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QUANTIFICADORES UNIVERSAIS E A TEMPERANÇA

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QUANTIFICADORES UNIVERSAIS E A TEMPERANÇA 
 
Não raras vezes testemunhamos falas ou afirmações como “... todo político é ...”, “... isso 
sempre acontece assim.”, “... todos são...”, “... ninguém é ...”. Especialmente nestes tempos de 
fortes polarizações, seja na área política, econômica, religiosa ou mesmo em questões 
esportivas como o futebol percebe-se uma forte tendência a falta de temperança. Verifica-se 
desde autoridades de toda sorte, civis, militares ou religiosas, professores, pesquisadores todos 
importantes formadores de opinião, enfim, tendendo fortemente a caminhar para os extremos. 
Observam-se em eleições por vários países do mundo a vitória de líderes populistas calcadas 
em afirmações bombásticas sem grande sustentação nos fatos, porém, com apelo a sentimentos 
extremos e cheios de ódio. Certamente o mundo está se afastando da máxima proposta por 
Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.), “In medio stat virtus”, ou a “virtude está no meio”. 
Cumpre também esclarecer, já que o objeto de estudo é a lógica proposta por Aristóteles, 
que há que conhecer especificamente os significados das palavras que serão usadas de forma 
a evitar mal entendidos. Algumas palavras ganham conotações bastante distantes e raivosas de 
seu significado dicionarial, normalmente chamado de significado denotativo. Portanto, neste 
sentido, quando se mencionar “extremo” podemos imaginar as extremidades de uma linha reta. 
A temperança será entendida como a busca do ponto central desta linha reta. Já a palavra 
“radical”, como a sua origem etnológica sugere, está associada àquela coisa profunda, que vai 
às raízes da questão e será entendida como o contrário de superficial. 
Isto posto, este texto propõe a análise de algumas falas e textos colhidos na imprensa 
ou mesmo em leis que podem ensejar erros lógicos, uma vez que, sejam facilmente refutados 
através da negação de quantificadores universais. Não é objetivo deste texto influenciar o aluno 
nesta ou naquela linha de pensamento ideológico, mas sim, desenvolver e exercitar a capacidade 
de entender e criticar falas ou textos à luz da lógica aristotélica bivalente. 
Na Declaração Universal de Direitos Humanos o seu artigo I está escrito com estas 
palavras: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados 
de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.” O 
quantificador universal garante que os direitos e deveres ali assentados alcancem toda a 
humanidade. Não há ressalvas. O artigo II também usa o quantificador como se pode verificar: 
“Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta 
Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião 
política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra 
condição.” 
Recentemente em março de 2019 o Ministro Paulo Guedes declarou nos Estados Unidos 
e na Câmara dos Deputados em Brasília que “O Brasil foi governado 30 anos pela esquerda”. 
Neste caso, não se verifica a presença de qualquer quantificador, porém, a afirmação pode ser 
substituída sem prejuízo de sua interpretação pela seguinte proposição: “Todos os governantes 
do Brasil nos últimos 30 anos eram da esquerda”. 
O presidente Lula em 26 de junho de 2009, ao lado do primeiro-ministro britânico, 
Gordon Brown, declarou: “Gente branca, loira, de olhos azuis” apontando os culpados pela crise 
econômica em 26 de junho de 2009. O primeiro-ministro o visitava em Brasília. Novamente não 
se lê explicitamente quantificador algum, mas foi bastante criticada na ocasião por ser 
discriminatória. Por outro lado, o uso dos quantificadores pode ser bastante confortável quando 
se que dar a generalização necessária e inequívoca para a proposição. Por exemplo, podemos 
afirmar sem medo de errar que “Todo número par é divisível por dois.” Ou ainda, “Todo número 
primo tem dois elementos no conjunto de seus divisores”. Esta última, generaliza 
elegantemente a definição de números primos eliminando a necessidade de se incluir a exceção 
do número um que obviamente não é primo. 
Como se pode verificar, os quantificadores são extremamente úteis, mas precisam ser 
usados com cuidado e parcimônia nas falas e textos, especialmente nos textos legais e 
científicos. A falta de cuidado pode ensejar gafes e erros que serão facilmente refutados e 
colocarão o autor em situações desconfortáveis ou mesmo em dificuldades. 
Não basta ter a informação. É importante poder checar, entender e criticá-la. 
 
REFERÊNCIAS: 
https://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/557617 em 26 de novembro de 2019 
TAS, Marcelo. Nunca antes na História deste País. 1ª edição. São Paulo: Panda, 2009 
https://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/557617

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