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1 2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................ 4 2 BREVE HISTÓRICO DA TEORIA FAMILIAR SISTÊMICA ......................... 5 3 A FAMÍLIA E SUAS FASES ...................................................................... 10 4 OS NOVOS MODELOS DE FAMÍLIA ....................................................... 13 5 A CIBERNÉTICA ...................................................................................... 14 5.1 A teoria da comunicação .................................................................... 19 5.2 O enfoque sistêmico ........................................................................... 21 5.3 O enfoque psicanalítico ...................................................................... 22 5.4 Critérios fundamentais do pensamento sistêmico .............................. 23 6 ARTICULAÇÃO DOS DIFERENTES ENFOQUES ................................... 24 7 A (S) TERAPIA (S) FAMILIAR (ES) .......................................................... 26 7.1 Teoria sistêmica: algumas considerações atuais ............................... 32 8 A CONJUGALIDADE ................................................................................ 35 8.1 A conjugalidade nos tempos atuais .................................................... 36 8.2 Psicologia conjugal e familiar ............................................................. 39 8.3 O processo de atendimento sistêmico para os casais em conflito ..... 40 9 FAMÍLIA VISTA COMO UM SISTEMA ..................................................... 44 9.1 Enfoque terapêutico ........................................................................... 45 10 O TERAPEUTA ..................................................................................... 45 10.1 Atuação do terapeuta familiar ............................................................. 46 11 TENDÊNCIAS DA TERAPIA FAMILIAR E A INCLUSÃO DO OBSERVADOR NO SISTEMA .................................................................................. 46 12 SISTÊMICO-CONSTRUCIONISTA ....................................................... 50 13 ESTRATÉGIAS DE ATENDIMENTO DAS FAMÍLIAS ........................... 52 13.1 Entrevista circular ............................................................................... 53 3 13.2 Instrumentos de avaliação familiar aprovado pelo CFP: .................... 56 14 SEGREDO NA FAMÍLIA ........................................................................ 57 14.1 Segredo e privacidade........................................................................ 59 14.2 Quantas pessoas participam do segredo? Duas ou mais pessoas? Quem são? 60 15 A ESCOLHA DA INTERVENÇÃO SISTÉMICA: A CONSULTA PSICOLÓGICA DA TERAPIA FAMILIAR .................................................................. 61 16 FIXAÇÃO DE FRONTEIRAS: UMA TÉCNICA UTILIZADA NA TERAPIA FAMILIAR 67 16.1 Fronteiras ........................................................................................... 68 16.2 Técnicas de fixação de fronteiras ....................................................... 68 17 A ENTREVISTA NA TERAPIA FAMILIAR SISTÊMICA: PRESSUPOSTOS TEÓRICOS, MODELOS E TÉCNICAS DE INTERVENÇÃO ...... 70 17.1 Pressupostos teóricos da terapia familiar sistêmica ........................... 70 17.2 A entrevista na abordagem sistêmica................................................. 74 18 CONTRA- INDICAÇÕES DA TERAPIA FAMILIAR ............................... 81 19 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................... 83 20 BIBLIOGRAFIA ...................................................................................... 85 4 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! A Rede Futura de Ensino, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta , para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 5 2 BREVE HISTÓRICO DA TEORIA FAMILIAR SISTÊMICA Fonte: oficinadeervas.com.br A Teoria Familiar Sistêmica foi desenvolvida por diferentes grupos de pesquisadores e em contextos diversificados. As abordagens que contribuíram significativamente para o seu surgimento foram a psicanálise, de Sigmund Freud e a terapia focalizada no cliente, de Carl Rogers (Nichols & Schwartz, 1998). Segundo Cerveny, ambas as perspectivas apresentavam um enfoque intrapsíquico em relação à compreensão dos fenômenos psicológicos. Foi a partir da década de 1950 que a teoria familiar sistêmica passou a assumir maior representatividade (Cerveny, 1994). Essa abordagem delimitou uma mudança gradativa de paradigma em relação às ideias sugeridas pelas teorias prevalecentes até então, ao propor um olhar voltado às relações interpessoais. O início da teoria familiar sistêmica também sofreu influência da teoria geral dos sistemas, da Cibernética e da teoria da comunicação humana (Osório & Valle, 2002). O biólogo Bertalanffy (1973) concebia que as leis aplicadas aos organismos biológicos poderiam ser ampliadas a outras áreas de conhecimento, elaborando a teoria geral dos sistemas. Para o autor, um sistema representa um conjunto complexo de elementos em interação, que formam um todo unitário e organizado. 6 A teoria geral dos sistemas contribuiu significativamente para a elaboração de conceitos que fundamentam a concepção de família como um sistema. Dentre esses conceitos, destacam-se: a equifinidade, a globalidade, a homeostase, a morfogênese, a noção de causalidade circular e o princípio da não – somatividade. De acordo com o princípio da globalidade, todos os sistemas organizam-se como um todo coeso, sendo que mudanças em cada uma das partes promovem mudanças no todo (Gomes, Bolze, Bueno, & Crepaldi, 2014). O princípio da equifinalidade determina que o equilíbrio de um sistema aberto é delimitado pelos parâmetros do sistema, ou seja, “diferentes condições iniciais geram igualdade de resultados e diferentes resultados podem ser gerados por diferentes condições iniciais” (Gomes et. al., 2014). A homeostase é considerada um processo de autorregulação que protege o sistema de possíveis desvios e mudanças, com o objetivo de manter a sua estabilidade. No contexto familiar, esse princípio se apresenta como uma tendência em manter um padrão de relacionamento que impede a sua transformação. A morfogênese, inversamente, refere-se à capacidade de autotransformação do sistema, de maneira criativa. Ao pensar no sistema familiar, presume-se a existência de um potencial para a mudança, de ordem estrutural e funcional, sendo que o funcionamento familiar sempre pode adquirir novas configurações, qualitativamente diferentes da anterior (Cerveny, 1994). A concepção de causalidade circular, também denominada circularidade, bilateralidade ou não-unilateralidade (Gomes et. al., 2014) assume olugar da premissa de causalidade linear, advinda do pensamento cartesiano. Segundo Osório e Valle, causalidade circular pressupõe que cada efeito no sistema pode retroativamente alterar a causa que o determinou, ou seja, na realidade não existem causas e efeitos, e sim um sistema de influências recíprocas (Osório & Valle, 2002). No sistema familiar, esse princípio é representando pelo fato de que cada membro influencia os demais, e ao mesmo tempo é influenciado por eles (Cerveny, 1994). O princípio da não – somatividade, por sua vez, diz respeito à totalidade do sistema, de modo que o comportamento considerado como um todo é mais complexo do que a soma dos comportamentos de cada uma das partes (Esteves de Vasconcellos, 2013). 7 Portanto, segundo os pensamentos subjacentes da teoria geral dos sistemas, é fundamental que o foco dos estudos e intervenções com famílias sejam nas relações e nos padrões de funcionamento do grupo familiar, sem, no entanto, que o sujeito perca a sua individualidade (Gomes et. al., 2014). Segundo Vasconcellos, simultaneamente à Teoria Geral dos Sistemas, a Teoria Cibernética, criada por Wiener (1948), procurou evidenciar a estrutura de funcionamento das máquinas (Esteves de Vasconcellos, 2013). Na concepção do autor, as máquinas cibernéticas respondem às alterações do meio ambiente, sendo que seu mecanismo de funcionamento pode ser comparado ao dos seres vivos. A Cibernética fundamenta-se, portanto, nas relações comunicacionais e de controle que caracterizam um sistema autônomo (Rapizzo, 1996). Esteves de Vasconcellos (2013) argumenta que a Cibernética, apesar de apresentar-se como uma nova ciência, demonstrou certo reducionismo ao pensar em sistemas vivos e antropossociais, tendo em vista que se manteve determinista e objetivista. Os avanços relacionados aos estudos da cibernética demonstraram que os princípios delegados ao funcionamento das máquinas eram limitados para a compreensão e o controle de sistemas humanos. Percebeu-se que contrariamente às máquinas artificiais, os sistemas vivos caracterizam-se pela espontaneidade no agrupamento, na regulação e na organização de seus elementos. Devido ao apontamento dessas limitações, a teoria cibernética passou por transformações graduais, até chegar ao momento atual, no qual é compreendida a partir de duas perspectivas diferentes. A primeira é chamada de Cibernética de Primeira Ordem e corresponde ao surgimento da engenharia da comunicação e das ciências de computação e automação (Rapizo, 1996). A Cibernética de Primeira Ordem divide-se, ainda, em Primeira e Segunda cibernética (Gomes et. al., 2014). Já a Cibernética de Segunda Ordem começou a ser concebida na década de 1970 (Esteve de Vasconcellos, 2013). A cibernética de primeira ordem enfatizava o processo de homeostase, por meio do qual o sistema é regulado e controlado pelo mecanismo de retroalimentação negativa (Cerveny, 1994; Esteves de Vasconcellos, 2013). 8 A primeira cibernética trata dos processos morfoestáticos, que representam a capacidade de auto estabilização e automanutenção do sistema (Esteves de Vasconcellos, 2013; Gomes et. al., 2014). Defende que cada produto (output) de um sistema é um novo aporte (input) ao mesmo sistema, fazendo com que inevitavelmente ele se modifique e se transforme. Destaca, ainda, a presença do observador como um expert, fora do sistema (objetividade) e a compreensão dos fenômenos sob uma ótica voltada à causalidade linear (estabilidade). Na prática (Terapia Familiar Sistêmica), essas premissas provenientes da primeira cibernética resultaram na concepção do princípio da complexidade, que prevê a contextualização dos fenômenos e a exploração dos sistemas ao invés da simplificação das inter-relações (Gomes et. al., 2014). A complexidade, por sua vez, originou o conceito de causalidade recursiva. Já a segunda cibernética discorre sobre os processos morfogenéticos, que conduzem à capacidade de transformação do sistema, por meio da retroalimentação positiva (Gomes et. al., 2014). Para projetar os sistemas artificiais, os ciberneticistas precisavam compreender os sistemas naturais, incluindo eles mesmos e os grupos sociais. A concepção formulada pela segunda cibernética passou, então, a embasar também uma visão mais sistêmica do ser humano, sugerindo os mecanismos de retroalimentação ou feedback e de causalidade recursiva (Esteves de Vasconcellos, 2013). Originou-se, dessa forma, o princípio da instabilidade, que reconhece o mundo como um processo em constante transformação, de forma que os fenômenos não são determinados, mas imprevisíveis, irreversíveis e incontroláveis (Esteves de Vasconcellos, 2013; Gomes et. al., 2014). A Cibernética de Segunda Ordem propõe um movimento que ultrapassa a Cibernética, designado Si-Cibernética (Gomes et. al., 2014). O conceito de circularidade é ampliado, incluindo o observador como participante do sistema e constituindo, assim, o “sistema observante” (Cerveny, 1994), que pressupõe esse observador como parte do sistema observado (Osório & Valle, 2002). Segundo Esteves de Vasconcellos (2013), a Cibernética de Segunda Ordem foca na retroalimentação positiva, que tende a promover a transformação do sistema, levando-o a um novo padrão de funcionamento. 9 Tendo como ponto de partida a noção de sistemas observantes, a Cibernética de Segunda Ordem (ou Si-Cibernética) passa a ser compreendida a partir do Construtivismo (Esteves de Vasconcellos, 2013; Gomes et. al., 2014). Abre-se um caminho para uma ciência denominada novo-paradigmática, que tem como foco três pressupostos: complexidade, instabilidade e intersubjetividade. A noção de complexidade refere-se aos conceitos de sistemas, ecossistemas, causalidade circular, recursividade, contradições e pensamento complexo. A concepção de instabilidade relaciona-se aos aspectos relativos à desordem, à evolução, à imprevisibilidade, aos saltos qualitativos, à auto-organização e à incontrolabilidade. A intersubjetividade preconiza a inclusão do observador e envolve os fenômenos de autor referência, de significação da experiência na conversação e de co-construção (Esteves de Vasconcellos, 2013; Gomes et. al., 2014). O embasamento da Teoria Familiar Sistêmica pela Cibernética resultou em alguns conceitos. Dentre os principais, citam-se as regras familiares e as sequências de interação familiar. De acordo com Nichols e Schwartz (1998), as regras familiares regulam a variação homeostática da família, administrando a extensão de comportamentos que o sistema familiar pode tolerar. Por meio dos mecanismos de feedback negativo, as famílias cumprem suas regras (que podem incluir sintomas, culpas ou mensagens duplas, por exemplo). Esses mecanismos retro alimentadores negativos representam os comportamentos familiares que podem até ser modificados de modo superficial, porém ainda permanecem governados pelas regras anteriores. São, portanto, condizentes com a Primeira Cibernética, no contexto da Cibernética de Primeira Ordem. As sequências de interação familiar caracterizam os movimentos de retroalimentação, que agem de acordo com um padrão de reação em torno de possíveis problemas. Quando a retroalimentação negativa é ineficaz, a família desencadeia mecanismos reatroalimentadores positivos, que possibilitam uma mudança no padrão de comportamento familiar. Tal mudança caracteriza a transição da Primeira para a Segunda Cibernética e representa o pressuposto pela Cibernética de Segunda Ordem. 10 3 A FAMÍLIA E SUAS FASES A família é o lugar de origem da história pessoal de cada um, é o espaço privado onde se emergem as relações mais espontâneas. Não podemos escolher nossa qualidade de membro na família a não ser, talvez, pelo casamento. Ainda que possamos acreditar que é possível deixar de pertencer a uma família, rompendoos laços com a família de origem e não nos enveredando na constituição de outra, mesmo assim as lembranças e memórias de um convívio familiar ficarão como marcas em nossas histórias, podendo ser acessadas a qualquer momento. O ciclo de vida de uma pessoa acontece dentro do ciclo de vida familiar, que é o contexto primário do desenvolvimento humano, e suas intersecções vão constituir a trama da vida familiar. Com isto não há um ponto de partida predeterminado para compreender o ciclo familiar. Devemos levar em conta que a família é como um sistema movendo-se através do tempo, não de forma linear, mas como uma espiral. É possível reconhecer diferentes padrões na organização das famílias ao longo do tempo, assim como diversas formas de relacionamento entre seus membros. Apesar destas diversidades, podemos também observa muitas características semelhantes ao longo do ciclo de vida das famílias. Estas características semelhantes costumam ser chamadas de Fases do Ciclo de Vida das Famílias. Conhecer melhor o modo como as famílias enfrentam e superam cada fase, tornando visíveis as dificuldades encontradas. O estudo destas Fases aos profissionais e também às famílias com quem trabalham, colaboram no entendimento e na busca de ações que contribuam para o seu desenvolvimento. Segundo Nahas, quando a abordagem se focaliza também sobre as transições, sobre as mudanças descontinuas necessárias para enfrentar novas situações de vida, há uma escuta. As pessoas percebem que ou podem ficar paradas, estacionadas em determinado momento da vida, e isso provoca dor, sintomas em uma pessoa ou disfuncional idade em toda a família. Ou então podem viver as mudanças como coisas previsíveis, aceitáveis, e então se tranquilizar (Nahas,1995, p.265). Desde o começo da década de 50, os estudos de terapia familiar têm utilizado conceitos vindos da sociologia para explicar o desenvolvimento do ciclo de vida das famílias, tal qual a psicologia o fez com relação ao desenvolvimento do indivíduo. Foi em 1980que Mônica McGoldrick e Betty Carter “escreveram sobre a sucessão de estágios do ciclo de vida na família americana de classe média, incluindo um enfoque 11 tri-geracional, e descrevendo não só as tarefas de desenvolvimento inerentes a cada estágio, mas também as dificuldades de transição. As famílias contemporâneas guardam muitas nuances do que se pode caracterizar como modelo burguês de família: patriarcal, autoritário, monogâmico, primando pela privacidade, a domesticidade e os conflitos entre sexo e idade. Os modos de vida nas famílias contemporâneas vêm se modificando, ocorrendo novas configurações de gênero e gerações, onde se elaboram novos códigos, mas mantem-se certo substrato básico de gerações anteriores (Motta,1998). Estas mudanças guardam relação com algumas tendências que emergiram na década de 1960 (Castells,2006): O crescimento de uma economia informacional global, Mudanças tecnológicas no processo de reprodução da espécie e O impulso promovido pelas lutas da mulher e pelo movimento feminista. Destacam-se ainda algumas tendências globais recentes que refletem significativas transformações no âmbito familiar (Rizzini,2001): As famílias tendem a ser menores, Há menos mobilidade para as crianças, com redução de espaço de autonomia das crianças em locais urbanos; As famílias ficam menos tempo juntas, fato associado ao aumento significativo do número de integrantes da família que trabalham; As famílias tendem a ser menos estáveis socialmente, como exemplo temos o declínio das uniões formais, o aumento dos índices de divórcios e separações, assim como de novas uniões; A dinâmica dos papeis parentais e da relação de gênero está mudando intensamente. Homens e mulheres são chamados a desempenhar, cada vez mais, papeis e funções que sempre foram fortemente delimitados como sendo dos pais ou das mães. A tendência atual da família moderna é ser cada vez mais simétrica na distribuição dos papeis e obrigações, sujeita a transformações constantes, devendo ser, portanto, flexível para poder enfrentar e se adaptar às rápidas mudanças sociais inerentes ao momento histórico em que vivemos. 12 A família possui um papel primordial no amadurecimento e desenvolvimento biopsicossocial dos indivíduos, apresentando algumas funções primordiais, as quais podem ser agrupadas: Em três categorias que estão intimamente relacionadas: Biológicas: A função biológica principal da família é garantir a sobrevivência da espécie humana, fornecendo os cuidados necessários para que o bebê humano possa se desenvolver adequadamente. Psicológicas: Em relação às funções psicológicas podem- se citar três grupos centrais: Proporcionar afeto, aspecto fundamental para garantir a sobrevivência emocional do indivíduo; Servir de suporte e continência para as ansiedades existenciais dos seres humanos durante seu desenvolvimento, auxiliando-os na superação das crises vitais pelas quais todos os seres humanos passam no decorrer do seu ciclo vital (ex: adolescência); Criar um ambiente adequado que permita a aprendizagem empírica que sustenta o processo de desenvolvimento cognitivo dos seres humanos. Sociais: O cerne da função social da família está na transmissão da cultura de uma dada sociedade aos indivíduos, bem como na preparação dos seus membros para o exercício da cidadania. É a partir do processo socializador que o indivíduo elabora sua identidade e sua subjetividade, adquirindo, no interior da família, os valores, as normas, as crenças, as ideias, os modelos e os padrões de comportamento necessários para a sua atuação na sociedade. As normas e os valores que introjetamos no interior da família permanecem conosco durante toda a vida, atuando como base para a tomada de decisões e atitudes que apresentamos no decorrer da fase adulta. Além disso a família continua mesmo na etapa adulta a dar sentido às relações entre os indivíduos, funcionando como um espaço no qual as experiências vividas são elaboradas. 13 As mudanças que ocorrem no mundo globalizado afetam a dinâmica familiar como um todo e de forma particular em cada família considerando seus valores, história, composição, cultura e pertencimento social. A partir da constituição da família como grupo social, são estabelecidas as relações com a sociedade a que ela pertence. Os modos de vida das famílias contemporâneas vão se transformando, são criadas novas articulações de gênero e geracional, elaborando novos códigos e ao mesmo tempo mantendo certo substrato básico de tradição. Como cada sociedade tem sua história e sua cultura, são diversas as formas de ser família, de criar os filhos, como também são diversos os costumes relativos ao matrimônio e aos papeis do homem e da mulher. 4 OS NOVOS MODELOS DE FAMÍLIA Família Monoparental: É a família constituída por uma pessoa, independente de sexo, que se encontra sem companheiro, porém vive com um ou mais filhos. Pode ocorrer do fim de uma família bioparental, ou seja, como ocorre com as viúvas, separadas, adoção, divorciadas e solteiras que a princípio viviam em união estável, ou até mesmo em casos de ser por opção. O Estatuto da Criança e do Adolescente, ECA, prevê a possibilidade, independente do estado civil uma pessoa sozinha, tanto o homem quanto a mulher, poderão adotar uma criança, e assim se tornar uma família, está disposto no art. 42 do ECA. Família Nuclear: Era considerado como único e legítimo modelo de família, onde tinha o homem, a mulher e seus descendentes. Era o modelo inspirado na Revolução Industrial. Refletia a ideia de sociedade dinâmica e mais produtiva. Pois era como um núcleo pequeno, onde um chefe provedor do lar, poderia com facilidade resolver questões geográficas ou sociais. Representando assim, um modelo de sociedade capitalista. 14Família Reconstituída: Quando ocorre o divórcio, surge então a chance de uma nova família. Além de juntar marido e mulher, também os filhos provenientes de relações anteriores, vivendo todos sobre o mesmo teto. Seja proveniente de um novo casamento ou uma união estável, os filhos possuem origens distintas quanto a paternidade biológica. Diante da realidade atual, este modelo tende a aumentar sua incidência. União Estável: Com advento da Constituição Federal de 1988, a união estável, no passado estigmatizada pela expressão de concubinato, em que a mulher era classificada vulgarmente como amante ou amásia, foi equiparada à figura de entidade familiar. É definida como aquela formada por um homem e uma mulher livre de formalidades legais do casamento, com o animus de conviverem e constituir família. Em assim sendo, se a união estável é entidade familiar, como também o casamento, não há como se fugir da conclusão de que as regras do instituto da guarda devem ser aplicadas à união estável. Família Anaparental: É a convivência de pessoas sem vínculos parentais que convivem por algum motivo, possuindo uma rotina e dinâmica que os aproximaram, podendo ser estas afinidades sociais, econômicas ou outra qualquer. Família Eudemonistas: A princípio pode ter uma formação convencional, pais, filhos, mas ao observar sua constituição, nota-se que em seus indivíduos existe pouco apego a regras sociais que formulam as famílias mais tradicionais, religião, moral ou política. 5 A CIBERNÉTICA A Teoria da Cibernética foi desenvolvida pelo matemático americano, e professor do Massachussets Institute of Technology (MIT), Norbert Wiener (1894- 1964). No início da década de 1940, Wiener participava de reuniões vinculadas à escola de Medicina de Harvard nas quais se discutia o método científico. Segundo Vasconcellos, estas reuniões tinham uma proposta interdisciplinar, pois participavam professores e pesquisadores de diversas áreas que se interessavam pelo tema. Assim, Wiener conheceu Walter Cannon e Arturo 15 Rosenblueth (fisiologistas), com os quais iniciou discussões que deram início ao pensamento que originou a Cibernética (Vasconcellos, 2010). Fonte: slideplayer.com.br Naquela época, o mundo vivia a Segunda Guerra Mundial e os Estados Unidos começou a financiar pesquisas que pudessem contribuir para a melhoria das máquinas de guerra. Com isso, Wiener, em parceria com Rosenblueth e com o engenheiro eletrônico Julian Bigelow, criou um projeto que aprimorou a artilharia antiaérea. Wierner desenvolveu programas e "máquinas computadoras" que tinham conexão com o sistema nervoso humano. A ideia de Wierner e dos pesquisadores com quem trabalhava era de projetar máquinas que tivessem performance de funções humanas. Nas pesquisas realizadas para a execução do projeto, Wiener e Bigelow criaram o conceito de feedback, também chamado de realimentação ou retroação (como já mencionado anteriormente), o qual foi desenvolvido para explicar de que forma pode-se corrigir desvios a máquinas computadorizadas, os quais eram essenciais para a guerra e se fazia analogia entre o funcionamento do sistema nervoso e o funcionamento das máquinas de computação (Vasconcellos, 2010). Em 1944, houve um encontro em Princenton para discutir "Cibernética", do qual participaram engenheiros, projetistas de máquinas computadorizadas, fisiologistas, neurocientistas e matemáticos. Em 1946, acontece a 1ª Conferência Macy em Nova Iorque, a qual teve como tema "Feedback" e que contou com a presença dos pesquisadores acima citados e de psicólogos, antropólogos, economistas e especialistas na Teoria dos Jogos. 16 O encontro pretendia reunir cientistas que pudessem ajudar na compreensão do sistema nervoso, comunidades sociais e meios de comunicação. Nos anos subsequentes, houve várias conferências Macy e pode-se afirmar que o arcabouço teórico da Cibernética foi construído nestes encontros. A partir dessas reuniões, a área foi reconhecida por inúmeras realizações tecnológicas, tais como: aparelho que permite aos cegos a leitura auditiva de um texto impresso, computadores ultra rápidos, próteses para membros perdidos, máquinas artificiais com performances altamente elaboradas, pulmão artificial, máquina de jogar xadrez, aparelho auditivo para deficientes auditivos, máquinas para atuarem em situações em que o trabalho implica risco para o homem, dentre outras invenções (Vasconcellos, 2010). Desta forma, no final de década de 1940, Wierner escreveu sobre a Teoria da Cibernética, também chamada de "Ciência da Correção". O termo Cibernética origina-se da palavra grega kybernetes que significa piloto, condutor. Desta forma, tal teoria apresenta uma tendência mecanicista por sua associação com máquinas ou sistemas artificiais. A preocupação do autor era com a construção de sistemas que reproduzissem os mecanismos de funcionamento de sistemas vivos, isto é, ele propôs a construção dos chamados autômatos simuladores de vida ou máquinas Cibernéticas (Vasconcellos, 2010). Para Wiener, o propósito da Cibernética era o de desenvolver uma linguagem e técnicas que permitissem abordar o problema da comunicação e do controle em geral. Portanto, considerava que a mensagem era o elemento central, tanto na comunicação quanto no controle, ou seja, quando nos comunicamos enviamos uma mensagem e, da mesma forma, quando comandamos. A mensagem pode ser transmitida por meios elétricos, mecânicos ou nervosos e é considerada uma sequência de eventos mensuráveis, distribuídos no tempo (Vasconcellos, 2010). Por esta razão, o antropólogo Gregory Bateson, que também participava das conferências Macy, desenvolve a Teoria da Comunicação que contribui de forma significativa para a melhoria das máquinas Cibernéticas. A Teoria da Cibernética divide-se em Cibernética de 1ª ordem e de 2ª ordem. A Cibernética de 1ª ordem se subdivide em 1ª e 2ª Cibernética. A 1ª Cibernética trata dos processos morfoestáticos (manutenção da mesma forma), resultantes da retroalimentação negativa ou retroação autorreguladora, a qual 17 conduz o sistema de volta a seu estado de equilíbrio homeostático, otimizando a obtenção da meta. Assim, trata da capacidade de auto estabilização ou de automanutenção do sistema (Vasconcellos, 2010). Apresenta conceitos de input e output, enfatiza a presença do observador fora do sistema e como expert (objetividade), e a compreensão dos fenômenos ainda está arraigada à causalidade linear (estabilidade). Assim, nesta 1ª Cibernética emerge o pressuposto da complexidade, que reconhece que a simplificação obscurece as inter-relações e, portanto, busca-se contextualizar os fenômenos e explorar os sistemas dos sistemas, entendendo que não há uma causalidade linear e sim, circular (Vasconcellos, 2010). Fonte: slideplayer.com.br Já a 2ª Cibernética trata dos processos morfogenéticos (gênese de novas formas), resultantes de retroalimentação positiva ou retroação amplificadora de desvios, amplificação que pode - caso não produza a destruição do sistema e se a estrutura do mesmo permitir - promover sua transformação, levando-o a um novo regime de funcionamento. Trata da capacidade de auto mudança do sistema (Vasconcellos, 2010). Os conceitos de input e output persistem, mas aparece o conceito de feedback (criado por Wiener e Bigelow, como já mencionado anteriormente) e de causalidade circular retroativa e recursiva. Assim, aqui tem origem o pressuposto da instabilidade, o qual baseia-se na noção do mundo como em um processo de constante 18 transformação, no qual há a indeterminação e, por isso, alguns fenômenos são imprevisíveis e irreversíveis, e, portanto, incontroláveis (Vasconcellos, 2010). A Cibernética de 2ª ordem também é chamada de Si-Cibernética porque Edgar Morin propôs um movimento que ultrapassasse a Cibernética: a Si-Cibernética.O prefixo si é o elemento da preposição grega sun que significa "estar junto", o que marca a obrigação recíproca entre as partes. O físico Heinz Von Foster é considerado uma figura central para o desenvolvimento da Si-Cibernética. Ele é responsável pela noção de sistemas observantes, de acordo com o qual o observador, incluindo-se no sistema que observa, se observa observando (Vasconcellos, 2010). A partir da noção de sistemas observantes, a Cibernética tomou a si mesma como objeto de estudo e surgiu, então, a Cibernética de 2ª ordem, também chamada de construtivismo ou visão construtivista, pois pressupõe o observador como parte do sistema observado (Osorio, 2002; Vasconcellos, 2010). Então, a Cibernética de 2ª ordem, também chamada de Cibernética da Cibernética, ou cibernética novo-paradigmática, apresenta os três pressupostos da ciência novo-paradigmática, quais sejam: complexidade, instabilidade e intersubjetividade. A noção de complexidade está ligada a sistemas, ecossistemas, causalidade circular, recursividade, contradições e pensamento complexo. A ideia de instabilidade está relacionada à desordem, evolução, imprevisibilidade, saltos qualitativos, auto-organização e incontrolabilidade. O pressuposto da intersubjetividade envolve a inclusão do observador, autorreferência, significação da experiência na conversação e construção (Vasconcellos, 2010). A articulação dos desenvolvimentos da Cibernética que fazem emergir a Si- Cibernética mudou os pressupostos epistemológicos da ciência tradicional (simplicidade, instabilidade e objetividade), exigindo uma reorganização dos conceitos anteriormente elaborados (Barcellos &Moré, 2007). Fala-se então em Pensamento Sistêmico, o qual também é chamado de epistemologia sistêmica, de novo paradigma da ciência (ou paradigma da ciência contemporânea), ou ainda, de epistemologia da ciência novo-paradigmática (Vasconcellos, 2010). Todavia, nem tudo o que é sistêmico e nem tudo o que se apresenta como Teoria Sistêmica ou Pensamento Sistêmico, pode ser reconhecido como sendo da epistemologia da ciência novo-paradigmática; para que seja novo-paradigmático, é 19 necessário que tenha os três pressupostos mencionados acima, quais sejam, complexidade, instabilidade e intersubjetividade. 5.1 A teoria da comunicação Gregory Bateson (1904-1980), antropólogo inglês, se utilizou das teorias acima citadas para desenvolver a Teoria da Comunicação. O autor, junto com seus colaboradores de Palo Alto (Califórnia), descreveu a comunicação patogênica na família do esquizofrênico e apresentou a hipótese do duplo vínculo, ou seja, uma forma de comunicação paradoxal que tem profundas implicações nas relações interpessoais. Bateson fazia uso de analogias, metáforas e histórias por acreditar que esses recursos eram um caminho para o estudo das relações (Osório, 2002). O processo de comunicação humana abrange uma complexidade de fatores, tais como conteúdo, forma e linguagem, os quais estão sempre presentes nos processos inter-relacionais. A Teoria da Comunicação humana, na sua origem, engloba três dimensões: a sintaxe, a semântica e a pragmática. A sintaxe se refere à transmissão da informação; a semântica está relacionada ao significado dos símbolos; e a pragmática diz respeito aos aspectos comportamentais da comunicação. A teoria também apresenta o conceito da metacomunicação (comunicação sobre a comunicação) e o uso de mensagens congruentes ou incongruentes (Watzlawick, Beavin, & Jackson, 1973). Fonte: 8m1sdf.blogspot.com.br 20 Segundo Watzlawick et al. (1973), invariavelmente as pessoas enviam e recebem uma diversidade de mensagens, sejam elas pelos canais verbais ou não verbais, e as mesmas necessariamente modificam ou afetam umas às outras. Quando duas pessoas interagem constantemente, reforçam e estimulam o que está sendo dito ou feito, de tal forma que o padrão de comunicação entre os participantes de uma interação define o relacionamento entre eles. Percebe-se, assim, que a importância das mensagens não está vinculada somente à questão de comunicar algo, mas também, e especialmente, à influência que ela exerce no comportamento e nas atitudes das pessoas em interação (Nieweglowski& More, 2008). A Teoria da Pragmática da Comunicação Humana afirma que a comunicação afeta o comportamento ocasionando implicações nas relações interpessoais. De acordo com Watzlawick et al. (1973), "atividade ou inatividade, palavras ou silêncio, tudo possui valor de mensagem, influencia os outros, e estes outros que, por sua vez, não podem não responder a essas comunicações, estão, portanto, comunicando também" (p. 45). Além disso, Bateson e Watzlawick preconizaram que a teoria também abarca os cinco axiomas que são: É impossível não comunicar; Toda comunicação tem aspecto de relato (conteúdo) e de ordem (relação); A natureza de uma relação está na contingência da pontuação das sequências comunicacionais entre os comunicantes (cada comportamento é causa e efeito do outro); Os seres humanos se comunicam de maneira digital (comunicação verbal) e analógica (comunicação não-verbal); e 5) Todas as permutas comunicacionais ou são simétricas ou complementares, e estão baseadas na igualdade ou na diferença (Watzlawick et al. 1973). Bateson concebeu um conceito novo e radical de mente, capaz de superar a visão cartesiana. Mente é um fenômeno sistêmico característico dos seres vivos, uma característica relacional. A mente não está no cérebro e sim nas relações. Também nega a objetividade da realidade quando afirma que o observador traz a marca de quem observa. Não existe, portanto, uma realidade objetiva, independente 21 do observador (Vasconcellos, 2010), conforme já explicitado no pressuposto da intersubjetividade. A compreensão dos padrões comunicacionais que possibilitam ou dificultam as relações é de suma importância para aqueles que trabalham dentro do paradigma sistêmico. A seguir, serão destacados os principais requisitos para a formulação do Pensamento Sistêmico. 5.2 O enfoque sistêmico Os Estados Unidos, que estão agora na terceira geração de terapeutas familiares, reclamam para si o pensamento sistêmico no trabalho clínico com famílias. A partir da teoria geral dos sistemas e da teoria da comunicação surgiram várias escolas de terapia familiar e vários institutos e centros de atendimento e de formação foram criados. Para os teóricos da comunicação, qualquer comportamento verbal ou não verbal, manifestado por uma pessoa - o emissor -em presença de outra - o receptor - é comunicação. Ao mesmo tempo que a comunicação transmite uma informação, ela define a natureza da relação entre os comunicantes. Estas duas operações constituem, respectivamente, os níveis de relato (digital) e de ordem (analógico) presentes em qualquer comunicação. Quando estes dois níveis se contradizem, temos o paradoxo. A comunicação paradoxal está na origem da patologia familiar. A família é vista como um sistema equilibrado e o que mantém este equilíbrio são as regras do funcionamento familiar. Quando, por algum motivo, estas regras são quebradas, entram em ação meta-regras para restabelecer o equilíbrio perdido. A terapia desenvolvida a partir deste enfoque enfatiza a mudança no sistema familiar, sobretudo pela reorganização da comunicação entre os membros da família. O passado é abandonado como questão central, pois o foco de atenção é o modo comunicacional no momento atual. A unidade terapêutica se desloca de duas pessoas para três ou mais à medida em que a família é concebida como tendo uma organização e uma estrutura. É dada uma ênfase a analogias de uma parte do sistema com relação a outras partes, de modo que a comunicação analógica é mais enfatizada que a digital. 22 Os terapeutas sistêmicos se abstêm de fazer interpretações na medida em queassumem que novas experiências - no sentido de um novo comportamento que provoque modificações no sistema familiar - é que geram mudanças. Neste sentido são usadas prescrições nas sessões terapêuticas para mudar padrões de comunicação, e prescrições, fora das sessões, com a preocupação de encorajar uma gama mais ampla de comportamentos comunicacionais no grupo familiar. Há uma certa concentração no problema presente, mas este não é considerado apenas como um sintoma. O comportamento sintomático é visto como uma resposta necessária e apropriada ao comportamento comunicativo que o provocou. A partir do enfoque sistêmico, várias escolas de terapia familiar se desenvolveram, entre elas a Escola Estrutural, a Estratégia, a de Milão e, mais recentemente, a Escora Construtivista. 5.3 O enfoque psicanalítico A terapia familiar de enfoque psicanalítico dá ênfase ao passado, à história da família tanto como causa de um sintoma, quanto como um meio de transformá-lo. Os sintomas são vistos como decorrência de experiências passadas que foram recalcadas fora da consciência. O método utilizado, na maior parte das vezes, é interpretativo com o objetivo de ajudar os membros da família a tomar consciência do comportamento passado, assim como do presente e das relações entre eles. Influenciados pelo trabalho estritamente psicanalítico, desenvolvido na Clínica Tavistock de Londres, Pincus&Dare (1978) formulam suas hipóteses que fundamentam a prática clínica com famílias e casais a partir de um grande interesse na trama inconsciente dos sentimentos, desejos, crenças e expectativas que unem os membros de uma família entre si e aos passados individuais e familiar. Estes autores interessam-se particularmente pelos efeitos dos segredos e dos mitos na dinâmica familiar. Ressaltam que os segredos podem pertencer a um membro da família, ou serem, tacitamente, compartilhados com outros; ou, inconscientemente, endossados pelos membros da família, de geração para geração, até se tornarem um mito. Quando um membro da família desafia um segredo familiar, a atitude dos outros membros também muda em relação ao segredo, o conluio é rompido e novos fatos e fantasias vêm à tona. A partir da prática clínica Pincus&Dare 23 mostram como os segredos mais frequentes e mais cuidadosamente escondidos são aqueles que nascem de sentimentos ou fantasias incestuosas. O enfoque psicanalítico em terapia familiar é denominado por Ruffiot (1981) de grupalista e é inspirado na sua teoria e na sua prática, por uma representação fantasmática e grupal do indivíduo no seio de sua família. Assim, Ruffiot formula a hipótese de um aparelho psíquico familiar a partir do modelo de aparelho psíquico grupai de Kaës (1976). Ele estabelece uma relação entre aparelho psíquico do grupo familiar e o aparelho psíquico primitivo do recém-nascido, considerando que a natureza do psiquismo primário é o fundamento do psiquismo familiar e de todo psiquismo grupai. Esta abordagem se baseia numa escuta do funcionamento da fantasmática familiar no aparelho psíquico da família, um inconsciente a várias vozes que aparece na associação livre dos membros da família reunidos na sessão. Eiguer (1984) postula que a família se compõe de membros que têm, em grupo, formas típicas de funcionamento psíquico inconsciente que se diferenciam do funcionamento de cada membro. Ele formula o conceito de organizadores grupais para explicar os investimentos recíprocos que ocorrem entre os membros da família e, ressalta a fantasia original de castração como determinante da definição de diferença sexual, derivando daí a delimitação dos papéis de pai, mãe, irmão, irmã. Para Eiguer a fantasia original está na base dos vínculos, sendo, portanto, ativadora como os investimentos narcísicos e objetais, e favorecendo o reagrupamento Inter fantasioso. 5.4 Critérios fundamentais do pensamento sistêmico A palavra "sistema" deriva do grego synhistanai que significa colocar junto. O entendimento sistêmico requer uma compreensão dentro de um contexto, de forma a estabelecer a natureza das relações. A principal característica da organização dos organismos vivos é a natureza hierárquica, ou seja, a tendência para formar estruturas multiniveladas de sistemas dentro de sistemas. Cada um dos sistemas forma um todo com relação as suas partes e também é parte de um todo. A existência de diferentes níveis de complexidade com diferentes tipos de leis operando em cada nível forma a concepção de "complexidade organizada" (Vasconcellos, 2010). 24 O primeiro dos critérios fundamentais do Pensamento Sistêmico se refere à mudança das partes para o todo, a partir do entendimento de que as propriedades essenciais são do todo de forma que nenhuma das partes as possui, pois estas surgem justamente das relações de organização entre as partes para formar o todo. Outro critério diz respeito à capacidade de deslocar a atenção de um lado para o outro entre níveis sistêmicos (Vasconcellos, 2010). O pensamento é contextual, pois a análise das propriedades das partes não explica o todo. É ambientalista porque considera o contexto. A ênfase está nas relações e não nos objetos, ou seja, os próprios objetos são redes de relações, embutidas em redes maiores. O mundo vivo é entendido como uma rede de relações. O conhecimento científico é tido como uma rede de concepções e de modelos sem fundamentos firmes e sem que um deles seja mais importante do que outros. O mundo material é visto como uma teia dinâmica de eventos inter-relacionados (Vasconcellos, 2010). Por fim, o último critério se refere à mudança da ciência objetiva para a epistêmica; o método de questionamento torna-se parte integral das teorias científicas. A compreensão do processo de conhecimento precisa ser explicitamente incluída na descrição dos fenômenos naturais, de forma que tais descrições não são objetivas (Capra, 2006; Grandesso, 2000; Vasconcellos, 2010). 6 ARTICULAÇÃO DOS DIFERENTES ENFOQUES O campo da terapia familiar, como vimos, apresenta um panorama muito variado e complexo, não contendo um corpo teórico unificador ao qual fazer referência. Os primeiros estudos que tinham como ponto de partida os trabalhos sobre duplo-vínculo realizados pelo grupo de Palo Alto sobre a esquizofrenia estiveram, por causa de seu caráter revolucionário, na origem do desenvolvimento de uma oposição entre modelo psicanalítico e modelo sistêmico. Estes estudos caracterizavam-se por uma abordagem pragmática da realidade, e o modelo de psicanálise ao qual se opunham era o modelo econômico de Freud. 25 A verdadeira oposição não estava, portanto entre psicanálise e teoria sistêmica, ou entre indivíduo e família, mas sobretudo entre conteúdo internos e comportamentos expressos. Alguns terapeutas de família propõem um trabalho numa abordagem sistêmica pura como Palazzoli (1978) e Haley (1976). Outros pretendem trabalhar em terapia familiar numa abordagem psicanalítica sem nenhum suporte sistêmico como Eiguer (1984) e Ruffiot (1981). Há entretanto autores que tentam fazer uma síntese destas duas abordagens, no trabalho com famílias e casais. É nesta possibilidade de síntese, de articulação dos dois enfoques, que estamos sobretudo interessados. As vezes falta a algumas abordagens psicanalíticas conceber a família como uma unidade sistêmica indivisível. É essencial estudar a articulação entre o indivíduo e seu grupo familiar levando em conta as descobertas mais significativas das abordagens sistêmicas sem se tornar prisioneiro das teorias. É nesta possibilidade de síntese, de articulação dos dois enfoques, que estamos sobretudo interessados. As vezes falta a algumas abordagens psicanalíticas conceber a família como uma unidade sistêmica indivisível. É essencial estudar a articulação entre o indivíduo e seu grupo familiar levando em conta as descobertas mais significativasdas abordagens sistêmicas sem se tornar prisioneiro das teorias. Na perspectiva sistêmica há uma preocupação com o comportamento e a busca de modificá-lo, o que leva a uma desatenção em relação aos processos psíquicos subjacentes, enquanto na perspectiva psicanalítica há uma preocupação em expressar os desejos inconscientes que estão na origem da disfunção familiar. Mas estas duas concepções teóricas e as práticas delas decorrentes não podem deixar de considerar que a família e o casal são grupos organizados, auto- reguladores, com uma linguagem própria, regras próprias de funcionamento e mitos próprios. Nicolló (1988) fala de um rigor elástico, quer dizer, de uma atitude que requer nas disciplinas psicológicas, a intuição, a subjetividade do observador que são insubstituíveis para o conhecimento, quando discute a possibilidade de articulação dos enfoques sistêmico e psicanalítico em terapia familiar. Lemaire (1984) ressalta a necessidade de uma tríplice chave de leitura, no trabalho com família e casal, que passa pelo intrapsíquico, pelo sistêmico-interacional 26 e pelo social. Para ele o fato, por exemplo, de o terapeuta conjugal compreender psicanaliticamente os fenômenos inconscientes das identificações projetivas que estão na base da colusão narcísica do casal, não deve impossibilitá-lo de lançar mão de desenvolvimentos teórico-técnicos das teorias sistêmicas. Ele pode, ao mesmo tempo, trabalhar sobre a comunicação, as expressões paradoxais, os duplo-vínculos, sem ser impedido de levar em conta processos arcaicos inconscientes que estão em jogo desde o estabelecimento da relação amorosa. Dependendo do tipo de demanda familiar, pode-se escolher um referencial de compreensão mais sistêmico ou mais psicanalítico. É importante escolher um quadro de pensamento, mas este não deve ser rígido pois também, do nosso ponto de vista, a visão sistêmica e a visão psicanalítica não se excluem mutuamente. Sem dúvida, consideramos importante a consistência entre teoria e prática, a coerência com uma determinada posição epistemológica. Entretanto, dentro de uma mesma posição epistemológica, incontáveis modelos de atendimento são possíveis. Como ressalta Maturana (1990), há diversos modos de fazer terapia e estes modos distintos têm a ver com as distintas características dos terapeutas. 7 A (S) TERAPIA (S) FAMILIAR (ES) A terapia familiar surgiu dos problemas da clínica psiquiátrica ligados a certos impasses pragmáticos que a realidade quotidiana colocava aos terapeutas. Aparece como um recurso diante de realidades inextrincáveis por meio da criação de acontecimentos singulares, inscrevendo-se no tempo e no espaço, modificando a evolução espontânea da família, estabelecendo uma conexão entre a semiologia do corpo e a do espírito, dos modos de conduta, emoção e pensamento de microssistemas familiares em sofrimento Segundo Miermont, a terapia familiar é composta por vários modelos, em que cada um deve ser visto como um sistema em si mesmo que funcionam como uma espécie de quadro, de guia de leitura e intervenção que fixa o objeto de estudo sem se confundir com ele (Miermont, 1994). As terapias familiares correspondem a tratamentos psicoterapêuticos ou socioterapêuticos da família que apresenta dificuldades ligadas a um ou mais pacientes reconhecidos socialmente como doentes. 27 A conjunção-disjunção dos aspetos psíquicos e sociais reflete-se nas divergências de pontos de vista entre modelos psicanalíticos e (sócio) sistémicos, sem que seja possível permanecer muito tempo num envolvimento puramente dicotómico, maniqueísta e exclusivo da ação e da reflexão a esse respeito (Miermont, 1994). O termo remete para um conjunto de práticas e de teorias no contexto das quais são colocados problemas individuais, familiares e sociais, transtornos do comportamento, atos de delito, violência familiar e social, confrontos interinstitucionais ou transculturais. A finalidade da terapia familiar é atender as pessoas doentes em conjunto com a sua família, tratar da família, dos seus membros e do seu ambiente (Miermont, 1994). Enquanto entidade, a terapia familiar é atravessada por inúmeras correntes aparentemente contraditórias (psicanalíticas, sistémicas, comportamentais, gestálticas, etológicas, sociológicas, etc.), supondo sempre um trabalho prévio de indicações e contraindicações, depreendo-se daí um vasto leque de práticas. Da estrutura interna da terapia familiar podemos salientar três aspetos unificadores: A necessidade que o terapeuta tem de se apoiar numa teoria da família que tem de ter sempre em consideração a dinâmica familiar e o seu processo de mudança; a organização das relações interpessoais e uma concepção sobre a saúde mental vs patologia da família, à qual se irão ajustar os procedimentos técnicos (Vetere, 1987, cit in Gameiro, 1992); O processo terapêutico pode ser definido como a psicoterapia de um sistema social natural, tendo, frequentemente, na base a entrevista interpessoal conjunta. Aqui o terapeuta deve assinalar quais os elementos da família que participam na entrevista, em função do seu posicionamento teórico ou da própria fase e vicissitudes do processo terapêutico. O ritmo, periodicidade, número, duração e espaçamento das sessões variam em função dos modelos (Relvas, 1999); O setting especifico da terapia familiar converte-se num instrumento terapêutico por excelência. O suporte instrumental do terapeuta engloba: técnicas particulares; suporte de análise do caso e do processo e ainda 28 na formação e supervisão. (Fontaine, 1993; Bleandonu, 1986, Heivil, 1984). Assim sendo, as várias escolas da terapia familiar foram sendo reconcetualizadas, mas hoje em dia a atual a terapia familiar é designada de 2ª ordem ou pós-moderna. De entre as escolas de terapia familiar, encontramos: A teoria e terapia dos sistemas familiares de Murray Bowen: Elaborou um modelo teórico de compreensão do sistema familiar e patologias “explicáveis”, em que o seu paradigma é sistémico, postulando que é necessário compreender o indivíduo através da forma como se põe e relaciona com o sistema. A importância atribuída à família deriva do facto de a considerar como um “lugar de criação e sucessão para as gerações humanas”, em que o ser humano é definido como “familiar e potencialmente criador”. A sua teoria “estende-se” das relações do indivíduo consigo próprio, com a família nuclear, às famílias de origem e à sociedade. (Relvas, 1999). A terapia familiar estratégica, a escola de Palo Alto: Existe uma certa dispersão de abordagens desta terapia familiar estratégica, pela grande quantidade de autores que fizeram parte desta escola. De qualquer forma, os elementos unificadores desta escola, para além das concepções dos vários autores que parecem interligar-se, encontramos: a importância atribuída à comunicação e aos efeitos que os seus paradoxos exercem sobre o comportamento, em termos de compreensão da patologia e da sua utilização terapêutica; a componente estratégica que se refere ao terapeuta que define objetivos claros que incluem a resolução dos problemas apresentados; e o ressaltar do papel diretivo do terapeuta que implica que ele seja considerado “agente de mudança e responsável pela promoção da estratégia planificada com vista a resolução do problema” (cit Relvas,1999). Um outro ponto é o facto de se tratar de um modelo estratégico, ou seja, considera-se mais esta corrente uma prática do que uma teoria, em que esta afirmação será tanto mais correta se falar em teoria da mudança, que postula que os sistemas estão em permanente mudança e é nela que se centra a génese dos problemas. (Relvas, 1999). 29 A terapia familiar estrutural: Constitui uma escola que afirma que uma estrutura é desenvolvida por uma personalidade original que se elaborou como umtodo coerente. Possui uma concepção e prática adaptadas a pacientes e a um método particular, de onde emerge um conjunto de conhecimentos equacionados e organizados com a preocupação de serem transmitidos. O seu principal representante é Salvador Minuchin e defende que a família deve ser entendida como uma organização de sujeitos, que comporta transições funcionais evolutivas (ciclo vital) que implicam definir limites e hierarquias, alianças e distanciamentos, bem coligações, ou seja, trata – se da aplicação da noção de estrutura ao grupo familiar em estreita ligação com o sistema (Relvas, 1999). Por fim a terapia familiar de 2ª ordem: Que engloba as implicações decorridas da evolução dos modelos de terapia familiar anteriormente referidos e equacionados a dois níveis: a própria visão sistémica da família e da concepção da intervenção, particularmente no que se refere à criação do sistema terapêutico formado por terapeutas e famílias (Relvas, 1999). Apesar das várias teorias subjacentes na área da terapia familiar, esta continuou a ser vista como um sistema que integra influências externas, mas que não está dependente delas, ao mesmo tempo que existem forças internas que contribuem para a sua regulação, conferindo-lhe uma capacidade auto - organizativa, coerência e consistência no jogo de equilíbrios dinâmicos interior-exterior. Segunda Relvas, quanto à criação do sistema terapêutico: o terapeuta deixa de ser um mero observador neutro e exterior ao sistema, passando a ser encarado como um observador- participante na realidade em construção de acordo com a teoria dos sistemas, implicando sempre uma acoplagem de dois sistemas (terapeuta e família) que se perturbam mutuamente (Relvas, 1999). A terapia familiar, embora formada por várias correntes, com concepções muito diferentes entre si, não se descurou do seu elemento principal: a família, enquanto agente de mudança e com poder para mudar o seu funcionamento e progredir ao longo do seu ciclo vital. Hoje, sabe-se que a família é entendida como um sistema em constante transformação e mudança, devendo estes dois pontos nunca ser esquecidos numa situação de intervenção terapêutica. 30 A família é um todo que não pode, nem deve ser dissociado das suas partes, em que todos os seus elementos contribuem, de igual modo, para o seu desenvolvimento e bom funcionamento. Escola Estratégica: Jay Haley é um dos principais teóricos da Escola Estratégica juntamente com Jackson, Bateson, Weakland e Watzlawick. Para Haley (1976) o que caracteriza o sistema familiar é a luta pelo poder. Ele utiliza o termo estratégico para descrever qualquer terapia em que o terapeuta realiza ativamente intervenções para resolver problemas. A visão estratégica define o sintoma como expressão metafórica ou analógica de um problema representando, ao mesmo tempo, uma forma de solução insatisfatória para os membros do sistema em questão. Nesta abordagem há uma orientação franca para o sintoma e os problemas são vistos como dificuldades interacionais que se desenvolvem através da superênfase ou da subênfase nas dificuldades de viver. A resolução dos problemas requer a substituição dos padrões interacionais. A abordagem terapêutica é pragmática: trabalham-se as interações e evitam-se os porquês. O principal objetivo é mudar o comportamento manifesto do paciente. São utilizadas instruções paradoxais que consistem em prescrever comportamentos que, aparentemente, estão em oposição aos objetivos estabelecidos, mas que visam a mudanças em direção a eles. A instrução paradoxal é mais frequentemente utilizada sob a forma de prescrição de sintoma, isto é, encorajando-se aparentemente o comportamento sintomático. Para Watzlawick et al (1967) o uso do paradoxo leva à substituição do duplo vínculo patogênico por um duplo vínculo terapêutico. Escola de Milão: A principal representante deste grupo é Mara Selvini Palazzoli que, juntamente com Boscolo, Ceccin e Prata, fundou em 1967 o Centro para o Estudo da Família. Partindo dos mesmos pressupostos teóricos da Escola Estratégica, Palazzoli et al (1980) consideram que os problemas que emergem quando os mapas familiares não são mais adequados, ou seja, os padrões de comportamento desenvolvidos não são mais úteis nas situações atuais. Dada a tendência à homeostase, os problemas surgem quando as regras que governam o sistema são tão rígidas que possibilitam 31 padrões de interação repetitivos, homeostáticos e vistos como "pontos nodais" do sistema. Um princípio terapêutico fundamental para o grupo de Milão é a conotação positiva dos comportamentos apresentados pela família. Quando se qualificam como positivos os comportamentos sintomáticos, motivados pela tendência homeostática do sistema e não os comportamentos. Outro tipo de intervenção utilizada pelo grupo de Milão é o ritual familiar, ou seja, uma ação ou uma série de ações das quais todos os membros da família são levados a participar. A prescrição de um ritual visa evitar o comentário verbal sobre as normas que perpetuam o jogo em ação. No ritual familiar novas regras substituem tacitamente as regras precedentes. Para elaborar um ritual o terapeuta deve ser bastante observador e criativo. O ritual é rigorosamente específico a uma determinada família. Escola Construtivista: No final da década de 70, utilizando os conceitos da cibernética de segunda ordem e de sua aplicação aos sistemas sociais, surge a Escola Construtivista. A partir da concepção de retroalimentação evolutiva de Prigogine (1979), considera-se que a evolução de um sistema ocorre através da combinação de acaso e história em que, a cada patamar, surgem novas instabilidades que geram novas ordens, e assim sucessivamente. Nesta perspectiva em que os sistemas vivos são considerados como hipercomplexos e indeterminados, instabilidade e a crise ganham um novo sentido no sistema familiar. A crise não é mais um risco, mas parte do processo de mudanças, assim como o sintoma. Assim, os terapeutas de família da Escola Construtivista passam a considerar a autonomia do sistema familiar partindo do estudo dos sistemas auto organizados, da cibernética de segunda ordem, e dos sistemas auto poéticos postulados por Humberto Maturana (1990). Ocorre, neste enfoque, uma ruptura entre o sistema familiar/observado e o terapeuta/observador. O sistema surge como construção de seus participantes. O terapeuta estará interessado não mais no comportamento a ser modificado, mas no processo de construção da realidade da família e nos significados gerados no sistema. 32 A ênfase é deslocada do que é introduzido no sistema pelo terapeuta para aquilo que o sistema permite a ele selecionar e compreender. Alguns terapeutas estratégicos podem ser citados como tendo incluído posteriormente na sua prática o modo de pensar construtivista; entre eles, os do grupo de Milão. Palazzoli et al (1980) estabelecem três princípios indispensáveis ao trabalho terapêutico: a formação de uma hipótese, a circularidade e a neutralidade. A hipótese formulada deve ser testada ao longo da sessão; se rejeitada, o terapeuta procurará outras, baseando-se nos dados obtidos na verificação da primeira hipótese. Todas as hipóteses devem ser sistêmicas, ou seja, devem incluir todos os membros da família e fornecer uma conjetura que explique a função da relação. A circularidade diz respeito à capacidade do terapeuta de conduzir a sessão baseando-se nos feedbacks recebidos da família como resposta à informação que solicitou em termos relacionais. A neutralidade consiste numa atitude de imparcialidade do terapeuta que se alia a cada membro da família, neutralizando qualquer tentativa de coalizão ou sedução de qualquer componente do grupo familiar. O enfoque construtivista, proposto a partir de uma ótica sistêmica de segunda ordem, questiona, portanto, o poderdo terapeuta na terapia familiar e as intervenções terapêuticas diretivas. A ênfase não é colocada na pergunta, mas na construção da interação e a ação do terapeuta pretende explorar as construções onde surgem os problemas. 7.1 Teoria sistêmica: algumas considerações atuais Considera-se, com base no exposto, que o olhar da psicologia sistêmica no contexto atual, implica pensar os avanços realizados em relação ao modelo de ciência tradicional. A partir da compreensão do comportamento humano num contexto interacional, destaca-se que a atenção volta-se para a comunicação, bem como ao comportamento dos membros do sistema, por meio da observação dos elos de recursividade existentes entre os membros e aos contextos em que estão inseridos (Böing, Crepaldi, & Moré, 2008; Aun e cols., 2005; Grandesso, 2000). A epistemologia do pensamento sistêmico “oferece pressupostos ao pesquisador que possibilitam o estudo de fenômenos, considerando a complexidade 33 dos mesmos e a intersubjetividade implicada no estudo” (Böing, Crepaldi, & Moré, 2008, p.254). Assim, pensar o trabalho com famílias no contexto atual é de extrema importância. Refletir sobre a interdependência do comportamento de cada um dos membros e em relação à totalidade da família, possibilita criar hipóteses mais precisas sobre o comportamento de todos. Ressalta-se que o pensamento sistêmico colabora para pensar o fenômeno familiar em função da diversidade de aspectos que influenciam nessa configuração. Para tanto, a abordagem teórica fundamentada na epistemologia sistêmica se mostra bastante adequada no desenvolvimento de pesquisas com famílias no cenário atual (Böing, Crepaldi, & Moré, 2008). Com base nas considerações feitas, salienta-se que várias teorias sistêmicas podem contribuir para o embasamento teórico dos estudos com famílias no contexto atual, como: a Abordagem do Ciclo de Vida Familiar (Carter & McGoldrick, 2001) e a teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano (Bronfenbrenner, 1999; Bronfenbrenner & Morris, 1998). Nos estudos de Carter e McGoldrick (2001), as autoras trouxeram uma classificação de estágios do ciclo de vida familiar: Estágio em que os jovens solteiros saem de casa; A união de famílias no casamento: o novo casal; Famílias com filhos pequenos; Famílias com adolescentes; Lançando os filhos e seguindo em frente, e Famílias no estágio tardio da vida. Ainda, as autoras relatam sugestões em relação às mudanças vivenciadas em cada estágio, bem como nos momentos de transição. Para Cerveny e Berthoud (2009), o ciclo vital envolve etapas pelas quais a família passa ao longo da sua geração. Dessa forma, as famílias, independentemente das configurações (casais heterossexuais, homossexuais e/ou recompostos) passam por essa transição ao longo do ciclo de vida familiar. Porém, em estudos das autoras citadas, essas constataram que na realidade brasileira existem peculiaridades em relação ao ciclo vital, sendo que a família passa pelas seguintes etapas de transição: 34 Fase da aquisição (período que contemplaria a formação do casal até a entrada dos filhos na adolescência Família adolescente; Família madura (saída dos filhos de casa, entrada de agregados e netos, início das perdas e cuidados com a geração anterior, preparo para a aposentadoria e cuidado com o corpo) Última fase, correspondente à fase em que o casal volta a ficar sozinho. Ressalta-se que no contexto, as duas formulações do ciclo vital da família são válidas. Acredita-se que cada visão pode auxiliar na compreensão das diversas realidades que se apresentam, quando o assunto é família. Desse modo, pensar a terapia sistêmica na realidade brasileira envolve conhecer os contextos em que essa família se encontra inserida. Outra teoria que vem sendo bastante usada nas pesquisas sistêmicas diz respeito à Teoria Bioecológica do Desenvolvimento, elaborada por Bronfrenbrenner, na década de 1970 (Dessen & Silva Neto, 2000). Conforme essa teoria, o desenvolvimento humano acontece com base em processos complexos de interações. Portanto, o desenvolvimento é percebido como um fenômeno complexo que se dá através da interação de quatro núcleos principais: os processos proximais; as características pessoais; o contexto; e o tempo (Bronfenbrenner, 1999; Böing, Crepaldi, & Moré, 2008). Os processos proximais referem-se a “interações recíprocas e ativas com base regular e períodos prolongados no ambiente imediato” (Böing, Crepaldi, & Moré, 2008, p.255). Já a pessoa diz respeito à percepção de que o sujeito é produto e produtor de seu contexto de desenvolvimento. Em relação ao contexto, pode-se salientar que há participações do sujeito em diversos níveis. O autor vai classificar o contexto em microssistema, messosistema, exosssistema e macrossistema. A participação do sujeito vai sendo diminuída conforme a ampliação do sistema em questão. E, sobre o tempo, esse refere-se às mudanças no ciclo de vida individual e familiar. Cumpre-se ressaltar que a terapia familiar sistêmica muito tem contribuído para o estudo e o trabalho com famílias. Desse modo, ampliar o olhar e compreender como 35 teorias podem auxiliar nesse contexto é fundamental para o trabalho do pesquisador e do terapeuta familiar. Conhecer a história e as perspectivas atuais solidifica mais a pesquisa e a prática do pensamento sistêmico, assim como aguça novos olhares e possibilidades de pensar os avanços dessa teoria, conforme a articulação dos sistemas em questão. 8 A CONJUGALIDADE Segundo López (2008), a conjugalidade, nos dias atuais, pode ser entendida como a construção de um vínculo que engloba toda a existência dos cônjuges, que partem de um projeto em comum. O autor ainda discorre que casal é formado por indivíduos com diversidades de desejos e potencialidades. Muitas vezes a individualidade precisa dar espaço para a conjugalidade e isso gera restrições que colocam limites no “eu” em prol do projeto em comum. A conjugalidade abarca a totalidade da existência das pessoas envolvidas e isso a diferencia das outras relações sociais que são caracterizadas pela funcionalidade, limitando a aspectos parciais da vida humana. Segundo López, a construção do vínculo conjugal, nos dias atuais, é o fruto da escolha entre os parceiros, que, via de regra, não visa o valor econômico, ou o interesse, mas que buscam uma realização profunda do ser. O vínculo é percebido, em primeira instância, como uma resposta de amar e ser amado. (LÓPEZ, 2008). López (2008) diz que, salienta que os vínculos conjugais são unidades psíquicas, sociais e sexuais. Considera que a conjugalidade tem papel na produção da identidade e de sentido, pois a convivência com o outro proporciona um novo modo de ver do indivíduo, creditando valores na identidade pessoal, o que é muito gratificante. A conjugalidade também é uma fonte produtora da realidade, porque a construção da relação conjugal envolve temas, como: despesas, as partilhas de recursos, mas também os filhos gerados como novas relações afetivas que fazem parte da dinâmica de ser casado. Por fim, o vínculo conjugal sofre influências do meio social e histórico no qual se está imerso. 36 8.1 A conjugalidade nos tempos atuais Pode-se dizer que a conjugalidade, em nossos tempos, tem assumido diferentes configurações. Vários aspectos influenciaram essas mudanças percebidas na atualidade, tais como a transformação da sexualidade que aconteceu na metade do século XX, na qual o sexo começou a ser visto como fonte de prazer e liberdade e não somente meio de procriação. Outro fator foi o ingresso da mulher no mercado de trabalho, que passou a ser também provedora e não apenas cuidadora do lar e dos filhos, promovendo assim, uma grande transformação na instituição familiar e, consequentemente, na sociedade. Férez-Carneiro (1998) discorreque outro ponto com o qual o casal moderno tem sido confrontado é a tensão entre individualidade e conjugalidade, visto que nossa sociedade tem como valorização o indivíduo em detrimento do coletivo. Segundo Férez-Carneiro e Neto (2010), a constituição e a manutenção do casamento na atualidade são muito influenciadas pelos valores do individualismo, pois a relação conjugal enfatiza mais a autonomia e a satisfação de cada cônjuge do que os laços de dependência entre eles. Contudo, instituir um casal demanda a concepção de uma zona comum de interação, de uma identidade conjugal. O casal contemporâneo é confrontado, o tempo todo, por duas forças paradoxais que é o difícil convívio da individualidade com a conjugalidade. Se por um lado, os ideais individualistas estimulam a autonomia dos cônjuges, enfatizando que o casal deve sustentar o crescimento e o desenvolvimento de cada um, por outro, surge a necessidade de vivenciar a conjugalidade, a realidade comum do casal, os desejos e projetos conjugais. (FÉREZ- CARNEIRO, apud, NETO, 2010). Para Coelho (2013), muitos casais têm buscado a promoção de valores individuais, esquecendo-se da coletividade e da conjugalidade. A autora afirma que, um dos fatores provocadores de conflitos nos casais modernos é o trabalho, visto que há muitos casais que estão em conflito por disputarem salário e carreira. Também por causa do trabalho, não existe muito tempo para a família, afetando até mesmo a relação conjugal. A autora afirma que isso é um fruto de individualismo, pois, cada cônjuge está preocupado com sua carreira, com seu dinheiro, estando sempre correndo de um lado para o outro, sem tempo para nada, seguindo a máxima do capitalismo que “tempo é dinheiro”. 37 A autora também discorre que outro fruto do individualismo é a banalização do sexo, visto que há uma procura pela satisfação sexual, gozo pessoal e uma busca exacerbada pelo prazer. Em muitos casos, acontece uma procura extraconjugal para tais satisfações, sem importar-se com os sentimentos e a subjetividade de seu cônjuge. Coelho (2013) ainda afirma que o casamento se tornou uma fuga da solidão e por isso, assume um grande valor e significado na vida dos envolvidos, pois requer um alto grau de desejo, além do investimento afetivo entre seus pares para que ele ocorra. Cria-se grande expectativa com relação ao casamento, este precisa ser sempre feliz e livre de conflitos. Todavia, o casamento não pode ser definido por ausência de conflitos e sim pelo constante diálogo e comprometimento frente a esses, pois, podem promover o crescimento da conjugalidade. Isso requer que o vínculo conjugal seja fortalecido, mas, o que se percebe na modernidade é que as uniões duram cada vez menos devido à fragilidade desses vínculos estabelecidos, a insatisfação diante dos conflitos e à busca incessante pelo prazer. Férez-Carneiro e Neto (2010) corroboram que no imaginário social, tem-se a ideia do casal que se forma por uma associação de vínculos afetivos e sexuais, tendo uma base estável, com um forte compromisso de apoio recíproco e o objetivo de formar uma nova família incluindo, se possível, filhos. Smeha e Silveira (2013) discorrem que, na modernidade, há uma busca pela pessoa ideal que contenha a união das “qualidades, tais como beleza, recursos financeiros, similaridade de valores e que seja responsável pela felicidade e completude do sujeito” (SMEHA; SILVEIRA, 2012). Mas nem sempre é possível essa união, portanto, procura-se outro parceiro que proporcione apenas prazer e não sofrimento. Nessa perspectiva, o casamento é comparado ao consumo, quando um objeto apresenta algum problema é imediatamente trocado por outro que promete oferecer mais satisfação. Féres-Carneiro (1994) discorre que o relacionamento conjugal é uma construção de significados, aliás, todo relacionamento proporciona construção de valores e de novos sentidos. O casamento é uma ampla ocasião de aprendermos a lidar com nossas emoções e com as emoções do outro, desenvolvendo inteligência interpessoal e 38 intrapessoal, visto que cada cônjuge leva para o casamento suas próprias vivências, sua cultura e sua construção de significados. Portanto, ser casal não é tarefa nada fácil, pois a pessoa precisa conviver com seus próprios conflitos e também com os do outro. Marum (2006) discorre que, quando duas pessoas se casam, passam a buscar uma identidade conjugal, o que exige um período de adaptação que necessita de muita paciência e tolerância do casal. Trata-se do desenvolvimento do vínculo, o qual se sustenta devido ao estabelecimento das metas, o que dá equilíbrio entre as diversas redes sociais interligadas ao casal, como as famílias de origem, grupos de amigos e grupos de trabalho. Segundo Marum, tornar-se um casal é uma tarefa difícil e complexa, que envolve aspectos emocionais e implica a realização de inúmeras escolhas e renúncias de cada um dos parceiros. Penso que quanto mais a pessoa possa encontrar-se primeiro consigo mesma, maiores serão as possibilidades de ela se encontrar com o outro. No encontro, compartilhamos as semelhanças, as diferenças, buscando sempre, na relação, um exercitar constante. (MARUM, 2006). Conforme Búrigo (2010), para que haja um bom funcionamento do casamento, é necessário que se tenha clareza dos objetivos de vida e torna-se fundamental que ambos os cônjuges tenham consciência do que cada um está disposto a oferecer pela relação. Assim, torna-se essencial um diálogo aberto entre as partes, estabelecendo certo tipo de contrato em que fique claro o que cada um quer do outro e dará de si. Alguns conflitos se estabelecem devido a essa falta de clareza, visto que um dos parceiros pode pensar que se doa pela relação mais que o outro, mas está esperando algo que não fora combinado. No entanto, às vezes de forma inconsciente, esse contrato pode ser boicotado, pois, apesar dos cônjuges saberem o que querem do outro e o que querem ser, frequentemente não conseguem se mostrar como são realmente. É comum que os parceiros camuflem algumas características por perceberem que o outro pensa diferente e acabam fazendo a opção pela renúncia da própria vontade, ao invés de enfrentarem seus sentimentos e comunica-los com a outra parte envolvida. Essa renúncia, não preserva o casamento; ao contrário, com o tempo pode- se transformar em sérios conflitos. Alguns outros conflitos também nascem do comprometimento emocional de um dos cônjuges, por exemplo, o ciúme. Para Búrigo (2010) geralmente pessoas 39 ciumentas são inseguras e apresentam baixa autoestima, já que esta é constituída ao longo da vida, quanto mais o sujeito buscar desenvolver suas potencialidades, mais sentirá segurança em si e menos dependerá do outro, portanto sentirá menos ciúmes. O ciúme faz com que a pessoa se anule, deixe seus sonhos e seus objetivos para agradar o outro, colocando a razão de sua felicidade toda concentrada na figura do cônjuge. Podemos dizer que se torna uma falsa doação, pois a pessoa se sacrifica para obter ganhos para si, o ciúme tem levado muitos casamentos ao fracasso. Segundo Búrigo, a autora também afirma que tem sido cada vez mais comum perceber “nos relacionamentos situações nas quais os cônjuges esperam que o outro saiba exatamente como se deve agir para agradá-lo. Como na maioria das vezes não acontece acaba gerando brigas e discussões entre o casal” (BÚRIGO, 2010). Búrigo (2010) discorre que outra causa de conflitos de casal é a insatisfação sexual com o parceiro, sendo uma das principais queixas nas terapias de casal. Por fim, e com um grande número de reclamações, encontra-se a questão da relação dos cônjuges com a família de origem. Os problemas oriundos desta relação geralmente se dão no início do casamento. 8.2 Psicologia conjugal e familiar A terapia familiar e de casal baseia-se no princípio de que os indivíduose os seus problemas são melhores entendidos em contexto relacional e é precisamente neste contexto que podem surgir as soluções para o que não está a acontecer da melhor forma. Acredita-se, pois, que se surge um problema no contexto familiar ou conjugal, é nele mesmo que emergem as soluções para que uma família e um casal continuem a evoluir. Assim, a terapia familiar e de casal é uma modalidade de psicoterapia que procura ajudar os elementos de uma família a identificar e solucionar as dificuldades das dinâmicas e comunicação familiar, quando sozinhos já não estão a conseguir fazê-lo. O contexto da consulta de terapia familiar e de casal decorre num espaço em que na mesma consulta estão presentes vários elementos da família em simultâneo, na tentativa de colocar em comum aquelas que são as dificuldades da família/casal, de acordo com a perspectiva de cada elemento para chegar a conclusões e soluções comuns. 40 Todo este processo é mediado por terapeutas familiares que alinham num modelo de psicoterapêutico mais rápido e orientado para os resultados. 8.3 O processo de atendimento sistêmico para os casais em conflito Pontes (2006) afirma que a crise de um dos cônjuges certamente deve ser encarada como um problema de ambos os parceiros, afinal, a conjugalidade somente acontece devido à união das individualidades e, se uma das partes não está bem, toda a estrutura conjugal estará comprometida, pois a relação do casal é muito dinâmica, visto que está sempre em contínua construção, tanto no que se refere à relação a dois, quanto como indivíduos. Segundo Pontes, diante dessa complexidade que envolve o casal, torna-se necessário “abrir espaço para um pedido de ajuda e, também, oportunidade para que surjam possíveis modificações de atitude: aceitar, decidir, ressignificar, negociar” (PONTES, 2006). A terapia para casais é esse espaço, na qual o terapeuta analisará “cada conduta em função da sua repercussão na dinâmica conjugal e sobre o ecossistema no qual está inscrito o casal” (MIERMONT, 1994). Miermont (1994) aconselha a terapia conjugal quando há a presença de uma sintomatologia em um dos parceiros e que não seja possível ser tratada fora do contexto conjugal; quando o cônjuge não pode realizar uma terapia individual, devido à pobreza das informações trazidas consigo, quando há a possibilidade da cura de um membro gerar sintomas no outro ou provocar o divórcio, quando os conflitos individuais afetam a conjugalidade; e quando existir um período de crise entre o casal. Fráguas (2006) salienta que, quando o casal encara o problema de um como um problema de ambos, chegou à consciência da influência que um tem na vida do outro e no casal em si; uma forma de se perceber tal tomada de consciência é a própria decisão de procurarem uma terapia conjugal, esta promoverá a oportunidade do cônjuge sintomático compartilhar com o outro o significado de seus sentimentos, suas angústias e ansiedades, retirando, assim, o véu que encobria sua dor, ou seja, “situações muitas vezes evitadas anteriormente, sem a presença de um interlocutor” (FRÁGUAS, 2006,). Contudo, a terapia de casal não pode ser concebida como uma terapia individual de um dos cônjuges com a presença do outro, visto que ela é uma 41 intervenção na própria relação conjugal; isto é, necessita da presença dos dois, porque são eles os criadores e ao mesmo tempo as criaturas da relação. O autor ainda discorre que um casal, geralmente, busca a terapia conjugal quando se encontra em conflito, ou quando há uma insatisfação com a vida conjugal, sejam estes problemas oriundos da dificuldade na regulação da intimidade, do ciúme, da disputa de poder, da não satisfação sexual ou da traição de um dos cônjuges. Pode-se dizer que os conflitos e as insatisfações conjugais estão entre os maiores estressores da vida do ser humano, podendo ser desencadeadores de depressão e doença ligadas ao estado emocional. Portanto, ao se procurar a terapia de casal, visa-se a uma melhor qualidade de vida, pois ela vem se apresentando como um instrumento importante, capaz de auxiliar no tratamento da depressão, muitas vezes, com maior eficiência do que a medicalização. De acordo com Búrigo (2010), o terapeuta que adota o pensamento sistêmico não age como um especialista, definidor de verdades e do caminho pelo qual o casal deve percorrer. Mas o terapeuta é um participante ativo em uma conversa, na qual lança mão de seus conhecimentos e habilidades, procurando modificar o funcionamento das relações. A autora também afirma que a psicoterapia é o momento no qual os participantes se abrem para possibilidades até então inacessíveis, e o terapeuta irá abrir este caminho através de seus recursos terapêuticos. Assim, na terapia de casal, o terapeuta tem a função de “ajudar seus clientes a revisar seus modelos de funcionamento do mundo do self” (BÚRIGO, 2010.p. 26). Portanto, o terapeuta deve promover uma comunicação aberta entre os membros, para poder compreender a opinião individual sobre o que é importante para a relação conjugal ou familiar. Segundo Búrgio, é por meio desta comunicação aberta, que o terapeuta irá co-construir com o casal, alternativas, seja para darem continuidade a um projeto de vida juntos, ou separados. Por isso, é necessário criar um espaço terapêutico colaborativo e reflexivo, no qual os cônjuges se sintam à vontade para abrir as bagagens que trouxeram para o casamento, bem como externalizar seus pensamentos, e auxiliar o casal a estabelecer uma boa comunicação. (BÚRIGO, 2010). 42 Torna-se possível, então, a construção de novos espaços relacionais no que se refere à rotina do casal, possibilitando a inclusão das discussões cotidianas – como o uso do dinheiro, frequência sexual, distribuição de tarefas domésticas e responsabilidade com os filhos, como empregar o tempo livre, dentre outros – visto que, o espaço terapêutico para atendimento a casais é o lugar onde novas histórias podem ser escritas, recriadas e negociadas. É o espaço do amadurecimento entre a individualidade e o pertencimento. Além disso, Machado (2012) ressalta que o terapeuta e o casal formam um sistema terapêutico em que se mantém a organização e autonomia. Machado (2012) salienta que o papel do terapeuta é o de ajudar os cônjuges a se reorganizarem, se estruturarem enquanto casal; para isso, faz uso de si mesmo, sendo um “encenador do drama familiar”, e aproveita o potencial de seus clientes, para a realização das mudanças. Ele exerce um papel ativo, sendo um agente de mudanças que favorecem a ampliação das flutuações do sistema. A atitude do terapeuta não é de observar o indivíduo isoladamente, tentando explicá-lo, mas sim participar de um processo ativo em que observa as interações entre os parceiros e os outros sistemas nos quais estão interagidos. Segundo Coelho, o terapeuta que atende casais, precisa refletir sobre sua própria existência, trabalhando seu papel enquanto terapeuta, pois sua vivência fará parte de todas as suas ações. Para colaborar com os outros, precisa ter um embasamento teórico e muita disposição. “A partir do momento que o terapeuta se dispõe a ouvir o outro, ele tem que entrar em contato com ele mesmo, rever seus conteúdos internos, familiares, e a valorizar o que o outro está trazendo no momento” (COELHO GUIMARÃES, 2009). A comunicação é fundamental para o atendimento de casal sob a perspectiva sistêmica. Durante todo o tempo da terapia, o terapeuta buscará desenvolver a comunicação entre ele e o casal, e dos cônjuges em si. Muitos desgastes emocionais nascem da falta de compreensão do outro, ou seja, erro na comunicação entre os parceiros. De acordo com Coelho (2013), os casais poderão encontrar limitações na comunicação, visto que está se dá entre pessoas mais próximas; todavia, os cônjuges podem não ter conseguido chegar à proximidadenecessária para o desenvolvimento da comunicação: a conversa pode chegar até certo ponto e não progredir. 43 E, para que isso não aconteça, é importante que haja regras na forma de comunicar-se em um relacionamento; assim sendo, o casal saberá até onde poderá falar com o outro, sem trazer complicações. Uma das principais regras é saber que o parceiro possui uma história e que, em alguns momentos, devemos limitar os comentários para respeitar o ponto de vista do outro. A autora ainda salienta que a comunicação é um comportamento no qual se necessita de compreensão mútua. A comunicação é composta de várias mensagens passadas, tanto para quem ouve como para quem se comunica, fazendo com que aconteça uma interação completa. Muitas dificuldades ocorrem quando o indivíduo não permite que o seu parceiro se expresse fazendo que se estabeleça uma disfunção em sua realização. No entanto, toda a comunicação está ligada ao tipo de relação e a o conteúdo que completarão a mensagem enviada. Coelho (2013) ainda salienta que a dificuldade de comunicação do casal causa danos não somente ao próprio casal, mas em todo o sistema familiar. Cônjuges que não se comunicam têm maior probabilidade de vivenciar diversos tipos de violência; da falta de comunicação surge distorção das mensagens enviadas ao receptor, e a falta de diálogo pode provocar falta de ações práticas na vida cotidiana do casal, podendo afetar até mesmo a relação sexual entre os parceiros. A dificuldade de comunicação entre os casais é um fenômeno complexo e ainda não foi compreendido em todas as suas dimensões. Nichols (2007) afirma que é impossível não se deparar com dificuldades na questão da comunicação na relação do casal, pois tratam-se de dois indivíduos distintos, com histórias, construções sociais e experiências diferentes dividindo o mesmo espaço. No entanto, o autor acredita que é possível encontrar meios que superem tais dificuldades, e é nesse ponto que a ajuda de um profissional faz-se necessária. O papel do terapeuta é de levar a comunicação fluir entre o casal, para que haja uma maior compreensão entre os seus membros. 44 9 FAMÍLIA VISTA COMO UM SISTEMA O modelo sistêmico de interação familiar foi proposto por Jackson ao apresentar o conceito de homeostase familiar, a partir de observações de família de pacientes psiquiátricos, cujos membros demonstravam, quase sempre, grandes mudanças de comportamento quando o paciente, em tratamento, obtinha melhora. Constatava-se que mudanças no comportamento de um membro da família provocavam mudanças nos demais, modificando também a interação entre eles. Família passa a ser vista então como um sistema de interações e dependências, constantemente regulado na medida em que tende a preservar seus padrões estabelecidos de interação. Esse equilíbrio é mantido pelas regras familiares. Segundo Jackson e Riskin as regras referem-se aos tipos de interação permitidos entre os membros da família. Toda família possui regras que regulam seu funcionamento. Essas regras estendem-se num contínuo, desde aquelas que são claramente conscientes para os membros da família até aquelas das quais esses não têm consciência. Quando ocorrem irregularidades, isto é, quando as regras são desobedecidas, a homeostase é quebrada, e a família dispõe então de metarregras, ou seja, modos habituais de restaurar as condições condizentes com as regras. Marido e mulher são, segundo Satir, os arquitetos da família. Sua relação vai modelar as interações entre eles e os filhos e, até mesmo, as relações dos filhos entre si. Através da observação e participação na relação conjugal, cada filho vai derivar o conceito de "ser-em-relação-com-o-outro". Os pais são como que a chave para o entendimento da família e sua autoestima vai determinar a possibilidade de desenvolvimento autônomo dos filhos. Pais com baixa autoestima e pouca confiança um no outro esperam que seus filhos aumentem sua autoestima, sendo uma extensão deles mesmos e realizando desejos que eles não conseguiram realizar. Nesse contexto, as crianças são levadas a desempenhar papéis que dizem respeito aos pais e não a elas, e essa situação reforça sua baixa autoestima. 45 9.1 Enfoque terapêutico Antes de iniciada a terapia é preciso haver um esclarecimento das expectativas do terapeuta e da família. O contrato terapêutico deve estabelecer uma atmosfera de trabalho em que a família terá grande responsabilidade. O terapeuta tomará claro que encara os problemas ou sintomas de qualquer membro da família como algo que envolve e diz respeito a toda a família, tentando assim tirar o foco do paciente identificado (aquele que é traduzido pela famI1ia como cliente). O diagnóstico familiar é um diagnóstico interacional. O problema do indivíduo é visto como um sintoma da patologia da família. A preocupação básica é com o funcionamento global da família, vista como um organismo. Para que indivíduos e família funcionem livres de qualquer sintomatologia, cada pessoa precisa sentir que está "crescendo" e produzindo de modo adequado à sua personalidade. O sintoma é, portanto, uma indicação de que o crescimento dos membros da família está sendo, de algum modo, impedido. Isso pode ser explicitado apenas pelo paciente identificado, mas existir, de forma latente, em todos os outros membros. No tratamento de família a ênfase é colocada nos padrões de interação interpessoal, deduzidos da comunicação, o que é chamado de processo. O terapeuta estará sempre atento ao modo como as mensagens são enviadas e recebidas, assim como à sua direção, clareza e congruência. O importante é buscar sempre o processo (o como), evitando ficar preso ao conteúdo (o quê). Em geral, as famílias buscam terapia não por causa do processo, mas por causa de resultados indesejáveis (problemas de comportamento do filho, dores de cabeça da mãe, etc.). 10 O TERAPEUTA O terapeuta necessita antes de tudo afirmar sua própria posição ética com relação a manter ou revelar um segredo familiar: A família também tem direito a conhecer a posição do terapeuta não devendo esta conter um segredo em si mesma. 46 O terapeuta precisa ter flexibilidade e estar constantemente desafiando suas próprias posições. Quando o segredo é nocivo ou perigoso, se faz necessário estar atento a um presumível direito de esconder que pode emergir do ilicitamente poderoso da família, como se fosse em benefício do mais vulnerável. É a equidade nos relacionamentos que toda terapia almeja, que respalda o direito de saber o que afeta nossas vidas e o direito de dar voz à dor mais profunda. 10.1 Atuação do terapeuta familiar O terapeuta deve entrar na família como participante ativo e um catalisador. Tentará observar qual é o processo da família, como seus membros lidam com crescimento e que tipo de modificação é desejável na dinâmica familiar. O terapeuta familiar precisa estar consciente de como se sente a respeito de suas intervenções e de como essas intervenções se encaixam no objetivo de mudança da família. Ele precisa estar consciente sobretudo de sua própria história familiar e de sua interação conjugal. A ação terapêutica far-se-á no sentido de alcançar um ou uma combinação dos seguintes objetivos: quebrar os estereótipos; incluir cada membro na famI1ia; clarificar significados; reforçar o ego dos membros individuais; enfatizar. O valor da individualidade; tomar o implícito explícito; combater a atribuição de culpa etc. No tratamento familiar é muito comum o trabalho em coterapia. Isso acontece principalmente por causa do número, às vezes elevado, de pessoas atendidas simultaneamente e pela possibilidade de divisão de papéis, dando maior liberdade aos terapeutas. A dupla terapêutica composta por um homem e uma mulher é especialmente útil, na medida em que possibilita identificações e valorizaçõessexuais. 11 TENDÊNCIAS DA TERAPIA FAMILIAR E A INCLUSÃO DO OBSERVADOR NO SISTEMA A Cibernética de Wiener recebeu várias contribuições da Terapia Familiar no sentido de integrar o terapeuta e a família num único sistema. O conflito que trouxe 47 essa nova concepção, conhecida como Cibernética da Cibernética, pode ser bem resumido pela divergência entre Gregory Bateson e Jay Haley, uma vez que Bateson criticava a metáfora do poder proposta por Haley, para quem o terapeuta tinha como função controlar o poder dentro do sistema familiar. Segundo Bateson julgava tóxica essa análise sistêmica em termos de poder e sugeria que o terapeuta deveria desenvolver uma consciência ampla de pautas recursivas totais, ou seja, uma consciência da circularidade que envolve os processos mentais e o ambiente externo (Bateson apud Keeney, 1997). Minuchin, Lee e Simon (2008) classificam a terapia familiar proposta por Haley como intervencionista, uma vez que o terapeuta age conforme um determinado estilo para provocar mudanças na família. Nesse tipo de terapia, os autores também incluem Virgínia Satir, Carl Whitaker e Murray Bowen. Portanto, já havia na epistemologia de Bateson uma proposta envolvendo as conexões entre linguagem relacional e meio ambiente, pensamento retomado décadas depois por terapeutas familiares construtivistas para descrever as interações e produções do sistema terapêutico. O Grupo de Palo Alto, que aplicou os mecanismos de feedback da Cibernética à teoria da comunicação humana em pesquisas sobre esquizofrenia e do qual participavam Bateson e Haley, promoveu um congresso com vários epistemólogos e terapeutas familiares renomados. No evento foi discutida a participação do terapeuta (observador) no sistema que ele próprio observa e, a partir de então, foram desenvolvidas escolas da Terapia Familiar que passaram a dar destaque à linguagem e a como eram construídas as realidades nesses sistemas (Elkaïm, 1996). O novo enfoque sobre a relação entre terapeuta e família mudou o panorama que predominava desde a metade do século XX, quando Bertalanffy (2012) expôs as duas principais teorias sistêmicas como contrárias: a Cibernética concebendo o funcionamento de sistemas humanos como o de máquinas com mecanismos fixos e um alvo determinado, e a Teoria Geral dos Sistemas, que ressalta a interação do sistema com o meio externo e a desordem dos processos internos que impelem o sistema à estabilidade. 48 As contribuições subsequentes ao congresso abdicaram da ênfase dada aos padrões sistêmicos e dedicaram atenção à complexidade e à singularidade (Elkaïm, 1996). As novas tendências da Terapia Familiar que surgiram desde então se voltaram para os seguintes aspectos: O questionamento do observador como exterior ao sistema; A emergência de perspectivas multidimensionais e complexas; Pluralidade; Um aumento de sensibilidade para a construção social da realidade; Uma revisão da noção de autoridade; O interesse pela criatividade e a emergência do novo; A reflexividade; Um abandono dos modelos de déficit (Schnitman & Fuks, 1996) Diante de uma nova perspectiva, a discussão sobre como funcionam os sistemas familiares deu lugar aos processos afetivos e cognitivos que emergem das narrativas da família. Schnitman e Fuks (1996), por exemplo, descrevem a metáfora do self como processo subjetivo que se manifesta do universo de possibilidades compartilhadas ou co-construídas pela família. De acordo com os autores, a ideia de uma construção de realidade partilhada nas interações sistêmicas redefine o papel do terapeuta familiar, que perde a autoridade de interventor e se torna mais um membro do sistema de maneira a co- construir e contribuir para os demais selves emergentes. Um exemplo representativo das novas tendências da terapia familiar é o construcionismo Social. Cecchin (1996) acredita que o terapeuta como construcionista social deve tomar cuidado para não manipular os membros da família com a sua hipótese nem tampouco descartá-la. Baseado na crítica proposta por Bateson (2000) de que “a ideia de poder corrompe”, Cecchin (1996) sugere que a hipótese terapêutica deve ser compartilhada e interagir com as hipóteses familiares de tal modo que a conversação entre os participantes permita uma reflexão sistêmica, constituindo o processo de co- construção da realidade. 49 O autor sugere que o terapeuta deve assumir uma postura de irreverência, sem apego demasiado às próprias convicções a ponto de tomá-las como verdades, criando um contexto relacional de possibilidades terapêuticas com a família. Sob a classificação de terapias moderadas, Minuchin et al. (2008) reúnem os grupos da Terapia Familiar que não admitem a posição de superioridade do terapeuta diante da família. Dentre esses, os autores destacam dois que privilegiam a linguagem: a terapia de narrativa de Michael White, na qual o terapeuta convida a família a recontar a sua história sob uma nova perspectiva e também se submete ao mesmo processo com o seu supervisor; e o sistema de Galveston, no qual o terapeuta estabelece uma conversação reflexiva com a família com base em sua atitude de não-saber. Ainda de acordo com os autores, essas duas terapias se distinguem pelo emprego de técnicas na proposta de Michael White, ao passo que o grupo de Galveston dispensa esse tipo de recurso. Ao revisar as escolas sistêmicas contemporâneas, Minuchin et al. (2009) criticam o caminho que a Terapia Familiar tomou de enfatizar as técnicas e utilizar as histórias para atribuir significados a comportamentos, lembrando, por outro lado, da importância de o terapeuta usar parte do seu self para construir o próprio estilo. Tomando-se como exemplo, Minuchin destaca como a experiência e a espontaneidade contribuíram para que a sua forma pessoal de atuar tenha se convertido naturalmente em técnica (Minuchin et al., 2009). Ainda que a Cibernética e a Teoria Geral dos Sistemas tenham concebido modelos distintos de sistemas, a Terapia Familiar encarregou-se, sobretudo pelos estudos epistemológicos de Bateson (2000), de reunir todas as contribuições posteriores sob o guarda-chuva da pós-modernidade. A inclusão do terapeuta no sistema, antes constituído exclusivamente pela família, foi o ponto de partida para legitimar a sua subjetividade e destituí-lo da posição hierarquicamente superior. Sendo assim, ganham força as propostas da Terapia Familiar que sugerem uma atitude não intervencionista do terapeuta e um interesse maior nos conteúdos que emergem da conversação que ele estabelece com a família, incrementando as possibilidades de interpretação das interações nesse contexto. 50 Contudo, o alerta de Minuchin et al. (2009) sobre a excessiva atenção dada às narrativas e à necessidade de retomar a observação de famílias são recomendações oportunas para os terapeutas familiares em atividade. Para Minuchin et al. (2008), a preocupação com o “discurso social” atribuído aos sintomas pelas narrativas pode desviar o foco de relação interpessoal para uma abstração, descaracterizando o processo terapêutico. Os autores questionam a originalidade das escolas da terapia familiar mais recentes e consideram que há uma competição entre elas pela busca de um novo conhecimento. Ainda segundo esses autores, a conceitualização da família como unidade social significativa é substituída pela noção do sistema de linguagem como uma unidade social. Segundo Minuchin, no campo da intervenção, a consequência é um distanciamento na relação terapeuta/paciente, que coloca o terapeuta como questionador distante e respeitoso que deve operar apenas em posturas colaborativas e simétricas. Assim, “foi-se a sua latitude para desafiar, brincar, opinar, estar na sala de terapia a pessoa complexa e multifacetada que ele é fora dela” (Minuchin et al., 2008). Masé possível dizer que o desenvolvimento da terapia familiar chegou ao ponto de estabilidade, nada havendo de novo como perspectiva futura desse importante campo de estudo e intervenção? Linares (2006) não acredita nessa possibilidade e afirma que “após vinte anos instalados em plena pós-modernidade, os entusiasmos e as heroicidades epistemológicas iniciais converteram-se num plácido conformismo”. Segundo ele, um novo movimento se aproxima para convulsionar o campo sistêmico, que o autor chama de terapia familiar ultramoderna. Para ele, trata-se de um enfoque mais modesto, que não rompe com os modelos anteriores, mas pretende aumentar o conhecimento com outros modelos terapêuticos. Assim, o ultra modernismo não traz nada de novo, senão uma modesta reivindicação de matizes, a maioria dos quais já estão presentes e agindo no campo sistêmico. 12 SISTÊMICO-CONSTRUCIONISTA Nichols (2007) afirma que as teorias visam trazer ordem ao caos, organizando nossa consciência, nos ajudando a compreender o que as famílias estão fazendo. As 51 várias perspectivas do campo da terapia familiar procuram nos auxiliar a entender a dinâmica familiar buscando modificar suas relações e comportamentos. De acordo com Grandesso (2008), as teorias sistêmicas pós-modernas estão cada vez mais próximas entre si, sendo redefinidas a partir da epistemologia construtivista e do acompanhamento da evolução da cibernética de primeira ordem para segunda ordem. O terapeuta pós-moderno deixa o lugar de especialista, como era difundido pelas teorias estruturais e estratégicas, para ser um iniciador do jogo da linguagem, ou seja, um articulador que interage com os familiares em busca da solução de problemas. A autora ainda afirma que, nos dias atuais, vivenciamos na terapia familiar uma “multiplicidade de abordagens, tantas quantas forem os terapeutas em questão” (GRANDESSO, 2008. p. 116). Todavia, essa multiplicidade não significa desordem, pois há uma coerência epistemológica que une as práticas pós-modernas de terapia, organizando, assim, a ação dos terapeutas. Pode-se dizer que tal coerência parte dos seguintes pressupostos: O terapeuta é um co-construtor no sistema terapêutico, tendo uma ação conjunta com a família para solução de problemas; O terapeuta deve ser o responsável pela organização da conversação terapêutica, mas a mudança só pode acontecer a partir da própria pessoa e de sua organização sistêmica autopoiética; A legitimação do saber local das pessoas e contextos; A concepção não-essencialista de self que passa a ser construído no contexto das relações; A pessoa é autora de sua história e existência, responsável pelas suas escolhas, podendo criar e expandir suas possibilidades; A ênfase nas práticas de conversação e nos processos de questionamentos como recursos de reflexão e mudanças, conforme o aumento da interação entre terapeuta e cliente. Vasconcellos (2007) afirma que, no processo de tratamento, há uma exploração das forças que interagem, tanto dento do indivíduo, como entre os indivíduos. Portanto, as abordagens dirigem-se a dois níveis de compreensão e intervenção: o que está reprimido dentro de cada sujeito, seus conflitos inconscientes, 52 suas emoções e lembranças; e, as interações entre os membros e a dinâmica familiar, visto que “o sintoma individual torna-se uma unidade de comportamento interpessoal, manifestado em um contexto de conflito, ansiedade e defesas compartilhados pela família” (VASCONCELLOS, 2007). Por fim, podemos dizer que a terapia familiar sistêmica, procura entender o sintoma individual não isoladamente, mas na sua relação com a família. Machado (2012) afirma que a Terapia Familiar pós-moderna centra-se na família como um todo, não a considera como uma mera soma de suas partes. Essa terapia baseia sua intervenção na família enquanto sistema, composta de elementos que possuem relações de interdependência entre si, mas proporciona o desenvolvimento uns dos outros. Pode-se dizer que a Terapia Familiar é um bom método terapêutico, no qual permite que todos os membros da família trabalhem pela resolução do problema, responsabilizando-os e permitindo que eles consigam tomar suas decisões necessárias para o progresso do ciclo da vida. A mudança individual favorece a mudança familiar, mas também a mudança familiar favorece a mudança do indivíduo. 13 ESTRATÉGIAS DE ATENDIMENTO DAS FAMÍLIAS A avaliação psicológica da família deve ser baseada, como qualquer outro processo de avaliação psicológica, em hipóteses desenvolvidas pelo profissional sobre o funcionamento do sistema familiar. Os métodos de avaliação e entrevista familiar foram desenvolvidos à medida que diversas teorias sobre a família surgiram em diferentes paradigmas psicológicos, embora todos se fundamentem na hipótese da influência dos grupos sociais na construção do sujeito e no agenciamento de seu comportamento. Segundo Féres- Carneiro e Diniz Neto (2012), a entrevista psicológica é a técnica mais antiga e a mais valiosa no contexto de investigação, avaliação e intervenção clínica. A abordagem psicodinâmica foi a primeira a desenvolver e aplicar o olhar clinico psicológico em uma situação de entrevista. Autores como Freud, Adler e Jung apontaram para a importância do ambiente e do relacionamento familiar para a constituição psicológica do indivíduo. 53 A terapia de família surgiu orientando-se inicialmente por dois paradigmas: a abordagem psicanalítica e a abordagem sistêmica. Conceitos sistêmicos foram desenvolvidos à medida que a técnica de entrevista de diagnóstico sistêmico e a entrevista evoluíram. 13.1 Entrevista circular A abordagem sistêmica nos trouxe a entrevista circular, técnica que permite interagir com a família, revelando aspectos do seu funcionamento ao focar seus aspectos ecossistêmicos. A entrevista circular refere-se a um modo específico de desenvolver um padrão de interação entre o terapeuta e a família. Nessa técnica, as questões são formuladas com o objetivo de revelar as conexões recorrentes, levando tanto a família quanto o terapeuta a desenvolver uma compreensão da situação problema em uma visão sistêmica. Segundo Féres- Carneiro e Diniz Neto (2012), os terapeutas sistêmicos do grupo de Milão esboçaram três princípios para orientar a conduta do: Neutralidade: Refere-se a atitude do terapeuta de família que não se alia a nenhum membro específico, procurando manter –se curioso e aberto sobre os padrões de funcionamento. Circularidade: Denota a busca de compreensão do enlaçamento dos diversos aspectos de funcionamento da família que revelam a multiplicidade de olhares e vivências. Hipotetização: Refere-se à construção constante de hipóteses centradas na circularidade, mantendo uma atitude de curiosidade e abertura, apoiando a neutralidade. Entrevista familiar: O processo de avaliação e diagnóstico da entrevista familiar é guiado pela orientação teórica do clínico. 54 Os objetivos de uma entrevista familiar inicial incluem (Féres-Carneiro e Diniz Neto,2012): Identificar as variáveis familiares e individuais que podem ter influência decisiva na situação familiar problemática, Abordar o funcionamento da família, assim como sua dinâmica e de seus membros; Conduzir a sessão de tratamento inicial, quando necessário. A entrevista diagnóstica é dividida em três momentos: Estágio Social: O profissional age criando um setting social e culturalmente adequado à família, possibilitando a investigação e a intervenção psicoterapêutica inicial. Os aspectos de interação e enquadre são tão importantes quanto o ambiente físico, que pode ter o aspecto de uma sala de visita, com mesa, material de brinquedo e cadeira para as crianças pequenas, caso necessário (Féres-Carneiro e Diniz Neto,2012). O rapport inicial pode incluir umtempo de conversação informal e o estabelecimento de relacionamento através de comunicação verbal e não verbal amistosa Féres-Carneiro e Diniz Neto,2012). Estágio de questionamento multidimensional: O profissional investiga o motivo da consulta tanto quanto o modo como a família o descreve. A apresentação da problemática inicial é frequentemente um estágio confortável para a família que tenderá a descrever a imagem oficial do problema. A exploração de visões alternativas dos outros membros da família deve ser feita respeitosamente, buscando-se a neutralidade sistêmica. Áreas potencialmente problemáticas não repostadas devem ser investigadas, pois podem relacionar –se retroativamente com as dificuldades da família na área da queixa. A resistência em explorar outras áreas talvez esteja presente e surja na forma de convite à aliança com o terapeuta ou com a injunção para que ele aplique soluções preestabelecidas para o problema. É importante evitar confronto, já que a resistência pode ser compreendida como a comunicação silenciosa de áreas problemáticas de tensão que estão acima da possibilidade de manejo da família. 55 A abordagem de áreas problemáticas deve ser realizada com cuidado e respeito, apontando- se a necessidade de compreender amplamente o problema e de demonstrar que o ponto de vista de todos é importante. Desenvolvimento: Diversas técnicas podem ser utilizadas para explorar a estrutura, o desenvolvimento e as questões emergentes do ciclo familiar. Elas correspondem às condições nas quais se realiza a entrevista, bem como à orientação teórica e à habilidade técnica do entrevistador. Féres-Carneiro e Diniz neto (2012), ao estudar os métodos de avaliação familiar propõe a classificação em métodos objetivos, subjetivos e mistos, apontando ainda a possibilidade de utilização de testes psicológicos que, por sua constituição poderiam ser adequadamente utilizados em processos de atendimento familiar. Os métodos objetivos classificam-se em dois grupos: Métodos que utilizam questionários Métodos que utilizam jogos Os métodos subjetivos por sua vez se classificam em três grupos: Métodos que utilizam técnicas de desenhos Métodos que se baseiam em técnicas psicodramáticas, Métodos que utilizam testes projetivos. Entre as técnicas mistas, estão: A tarefa familiar A entrevista estruturada de watzlawick A primeira entrevista de Satir A entrevista familiar via videoteipe A entrevista diagnóstica conjunta A entrevista familiar estruturada A atuação terapêutica apropriada deriva-se de um diagnóstico compreendido como um conjunto de hipóteses úteis e produtivas. À medida que um diagnóstico familiar emerge distinções de condições permitem ao terapeuta realizar indicações gerais de tratamento conforme o universo possível. A avaliação familiar é, contudo, um processo continuo que orienta o clinico em cada sessão. 56 Cabe ressaltar que a construção de hipóteses na prática clínica é sempre um processo de reavaliação, já que as hipóteses podem sempre se alterar, por não refletirem a especificidade da família ou por serem transformadoras, levando a novas dinâmicas e reestruturações. 13.2 Instrumentos de avaliação familiar aprovado pelo CFP: Entrevista familiar estruturada (EFE): Constitui-se em um processo de avaliação intergeracional entre o entrevistador e os membros da família. O avaliador procura durante a entrevista, investigar dimensões relativas a comunicação, regras, papéis, liderança, conflitos etc., por meio de tarefas verbais e não verbais. Trata-se de um método clínico que busca realizar um diagnóstico interacional da família (Teodoro,2012). Inventário de Estilos parentais (IEP): Visa avaliar as práticas educativas e está disponível em três versões: do filho em relação à mãe, do filho em relação ao pai e dos pais em relação ao filho. As questões do IEP são respondidas por meio da seguinte escala: nunca (0), às vezes (1) e sempre (2). Esse instrumento é composto por 42 questões, abordando sete práticas educativas, sendo duas positivas (monitoria positiva e comportamental moral) e cinco negativas (negligência, punição inconsistente, monitoria negativa, abuso físico e disciplina relaxada). Inventário de percepção de suporte familiar (IPSF): Escala do tipo likert de três pontos que investiga três características de suporte familiar (Teodora,2012): Afetivo consistente- avalia a expressão de afetividade entre os membros familiares, incluindo proximidade, clareza nas regras intrafamiliares, consistência de comportamentos e verbalizações na resolução de problemas. Adaptação familiar- composto por itens referentes a sentimentos e comportamentos negativos em relação à família. 57 Autonomia- investiga relações de confiança, liberdade e privacidade entre os membros. Roteiro de entrevista de habilidades sociais educativas parentais: refere- se ao conjunto de habilidades sociais dos pais utilizado na prática educativa dos filhos e engloba comportamentos como comunicação, expressão dos sentimentos e estabelecimento de limites. O roteiro é apresentado no formato de escala likert de três pontos e visa a identificar as habilidades de familiares de crianças na pré-escola, sendo composto por categorias de comportamentos, incluindo temas como manter conversação, expressar sentimentos, demonstrar carinho, etc. (Teodoro,2012). 14 SEGREDO NA FAMÍLIA O segredo familiar aprisiona os indivíduos nas histórias por não se pode falar sobre elas. Paralisa o tempo familiar. O segredo nas palavras de Bernstein (apud Fernández, 1990, p. 101), “trata-se de informações vinculadas com a história do grupo familiar ou aspectos particulares de um de seus membros que, em geral, são ocultados parcialmente, com a certeza de que não são desconhecidos por outros integrantes”. “Complementando, IMBER- BLACK (1994) afirma que” é um fenômeno sistêmico. Ele está ligado ao relacionamento, molda as díades, forma triângulos, aliança encoberta, divisões, rompimentos, define limites de quem está ‘dentro’ e de quem está ‘fora’. O segredo traz em si dualidades inseparáveis. Ele é ao mesmo tempo indispensável e temido, colore e sufoca, protege e invade, nutre e consome. Existem diversos temas que podem se transformar em grandes segredos num núcleo familiar. Podem estar relacionados a: nascimento, adoção, origem familiar, infertilidade, aborto, doenças físicas ou mentais, orientação sexual e sexualidade, incesto, estupro, violência, adicções, religião, casamento com pessoas de diferentes raças ou religiões, terrorismo, comportamento em tempo de guerra, divórcio, situação como imigrante, suicídio, morte. Não existe garantia quanto ao resultado na revelação de um segredo. Esta pode ser de efeito curativo ou de risco, assim como promover reconciliação ou divisão. 58 A postura quanto a revelação de um segredo varia de terapeuta para terapeuta. Os segredos têm efeitos físicos intra e interpessoais extremamente nocivos ao bem- estar individual. Mas sem dúvida ele impõe o grande desafio da escolha entre a revelação ou a não revelação e tudo que pode advir de qualquer uma das escolhas. Por ser um fenômeno sistêmico, está ligado ao relacionamento, moldam díades, formam triângulos, alianças encobertas, divisões, rompimentos. Definem limites de quem está dentro e quem está fora. Calibram a intimidade e o distanciamento nos relacionamentos. Eles também envolvem um grande conflito de lealdade, se tornando extremamente restritivo. Neste caso, a terapia permite aos participantes desenvolverem definições novas e expandidas de lealdade tanto cognitiva quanto experiencialmente. Existem segredos que podem ser considerados como positivos ou negativos. Chamaremos de segredos positivos os segredos temporários como os relacionados a presentes que serão oferecidos ou osque antecedem a rituais. Também se enquadram nesta categoria os segredos dos adolescentes que objetivam autonomia e diferenciação. Um outro caso seria os segredos “carinhosos” que visam poupar vulnerabilidades. Os segredos negativos são os segredos nocivos ou que envolvem riscos como o abuso físico ou sexual. São também segredos de longa duração e envolvem ações ocorridas no passado, que permanecem vivas no presente. É importante ressaltar que os segredos que envolvem risco necessitam de ação imediata do terapeuta. Os segredos negativos exigem trabalho cuidadoso e senso de oportunidade para o momento de revelação e possibilidade da família em lidar com as consequências. Qualquer segredo pode ter múltiplos significados para os diferentes membros da família. Podem significar proteção, traição, diferenciação, autonomia, etc. Podemos citar como exemplo um caso de infidelidade conjugal que pelo marido pode ser entendido como autonomia e pela mulher, percebido como traição. Outro exemplo seria num caso de adoção não revelada que pode ser sentido pela mãe como proteção, pelo pai como insegurança e pelo filho adotivo como traição. Na revelação, se faz necessária a criação de um ambiente capaz de conter e possibilitar a expressão dos significados múltiplos e disparatados vinculados ao segredo e à sua manutenção. O segredo afeta diretamente a comunicação na família e desta com o mundo. O estilo de comunicação da família pode se tornar marcado 59 pelo fato de precisar manter o segredo até em áreas distantes do segredo original. Um exemplo disso seria uma mãe, numa roda de amigas, conversando sobre a gestação e o parto de um filho que sigilosamente é adotado. Sendo assim, a manutenção da mentira fomenta mentiras deliberadas, informações retidas, sentimento de culpa, sentimento de desconfiança, distorce os processos de comunicação tornando os indivíduos “cegos, surdos e mudos”, afeta a aprendizagem/curiosidade e finalmente, o que é de suma importância, dificulta o acesso aos recursos necessários e disponíveis para transformação da situação ou manejo do sintoma. Os sintomas mais frequentemente encontrados na situação de segredo são: O próprio sintoma como segredo. Neste caso se incluem o alcoolismo, as drogas, as doenças mentais, a anorexia. A negação do sintoma dificulta a busca de recursos para manejo do sintoma e dos efeitos. Sintoma como disfarce. Objetiva deslocar o foco do problema do segredo propriamente dito para o sintoma. O sintoma da ansiedade e da culpa sempre presentes como resultante da manutenção do segredo, com todo custo que está manutenção envolve. Como exemplo podemos pensar no esforço exigido no controle do rumo das conversas para que o assunto não chegue próximo à questão em segredo. 14.1 Segredo e privacidade É importante destacar a diferença entre segredo e privacidade. Estas definições variam também de acordo com o contexto. Variam com a época, a cultura, de família para família, de pessoa para pessoa. A grosso modo poderíamos pensar que segredo envolve medo e ansiedade frente à sua revelação enquanto privacidade seria mais uma questão de se sentir ou não confortável em revelar uma situação. Podemos também nos nortear pelo fato de que o que é íntimo pertence a uma pessoa só e que o segredo envolve outros também. Eu diria que meu norteador seria a pergunta: “Quem tem direito à informação? A Prática Alguns norteadores podem se tornar extremamente úteis. 60 Passo 1 - Localização do Segredo 14.2 Quantas pessoas participam do segredo? Duas ou mais pessoas? Quem são? Duas ou mais pessoas da família nuclear. Localização de triângulos e obrigações de lealdade. Uma pessoa da família e alguém de fora. Ex: Um caso extraconjugal. Uma pessoa E um profissional de saúde. Somente entre os membros da família nuclear. Neste caso o segredo molda a relação com o mundo externo, contribui para o senso de unidade e isola de maiores possibilidades de relações e recursos. Entre os membros, mas todos “fingem” que não sabem. Distância e divide as pessoas. De fora do núcleo familiar para dentro: Ex: 1- Diagnósticos médicos ocultos 2- Registros de saúde de uma criança adotada que não são passados para a família adotiva 3- Questões políticas de instituições ou governamentais. Passo 2 - Revelação do segredo Construção de ambiente suficientemente seguro. Saber quem mais conhece e qual seria sua posição em revelar o segredo. Saber as consequências imaginadas. Dificilmente há este espaço de discussão anterior ao espaço terapêutico. Geralmente o que pensam a este respeito é mantido em segredo. Ouvir tais previsões cheias de temor permite ao terapeuta trabalhar no sentido de oferecer potencial para resultados mais positivos. A partir do momento em que resultados mais positivos possam ser considerados o terapeuta pode então realizar uma intervenção direta com relação à revelação. Saber sobre os temores permite ao terapeuta propor o planejamento de estágios subsequentes do trabalho pensando 61 junto com a família sobre onde, como, quando, com quem e por quem a revelação pode se dar. Passo 3 - Restauração das consequências Após a revelação é necessário ainda um trabalho visando a possibilidade de expressão e contenção das diferentes respostas e reações relativas a este desvelamento. Se isto não for feito, corre-se o risco de um novo segredo se formar com relação a como os membros da família sentem-se acerca do conteúdo do segredo. É sempre muito mais fácil recuperar a confiança quando existe a intenção de proteção por trás do segredo. O oposto ocorre nos casos onde a intenção passa pelo abuso do poder ou pelo dano físico. De uma maneira geral, a revelação de um segredo facilita a emergência de outros. Não se pode pensar de uma maneira simplista que apenas a revelação de um segredo oferece a dissolução do problema. Quando certos segredos são revelados, precisamos estar disponíveis a longo prazo para atender as demandas que possam vir a surgir. 15 A ESCOLHA DA INTERVENÇÃO SISTÉMICA: A CONSULTA PSICOLÓGICA DA TERAPIA FAMILIAR A terapia familiar, no âmbito da consulta psicológica, irá atravessar diversas etapas que vão conduzir à concretização de um determinado objetivo. Optar por uma intervenção sistémica leva a que a família deva ser entendida e analisada como um todo, em que se um membro tem um determinado problema, toda a família contribui para a sua manutenção ou resolução. Ao contrário do que se possa pensar, a terapia familiar não passa logo para uma abordagem centrada na família: irá partir do particular, do individual, do paciente identificado para delinear uma intervenção centrada e para a família. Partindo dos pressupostos sistémicos, torna-se necessário ressaltar as razões pelas quais se deve partir de uma abordagem individual para uma abordagem familiar. Significa que terá que ser adotado um modelo conceptual que nos leva do mundo interior, dos processos intrapsíquicos, para um mundo de comportamentos interativos observados no seu contexto temporal e espacial. 62 Segundo Andolfi, a abordagem sistémica está mais virada para o estudo dos acontecimentos e das pessoas em detrimento da dinâmica interativa e não tanto para os seus significados intrínsecos (Andolfi, 1995). Ao adotar os pressupostos sistémicos, toda a família irá ser concebida como um ser vivo, um sistema autónomo, auto organizado que tenta progredir ao longo do seu ciclo de vida. Este “organismo” está em estreita relação com outros sistemas, cada um composto por diferentes elementos: escola, grupo cultural ou social, nação, bairro, emprego. Desta forma, quando uma pessoa chega à consulta com algum problema, este encontra-se em toda a família, ou seja, dela dependerá a forma como ele será resolvido e quais os recursos que dispõe para que talseja possível (Sidelski, 2000). Desta forma, a intervenção sistémica defende que o terapeuta deve convocar toda a família, procurando estabelecer, desde logo, uma atmosfera de cooperação e confidencialidade (Andolfi, 1995). Falar do processo terapêutico em terapia familiar é um pouco complexo e quase impossível de fazer de modo genérico, ou seja, o sistema constituído pelo todo teórico- epistemológico previamente referido compõe-se de vários subsistemas com pressupostos particulares e técnicas específicas. Dentro destes modelos encontramos: modelo estrutural de Salvador Minuchin; o modelo estratégico associado à escola de Palo Alto, e o modelo extensivo. (Relvas, 2000). Contudo, existem alguns elementos que se podem ressaltar do todo que é a terapia familiar: a necessidade que o terapeuta tem de se apoiar numa teoria da família e deve satisfazer os seguintes requisitos: Descrever e explicar a estrutura familiar, a sua dinâmica, processo e mudança; Descrever as estruturas interpessoais e as dinâmicas emocionais dentro da família; Ter em conta a família como ligação entre o individual e a cultura; Descrever o processo de individuação e a diferenciação dos membros da família; Prever a saúde e a patologia dentro da família, isto é, ter um conjunto de hipóteses acerca do funcionamento familiar e das causas da disfunção; Prescrever estratégias terapêuticas para lidar com a disfunção familiar. (Cit. Em Gameiro, 1992) 63 Então, o processo terapêutico pode ser definido como a psicoterapia de um sistema social natural, a família, utilizando como técnica base a entrevista interpessoal conjunta (cit. Relvas, 2000: 29). A família e o terapeuta passam a formar o sistema terapêutico, numa acoplagem em que cada qual mantém intacta a sua organização e autonomia. Desta forma, a psicoterapia vai-se desenrolando através da realização de diversas entrevistas com os elementos da família, pontuados pelo terapeuta como importantes no contexto em que surge o sintoma. O terapeuta pode trabalhar diretamente com um só indivíduo, com um ou mais subsistemas. O ritmo e periodicidade das entrevistas variam conforme o terapeuta, podem ser mais ou menos espaçadas, regulares ou não. Ao longo de todo este processo, vão-se utilizando técnicas próprias de cada modelo, aplicadas de forma pessoal por cada terapeuta, tendo como objetivo último a mudança da estrutura da família, ou seja, a mudança da forma como mantém a sua organização (Relvas, 2000). Quanto ao papel do terapeuta e à formação, nas palavras de Andolfi (1980) será sempre um “encenador do drama familiar” no sentido em que, conjuntamente com a família e aproveitando o seu potencial de mudança, vai reestruturando o “guião” que esta lhe apresenta, relativo ao seu vivido familiar, num cenário à partida modificado pela sua inclusão de um novo elemento da cena. Exerce um papel ativo, mas que não procura impor à família uma realidade que é dele. Rigorosamente, deve-se falar em terapia com a família e nunca de uma terapia da família. (Relvas, 2000). Assim sendo, a atitude do terapeuta não é a de tentar explicar um indivíduo, observado isoladamente, sobre o qual realizará inferências, mas sim de um participante num processo ativo que parte das observações das interações entre os membros da família e entre esta com os outros sistemas que com ela interagem. (Andolfi, 1995). É este terapeuta, como agente de mudança, que favorece a amplificação das flutuações do sistema, de modo a que este, através da reestruturação, evolua para um novo nível de estabilidade: mais diretivo, provocador e consultor (Relvas, 2000). O terapeuta deve observar o indivíduo no seu contexto de interação (família, escola, bairro), nos quais o seu comportamento “diferente” pode assumir um outro 64 significado. O terapeuta prescinde da necessidade de reconstruir uma história e uma evolução clínica com fins amnésicos, preferindo começar do zero, analisando as relações no aqui e no agora entre o indivíduo e o sistema interativo num único ato de observação. Assim, a família passa a ser considerada um sistema interativo, não como uma soma de uma série de comportamentos individuais desligados entre si. (Andolfi, 1995). O terapeuta não deve ignorar o fato de a vinda da família à consulta como grupo poder ser ligeiramente embaraçante, em que qualquer um dos familiares pode estar ali contra a sua vontade. A verdade é que aquele que é apresentado como “perturbado” é o que se sente mais melindrado com esta situação, já que sabe que é a razão da vinda à consulta. Andolfi (1995) refere que cabe ao terapeuta criar um contexto terapêutico tranquilizante e colaborante, evitando pôr-se no papel de juiz que deve emitir um veredicto, ou no papel de um aliado ou defensor de quem parece débil. A grande maioria dos familiares é enviada para a terapia já com um diagnóstico formulado, daí que seja condicionado, no desespero de tal ocorrência, a raciocinar segundo a lógica da delegação absoluta para o técnico, ou seja, consideram que cabe ao terapeuta modificar o que não funciona no doente ou fornecer algumas indicações para saírem do problema, não esperando um pedido de participação na promoção da resolução do problema. Ao contrário do que a maioria das famílias pensa, a solução do problema não está nas indicações do médico ou na intervenção farmacológica, mas sim na análise sistémica dos problemas reais da família e na ativação de todas as valências positivas e auto - terapêuticas que cada núcleo social possui no seu interior. Segundo Andolfi, será o sistema familiar a tomar a seu cargo a gestão dos problemas de interação pouco a pouco evidenciados, funcionando como o eixo do processo terapêutico (Andolfi, 1995). O papel deste terapeuta relacional será, numa primeira fase, ser o consultor dos problemas que da família e depois o supervisor dos esforços desenvolvidos por ela no decorrer da terapia. Para que tal seja possível concretizar há que começar a fazer parte do sistema familiar, com a sua bagagem técnica de experiência, personalidade, sentido de humor e capacidade de sentir as emoções dos outros, renunciando à ideia de mágico, de alguém de “ferro”. 65 Deve ser capaz de avaliar se a intervenção é correta, negando a terapia quando o problema é resultante de contradições sociais, mascarado por um sintoma psiquiátrico ou no caso da família se mostrar constrangida em aceitar uma intervenção imposta por outrem (escola ou instituição) (Andolfi, 1995). Assim, o problema daquele que levou ao pedido será considerado, mas o terapeuta também se interessará pelo problema em termos interacionais, ou seja, saber como, quando, onde, com quem é porquê do comportamento, ao mesmo tempo que explora os efeitos desse nos outros membros da família e até fora desta (professores, vizinhança, parentes, etc.), bem como ver como os comportamentos destes últimos se repercutem no comportamento da pessoa apresentada como o portador do problema, ou seja, levar em conta o contexto geral em que estas interações têm lugar (Andolfi, 1995). Neste sentido, o auto defende que a função do terapeuta é, ainda, a de compreender o problema em termos e interação através do contributo de todos os membros da família, traçando na sua mente um mapa da estrutura familiar com base nas interações mais significativas intra e extrafamiliares, ou seja, pode-se pedir a todos os membros da família que definam objetivos que conduzam a uma mudança estável e à solução do problema Aqui o terapeuta deve realizar um mapa do tempo decorrido desta família, isto é, realizar o mapa vital, no qual será realizado uma descrição dos obstáculos com que se podem deparar na resolução do problema e para passar com êxito para a próxima etapa (Sidelski, D., 2000). Segundo Andolfi, desta forma, a terapia deixa de ter o seu quê de mistério,passando a revelar um compromisso de colaboração entre todos (família e terapeuta), em que o terapeuta apresenta um papel privilegiado: o de ativador e mediador da família. Este pressuposto aplica-se quer ao contexto familiar, quer ao extrafamiliar, para o qual pode ser necessário propor soluções e ativar comportamentos. (Andolfi, 1995). Por fim, não devemos esquecer o setting: os meios técnicos audiovisuais, como o espelho unidirecional ou o equipamento de vídeo, que se convertem num importante instrumento terapêutico ou de suporte de trabalho. Além de sustentarem algumas técnicas particulares, como reforço da delimitação de subsistemas ou playback, são ainda utilizadas formalmente no processo terapêutico, quer como auxiliares dos terapeutas para uma posterior reflexão e estudo do caso, quer como meio de funcionamento da equipa terapêutica (Relvas, 2000). 66 A instalação e utilização deste equipamento implica sempre uma organização adequada do espaço físico: o espaço terapêutico deve ser dividido em duas salas contíguas (de entrevista e observação), separadas pelo espelho unidirecional e com comunicação através de um sistema de som. No mobiliário da sala de entrevista não devem ser esquecidos os brinquedos e jogos para crianças. Segundo Relvas, aqui, é de salientar que este setting terapêutico deve ser de imediato apresentado à família, explicando quais as razões da sua disposição e composição, nunca esquecendo de solicitar à família a autorização para utilizar o material (sobretudo o de gravação) (Relvas, 2000). Quanto às implicações terapêuticas da terapia familiar encontramos: razões que legitimam fazer psicoterapia com a família enquanto totalidade, em que o comportamento sintomático é entendido como uma mensagem e um comportamento interacional adequado ao contexto em que se manifesta. Por exemplo, quando na intervenção se assume que o que está em jogo é o aspeto relacional, é precisamente sobre a relação que se vai intervir através da implementação da mudança dos processos comunicacionais nela implicados. Desta forma entende-se que a terapia da família não tem de ser obrigatoriamente feita com toda a família, pelo que se justifica que se possa falar de uma intervenção sistémica junto do indivíduo, do casal, da instituição, etc. (Relvas, 2000). Segundo Relvas, a própria concepção de mudança acarreta implicações importantes para o processo terapêutico, bem como para o próprio papel do terapeuta. Por outras palavras, faz com que a noção de cura adotada pelos modelos casualistas lineares seja substituída pela de mudança, ou seja, o objetivo não é o retrocesso a um estádio anterior de funcionamento onde o comportamento problemático era inexistente, mas sim uma evolução para um novo estádio. Esta evolução para um novo estádio permite uma resolução adequada e eficaz da situação problemática ou de crise e, obviamente, de novas possibilidades de evolução (Relvas, 2000). Tal como Bateson formulou, a terapia é considerada um processo descritivo de deutero - aprendizagem, ou seja, o organismo “aprende a aprender”, percebe e assimila um contexto de interações, o que lhe permite ultrapassar o nível de acolhimento puro e simples de uma informação, acolhendo novos modos relacionais e novos contextos interacionais por um processo de ensaios e erros, permitindo-lhe corrigir os seus fracassos. 67 O objetivo da terapia não é apenas mudar, mas fundamentalmente aprender a mudar: a mudança é condição dessa aprendizagem, pois é necessário que o sistema mude para aprender a mudar. O próprio terapeuta faz parte deste processo, no qual ele próprio se transforma, isto é, incluído no sistema terapêutico, utiliza-se a si próprio não como um regulador homeostático, mas como um agente ativador da mudança. Cada terapeuta terá uma representação particular do modo como o fará (Relvas, 2000). Assim, uma abordagem interativa sistémica requer uma formação séria e aprofundada, aproximando-se da família e desta forma poderá revelar conflitos que não pareciam tão evidentes aos olhos desta, ao mesmo tempo que liberta o doente identificado da sua condição de bode expiatório. Por outras palavras, para aprender uma abordagem sistémica, o terapeuta em treino deve trabalhar não só com a família, mas também em contato direto com a comunidade, em que o conhecimento teórico dos processos interacionais tem de ser implementado pela experiência em campo, ou seja, a dissolução duma divisão rígida tradicional dos papéis profissionais, ensinando o terapeuta a lidar com novas responsabilidades, requerendo uma competência genuína e efetiva (Andolfi, 1995). 16 FIXAÇÃO DE FRONTEIRAS: UMA TÉCNICA UTILIZADA NA TERAPIA FAMILIAR O indivíduo exerce uma influência sob o meio onde vive e é por ele também influenciado constituindo uma espécie de teia, um sistema. A partir daí pode-se depreender a importância do atendimento sistêmico bem como do estabelecimento de limites claros dado que é fundamental para seu bom funcionamento que as fronteiras entre seus indivíduos envolvidos estejam nitidamente delineadas. Pretende aqui apresentar algumas das técnicas que auxiliam o terapeuta a fixar fronteiras dentro de um sistema ou de um subsistema. Segundo Minuchin e Fishman, as técnicas de fixação de fronteiras são frequentemente usadas nos atendimentos com famílias e buscam fazer uma regulagem á permeabilidade das fronteiras, possibilitando dessa forma uma separação entre os holons. Também é possível, utilizando-se, delas apontar a “ distância psicológica entre os membros da família e a duração da interação dentro de um holons significativo. (Minuchin e Fishman,1990). 68 16.1 Fronteiras A família pode ser caracterizada como um determinado grupo de pessoas com regras e padrões de funcionamento próprios que regulam o comportamento de todos os seus integrantes. Dentro do sistema família existem subsistemas cada um deles com suas regras. Tal sistema exerce uma forte influência sob os sujeitos que o integram. A razão de se incluir toda a família no tratamento de problemas de ajustamento baseia-se fato de que o que ocorre num indivíduo que vive numa família não decorre apenas de condições internas a ele, mas também de um intenso intercâmbio com o contexto mais amplo no qual está inserido. Ele não só recebe o impacto desse ambiente como atua sobre ele, influenciando – o (Minuchin apud Gomes,2003). As fronteiras são o conjunto de regras que determinam quais serão os participantes de cada subsistema da família, são as fronteiras que protegem a distinção do sistema e garantem sua particularidade, possibilitando o funcionamento eficaz do sistema familiar. “ As fronteiras de um subsistema são as regras que definem quem participa de cada subsistema e como participa. Para que o funcionamento familiar seja adequado, estas fronteiras devem ser nítidas (Minuchin apud Carneiro 2005). Ainda segundo o autor, as fronteiras nítidas são responsáveis pela construção de relações esclarecidas nas quais as pessoas dizem “ sim” ou “ não” objetivamente e de acordo com as demandas surgidas. Já as fronteiras difusas são constituídas por relações complexas e papéis confusos, não é estabelecida de forma clara a função de cada membro nem existe de fato preocupação e comunicação entre eles. No que diz respeito as fronteiras rígidas, elas são compostas por relações distantes nas quais as pessoas não se conhecem muito bem. 16.2 Técnicas de fixação de fronteiras O construto cognitivo é uma técnica que pode ser utilizada para estabelecer novas fronteiras dentro de um sistema, ou de um subsistema. De acordo com Minuchin e Frishman (1990) dentre as possibilidades a serem exploradas pelo terapeuta estariam: o uso de metáforas ou frases diretas que apontem a necessidade de se delinear uma nova fronteira dentro do subsistema de forma que possibilite a seus 69 membrosresolverem os conflitos apenas entre si, opção por introduzir uma terceira pessoa no conflito colocando- o no papel de delimitador da fronteira, criação de um novo subsistema para separar as pessoas envolvidas no conflito além de utilização de manobras espaciais concretas como uma forma de traçar fronteiras. Exemplificando em defesa da necessidade de ser estabelecer fronteira Minuchin e Fishman colocam que: Um padrão comum é uma criança desobediente, uma mãe incompetente e um pai autoritário. Sua dança é uma variação do tema: a criança desobedece, a mãe exerce sobre ela um controle por excesso ou por falta, o filho torna a desobedecer, o pai entra com uma voz severa ou um olhar feio e o filho obedece. A mãe permanece incompetente, a criança desobediente e o pai autoritário. (Minuchin e Fishman, 1990). Nesta situação exemplo, considerando que o pai passa o dia todo no trabalho, o terapeuta pode sugerir-lhe que se tornasse apenas um observador, enquanto, mãe e filho resolvem o conflito entre eles. Outra opção seria passar uma tarefa para o casal realizar em conjunto, visando aumentar a proximidade, entre eles, e ao mesmo tempo, convocar o apoio do subsistema paterno de forma a aumentar a distância psicológica entre a genitora e o filho. Os conflitos mal resolvidos entre os pais influenciam o mal comportamento dos filhos, sendo assim, ao promover a interação entre o casal, aumenta-se-ia a distância entre os membros do sistema conflituoso dificultando as ações de retorno, neste exemplo, do filho. Segundo Minuchin e Fishman, nos subsistemas também existem necessidades de se estabelecerem fronteiras. Se filhos interferem na relação dos pais, ou pais na relação dos irmãos, se avós unem-se aos netos para desqualificar os pais, é necessário introduzir novas regras e delimitar fronteiras. A regra mais importante é não querer ser o outro, sempre falando por ele, sentindo por ele, ou pensando por ele. O terapeuta deve estabelecer um limite para participação de cada um, “ bloquear as intromissões, alianças e coalizões dizendo que isso é falar em lugar do outro ou imaginar os pensamentos e as ações futuras da outra pessoa. ” (Minuchin e Fishman 1990). As manobras espaciais concretas funcionam como delimitadores de fronteiras e, de acordo ainda com tais autores, o terapeuta poderia usar seu próprio corpo para bloquear um contato visual, realinhar ou reordenar o espaço físico aproximando ou distanciando as pessoas, em algumas sessões atender apenas certos membros, o 70 terapeuta pode fazer uso de diferentes técnicas segundo, a necessidade do atendimento. As tarefas paradoxais são utilizadas para estabelecer fronteiras em situações nas quais os envolvidos estão extremamente unidos dado que elas articulam uma aproximação ainda maior entre os membros de um subsistema. As técnicas de fixação de fronteiras são instrumentos utilizados para mediar e solucionar conflitos localizados em sistemas e subsistemas familiares, e são desenvolvidas de acordo com a demanda de cada situação. O terapeuta deve conhecer bem os conflitos da família fazendo um mapeamento para identificar os problemas, e dessa forma propor ações efetivas e adequadas as demandas apresentadas. 17 A ENTREVISTA NA TERAPIA FAMILIAR SISTÊMICA: PRESSUPOSTOS TEÓRICOS, MODELOS E TÉCNICAS DE INTERVENÇÃO A entrevista é um instrumento fundamental no trabalho do psicólogo nos diferentes contextos: clínico, hospitalar, organizacional, escolar, jurídico, entre outros. No contexto clínico, este instrumento é importantíssimo no acolhimento, na avaliação e na condução de todo o processo terapêutico até o seu encerramento e, posteriormente, nas entrevistas de follow-up. Neste sentido, a entrevista psicológica se estrutura a partir dos pressupostos teóricos que sustentam o entendimento do indivíduo, do seu desenvolvimento, das suas relações, das suas potencialidades e limitações, da sua saúde e de seu adoecimento. Assim, pode estar baseada numa perspectiva psicanalítica, cognitivo- comportamental, humanista, sistêmica ou outra. 17.1 Pressupostos teóricos da terapia familiar sistêmica A denominada terapia familiar sistêmica recebeu influência, predominantemente, da teoria geral dos sistemas (TGS) e da teoria da comunicação. No que se refere à TGS foi desenvolvida pelo biólogo austríaco Von Bertalanffy a partir da década de 20 e postula que em toda a manifestação da natureza há uma organização sistêmica, que pressupõe não apenas um aglomerado de partes, mas 71 sim um conjunto integrado a partir de suas interações (OSÓRIO, 2002; LOPEZ e ESCUDERO, 2003). As propriedades do sistema que podem ser observadas na família são: totalidade, causalidade circular, equifinalidade, equicausalidade, limitação, regras de relação, ordenação hierárquica e teleologia. A propriedade de totalidade considera que o entendimento de uma família não se constitui apenas pela soma das condutas de seus membros, mas sim pela compreensão das relações entre eles. A causalidade circular descreve as relações familiares como recíprocas, pautadas e repetitivas, de forma que a resposta de um membro A para a conduta de outro membro B é um estímulo para que B dê uma resposta que pode servir de estímulo para A. No que se refere à equifinalidade, entende-se que um sistema pode alcançar o mesmo estado final a partir de condições iniciais distintas, o que dificulta buscar uma única causa para o problema. A equicausalidade significa que a mesma condição inicial pode resultar em estados finais diversos. Estas duas propriedades equifinalidade e equicausalidade estabelecem a conveniência de abandonar a busca de uma causa passada originária do sintoma e centrar-se no aqui e agora, nos fatores que estão mantendo o problema. Em relação à limitação, entende-se que quando se adota uma determinada sequência de interação, a probabilidade de que o sistema emita uma resposta diversa é diminuída, de modo que, se esta for uma conduta sintomática, ela tende a converter- se em patológica porque contribui para manter o problema. As regras de relação definem a interação entre seus componentes e a maneira que as pessoas enquadram a conduta ao comunicar-se entre si. A ordenação hierárquica postula que em toda a organização há uma hierarquia, na qual certas pessoas possuem mais poder e responsabilidade do que outras. Segundo Ochoa, na família, além do domínio que uns exercem sobre os outros, é inerente a ajuda, a proteção e o cuidado que oferecem aos demais, sendo que há uma relação hierárquica entre as pessoas e também entre os subsistemas. Por fim, teleologia significa que o sistema familiar se adapta às diferentes exigências dos diversos estágios de desenvolvimento a fim de assegurar continuidade e crescimento psicossocial a seus membros (OCHOA DE ALDA, 2004). Por outro lado, os estudos sobre comunicação foram iniciados pelo biólogo e antropólogo norte-americano Gregory Bateson na década de 50, identificando uma relação entre a patologia comunicacional e a gênese da esquizofrenia. Ele passou a 72 perceber que a sequência de situações ambivalentes e confusas poderia levar à desestruturação esquizofrênica, por conta da falha nos padrões comunicacionais, ocasionando conflitos internos (OSÓRIO, 2002). Desse modo, propôs-se evitar os conceitos psicológicos tradicionais, baseados no indivíduo e sugerir uma compreensão da doença como relacional (FÉRES- CARNEIRO e PONCIANO, 2005). O trabalho de Bateson foi essencial para o desenvolvimento das noções sistêmicas em relação ao comportamento do indivíduo. A Teoria da Comunicação propôs 5 axiomas básicos, o primeiro está pautado no princípio de que todo o comportamento pode ser considerado comunicação e toda a comunicação pode ser considerada comportamento, sendo assim, é impossível não se comunicar. O segundo axioma diz que toda a comunicação tem um aspecto de conteúdoe outro de relação, de tal forma que esta classifica aquele e é, portanto, uma metacomunicação. O terceiro refere que quando duas pessoas interagem umas com as outras, elas impõem um certo tipo de ordem e sequência causal à comunicação, de acordo com a sua própria pontuação dos eventos, ou seja, cada um vê o mundo a sua maneira. O quarto axioma menciona duas formas de comunicação entre os seres humanos: digital que diz respeito à comunicação verbal, e analógica a qual inclui todas as formas de expressão que não a verbal. O quinto e último estabelece que todos os intercâmbios comunicacionais são simétricos ou complementares, conforme estejam baseados na igualdade ou na diferença (MIERMONT, 1994; DIAS, 2001; OSÓRIO, 2002). Segundo Cusinato, assim, ao levar em conta os aspectos de relação e de globalidade, a visão sistêmica entende o ser humano como um sistema de personalidade ativo em que a criatividade, a imprevisibilidade e a capacidade de escolher constituem suas características mais representativas (CUSINATO, 1992). Nesta perspectiva, a compreensão e o tratamento do sofrimento mental passam a abranger o contexto mais imediato do indivíduo que é a família, a qual passa a ser vista como um “sistema onde as ações e comportamentos de um dos membros influenciam e simultaneamente são influenciadas pelos comportamentos de todos os outros”. Desse modo, a família não é apenas a soma de suas partes, mas um todo coeso, inseparável, uma unidade indivisível (CASTILHO, 2008). 73 Nesse sentido, um sistema pode ser entendido como uma rede complexa de relações e interações entre atores em um cenário específico. Cada ator, à luz do pensamento sistêmico, representa um subsistema, que interage com outros subsistemas, formando um sistema maior. A família pode ser considerada um sistema porque representa certa totalidade das relações e interações de membros familiares (GALERA e LUIS, 2002), da qual fazem parte os subsistemas conjugal, parental e fraternal. O primeiro abrange o papel conjugal que pressupõe a interdependência e compartilhamento de tarefas no mútuo preenchimento dos desejos e necessidades de cada um dos parceiros. Já o subsistema parental envolve os papeis materno (tarefas nutrícias, função continente) e paterno (facilitador do processo de individuação, ao interpor-se entre mãe e filho, e transmissor da autoridade social). O subsistema fraterno compreende as relações entre irmãos que, de modo geral, oscilam entre rivalidade e solidariedade (OSÓRIO, 2002; NUNES, SILVA e AIELLO, 2008). Segundo Silva, a mudança fundamental proposta pela visão sistêmica é a substituição do modelo linear de pensamento científico pelo circular, opondo- se à visão mecanicista causal dos fenômenos. Deste modo, o terapeuta não tentará explicar um comportamento isolando o indivíduo de seu meio social, mas sim irá observá-lo em suas relações com os membros da família e com os demais sistemas com os quais estará envolvido (SILVA, 2008). Esta abordagem, também, propõe uma mudança de leitura e de postura em relação às famílias. Ao invés de uma “visão negativa”, na qual o ambiente familiar teria como matiz principal desajustes, conflitos, déficits e fracassos, passa a focar, pesquisar, compreender e fortalecer os recursos e o sucesso na família, com base nos estudos sobre percepções de elementos das experiências de vida, aspectos biológicos e interações pessoais com o contexto, compreendidos sistemicamente, de forma contextualizada e intersubjetiva (BLOCK e HARARI, 2007; BÖING, CREPALDI e MORÉ, 2008). É com esta leitura da terapia familiar sistêmica que Falceto (2008) afirma que envolver a família em terapia é uma forma de compreender os problemas humanos. 74 17.2 A entrevista na abordagem sistêmica Partindo deste referencial teórico, a entrevista dá muita atenção à comunicação que se estabelece por quem busca ajuda psicológica, desde o primeiro contato usualmente feito por telefone (RÍOS-GONZÁLEZ, 1993; NICHOLS e SCHWARTZ, 2007; FALCETO, 2008; ROSSET, 2008). Alguns profissionais trabalham com uma ficha telefônica, que é preenchida já neste primeiro contato. No modelo utilizado por Ríos-González (1993) em sua clínica de formação de terapeutas, a pessoa que recebe a primeira chamada telefônica, geralmente a secretária da clínica, preenche uma ficha com os seguintes dados: paciente identificado (nome completo e idade, estudos ou profissão, posição que ocupa entre os irmãos e número de irmãos vivos), endereço postal e telefone de contato com a pessoa que realizou essa primeira chamada, quem encaminhou ou solicitou a consulta, motivo inicial da consulta, quem chamou ou pediu a consulta, data da primeira chamada, quem a recebeu na clínica, estrutura da família (nomes – pai, mãe, filho, 1º, 2º, 3º, 4º, idade, profissão, escolaridade de cada um e observações feitas ao informar tais dados), breve síntese do delineamento que a pessoa fez quando solicitou a consulta e percepções de quem a recebeu, membros mencionados para a primeira sessão de família, finalizando com o agendamento da consulta com dia, mês, hora e nome do profissional da equipe que os receberá. Já a ficha adotada por Ochoa de Alda (2004), além desses dados, solicita o estado de saúde de cada pessoa que mora na casa, informações sobre os avós paternos e maternos, incluindo idade, estado de saúde e com quem eles residem, as razões mais importantes pelas quais solicita ajuda neste momento, desde quando estas situações estão incomodando, quais as tentativas realizadas para resolvê-las, que resultados busca como finalidade do tratamento, que problemas médicos, cirurgias e acidentes sérios teve. Também há uma lista de aspectos que a pessoa terá que informar, os quais têm a ver com a condição atual (esta relação inclui, entre outros, aspectos profissionais, sociais, econômicos, sexuais, de saúde). Outro item compreende informações sobre tratamentos prévios (ano, lugar, duração, tipo, resultados), uso de medicações e doses, serviços sociais implicados e o genograma. 75 Outros autores, embora não sigam o preenchimento de uma ficha, destacam o objetivo do telefonema inicial: obter uma visão geral do problema apresentado e fazer com que venha toda a família para a consulta. Para tal, seguem um roteiro que envolve a descrição do problema e como este afeta todos os membros da família. Esse primeiro telefonema é dado para a pessoa que fez o pedido, esclarecendo o que está acontecendo, quem quer o atendimento, quais as pessoas envolvidas e quais são os membros da família. Se necessário, já no telefonema será redefinido o pedido e o enquadre (NICHOLS e SCHWARTZ, 2007 apud, ROSSET, 2008). Esta coleta de informações prévias é coerente com os pressupostos teóricos por possibilitar uma visão ampliada do sistema familiar e a construção de uma hipótese sobre a estrutura e o funcionamento da família, permitindo que, na sessão, o entrevistador possa estar mais atento ao processo de comunicação que ocorre. Assim, após o registro desses dados, no final do telefonema é marcada a primeira entrevista com todos os membros da família nuclear. Na entrevista propriamente dita, Lopez e Escudero (2003) destacam que podemos diferenciar dois tipos de habilidades técnicas: Empatia/ conexão emocional (escuta ativa, reflexão de sentimentos e transmissão de interesse genuíno pelo que diz e expressa cada membro da família), Autenticidade/credibilidade (mostrar sinceridade e espontaneidade, aplicar os procedimentos profissionais de forma natural e adequada ao momento que vivem), Clareza na comunicação (uso de linguagem adaptada, assegurando- se de que todas as perguntas, explicações ou sugestões são compreensíveis para cada elemento da família), Ritmo adaptado ao cliente (ter em mente que o contexto e os profissionais são uma experiência nova para eles, o ritmo da entrevistadeve acompanhar as possibilidades deles) Estímulo para que o cliente fale (é muito importante estimular que todos e cada um dos componentes da família falem e expressem seus pontos de vista e opiniões), Estrutura a informação (geralmente a informação inicial que a família traz é contraditória ou desestruturada, o entrevistador deve focar a 76 entrevista no que é mais importante, oferecendo um guia para fornecer informação útil) e; Controle das emoções/conflito (o entrevistador deve ser capaz de criar um equilíbrio entre a expressão necessária das emoções por parte dos membros da família e a possibilidade de trabalhar coletivamente, avançando no processo). Assim, esta primeira entrevista tem como objetivo criar uma aliança com a família e desenvolver uma hipótese sobre o que mantém o problema apresentado, bem como testar àquela criada a partir do telefonema inicial. Para estabelecer a aliança com a família, o terapeuta inicia se apresentando para quem fez o contato e depois aos outros adultos, pedindo para os pais que apresentem os filhos, cumprimentando a cada um com um aperto de mão. Neste contato inicial e apresentação fica explicitada a relação hierárquica em que adultos têm mais poder e responsabilidade. Após o terapeuta mostra a sala e expõe a duração e objetivos da sessão. Visando contemplar os aspectos teóricos mencionados, os terapeutas familiares norte-americanos Nichols e Schwartz (2007) apresentam uma lista de verificação da primeira sessão que inclui dez itens: Fazer contato com cada membro da família e reconhecer seu ponto de vista em relação ao problema e seus sentimentos em relação à terapia; Estabelecer liderança, controlando a estrutura e o ritmo da entrevista; Desenvolver uma aliança de trabalho com a família, equilibrando simpatia e profissionalismo; Elogiar as pessoas por ações positivas e forças familiares; Ser empático com cada membro da família e demonstrar respeito pela maneira da família de fazer as coisas; Focar problemas específicos e as soluções tentadas; Desenvolver hipóteses sobre interações prejudiciais em torno do problema apresentado. Investigar porque elas persistem; Não ignorar o possível envolvimento de membros da família, amigos ou auxiliares que não estão presentes; Negociar um contrato de tratamento que reconheça os objetivos da família e especifique como o terapeuta vai estruturar o tratamento e; 77 Estimular perguntas Por sua vez, Ríos-González (1993) destaca que na primeira entrevista deve ficar estabelecido que o trabalho terapêutico será realizado com esse sistema familiar, não só através da verbalização, mas de métodos ativos e dinâmicos que ponham em jogo as interações. A proposta é trocar o esquema linear tradicional pelo esquema circular retroalimentador, que compreende os seguintes passos: passar do indivíduo ao sistema, dos conteúdos aos processos, de interpretar a prescrever, de buscar origens a compreender condutas, de analisar sintomas a analisar as mensagens implícitas nestes sintomas e de investigar as causas a reestruturar modelos de interação. Considerando sua experiência com terapia familiar na Espanha, Ochoa de Alda (2004) propõe um modelo de entrevista criado para contextos privados, porque requer tempo e a possibilidade de trabalhar com uma equipe atrás de um espelho unidirecional. Ela estipula cinco etapas importantes da entrevista: a pré-sessão, a sessão, as pausas, a intervenção e a pós-sessão. A pré-sessão compreende o período anterior ao início da entrevista com a família, quando a equipe se reúne durante 15 a 20 minutos para discutir as informações obtidas no contato telefônico. A finalidade é criar hipóteses sobre o que pode estar acontecendo no sistema familiar e em torno do sintoma, para que se possa planejar a sessão, especificando as estratégias que serão seguidas, os temas que serão abordados e a ordem de aparecimento, bem como as perguntas a serem realizadas para cada membro da família. A segunda etapa, denominada sessão, dura 50 ou 90 minutos, e o terapeuta começa definindo o contexto terapêutico, explicando sobre as condições sociais e sobre as técnicas que serão utilizadas durante as sessões, assim como esclarece possíveis dúvidas e firma um primeiro contrato verbal sobre essas condições. Posteriormente apresentará um contrato escrito com todos os aspectos da terapia, o que vai ser trabalhado, as técnicas a serem utilizadas, sigilo, honorários, horários, número de sessões e sobre o uso de filmagem durante o tratamento, se for o caso, o qual será assinado por todos os componentes da família. Ainda na sessão, após definir as regras de trabalho, o objetivo do terapeuta consiste em orientar a entrevista para obter informações que vão confirmar ou não as hipóteses levantadas durante a pré-sessão. 78 O procedimento terapêutico abrange perguntas lineares e circulares, redefinições e conotações positivas em relação às informações que as pessoas da família trazem para a sessão. As perguntas lineares são usadas no começo da entrevista para o terapeuta orientar-se sobre o que ocorre em torno do sintoma e, assim, aproximar-se da família através de seus pontos de vista. Exemplos: Qual é o problema? Desde quando está acontecendo? Aconteceu alguma coisa que possa explicar seu aparecimento? Permitem conhecer a definição e a explicação da família para o sintoma. Com as perguntas circulares o terapeuta busca mais informações para confirmar ou refutar as hipóteses iniciais, sendo que estas caracterizam-se por buscar conexões entre pessoas, ações, percepções, sentimentos e contextos, apoiando-se nos pressupostos da circularidade e da neutralidade. Em seguida solicita que cada um expresse suas percepções sobre as relações e as diferenças entre os componentes do sistema, e este questionamento circular possibilita a alteração destas percepções. As redefinições são intervenções que modificam o marco conceitual desde o qual o paciente ou os demais percebem o problema. Já as conotações positivas orientam a restituir no paciente e em sua família uma imagem de pessoas com condições para enfrentar e resolver a situação, de modo que, para isso, o terapeuta qualifica como positivos os aspectos que os familiares consideram como patológicos ou negativos. Nas entrevistas posteriores, nesta segunda etapa buscam-se informações sobre as mudanças e o grau de cumprimento das tarefas sugeridas pela equipe terapêutica. A terceira etapa são as pausas, que têm como objetivo proporcionar um tempo para que o terapeuta desvincule-se deste ambiente, retornando à sessão com um olhar menos parcial sobre a família. Em cada entrevista o terapeuta faz duas pausas, a primeira é de 5 a 10 minutos e a segunda é de 10 a 30 minutos. Durante as pausas, o terapeuta deixa a sala onde a família permanecerá e vai se reunir com a equipe para discutir sobre as informações que foram tratadas por eles e verificar se as hipóteses se confirmam ou não. 79 A quarta etapa, intervenção, geralmente acontece no final de cada sessão. Após realizar a última pausa, o terapeuta tenta gerar com a família uma mudança comportamental-cognitiva-afetiva, na forma como eles lidam com o sintoma e no sintoma mesmo. Os recursos técnicos que podem facilitar esse entendimento compreendem conotações positivas, redefinições, tarefas diretas e paradoxais, rituais e metáforas. As duas primeiras já foram descritas anteriormente. As tarefas diretas são técnicas de intervenção que visam mudar as regras e os papeis do sistema familiar, incluindo entre elas ensinar aos pais sobre como controlar os seus filhos, e estabelecer regras disciplinares. As tarefas paradoxais são técnicas de intervenção que contêm uma dupla mensagem, por um lado se afirma à família que seria bom mudar e por outro que seria bom que não mudasse,prescreve-se a continuidade da sequência sintomática por um tempo determinado, com a finalidade de interromper tal sequência. Os rituais caracterizam-se pela prescrição de uma série de ações destinadas a mudar as regras de um sistema familiar. Metáforas ou intervenções metafóricas são técnicas de intervenção que permitem evitar as estratégias de tipo relacional que o cliente ou a família podem opor à prescrição do terapeuta, revelar-lhes um padrão de interação, ou fazer com que os mesmos descubram a solução do seu problema. Na fase da pós-sessão, a equipe se reúne entre 5 a 15 minutos para analisar a resposta da família à intervenção, observando tanto o feedback verbal quanto o não- verbal, conforme propõe o quarto axioma da comunicação. É também o momento de fazer predições sobre como a família reagirá durante o intervalo entre as sessões e quanto às tarefas propostas para iniciar a mudança. Este modelo abrange, ainda, as entrevistas de seguimento que são realizadas seis meses após o término do tratamento, quando a equipe entrará em contato com a família através de um questionário escrito, um questionário telefônico ou uma entrevista padronizada para avaliar a persistência da mudança e a eficácia dos procedimentos terapêuticos empregados. Outro padrão de primeira entrevista é proposto pela psicóloga e terapeuta familiar brasileira Solange Rosset (2008) através de um protocolo com passos ou etapas para seguir. 80 Estas etapas são: Vincular, levantar a queixa, circular, redefinir, definir objetivos e contratar. O uso deste roteiro auxilia a evitar o emaranhamento nos conteúdos já que essa sessão terá como foco a coleta de dados de identificação e das relações entre todos os participantes. Também serão levantadas as informações referentes à queixa, às tentativas para resolver o problema e a percepção de cada uma das pessoas sobre o que está acontecendo. Ainda serão investigados outros sintomas e queixas que existem na família com relação a cada um deles, para além do que desencadeou a busca de atendimento. Segundo Acquaviva, independente do modelo adotado, os autores destacam que nesse primeiro encontro é importante o terapeuta entrar em sintonia com a família, procurando encontrar um jeito, uma linguagem, uma postura que possa se adaptar ao funcionamento daquela família para ser reconhecido pela mesma como parte do sistema. Este aspecto é relevante porque facilita o vínculo de aceitação e de confiança (ACQUAVIVA, 1999). Nesse sentido, Nichols e Schwartz (2007) acrescentam que “o desafio da primeira entrevista é desenvolver uma aliança sem aceitar cegamente a descrição que a família faz de uma pessoa como o problema”. Além disso, é importante observar os padrões de interação incluindo a disposição física (quem senta ao lado de quem, distante de quem), as alianças (as reações de cada um ao que a outra fala) e as triangulações (quem apoia quem) (CASTOLDI, 2006). Cabe ressaltar que a compreensão do funcionamento sistêmico fará uma profunda diferença nas relações entre pais e filhos. Na medida em que acreditarem que não existe certo e errado pré-definidos, vão treinar isso no dia a dia, não vão definir as regras a priori, mas redefinir caminhos a cada passo e, portanto, estarão disponíveis para rever suas verdades e decisões (ROSSET, 2008). A entrevista na Terapia Familiar Sistêmica, alicerçada na Teoria Geral dos Sistemas e na Teoria da Comunicação, considera as propriedades do sistema e os axiomas da comunicação. Desta forma, baseia-se na ideia da totalidade, da causalidade circular, da reciprocidade, da multicausalidade, de que a comunicação inclui todas as formas de expressão além da verbal, que ao se comunicar a pessoa está expressando a sua forma de perceber o mundo e que os intercâmbios comunicacionais são simétricos ou complementares. 81 18 CONTRA- INDICAÇÕES DA TERAPIA FAMILIAR Tal como qualquer modalidade de intervenção, também a terapia familiar apresenta os seus pontos fracos, sejam ao nível da metodologia, seja ao nível da intervenção. Não se tratam de desvantagens, mas sim casos em que ela parece ser contra - indicada e em que se deve optar por uma psicoterapia individual. Falar em contraindicação prende-se com razões de ordem pragmática, sobretudo no que concerne ao papel que pode exercer no âmbito da terapia familiar. As ditas contraindicações são a favor da capacidade que o terapeuta possui de se aliar há famílias e de as manter em tratamento, bem como com o consentimento que o sistema familiar dá para que possa ocorrer a mudança (Bloch, 1979). Segundo Bloch, assim sendo, entre as principais contra - indicações da terapia familiar encontram-se: quando o paciente identificado sofre de pequenos delírios e comportamentos e ações de menor porte, o mais adequado é utilizar uma psicoterapia individual, centrando-se única e exclusivamente no indivíduo identificado, dado que ele próprio possui capacidade para resolver o seu problema. No entanto, a terapia familiar é extremamente adequada em casos de esquizofrenia, paranoia grave, situações de conflito conjugal e familiar (Bloch, 1979). Um outro entrave à terapia familiar pode prender-se com o facto de existir uma relação de extrema dependência entre os membros da família, em que esta funciona como um conjunto protetor, manipulador, diretivo e desequilibrado. Nesta situação de nada servirão os esforços do terapeuta, dado que este tipo de família tende a defender-se e a fechar as suas fronteiras a forças e elementos exteriores a si, contribuindo para a manutenção do problema (Bloch1979). A terapia familiar pode não ser útil em quadros de patologia complicados, sobretudo com as ditas “não-famílias”, dado que se pautam por ser um aglomerado de pessoas, com uma estrutura similar à de uma família, mas na qual não existem relações afetivas entre os seus membros. Neste caso, a terapia torna-se inútil dado que irão evitar qualquer tipo de intervenção, relação com o terapeuta, não deixando que acedam ao seu interior e não caminhando para a resolução do problema. Em determinados casos, a própria tentativa de levar a que a família se comprometa na resolução do problema pode conduzir ao fracasso. Muitas das vezes, o paciente identificado é o único que espera que o seu sistema possa mudar, quando 82 na verdade o sistema não se predispõe para a mudança, resignando-se à condição em que se encontra (Bloch, 1979). Por fim, deve-se ter em atenção o facto de uma família chegar à consulta após infrutíferas tentativas de resolução do problema, fosse através de outros técnicos ou através das suas capacidades, sentindo que esta procura de ajuda no exterior seja uma confirmação da sua incapacidade de resolver, de modo autónomo, os seus problemas. (Andolfi, 1999). Dadas todas as contra - indicações, é importante ressaltar que antes de propor a realização de uma consulta familiar, o terapeuta deve possuir conhecimentos acerca do que trouxe aquela família à consulta e se será relevante uma intervenção ao nível do sistema familiar. Por vezes, a psicoterapia individual pode ser a solução para o problema e a terapia familiar pode vir a piora- lo. Assim, trata-se de escolher, de modo cauteloso, qual o modelo de intervenção a adotar, analisando de forma concisa os pós e contras de cada escolha, ao mesmo tempo que deve facilitar a resolução do problema. Quando se trata de terapia familiar com crianças: de facto esta pode ser muito vantajosa, dado que a crianças se sentirá mais acolhida e protegida se a sua família a acompanhar no tratamento. Aqui o terapeuta também pode agir sobre o local onde a criança se encontra diretamente inserida, isto é, a escola, jardim-de-infância ou bairro, para que esta não evolua para um quadro patológico ainda mais problemático. (Bloch, 1979). 83 19 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASANDOLFI, M. (1995). A terapia familiar. (Cap. I). Lisboa: Vega Universidade BLOCH, D. (1979). Techniques de base en thérapie fmiliale. (p.21-49). Paris: Jean- Pierre Delarge BÚRIGO, Marina Vieira de Araújo. 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