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Promoção da saúde: viagem entre dois paradigmas

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Promoção da saúde: viagem entre dois 
paradigmas 
1 SÔN iA TERRA FERRAZ * 
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Evolução do conceito de promoção da saúde; 
3. Conclusão. 
PALAVRAS-CHAVE: saúde; doença; promoção da saúde; prevenção; para-
digma biotecnológico; paradigma holístico. 
Este artigo discute os paradigmas de promoção de saúde, demonstrando sua 
estreita ligação com o conceito de saúde e doença. É analisada a transição 
do paradigma biotecnológico até o holístico, chegando-se à conclusão de 
que, dentro do novo paradigma da saúde, a tendência é que as estratégias 
sejam englobadas por setores mais abrangentes que o de saúde propria-
mente dito. 
Health promotion under a changing paradigm 
This paper discusses health promotion paradigms, showing the close con-
nection between health promotion and the concept of health and disease. It 
analyzes the transition from the biotechnological paradigm to the holistic 
one, concluding that, under the changing paradigm, health strategies will be 
covered by sectors which are wider than that of health itself. 
1. Introdução 
Existe uma grande confusão de interpretações a respeito do conceito de pro-
moção da saúde. Esta confusão, na opinião de alguns autores (Noack, 1987; 
Terris, 1992), tem origem nas diferentes concepções das teorias e causas das 
doenças e, obviamente, no conceito de saúde delas derivado . 
• Médica especialista em saúde pública, mestre em administração de serviços de saúde pela Uni-
versidade de Montreal, Canadá, e consultora em saúde pública. 
RAP Rio dE JANEiRO n(2):49-60, MAR./AbR. 1998 
Noack (1987) opina que os conceitos de doença, cuidados médicos, 
saúde e promoção da saúde não existem em um vazio sociocultural, institu-
cional e político. Ao contrário, eles refletem os valores, crenças, conhecimen-
tos e práticas aceitas pelo conjunto da sociedade. Nos últimos 100 anos, a 
saúde vem sendo definida mundialmente em termos de ausência de doenças 
em conseqüência do acúmulo e do avanço de uma imensa produção de co-
nhecimento médico e tecnológico que consolidou uma referência paradigmá-
tica biotecnológica. 
Um paradigma, segundo Kuhn (1968), se define como um conjunto de 
conceitos que determina a legitimação do ponto de vista científico de situa-
ções ou questões teóricas formuladas no seio da sociedade. De acordo com a 
teoria de Kuhn sobre a evolução da ciência, as disciplinas científicas passam 
por estágios denominados de "ciência normal", na qual a comunidade cientí-
fica aceita um paradigma particular (estágio paradigmático), e estágios onde 
os paradigmas estão se transformando ("estágio pré-normal", "crise" e "revo-
lução"). 
Ao considerar que assistimos a uma verdadeira crise paradigmática da 
saúde, Noack (1987) observa que: "como inúmeros autores analisam, esta-
mos assistindo ao início de um movimento que caminha de um estágio da ci-
ência biomédica normal para o estágio de uma perspectiva global, o 
paradigma sócio-ecológico, que pode substituir o paradigma biológico porém 
de maneira à integrá-lo". Ele considera que enquanto a "promoção" da saúde 
está relacionada com os aspectos globais da comunidade, tendo maior expres-
sividade fora da prática médica, a "prevenção" das doenças é uma atividade 
eminentemente médica; principalmente onde indivíduos de alto risco podem 
ser identificados e colocados sob cuidados preventivos especiais. 
Para Stachtchencko e Jenicek (1990), as noções de promoção da saúde 
e prevenção das doenças estão de fato baseadas em paradigmas diferentes. A 
prevenção se baseia, a maior parte do tempo, sobre a concepção de risco ou 
probabilidade de se tomar doente, e os estudos clínicos e as intervenções vi-
sam em geral a grupos restritos. Por outro lado, a noção de promoção da saú-
de se preocupa mais freqüentemente com os múltiplos aspectos ligados a 
estilos de vida, e os programas são baseados na educação que visa a mudan-
ças de hábitos individuais como a redução do uso de álcool e cigarro, o exer-
cício, a mudança de alimentação, o controle do estresse etc. Sabemos, 
porém, que do ponto de vista operacional é bastante difícil separar estas duas 
noções, principalmente nos países subdesenvolvidos. 
A incorporação da importância do impacto das dimensões sociais, eco-
nômicas, políticas e culturais provocou a transformação do conceito de edu-
cação sanitária no de promoção de saúde. A partir da segunda metade dos 
anos 70, numerosos estudos norte-americanos favoreceram a elaboração da 
autocrítica da educação sanitária baseada na noção psicossocial de mudan-
ças de hábitos de vida individuais. Em conseqüência, houve uma progressiva 
....... -_ .................. __ .... _-_ .................. -..... __ ................... -_ ................................. -......................... -......................... --_ ................. . 
! 50 RAP 2/98 
ampliação do conceito de educação sanitária que contribuiu para a transfor-
mação desta em uma nova visão de promoção de saúde na América do Norte. 
Na realidade, assistimos na atualidade a uma crise paradigmática que 
se reflete em todas as áreas do conhecimento humano. Alguns autores descre-
vem a emergência de um novo paradigma, holístico (Capra, 1987; Weil, 
1988; Crema, 1988; Negret, 1994) ou holográfico (Wilber, 1990). No âmbito 
da medicina, esta transição de paradigma vem-se dando desde algumas déca-
das, com o questionamento do paradigma cartesiano biomédico (McKeown, 
1996). O denominado paradigma sócio-ecológico (Hancock & Perkins, 1985; 
Kickbusch, 1986) pressupõe uma nova concepção de saúde e, conseqüente-
mente, de promoção da saúde, na qual existe uma interação de dois aspectos 
inter-relacionados, que Noack (1987) denomina estabilidade da saúde e po-
tencial da saúde. Enquanto a estabilidade da saúde se refere ao equilíbrio físi-
co, psicológico e social de um determinado grupo social ou indivíduo, o 
potencial de saúde se refere à capacidade destes grupos ou indivíduos convi-
verem com as mudanças e o estresse do meio ambiente físico e psicossocial. 
O potencial de saúde é um aspecto subjetivo de difícil avaliação, enquanto a 
estabilidade da saúde pode ser avaliada por uma gama de indicadores clíni-
cos, epidemiológicos ou sociológicos. 
Analisaremos a seguir a evolução do conceito de promoção da saúde 
em uma perspectiva histórica. 
2. Evolução do conceito de promoção da saúde 
Do ponto de vista histórico, a evolução do conceito de promoção de saúde 
acompanha a própria evolução do conceito de saúde-doença. Terris (1992) 
destaca que a expressão promoção da saúde foi utilizada pela primeira vez, 
em 1945, pelo historiador médico Henry Sigerist, que definiu quatro grandes 
tarefas para a medicina: 
T a promoção da saúde; 
T a prevenção da doença; 
T o restabelecimento do doente; 
T a reabilitação. 
Sigerist considerava que "a saúde se promove quando se facilita um ní-
vel de vida decente, boas condições de trabalho, educação, cultura física, des-
canso e recreação" e defendia uma ação integrada entre estadistas e líderes 
de trabalho, da indústria, da educação e dos médicos. Decorridos cerca de 40 
PROMOÇÃO dA SAúdE: ViAGEM ENTRE Dois PARAdiGMAS 51 
anos, estas mesmas recomendações vieram a ser reiteradas pela Carta de Ot-
tawa em 1986, como veremos adiante. 
Em 1820, na Escócia, William P. Alison, professor de jurisprudência 
médica da Universidade de Edimburgo, já associava pobreza a doença, a par-
tir de suas observações efetuadas nas epidemias de tifo e cólera. Contradizen-
do a teoria dos mias mas, ele apontou a importância de se corrigir o estado de 
indigência da população para controlar as epidemias, o que foi posteriormen-
te aceito pela classe médica. Na França, em 1826, Lois René Villerme, em 
seus estudos sobre a mortalidade em diferentes setores de Paris, demonstrou 
a relação entre pobreza e doença. Rudolf Virchow, na Alemanha, ao investi-
gar uma epidemia nos distritos industriais da Silésia em 1847, chegou à con-
clusão de que as "causas da epidemia eram mais sociais que físicas".Finalmente, temos os estudos epidemiológicos clássicos de John Snow sobre 
o cólera, demonstrando a interação entre causas específicas: hospedeiro e 
meio ambiente (denominada rede de causalidade). 
Nas primeiras décadas do século XX, se desenvolveram na Europa os 
conceitos de higiene social e medicina social. Terris (1992) chama de "segun-
da revolução epidemiológica" a incorporação da importância dos fatores só-
cio-econômicos não só no âmbito das doenças transmissíveis como também 
no das crônico-degenerativas. Em Viena, por exemplo, Ludwig Teleky decla-
rou a necessidade de se "investigar as relações entre estado de saúde de um 
grupo populacional e suas condições de vida que estão condicionadas por sua 
inserção social". Na Inglaterra, John A. Ryle, o primeiro professor de medici-
na social na Universidade de Oxford, em 1943 afirmava que "a saúde pública 
(. .. ) tem estado preocupada com as doenças transmissíveis, suas causas, a dis-
tribuição e a preservação. A medicina social está interessada em todas as do-
enças prevalentes, incluindo a febre reumática, a úlcera péptica, as doenças 
cardiovasculares, câncer, psiconeuroses, traumas acidentais, as quais tam-
bém têm suas epidemiologias e suas correlações com as condições sociais e 
ocupacionais e eventualmente devem ser consideradas em maior ou menor 
grau preveníveis". 
A influência dos conhecimentos científicos e valores da sociedade in-
glesa no campo da saúde se fez sentir principalmente no Canadá, com a 
consagração dos princípios de universalização da assistência médica e da 
importância das ações de prevenção e de promoção da saúde na organização 
do sistema de saúde. Marc Lalonde, eminente epidemiólogo canadense, quan-
do ministro da Saúde de seu país, criticou o estabelecimento de prioridades a 
partir somente das estatísticas de mortalidade que ele chama de "anos potenci-
almente perdidos". Ele analisou o desencanto do Canadá com o fato de que a 
universalização da assistência médica não foi por si só a grande responsável 
pelo declínio dos indicadores de mortalidade infantil ou de esperança de vida, 
pois as diferenças entre estes indicadores persistem conforme a inserção soci-
al dos indivíduos, independentemente do acesso universal aos serviços de saú-
•••••••••••••••••• ., •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• h ••••••••••••••••••••••••••• -. ••••••••••••••••••••••••••••••••••• ., .......................... ., ................................. . 
152 RAP 2/98 
As conferências de Ottawa e Ade/aide: da promoção da saúde às 
políticas públicas favoráveis à saúde 
De uma perspectiva histórica, a realização da I Conferência Internacional sobre 
Promoção da Saúde, em Ottawa, em 1986, patrocinada pela OMS, Ministério 
da Saúde e Bem-Estar do Canadá e Associação Canadense de Saúde Pública, 
foi um marco fundamental. A Carta de Ottawa reconheceu como ''pré-requisi-
tos fundamentais para a saúde, a paz, a educação, a habitação, o poder aquisiti-
vo, um ecossistema estável, a conservação dos recursos naturais, a justiça 
social e a eqüidade". A partir daí se estabeleceu a definição mais amplamente 
consagrada sobre a promoção da saúde: é o processo que confere às popula-
ções os meios de assegurar um grande controle sobre sua própria saúde. 
A Carta de Ottawa significou a ampliação da concepção de promoção de 
saúde, incorporando a importância e o impacto das dimensões sociais, econômi-
cas, políticas e culturais sobre as condições de saúde. Houve um reconhecimen-
to de que a promoção de saúde não concerne exclusivamente ao setor saúde, 
mas, ao contrário, constitui uma atividade eminentemente intersetorial. As estra-
tégias propostas pela Carta de Ottawa para atingir os objetivos propostos foram: 
f) estabelecer políticas públicas saudáveis; 
g) criar os meios favoráveis; 
h) reforçar a ação comunitária; 
i) desenvolver atitudes pessoais; 
j) reorientar os serviços de saúde. 
Um outro evento muito importante dentro da evolução do conceito de 
promoção de saúde foi a 11 Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, 
realizada em Adelaide (Austrália) em 1988. Esta foi exclusivamente consagrada 
à pesquisa de meios para coordenar estratégias concretas de promoção de saúde 
segundo os preceitos da Carta de Ottawa, visando à qualidade de vida através da 
adoção de políticas públicas favoráveis à saúde (Hancock & Duhl, 1986). Esta 
noção considera que os determinantes da saúde e suas repercussões dependem 
de uma ação integrada do conjunto de políticas públicas (O'Neill, 1990). 
Observa-se que nos países do Hemisfério Norte a evolução de paradig-
mas vem sendo vivenciada de uma maneira muito mais evidente. Por um 
lado, as pesquisas científicas e a produção acadêmica, principalmente nos 
campos da física atômica, da engenharia genética e da neurofisiologia, emba-
sam novas referências teóricas. Por outro, observa-se mesmo uma mudança 
concreta de comportamento da sociedade, que questiona a medicina "ofi-
cial". Por exemplo, os inúmeros processos por imperícia médica nos EUA co-
locam a classe médica em uma situação bastante defensiva, influenciando 
negativamente a relação médico-paciente. Estima-se que atualmente cerca 
................................................................ H.···· ........ ., ....... ···· ..... " ... ··.······· ................................... ., ........... ., ........................... . 
i 54 RAP 2/98 
de 30% da população canadense procuram algum tipo de tratamento alterna-
tivo (denominada por eles de "medicina doce") paralelamente ao tratamento 
médico-hospitalar. O direjto de morrer também é uma questão polêmica que 
vem sendo debatida abertamente no seio da sociedade, criando jurisprudên-
cia. Os altos índices de mortalidade por suicídio e violência associados à limi-
tação dos tratamentos quimioterápicos do câncer e da Aids vêm colocando, 
para os médicos e demais profissionais de saúde, a crescente preocupação 
com a qualidade de vida dos pacientes. 
Por outro lado, no campo da saúde pública, partindo da constatação de 
que a concepção da saúde calcada no modelo biomédico se mostrava impo-
tente para enfrentar os enormes desafios e problemas advindos do fenômeno 
de urbanização, como a explosão da violência urbana nos países desenvolvi-
dos, Hancock e Duhl (1986) conceberam um modelo de compreensão dos 
múltiplos determinantes da saúde, denominado ecossistema humano, segun-
do o qual a promoção da saúde exige a cooperação de múltiplos setores inde-
pendentes dos serviços de saúde. 
O fenômeno de envolvimento crescente da comunidade e da participa-
ção progressiva dos municípios na formulação de políticas sociais deu nasci-
mento, na América do Norte, à concepção de cidades e comunidades saudá-
veis. Passaremos em seguida a analisar esta concepção e seu significado em 
termos de promoção de saúde. 
Municípios ou comunidades saudáveis: uma evolução de promoção 
da saúde baseada em um novo paradigma 
A concepção de cidades saudáveis surgiu como uma evolução no interior do 
movimento de promoção de saúde na América do Norte, que vinha fazendo, 
desde a década de 70, a autocrítica do conceito de educação sanitária calca-
da nos conceitos psicossociais de mudança de comportamentos individuais. 
Duhl e Hancock, em 1984, formularam idéias precisas sobre o papel dos mu-
nicípios na promoção da saúde, em termos de políticas públicas favoráveis à 
saúde. Esses municípios foram denominados "cidades saudáveis" (Ferraz, 
1994). 
A partir deste conceito, o escritório da OMS/Europa em Copenhague 
apoiou a elaboração de projetos em algumas cidades européias que se interes-
saram pela idéia, como Rennes, Milão, Liege, Copenhague (Tsouros, 1990). 
A OMS (1992) considera uma cidade saudável aquela em que os dirigentes 
municipais enfatizam a saúde de seus cidadãos dentro de uma ótica amplia-
da de qualidade de vida, de acordo com a proposta de promoção da saúde re-
ferida na Carta de Ottawa. O movimento de cidades saudáveis atualmente é 
um fenômeno que se difundiu em inúmeras cidadesda Europa e América do 
Norte, especialmente o Canadá, com a formação de redes (networks) de cida-
................ __ ..... -..... __ ............ __ .... _-_ .... __ ................... -................................ __ ................... -.......................... __ ............................ . 
PROMOÇÃO dA SAúdE: ViAGEM ENTRE Dois PARAdiGMAS 55 i 
des que adotaram sua concepção e desenvolveram projetos. Na Europa exis-
tem atualmente 18 redes de cidades saudáveis, entre as quais a Rede de 
Cidades Saudáveis de Língua Francesa, que é uma das mais ativas, extrapo-
lando fronteiras e continentes com a participação de cidades da Europa, Ca-
nadá (província de Quebec) e África de língua francesa. 
Em termos operacionais, as atividades desenvolvidas por inúmeros pro-
jetos de cidades saudáveis nos países desenvolvidos incluem resumidamente: 
... ações centradas sobre o meio ambiente, sobretudo o saneamento de re-
giões carentes, o tratamento dos resíduos sólidos e a qualidade do ar; 
... desenvolvimento de serviços de saúde dos distritos e regiões carentes; 
... ações de controle e de prevenção de doenças específicas não cobertas pe-
los programas do sistema nacional de saúde; 
... promoção de modos de vida sadios - defesa de políticas de saúde mais 
saudáveis -, o que significa promover a elaboração de políticas munici-
pais baseadas no desenvolvim~nto econômico que produzam um impacto 
potencial para a saúde e a proteção das populações. 
Na América Latina, esta concepção vem sendo difundida com dificulda-
de para a exata compreensão de seu significado e aplicação no campo da saú-
de pública. Isto se deve a inúmeros fatores, entre os quais se destaca o fato 
de a cultura sanitária estar ainda referenciada no paradigma fragmentado e 
biotecnológico; que se traduz na estratégia de programas verticais. Ou seja, a 
compreensão dos determinantes globais da saúde ainda não foi incorporada 
pelas práticas quotidianas de organização dos serviços de saúde a ponto de 
se criar uma nova cultura. Outros fatores apontados como desfavoráveis são 
os interesses político-eleitoreiros manipula dores e clientelistas e a instabilida-
de política principalmente municipal (Ferraz, 1993). 
A Opas (1992) elaborou um documento informativo sobre o movimen-
to de municípios saudáveis contextualizando-o dentro do novo paradigma da 
. saúde. Restrepo (1992), ao analisar as estratégias de promoção de saúde na 
América Latina, considerou que: "o movimento de municípios saudáveis que 
está sendo gestado em alguns países com o acompanhamento da Opas é um 
exemplo claro de espaços de trabalho em promoção de saúde que conduzem 
a novas formas de conceber e desenvolver ações de saúde pública". 
Da Carta de Bogotá, esboço de um novo marco referencial de 
promoção de saúde para a América Latina, à Agenda 21 
Na América Latina, vem ocorrendo um movimento progressivo de tentativa 
de incorporação do conceito de promoção da saúde nos moldes assinalados 
•••••• ___ •••• __ •••••••••••• _ ••••• ___ •••••••••••••••••• __ •••• ___ .................. __ •••• __ •••••• _ •••••••••••• _ ••••• ___ •••• o_ .................. ___ ••••• _· •• u •••••••••••••••••••• __ ........... . 
i 56 RAP 2/98 
na Carta de Ottawa. Nesse sentido, a realização da Conferência de Promoção 
de Saúde, em 1993, em Bogotá, sob os auspícios da Opas e do Ministério da 
Saúde da Colômbia, constituiu um evento importante. Com a presença de 
550 representantes de 21 países pan-americanos, debateu-se sobre o signifi-
cado da promoção da saúde na América Latina e estabeleceram-se princípios, 
estratégias e compromissos para o alcance da saúde da população da região. 
A Carta de Bogotá intitulou-se Promoção de saúde e igualdade e seu pre-
âmbulo assinala que: "A promoção de saúde na América Latina busca a criação 
de condições que garantam o bem-estar geral como propósito fundamental do 
desenvolvimento, assumindo a relação mútua de determinação entre saúde e 
desenvolvimento" . 
O programa de saúde da Opas (1992) assinalou no documento de im-
plementação de estratégias de promoção de saúde que: "existe uma tendên-
cia a reduzir problemas sanitários sumamente complicados à conduta do 
indivíduo, especialmente no que se refere à conduta que implica riscos, como 
beber, fumar e alimentar-se mal. Como se sabe, tem-se conseguido modificar 
a forma de vida com medidas de intervenção de conduta. Isso ajuda a expli-
car por que tantos programas de promoção de saúde orientam suas estraté-
gias para a promoção de uma conduta sadia. Por outro lado, atingir a meta 
de saúde para todos em todos os países, em especial nos países em desenvol-
vimento, depende, como se assinala na Carta de Ottawa, da melhoria de con-
dições sociais tais como educação, habitação e salários. Ademais, são estas 
condições sociais que influem na modificação do estilo de vida. De fato, é di-
fícil modificar a forma de vida quando faltam sistemas educativos completos 
e adequados, a higiene pessoal não é factível nas casas que carecem de água 
encanada e é difícil explicar uma dieta saudável a pessoas que passam fome. 
Em conseqüência, a promoção da saúde deve visar à promoção de condições 
de vida saudável; esta é uma questão central que devem enfrentar os organis-
mos internacionais e nacionais que se ocupam da promoção da saúde". 
Restrepo (1992) expressa de maneira lúcida essa nova visão de promo-
ção de saúde para a América Latina, ao considerar que: "a promoção da saú-
de se refere à saúde dentro de um amplo contexto social e ecológico como 
uma estratégia que permite buscar um maior compromisso de todos para di-
minuir as desigualdades sociais e aumentar o bem-estar coletivo". 
Porém, para a realidade latino-americana, resta o impasse do acúmulo 
de problemas que vão desde aos altos índices de morbidade de doenças trans-
missíveis, associados aos crescentes coeficientes de mortalidade por câncer e 
Aids, passando pela violência advinda da urbanização caótica associada aos 
problemas sociais, como a fome, permeados pelas imensas desigualdades so-
ciais. 
Sem pretensões de nos aprofundar, citamos a importância atual do ape-
lo global deflagrado pela Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambien-
te e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992. O documento 
•• ~~ ••••••••• 0.0 ••••••••••• 0# •••• 0 •••••••••••••••••••••••••••••••••••• __ ••••• _ ••••• 0_ •••••••••••••••••••••••••••••••• __ •••••••••••••••••• __ ••••••••••••••••••••••• 0# __ •••••••••••• ___ ••• __ ••• 
PROMOÇÃO dA SAúdE: ViACjEM ENTRE Dois PARAdiGMAS 5 7 ~ 
oficial desta conferência, conhecido como Agenda 21 (1996), parte de um ex-
tenso diagnóstico das desigualdades sociais e econômicas mundiais e suas re-
percussões para o planeta e seus habitantes. Aborda a dimensão da saúde 
dentro de uma lógica integradora de meio ambiente e desenvolvimento sus-
tentável, enfatizando a importância das estratégias de promoção da saúde, 
configurando, sem dúvida, a grande agenda intersetorial da atualidade. 
3. Conclusão 
Vimos que o conceito de promoção da saúde evolui de acordo com o próprio 
conceito de saúde e, conseqüentemente, de doença. Assistimos a uma mudan-
ça paradigmática global. No âmbito da saúde, a "crise da saúde" aparece 
como reflexo dos limites do paradigma cartesiano, fragmentado e biotecnoló-
gico. 
Estamos convivendo ao mesmo tempo com novos e antigos conceitos, 
porém, conforme bem assinalou Noack (1987), o novo paradigma é integra-
dor e não-excludente. Portanto, no campo operativo, faz-se necessário com-
patibilizar e conviver ao mesmo tempo com o velho, abrindo espaço para o 
novo. Em termos da promoção da saúde, isso significa continuar apoiando 
ações preventivas e de controle de saúde que estão afetas aos cuidados médi-
cos e grupos de risco, abrindo espaços, concomitantemente, para novas inter-
venções de efetiva promoção de saúde, intervenções estas intersetoriais, fora 
do sistema de saúde propriamente dito. 
Se, por um lado, o relatório Lalonde significou um avanço em termosdo questionamento das limitações do impacto da assistência médica sobre as 
condições de saúde, a Carta de Ottawa, por outro, consagrou um novo marco 
conceitual no qual a promoção de saúde considera que a saúde ''vai mais 
além dos estilos de vida". Desde então observa-se que novas estratégias e in-
tervenções vêm sendo mundialmente experimentadas. 
Em termos dessas novas estratégias de promoção de saúde, a concep-
ção de cidades saudáveis vem significando na prática a incorporação do novo 
paradigma no campo da saúde. 
Entretanto, em termos do contexto mundial, a grande agenda interse-
torial da atualidade é, sem sombra de dúvida, influenciada pela Conferência 
das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Eco-92, e sua 
respectiva Agenda 21. Apesar de pouco percebidos pelo setor saúde, indiscuti-
velmente o apelo ecológico e das questões relativas ao meio ambiente e a no-
ção de desenvolvimento sustentável são os portadores de uma nova 
mensagem que é integradora. Esta tende a apontar a direção das novas estra-
tégias que colocam a saúde na sua verdadeira dimensão intersetorial, tendo 
como eixo a qualidade de vida. 
-..... ---.... __ ................... -..................................................................................................................................... __ .............. " .. . 
158 RAP 2/98 
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