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4 - Genética dos Fungos 
 
 
 
 
Mario Henrique de Barros 
 
 
 
 
INTRODUÇÃO 
 
Neste capítulo será abordado, com maiores detalhes, aspectos da reprodução dos fungos que permitem a 
sua manipulação genética. Embora os fungos estejam evolutivamente distantes dos animais, a manipulação genética 
de fungos como Saccharomyces cerevisiae tem permitido enormes avanços no conhecimento das nossas próprias 
células. Ao longo dos últimos cinquenta anos outros fungos também ganharam enorme relevância na nossa 
compreensão de processos celulares fundamentais como o controle da divisão celular, a recombinação entre 
cromossomos e o consequente mapeamento de genes. Por exemplo, Neurospora crassa foi o primeiro fungo 
filamentoso empregado em pesquisas genéticas, e com ele foi possível desvendar a relação entre genes e enzimas, 
definindo o nascimento da Genética-Bioquímica. Os avanços obtidos com a tecnologia do DNA recombinante foram 
logos incorporados, principalmente em S. cerevisiae que se tornou o principal modelo para o estudo da célula 
eucariótica, utilizado em laboratórios por quase todos centros de pesquisa do mundo. Essa levedura também 
congrega interesses comerciais das mais diversas áreas pelo seu grande potencial biotecnológico, derivado 
principalmente da sua direta e fácil manipulação genética. 
 
CICLO SEXUAL 
 
A recombinação entre cromossomos parentais é o principal fator a definir o estudo genético de um dado 
organismo. Assim, o estudo genético dos fungos ditos Deuteromicetos, aqueles dos quais só se conhece a fase 
anamorfa (assexuada) é muito mais complicada que dos fungos Telomorfos. Ainda assim, algumas espécies de 
fungos, das quais só se conhece a forma assexuada, podem ser estimuladas a realizar trocas de cromossomos sem 
a necessidade de divisão meiótica, definindo o chamado ciclo parassexual. 
O ciclo sexuado pode ocorrer a partir de especializações celulares, ou de hifas, que leva a fusão de dois 
núcleos celulares pelas seguintes vias: 
1- Duas células morfologicamente idênticas mas de tipo sexual opostos se unem (ex. Saccharomyces cerevisiae) 
2- Fusão de células morfologicamente distintas como anterídios e ascogonios (com hifa tricógina, ex Neurospora 
crassa) 
3- Por espermatização: transferência somente do núcleo do gameta masculino e recepção pela célula feminina. (ex. 
Cronartium quercuum) 
4- Somatogamia: fusão de hifas somáticas indiferenciadas (ex. Chytriomyces hyalinus) 
Os organismos que apresentam ciclo sexuado podem ser ainda do tipo homotálicos, ou heterotálicos. Os 
homotálicos apresentam os dois tipos sexuais num mesmo talo (corpo ou micélio) enquanto os heterotálicos 
apresentam indivíduos com somente um tipo sexual, e para a formação da fusão sexual há a necessidade do 
encontro com um parceiro do outro tipo sexual. 
 
Ciclo sexual de Saccharomyces cerevisiae 
Se células de S. cerevisiae de tipo sexual oposto estiverem próximas, as células sentem o tipo oposto pela 
presença de feromônios liberados: o fator-a e o fator –. Ambos consistem de peptídeos sintetizados no citoplasma 
e secretados através de vias secretórias distintas, mas semelhantes às existentes em metazoários. Fator-a e fator- 
no meio são reconhecidos por proteínas receptoras existentes na membrana plasmática de leveduras. Assim, células 
do tipo “a” sintetizam os receptores Ste2p que reconhecem o fator- circundante, já células do tipo “a” expressam 
Ste3p que reconhecem o fator-a. Ste2p e Ste3p pertencem a classe de proteínas receptoras acopladas a proteína 
G, e é característico dessa classe de proteínas uma cascata de eventos de sinalização que resultam em respostas 
específicas ao sinal inicialmente percebido pela proteína receptora. Neste caso, ao reconhecer o ferômonio oposto ao 
seu tipo sexual, a célula começa a se preparar para a fusão sexual pela seguinte cadeia de eventos: interrupção do 
ciclo celular em G1, mudanças na composição da parede celular, alteração da morfologia, assumindo a forma 
denominada “shmoo”. O alongamento da forma, aliada a mudanças nos açúcares na ponta do “shmoo”, bem como a 
concentração de proteínas específicas no local, antecedem e favorecem o contato físico com a célula do tipo sexual 
oposto, que também passa por alterações semelhantes. Realizada a fusão celular segue-se a cariogamia. 
Por sua vez, o diplóide formado pela fusão dos dois núcleos haplóides é estável, mas pode sofrer meiose 
dependendo das condições de cultivo ou até mesmo pseudofilamentar em meio pobre em nitrogênio mas rico em 
carbono. Em laboratório o processo de divisão celular meiótica é estimulado por meio contendo acetato de potássio 
como fonte de carbono, gerando quatro novos haplóides , dois tipo “a” e dois tipo “”. 
 
Fig.4.1 Ciclo sexual de S. cerevisiae – Leveduras haplóides dos tipos sexuais “a” e “” se comunicam 
através de feromônios e iniciam o ciclo sexual que inclui a mudança de forma (shmoo) a fusão celular e 
formação do diplóide a/ 
 
 
 Na natureza S. cerevisiae comporta-se como um organismo homotálico, mudando o seu tipo sexual a cada 
divisão por brotamento. Isso ocorre pela expressão do gene HO que codifica uma endonuclease capaz de fazer a 
translocação entre os loci MAT silenciados e o locus MAT ativo a cada processo de replicação do DNA. Entretanto os 
estudos genéticos com esse organismo somente ganharam grande impulso com o desenvolvimento de cepas 
contendo o gene HO inativo e portanto heterotálicas cujo ciclo sexual se comporta exatamente conforme o esquema 
da figura acima, com indivíduos do tipo “a” e do tipo “” extremamente estáveis. Como toda célula eucariótica, o 
material genético de S. cerevisiae está organizado em cromossomos no interior do núcleo. Em termos quantitativos, 
apresenta 3,5 vezes mais DNA que Escherichia coli (13.500 kb) distribuídos em 16 cromossomos com tamanho 
variando entre 200 kb e 2.200, totalizando 6.183 genes. Seu DNA genômico possui poucos introns e sequências não 
codificantes, comparativamente a outros eucariotos. Em 1996 se tornou o primeiro eucarioto a ter seu genoma 
totalmente sequenciado. 
 
Ciclo sexual de Neurospora crassa 
 Diferentemente da levedura S. cerevisiae, N. crassa é um fungo filamentoso constituído por hifas 
segmentadas. Embora haja alternância entre fase diplóide e haplóide, esta última domina quase a totalidade do seu 
ciclo de vida, sendo a fase diplóide muito curta. Os indivíduos haplóides apresentam o tipo sexual “A”, ou o tipo 
oposto: “a” . Quando duas hifas de tipos opostos, ou mesmo conídios, se encontram, podem sofrer fusão, formando 
uma hifa contendo dois tipos distintos de núcleos, ou seja, um heterocário. A fusão dos núcleos da origem ao 
organismo diplóide que logo sofre meiose, formando um asco com quatro ascósporos que então se dividem 
mitoticamente originando um asco com oito ascósporos dispostos de forma linear em seu interior. A análise dos 
ascósporos ordenados em N. crassa permite o estudo das segregações mendelianas de marcas em heterozigose o 
que facilitou o mapeamento de genes ao longo dos cromossomos, como também a distância dos genes em relação 
ao centrômero, constituindo assim um organismo central nos livros de genética do século XX. Com o avanço da 
tecnologia de sequenciamento de DNA, o mapeamento de cromossomos por análise de ascósporos não é mais tão 
utilizado. O genoma de N. crassa foi desvendado em 2003, apresentando 10.000 genes espalhados em 40 
Megabases de DNA. 
 Neurospora crassa foi protagonista no lançamento da era da genética-bioquímica com os trabalhos de 
George W. Beadle e Edward L. Tatum sendo o primeiro trabalho envolvendo fungos a ganhar um prêmio nobel, isso 
em 1958. Beadle e Tatum utilizaram as caracterísiticas favoráveis do ciclo sexual de Neurospora para o isolamento 
de mutantes de Neurospora com deficiências bioquímicas específicas, como, por exemplo, na síntese de arginina. 
Seus trabalhos foram facilitados pela possibilidade de cultivo em meio mínimo no qual se podia adicionar, deforma 
independente, vitaminas ou aminoácidos, como a arginina (Figura 4.2). 
 Os pequisadores isolaram mutantes que não cresciam sem esse aminoácido, e como esses mutantes eram 
haplóides, do tipo “A” ou “a” podiam cruzá-los entre si, verificando em seguida se a progênie dos diplóides formados 
tinham ou não, restabelecido a capacidade de crescimento sem arginina. Em caso positivo, quando os 
recombinantes cresciam sem arginina, concluia-se que houve o restabelecimento da via biossintética da arginina, ou 
seja, houve complementação genética, e os mutantes iniciais eram de grupos de complementação diferentes. Por 
outro lado, quando a progênie dos diplóides formados ainda eram incapazes de crescer sem arginina, a conclusão 
era de que tratava-se de mutantes do mesmo grupo de complementação e as mesmas etapas enzimáticas estavam 
interrompidas nas linhagens haplóides 
 Fig.4.2 Experimento de mutagênse em Neurospora –Beadle e Tatum irradiaram cepas haplóides de N. 
crassa com luz UV, e graças a possibilidade de cultivo em meio seletivo, puderam selecionar mutantes 
deficientes específicos no metabolismo de um aminoácido essencial, a arginina. 
Beadle e Tatum isolaram através dos testes de complementação, três classes de mutantes que se 
caracterizavam pelo acúmulo, ou não, de um composto específico em seu citoplasma. Assim os mutantes da classe 
“A” acumulavam um precursor desconhecido, os mutantes da classe “B” acumulavam ornitina, e os mutantes da 
classe “C” citrulina. Num hipotético cruzamento entre indivíduos aB x Ab , no qual o gene “A” é responsável pela 
síntese de ornitina, e o gene “B” de citrulina, teríamos como progênie a alteração da proporção 9:3:3:1 da 2a lei de 
Mendel para 9:7, isto é, 9 que sintetizam arginina para cada 7 que não sintetizam, um caso de epistasia recessiva 
dupla. Neurospora crassa se encaixou como modelo nos experimentos de Beadle e Tatum por diversas 
características favoráveis, tais como: ciclo de vida com alternância entre gerações, haplóide e diplóide; facilidade de 
cruzamentos; possibilidade de cultivo com diferentes seleções; tempo de vida curto. Além disso, ajudaram a 
compreender as variações fenotípicas que colocavam em cheque a todo momento a 2a Lei de Mendel 
Ciclo sexual em Basidiomicetos 
 Enquanto nos zigomicetos e ascomicetos existem dois tipos sexuais, derivados da expressão dos genes 
Mat1 e Mat2 (Mat a e Mat em S. cerevisiae, ou Mat A e Mat a em N. crassa) em basidiomicetos pode-se encontrar 
espécies com quatro tipos sexuais também governados pelo locus MAT . Dois loci MAT A e MAT B , não ligados, 
devem diferir em seus alelos para que ocorra a reproduão sexual. Cada locus deve ter pelo menos dois alelos (em 
alguns casos há mais de 20 alelos para o tipo sexual), como no fitopatógeno Ustilago maydis. Digamos que MAT A 
esteja representado pelos alelos a1 e a2 e MAT B por b1 e b2, um indivíduo que seja a1b1 somente poderá cruzar e 
formar um diplóide com um indivíduo a2b2, excluindo-se assim a sua possibilidade de cruzamento com indivíduos 
a1b2 ou a2b1 . 
O sistema com quatro tipos sexuais existe em praticamente em metade das espécies de basidiomicetos, 
enquanto a outra metade apresenta o sistema com dois tipos sexuais. Entretanto, algumas dessas que apresentam 
dois tipos sexuais podem ter se originado da regressão do sistema de quatro tipos. Essa regressão parece ter 
ocorrido nos importantes patógenos humano do gênero Cryptococcus. Cryptococcus neoformans, por exemplo, 
existe como leveduras em brotamento em sua fase vegetativa e infecciosa, transitando para hifas na sua fase 
sexuada. Os indivíduos haplóides, tal como em S. cerevisiae, apresentam os tipos sexuais Mat a e Mat Em 
resposta aos feromônios dos tipos sexuais opostos as células de levedura passam por mudanças morfológicas, que 
incluem a formação de um tubo de conjugação até a fusão celular e a formação de uma hifa dicariótica. Por alguma 
razão ainda desconhecida, os isolados infecciosos de Cryptococcus neoformans são, em sua vasta maioria, do tipo 
sexual . 
Fig. 4.3 Esquema do ciclo sexual de Cryptococcus. Após a fusão de células "a" e "" o dicarion resultante 
inicia seu crescimento filamentoso. Na fase de desenvolvimento do basídio, os núcleos parentais se fundem 
gerando núcleo 2N queao entrar em meiose gera 4 núcleos (N) que ainda passam por mitoses para gerar 
cadeias de basidiósporos. 
 
 
 
CICLO PARASSEXUAL 
 
 
Em alguns fungos é possível encontrar recombinantes genéticos mesmo na ausência de um ciclo sexual típico, 
ou seja, contendo divisão meiótica. O ciclo parassexaul consiste da fusão de hifas e formação de heterocário 
contendo núcleos haplóides que eventualmente irão se fundir. Os diplóides heterozigotos formados perdem 
cromossomos parentais por aneuploidias sucessivas enquanto recombinantes mitóticos podem surgir ao longo 
dessas sucessivas divisões. Aneuploidias são conhecidos erros da divisão celular que resultam na não correta 
separação dos cromossomos durante o processo, resultando em células filhas com ganho, ou perda, de um dado 
cromossomo. 
 Portanto, no ciclo parassexual os recombinantes genéticos são oriundos de recombinações mitóticas. A 
descoberta do ciclo parassexual foi realizada através de estudos com Aspergillus nidulans no qual estudos de 
complementação nutricional entre indivíduos permitiu o isolamento de recombinantes que continham as marcas 
nutricionais desejadas sendo facilmente identificados por setoração da colônia fúngica. Assim, o ciclo parassexual 
acaba sendo uma alternativa para estudos genéticos dos muitos fungos cujo ciclo sexuado ainda não foi descrito, ou 
seja, os fungos anamorfos. 
Candida albicans também é passível de entrar no ciclo parassexual. C. albicans existe na natureza 
basicamente em sua forma diplóide (2N). A união de dois indivíduos seguido por cariogamia forma um tetraplóide 
(4N) que após sucessivas divisões mitóticas e eventuais aneuploidias restitui o número cromossômico para 2N sem a 
ocorrência de divisão meiótica. Na espécie humana as aneuploidias são reconhecidamente deletérias, as poucas que 
persistem até a idade adulta incluem a trissomia do cromossomo 21 (síndrome de Down) a falta de um cromossomo 
X (X0 – síndrome de Turner), e indivíduos XXY (síndrome de Kleinfelter). Em fungos as aneuploidias podem também 
ser deletérias a curto prazo, mas algumas podem representar uma vantagem seletiva a médio e longo prazo ao 
instituir novas recombinações que, por exemplo, levam a resistência a antifúngicos. 
 
Fig. 4.4 Esquema do ciclo parassexual em um fungo filamentoso, como por exemplo Aspergillus. 
Leveduras como Candida também podem passar pelo ciclo parassexual gerando recombinantes genéticos. 
 
 
Em resumo são características do ciclo parassexual: 
 Cariogamia pode ocorrer seguida de recombinação mitótica. 
 Ocorre recombinação genética na ausência de reprodução sexuada 
 Fusão hifas compatíveis -> formação heterocarion que pode ser visualizado por setoração da colônia 
 Haploidização por Aneuploidia (perda cromossômica). 
 
MANIPULAÇÃO GENÉTICA 
 
 
S. cerevisiae apresenta um longo histórico de utilização pela humanidade, afinal essa levedura é empregada 
na produção de bebidas e comidas desde o período neolítico na pré-história, sendo que sua importância nesses 
processos foi reconhecida no século XIX e comprovada por Louis Pasteur em seus estudos sobre a fermentação da 
cerveja e do vinho. Hoje podemos afirmar que o organismo eucarioto que mais foi manipulado geneticamente é S. 
cerevisiae. A levedura apresenta, no geral, as mesmas características favoráveis a manipulação genética encontrada 
em Escherichia coli e diferentemente de Neurospora crassa, S. cerevisiae não é um fungo filamentoso, mantem-se 
como organismo unicelular, com suas leveduras dividindo-se por brotamento. Seu cultivo é fácil, tempo de vida curto, 
possibilidade de seleção em diferentes culturas, apresenta alternância de gerações, as linhagens de laboratóriopodem se manter indefinidamente nos estados haplóide e diplóide, favorecendo o estudo de genes essenciais para a 
vida e as relações de dominância entre alelos, ou seja, todas as características básicas para o estabelecimento de 
um organismo modelo. N. crassa foi o primeiro fungo cujos estudos levaram a um prêmio Nobel, mas podemos dizer 
que manipulações genéticas de S. cerevisiae permitiram descobertas de grande impacto nas ciências como o 
controle genético do ciclo celular, das vias secretórias de proteínas, dos sistemas de degração de proteínas, dentre 
tantos outros estudos que também receberam o prêmio Nobel em anos recentes e tiveram em seu cerne o emprego 
dessa levedura. 
 
Plasmídios Ponte 
 A descoberta de plasmídios na natureza em S. cerevisiae e o desenvolvimento das técnicas de clonagem e 
manipulação de ácidos nucleicos logo favoreceu muito a engenharia genética nessa levedura. Plasmídios são 
moléculas de DNA que podem se replicar de forma autônoma do DNA nuclear. Os principais tipos atuais de 
plasmídios utilizados na transformação de leveduras pertencem aos grupos: YCp , YEp e YIp. Todos foram 
elaborados de maneira a permitir etapas de clonagem e modificações in vitro para então serem amplificados em 
Escherichia coli, como também a seleçionados , mantidos e expressos em S. cerevisiae. São chamados de 
plasmídios ponte por causa dessa possibilidade de uso em dois organismos distintos. Os plasmídios do tipo YCp são 
autônomos, contém uma região centromérica, conferindo estabilidade mitótica de aproximadamente 90%, mantendo 
1 a 4 cópias por núcleo. Já os YEp são autônomos, com estabilidade mitótica por volta de 50%, contém a origem de 
replicação do plasmídio 2 micron encontrado na natureza, apresentado mais de cinquenta cópias por célula. Por fim, 
YIp são autônomos somente em bactérias, em levedura precisam ser integrados no genoma nuclear para se 
propagarem, o que também garante estabilidade mitótica próxima de 100%, e na maioria das vezes são integrados 
em uma única cópia por célula. O mecanismo de integração dos vetores YIp se baseia na alta capacidade de 
recombinação homóloga estimulada por pontas livres de DNA que apresentam sequência complementar ao DNA 
genômico de levedura. 
Transformação e Formas de Seleção 
A presença de uma parede celular nos fungos muitas vezes dificulta a entrada de DNA exógeno em seu 
interior, etapa primordial no processo de transformação genética. A laboriosa geração de protoplastos (células com a 
parede removida ou enfraquecida) é uma alternativa que se utiliza frequentemente para facilitar a entrada do DNA 
transformante. S. cerevisiae tem o processo de transformação já muito bem estabelecido há muitos anos. Não é 
necessária a geração de protoplastos para sua transformação e ela depende basicamente da adição de dois 
reagentes: acetato de lítio e polietileno glicol, que de uma forma ainda não totalmente esclarecida permeabilizam a 
célula de levedura para entrada do DNA transformante. Também é possível transformá-la através de eletroporação 
como comumente realizado em bactérias. 
Embora seja possível fazer seleção de transformantes pela obtenção de colônias de levedura resistentes a 
um dado antibiótico, tal como é feito em E. coli, a seleção de plasmídios em S. cerevisiae normalmente é realizada 
pela capacidade nutricional conferida pelo plasmídio. As principais linhagens laboratoriais de S. cerevisiae 
apresentam auxotrofias para a síntese de diferentes nutrientes tais como: adenina, uracila, leucina, histidina, lisina, 
triptofano, metionina, entre outras facilitando a transformação e seleção em meio nutricional mínimamente 
suplementado com até mais que um plasmídio. Por exemplo, os genes URA3, LEU2, HIS3, ADE3 ou TRP1 podem 
ser utilizados para seleção genética de linhagens ura3, leu2, his3, ade3 ou trp1 incapazes (auxotróficas) de sintetizar 
uracila, leucina, histidina, adenina e triptofano, conferindo a respectiva prototrofia às células transformantes. 
 
Obtenção de Mutantes 
Pode-se obter coleções de mutantes de S. cerevisiae, utilizando agentes mutagênicos como a luz ultra-
violeta. Dada a versatilidade de cultivo, pode-se fazer a mutagênese e espalhar as células mutadas em meio rico de 
cultivo. Após o seu crescimento no meio rico, faz-se a sua réplica em um novo meio de cultivo que seja seletivo para 
algum processo de interesse do pesquisador, como por exemplo sensibilidade a um antifúngico, isolando assim 
mutantes sensíveis ao antifúngico. Numa próxima etapa esses mutantes são transformados com uma biblioteca 
genômica extraída de uma levedura selvagem para a identificação do gene que passa a dar resistência ao 
antifúngico quando presente com sua cópia selvagem. 
Também é muito comum a busca de um alelo nulo de um gene específico, isto é, a remoção de toda sequência 
codificante de um dado gene. A alta capacidade de recombinação homóloga que as extremidades livres de DNA 
apresentam em levedura permitiu o rápido desenvolvimento de técnicas de inativação gênica, na qual qualquer gene 
de levedura pode ser inativado. A construção de um alelo nulo para um dado gene começa a partir da obtenção de 
uma molécula de DNA recombinante contendo somente as porções 3´ e 5´ do gene de interesse flanqueando um 
gene indicador (por exemplo HIS3) que confere capacidade de seleção em meio de cultivo sem histidina de linhagens 
com mutação deletéria no gene his3. Pode-se afirmar, portanto, que S. cerevisiae é manipulada geneticamente com 
tanta facilidade quanto Escherichia coli, sendo transformada com plasmídios, e qualquer um dos seus genes podem 
ser interrompidos e marcados. Esta maleabilidade genética talvez seja a característica que elevou sua condição de 
principal modelo de funcionamento da célula eucariótica. 
 
 
Fig. 4.5 – Construção de um Alelo Nulo de um Gene. O seu gene favorito SGF1 está clonado em um 
plasmídio, e é cortado (tesoura) com a enzima BamHI. O gene HIS3 clonado também está ladeado por sítios 
de BamHI e após o corte pode se ligar às sequencias que flanqueavam o gene SGF1. Com a enzima EcoRI o 
fragmento contendo HIS3 ladeado por seqüências de SGF1 é liberado e utilizado para transformar S. 
cerevisiae. São selecionados colônias prototróficas para histidina, pois nelas o gene sgf1 foi inativado. 
 
 
A partir do uso em grande escala da técnica de inativação gênica, ampliou-se o emprego da chamada 
“Genética reversa”. Na genética reversa busca-se a função de um gene a partir da sua inativação. A genética 
clássica visa à identificação dos genótipos de variantes fenotípicos, prática aplicada por Morgan quando queria obter 
a explicação para a cor do olho branco de Drosophila e também por Beadle e Tatum quando estudavam o 
metabolismo enzimático de mutantes de Neurospora que precisavam de arginina. Na genética reversa já se conhece 
o genótipo e busca-se o fenótipo. Após a conclusão do sequenciamento do genoma de S. cerevisiae o que se 
seguiu foi justamente um esforço para a construção de alelos nulos para cada uma dos possíveis 6.183 genes 
identificados, e o respectivo o estudo da sua função. Já em 1998 estavam disponíveis de forma comercial linhagens 
haplóides de S. cerevisiae com mutantes nulos para cada um dos genes não essenciais do organismo. 
 
Aplicações 
A alta capacidade de modificações genéticas passíveis de serem realizadas em S. cerevisiae fomentou o seu 
emprego biotecnológico, desde a produção de fármacos e insumos até a geração de linhagens com maior 
competência fermentadora para a produção de etanol por exemplo. Indústrias farmacêuticas produzem insulina, anti-
coagulantes como hirudina, antígenos contra o vírus da hepatite B, fator de crescimento humano, entre tantos outros 
produtos. Isto é possível não só através não só da expressão heteróloga de genes - expressão de genes de outras 
espécies (humano no caso da insulina; de sanguessuga no caso da hirudina) mas também da alteração de vias 
metabólicas como no caso das proteínas que precisamser glicosiladas exatamente da forma que seriam se fossem 
expressas numa célula humana, tais leveduras recebem o sugestivo nome de leveduras humanizadas. 
A produção de etanol combustível tem papel central na economia brasileira, sendo constante a busca por um 
maior rendimento da fermentação da cana-de-açúcar por cepas de levedura mais capacitadas às condições 
extremamente inóspitas das dornas de fermentação das usinas de álcool, e certamente isso pode ser conseguido 
através de alterações genéticas pontuais dessas cepas presentes nas usinas. Há também um grande investimento 
para se tornar viável, em termos econômicos, a geração de etanol de segunda geração, isto é, o etanol gerado a 
partir do bagaço da cana-de-açúcar. Como S. cerevisiae é incapaz de degradar celulose e lignina, seria necessária a 
sua modificação genética com genes de fungos celulolíticos como os do gênero Trichoderma, que levaria a formação 
de açúcares menores como xilose e celobiose. Para aumentar o desafio, xilose e celobiose não são fermentados por 
S. cerevisiae , sendo então necessária novas modificações genéticas para que ela possa realizar a fermentação 
desses açúcares. A construção dessas cepas de levedura capazes de gerar etanol a partir de celulose já foi obtida 
por diversos laboratórios, utilizando as mais diferentes estratégias, resta agora o acerto para que tais cepas se 
tornem economicamente viáveis e resistam às condições das dornas de fermentação das usinas. 
 
 
BIBLIOGRAFIA 
 
 
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