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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE DIREITO DA UFBA TEORIA DO DIREITO II MINISTRADO POR BERNARDO MONTALVÃO VIVIANE CRISTO SANTOS “Compêndio de introdução à ciência do direito” (Machado Neto) Salvador 2021 1 MACHADO NETO, Antônio Luís. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. Editora Saraiva, 6ª Ed. São Paulo, 1988. Tipologia: Fichamento de citação. 1 - CONCEITO E TEMÁTICA DA INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 1. “Será a Introdução à Ciência do Direito uma ciência? Não. E nessa negativa não vai a menor intenção depreciativa. [...]É que Introdução à Ciência do Direito, tal como ocorre com sua irmã gêmea, a Teoria Geral do Estado, é uma enciclopédia. Enciclopédia de conhecimentos científicos (sociológicos, jurídicos e até, às vezes, históricos) e filosóficos, gerais e introdutórios ao estudo da ciência jurídica.” (p.3) 2. “Seu conteúdo, será, portanto, sociológico, histórico e filosófico-jurídico. Tudo isso confirma que ela não é uma ciência (embora contenha conhecimentos de três ordens científicas: sociologia, história, direito) por lhe faltar a essencial unicidade epistemológica, isto é: a unicidade de objeto, a sua peculiaridade, a sua quiditas[...]” (p.3) 3. “[...]o essencial, num programa de Introdução à Ciência do Direito é que nos informe: a) que coisa é a ciência do direito, na qual o estudante irá ser introduzido; b) quais os conceitos fundamentais que o jurista, como cientista de tal ciência irá manipular em sua elaboração. (Se, além disso, nos ensina um pouco de sociologia jurídica e nos apresenta um quadro geral da evolução histórica do direito, tanto melhor, tanto mais didático)” (p.4) 4. “Se tomamos o tema a (que coisa é a ciência do direito) não vemos como negar-lhe o evidente teor epistemológico. No empenho de esclarecê-lo um professor de Introdução à Ciência do Direito ou o ator de um compêndio da disciplina, por mais sintético que seja, há de apresentar, ao menos, uma definição, um conceito, uma ideia do que seja a ciência do direito.” (p.5) 5. “Ora, se estudar a vida é o tema do biólogo, quando se está definindo a ciência da vida, a biologia, não se está ainda estudando a vida, mas uma ciência, embora aquela que leva a vida em seu nome. O tema não será aí, pois, a vida (bios) — biologia; mas uma ciência (episteme) — epistemologia. Não se estará fazendo então ciência, mas epistemologia, teoria da ciência.” (p.5) 6. “O mesmo se passa com o direito, sem dúvida. Tratar de direito é fazer ciência jurídica, dogmática e jurisprudência, mas tratar da ciência do direito, ainda que para o mister elementar de defini-la — é fazer epistemologia.” (p.6) 2 7. “Também a tarefa de definir e precisar os conceitos fundamentais do direito, de que o jurista se há de utilizar para a elaboração da ciência jurídica, também essa é uma temática epistemológica. Tradicionalmente esse estudo é conhecido sob a rubrica de Teoria Geral do Direito.” (p.6) 8. “O campo da Teoria Geral do Direito não é esse, mas aqueloutro muito mais genérico que consiste em precisar os conceitos gerais — relação jurídica, direito objetivo, sujeito ativo, sujeito passivo, prestação, ilícito, sanção etc. — sem os quais o jurista não pode lograr a realização do seu mister intelectual; sem os quais o jurista não pode responder rigorosamente ao quid juris.” (p.6-7) 9. “E se acaso uma Teoria Geral do Direito comporta ainda uma enciclopédia jurídica — i. e.: o estudo dos vários ramos do direito em seu conceito, sua fundamentação, sua temática etc., que envolve, para efeito de exemplificação, certa dose de conhecimento propriamente jurídico[...]” (p.7) 10. “E, se particularizando, me detenho na conceituação de um aspecto dessa técnica e me encarrego de conceituar a interpretação, a integração ou a aplicação e de analisar os seus processos e métodos, nem por isso estou fazendo técnica jurídica, mas apenas uma teoria geral da técnica, uma epistemologia.” (p.8) 2 - AS CIÊNCIAS DO DIREITO 2.1. A CONDUTA HUMANA EM DIVERSAS ABORDAGENS 1. “Com a conduta humana estamos diante da mais rica estrutura ôntica, o que permite a sua múltipla consideração por diferentes saberes que se ocupam do homem e suas obras.” (p.10) 2. “Assim é que ao lado das disciplinas científicas que se ocupam causalmente da conduta humana — a sociologia, a psicologia e a história, por exemplo —, tal objeto material abre uma vertente especial ao tratamento normativo, o que é uma peculiaridade sua.” (p.10) 3. “Toda e qualquer conduta nossa podemos submetê-la quer a uma consideração ética — moral e direito —, quer a uma consideração técnica. [...]Assim, toda vez que tendo em vista certos fins (que necessariamente ocorrerão após os meios) procuramos encontrar os meios idôneos de sua realização, estamos submetendo, a uma consideração técnica, o nosso procedimento.” (p.10) 4. “Se, ao contrário, a consideração da conduta segue o sentido temporal — dos meios para os fins —, temos uma consideração ética, seja moral ou jurídica. Por isso, a ética pode ser 3 conceituada como a realização do querido enquanto querido, por oposição à técnica — a realização do querido enquanto realização.” (p.10-11) 5. “Se ao considerarmos a conduta no mesmo sentido em que ela ocorre no tempo — isto é: dos meios para os fins — temos urna consideração ética, e se a consideração ética da conduta pode ser moral ou jurídica, importa que encontremos, no mundo da eticidade, um critério distintivo dos dois âmbitos que o constituem.” (p.11) 6. “Se tenho em mira que a conduta pode se relacionar ou interferir com outras condutas minhas ou de outros sujeitos humanos, terei desdobrado as duas possibilidades de interferência de conduta — a primeira meramente subjetiva (correlação entre o fazer e o omitir do mesmo sujeito) e a segunda, intersubjetiva. (correlação entre o fazer de um e o impedir de outro ou de outros sujeitos humanos). O primeiro é o ângulo da moral (conduta em interferência subjetiva) e o segundo, o peculiar ângulo do direito (conduta em interferência intersubjetiva).” (p.11) 7. “Um mesmo fato de conduta humana pode, assim, ser submetido, além de uma consideração causal, enunciável em termos da lógica do ser (dado A será B) , a diversas considerações normativas — técnica, moral, direito — enunciáveis todas em termos da lógica do dever-ser (dado A deve ser B).” (p.11) 2.2. OS SABERES JURÍDICOS 1. “A filosofia jurídica não é outra coisa que a universalidade da meditação filosófica aplicada ao objeto direito. [...]Assim é que aí cabem tanto uma especulação sobre o ser ou essência do direito, — ontologia jurídica — sobre a possibilidade do seu conhecimento, - gnoseologia jurídica — sobre as ciências que o elaboram — epistemologia jurídica — os valores jurídicos — axiologia ou deontologia jurídica — além da indagação sobre o caráter cultural do direito e sua vida histórica, — filosofia da história do direito ou culturologia jurídica.” (p.12) 2. “Além de servir de objeto à indagação filosófica, o direito é tema de diversos estudos científicos. Dentre esses, [...]vale salientar a sociologia jurídica e a história do direito. A diferença essencial da metodologia dessas duas disciplinas que abordam o jurídico sob a feição de um mesmo objeto material está no caráter generalizador da sociologia e no individualizador da História.” (p.12) 3. “[...]enquanto o sociólogo ataca à relação sociedade — direito em seus múltiplos aspectos, tentando encontrar as leis gerais da causalidade sócio-jurídica, o historiador 4 detém-se em cada um dos eventos da história jurídica dos povos para estudar-lhe a fisionomia peculiar em toda a sua riqueza individual.” (p.12) 4. “Não é por acaso que a primeira se denomina sociologia e a segunda historiografia. As desinências logia e grafia denunciam, a primeira uma teorização, o que vale dizer: uma generalização; a segunda, um descrever, o que vale dizer: um individualizar.” (p.12) 2.3. A CIÊNCIA DO DIREITO 1. “Tradicionalmente se tem atribuído à dogmática o caráter deuma ciência normativa no sentido mais comum dessa adjetivação, que seria aquele de um saber que predicasse normas. Tal seria um saber valorativo e, como tal, extracientífico, já que a ciência, para ser objetiva, teve de abandonar o campo das valorações, impossibilitada que está de dominá-las, por falta de um instrumento conceitual capaz de comprovar os acertos ou desacertos dos juízos de valor.” (p.13) 2. “Quando o princípio de neutralidade axiológica — que é esse voto de castidade espiritual mediante o qual a ciência se nega a fazer juízos de valor — não estava ainda entronizado à altura de um princípio do espírito científico, era possível supor como científico um conhecimento que predicasse normas. Tal foi o que ocorreu no passado com relação à ciência do direito, nesse primeiro e impróprio sentido em que se lhe aplica a qualificação de ciência normativa.” (p.13) 3. “Hans Kelsen interpretou em outro sentido a característica de ciência normativa atribuída à ciência do direito. Nesse peculiar sentido, hoje dominante, o direito é uma ciência normativa, não porque predique ou estatua normas — o que seria incongruente com a objetividade científica — mas porque tem por objeto normas. Por tratar de normas, seu objeto, é que a ciência jurídica poderia ser caracterizada como ciência normativa.” (p.13) 4. “O terceiro sentido da expressão ciência normativa, aplicada à do direito, é decorrência de uma concepção recente acerca do direito e da ciência especial que dele cuida. É fruto da teoria egológica do direito, nascida na Argentina, há cerca de trinta anos, por obra do Prof. Carlos Cossio[...]. Para a concepção egológica, o direito não é norma, mas conduta. Nisso, a radical separação entre o egologismo e a teoria pura do direito de Hans Kelsen.” (p.13-14) 5. “Assim é que, dado um determinado fato de conduta, somente confrontando-o com a norma poderei eu conceituá-lo juridicamente como faculdade, prestação, ilícito ou sanção, que são os quatro modos gerais de ser da conduta, quanto à sua conceituação 5 jurídica. Se é através da norma que eu posso conhecer juridicamente a conduta, a ciência jurídica será normativa, não porque estatua normas, não porque trate as normas como seu objeto, mas porque interprete seu objeto — a conduta — mediante normas[...]” (p.14) 6. “Sobre a natureza da ciência jurídica e, mesmo, seu caráter científico, não há unanimidade doutrinária. O predomínio da ideologia positivista no século XIX, e a consequente redução de todo saber válido ao esquema da ciência natural de tipo física, resultou, na mente do jurista, numa espécie de má consciência quanto aos títulos de cientificidade da velha jurisprudência, pois é óbvio que ela não se ajusta ao padrão experimental e generalizador das ciências de laboratório.” (p.14) 7. “[...]Kirchmann arrola os seus argumentos negadores da cientificidade da jurisprudência, todos eles influenciados pelo reducionismo epistemológico vigorante no século passado e tendente a identificar o conhecimento científico com o modelo vitorioso da ciência natural.” (p.14) 8. “Ciência, só a concebe Kirchmann — e, com ele, todo o seu século, além de uma respeitável tradição epistemológica que remonta ao mundo helênico —, de generalidades. Ora, como o direito é um fenômeno histórico — o que vale dizer: mutável — nenhuma generalização é aí possível, pois o geral é o estável, sobre o individual, não se podendo estabelecer generalização alguma.” (p.14) 9. “Essa instabilidade do que é histórico, que tanto tem perturbado a mente humana, de Parmênides aos nossos dias, representava, para Kirchmann, a mais flagrante impossibilidade de uma jurisprudência como ciência.” (p.14) 3 - FUNDAMENTAÇÕES DOUTRINÁRIAS DA CIÊNCIA JURÍDICA 3.1. O JUSNATURALISMO 1. “Como o direito é sempre um ensaio de ser direito justo — como diriam RADBRUCH e RECASÉNS SICHES — o que significa que ele envolve sempre um conteúdo axiológico, mas, ao mesmo tempo, é obra humana e, como tal, mutável no tempo e no espaço.” (p.16) 2. “Nesses filósofos clássicos, a ideia de um direito segundo a natureza, que se opunha a um direito segundo a convenção (injusta) dos homens, é fruto do caráter revolucionário, iconoclasta mesmo, que assumiu seu pensamento relativista em face às crenças e instituições vigentes na Grécia de seu tempo, especialmente a polis.” (p.16) 3. “Aristocrata, Cálicles combatia a polis democrática, assimilando o seu direito igualitário à mera convenção dos mais fracos, ardil injusto se comparado ao direito natural do mais forte, que nos ensina a própria natureza.” (p.16) 6 4. “Se já não mais vigia a polis, que para os gregos clássicos era o habitat da lei e da civilização, oposta à barbárie, a moral estóica já não mais poderia ser uma moral política como a de Platão e Aristóteles, mas uma moral segundo a natureza humana.” (p.17) 5. “Durante a Idade Média, [...]os fundamentos do direito natural jamais deixaram de ser a inteligência e a vontade divinas. Trata-se, portanto, aí, de uma teoria jusnaturalista de conteúdo teológico, unicamente compatível com uma sociedade e uma cultura marcadas essencialmente pela vigência de uma crença religiosa, pelo predomínio da fé.” (p.17) 6. “É obra do moderno processo de secularização da vida que a ideologia jusnaturalista abandonasse as raízes teológicas que a alimentaram durante toda a Idade Média, para ir buscar, na identidade da razão humana, os fundamentos de sua validade perene e universal.” (p.17) 7. “Foi obra de Hugo Grotius essa proeza intelectual que consiste em admitir que, mesmo suposta a inexistência de Deus, os preceitos do justo e do injusto continuariam válidos, uma vez que, como as ideias claras de imanentes à razão humana, que o racionalismo, já então dominante, aceitava como universais e imutáveis, quer no tempo, quer no espaço.” (p.17) 8. “Enquanto a atitude científica no campo do direito é aquela que pretende enfrentá-lo como ele é, encarando o direito positivo como fenômeno históricos, social, humano, o jusnaturalismo duplifica essa realidade para conceber, nos puros termos do que Kant chamaria de ilusão transcendental, uma esfera jurídica ideal, a do direito justo, que, padrão estimativo do direito positivo, dar-lhe-ia os fundamentos, não somente de validez como da própria existência, já que para o jusnaturalismo o direito injusto não é direito e nem vale como tal.” (p.18) 9. “A moderna axiologia fenomenológica, com a descoberta da bipolaridade dos valores, superou, definitivamente, todo e qualquer jusnaturalismo — embora os menos informados a suponham uma espécie a mais do jusnaturalismo. É que se, em oposição ao ser, o valor é bipolar, o direito, como objeto cultural, i.e: inscrito naquela região ôntica de objetos que ‘são enquanto devem ser’, pode ocorrer tanto sob a forma do direito justo como sob as mil e uma possibilidades de direito injusto.” (p.19) 10. “[...]pelo simples fato de ser um ideal valorativo, o direito natural é incompatível com a neutralidade axiológica a que, como ciência, também está sujeita a ciência do direito. Daí que, sobretudo, uma teoria do direito natural não possa servir a fundamentar uma verdadeira ciência do direito, uma vez que, não sendo neutral para o valor, essa teoria 7 deixaria de considerar como direito um ordenamento jurídico dado, por considerá-lo como transgressor das normas ideais da justiça eterna e imutável[...].” (p.19) 11. “Daí que as doutrinas jusnaturalistas tenham representado na história das ideias o papel de ideologias tanto conservadoras como revolucionárias, ora solidárias à conservação do status quo, idealizando as leis positivas como deduções da vontade divina ou de uma pretensa lei divina (Ideologia), ora expressões do descontentamento popular em face de regimes políticos superados, justificando ou preparando a arrancada revolucionária que faria substituir, a um direito condenando por injusto, um ordenamento jurídico que seria a própria encarnação do direito natural (Utopia).” (p.19)3.2. O EXEGETISMO 1. “Publicado em 1804 o Código de Napoleão, unificou-se o direito civil francês. Os juristas de então, presenteados com a monumental codificação — privilégio que não gozaram os seus antepassados, se remontarmos até à época das codificações bárbaras e romanas — entenderam que a tarefa do cientista do direito seria apenas a mera exegese do texto legal.” (p.20) 2. “AFTALIÓN, OLANO e VILANOVA entendem que um positivismo avalorativo, estatal e legalista é o que a caracteriza. Por este positivismo avalorativo, que identifica todo o direito com o direito positivo legal, a escola da exegese se encontra em condição bem mais propícia do que as doutrinas Jusnaturalistas para fundamentar uma ciência neutral do direito.” (p.20) 3. “Havia, porém, ao lado do princípio juspositivista, o contrapeso do legalismo estatista exacerbado. Esse legalismo vem à plena formulação teórica na comunicação que BLONDEAU — um dos corifeus do movimento — apresentou [...]. Aí defende o mais estrito positivismo legal, doutrinando que a sentença judicial deve fundamentar-se exclusivamente no texto legal. A interpretação é, para ele, mera exegese dos textos e sua finalidade, a descoberta da intenção psicológica do legislador.” (p.20) 4. “Laurent advertia que os códigos não deixam margem ao arbítrio do intérprete, que outra função não teria senão interpretá-los exegeticamente.” (p.20) 5. “As consequências hermenêuticas de tais princípios teóricos são fáceis de antecipar. Se o objetivo do jurista é conhecer a intenção psicológica do legislador, então a interpretação é mera exegese e o método que se há de utilizar é o método gramatical ou literal. Se a lei é 8 plena, se ela contém todo o direito, então a simples inteligência das palavras da lei (verba legis) e do seu espírito (mens legis) é o suficiente.” (p.21) 6. “Os mais extremados, como Blondeau, entendiam que nos casos em que a vontade do legislador não puder ser alcançada, o juiz deve abster-se de julgar, por não haver dispositivo legal em que fundamentar a sentença.” (p.21) 7. “Quanto à aplicação do direito ao fato, exegetas do Código de Napoleão foram os maiores responsáveis pela grande divulgação da metáfora kantiana e do silogismo judicial, uma vez que uma lei plena seria uma cômoda premissa maior de um perfeito silogismo de aplicação, cuja premissa menor seria o fato e que teria por conclusão a sentença.” (p.21) 8. “Chegada ao poder, por imposição sociológica que radica na própria vida humana, que tem de justificar-se em todos os seus atos, e, mui particularmente, nos de violência e desrazão, a burguesia teve de legislar. E legislando, que outra coisa poderia supor fosse tal legislação, senão o próprio direito natural que ela lutara para fazer coincidir com o direito positivo? Daí seu positivismo legal extremado. É que a legislação napoleônica, particularmente, não lhe aparecia apenas como uma legislação afortunada, mas como a própria realização do direito natural.” (p.22) 9. "[...]toda a época de recente codificação é idólatra da lei, que se apresenta no corpo dos códigos como algo completo e acabado. A ciência do direito fica, então, reduzida à mera tarefa de glosadores e exegetas. Muitos legisladores do passado chegaram ao cúmulo de proibir, mesmo, os comentários às suas legislações ‘imortais’.” (p.23) 10. “Também contribuiu para a adoração do Código Napoleônico por parte da escola de exegese o acentuado racionalismo do século das luzes [...]. O racionalismo é apaixonado da simetria, da construção lógica impecável, geométrica, perfeita. Ora, nenhuma das manifestações outras do direito pode apresentar em tão alto grau essas virtudes como a lei, especialmente se codificada.” (p.23) 11. “Tanto o irracionalismo romântico é adepto da não-codificação, da livre manifestação do direito consuetudinário, como o racionalismo francês é o apologista da codificação napoleônica.” (p.23) 12. “Aliás, levando a sério esta doutrina e o princípio da escusada ignorância da lei, quase que se poderia dizer que quem iniciasse uma demanda deveria, em rigor, ser punido, por faltar àquele princípio. [...]Hoje não há quem, de sã consciência, seja capaz de esposar, em termos (na prática jurídica, muito menos, mas, na mente do vulgo, o direito continua sendo a lei), a teoria da plenitude da lei.” (p.24) 9 13. “Ao lado de todas as críticas que, do ponto de vista da hermenêutica, sustentam as escolas interpretativas contra a concepção legalista da escola de exegese, importa ainda assinalar que, de nossa atual perspectiva, neste trabalho, a sua concepção é obsoleta porque reduz a ciência do direito a mera técnica de aplicação silogística da lei plena. Em rigor, não há, aqui, ciência, mas mera e humilde técnica jurídica.” (p.25) 3.3. O HISTORICISMO JURÍDICO 1. “Se os homens do iluminismo, vanguarda intelectual da revolução, eram progressistas, firmemente convictos do advento de um milênio de liberdade, igualdade e fraternidade, os românticos iniciais eram tradicionalistas, passadistas mesmo, além de irracionalistas. Desse seu passadismo fizeram a ponte que os conduziu ao historicismo, a historiografia sendo a grande realização do espírito romântico no plano da ciência.” (p.26) 2. “No plano do pensamento jurídico, esse irracionalismo historicista conclui em valorização do costume, manifestação espontânea (irracional) do espírito nacional (nacionalismo), e de caráter medievalizante e feudal (conservadorismo, reacionarismo). Tal foi, em última instância, o papel da escola histórica do direito.” (p.26) 3. “Com isso, com descobrir a realidade histórica, cultural do direito como única realidade jurídica, Savigny deu um imenso impulso à fundamentação da ciência do direito em bases positivas. A esse achado teórico — donde tira consideráveis consequências — Carlos Cossio denomina a ‘ontologização’ do direito positivo.” (p.27) 4. “A partir dessa importante descoberta, Savigny propugna, para o tratamento científico do direito, por um método que Hernandez Gil caracteriza com as notas de empirismo, causalidade e determinismo, irracionalismo e relativismo.” (p;27) 5. Empirismo, donde o direito ser um objeto real, cujo conhecimento deriva da experiência, com o que rebate todo e qualquer jusnaturalismo. Causalidade e determinismo, pois o direito, como fenômeno histórico, não se produz livremente, mas cria-se em virtude de uma necessidade segundo a qual o posterior está ligado ao anterior e por este determinado.” (p.27) 3.4. O SOCIOLOGISMO JURÍDICO 1. “Na formulação comtiana, a sociologia seria a única ciência social, a ciência geral da sociedade como uma autêntica física social. Direito, história, economia, etnologia, 10 política, todas as ciências do humano não passariam de setores da ciência total da sociedade — a sociologia.” (p.29) 2. “Enquanto prevaleceu a consideração da sociologia como uma ciência enciclopédica do social, os sociólogos continuaram entendendo [...]as demais ciências da cultura como departamentos mais ou menos autárquicos da ciência geral da sociedade.” (p.29) 3. “[...]a ciência do direito se viu dominada pelo então ascendente imperialismo sociológico, os juristas fazendo praça de sociologismo, como a única via de positivação para o saber jurídico.” (p.30) 4. “Pretendendo reeditar no campo do direito o que Augusto Comte afirmara ser a lei do desenvolvimento mental da humanidade, [...]León Duguit pretende basear a ciência jurídica na pura observação, nos puros fatos sociais.” (p.31) 5. “Daí é que, partindo da teoria durkheimiana da solidariedade social, baseada na divisão do trabalho, fundamente o direito no puro fato social do sentimento de solidariedade, ao qual ajunta, depois, o não menos fáctico sentimento de justiça.” (p.31) 6. “Mas, a crítica mais severa que se pode lançar sobre Duguit é que a sua teoria da solidariedade social contraria os próprios propósitos iniciais de sua obra, pois, como bem observa o Prof. Goffredo Telles Júnior, ‘Duguit pretende que o direitose funda num facto, ou, em outras palavras, que o facto se faz norma’, o que é predicar valores dos fatos, ou antes, injetar valores nos fatos, tendo rejeitado, antes, por jusnaturalismo, qualquer consideração valorativa do fenômeno jurídico, por ser incompatível com o realismo de seu experimentalismo. Pretendendo predicar valores do fato social da solidariedade, Duguit se torna permeável a um insinuante jusnaturalismo, que ele tanto e tão rudemente combatera.” (p.32) 7. “Entendendo que o direito emana das instituições, e, sendo estas meros fatos sociais, Hauriou não foge ao sociologismo; é verdade que com as mesmas implicações jusnaturalistas de Duguit, [...]que pode ser caracterizado por Cossio como expressão da ideologia jurisfilosófica, a mais infecunda de nossa época. Uma manifestação a mais de sociologismo eclético encontramo-la na concepção da ciência do direito de François Gény.” (p.32) 8. “Fundamentado numa filosofia do senso comum — que não nos parece a mais a propósito para esses difíceis misteres epistemológicos — Gény, após confessar que o direito não é uma ciência propriamente dita (em cuja lista inclui apenas: matemáticas, física, química, ciências naturais, psicologia e sociologia pura) mas sim uma arte, concede, surpreendentemente, que ela seja um ramo da moral. Isso dá bem uma amostra 11 da frágil consistência filosófica que a filosofia do senso comum pode emprestar à fundamentação epistemológica que intenta Gény.” (p.33) 9. “A tradição sociologista alcançou também as províncias, e dentre elas, a Bahia, onde uma razoável tradição de estudos filosófico-jurídicos pode ser encontrada. O primeiro dos ocupantes da cadeira de Filosofia do Direito da faculdade local, o ilustre Prof. Leovigildo Filgueiras [...]. Há, portanto — escreve ele —, uma ciência especial, distinta das ciências sociais singulares, que tem por objeto as leis gerais da estrutura e das funções do organismo social e para a qual aquelas ciências estão como as unidades autônomas de uma federação para o seu centro federal”. (p.36) 10. “Uma outra e também vigorosa expressão do sociologismo jurídico é representada pela ‘scuola positiva’ do direito penal, cuja repercussão ímpar podemos prescindir de salientar por excessivamente notória. Opondo-se ao direito penal clássico de Beccaria, Lombroso investe sobre o panorama da ciência penal de seu tempo como um inovador revolucionário.” (p.37) 11. “Ferri, seu discípulo, fundamenta a sociologia criminal ampliando a causalidade delitual com elementos vários e enfatizando sobremodo o peso do ambiente social entre as concausas do delito.” (p.37) 12. “Por seu cientificismo determinista de inspiração positivista, o marxismo tende para o sociologismo no campo do direito. Mas, por ser um humanismo, malgrado seu embora, a outra vertente do seu esquema teórico vai desaguar em normativismo jurídico com laivos inequívocos de jusnaturalismo messiânico.” (p.38) 13. “[...]o sociologismo, embora uma contrafacção jurídica, traz no seu bojo uma verdade de alto porte. E — como diria Ortega — um grande erro é sempre uma grande verdade; apenas adulterada, violentada, exagerada... E a grande verdade que o sociologismo encarna, parcialmente embora, é uma revolta contra o velho abstracionismo racionalista da jurisprudência tradicional, o seu esclerosamento, o seu formalismo, a sua separação radical da vida real e efetiva.” (p.41) 3.5. O NORMATIVISMO 1. “A babel epistemológica que o sociologismo eclético instalou no plano da ciência jurídica teria de, necessariamente, provocar uma reação purista. Tal foi o intento de Hans Kelsen, criador genial da teoria pura do direito.” (p.42) 12 2. “Observando a tendência da moderna ciência do direito para fundir-se com à sociologia, por um lado, ou para identificar-se — em sua expressão jusnaturalista — com a filosofia jurídica, Kelsen submete-a a uma dupla[...]: ‘A ciência particular do direito, a disciplina comumente chamada jurisprudência, deve ser distinguida da filosofia da justiça, por um lado, e da sociologia, ou conhecimento da realidade social, por outro’.” (p.42) 3. “Colocada na perspectiva do ser, a sociologia jurídica responde à indagação sobre o efetivo comportamento jurídico dos homens, atentando para os porquê causais condicionadores dessa conduta, enquanto a ciência do direito, colocada no plano do dever-ser (dever-ser lógico, entenda-se) é uma ciência de objetos ideais que tem em mira conhecer as normas que dão um sentido jurídico à conduta humana. A primeira é, pois, uma ciência explicativa e a segunda, normativa; e é esta, aliás, a distinção que estabelece Kelsen entre as ciências do mundo natural e as da sociedade.” (p.42-43) 4. “E o que é, pois, a norma? Rejeitando a caracterização tradicional que vê em a norma jurídica um mandado, uma ordem, Kelsen a encara como um juízo ou proposição hipotética. [...]dada a não-prestação deve ser a sanção, eis a formulação da imputação hipotética em a norma jurídica primária, com o que Kelsen configura a norma jurídica como norma coativa.” (p.43) 5. Fiel a essa estrita consideração normativista do direito, Kelsen reduz ao monismo os dualismos clássicos da ciência tradicional do direito. O primeiro e o mais egrégio desses dualismos é o que distingue entre ‘direito natural e direito positivo’, [...]também ao dualismo direito objetivo — direito subjetivo. [...]Também subsiste não dualismo clássico que distingue os sujeitos de direito em pessoas naturais e pessoas jurídicas” (p.44) 6. “Fica, assim, dissolvida a contradição inerente à teoria tradicional, para a qual o Estado de direito seria um Estado (criador do direito), regulado pela sua criatura — o Direito. O Estado e o Direito assim identificados constituem um sistema normativo — a ordem jurídica.” (p.45) 7. “Nesse ponto, a teoria pura faz apelo a um postulado gnosiológico do conhecimento jurídico — a norma fundamental hipotética. Com dizer-se hipotética está claro que ela não é uma norma positiva como as outras, mas uma hipótese necessária ao conhecimento do direito positivo e ao seu tratamento científico.” (p.46) 8. “Se o jusnaturalismo racionalista foi a expressão do mundo burguês ascendente, o historicismo a expressão da contra-revolução, o legalismo exegético e o positivismo sociológico as ideologias jurídicas do mundo burguês dominante, o relativismo da teoria 13 pura será o pensamento jurídico solidário com o período de transição e de decadência do mundo burguês em que vivemos.” (p.47) 9. “Disso podemos concluir que, embora já acossada pela posição de Carlos Cossio e da escola egológica, a posição dominante em epistemologia jurídica é, hoje ainda, o normativismo, de que a teoria pura de Hans Kelsen é expressão mais literal e significativa.” (p.49) 3.6. O EGOLOGISMO 1. “Como um importante marco do grande movimento filosófico-jurídico que caracteriza a presente centúria, temos, na Argentina, o esplendoroso florescimento jurisfilosófico que a escola egológica representa. Uma particularidade,. porém, caracteriza especialmente a meditação jurisfilosófica de Carlos Cossio e seus discípulos é o fato de que — no dizer do próprio chefe da escola — ‘la teoría egológica no cree que pueda hacerse con provecho una filosofía sobre el Derecho a secas’.” (p.50) 2. “Daí que todo o interesse da meditação egológica esteja voltado para a ciência do direito, para tarefa proporcionar ao jurista o uso dos instrumentos mentais que o capacitem ao melhor tratamento do direito positivo.” (p.50) 3. “Com tal objetivo epistemológico, Cossio se apropria do instrumental teórico da filosofia contemporânea, daí retirando, em particular, para a sua construção teorética, o que ele considera as três contribuições fundamentais da filosofia atual para o estudo do direito: a teoria dos objetos, a lógica do dever-ser e a idéia do tempo existencial.” (p.50) 4. “Tal teoria dos objetos reconhece quatro regiões ônticas ou quatro ontologias regionais, a saber: a) os objetos ideais, quese caracterizam por serem irreais, não se darem na experiência e serem neutros de valor, e cujo processo cognoscitivo é a intelecção, que se realiza através o método racional-dedutivo; b) os objetos naturais, reais, que se dão na experiência, são neutros ao valor e cujo processo de conhecimento é a explicação, realizável por meio do método empírico-indutivo; c) os objetos culturais, que são reais, estão na experiência, são positiva ou negativamente valiosos e são conhecidos mediante o processo gnosiológico da compreensão, por meio do método empírico-dialético; d) os objetos metafísicos, que têm existência real, não estão na experiência sensível e são valiosos positiva ou negativamente.” (p.50) 5. “O direito, por inexistir, no caso, um objeto físico que lhe constitua o suporte, é um objeto egológico, por consistir em conduta, conduta humana interferência intersubjetiva, 14 que é o que o distingue da moral, segundo a famosa distinção de Del Vecchio, que Cossio transporta do plano lógico para o ontológico.” (p.51) 6. “Assim, a teoria pura do direito, entendido como lógica jurídica formal, é assimilada ao acervo teórico da escola egológica, como o estilo de pensamento próprio do jurista no enfrentar-se com a conduta em interferência intersubjetiva, que é o direito.” (p.52) 7. “Não é, porém, sem certas profundas alterações que Cossio assimila a teoria pura do direito. Entre tais modificações está a transformação da estrutura lógica da norma jurídica em um juízo disjuntivo, em uma disjunção proposicional, ao contrário de Kelsen, que a admitia como um juízo hipotético.” (p.52) 8. “Na formulação egológica, ao contrário, numa estrutura disjuntiva, tanto prestação como a sanção assumem o caráter essencial na relação jurídica e na estrutura lógica que pensa: [...] ‘Dada una situación vital como hecho antecedente, debe ser la prestación por alguién obligado frente a alguién titular; o dado el entuerto, debe ser la sanción a cargo de un funcionario obligado por la comunidad pretensora’.” (p.52) 9. “De posse dessa estrutura disjuntiva, Cossio pôde melhor ainda do que Kelsen ordenar hierarquicamente o conjunto das normas jurídicas na estrutura piramidal que compõe o ordenamento jurídico. Com efeito, se a prestação da endonorma não se verifica, teremos a sanção que é a obrigação ou prestação de uma endonorma que se dirige ao juiz, o qual, se não a realiza, estará sujeito a uma sanção, que, por sua vez, será a prestação de uma nova endonorma dirigida a quem tenha a competência legal para sancionar o juiz prevaricador, e assim até a norma fundamental.” (p.52) 10. “Outro ponto em que a teoria egológica reforma a teoria pura é na revalorização do direito subjetivo que o conceito do direito como conduta, i.e.: como liberdade metafísica fenomenizada vem acarretar. A liberdade é, nessa perspectiva, um prius donde há que partir. Originariamente toda conduta é permitida. Todo direito é assim um contínuo de licitudes e um descontínuo de ilicitudes. Daí que o princípio ontológico não seja conversível com o é o juízo analítico ‘tudo que não é ilícito é lícito’.” (p.53) 11. “Sobre esse prius da liberdade humana, esse contínuo de licitudes, a determinação normativa vai estabelecendo as ilicitudes. É a norma, pois, que especifica a conduta em interferência intersubjetiva nas quatro formas gerais do direito: prestação, faculdade, ilícito, sanção. Antes da norma, não haveria tal especificação.” (p.53) 12. “A relação entre norma e conduta é, pois, para Cossio e sua escola, uma relação de conceito a objeto, a norma sendo o conceito que pensa a conduta em sua liberdade. O juízo enunciativo, próprio das ciências naturais, não poderia pensar a liberdade senão 15 matando-a como tal liberdade. Daí que, prescindindo da liberdade, a lei científica esteja endereçada à previsão: ‘savoir pour prévoir’.” (p.54) 13. “Além da estrutura normativa, elemento formal e necessário, a experiência jurídica encerra o conteúdo dogmático, material e contingente e a valoração jurídica, a um só tempo material e necessária. A existência desse momento material e necessário, que é a valoração jurídica, leva-nos, por conseguinte, ao problema dos valores Jurídicos. Quais são eles? ” (p.54) 14. “Cossio responde a essa pergunta indicando, como tais, todos os valores bilaterais de conduta que, no seu entender, formam o plexo axiológico-jurídico, composto de sete valores: ordem, segurança, poder, paz, cooperação, solidariedade e justiça.” (p.54) 15. “Daí que, embora a ciência seja natural para o valor (e a ciência jurídica o é graças, exatamente, à lógica do dever-ser, já que à base da lógica do ser ela afirmaria valores), a ciência do direito envolva uma certa valoração.” (p.54) 16. “Outrossim, se a norma é o objeto da ciência jurídica e pela legislação o jurista cria normas, estamos em face da raridade epistemológica de uma ciência construir o seu objeto material. Que a ciência cria, ou melhor, constrói, até certo limite, um objeto, é uma verdade que o neokantismo deixou patente. Mas o objeto de que aí se trata é o formal, não o material [...].” (p.57) 17. “Se a posição egológica pode esquivar-se a todas as contradições do normativismo, pode, ainda mais, resolver certas questões que até aqui tinham sido a pedra no sapato do jurista. Tais são as questões das mudanças de jurisprudência, do desuso da lei e da sentença contra legem. Por menos que o normativismo possa convenientemente explicar essas questões, ou melhor, esses fatos, eles são constantes da experiência jurídica, que uma teoria da ciência do direito precisa explicar, dar razão. E isso é o que consegue, brilhantemente, o egologismo [...].” (p.58) 18. “Se do normativismo kelseniano e seu purismo metodológico poderíamos dizer que aquilo tudo que, em matéria jurídica, o desconhece tem um ar inevitável de passado, de demodé, do egologismo poderíamos dizer que é a esplendorosa conclusão do purismo metodológico de Kelsen. E com o saldo favorável que é o colocar a ciência jurídica em sua exata posição, como ciência da realidade.” (p.59) 16 Universidade Federal da Bahia - UFBA Faculdade de Direito - Componente Teoria do Direito II Docente: Bernardo Montalvão Discente: Viviane Cristo Santos Questionário elaborado com referência na obra: MACHADO NETO, Antônio Luís. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. Editora Saraiva, 6ª Ed. São Paulo, 1988. 1) Segundo Machado Neto, o estudo de Introdução à Ciência do Direito possui um caráter não científico, mas sim enciclopédico. Além disso, ele define também esse conhecimento como sendo uma epistemologia. Explique por qual motivo ele usa essas denominações. Resposta: Machado Neto usa da denominação “enciclopédico” para se referir à área de Introdução à Ciência do Direito pelo motivo de este possuir um aparato de conhecimentos científicos, englobando os princípios sociológicos, jurídicos e históricos, além de um aparato de conhecimentos filosóficos, gerais e introdutórios ao estudo da ciência jurídica. Dessa forma, para ele, quando nós falamos em Introdução à Ciência do Direito, estamos nos remetendo a uma espécie de tripé que funciona como âmago para esse estudo. Ou seja, levando ao pé da letra o significado de enciclopédia, podemos pontuar que esta é uma reunião de conhecimentos humanos de maneira ordenada e metódica. Sendo assim, podemos relacioná-la com a Introdução à Ciência do Direito por seu caráter compilador de conhecimentos específicos e indispensáveis, neste caso, ao estudo da ciência jurídica. Além disso, ele denomina também essa área de conhecimento como sendo uma "epistemologia". Levando em conta a etimologia da palavra, onde “episteme” se refere a ciência e “logos” que se refere ao estudo de algo, podemos concluir que este seria o estudo do que é necessário para se fazer ciência. Ou seja, segundo Machado Neto a Introdução à Ciência do Direito seria a teoria de como se elabora o conhecimento jurídico científico, este que se faz propedêutico para o entendimentoe aprofundamento no estudo da ciência do direito e ao ensino de vários ramos jurídicos. O autor afirma ainda que um dos motivos de Introdução à Ciência do Direito não ser ciência é o fato de lhe faltar “unicidade epistemológica, isto é: a unicidade de objeto, a sua peculiaridade, a sua quiditas” (p.3). Ou seja, ele tem dentro de si diversas áreas do 17 conhecimento, mas ele não tem um objeto de estudo específico em que somente ele estude, algo que o projete em tornar-se especializado. 2) Machado Neto afirma que, a depender do objeto que o conhecimento em questão estuda, o saber científico se diferencia. Desse modo, um dos fatores que distingue os conhecimentos científicos é o seu objeto de estudo, que no caso do direito ele afirma ser a conduta humana. Partindo desse pressuposto, aborde a conduta humana, levando em conta suas categorizações e particularidades, de acordo com o que é dito pelo autor. Resposta: Machado Neto afirma que, para ele, o objeto estudado pelo direito é a conduta humana, contudo, este objeto pode ser abordado de diferentes maneiras a depender do método empregado. Ou seja, ele afirma que esse mesmo objeto de estudo pode ser utilizado pelo direito, pela sociologia, pela psicologia, pela história etc, mas o que diferencia cada um deles é o método empregado no estudo. Nesse sentido, o autor faz uma distinção entre as disciplinas científicas que se ocupam causalmente da conduta humana, das que se ocupam normativamente. Dessa forma, advindo desse ítem distintivo, o autor desenvolve que algumas disciplinas científicas, a exemplo da sociologia, psicologia e história, partem de uma análise alicerçada na relação de causalidade, buscando explicar e interpretar uma relação lógica de algo. Ou seja, elas referem-se ao mundo do “ser” (da causa e efeito). Enquanto que, algumas disciplinas científicas se ocupam normativamente da conduta humana, como é o caso do direito, de modo que buscam exercer controle da conduta humana por meio da norma, referindo-se ao mundo do “dever ser”. A partir disso, toda e qualquer conduta, dentro do tratamento normativo, pode ser submetida quer a uma consideração ética, onde incluem direito, moral e religião, quer a uma consideração técnica. A exemplo da consideração técnica, podemos utilizar o conceito do manual de instruções, onde são dadas ordens do que deve ser feito com o aparelho em questão por meio de noções técnicas. Já as considerações éticas são aquelas que prescrevem como o homem deve agir. Em conseguinte, quando tratamos de saber ético, levamos em conta que este obedece a ordem temporal, enquanto que o saber técnico não obedece a ordem temporal. A ordem temporal nada mais é do que a relação entre meios e fins, ou seja, o saber técnico elege primeiro os fins que ele quer alcançar para depois eleger os meios válidos para chegar a esse 18 fim (“os fins justificam os meios”), enquanto que o saber ético elege-se o meio para só depois se preocupar com o alcance da finalidade. Machado Neto nos diz ainda, a fim de distinguir direito e moral, que no caso das normas jurídicas há uma caracterização pela interferência intersubjetiva, ao passo que no caso das normas morais há uma interferência subjetiva. “Se tenho em mira que a conduta pode se relacionar ou interferir com outras condutas minhas ou de outros sujeitos humanos, terei desdobrado as duas possibilidades de interferência de conduta — a primeira meramente subjetiva (correlação entre o fazer e o omitir do mesmo sujeito) e a segunda, intersubjetiva. (correlação entre o fazer de um e o impedir de outro ou de outros sujeitos humanos). O primeiro é o ângulo da moral (conduta em interferência subjetiva) e o segundo, o peculiar ângulo do direito (conduta em interferência intersubjetiva).” (p.11). Ou seja, as normas jurídicas regulam relacionamentos entre duas ou mais pessoas, enquanto que as normas morais regulam a relação que a pessoa trava consigo, como é o caso do remorso ou arrependimento, que nada mais são que uma sanção moral aplicada a si mesmo. De qualquer forma, é inegável que a moral influencia diretamente na elaboração das normas jurídicas. Vale salientar que nada impede que haja coincidência de disposição entre as duas espécies de deveres, como é o exemplo do dever de não caluniar, que funciona como dever tanto moral quanto jurídico, a depender das suas especificidades. 3) Machado Neto afirma existir ao menos três maneiras de analisar a relação entre o direito e a norma, trazendo, inclusive, as colocações e contribuições feitas por Hans Kelsen e Carlos Cossio. A partir disso, quais são essas três maneiras e o que os autores/juristas em questão dizem a respeito? Resposta: A princípio, Machado Neto diz que, como primeira maneira, no contexto tradicional tem-se atribuído à dogmática o caráter de uma ciência normativa em seu sentido mais comum e literal, que seria pelo motivo de ela ser um saber que predica normas. Ou seja, tradicionalmente a dogmática é uma ciência normativa porque prega/impõe as normas. No entanto, isso faria dela um saber valorativo e, consequentemente, extra científico, ao passo que para se tornar ciência precisa ser objetiva. Contudo, Machado Neto afirma que o princípio de neutralidade axiológica (que era justamente uma espécie de vínculo de garantia onde a ciência se nega a fazer juízos de valor) não era ainda sublime como um princípio indicativo de 19 espírito científico, fazendo com que fosse possível considerar como científico um conhecimento que predicasse normas. Partindo desse pressuposto, apontando como a segunda maneira, Machado Neto menciona Hans Kelsen, ao passo que “ele interpretou em outro sentido a característica de ciência normativa atribuída à ciência do direito” (p.13). Nesse sentido, que segue a neutralidade axiológica hoje dominante, o direito é uma ciência normativa não porque predica normas, pois assim seria incongruente com a objetividade científica, mas sim porque toma as normas como seu objeto de estudo. Dessa forma, por ele estudar as normas é que a ciência jurídica poderia ser caracterizada como ciência normativa. Ou seja, do ponto de vista de Hans Kelsen, o que faz do direito uma ciência não é a norma que será imposta, se ela é justa ou injusta ou a finalidade pretendida ao impor essa norma, mas sim a pretensão de descrever e explicar o que é uma norma. A terceira maneira, trazida por Machado Neto, é discutida por Carlos Cossio, onde ele descreve “o sentido da expressão ciência normativa” como sendo “decorrência de uma concepção recente acerca do direito e da ciência especial que dele cuida” (p.13), que seria a teoria egológica. Cossio, por meio da concepção egológica, afirma que o direito não é norma, mas sim conduta. Mais adiante, ao se tratar da conduta, ele ainda faz a ponderação acerca da distinção entre a ótica de causalidade (estudada pela sociologia, psicologia e história, por exemplo) e a ótica normativa, que é a que ele põe em questão ao se tratar do direito, a conduta quanto à sua conceituação jurídica. Ou seja, como é dito por Cossio: “se é através da norma que eu posso conhecer juridicamente a conduta, a ciência jurídica será normativa, não porque estatua normas, não porque trate as normas como seu objeto, mas porque interprete seu objeto — a conduta — mediante normas” (p.14). Essas três maneiras podem ser entendidas resumidamente através do quadro abaixo: 20 4) Ao falar de Jusnaturalismo, Machado Neto faz uma espécie de evolução histórica dos seus diversos tipos. A partir disso, o conceitue e explique cada um desses tipos existentes. Resposta: De acordo com a teoria do jusnaturalismo, o direito é algo natural e anterior ao ser humano, dessa forma deve seguir sempre aquilo que condiz aos valores da humanidade e ao ideal de justiça. As leis que compõem o jusnaturalismo são tidas como imutáveis, universais, atemporais e invioláveis, pois estão presentes na natureza do ser humano. A partir disso, Machado Neto traz, logo no início do seudesenvolvimento, uma frase de Stammler que diz que "o direito é sempre um ensaio de ser direito justo”. Em contrapartida, vale salientar que essa afirmação é contestável, de modo que, justiça acaba sendo mutável no tempo e no espaço, além de ser ditada por alguém em questão, culminando por ser relativa. Um exemplo disso é que, extremistas como Hitler, Mussolini e o talibã, por exemplo, ditavam uma perspectiva do que é justo mas que, do ponto de vista das premissas jurídicas humanizadas, são absolutamente absurdas e repudiáveis. No que diz respeito à evolução histórica dos tipos de jusnaturalismo, Machado Neto inicia falando sobre o jusnaturalismo sofístico, onde ele diz que o direito justo para os sofistas é o direito dos mais fortes dentro da sociedade, seja essa força física, financeira, intelectual etc. Há quem interprete essa expressão “mais fortes” como referindo-se aos cidadãos, como os da Grécia Antiga (Atenas), visto que os critérios de cidadania eram: ser homem, ser grego, ser adulto não ancião, e não ser estrangeiros. Logo na sequência, Machado Neto fala sobre o jusnaturalismo que aparece na obra de Platão e Aristóteles. Para eles o direito natural seria uma combinação das seguintes exigências: deve ser um direito da maioria (direito das normas gerais), um direito imutável, um direito universal e um direito dado (não construído pelos homens ou fruto da mente humana, mas sim decorrente de algo que nos foi dado pela natureza, pelo Cosmos). Para Platão e Aristóteles o universo cósmico estava na mais absoluta perfeição, com uma razão de ser e com regras de disciplina. Em seguida, Machado Neto discute sobre o jusnaturalismo teológico, este que é vinculado à figura de Deus, ao cristianismo e ao catolicismo. Esse jusnaturalismo existiu exclusivamente na Idade Média e ele entendia o direito natural como algo dado por um Deus, cujo o porta-voz é a igreja, com base em religiões monoteístas. Machado Neto nos traz ainda o conceito de jusnaturalismo moderno, ou racional, seguindo juntamente com o jusnaturalismo iluminista, ou contratualista, este que contou com 21 três grandes nomes: Jean-Jacques Rousseau, John Locke e Thomas Hobbes que explicam o jusnaturalismo com base na perspectiva do contrato social. No final do século XVIII e início do século XIX, com a Revolução Francesa e a ascensão do cientificismo e do positivismo do direito, o jusnaturalismo correu risco de desaparecimento, vindo a reaparecer apenas no século XX e depois da Segunda Guerra Mundial. “A moderna axiologia fenomenológica, com a descoberta da bipolaridade dos valores, superou, definitivamente, todo e qualquer jusnaturalismo” (p.19). 5) A escola da Exegese é uma ramificação doutrinatária do positivismo jurídico que é extremamente ligada ao Código Napoleônico. Explique-a segundo o que é dito por Machado Neto e pelos nomes mais representativos trazidos por ele. Resposta: A escola da Exegese, ou moderna ciência do direito, surge no início do século XIX num contexto de caos político e social vivido na Revolução Francesa. Nesse período, com a ascensão de Napoleão Bonaparte ao poder, a burguesia criou um código civil denominado Código Napoleônico, este que levou os juristas da época a entenderem que a tarefa do cientista do direito seria a exclusiva exegese do texto legal. Um traço característico do exegetismo é o legalismo estatista exacerbado, este em que a sentença judicial deveria fundamentar-se exclusivamente no texto legal. “A interpretação é, para ele, mera exegese dos textos e sua finalidade, a descoberta da intenção psicológica do legislador.” (p.20). Laurent advertia que no código civil em questão não havia margem para interpretações e que os juristas não teriam outra função além de interpretá-lo exegeticamente, ficando assim famosa a afirmação feita por Bugnet onde diz “eu não conheço o direito civil, só ensino o Código de Napoleão”. Tais princípios teóricos trouxeram consequências hermenêuticas, como é dito por Machado Neto, e uma delas é que, levando em conta que o objetivo do jurista é conhecer a intenção psicológica do legislador e a interpretação é pura exegese, o método que se deve utilizar é o gramatical ou literal. Ou seja, “se a lei é plena, se ela contém todo o direito, então a simples inteligência das palavras da lei (verba legis) e do seu espírito (mens legis) é o suficiente.” (p.21). Em contrapartida, por mais que a escola assumisse a plenitude da lei, o Código Napoleônico deixava sempre alguns pontos em aberto, de vazio estimativo, e isso se dava pelo fato da constante mudança e das contínuas inovações causais da vida que criavam 22 situações em que o legislador desconhecia e não conseguia prever. Nessas situações, Blondeau acreditava que o juiz deveria abster-se de julgar, por não haver dispositivo legal em que fundamentar a sentença. No entanto, nem todos os adeptos da escola eram tão extremados, a maioria tolerava, nesses casos, a utilização seja do argumento a contrario, seja do argumento a pari, ambos que aceitavam a analogia como procedimento de integração. A forma com que a Escola Exegética relacionava-se com o direito era bastante limitada “porque reduzia a ciência do direito à mera técnica de aplicação silogística da lei plena” (p.25)., fazendo com que surgissem, de todos os lados, adversários e críticos a esses fundamentos. Contudo, é válido afirmar que o Código Napoleônico e a escola da Exegese representaram um grande avanço, na época, para a ciência do direito e satisfizeram os anseios de ordem e segurança jurídica do povo francês. Dentre essas contribuições deixadas pela escola exegética, pode-se destacar a ênfase na importância da lei na busca pela segurança jurídica, a importância na criação do conceito de estado democrático de direito e o fortalecimento do princípio da legalidade. 6) A escola sociológica, ou Sociologismo Jurídico, surgiu com Émile Durkheim, sociólogo do século XIX que influenciou o Direito com seus estudos. Sobre ela, marque a alternativa que indica corretamente qual o fundamento que a corrente se embasa para explicar o direito. A) O Sociologismo Jurídico se embasa numa lei imutável e inviolável, esta que condiz aos valores da humanidade e ao ideal de justiça. B) O Sociologismo Jurídico se embasa em um código civil, denominado Código Napoleônico, que não permite o arbítrio à interpretação e segue fielmente a lei. C) O Sociologismo Jurídico se embasa exclusivamente nas normas jurídicas existentes e provenientes do Estado. D) O Sociologismo Jurídico se embasa no fato social, sendo uma enciclopédia do saber científico no âmbito social. Resposta: A resposta correta é a letra “D”, de modo que, o Sociologismo Jurídico compreende a reunião de conceitos que vislumbram o direito sob o prisma predominante do fato social, considerando-o mero componente dos fenômenos sociais suscetível de ser estudado segundo nexos de causalidade, assim como ocorre nas ciências naturais. Pretendendo reeditar no 23 campo do direito o que Augusto Comte afirmou ser a lei do desenvolvimento mental da humanidade, León Duguit baseou a ciência jurídica na pura observação, nos puros fatos sociais. Ele compreende o direito como um mero ramo da sociologia, de modo que repele a fundamentação racionalista, bem como a justificação de cunho axiológico. Duguit construiu sua teoria a partir de dois pilares: o indivíduo e a solidariedade social, compreendendo esta última como o fundamento do direito. “A contribuição de Duguit foi fundamental para a jurisprudência, uma vez que buscou convencer os juristas franceses que o direito é uma força social, e o que princípio da solidariedade social do direito deve ser considerado pelo legislador, bem como pelo intérprete, contrariando os modelos de formalismo abstrato presenta na realidade jurídica francesa.” (REALE, 1987). A nível de entendimento, a resposta “A” não é a correta pois trata do jusnaturalismo, este que aborda tudo aquilo que condiz aos valores da humanidadee ao ideal de justiça. Além disso, as leis que compõem o jusnaturalismo são tidas como imutáveis, universais, atemporais e invioláveis, pois estão presentes na natureza do ser humano. A resposta “B” também não é a correta pois trata da escola exegética, esta que levou os juristas da época a entenderem que a tarefa do cientista do direito seria a exclusiva exegese do Código Napoleônico. A resposta “C” também não é a correta pois trata do normativismo, este que entende que o objeto de investigação do direito deve ser exclusivamente as normas jurídicas existentes e provenientes do Estado, excluindo os juízos de valor do direito que antes eram tão fortemente presentes com o jusnaturalismo. 7) Ao falar sobre a positivação do direito, Machado Neto aborda o Normativismo e traz como principal propulsor Hans Kelsen. Discuta sobre o que o autor conceitua acerca do Normativismo e quais são as principais contribuições feitas pela perspectiva de Kelsen. Resposta: A priori, vale-se entender que o positivismo jurídico é a doutrina do positivismo de Auguste Comte aplicada no direito. Ele nega qualquer elemento de abstração no direito, sobretudo o Direito Natural, por considerá-lo metafísico e anticientífico. Nessa corrente, o objeto de investigação do Direito deve ser exclusivamente as normas jurídicas existentes e provenientes do Estado, excluindo os juízos de valor do direito que antes eram tão fortemente presentes. O juspositivismo vem justamente antagonizando o jusnaturalismo, de modo que, para os juspositivistas, importa apenas estudar a realidade fática, sem considerar ideias 24 irracionais, como o valor justiça do direito. A partir disso, o Normativismo se formou enquanto uma das ramificações doutrinárias do positivismo jurídico. Machado Neto traz que a teoria normativista, ou teoria pura do direito, tem como principal propulsor Hans Kelsen e que ele reduz o direito a um só elemento: a norma jurídica. Kelsen submete a ciência do direito a uma dupla purificação quando distingue-a da filosofia e sociologia jurídica. “A ciência particular do direito, a disciplina comumente chamada jurisprudência, deve ser distinguida da filosofia da justiça, por um lado, e da sociologia, ou conhecimento da realidade social, por outro.” (KELSEN, 1946). A respeito da filosofia jurídica, como também da política e da moral, a teoria pura de Kelsen distingue a ciência do direito porque a filosofia jurídica deseja conhecer o direito como ele é, e não como deve ou deveria ser, perspectiva valorativa. A respeito da sociologia jurídica, a ciência do direito estaria separada pela distinção que Kelsen estabelece entre causalidade e imputação, ser e dever-ser. “Colocada na perspectiva do ser, a sociologia jurídica responde à indagação sobre o efetivo comportamento jurídico dos homens, atentando para os porquê causais condicionadores dessa conduta, enquanto a ciência do direito, colocada no plano do dever-ser (dever-ser lógico, entenda-se) é uma ciência de objetos ideais que tem em mira conhecer as normas que dão um sentido jurídico à conduta humana. A primeira é, pois, uma ciência explicativa e a segunda, normativa; e é esta, aliás, a distinção que estabelece Kelsen entre as ciências do mundo natural e as da sociedade.” (p.42-43) A diante, outro aspecto a ser ressaltado da teoria de Kelsen é a sua concepção monística de Direito natural/Direito positivo, Direito subjetivo/objetivo e Direito/Estado. Com relação ao primeiro dualismo, Kelsen afirma que no Direito natural não há raciocínio lógico que o justifique, apontando o significado ideológico da doutrina e entendendo-a como mentira útil no sentido platônico. Enquanto que, o Direito positivo aborda realidade fática, sem considerar ideias irracionais. Com relação aos próximos dualismos, Kelsen afirma que o Estado é a simples personificação jurídica coercitiva do ordenamento. Sendo assim, não existe direito subjetivo, o que faz deste um simples resultado do direito positivo. “Fica, assim, dissolvida a contradição inerente à teoria tradicional, para a qual o Estado de direito seria um Estado (criador do direito), regulado pela sua criatura — o Direito. O Estado e o Direito assim identificados constituem um sistema normativo — a ordem jurídica.” (p.45). A teoria pura dissolve o dualismo existente, ao reduzir o direito subjetivo a um aspecto do direito objetivo.
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