez. Esse olhar para o surdo como uma pessoa diferente acaba com a concepção de deficiente auditivo – anteriormente impregnada nos meios sociais e educacionais – e, consequentemente, anula a necessidade de reabilitação para integração. De acordo com essa concepção de diferença (ao invés de deficiência), não há necessidade de inserção das pessoas, pois todos já fazem parte da so- ciedade, somos apenas mais uma figura no cenário da diversidade social – racial, religiosa, sexual, financeira, política, de gênero, etc. Nesse sentido, também deixam de ser válidos termos como “surdo-mudo” ou “mu- dinho”, pois, além de pejora- tivos, não estão em sintonia com o que já é socialmente aceito, a condição de não ou- vir. Conceitualmente, falar não significa vocalizar, emitir sons, mas ex- pressar a sua língua. Então, dizer surdo-mudo é duplamente incorreto. Primeiro, porque existem muitos surdos que têm domínio da língua oral e que se comunicam também com sons da voz, ainda que os fo- nemas sejam desorganizados por falta do feedback auditivo. Depois, porque quando o surdo está sinalizando, ele está pronunciando-se na sua língua, está falando. Então, segundo o Decreto n. 5.626 (BRASIL, 2005), Capítulo I, Ar- tigo 2º, parágrafo único, os surdos são deficientes auditivos para aquelas pessoas que os enxergam com uma visão clínico-terapêutica; surdos-mudos para aqueles que não sabem que eles falam; e, para aqueles que os olham O slogan propagado, em 2007, pela Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos afirmava: SURDO-MUDO, apague esta ideia! Saiba mais Língua Brasileira de Sinais – Libras FAEL 14 respeitando sua diversidade linguística, são apenas: surdos. Portanto, para nos referirmos a essas pessoas neste texto, a partir de agora, usaremos o termo “surdo”, porque ele remete a um posicionamento político de res- peito ao sujeito como um ser social, falante da língua de sinais, e não com uma visão clínica ou patológica. Contrariamente, as pessoas que têm a capacidade de ouvir são chamadas de ouvintes. Surdo Ouvinte Os surdos conversam com as mãos, por meio do estabelecimento de uma comunicação visual. De fato, poucas são as pessoas que reco- nhecem o que significam tantos movimentos e tantas sinalizações. É o caso, por exemplo, de quando os surdos chegam a estabelecimentos comerciais, a órgãos públicos ou privados e fazem este sinal: Oi Capítulo 1 Língua Brasileira de Sinais – Libras 15 As pessoas não sabem o que isso significa e, na maioria das vezes, tentam falar mais lentamente ou buscam um papel para escrever, na es- perança de conseguir estabelecer uma comunicação. Porém, o desejável seria que essas pessoas pudessem responder da mesma forma, ou seja, com os sinais da Libras, conforme exposto a seguir: Tudo bem? Qual é seu nome? Qual é o seu sinal?1 Bom dia Boa tarde Boa noite 1 Os surdos dão um sinal para cada pessoa e não as chamam pelo nome. Língua Brasileira de Sinais – Libras FAEL 16 No entanto, infelizmente, esses e outros tantos sinais necessários à comunicação com surdos são desconhecidos pela população ouvinte, e o desconhecimento não é só dos vocabulários, mas da própria no- meação dessa modalidade linguística. E o que vem a ser modalidade linguística? É a forma como a língua se manifesta. Há, basicamente, três modalidades das línguas naturais: língua falada, língua escrita e língua sinalizada. A língua falada é conhecida por possuir uma característica oral e au- ditiva, enquanto que a sinalizada tem a característicade ser espaço-visual. Isso significa que o espaço (lugar a frente do corpo) é o canal de emissão e a visão é o canal receptor da mensagem. Porém, vemos que o desco- nhecimento sobre essa modalidade linguística é tanto que as pessoas a chamam de “linguagem de sinais”. Há outras que a chamam de “gestos” e há, ainda, quem pense que são “mímicas”. Posteriormente, explicaremos por que esses dois últimos termos são inadequados, mas, por ora, vamos pensar na oposição língua X linguagem. A linguística é a área científica que se encarrega de conceituar essas duas categorias, e a faz sob diferentes perspectivas teóricas. Há, por exemplo, pesquisadores que são adeptos a concepções sociais e há ou- tros que procuram abordagens mais naturalísticas para formular suas concepções. Os que entendem que a influência do social é determi- nante para a aquisição da língua destituem do ser humano as responsa- bilidades pelo seu desempenho linguístico. Inscrevem-se nesse tipo de abordagem as vertentes da linguística estrutural e funcional. Por ou- tro lado, há pesquisadores que são adeptos aos postulados teóricos de Chomsky (1957), do Massachusetts Institute of Techonology – MIT, nos Estados Unidos. Para ele, o processo de adquirir a estrutura de uma língua natural é universal, pois independe da qualidade interativa que se estabelece com a criança, assim como independe da cultura. Essa aquisição é possível devido ao fato de as crianças possuírem um co- nhecimento linguístico inato que as guia por esse processo. Tais ideias deram origem à teoria que vigora até o presente, a qual escolhemos para construir nosso aporte conceitual. Trata-se da Teoria Gerativa. Segundo essa teoria, as crianças já nascem equipadas com vários aspectos relacionados à organização sintática das línguas humanas que são geneticamente determinados. Por isso dizemos que essa teoria é de Capítulo 1 Língua Brasileira de Sinais – Libras 17 natureza mentalista, pois a mente humana abriga um sistema “compu- tacional” capaz de gerar representações linguísticas. Isso se comprova, segundo Chomsky (1957), devido à discrepância entre input e output do falante. Em outras palavras, a criança é exposta a estímulos pobres e limitados, porém, devido ao seu inato conhecimento linguístico, é capaz de se desenvolver a ponto de gerar infinitos enunciados bem formados. A criança é vista como aprendiz eficiente a despeito da pobreza de estí- mulos. Esse argumento é comumente tratado por problema de Platão2. Chomsky (1957) denomina esse conhecimento linguístico prede- terminado de “Dispositivo de Aquisição de Linguagem – DAL” (em inglês: Language Acquisition Device – LAD). O DAL, sistema armaze- nado na mente, abriga os princípios que são comuns a todas as línguas humanas. Esses princípios formam um conjunto de regras linguísticas uniformes chamado de Gramática Universal – GU. Nesse sentido, a aquisição da linguagem vai acontecer naturalmen- te – sem que haja um aprendizado formal –, apenas pela maturação da GU, entendida como um órgão biológico carente de iniciar seu fun- cionamento que, no caso, fica a cargo da interação social. Esse fator é preponderante no princípio do funcionamento do DAL, mas não para determinação do seu estágio final. O estágio final são as propriedades linguísticas alcançadas pelo adulto. A perspectiva chomskyniana de lin- guagem está resumida no excerto a seguir, possibilitando um melhor entendimento de que a linguagem reflete uma capacidade mental do ser humano. [...] pode-se dizer que o uso criativo da linguagem não se li- mita ao estabelecimento de analogias, mas reflete a capacidade do ser humano de fazer uso dela no seu dia a dia, observando propriedades específicas, livre de estímulos, com coerência e de forma apropriada a cada contexto, além da sua capacidade de evocar os pensamentos adequados no seu interlocutor. [...] Sob esta perspectiva, essa capacidade é uma consequência direta do fato de sermos humanos. Como diz Descartes, somos huma- nos ou não somos, pois não existem graus de humanidade, e não há variação essencial entre os humanos, a não ser no nível 2 O argumento da “pobreza dos estímulos” é tratado por Chomsky (1957) como uma atitude platonista, por isso o nome problema de Platão é extraído da questão filosófica: como o ser humano pode saber tanto diante de evidências tão passageiras, enganosas e fragmentárias? Língua Brasileira de Sinais – Libras FAEL 18 da superficialidade, isto é, nos aspectos epifenomenais3. Um estudo da faculdade da linguagem deve propor propriedades específicas e descobrir os mecanismos da mente que as apresen- ta, além de dar conta destas mesmas propriedades em termos da ciência física (QUADROS; FINGER, 2008, p. 47). Assim, poderíamos dizer que a linguagem é um dispositivo que já está acoplado na mente humana desde o nascimento e que pelos estímulos externos para poder desenvolver a língua. A linguagem é uma função mental superior4; sendo assim, é de natureza muito mais individual; enquanto a língua, opostamente, não está instalada no cérebro humano, mas está no seio da sociedade e por isso precisa ser adquirida. Dessa forma, a Libras não pode ser chamada de “lingua- gem de sinais”, considerando que, se assim fosse, todos seriamos sina- lizadores, o que não acontece. Podemos concluir que a Libras deve ser aprendida e, se será aprendida, significa que ela é externa a nós, ela é social, portanto, é língua. Apesar de já termos adiantado o conceito de língua, há ainda que se colocar que, nesse modelo teórico, ela é entendida como um conjunto de regras que geram uma infinidade de sentenças, sendo que cada uma é formada por cadeias de elementos. Para o linguista adepto à corrente gerativa, o objeto de estudo é postulado como o conhecimento incons- ciente da língua. Segundo Kato (1997), esse conhecimento tem caráter intencional e o uso é inconsciente devido ao uso automático da língua, encarado como um sistema “computacional”. Essa é a concepção de língua que adotamos. Quer dizer, língua é um conjunto de regras que gera uma infinidade de sentenças, caracterizadas como individuais, in- ternas (inconscientes) e intencionais (automáticas). Posto o entendimento de que há diferença teórica no conceito de língua e no conceito de linguagem, podemos concluir que a termino- logia “linguagem de sinais” passa a ser cientificamente inapropriada. A partir dessa concepção, podemos adentrar mais especificamente nas considerações sobre a língua de sinais. 3 Epifenômenos são fenômenos adicionais que se sobrepõem a outros, mas sem modificá-los, nem exercer sobre eles qualquer influência; são fatores sociais, econômicos, políticos, cultu- rais, etc. (QUADROS; FINGER, 2008, p. 47). 4 Funções mentais superiores são sinônimo de funções psicológicas, e elas são: pensamen- to, memória, atenção, raciocínio, percepção, inteligência, linguagem e outras. Capítulo 1 Língua Brasileira de Sinais – Libras 19 Língua de sinais Iniciamos pelo significado do termo, visto que no Brasil há duas terminologias correntes para designar a língua de sinais utilizada pela comunidade surda brasileira: Libras (Língua Brasileira de Sinais) e LSB (Língua de Sinais Brasileira). A primeira foi oficializada pela Federação Nacional de Educa- ção e Integração de Surdos, e é o termo presente em docu- mentos legais. A LSB é a sigla utilizada por pesquisadores que publicam textos interna- cionais, já que todas as demais línguas de sinais do mundo possuem uma sigla com três letras, dessa forma, é possível ter uma rápi- da identificação para LSB. Como Libras é nossa opção terminológica, reproduzimos a seguir o sinal empregado pelos surdos para nomear sua própria língua: Libras Um dos documentos legais que contempla a sigla Libras é a Lei Federal n. 10.436/2002 (BRASIL, 2002b), que oficializou a língua no Brasil. A partir dessa aprovação, a Libras passou a ser aceita como língua usual na comunidade surda. Ter uma lei que oficialize um idioma em umpaís é muito importante, pois demonstra o reconhecimento social Há pesquisas que discutem a melhor grafia para a língua brasileira de sinais, se deve ser LIBRAS (todas as letras maiúsculas), libras (todas as letras minúsculas) ou Libras (apenas a primeira letra maiúscula), já que há diferen- ça conceitual nesses diferentes registros. Leia mais sobre o assunto em: <http://www.fiemg. com.br/ead/pne/Terminologias.pdf>. Saiba mais Língua Brasileira de Sinais – Libras FAEL 20 sobre ele, visto que as minorias linguísticas (imigrantes, índios) relatam experiências de segregação e preconceito, já que sua forma de expressão não é a mesma da maioria social. Nesse sentido, deve-se travar uma luta pelo reconhecimento lin- guístico de tais minorias. Para que isso ocorra, há que se percorrer um longo caminho, que vai desde agregar as pessoas até convencer políticos a planejar ações disseminadoras. No caso da Libras, essa conquista só foi possível mediante a congregação dos surdos em prol dessa causa e pelo fato de muitos pesquisadores terem se empenhado para angariar conhecimentos que comprovassem o valor linguístico dessa língua. A Lei n. 10.436 oficializou a Libras, mas, antes disso, já existiam pesquisadores brasileiros de língua de sinais (BRITO, 1995; FELIPE, 1998; QUADROS, 1997) discutindo e publicando suas investigações, com o intuito de combater os mitos que havia sobre ela. Vejamos cada um desses mitos, bem como as asseverações postuladas pelos pesquisa- dores pioneiros no assunto. Mitos sobre a Libras A língua de sinais seria uma mistura de pantomima e gesticulação concreta, incapaz de expressar conceitos abstratos. As línguas de sinais derivam da comunicação gestual espontânea dos ouvintes. Considerando que a pantomima e a mímica são formas artísticas de expressão, elas não podem ser comparadas com a Libras, que é uma língua gramaticalmente organizada. Não devemos, também, colocar a Libras e os gestos na mesma categoria de análise, pois, apesar de am- bos serem produções visuais, possuem naturezas muito diferentes. Os gestos são as expressões espontâneas das pessoas, são nossas expressivi- dades naturais. Por exemplo, quando colocamos a mão no rosto ou na cintura, cruzamos os braços, apertamos os dedos uns contra os outros ou passamos as mãos repetidas vezes no cabelo, estamos produzindo gestos. Diferentemente, para produzirmos a Libras, precisamos passar por um processo formal de aprendizagem, pois esse sistema linguístico é abstrato e não faz parte da nossa expressividade natural – se assim fosse, todos seríamos falantes natos da Libras. Capítulo 1 Língua Brasileira de Sinais – Libras 21 É verdade que a Libras é composta por sinais que representam manualmente as formas e os movimentos dos objetos do mundo, como os sinais a seguir reproduzidos, porém, eles não são o todo da língua, há outros que não têm relação alguma com os objetos da realidade, conforme podemos verificar nas ilustrações. Essa possibilidade de o referente linguístico ter relação com os obje- tos reais – a iconicidade – também é presente nas línguas orais, como é o caso do português. Exemplo disso são as palavras “bem-te-vi” e “bumbo”, nome de um pássaro e um instrumento musical, respectivamente, que representam o som que reproduzem. O primeiro grupo de sinais é o dos chamados icônicos, e o segundo é o dos sinais chamados arbitrários. SINAIS ICÔNICOS SINAIS ARBITRÁRIOS Passar batom Vencer 1 2 Passar roupa Especial Língua Brasileira de Sinais – Libras FAEL 22 SINAIS ICÔNICOS SINAIS ARBITRÁRIOS Pentear o cabelo Perigoso Escovar os dentes Vingar Dormir Idade Capítulo 1 Língua Brasileira de Sinais – Libras 23 SINAIS ICÔNICOS SINAIS ARBITRÁRIOS Lavar roupa Organização Limpar o chão Sofrer Varrer Opinar Língua Brasileira de Sinais – Libras FAEL 24 É bom ressaltar que os sinais icônicos não são iguais no mundo todo, pois a representação que cada falante faz da realidade é diferente, por exemplo, o sinal de árvore no Brasil é icônico assim como o é na China. A diferença é que aqui representamos o tronco da árvore e o balanço dos galhos, enquanto lá se faz apenas o tronco, conforme figuras a seguir: Árvore Libras Árvore Língua de Sinais Chinesa (CSL) Só essa informação, de que a iconicidade se realiza de acordo com a perspectiva referencial de determinado grupo, já é um forte argumen- to para combater o mito de que língua de sinais deriva da comunicação gestual espontânea dos ouvintes. Se assim fosse, quando um surdo sina- lizasse o sinal de árvore para um ouvinte, ele rapidamente identificaria o significado, mas, como sabemos, não é isso que ocorre. Então, fica refutada a ideia de que os sinais da Libras são extraídos da expressivida- de natural dos ouvintes. Haveria uma única e universal língua de sinais usada por todas as pessoas surdas. Muitas pessoas pensavam que a Libras seria universal, que os sinais eram iguais em todos os países. Contudo, essa afirmação não procede, pois se Libras é a sigla da Língua Brasileira de Sinais, podemos concluir que, se no nome da língua mencionamos sua nacionalidade, é porque existem outras línguas de sinais espalhadas por outros países, tais como: Língua Holandesa de Sinais, Língua Francesa de Sinais, Língua Ameri- cana de Sinais, Língua Alemã de Sinais, entre outras. Capítulo 1 Língua Brasileira de Sinais – Libras 25 Assim, em cada país, há uma língua de sinais especí- fica, que reflete a cultura da nação e daquela comunidade surda. E não é só pelo nome que entendemos haver uma língua de sinais para cada país, mas, também, baseando-nos na teoria gerativa. Segundo essa teoria, todas as línguas, inclusive as de sinais, apresen- tam organização sintática com os mesmos princípios comuns à linguagem humana, que são diferentes apenas em sua natureza e comportamento. Isso significa que as línguas de sinais se diferenciam, como qualquer língua, na sua organização se- mântica e discursiva para atender a aspectos culturais e ideológicos das diferentes comunidades de surdos. Quando a informação de que a Libras não é universal começou a percorrer espaços sociais, muitas vezes, havia um questionamento de que seria muito mais fácil para comunicação dos surdos se todos sinali- zassem da mesma forma. Porém, se estamos entendendo que a língua de sinais tem o mesmo valor que a língua oral, então um questionamento como esse também perde sua validade, já que as línguas orais não são iguais e ninguém questiona esses fenômenos. Isso porque sabem que, devido às colonizações, houve o alastramento de determinados idiomas em determinados lugares. O mesmo aconteceu com as línguas de si- nais, cada uma tem sua história linguística. No caso da Libras, ela tem sua origem na Língua Francesa de Sinais. Haveria uma falha na organização gramatical da língua de sinais, que seria derivada das línguas orais, sendo um pidgin sem estrutura própria, subordinado e inferior às línguas orais. Algumas pessoas acham que a Libras é derivada das línguas orais e é um pidgin sem estrutura própria, subordinada e inferior. Cada uma dessas proposições pode ser considerada um mito, pois quando as ana- lisamos, encontramos conceituação diferenciada para os termos empre- gados. Por exemplo, por pidgin entendemos a mistura de duas línguas, como nas expressões (1) e (2) a seguir exemplificadas. O pidgin é utiliza- do por pessoas que estão em processo de aprendizagem e necessitam de Com a difusão das línguas de sinais pelos países, pensou-se em sistematizar uma língua de sinais universal chamada “gestuno”, assim como aconteceu com o esperanto, que era uma forma de comunicação oral que reunia os termos comuns na maioria das línguas orais. Porém, como não era usado em momentos naturais, o gestuno – assim como o esperanto – deixou de existir. Saiba mais Língua Brasileira de Sinais – Libras FAEL 26 um recurso emergente de comunicação. Mesmo assim, não considera- mos o inglês e o portuguêscomo pidgin. 1. Eu love você. 2. I amo you. Uma manifestação de pidgin sinalizada é, por exemplo, quando uma pessoa está conversando com um surdo em Libras e na ausência de um sinal resolve oralizar pausadamente, a fim de que o interlocutor o entenda. Essa estrutura se caracterizará por um pidgin, pois houve a mistura dos sinais com a voz, da oralidade com a sinalização, da Libras com o português. Porém, não é a Libras que é um pidgin, é o seu mau uso que pode tornar-se um. A Libras tem uma estrutura gramatical bastante complexa, por- tanto, alegar que ela é subordinada à língua oral, além de demonstrar o desconhecimento da estrutura linguística, também aponta para uma postura altamente preconceituosa. Assim como fazer comparativo de superioridade ou inferioridade em relação à língua oral é linguistica- mente inviável, pois as línguas são apenas diferentes entre si, têm cons- tituição interna própria. Na linguística, esse tipo de comparação inexiste, pois nenhum sis- tema linguístico será mais complexo ou superior a outro, já que todos se prestam ao mesmo fim: a comunicação. Nesse sentido, a única compara- ção permitida entre as línguas e em sua realização é o conhecimento dos parâmetros de cada sistema, e não um julgamento de valor. Da mesma forma, como há uma conscientização sobre o cessar do preconceito lin- guístico, isso já é assegurado no campo da linguística e já foi transmitido à sociedade, o que falta são algumas tomadas de decisão quanto ao tema. Sabemos que não podemos criticar uma pessoa porque ela fala porta acen- tuando o r, como fazem os caipiras, ou ainda porque ela fala bicicreta. Esse jeito diferente de falar compõe o idioleto de cada um. Na Libras, isso também acontece, cada um sinaliza de um jeito. Podemos admirar uma ou outra forma, mas nunca taxarmos como “certa” uma única forma. A língua de sinais seria um sistema de comunicação superficial, com conteúdo restrito, sendo estética, expressiva e linguisticamente inferior ao sistema de comunicação oral. Esse é outro apontamento que não procede às descobertas científi- cas, mas que muitas vezes é verbalizado por desconhecedores da Libras. Capítulo 1 Língua Brasileira de Sinais – Libras 27 Levando em conta que um sistema de comunicação superficial é aquele criado para atender a comunicação de máquinas, ou seja, é a linguagem de programação, a Libras não se enquadra nessa situação. Toda língua humana – como a língua de sinais falada pelos surdos – atende aos critérios de criatividade, flexibilidade e versatilidade. Por- tanto, a Libras não é superficial, é uma língua natural, que emerge no seio da comunidade e se transforma ao longo do tempo, é dinâmica e com conteúdo absolutamente ilimitado. É possível falar qualquer coisa em Libras – desde de que o sinalizante tenha fluência –, pois mesmo não havendo palavras comuns entre Libras e português, há possibilidade de transmissão do conceito da palavra. As línguas de sinais, por estarem organizadas espacialmente, esta- riam representadas no hemisfério direito do cérebro, uma vez que é responsável pelo processamento de informação espacial, enquanto que o esquerdo, pela linguagem. Há pessoas que dizem que as línguas de sinais, por estarem orga- nizadas espacialmente, estariam representadas no hemisfério direito do cérebro, uma vez que é responsável pelo processamento de informações espaciais. Pessoas que conhecem, minimamente, o cérebro humano sa- bem que ele é dividido em hemisfério direito e hemisfério esquerdo e que cada um deles tem uma função diferenciada. Ao hemisfério direito cabem as propriedades para o desenvolvimen- to musical, artístico, emocional, visual, espacial, matemático e outros. No hemisfério esquerdo estão algumas funções mentais, como atenção, memória e outras, mas, especialmente, é identificada a propriedade lin- guística. Há, nesse hemisfério, duas áreas responsáveis pelo desempenho de uma língua: a área de Broca, que determina a expressividade da fala; e a área de Wernicke, que determina a compreensão de uma língua. Diante disso, há que se pensar onde se localiza a Libras, já que é uma língua e que, por isso, basicamente, estaria no hemisfério esquerdo. Sua modalidade é espacial e visual, características alocadas no hemisfério direito. Nesse sentido, as considerações que se tinha até então eram de que a Libras instalava-se no hemisfério direito, para poder dar conta dessa modalidade. O que ocorre, na verdade, é que a função de visão do hemis- fério direito tem uma característica funcional, serve para ver no sentido estrito do termo, assim também como a função do espaço desse hemisfé- rio se relaciona à questão geográfica. A partir daí, o cérebro detecta que a Língua Brasileira de Sinais – Libras FAEL 28 visão e o espaço serão utilizados pela modalidade linguística e, então, rea- liza uma transferência hemisferial. Assim, no hemisfério esquerdo, haverá a visão e o espaço, mas com propriedades distintas, agora com função linguística que servirá para “ouvir” e “falar” a Libras. Essas primeiras pesquisas que se prestaram a desmistificar falsas considerações sobre a Libras deram origem a outras. Todas elas, entre- tanto, emergiram a partir do primeiro trabalho conhecido sobre línguas de sinais nos Estados Unidos, de William Stokoe, em 1960. Ele foi o primeiro pesquisador a sistematizar a estrutura gramatical de uma língua de sinais, mas não foi o primeiro a usar essa forma de comunicação, pois antes dele já existiam os abades franceses, que burlavam a lei do silêncio que imperava nos mosteiros e conversavam por “códigos visuais” – um nome bastante conhecido dessa época é o Ponce de Leon. Depois dis- so, houve um período em que eles se dedicavam à instrução de pessoas surdas, então começaram a usar uma língua estruturada para transmitir conteúdos científicos e teológicos. Assim, a comunicação espaço-visual se espalhou pela Europa e, pos- teriormente, para América, chegando ao Brasil no século XX. Por isso, al- guns sinais da Libras, da Língua Francesa de Sinais e da Língua Americana de Sinais são parecidos. São os chamados cognatos. Assim como existem palavras muito semelhantes no português e no inglês (baby e bebê, por exemplo), há também algumas semelhanças de vocabulário nas línguas de sinais do Brasil, EUA e França. Como exemplo dessa similaridade, cita- mos os sinais de casa em Libras e na Língua Americana de Sinais: Casa Libras Casa Língua Americana de Sinais Capítulo 1 Língua Brasileira de Sinais – Libras 29 O que Stokoe e os primeiros linguistas brasileiros fizeram – além de mostrar o falseacionismo dos mitos – foi apontar a natureza da Libras como ela é. Fizeram isso utilizando-se da “regra geral” para validação de que uma língua é língua, através dos universais linguísticos. Então, passou- se a mostrar a verdade sobre esse sistema de comunicação espaço-visual. Verdades sobre a Libras: universais linguísticos Para uma língua ser considerada língua, ela deve passar por todos os testes postulados pelos pesquisadores, deve responder positivamente às questões levantadas – e a Libras preenche estes requisitos. Vejamos cada um deles. Onde houver seres humanos, haverá língua(s). A primeira análise feita para atestar o status linguístico da Libras pau- tou-se em uma simples consideração: a de que onde há seres humanos há língua. É impossível negar que um grupo de surdos constitui-se como um grupo de seres humanos, portanto, isso reitera a existência de uma língua. Não há línguas primitivas – todas as línguas são igualmente com- plexas e igualmente capazes de expressar qualquer ideia. O vocabu- lário de qualquer língua pode ser expandido a fim de incluir novas palavras para expressar novos conceitos. Ao aproximar-se da língua usada pelo grupo de surdos, percebe- se que, apesar de se apresentarem em uma modalidade diferente das línguas orais, ela não pode ser considerada como uma língua primitiva, pois todas as línguas são igualmente complexas e igualmentecapazes de expressar qualquer ideia. Assim também acontece com o vocabulário das línguas orais e sinalizadas que, como o de qualquer língua, pode ser expandido a fim de incluir novas palavras para expressar novos concei- tos. No português, por exemplo, as palavras são incorporadas ao siste- ma linguístico de um modo geral, com empréstimos linguísticos vindos do aportuguesamento desses termos ou, ainda, por meio da inclusão de palavras novas ao repertório individual. Quanto aos empréstimos linguísticos da Libras, destacamos inicial- mente o alfabeto manual. Ele é, na verdade, um recurso paliativo, usado apenas para se referir a nomes próprios e a objetos que não tenham um sinal conhecido na Libras. Os surdos representam por meio das mãos as Língua Brasileira de Sinais – Libras FAEL 30 letras do alfabeto português, no caso do Brasil. Em outros países, essa representação é feita de acordo com o alfabeto do idioma local. A letra “T”, às vezes, pode ser sinalizada de um jeito no Brasil e de outro nos Estados Unidos. Além disso, vale ressaltar que esse recurso é externo à Libras, ele é considerado como um empréstimo da língua portuguesa, portanto, quando a pessoa está usando o alfabeto manual, deixa de usar a Libras e faz uma transferência de código, passa a fazer uso do portu- guês. Por isso, devemos ter muita cautela para usá-lo. É preferível fazer um sinal sinônimo a “escrever” a palavra a que se deseja fazer referência, pois os surdos não se relacionam com a língua portuguesa como nós nos relacionamos. Há toda uma dificuldade que se coloca a eles, pois são usuários de uma língua espacial e visual, enquanto precisam aprender uma língua oral e auditiva. Posteriormente, explicaremos com mais de- talhes a questão de o português ser uma segunda língua para os surdos. Figura 1 Alfabeto manual. a f l r x g m s y h n t z i o u j p v w k q b c ç d e O alfabeto manual pode ser sinalizado com qualquer uma das mãos, desde que não alternadamente, então, se há preferência pela mão esquerda, a palavra toda deve ser sinalizada com a esquerda, e não uma letra com cada mão. Normalmente, escreve-se com o braço na vertical, Capítulo 1 Língua Brasileira de Sinais – Libras 31 bem próximo ao tronco, e as letras são feitas uma após a outra, sem necessariamente tirar a mão do lugar. Para os nomes de pessoas e lugares, é comum os surdos pedirem que se escreva a palavra com o alfabeto manual, mas, na sequência, eles criam um sinal que será usado dali para frente. Então, a digitalização da palavra passará a ser dispensável das próximas vezes, pois a realização do sinal vai remeter ao sentido e ao conceito. Caso seja necessário escrever mais de uma palavra (nome completo ou palavra composta, por exem- plo), deve-se fazer uma palavra em uma sequência rítmica e dar uma pausa na última letra para, então, iniciar a nova série de letras que serão feitas com o mesmo ritmo. Além disso, há também a possibilidade de representação dos acen- tos das palavras (^, ~, `, ´) por meio de desenho no ar com o dedo indi- cador. O desenho no ar é feito em um ponto acima de onde se escreveu inicialmente, e deve ser feito antes da letra que receberá o acento, por exemplo: JOS´E. O mesmo processo ocorre com a produção dos nú- meros da Libras, os quais estão reproduzidos a seguir: Figura 2 0 5 1 6 2 7 3 8 4 9 Ainda com relação ao alfabeto manual, devemos ressaltar que dele são extraídos os outros empréstimos linguísticos da Libras. Um emprés- timo linguístico é uma palavra original de um idioma que passa a fazer parte do repertório de um grupo de falantes de outro idioma. No portu- guês, há muitos exemplos de palavras que não compunham nosso voca- bulário e que passaram a fazer parte de nossa fala, por meio da internet, pela globalização, ou outros motivos. Na língua portuguesa, há muitas expressões americanas, francesas, indígenas, que são usadas pelos falantes Língua Brasileira de Sinais – Libras FAEL 32 normalmente. Exemplos desses empréstimos são as palavras: stress, delete, abajur, diet, light, shampoo, lingerie, entre outras. Os empréstimos linguísticos na Libras ocorrem mediante o processo de aceleração da escrita do alfabeto manual e, algumas vezes, pela supressão de uma das letras.Veja um exemplo de empréstimo linguístico da Libras: Bar Em se tratando de termos técnicos e científicos, podemos desta- car que são criados de acordo com a necessidade. É o caso de quando entramos na faculdade, há uma “enxurrada” de palavras novas, as quais não utilizávamos antes, como os termos “paradigma”, “piagetiano”, “de- manda de mercado”, “psicanálise”, “biomorfologia”, “léxico”, “sintático”, “pragmática”, etc. Na língua de sinais, isso ocorre da mesma maneira. Os surdos têm a capacidade de inserir em sua língua palavras novas conforme a necessidade. Daí surgem os novos sinais, como os expostos a seguir: Neurose Mídia Capítulo 1 Língua Brasileira de Sinais – Libras 33 Ambiente virtual de aprendizagem Condicionamento Todas as línguas mudam ao longo do tempo. Podemos verificar que não há permanência vocabular e nem estru- tural em nenhuma língua, o que implica dizer que as línguas mudam ao longo do tempo. Assim como ocorreu com o vocábulo vossa mercê, que passou para vos mice, depois para você e hoje é comumente trata- do por cê ou vc, na língua de sinais, isso também acontece. Os sinais que exigem muito “trabalho” para serem realizados sofrem uma economia produtiva e passam a ser realizados de maneira mais sim- plificada. É o caso, por exemplo, do sinal mulher, que era realizado com ambas as mãos postas próximas à cabeça, em uma imitação de colocar o chapéu. Então, descia do rosto em direção ao pescoço, onde era encer- rado com um movimento que imitava o lançar, o amarrar. Atualmente, esse sinal preserva apenas o trajeto do rosto ao pescoço, é sinalizado conforme imagem a seguir, passando o polegar na bochecha. Mulher Língua Brasileira de Sinais – Libras FAEL 34 As relações entre sons e significados das línguas faladas e entre ges- tos (sinais) e significados das línguas de sinais são, em sua maioria, arbitrárias. As palavras e sinais apresentam uma conexão arbitrária entre for- ma e significado, visto que, dada a forma é possível prever o significado, e dado o significado é possível prever a forma. Os símbolos utilizados pelas línguas são arbitrários. Podemos constatar que não há uma rela- ção intrínseca entre a palavra “cão” e o animal que ele simboliza. Quadros e Karnopp (2004) apontam ainda que a característica de arbitrariedade das línguas não se restringe à ligação entre forma e sig- nificado, mas aplica-se também à estrutura gramatical das línguas, pois elas diferem umas das outras. Isso pode ser constatado na dificuldade em aprender uma língua estrangeira, pois é um sistema distinto do que estamos habituados a usar. Toda língua falada inclui segmentos sonoros discretos, como “p”, “n”, ou “a”, os quais podem ser definidos por um conjunto de propriedades ou traços. Toda língua falada tem uma classe de vogais e uma classe de consoantes. Línguas de sinais apresentam segmentos discretos na composição dos sinais. As línguas orais apresentam segmentos sonoros discretos, por exemplo, os sons de “f ”, “g”, “d”, “o” e “a” não têm um significado expresso; porém, quando os combinamos de diferentes maneiras, pode- mos encontrar significados. É o caso, por exemplo, das palavras “fogo”, “dado”, “gado” e “fado”. Em línguas sinalizadas, igualmente, encontramos segmentos dis- cretos na composição dos sinais. Isso significa que existe uma gama de unidades que são semelhantes, mas que cada fonema, normalmente, não tem significado quando está isolado, ganhando-o quando é combi- nado com outras unidades mínimas. Tal organização de língua em duas camadas, camada de sons que se combinam e camadas de unidades maiores, expressa a característica de dualidade ou dupla articulação comum às línguas orais e sinalizadas.Na figura a seguir, a configuração de mão não quer dizer nada, mas, colocada no queixo e com a realização de um movimento reto para baixo, ganha o significado de homem. Capítulo 1 Língua Brasileira de Sinais – Libras 35 Homem Universais semânticos, como fêmea ou macho, são encontrados em todas as línguas. Há, ainda, outra característica encontrada em línguas orais que se manifestam também nas línguas sinalizadas: a descontinuidade. Tal fenômeno está em oposição à variação contínua, isso significa que as palavras podem diferir de maneira mínima na forma, mas apresentam diferença considerável no significado. É o caso das pa- lavras “menina” e “menino”, que são escritas e faladas de maneiras diferentes. Em Libras, os sinais de menina e menino também são produzidos de forma diferentes. Todas as línguas possuem formas para indicar tempo passado, ne- gação, pergunta, comando, etc. Todas as línguas apresentam cate- gorias gramaticais (exemplo: substantivo, verbo). As línguas não se fixam apenas nos parâmetros fonológicos, pois tanto línguas orais quanto sinalizadas apresentam categorias grama- ticais (substantivo, verbo e outros), bem como universais semânticos como a distinção fêmea/macho. No concernente à sintaxe, sabemos que tanto as línguas orais quanto as de sinais podem fazer referência ao passado, presente e fu- turo, a realidades remotas ou, ainda, a coisas que não existem e que os falantes de todas as línguas são capazes de produzir e compreender em um conjunto infinito de sentenças. Língua Brasileira de Sinais – Libras FAEL 36 Quadros e Karnopp (2004) apontam que essa flexibilidade e ver- satilidade é uma característica comum a todas as línguas, pois po- demos usar a língua para dar vazão às emoções e sentimentos, para fazer solicitações, para fazer ameaças, promessas, ordens, perguntas ou afirmações. Todas as línguas humanas utilizam um conjunto finito de sons discretos (ou gestos) que são combinados para formar ele- mentos significativos ou palavras, os quais, por sua vez, formam um conjunto infinito de sentenças possíveis. Todas as gramáticas contêm regras de um tipo semelhante para formação de palavras e sentenças. A criatividade e a produtividade são apontadas por Quadros e Karnopp (2004) como propriedades que possibilitam a construção e a interpretação de novos enunciados. Todos os sistemas linguísticos têm a possibilidade de construção e compreensão de um número in- finito de enunciados, sendo assim, os falantes têm a liberdade de agir criativamente. Falantes de todas as línguas são capazes de produzir e com- preender um conjunto infinito de sentenças. Universais sintáticos revelam que toda língua possui meios de formar sentenças. Assim, revela-se a criatividade que o falante tem para inventar no- vas palavras e de ter um estilo próprio de fala. Isso ocorre com a Libras, pois, mesmo cada país adotando uma língua de sinais própria, não é possível estabelecer uma homogeneidade linguística por todo seu ter- ritório nacional. Sempre que houver a reunião de um grupo de sinali- zadores, haverá abertura para criação de novos falares ou modificação nos falares produzidos, e todos esses novos modos serão carregados de peculiaridades da região onde o grupo está localizado. Esses modos distintos na fala de cada região são os chamados dia- letos, que existem não só na Libras, mas em todas as línguas de sinais e orais, como ocorre com o português, por exemplo, nas palavras ma- caxeira, aipim e mandioca, que se prestam a designar a mesma coisa. Vejamos um exemplo do regionalismo da Libras nas imagens a seguir. Trata-se de três sinais diferentes que se referem à palavra “verde”, nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba, respectivamente. Capítulo 1 Língua Brasileira de Sinais – Libras 37 Fonte: imagens adaptadas de Strobel e Fernandes (1998). Podemos, assim, perceber que a Libras é bastante complexa em sua estrutura gramatical e que, por meio dela, é possível conversar sobre diversos assuntos, inclusive utilizar-se de diferentes estilos de fala em variadas ocasiões. Então, o modo de sinalizar é diferente se o interlocutor for uma autoridade ou se forem colegas na rua, e esses diferentes registros discursivos são manifestados por meio da velo- cidade dos movimentos e do espaço utilizado para sinalização. Se o surdo quer ser bastante formal em sua fala, provavelmente usará o espaço a frente do seu corpo com certo limite. O espaço para sina- lização se inicia acima do quadril, vai até a cabeça e não se estende muito para os lados. Porém, se o contexto de fala é informal, ele sina- lizará com muita expressão facial, com os braços bastante alargados e, provavelmente, vocalizará alguns sons. Dessa forma, podemos ver como é possível o falante de Libras transitar entre diferentes estilos discursivos. Quando os ouvintes veem os surdos conversando, na grande maio- ria, têm a impressão de que eles estão brigando, pois sinalizam mui- to rápido e têm bastante expressividade. O fato é que os surdos estão tendo uma conversa como outra qualquer. Essa impressão equivocada ocorre porque as pessoas não sinalizantes deixam de considerar que, quando estamos conversando, também falamos muito rápido, fato que ocorre da mesma forma com o surdo. Língua Brasileira de Sinais – Libras FAEL 38 Ao articular os fonemas da nossa língua portuguesa – um após o outro –, não nos damos conta de que são produzidos juntos, ou seja, todas as palavras se ligam entre si na constituição da frase e do discurso. Assim também acontece na comunicação em Libras. Os surdos sina- lizam rapidamente um sinal após o outro, sem significar uma briga, mas uma fala normal. Além disso, quando nós estamos em contextos informais, também falamos muito alto e somos extravagantes. Os sur- dos igualmente agem assim. Ampliam os movimentos dos sinais, tem o espaço de sinalização bastante elevado e produzem muita expressão facial. No entanto, isso não denota agressividade ou briga por parte deles, mas o “tom” elevado da fala. Esse dado reitera que a Libras é uma língua que, inclusive, contém marcas de formalidade e de informalidade, pois tem tanta completude que possibilita ao falante fazer escolhas diferenciadas de sinais, de acor- do com os tipos de situações experimentadas. Qualquer criança, nascida em qualquer lugar do mundo, de qual- quer origem racial, geográfica, social ou econômica, for capaz de aprender qualquer língua à qual for exposta. Um fenômeno elucidativo sobre esse assunto é quando as crian- ças surdas estão aprendendo a Libras. Inicialmente, elas aprendem as unidades mínimas de maneira isolada, como fazem as crianças ou- vintes, que começam a balbuciar “aaaaa”, depois “babababa”, até for- mar palavras completas. Isso também ocorre com as crianças surdas. Tomamos como exemplo uma criança que, quando está com dois anos e em diálogo com a mãe, começa a aprender o sinal de sorrir (conforme figura a seguir). A mãe ensina, inconscientemente, cada um dos três parâmetros – que são a configuração de mão, a locali- zação e o movimento –, e a criança imita corretamente a localização e o movimento, porém, não consegue reproduzir da mesma forma a configuração de mão. A mãe age com um input favorável, fazendo a intervenção devida. Toca no filho e ajeita sua mão para que realize o sinal de forma correta. A criança gosta do sinal, sorri quando a mãe a repreende pelo mau jeito na realização do sinal, mas tem dificuldade para fazer a configuração apresentada. Solicita à mãe, por várias ve- Capítulo 1 Língua Brasileira de Sinais – Libras 39 zes, para que a auxilie, até que aprende os três parâmetros e consegue realizar com precisão o sinal de sorrir. Esse jogo discursivo, além de mostrar a importância do adulto no contexto de aquisição da linguagem, da qualidade do input e outros, nos aponta para uma característica das línguas humanas, presente, igualmente, na Libras: a regularidade. Conforme já apresentamos, as línguas humanas– e, portanto, a Libras também – têm parâmetros de realização que não podem ser alterados para sua efetiva comunicação. Assim, há exigência de que os elementos fonológicos sejam adequada- mente produzidos na realização dos sinais. Da teoria para a prática Para aderir à ideia da diversidade linguística em sala de aula, o professor pode colar cartazes pela sala com o alfabeto manual e com os números. Então, pode colocar algumas perguntas no quadro e pro- mover que dois alunos participem: um pergunta e o outro responde, utilizando as letras manuais. Perguntas: ● Qual é o seu nome? ● Qual é o seu sobrenome? Língua Brasileira de Sinais – Libras FAEL 40 ● Quantos anos você tem? ● Qual é o nome da sua rua? ● Qual é o nome do seu bairro? ● Qual é o nome da cidade em que você mora? ● Qual o nome da sua mãe? ● Qual a idade da sua mãe? ● Qual o nome do seu pai? ● Qual a idade do seu pai? ● Qual o nome dos seus irmãos? Síntese Neste capítulo, tratamos de definições preliminares relacionadas à Libras e apresentamos ao leitor a fase histórica pela qual a sociedade está passando, a chamada inclusão. Explicamos que, nessa fase, os paradig- mas sobre a pessoa surda e sua língua passaram por reformas não só no que se refere à terminologia – surdo e Libras –, mas na forma de rela- cionamento com essa nova realidade. Muito mais do que saber a forma de tratamento dessas questões, é preciso que haja um desprendimento para aprender a se comunicar e se relacionar com os surdos. Isso pode se dar por meio do alfabeto manual, dos empréstimos linguísticos, de um jeito mais informal ou por meio de leituras e pesquisas linguísticas. Nesses termos, percorremos com o leitor o mesmo percurso adota- do no processo de valoração da Libras, pois, para que houvesse todo o reconhecimento social e acadêmico que hoje existe quanto ao status dessa língua, foi preciso muito esforço para desmontar os mitos que havia, assim como foi preciso arrolar alguns pressupostos universais na análise dessa modalidade expressiva. Atualmente, os surdos foram brindados com a ofi- cialização da sua língua por determinação legal. Dessa forma, as pesquisas não mais se prestam a “comprovar” que a Libras é uma língua, mas já podem focar em conhecer o comportamento de uma língua espaço-visual e tecer análise gramatical sobre ela, o que faremos no próximo capítulo. Capítulo 1 Língua Brasileira de Sinais – Libras 41 Glossário Input É o sinônimo para estímulo linguístico, ou seja, todas as influências verbais que são dadas às crianças quando estão aprendendo a falar. Output É a forma como a criança expressa o input que recebeu, é o que ela consegue falar. Pidgin É um sistema de comunicação precário. É uma língua emergencial, porque aparece em situações extremas de barreiras à comunicação (MCCLEARY, 2008, p. 21). 43 Todo sistema linguístico é organizado em níveis de análise, sen- do os principais: o fonológico, que se ocupa em estudar as unidades mínimas da composição das palavras; o morfológico, que se ocupa com as escolhas das palavras; o sintático, que se ocupa em organizar as pala- vras na frase; o semântico, que busca a relação das palavras e o sentido que elas têm. Neste capítulo, apresentaremos esses aspectos linguísticos relacionados à Libras. Aspectos fonológicos É no nível fonológico que se encontram as considerações acerca dos fonemas – conceituados como unidades mínimas do som. Nesse sentido, não caberiam considerações fonológicas para a Libras, já que ela é uma língua espaço-visual que não tem som. Para resolver tal impasse, Stokoe empregou a terminologia “querema”, em vez de “fonema”, para o estudo das unidades mínimas da língua de sinais. Porém, atualmente, os pes- quisadores de língua de sinais abandonaram esse termo, por entender o apontamento de Saussure (1970) quanto a isso. Para o pai da linguística, a forma do significante refere-se a uma imagem acústica convencional, abstraída de realizações fonéticas concretas e infinitamente variáveis, de- finição que torna o conceito suficientemente abstrato para abranger não apenas representações psíquicas de sons, mas também de gestos (LEITE, 2008). Assim, quando nos referirmos aos fonemas, fazemos menção às unidades mínimas que compõem a língua. Além dos fonemas, as línguas naturais também são compostas por morfemas e palavras, articulações que norteiam a dupla articulação apontada por Martinet (1978). Esse linguista diz que todas as línguas humanas possuem dupla articulação. Por dupla articulação entende- mos um plano de conteúdos (composto por morfemas e palavras) e um Estrutura gramatical da Libras 2 Língua Brasileira de Sinais – Libras FAEL 44 plano isento de conteúdos (composto por fonemas). É bom lembrar que ambas as articulações são restritas nas línguas naturais, mas que sua combinação pode originar um número irrestrito de possibilidades signi- ficativas. Como a Libras é uma língua natural, também é composta pela dupla articulação. Podemos constatar tal fenômeno, segundo Leite (2008), por meio da junção das articulações dos fonemas. Limitando-nos inicialmente à segunda articulação – fonemas –, vemos que Stokoe (1960) propôs três componentes da estrutura interna dos sinais: configuração de mão (CM), localização (L) e movimento (M). Isoladamente, esses parâme- tros não têm conteúdo significativo (capaz de compor significação), porém, quando os unimos, podemos formar conteúdos irrestritos. Ônibus Configuração de mão Movimento Localização O mesmo fenômeno ocorre com os sinais avião e carro. Carro Configuração de mão Movimento Localização Capítulo 2 Língua Brasileira de Sinais – Libras 45 Avião Configuração de mão Movimento Localização Mesmo percebendo que, isoladamente, os parâmetros não trans- mitem significado, analisaremos cada um deles em sua composição, a fim de entendermos melhor a formação dos sinais. Configuração de mão O primeiro parâmetro refere-se à forma que a mão assume na rea- lização do sinal. Algumas das configurações de mão correspondem às letras do alfabeto manual, mas não se restringem a elas. O quadro de Brito (1995) registra 46 configurações de mão diferentes. Quadros e Karnopp (2004), por sua vez, apontam que essas con- figurações de mão são representações do sistema fonético da língua, considerando a inexistência de identificação quanto às configurações de mão básicas e às configurações de mão variantes. Já em Felipe (2005), conforme podemos verificar na figura a seguir, existem 64 configurações de mão. Estas podem dar origem a sinais da Libras se forem produzidas apenas com uma mão, com as duas mãos realizando configurações de mão diferentes ou, ainda, com as duas mãos, mas ambas com configurações de mão iguais. Língua Brasileira de Sinais – Libras FAEL 46 Figura As 64 configurações de mão da Libras. Fonte: adaptado de Felipe (2005). A fim de elucidarmos as possibilidades de formação de sinal a par- tir da configuração de mão, expomos alguns exemplos a seguir. Configuração de mão com apenas uma mão: é o tipo de sinal que pode ser produzido com qualquer uma das mãos, pois o seu senti- do não será alterado. Capítulo 2 Língua Brasileira de Sinais – Libras 47 Aluno Professor Lápis Caneta Cola Tesoura Língua Brasileira de Sinais – Libras FAEL 48 Vestibular ou Português Ciências História Uniforme Educação Capítulo 2 Língua Brasileira de Sinais – Libras 49 Duas configurações de mão diferentes. Curso Pós-graduação Mestrado Educação artística Estudos sociais Intervalo Língua Brasileira de Sinais – Libras FAEL 50 Redação Apontador Atendo-nos ao sinal da palavra curso, vemos que nesse tipo de construção a primeira configuração de mão é a base que se forma em b, e a mão ativa se forma em c. Em outros casos parecidos com esse, outras configurações de mão poderão ser realizadas, mas a ordem de predominância será mantida, ou seja, uma mão será a base e a outra ativará o movimento.Sobre a realização de um sinal que contém duas configurações de mão diferentes e que realiza movimentos apenas com uma das mãos, encontramos em Battison (1974) duas restrições, que limitam consi- deravelmente as possibilidades articulatórias dos sinais. A primeira é a condição de dominância e a segunda é a condição de simetria. Por condição de dominância, o autor entende a ocorrência de sinais nos quais uma das mãos assume o papel ativo e a outra, um papel passivo. A mão passiva, nesse caso, serve de base, de apoio para a realização do movimento da mão ativa. Antes de falarmos sobre a condição de simetria, vejamos a realização de um sinal com as duas configurações de mão iguais. Duas configurações de mão iguais: sinais dessa natureza são for- mados por duas configurações de mão iguais. É o caso dos sinais apre- sentados a seguir, que se realizam com ambas as mãos moldando-se com a mesma configuração de mão e com a realização de um movimen- to simultâneo e simétrico. Capítulo 2 Língua Brasileira de Sinais – Libras 51 Sala Geografia Caderno Régua Mochila Prova Língua Brasileira de Sinais – Libras FAEL 52 Matemática Educação física Química Nota 1 2 Dividir Multiplicar Capítulo 2 Língua Brasileira de Sinais – Libras 53 Retomando as restrições articulatórias de Battison (1974), temos que, em casos de sinais como os que mostramos, em que as duas mãos estão ativas e realizam o mesmo movimento, há a condição de simetria estabelecida. Locação O segundo parâmetro refere-se ao espaço em que o sinal será reali- zado, podendo ser no próprio corpo do sinalizador ou no espaço neutro (espaço “vazio” à frente do corpo do sinalizador, precisamente entre a cabeça e o quadril), conforme mostram as imagens a seguir. Sinalização no espaço neutro: Tartaruga Hipopótamo Foca Mosca Língua Brasileira de Sinais – Libras FAEL 54 Urso Jacaré Peixe Borboleta Há, conforme Brito (1995), três pontos principais de locação, a saber: cabeça, tronco e mão. Dentro desses pontos estão as subdivisões, tais como os exemplos que seguem. Subdivisões dos principais pontos de locação: Macaco Sinal com locação na cabeça Boi Sinal com locação na testa Capítulo 2 Língua Brasileira de Sinais – Libras 55 Galinha Sinal com locação no rosto Rato 1 2 Sinal com locação na bochecha Papagaio Sinal com locação no queixo Pato Sinal com locação na boca Cobra Sinal com locação no pescoço Coruja Sinal com locação nos olhos Língua Brasileira de Sinais – Libras FAEL 56 Porco Sinal com locação no nariz Sapo Sinal com locação no braço Dinossauro Sinal com locação na mão Zebra 1 2 Sinal com locação no tronco Movimento Movimento, o terceiro – e principal – parâmetro, é bastante com- plexo, considerando sua vastidão de possibilidades. Em Strobel e Fer- nandes (1998), vemos que os movimentos podem ser do tipo sinuoso, semicircular, circular, retilíneo, helicoidal e angular, sendo possível pro- duzi-los de forma unidirecional, bidirecional ou multidirecional. Além disso, eles podem ser produzidos com diferentes tensões, velocidades e frequências. Apresentamos a seguir alguns exemplos de sinais produzi- dos com diferentes tipos de movimento. Capítulo 2 Língua Brasileira de Sinais – Libras 57 Espelho Movimento sinuoso Telhado 1 2 Movimento sinuoso Xícara Movimento semicircular Porta 2 1 Movimento semicircular Jardim 2 1 Movimento circular Língua Brasileira de Sinais – Libras FAEL 58 Cerca 1 2 Movimento retilíneo Liquidificador Movimento helicoidal Eletricidade Movimento angular Capítulo 2 Língua Brasileira de Sinais – Libras 59 Os três parâmetros, quando associados, podem formar muitos sinais da Libras e, às vezes, esses sinais se distinguem pela alteração apenas em um dos parâmetros. Nesses casos, ocorre um fenômeno presente também nas línguas orais: os pares mínimos. No português, os chamados pares míni- mos podem ser exemplificados pelas palavras faca e vaca, em que há ape- nas uma sutil diferença na pronúncia dos fonemas f e v. Na Libras, temos muitos casos como esses. Citemos alguns: Laranja/sábado Aprender Cantar Comunicar Além desses parâmetros, destacamos a orientação de mão e as ex- pressões não manuais. A orientação de mão é a direção que a palma da mão assume na realização do sinal. A palma da mão pode estar voltada para cima, para baixo ou para o corpo de quem sinaliza, para fora, para Língua Brasileira de Sinais – Libras FAEL 60 a esquerda e para a direita. Apresentamos a seguir alguns exemplos de sinais produzidos com diferentes orientações para o sinal de ir. Ir da direita para a esquerda Ir da esquerda para a direita Ir de trás para frente Ir de frente para trás As expressões não manuais, conforme Quadros e Karnopp (2004), referem-se às expressões faciais e aos movimentos do corpo produzidos durante a realização do sinal. Esses movimentos também podem ser reali- zados isoladamente para marcar construções sintáticas – marcar sentenças interrogativas; relativas; concordância; tópico e foco; referência específica; referência pronominal; negação; advérbios; grau ou aspecto, bem como para marcar afetividades, assim como ocorre nas línguas naturais. As ex- pressões faciais não são recursos adicionais ou dispensáveis na Libras, mas, sim, obrigatórias nas construções sintáticas. A seguir, temos exemplos de sinais isolados com expressão facial, já que neste momento não abordare- mos a construção das frases. Capítulo 2 Língua Brasileira de Sinais – Libras 61 Bravo Triste Feliz Cansado Bondoso Humilde ou Língua Brasileira de Sinais – Libras FAEL 62 Esquisito Tímido Calmo Inocente ou Doido Esnobe Capítulo 2 Língua Brasileira de Sinais – Libras 63 Vaidoso Chato Chorão Tarado Podemos perceber que a realização desses sinais fica condiciona- da ao uso das expressões faciais, até por uma questão de coerência, pois não seria muito lógico produzir o sinal de triste com um sorriso no rosto ou, então, o sinal de feliz com uma expressão de cansaço e tristeza. Certamente, nosso interlocutor questionaria nossa produ- ção e precisaríamos definir qual a mensagem a ser transmitida: a do rosto ou a das mãos. Isso porque há sinais produzidos apenas com a expressão facial, com a dispensa de qualquer realização manual. Na Libras, há dois tipos de expressões faciais: as que se prestam a marcar argumentos gramaticais e as que são de cunho afetivo. Neste texto, abordaremos apenas o primeiro tipo e, como exemplo, vejamos os sinais de roubar e sexo: Língua Brasileira de Sinais – Libras FAEL 64 Roubar Sexo A seguir veremos algumas considerações teóricas quanto à morfo- logia e à sintaxe da Libras. Aspectos morfológicos da Libras Se estivermos entendendo que o nível morfológico é aquele que compreende o trabalho de seleção das palavras, faz-se necessário, pri- meiramente, definir o que entendemos por palavra. Segundo Sandalo (2001, p. 183), “palavra é a unidade mínima que pode ocorrer livre- mente em várias posições sintáticas”. Entretanto, dentro das palavras, há elementos que carregam sig- nificado. Esses elementos, chamados de morfemas, é que são as unida- des mínimas da morfologia (SANDALO, 2001). Na Libras, conforme Felipe (1998), os parâmetros fonológicos também podem ser compa- rados a morfemas, pois, às vezes, eles apresentam significado isolada- mente. Assim como ocorre com o português, os fonemas podem ter a natureza de um morfema, por exemplo, os fonemas /a/ e /o/ podem ser artigos ou desinências de gênero, assim como o fonema /s/ pode indicar o plural. Do mesmo modo, na Libras, determinada configuração de mão, por exemplo, pode constituir um morfema. A seguir ilustramos alguns sinais que podem ser considerados morfemas. Capítulo 2 Língua Brasileira de Sinais – Libras 65 Dois meses Três meses Quatro meses Um dia Dois dias Três dias Língua Brasileira de Sinais – Libras FAEL 66 Uma semana Duas semanas Três semanasVemos que, nesses sinais, as configurações de mão carregam o significado do numeral. Nesse caso, elas constituem um morfema pre- so, ou seja, não podem ocorrer isoladamente, mas somente com os morfemas que indicam os meses, os dias e as semanas (QUADROS; KARNOPP, 2004). Em alguns sinais, no entanto, os parâmetros – isoladamente – não constituem morfemas, mas, quando articulados juntos, resultam em uma unidade com significado. Os sinais reproduzidos na sequência são exemplos de que a articulação conjunta de cada um dos parâmetros é que forma o significado. Capítulo 2 Língua Brasileira de Sinais – Libras 67 Ontem Hoje Amanhã Passado Futuro Ano Língua Brasileira de Sinais – Libras FAEL 68 Percebemos que a configuração de mão, o movimento, a loca- ção e a orientação constituem um único morfema, nesse caso, um morfema livre. Ainda, de acordo com Brito (1995), há na Libras morfemas lexicais (o sinal de sentar, por exemplo) e morfemas gra- maticais (movimento). Dadas as primeiras definições, passemos às considerações dos pro- cessos de formação e classificação de palavra (BRITO, 1995; FELIPE, 1998; LEITE, 2008; QUADROS; KARNOPP, 2004). Um dos pro- cessos de formação de palavras acontece por meio da incorporação de numeral e de negação. No caso da incorporação de numeral, a con- figuração de mão que representa o numeral se combina com outro morfema preso para formar um sinal, em que apenas a configuração de mão se modifica. Como já discutimos acerca desse ponto quando exploramos a constituição de sinais que representam morfemas, passe- mos à discussão da incorporação da negação. Nesse processo, um dos parâmetros do sinal é alterado, em espe- cial o parâmetro do movimento. Em alguns casos, altera-se somente a expressão facial do sinalizador. A seguir, podemos ver o contraste entre os sinais dos verbos e a formação de palavras de negação, via alteração de movimento e via alteração da expressão facial. Ter Não ter Parâmetro movimento alterado Capítulo 2 Língua Brasileira de Sinais – Libras 69 Saber 1 2 Não saber Parâmetro movimento alterado Gostar Não gostar Parâmetro movimento alterado Querer Não querer Parâmetro movimento alterado Língua Brasileira de Sinais – Libras FAEL 70 Poder Não poder Parâmetro configuração de mão alterado Conhecer Não conhecer Parâmetro expressão facial alterado Entender Não entender Parâmetro expressão facial alterado Capítulo 2 Língua Brasileira de Sinais – Libras 71 Precisar Não precisar Parâmetro expressão facial alterado Aceitar Não aceitar Parâmetro expressão facial alterado Além desses processos morfológicos que caracterizam a formação de palavras, a negação também pode ser formada pela adjunção do sinal não ao respectivo sinal, conforme os exemplos a seguir: Não responder Língua Brasileira de Sinais – Libras FAEL 72 Não sofrer Não terminar Não resolver Há, ainda, outro processo morfológico que acontece pela com- binação de dois morfemas lexicais, resultando em uma composição. Vejamos nos exemplos a seguir que um sinal pode ser formado por dois sinais independentes que se unem para formar uma palavra composta. Casa + cruz = igreja Casa + estudar = escola Capítulo 2 Língua Brasileira de Sinais – Libras 73 Casa + carne = açougue 1 2 Casa + pão = padaria Boi + leite = vaca 1 2 Cavalo + listras = zebra 1 2 Mulher + cruz = enfermeira Mulher + benção = mãe 2 1 Língua Brasileira de Sinais – Libras FAEL 74 Homem + benção = pai Espaço redondo + lavar corpo = banheira 22 1 O mesmo processo morfológico ocorre em relação à formação de palavras que denotem gêneros, por meio da combinação de dois morfe- mas lexicais, um que se refere ao elemento morfológico neutro e outro que se refere à marcação de gênero. Isso significa que, na Libras, o gê- nero é dado pelo processo de composição morfológica. Homem + cunhado(a) = cunhado 2 1 Mulher + cunhado(a) = cunhada 2 1 Homem + sogro(a) = sogro 2 1 Mulher + sogro(a) = sogra 2 1 Capítulo 2 Língua Brasileira de Sinais – Libras 75 Homem + primo(a) = primo 1 2 Mulher + primo(a) = prima 1 2 Homem + tio(a) = tio Mulher + tio(a) = tia Língua Brasileira de Sinais – Libras FAEL 76 Homem + irmão(ã) = irmão Mulher + irmão(ã) = irmã Homem + sobrinho(a) = sobrinho Mulher + sobrinho(a) = sobrinha Capítulo 2 Língua Brasileira de Sinais – Libras 77 Não obstante, a formação de palavras que denotam categorias tam- bém passa pelo processo de composição, conforme exemplos a seguir. Maçã + vários = frutas 1 2 Alface + vários = verduras 1 2 Arroz + vários = cereais 2 1 Leão + vários = animais Batata + vários = legumes Língua Brasileira de Sinais – Libras FAEL 78 Com relação à classificação das palavras, o que sabemos é que um nome pode derivar de um verbo por meio da repetição e do encurta- mento do movimento do verbo, como é o caso destes sinais: Telefone Telefonar O sinal de telefone é produzido com a configuração de mão em y (mão fechada, dedos mínimo e polegar abertos), na locação perto da orelha e com movimentos curtos, leves e repetitivos na direção do espa- ço a frente do corpo do sinalizador. O sinal de telefonar tem a mesma configuração de mão e a mesma locação, mas o movimento é mais alon- gado, firme e único. Se o movimento for alongado, firme e feito mais de uma vez, pode dar a ideia de telefonar várias vezes. Da mesma forma se configuram estes outros sinais, que diferem sua classificação nominal ou verbal pela alteração do parâmetro movimento: Cadeira Sentar Capítulo 2 Língua Brasileira de Sinais – Libras 79 Comida Comer Pente Pentear Foto Fotografar Língua Brasileira de Sinais – Libras FAEL 80 Casa Morar Bebida Beber Ainda com relação aos verbos da Libras, destacamos neste mo- mento três tipos deles: os verbos simples, os verbos manuais e os classificadores. Esses verbos não são produzidos por processo de fle- xão, os que se enquadram nessa categoria serão abordados na próxi- ma seção. A seguir, ilustramos alguns verbos simples da Libras. Consti- tuir-se como um verbo simples significa que, independentemente da construção da frase, os parâmetros fonológicos que compõem o sinal serão mantidos, processo distinto do que ocorre com os verbos vistos na seção sobre flexão. Capítulo 2 Língua Brasileira de Sinais – Libras 81 Quebrar Rir Sentir Sujar Trabalhar Viver Língua Brasileira de Sinais – Libras FAEL 82 Sonhar ou Gritar Trair Tentar Ouvir Opinar Capítulo 2 Língua Brasileira de Sinais – Libras 83 Roubar Salvar/apoiar Morrer Preocupar A maioria desses verbos é produzida nas partes do corpo do sina- lizador, pois essas partes são o lugar de localização do sinal. Ainda que seja para se referir a outra pessoa do discurso, o verbo será produzido do mesmo modo, na mesma localização, com a mesma configuração de mão e com a mesma orientação. Com relação aos verbos manuais, apontamos que são aqueles que se configuram pela incorporação do objeto a que se referem. Eles podem ser considerados icônicos pela representação da realidade. Al- guns exemplos: Língua Brasileira de Sinais – Libras FAEL 84 Abrir (o pote) Cozinhar Mendigar Limpar (janela) Costurar Escrever Capítulo 2 Língua Brasileira de Sinais – Libras 85 Cortar (com tesoura) Dormir Lavar (a roupa) Os classificadores são aqueles verbos que têm sua configuração de mão inicial (sinal raiz) alterada por influência da semântica, do léxico ou da sintaxe. Assim, apresentamos a seguir o sinal raiz de alguns verbos e o sinal classificador, com o parâmetro configuração de mão alterado. Verbo cair Originalmente, esse sinal remete à ideia da ação que ocorre com uma pessoa. Isso é perceptível pela con- figuração em v, que representa “as pernas” de alguém e o movimento de ir ao chão. Classificador do verbo cair (papéis) Se for preciso referir-se à mesma ação de cair, porém não com a ideia