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AULA 09 A teoria tridimensional do direito Miguel Reale

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(Mat. 09. Filosofia do Direito - 8º Per. Dir. Turmas A/B – Prof. Léo Bifano – 08/11/19)
A TEORIA TRIDIMENSIONAL DO DIREITO: MIGUEL REALE
“A norma jurídica é a indicação de um caminho, porém para percorrer um caminho devo partir de determinado ponto e ser guiado por certa direção: o ponto de partida da norma é o fato, rumo a determinado valor”. (Miguel Reale)
1 - INTRODUÇÃO
Miguel Reale nasceu no interior de São Paulo, em São Bento do Sapucaí, em 6 de novembro de 1910 e faleceu aos 95 anos em São Paulo no dia 14 de abril de 2006. Ocupa lugar de destaque no pensamento filosófico-jurídico brasileiro. Bacharel em Direito desde 1934, sua vida foi marcada por intensa participação nos movimentos estudantis e políticos de sua época. Foi professor de latim, psicologia, direito comercial, legislação fiscal, português, escreveu inúmeros artigos e livros. Em 1941, aos 31 anos, ocupou a cátedra outrora ocupada por João Arruda, com a apresentação da tese Fundamentos do Direito. Com esta obra, apresentou sua concepção culturalista do Direito, segundo a qual o estudo do fenômeno jurídico somente será possível a partir de um estudo integral, ou seja, uma apreciação panorâmica e completa dos elementos do Direito em detrimento de uma postura unilateral baseada apenas no fato jurídico. Reale ressaltou a insuficiência daqueles que defendiam “um verdadeiro dualismo ou uma justaposição de perspectivas, como se houvesse um direito para o jurista e um outro para o filósofo, cada um deles isolado em seu domínio, sem que a tarefa de um repercutisse, de maneira direta e permanente, na tarefa do outro ” 
Segundo exprime Cretella Júnior, Miguel Reale tentou uma “síntese entre o sujeito ético do kantismo e o espírito histórico do hegelianismo”. 
 Reale formulou uma teoria tridimensional do direito com caráter dialético relacionando três termos (fato, valor e norma), de modo diferente das diversas teorias tridimensionais que correlacionaram norma, fato e valor, ou seja, o aspecto fático, axiológico e prescritivo do Direito, num sentido estático. Em seu modo de ver: 
“Quem assume, porém, uma posição tridimensionalista, já está a meio caminho andado da compreensão do direito em termos de - experiência concreta - , pois, até mesmo quando o estudioso se contenta com a articulação final dos pontos de vista do filósofo, do sociólogo e do jurista, já está revelando salutar repúdio a quaisquer imagens parciais ou setorizadas, com o reconhecimento da insuficiência das perspectivas resultantes da consideração isolada do que há de fático, de axiológico ou ideal, ou de normativo na vida do direito”. 
Segundo Reale, a ciência jurídica encontra problemas de natureza axiológica, social e histórica, por isso a Filosofia do Direito, no seu entender, divide-se em três partes, a saber: a ontognoseologia jurídica que indaga as estruturas objetivas e como são pensadas em conceitos, ou seja, o direito em sua estrutura ôntica e em sua estrutura racional; a epistemologia jurídica que estuda os objetos das diversas ciências jurídicas, observando sua natureza e implicações; a deontologia jurídica que indaga o fundamento da ordem jurídica e a razão da obrigatoriedade das normas de Direito, da legitimidade da obediência às leis; a culturologia jurídica que estuda o Direito como cultura, como esforço humano de conquista e preservação daquilo que se concebeu como válido.
Para os culturalistas, o mundo das normas faz parte de uma área maior que é o mundo da cultura humana em geral, o direito não é um objeto natural, ideal ou simplesmente valorativo, mas um objeto cultural que supera o dualismo de ser e dever ser. Esta última posição é a da teoria tridimensional do direito sustentada vigorosamente por Miguel Reale, na qual o direito se considera em seus três elementos indispensáveis: fato, valor e norma. Nesse sentido o jurista precisa interpretar o problema da justiça, não se contentando apenas com o estudo dogmático do direito, a partir de estudos sociológicos e filosóficos, embora consciente de que cada uma destas matérias tem seus métodos próprios. 
2 - A TRIDIMENSIONALIDADE DA LEI
Segundo Miguel Reale, no campo das ciências sociais encontramos palavras que apresentam uma multiplicidade de acepções ao longo do devir histórico. Nesse sentido, a palavra Direito assumiu sentidos diferentes conforme interesses e preferências que em cada momento histórico recebeu certo destaque. Inicialmente o homem vivenciava o direito como um fato, depois essa ideia cedeu lugar para a intuição do direito como sentimento do justo e consequentemente ao sentido de obrigação jurídica, que hoje se nos apresenta como algo intuitivo e evidente. A importância do Direito Romano se afigura na ciência que denominavam de jurisprudência (senso prudente de medida) que focalizava o Direito como norma. No dizer de Reale, “Eis aí, portanto, através de um estudo sumário da experiência das estimativas históricas, como os significados da palavra Direito se delinearam segundo três elementos fundamentais: o elemento valor, como intuição primordial; o elemento norma, como medida de concreção do valioso no plano da conduta social: e, finalmente, o elemento fato, como condição da conduta, base empírica da ligação intersubjetiva, coincidindo a análise histórica com a da realidade jurídica fenomenologicamente observada”.
Miguel Reale observa que encontraremos os três elementos onde quer que se encontre a experiência jurídica e é nesse modo de ver que podemos falar em triplo enfoque do Direito. Podemos observar o Direito enquanto valor, estudado pela Filosofia do Direito na parte denominada de deontologia Jurídica; podemos ainda observá-lo como norma ordenadora da conduta, objeto de estudo da Ciência do Direito ou Jurisprudência e da Filosofia do Direito na esfera da Epistemologia; também podemos estudar o Direito como fato social e histórico, objeto de investigação da Sociologia e da Etnologia do Direito e da Filosofia do Direito na parte denominada Culturologia Jurídica. Para entendermos melhor essa relação entre norma, fato e valor, podemos pensar no exemplo oferecido por Severo Hryniewicz: “tomemos um exemplo do Direito Penal: a prática de um homicídio. Temos primeiro um fato – fulano matou sicrano. No fato está implícito o atentado contra um valor ético fundamental – o valor da vida. E, por fim, temos uma norma jurídica – artigo 121 do CP – que prevê uma sanção para, de algum modo, - compensar - o desrespeito ao valor. Se não houvesse na base uma categoria axiológica – o valor vida – não teriam sentido tanto a elaboração de uma norma que visa à preservação do valor vida, quanto todos os procedimentos posteriores ao fato no âmbito penal”.
Reale afirma que a teoria tridimensional é fruto da verificação objetiva da consistência fático-axiológica-normativa de qualquer porção ou momento da experiência jurídica. É formada de consciência de todas as implicações do direito – a essência triádica do direito. Uma análise rigorosa desta teoria implica formular algumas questões: como se garante a unidade a partir desses três fatores? Como se correlacionam? Como se distinguem?
Para Reale, fato, valor e norma estão sempre correlacionados não importa o ponto de vista: se filosófico, sociológico ou jurídico. Tal correlação possui natureza dialética, uma mútua implicação entre esses elementos – entre fato e valor que implica em um momento normativo. Segundo exprime nosso autor, o direito “não é puro fato, nem pura norma, mas é o fato social na forma que lhe dá uma norma racionalmente promulgada por uma autoridade competente”. 
A novidade da teoria de Reale está na utilização do conceito de dialética, retirado do sentido do termo alemão lebenswelt, que significa mundo da vida presente na obra Crise das Ciências do filósofo alemão Edmundo Husserl (1859-1938) que desenvolveu um pensamento crítico do positivismo (em sua pretensão de objetivismo e verdade científica). Para Husserl, toda consciência é intencional, ou seja, não há consciência separada do mundo, não há objeto em si, afastado da consciênciaque o percebe. Isto significa dizer que não há fatos com objetividade pretendida, pois o mundo que percebo é o mundo para mim. A crise da ciência se desvela na sua tentativa de redução da razão à racionalidade científica. Na verdade, a ciência não tem nada a nos dizer sobre nossa liberdade. A mera ciência do fato exclui o homem de sua análise.
Assim, Reale insere o conceito de dialética na relação entre fato, valor e norma, a partir do sentido de mundo da vida (lebenswelt) que expressa o complexo de noções, opiniões, regras, valores e etc., ou seja, uma vida cultural que está em constante acontecer, o lugar de nossas originárias formações de sentido. O direito está, portanto, inserido na fervilhante experiência do mundo da vida. E essa tridimensionalidade não se limita à esfera jurídica. A função da Filosofia para Reale está na tarefa de libertar a história da fetichização da ciência e da técnica – da clausura para desvelar a verdadeira humanidade. O mundo da vida é o mundo da criatividade intencional da subjetividade.
Reale entende que a norma jurídica é muito mais do que simples proposição lógica de natureza ideal: é antes uma realidade cultural e não mero instrumento técnico de medida no plano ético da conduta; a sua elaboração não é mera expressão do arbítrio do poder e nem resulta da tensão fático-axiológica, mas um processo onde o poder é condicionado por um complexo de fatos e valores. A experiência jurídica é a experiência histórica cultural, na qual o valor atua como um dos fatores constitutivos dessa realidade (função ôntica) e, concomitante, como prisma de compreensão da realidade por ele constituída (função gnoseológica) e como razão determinante da conduta (função deontológica) – tripla função do valor revela a historicidade do homem e a experiência histórica do direito.
Reale difere de Kelsen, pois este jurista separou as três esferas na tentativa de desacreditar a sociologia jurídica e a filosofia jurídica e preservar a Teoria pura do direito. Queria desacreditar a jurisprudência sociológica ou a teoria da justiça como campos apropriados de indagação de natureza jurídica. Kelsen formulou, segundo Reale, uma tridimensionalidade metodológica negativa, só a ciência do direito possui caráter jurídico. Na verdade o direito acontece no seio da vida humana. Trata-se de um processo existencial do indivíduo e da coletividade imersos no mundo da vida.
 Diante das considerações acerca da teoria tridimensional do direito elaborada por Miguel Reale, tem-se que a relação dialética entre fato, valor e norma constitui em uma grande contribuição do jurista brasileiro à academia jurídica mundial, ao reconhecer o caráter importantíssimo do culturalismo à dinâmica entre tais fatores, que nada mais é que o reflexo da realidade cultural-social na qual o Direito, como corpo normativo está inserido.
Sendo sempre analisado pela tríade fato, valor, norma, e sem a superioridade específica de cada um sobre o outro, o Direito é, portanto, não relativo, mas sim sujeito a mudanças. Esse movimento dialético dos três elementos é a forma pela qual devem ser vistas as normas jurídicas, distanciando-se assim de um mero relativismo.
A célebre visão é de suma importância para a aplicação do Direito, dando abertura para novos caminhos se assim estes surgirem e a ótica unilateral do fenômeno normativo não mais seja suficiente para tal demanda. 
Esse sem dúvida é o grande mérito de Miguel Reale para a Filosofia do Direito. Tratar o fenômeno jurídico como parte do fenômeno cultural, alicerçado na própria postura humana, no vir a ser histórico, ciente de que as epistemologias da Fenomenologia e da Axiologia possam contribuir sobremaneira para o estudo mais acurado do fenômeno normativo, ao invés das visões unilaterais ainda predominantes no pensamento jurídico contemporâneo. A partir daí, o magistrado poderá ampliar sua visão e contemplar o mundo por trás da letra da lei.
� Reale, Miguel Teoria Tridimensional do Direito. São Paulo, Saraiva, 1994, p.3.
� CRETELLA JUNIOR, José. Novíssima história da filosofia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989, p.288.
� Reale, Miguel Teoria Tridimensional do Direito. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 11.
� Reale, Miguel. Filosofia do Direito. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 509.
� Hryniewicz, Severo. Para Filosofar hoje. Rio de Janeiro: Edição do Autor, 1999, p.135.
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