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Saúde mental, desinstitucionalizaćão e novas estratégias de cuidado

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735 
SAUDE MENTAL, 
DESINSTITUCIONALlZAC;AO E 
NOVAS ESTRATEGIAS DE CUIDADO 
Paulo Duarte de Carvalho Amarante 
A memoria de Franca Ongara Basaglia, 
senadora e im,borlante exiJresscwbolitica intelectual 
Este capitulo analisa as polfticas de saude mental no Brasil desde 
seu inicio ate 0 momento presente, marcado pela desinstitucionalizac,;ao 
no ambito da loucura e do sofrimento mental. Para tanto, desenvolve urn 
resgate hist6rico das principais pollticas e modelos assistenciais, que vai 
da criac,;ao do primeiro hospicio ate os fundamentos dos projetos atuais 
orientados pelos prindpios da reforma psiquiatrica como processo social 
complexo. Finaliza corn urn detalhamento das diferentes propostas das 
redes de servic,;os e dispositivos de atenc,;ao psicossocial e sallde mental e 
com uma analise de suas perspectivas e possibilidades. 
A hist6ria da assisu:>ncia as pessoas corn problemas mentais no Brasil 
comec,;a corn a fundac,;ao do primeiro hospital psiquiatrico brasileiro, 0 
hospfcio criado pelo Imperador Pedro II na data de sua e que 
leva 0 seu nome. 
Decreto n. 82 de 18 de julho de 1841 
"Desejando assinalar 0 fausto dia de minha sagrac;ao com a cria'.;ao de urn 
estabelecimento de publica beneficencia, hei por bern fundar urn hospital 
destinado privativamente para tratamento de alienados, com a denomina<;ao de 
Hospfcio de Pedro II, 0 qual ficara anexo ao Hospital da Santa Casa de 
736 
Aliena~ao mental 
o conceito de alienar,;ao 
mental foi utilizado par 
Philippe Pinel, medico 
frances considerado 0 
pai da psiquiatria, em 
seu cL'issicoTmtado 
!vlania, a primeira 
grande obra fundadora 
da especialidade, 
o collceito de alienar,;ao 
se refere a idCia de um 
distlirbio das paix6es 
que ocasiona um 
dist{lrbio moraL Em 
nosso meio ha uma obra 
classica de 1llIl dos 
maiores escritores da 
Ifngua portuguesa: 0 
Alienista. de Machado de 
Assis. 0 conto, publicado 
ern forma de folhetim, 
elabora uma perspicaz e 
profunda cdtica ao 
modelo da ciencia 
psiquiatrica que, ainda 
hoje, se embaralha com 
seus conceitos e dilemas 
mais fundamentais. 
_ ......_---_..... _---
Colonias de alienados 
I nstituir,;6es psiquiatricas 
que se baseavam no 
prindpio de que 0 
trabalho seria uma 
forma eficaz de 
tratamento moral da 
alienar,;ao mental, uma 
vez que disciplinaria os 
individ nos que, pOl' 
conta da natureza de 
suas enfermidades, 
tinham as mentes 
desregradas. 
POli,,(;\s E SISTEMA SP,UDE ~,o 
Misericordia desta Corte, debaixo de minha imperial prote~ao applicando desde 
para principio da sua funda~ao 0 produto das subscri~oes promovidas pOI' 
uma comissao de pra~a do commercio, e pelo proyedor da sobredita Santa 
Casa, alem das quantias com que eu hou\'er par bem contribuir. Candido Jose 
de A.Taujo Vianna do meu conselho, ministro e secretario de Estado dos Neg6cios 
do Imperio e que tenha assim entendido e executar com os despachos 
necessarios. Palacio do Rio de Janeiro, 18 de julho de 1841, 20 da 
Independencia e do Imperio. Com a rubrica de S.M. 0 Imperador. Candido 
Jose de Araujo Vianna. D. Pedro II, lmperador do Brasil." 
Inaugurado mais de dez anos depois do decreto, em 8 de dezembro 
de 1852, 0 Hospicio de Pedro II logo se tornou alvo de criticas, muito 
particularmente dos medicos. Ora porque estava yinculado a Irmandade 
da Santa Casa da Miseric6rdia, nao sendo considerado, portanto, uma 
institui<;;ao efetivamente medica e sim de caridade, ora porque nao fora 
construido nos pad.metros adequados as necessidades da terapeutica 
moderna da 
Para estudar este periodo e se aprofundar no conhecimento dos 
primeiros passos da psiquiatria brasileira, 0 livro Dana~'ao Nanna: 
medicina social e da psiquiatria no Brasil, de Roberto Machado, 
Katia Muricy, Rogerio Luz e Angela Loureiro (1978), e, sem duvida, a 
melhor referencia bibliografica enos fornece as informa<;;6es mais 
detalhadas e fundamentadas em pesquisa historica. 
Para reflctlr 
A partir da leitura de de Machado de A.ssis, reflita sobre alguns conceitos 
e questoes. 0 que e normalidade? 0 que e loucura? Qual a rela~ao entre 
normalidade e cultura? 
o certo e que 0 Hospicio de Pedro II abriu caminho para 0 
surgimento de muitas outras institui<;;6es similares no pais. A partir de 
entao, e pOl' quase 1 anos, pode-se resumir a politica nacional do setor 
como de mera implantac;:ao de hospitais psiquiatricos. Vejamos! 
Em 1890, logo ap6s a Proclamac;:ao da Rep1.iblica, 0 Hospicio 
Pedro II foi desanexado da Santa Casa e sua dire<;ao passou as maos dos 
medicos. Alem da c1'ia<;ao da Assistencia l\fedico-Legal aos Alienados, 
p1'imeiro orgao nacional de normatiza<;ao e gestao da assistencia, foram 
instituidas as duas primeiras as co16nias de Sao,1 Q , 
Bento e de Conde de Mesquita, ambas na Ilha do Galeao, no Rio 
Janeiro. Dai em diante foram dezenas de co16nias agricolas que passaram 
a existir em quase todos os estados da federa<;ao, onde eram internadas 
-------
Saude Mental, Desinstitucionaliza,ac e Novas de Cuidado 737 
milhares e milhares de pessoas corn problemas mentais. Para se ter uma 
ideia, a Colcmia de Juquery (SP) alcanc;;ou a cifra dos 15 mil internos, ao 
passo que a Colonia de J acarepagua (RJ) chegou aos 8 mil. 
Voce ja ouviu falar em praxiterapia e laborterapia? E em terapia ocupacional? 
Qual poderia ser a rela<,;ao da terapia ocupacional com a terapeutica moral pelo 
trabalho? 
A noc;;ao de colonia ja e suficiente para exprimir a proposta de 
uma modalidade unica de cultura: de colonizac;;ao de um determinado 
tipo de pessoas, ligadas por uma origem etnica, profissional, religiosa ou 
de uma natureza especial, como seria 0 caso dos alienados. De qualquer 
forma, tal principio expressa uma pratica de segregac;;ao de sujeitos 
identificados corno loucos. No inicio do seculo XX, falava-se ate mesmo 
em cidades destinadas somente para os alienados: as cidades manicomiosl A prioridade de 
contl'atac;:ao deo aparecimento das colonias foi 0 que faltava para que 0 modelo 
prestadores privados e 
asilar dominasse definitivamente a assistencia psiquiatrica no pals ate as outras caractedsticas da 
decadas de 1940 e 1950. Daquele momento em diante, outro fator viria a assistencia medica 
previdenciaria d}.lrante a propiciar um outro momenta de crescimento expressivo da oferta de leitos 
decada de 1970 sao 
psiquiatricos no pals: referimos-nos ao processo de privatizac;;ao da analisadas no capitulo 11, 
assistencia medica da Previdencia Social, maior responsavel pela assistencia 	 sabre a hist6ria das 
politicas de saude no
medica a populac;;ao brasileira. Brasil. 
As distorc;;6es conseqlientes deste modelo privatizante para a 
atenc;;ao em saude mental, radicalizadas no pedodo da ditadura militar 
instalada com 0 golpe de 1964 (quando a corrupc;;ao corroeu as bases do 
Estado), podem ser mais bem conhecidas no classico livro de Luiz da 
Rocha Cerqueira, Problemas Brasileiros Psiquiatria Social (1984). Para 
Cerqueira, a privatizac;;ao fez crescer substancialmente 0 numero de leitos 
psiquiatricos no pais, sendo a maioria privados (Tabela 1). 
Tabela 1 - Numero de leitos pSlquiatricos piiblicos e privados. 
Brasil- 1941 e 1978 
Ano 	 1941 1978 
21.079 	 22.603 
3.034 	 55.670 
Fonte: Cerqueira, 1984. 
o movimento sanitario e 
analisado no capitulo 11. 
Confira. 
Em torno de de todos os recur50S financeiros destinados a 
psiquiatria eram consumidos no pagamento dos custos 
das interna~6es hospitalares. Com apenas de recursos empenhados 
nas atividades assistenciais nao-hospitalares, nao existiam hospitais-dia, 
centros de convivencia ou de aten~ao psicossocial; e mesmo os 
ambulatorios eram muito raros e precarios (Cerqueira, 1984). 
ORIGENS DA REFORMA BRASILEIRA 
o processo psiquiatrica no Brasil come~ou no final da 
decada de 1970, no contexto da redemocratiza~ao nacional, ou seja, na 
luta contra a ditadura militar. 0 ano de 1976, de muitos eventos historicos 
dramaticos, tais como as bombas implantadas pOl' militares nas sedes da 
Associa~aoBrasileira de Imprensa (ABI) e da Ordem dos Advogados do 
Brasil (OAB), ou os assassinatos de dissidentes politicos, servia tambem 
de palco 0 surgimento de uma forte militancia no campo da saude. 
Em Sao Paulo, a partir de urn pequeno grupo de medicos da area da 
saude publica, nascia 0 Centro Brasileiro de Estudos de Saude (Cebes), 
que Vina a ser 0 ator mais importante na organiza~ao do pensamento 
crftico no setor. 
No inicio de 1978, no am ago deste cenario de luta pela 
emocratiza~ao, no Rio de ] aneiro, tres medicos recem-formados 
uma serie de denuncias de maus-tratos, violencia e 
desrespeito adignidade e aos direitos humanos, impetrados pelos hospitais 
psiquiatricos da propria Divisao Nacional de Saude Mental (Dinsam), 
do Ministerio da Saude. As vitimas eram nao apenas os pacientes 
internados, mas tambem alguns presos politicos da ditadura. 
refletir 
Voce conhece algum hospital psiquiatrico? Existe algum em sua cidade ou nas 
proximidades? Conhece alguem que esteve internado em uma destas instituir,;6es? 
A partir de sua experiencia, analise as caracterfsticas de urn hospital psiquiatrico e 
compare-as com as de urn hospital geral. 
o Ministerio da Saude respondeu prontamente, mas com a 
demissao dos profissionais que realizaram as denuncias. derniss6es 
provocaram mais manifesta~6es; estas ocasionaram mais denuncias e 
mais demiss6es. Enfim, foram demitidos 260 profissionais dos quatro 
hospitais psiquiatricos do Ministerio da Saude, todos eles localizados 
no Rio de Janeiro. 
740 POLiTICAS SISWM DE SMJDE NO BRASil 
1978 - 0 inicio do processo de reforma psiquiatrica no Brasil 
• A 'crise' da Divisao Kacional de Saude Mental (Dinsam) 
• 0 Congresso da Abertura - V Congresso Brasileiro de Psiquiatria - Camboriu/SC 
• 0 Congresso do Ibrapsi I Simp6sio Brasileiro de Psicanalise de Crupos e 
Instituic;;oes Franco Basaglia, Robert Castel, Felix Cuattari, Erving Coffman 
Franco Basaglia aproveitou a vinda ao Brasil para realizar visitas a 
sindicatos e associac:,;6es; proferir palestras em universidades e institutos 
e manter urn contato bastante proximo com os ativistas do MTSM, 
tornando-se, a partir de entao, referencia fundamental na trajetoria da 
experiencia brasileira. 
Logo no ana seguinte, ocorreram outros eventos muito importantes 
para 0 processo de reforma psiquiatrica: 0 I Congresso Nacional dos 
Trabalhadores em Saude Mental, 0 I Simposio de Polfticas de Saude da 
Camara dos Deputados e 0 III Congresso Mineiro de Psiquiatria. 0 
Congresso do rvlTSM aconteceu em janeiro de 1979, no Instituto Sedes 
Sapienti~ em Sao Paulo. Neste, depreende-se que a luta pela transformac:,;ao 
do sistema de atenc:,;ao a saude esta vinculada a luta dos demais setores 
sociais em busca da democracia plena e de uma organizac:,;ao mais justa da 
sociedade, atraves do fortalecimemo dos sindicatos e demais associac:,;6es 
representativas articuladas com os movimentos socials. 
Ja no Simposio de Saude da Camara, 0 MTSM apresentou urn 
importante diagnostico crftico sobre 0 modelo assistencial psiquiatrico e 
algumas das reflexoes e propostas que viriam a marcar a atuac:,;ao do 
movimento em toda a sua historia. Neste mesmo simposio, 0 Cebes 
apresentou a proposta do Sistema Cnico de Saude (SUS), que seria base 
de inspirac:,;ao da Constituic:,;ao de 88 e, consequemememe, da Lei Organica 
da Saude (lei 8.080, 19/9/90). 
Franco Basaglia retornou ao Brasil para 0 III Congresso Mineiro 
de Psiquiatria e realizou uma visita ao Hospital Colonia de Barbacena, 
em Minas Gerais, desencadeando uma crise de denuncias sobre a 
assistencia psiquiatrica no BrasiL Muitos resultados marcantes ficaram 
dessa visita de Basaglia a Barbacena, mas dois deles merecem destaque: 0 
curta-metragem ~ .. ( -..., obra de estn~ia do premiado cineasta 
Helvecio Ratton, e 0 tarnbern premiado livro\· , de 
Hiram Firmino. 
Saude Mental, Desinstitucionaliza,ac e Novas Estrategias de Cuidado 741 
Filmes e livros sobre os hospicios no Brasil 
Alguns livros trazem relatos muito expressivos de pessoas que estiveram interna­
das em hospicios brasileiros e que nos ajudam a entender 0 que e a violencia e a 
violat,;:ao permanente aos direitos humanos e adignidade das pessoas internadas 
em tais institui<;:6es. 
Procure leI': 
Diario do Hosptcio, do grande escritor carioca Lima Barreto, 0 Hospicio eDeus, da 
jornalista e cronista Maura Lopes Can<;:ado, Os Ultimos Dias de Pauperia, do poeta, 
jornalista e compositor tropicalista Torquato N eto, 
Canto dos A1alditos, de Austregesilo Carrano, que deu origem ao filme Bicho de 7 
Cabe{;as, dirigido pOl' Lafs Bodanski, e urn conto, que tern muito de real... 
o Alienista, de Machado de Assis, adaptado para 0 cinema par Nelson Pereira 
dos Santos com 0 tftulo de Az)'llo Muito Louco, com a participa<;:ao de Leila Diniz. 
~-,~~'~ =~-~~~-
PS iATRICA COMO PROCESSO SOCIAL COMPLEXO: RUPTURA 
POR UMA SOCIEDADE SEM MAN lOS 
o perfodo denominado Nova Repllblica, iniciado com a elei~ao 
indireta do primeiro presidente civil da Republica ap6s 0 golpe militar 
de 1964, e caracterizado pOl' uma politica bastante ampla no sentido 
de garantir a governabilidade, palco da 8'" Conferencia Nacional de 
Saude (CNS), em mar~o de 1986. 
A "Oitava n , como ficou conhecida - analisada em detalhe no 
capitulo 11 -, contou com efetiva (e participa<;ao da sociedade 
civil e se tornou 0 marco das novas poHticas de saude no pals, muito 
particularmente para a constru<;ao do SUS. Como desdobramento da 8'" 
CNS foram propostas conferencias sobre tematicas especificas. 
A ~ ...~._ __ ~=; realizou-se 
no periodo de 25 a 28 de junho de 1987, no Rio de Janeiro, se tornando 
o palco de uma articula<;ao dos varios participantes do movimento nacional 
ligados ao campo da saude mental. A Conferencia contou com cerca de 
1.500 participantes e foi extremamente inovadora, tendo em vista alguns 
dos aspectos que listamos a seguir. Inicialmente, a exemplo da 8'" CNS, 
foi 0 primeiro even to de carater publico e de ambito nacional a reunir, 
em uma mesma arena, os varios atores sociais envolvidos no campo da 
sallde mental, de pacientes (que, a partir da Oitava, foram denominados 
usuarios), familiares e membros dos mais variados movimentos sociais a 
tecnicos, dirigentes e politicos. 
Para refletir 
Voce ja participou de alguma conferencia de Saude? Tern ou teve informac;;6es 
sobre a existencia de alguma delas? 
Temas oficiais da 
1 Conferencia Nacional 
de Saude Mental 
(I CNSM) 
• Economia, sociedade e 
Estado, impactos sobre a 
saude e doen<;a mental; 
• Reforma Sanitaria e 
reorganiza<;ao da 
assistencia a saude 
mental; 
• Cidadania e doen<;a 
mental: direitos, deveres 
e legisla<;ao do doente 
mental. 
Voce pode consultar 0 
capitulo 28 para 
conhecer a dinamica de 
participa<;ao das 
conferencias de Saude. 
742 
Por uma sociedade 
sem manicomios 
Fo! no ambito da Rede 
Internacional de Alter­
nativas it Psiquiatria, 
movimento criado em 
Bruxelas em 1974 pOl' 
Franco Basaglia, Robert 
Castel, Felix Gattari, 
dentre outros, que 5ur­
giu este lema. Foi utiliza­
do pela primeira vez no 
Encontro Internacional 
na Espanha, em 1986, 
mas chegou ao nosso 
meio particularmente a 
partir do III Encontro 
Latino-Americana da 
Rede, realizado em 
Buenos Aires no perfodo 
de 17 a 21 de dezembro 
daquele ana. 
POciTICAS E SIS~EMA DE SAUDE NO BRASil 
partir da I Conferencia Nacional de Saude Mental, a questao 
uma nova legisla<;ao passou a compoI' a agenda do movimento da reforma 
psiquiatrica, assim como teve 0 debate profundo sobre a falencia 
do modelo centrado na hospitaliza<;ao, e sobre a premencia da cria<;ao 
dos servi<;os extra-hospitalares. Mas 0 evento teve uma outra importancia 
hist6rica ao possibilitar 0 encontro de antigos e novas participantes do 
MTSM, de todas as partes do pais, oferecendo as condi<;6es para a 
organiza<,;ao urn segundo congresso do movimento. 
Como vimos, 0 I Congresso do MTSM havia sido organizado em 
1979, apenas alguns meses ap6s a do movimento.1hs a conjuntura 
do final da decada de 1980, com 0 governo da Nova Republica, a 8~ CNS 
e a I Conferencia Nacional de Saude Mental, disponibilizava urn cenario 
pleno de novas possibilidades. Assim, a partir da I CNSM, passou a ser 
organizado 0 II Congresso Nacional dos Trabalhadores em Saude Mental, 
realizado em Bauru (SP) no periodo de 3 a 06 de dezembro de 1987 e que 
introduziu, no Brasil, 0 lema , alem 
de instituir 0 Dia Nacional da Luta Antimanicomial, comemorado desde 
entao na data de 18 de maio. 
a Congresso de Bauru, como ficou conhecido, demarcou duas 
rupturas fundamentais na trajet6ria do processo. Uma primeira, que diz 
respeito a sua composi<;fl.O predominantemente de profissionais da area, 
com pouca participa<,;ao 'pacientes' e familiares - para uma composi<,;ao 
mais plural, com 0 concurso mais efetivo dos atores sociais envolvidos e de 
outros ativistas de movimentos sociais, todos considerados "usuarios" de 
acordo com os novos prindpios da participa<;ao e controle social inspirados 
nos prindpios ideol6gicos e politicos do SUS. Uma segunda ruptura e 
representada pela proposi<;ao de uma transforma<,;ao de carateI' mais social, 
mais amplo, voltado para a introdu<,;ao de mudan<,;as na sociedade, e nao 
apenas de uma transforma<;ao do modelo tecnico-assistencial psiquiatrico. 
Dai pode-se extrair 0 significado e a dimensao do lema "Por uma 
sociedade sem manicomios", inspirador da mudan<;a da denominac,;ao do 
movimento que, em 1993, passaria a chamar-se \10vimento Nacional de 
Luta Antimanicomial (MNU\). a MI\U\, existente ate os dias atuais, nao 
e 0 unico movimento na mas e certarnente 0 mais importante e 
abrangente ator social no processo da reforma psiquiatrica brasileira. 
a livro Loucos Vida: a da psiquiatrica no Brasil 
(Amarante et aL, 2005) oferece uma analise e uma reconstru<,;ao hist6rica 
de todo 0 processo da reforma, com destaque para os temas, as tendencias, 
os conflitos, os atores e os cenarios. Analisa ainda as principais experiencias 
internacionais de reformas psiquiatricas (Inglaterra, Fran<;a, Estados 
Unidos e Italia) que trouxeram subsfdios para a experiencia brasileira. 
Saude Menta!, Desinstitucionaliza,ao e Novas Estrategias de Cuidado 
PSiCOSSOCIAL: ASPECTOS DA POL/TICA 
CAMPO DA SAUDE MENTAL 
FaLivamos de 1987. Aquele ana foi palco ainda de um terceiro fato 
que 0 tornou hist6rico no processo da reforma psiquiatrica brasileira: a 
cria<,;ao na cidade de Sao Paulo do primeiro servi<,;o de aten<,;ao psicossocial 
do pals, 0 Centro de Aten<,;ao Psicossocial Professor Luiz da Rocha 
Cerqueira, da Secretaria Estadual de Saude, que passou a ser conhecido 
simplesmente como Caps. 
Trata-se do primeiro servi<,;o que procurava constituir-se fora 
da l6gica manicomiaL Ensaiava a<,;6es de inser<,;ao comunitaria e iniciava 
propostas de aten<;;ao intensiva a pacientes com quadros mais graves 
que, ate entao eram atendidos predominantemente em hospitais e, 
muito raramente, em ambulat6rios, pois, como vimos, a rede hospitalar 
absorvia a quase totalidade (97%) dos recursos financeiros destinados 
it assistencia psiquiatrica. 
o Caps passou a realizar um dos mais importantes trabalhos 
assistenciais, tornando-se uma referencia nas politicas de sattde mental e 
um campo de forma<;;ao estrategica de profissionais para 0 processo da 
reforma psiquiatrica brasileira. 
Mas, os efeitos positivos dos tempos da democratiza<,;ao nao 
acabaram pOl' ai. Em 1988, foi promulgada a nova Constitui<;;ao Federal 
com um capitulo dedicado it saude, que passou a ser considerada "Direito 
de todos e dever do Estado". Foi certamente uma vit6ria do movimento 
nacional de reforma sanitaria ai incluido 0 movimento da reforma 
psiquiatrica - que propos uma emenda popular com os termos do SUS, 
cujas diretrizes haviam sido consolidadas nos debates da 8!! CNS. 
Com a diretriz da descentraliza<;;ao estabelecida no SUS, 0 poder 
municipal passou a ser 0 responsavel pelo conjunto de institui<;;6es e 
politicas de satlde no ambito do municipio. Foi assim que, em 3 de maio 
de 1989, ocorreu um dos mais importantes acontecimentos do processo 
de reforma psiquiatrica no Brasil: a intervenc;;ao realizada pela Prefeitura 
de Santos (SP) em um hospital psiquiatrico privado conveniado ao SUS, a 
Clfnica Anchieta, onde ocorriam violencias contra pacientes internados, 
assim como varios 6bitos. 
A partir dessa interven<;;ao, duas op<;;6es do poder publico municipal 
de Santos deram infcio a uma verdadeira revolu<;;ao na questao do 
tratamento da loucura no pais. A primeira op<,;ao foi a decisao de nao 
reformar 0 hospital. Ou seja, de nao seguir pelo caminho das reformas 
administrativas, como ocorria anteriormehte, nas quais, ap6s situa<;;6es 
743 
Voce conhece paragrafos 
da Constituit,;ao 
Brasileira que se 
refer-em asa(lde? 
Consulte 0 capitulo 11. 
744 
Sabre as bases 
conceituais e hist6ricas 
da experiencia italiana, 
ver especialmente 
de 
Franco Rotelli, Diana 
Mauri e Ota de 
Leonardis, Escritos 
Selecionados em Saude 
Mental e Reforma 
coletanea de 
lextos de Franco 
Basaglia, eJardins de 
Abel: desconstrUl;iio do 
manicomio de Trieste, de 
Denise Dias Barros. 
Usmirio 
Este termo passou a ser 
adotado pelo SUS para 
designar os beneficiihios 
do sistema SUS, mas 
assumiu um valor rnuito 
particular no ambito da 
saiide mental, por 
possibilitar 0 abandono 
da expressao 
considerada 
pejorativa, para os 
sujeitos com sofrimento 
mental. 
POLiTICAS E SISTEMA DE SAUDE NO BRASIL 
desta natureza, procurava-se a institui<;ao aos para.metros 
considerados terapeuticos ou . Ao contra.rio, partiu-se do 
principio de que 0 hospital psiquiatrico, por sua natureza e fun<;ao social, 
era uma institui<;ao de violencia e Tais eventos de agressao a 
dignidade humana, longe de serem eventuais, eram bastante comuns 
e mesmo inerentes ao modelo institucional. Segundo, tendo como base a 
experiencia de (Italia), iniciada por Franco Basaglia e continuada 
por Franco Rotelli, por atuar no sentido da ~ ..... 
entendido nao apenas como 0 hospital psiquiatrico em 51, 
mas como todas as conceituais e ideologicas produzidas no 
ambito do saber psiquiatrico em torno do conceito de doen<;a mental. 
Desconstruc;ao do manicomio 
A noc;ao de nao diz respeito a uma id eia negativa, de destruic;ao, 
mas sim de da 16gica te6rico-conceitual e institucional de 
determinados saberes e pra.ticas, e implica na reconstruc;ao de form as de lidar 
com 0 problema. Quando nos referimos adesconstruc;ao do manicomio, falamos 
da d de toda a l6gica institucional, politico. juridica, ideol6gica. 
social e cultural que se constituiu em torno de um determinado conceito que, 
no caso da psiquiatria e do manic6mio - sua mais importante e expressiva 
instituic;ao -, e 0 conceito de doenc;a mental como sinonimo de perda de razao. 
Desta forma, simultaneamente ao trabalho de desmontagem das 
estruturas manicomiais e do proprio encerramento das atividades de 
interna<;ao na Clinica Anchieta, teve infcio a constru<:;ao de uma rede 
servi<:;os, e dispositivos que - sempre forternente inspirados 
na experiencia triestina - passaram a ser denominados servi<:;os 
substitutivos. Foram criados cinco N ucleos de Aten<:;ao Psicossocial (abertos 
horas), distribuidos por criterios de regionaliza<:;ao ern toda a cidade; 
urn servi<;o de emergencia psiquiatrica no hospital geral; urn vigoroso e 
criativo projeto cultural, 0 Projeto TAM TAM, com radio e TV 
comunitaria; uma residencia para ex-internos do hospital que, por algurna 
nao tivessem condi<:;6es proprias de moradia); uma cooperativa de 
trabalho, para gera<;ao de renda para os,.: 
A experiencia santista se tornou a mais importante do processo de 
psiquiatrica no Brasil, tendo uma enorme repercussao, e nao 
apenas no circuito da saude: toda a grande imprensa divulgou e debateu 
a experiencia, dando, a questao psiquiatrica. uma publica ate 
entao nunca vista. Sobre esta experiencia, Florianita e Claudio 
.Y1aierovitch (2000) organizaram 0 livroa a Beira-1\!/ar: a 
Saude Mental, Desinstituclonaliza~ao e Novas Estralegias de Cuidado 745 
experiencia do SUS ern Santos, que retrata nao apenas a politica de saude 
mental, mas toda a proposta de saude do munidpio de Santos (SP), uma 
das pioneiras e mais avan<;;adas do SUS. 
o forte imp acto e a repercussao da experiencia santista estao na 
base das condi<;;oes de possibilidade do aparecimento, em outubro do 
mesmo ana de 1989, do projeto de lei (PL 3.657/89), de autoria do 
Deputado Paulo Delgado, que propunha a extin<;;ao progressiva dos 
manicomios e sua substitui<;;ao por outros servi<;;os de saude mental. Apesar 
da nipida aprova<;;ao na Camara dos Deputados, urn ana depois, 0 projeto 
ficou em tramita<;;ao por quase doze anos e acabou sendo rejeitado no 
Senado. Contudo, deu origem ao surgimento de urn substitutivo que, 
apesar de abandonar algumas das propostas mais importantes do projeto 
- tais como a extin<;;ao progressiva dos manicomios -, possibilitou muitas 
inova<;;oes no campo do modelo assistencial e dos direitos humanos e da 
cidadania das pessoas em sofrimento mental. 
Outra experiencia importante que refon:;ou a ideia de rede 
substitutiva aconteceu no infcio dos anos 90 na cidade de Sao Paulo, com 
a cria<;;ao de varios centros de convivencia, hospitais-dia, programas de 
aten<;;ao psicossocial e inclusao, realizados em pra<;;as e jardins Pllblicos, 
bastante originais e inventivos, alem de cooperativas de trabalho para 
usuarios e uma serie de outras estrategias e servi<;;os. Sobre este trabalho 
realizado em Sao Paulo, existe urn livro que e extremamente didatico e 
esclarecedor. Trata-se de Tecendo a Rede: trajet6rias do, mental em Sao 
Paulo 1989-1996, organizado por Maria Claudia Tedeschi Vieira, Maria 
Cristina Gon<;;alves Vicentin e Maria Ines Assumpc,;ao Fernandes (1999). 
Em 2001, em decorrencia da permanente reivindicac,;ao do 
movimento da reforma psiquiatrica, a Comissao Intersetorial de Saljde 
Mental encaminhou ao 'Ministerio da Sallde a solicita<;;ao para a convoca<;;3.o 
da III Conferencia Nacional de Saude Mental, que aconteceu em Brasilia 
de 11 a 15 de dezembro daquele mesmo ano. Foi urn evento extremamente 
significativo, com cerca de ues mil participantes, a maioria composta de 
delegados eleitos, e que demonstrou a forc,;a social e politica do movimento 
da reforma psiquiatrica em todo 0 pais. 
A politica nacional de saude mental brasileira assumiu urn carater 
inovador em relac,;ao as experiencias dos demais paises, sendo atualmente 
reconhecida como tal pelas organiza<;;oes internacionais de sallde, como a 
Organiza<;;ao Pan-Americana da Saude (Opas) e a Organiza<;;ao Mundial da 
Saude (OMS). Certamente e muito dificil explicar plenamente os motivos 
desta inovac,;ao, mas podemos assinalar alguns aspectos. Urn deles se refere 
a indiscu tivel participa<;;ao e controle social, propiciados pelo pr6prio 
modelo de constiwic,;ao do SUS, com destaque para alguns ator'es sociais 
NC BRASl 
muito expressivos, como e 0 caso do MKLA, e corn a efetiva utilizac,:ao dos 
canais de democratizac,:ao do sistema, como as conferencias e os conselhos 
de saude. Outro aspecto esui relacionado a pluralidade de experiencias 
assistenciais e culturais inoyadoras, distribuldas por todo 0 territ6rio 
nacional, que passou a produzir e a reproduzir novas possibilidades no 
trato corn a questao do sofrimento mental. E, ainda, 0 modo como 0 Estado 
vern incorporando estas inovac,:6es ern forma de normas tecnicas que 
constituem polfticas de transformac,:ao do modelo de saude mental. 
o Programa Nacional de Avaliac,:ao do Sistema Hospitalar/Psiquia­
tria (PNASH) foi uma das medidas que introduziu uma reversao signifi­
cativa no modelo assistencial. Instituldo pela portaria 251/GM, de 31 de 
janeiro de 2002, 0 PNASH foi urn dispositivo fundamental na reduc,:ao 
dos leitos psiquiatricos ao estabelecer diretrizes e normas para a assisten­
cia hospitalar ern psiquiatria, reclassificar os hospitais psiquiatricos, e 
definir e estruturar a porta de entrada para as internac,:6es psiquiatricas 
na rede do SUS. Atualmente, no pais todo, 0 numero de leitos psiquiatri­
cos e inferior a 50 mil. Neste processo de reduc,:ao dos kitos, merece des­
tague a atuac,:ao dos ministerios pliblicos estaduais que, a partir de ocor­
rencias de 6bitos e violencias ern hospitais psiquiatricos, tern impetrado 
medidas substanciais para a reversao do modelo. 
Embora seja evidente, muitos autores ligados aos setores conser­
vadores da psiquiatria (dentre os quais muito particularmente os da psi­
quiatria privada corn seus 55 milleitos de entao) alarmavam a sociedade 
corn a ideia de que os leitos estavam sendo fechados e a populac,:ao, agora 
desassistida, estava sendo abandonada nas ruas. Ao contrario, desde a 
expenencia pioneira Santos, onde foi construlda a primeira moradia 
para egressos do hospital (denominada Republica Manequinho), debatia-se 
a necessidade de dispositivos residenciais para os internos 
desmanicomializados. Seja porque nao tern famflias, ou pOI-que as famllias 
nao tern condic,:6es de aceita-Ios (on nao os qnerem mais em casa), seja ate 
mesmo porque alguns usuarios nao querem conviver corn seus familia­
res, os dispositivos residenciais, ou formas e estrategias de 
residencialidade, vem sendo propostos no a.mbito do processo da reforma 
psiquiatrica desde 0 final dos anos 70. No Relatorio Final da 
II Conferencia Nacional de Saude Mental, realizada eIn dezembro de 1992, 
[oi ressaltada a importancia dos "lares abrigados", expressao adotada na 
epoca. Assim, foram promulgadas a portaria 106/2000, que introduziu os 
"Servic,:os residenciais terapeuticos" para egressos de longas internac,:6es 
e a portaria 1.220/2000, que regulamentou a anterior no sistema de 
financiamento do SUS. 
S3.ude .Men;al Desinsti:ucionaliza~ao e Novas Estrategias de Cuidado 747 
o Ministerio da Saude considera que foi necessario denominar estes 
dispositivos de "servi<;;os" e de "terapeuticos" em decorrencia da 
argumenta<;;ao para que os mesmos pudessem ser financiados pelo SUS. 
Em todo 0 caso, e irnportante observar que todo 0 cuidado e pouco na 
implanta<;;ao e condU!;ao das residencias, na medida em que efetivamente 
nao devem ser servi<;;os e muito menos terapeuticos. A soma destes dois 
elementos, servi<;;os e terapeuticos, aponta para 0 risco de institui<;;6es 
totais, que assumem 0 carater de institui<;;6es disciplinares, que se 
propunham reeducadoras dos indivfduos nelas internados. E 0 casu dos 
reformat6rios, das casas de corre<;;ao, dos educandarios normais, e dos 
manicomios (ber<;;o do tratamento moral). 
Observados os riscos e as posslveis dificuldades dal advindas, as 
residencias de egressos de hospitais psiquiatricos vem representando um 
ponto de grande avan<;;o no processo de reforma psiqui,hrica; um recurso 
lmpar no processo de deslrlstitucionaliza<;;ao. Em 2007, registravam-se 
cerca de quinhentas residencias, onde moram em torno de tres mil 
pessoas. Apesar do impacto desta polftica na desmanicomializa<;;ao, fica 
claro que nao deve ser 0 (ll1ico recurso adotado. Muitas famflias aceitaram 
seus parentes com muita generosidade e alegria. Nao e verdade que as 
famflias sempre os rejeitam. Sao filhos e filhas, pais e maes, maridos e 
esposas ... 0 mito da recusa ao retorno a casa foi construfdo peia 
psiquiatria, com invejavel colabora<;;ao dos empresarios, donos de 
hospitais, que lucram com as hospitaliza<;;6es proiongadas ou. permanentes. 
Alt~m disso, foi instituido 0 programa De Volta para Casa, de incentivo a 
desmanicomializa<;;ao e integra<;;ao social dos egressos dos hospitais 
psiquiatricos. 0 prograrna instituiu 0 auxllio-reabilita<;;ao psicossocial para 
pacientes acometidos de transtornos mentais egressos de interna<;;6es, 
possibilitando urn beneflcio em dinheiro para usuarios e suas famflias. 
o programa foi instituido pela lei 10.708, de 31 de julho de 2003, e ja 
conta com quase tres mil participantes. 
Em rela<;;ao aos servi<;;os deaten<;;ao psicossocial, logo ap6s 0 
surgimento do Caps Luiz Cerqueira e dos Nucleos de Aten<;;ao e Promo<;ao 
a SalJde (Naps) de Santos, muitos outros servi<;:os passaram a ser criados, 
com destaque para os Cenlros de Referencia em Saude .Mental (Cersam), 
irnplantados no estado de Minas Gerais. 
Com as perspectivas abertas pOI' esres servi<;;os pioneiros, em 19 de 
novembro de 1991 0 Ministerio da Sa(lde promulgou a portaria 189 e, em 
29 de janeiro de 1992, a portaria 224, que estabeleceram e regulamentaram 
os novos procedimentos em assistencia psiquiatrica e aten<;;ao psicossocial. 
Ou seja, alem das consuhas ambulatoriais e das interna<;;6es psiquiatricas, 
passaram a ser posslveis os atendimentos em servi<;:os de aten<;;ao 
748 POL'TICAS E SIS 7 EMA DE SAUDE NO BRASI, 
psicossocial (denominados igualmente de Naps/Caps), em hospitais-dia, 
em oficinas terapeuticas, dentre outras. Apesar do valor inegavel destas 
portarias, a concep<,;ao impressa nestes documentos termina por limitar 
a criatividade e a complexidade dos servi<,;os de aten~ao psicossocial. 
Uma consequencia desta orienta~ao se reflete na redu<,;ao conceitual 
e na mobilidade e f1exibilidade dos servi<,;os, ao desconsiderar as 
diversidades das modalidades e naturezas das experiencias que serviram 
de base para as portarias. 0 Caps, que serviu de inspira<,;ao para a 
normatiza~ao, surgiu num perfodo anterior ao SUS, nao vislumbrando, a 
epoca, exercer uma interven~ao de base fundamentalmente territorial, nem 
se propondo a tornar-se um servi~o substitutivo ao modelo psiquiatrico 
tradicional. Ja os :-.J aps eram servi<,;os que funcionavam em rede, interligados 
as demais politicas e estrategias publicas e sociais, e tinham uma proposta 
de interven~ao intersetorial mais articulada as iniciativas da comunidade e, 
enfim, se propunham como estrategia substitutiva. 
Em 2002, foi promulgada a portaria 336, que estabeleceu uma nova 
regulamenta<,;ao dos servi<,;os de aten~ao psicossocial. Foi abandonada a 
sigh Naps e todos os servi~os desta natureza passaram a ser denominados 
Caps, sendo classificados a partir de entao em tres categorias de 
modalidades distintas, como e possivel constatar no Quadro 1. 
Quadro 1 - Tipos e modalidades de Centros de Aten~ao Psicossocial (Caps) 
Tipos e Popula<,,:;io do Horario de Dias de Clientela 
modalidades de municipio funcionamento funcionamento na 
Caps semana 
Caps I Entre 20.000 e S as ISh Segunda a sexta Adultos 
70.000 hab. 
I 
Caps II Entre 70.000 a S as ISh Segunda a sexta I Adultos 
200.000 hab. Pode ter urn terceiro 
perfodo ate as 21h 
I Caps II-i Acima de S as ISh Segunda a sexta Crian<;as e 
200.000 hab. Pode ter urn terceiro adolescentes 
perfodo ate as 21h 
Caps II-ad Acima de S as lSh Segunda a sexta Pessoas com I 
100.000 hab. Pode ter urn terceiro uso abusivo de 
perfodo ate as 21h akool e outras 
i 
drogas 
Caps III Acima de 24 horas I Diariamente, inclusive I Adultos 
200.000 hab. nos feriados e fins de 
I 
• semana. 
! 
MentaL Desinstitucionaliza,ao e Novas Estrategias de Cuidado 749 
No final de 2006, 0 pais alcanc:;ou a marco dos mil Caps im­
plantados, e tambem a meta de tel' ao menos urn Caps em todos os esta­
dos da federac:;ao. Entre estes mil Caps, setenta e cinco sao da modalidade 
Caps-i e centro e trinta e sete, da modalidade Caps-ad. 
a objetivo e que os Caps funcionem articulados em rede, nao 
nas entre si, isto e, em rede inter-Caps, mas, e fundamentalmente, em 
rede com outros servic;:os sanitarios (de saude mental e saude em geral), e 
em rede com outros servic;:os e dispositivos nao-sanitarios. au seja, que 
possam atuar articulados intersetorialmente com projetos oriundos 
area da educac;:ao, da cultura, do transporte, dentre tantos outros, pro­
duzidos no ambito dos varios setores das politicas publicas. E nao apenas 
das poHticas publicas, mas tambem das iniciativas que vern da sociedade 
com seus recursos e possibilidades. 
Voce tern informa~ao sobre a existencia de algum Caps em sua cidade? Ou melhor, 
ja conheceu algum? Procure identificar uma destas experiencias e va visita-Ia. Se 
voce tambem conhece algum hospital psiquiatrico, aproveite para camparar as 
duas modalidades de assistencia. 
a Caps e uma modalidade de servic:;o criada para atender de forma 
intensiva as pessoas com urn sofrimento psiquico considerado intenso e, 
em geral, persistente. Para que urn servic;:o possa almejar uma atenc;:ao 
que seja sllbstitutiva ao hospital psiquiatrico, e necessario oferecer uma 
possibilidade de acesso e de cllidado mais freqiientes e permanentes. Urn 
dos maiores problemas das polfticas de sal1de mental nas decadas anteriores 
estava no fato de que a alternativa assistencial aos hospitais eram os 
ambulat6rios e os centros de saude mental, servic;:os de baixa 
resolutividade. Inexistiam servic;:os de natureza psicossocial que, na 
experiencia italiana, passaram a ser conhecidos como servic;:os fortes, 
devido a sua alta flexibilidade, mobilidade territonal, oferta diversificada 
cuidados e de estrategias assistenciais (Figura 1). 
750 POLiTiCAS E SISTEMA DE SAlJOE NO BRASIL 
Figura 1 - A rede de aten<,;ao a saude mentalna concep<,;ao do Ministerio 
da Saude 
PSF 
Familia 
Escola 
Fonle: Br~siL 2005. 
r 
PSF 
Associat;ao 
de bairro 
"* I/< Prat;as 
P5F~ 
Esportes 
PSF 
n.;,;'VL'a."VC~ eJou 
cooperativas 
Trabalho 
Alem das varias atividades realizadas no interior de urn Caps (ofi­
Clnas arte e trabalho, atendimentos individuais e/ou ern grupo aos usu­
arios e aos seus familiares, dentre outras), 0 maior potencial de sua capa­
cidade substitutiva esta na sua no territ6rio, seja na possibilidade de 
ativar atores e recursos comunitarios ern fun<,;ao dos objetivos e estrategi­
as de inclusao e integra<,;ao social (atividades culturais, esportivas, lazer, 
de trabalho), seja na transforma<,;ao da cultura da comunidade ern rela­
<,;ao a loucura e aos sujeitos em sofrimento mental. Um bom exemplo de 
trabalho com famllias em urn Caps pode ser encontrado em e 
. Tepensando a entre profissionais e 
miliares, Jonas Melman (2001). 
Sa(;de Men:a: Desinstitu:.onaliza,ao e Novas Estrategias de Cuidado 751 
Caractedsticas de urn servilto de atenltao psicossocial 'forte' 
" Atuar no sentido de substituir 0 modelo asilar 
o Disponibilizar oferta dinamica e diversificada de recursos e estrategias trans e 
multidisciplinares 
• Funcionar 24 inclusiye domingos e feriados 
• Atuar com base no territ6rio 
• Intervir de forma intersetorial, isto e, ativando recursos de varios setores 
sociais 
E 
A proposta de atem;:ao asaude da £"lmilia que vem sendo implantada 
no Brasil e, sem dllvida alguma, uma das mais importantes politicas 
publicas experimentadas no pais. Estrategia de Saude da Familia (ESF), 
como e denominada de forma mais apropriada atualmente, em atuac;:ao 
articulada com a saude mental no contexto da reforma psiquiatrica, o modelo assistencial da 
Estrategia de Salide darepresentam uma das mais efetivas e inovacloras frentes clo SUS. Ambas 
Familia e discutido nos 
partem de um mesmo principio, que e 0 da ruptura com 0 moclelo capitulos 15 e Hi. 
biomedico, cujas caracterfsticas principais sao a centraliclade do hospital Consulte. 
no modelo assistencial, 0 especialismo exacerbado, a predominancia da 
relac;:ao meclico-doenc;:a e nao a relac;:ao sujeito-sujeito, dentre outras. 
Por isso, e muito importante que, nas atividades cle atenc;:ao 
psicossocial, tanto dos Caps quanto clos demais servic;:os (hospitais-dia, 
ambulat6rios, uniclacles psiquiatricas em hospitais etc.) e dispositivos 
(centros de convivencia, oficias, projetos de residencialidacle, projetos 
culturais, de gerac;:ao de rencla e de insen;:ao social), esteja presente 
a articulac;:ao com a eguipe de saude da famflia. 
Os programas cle sallde mental de muitos mumdpios orgamzam 
estrategias de apoio matricial as eguipes de saude cla famllia, isto e, estrategias 
apoio permanente e consistente as equipes de saude da famniano !idar 
com os problemas de sofi-imemo psfquico na comunidade. Trata-se nao apenas 
de realizar supervisoes regulares, mas organizar outras formas de 
cooperac;:ao que vaG desde prestaI' consultas em conjunto, fazer visitas 
domiciliares, organizar estudos de situac;:oes clinicas mais complexas etc. 
Antonio Lancetti (2002) considera que a atenc;:ao a saude mental 
no contexto da saude da familia pode significar a institucionalizac;:ao 
radical proposta pela reforma psiquiatrica, na medida em gue, ao cuidar 
das pessoas em casa, fortalece os recursos espontaneos e originais das 
pr6prias famflias e e\Tita que 0 sujeito em sofrimento seja introduziclo na 
carreira de doente mental produzida pelos hospitais psiquiatricos e outros 
752 POli~iCA5 E SISTEMA DE SAljDE NO B~ASL 
recursos e terapeu ticas da psiquiatria tradicional. Lancetti entende ain­
da que a saude mental na saude da famllia possibilita urn processo que 
pode ser denominado de complexidade invertida. Explicando: na sau­
de, de uma maneira geral, a assistencia e oferecida em graus crescentes 
de complexidade, isto e, vai dos cuidados mais basicos (aten<;~LO basica), 
ou primarios (aten<;ao primaria) ate os mais nfveis mais sofisticados (as­
sistencia medico-cirurgica hospitalar hiperespecializada). Ao contrario, 
o nivel hospitalar na psiquiatria e 0 que dispoe do tratamento mais ele­
mental'. 0 mais padronizado e menos individualizado: eletrochoques 
como medidas punitivas. celas-fortes, proibit;:oes, coqueteis de medica­
mentos que atuam no sistema nervoso central, intolerancias, violencias 
etc. It no ambito do territ6rio, da saude da familia, que as at;:oes sao mais 
complexas, mais voltadas para os sujeitos e suas famllias, pois deve con­
tribuir para que a familia modifique sua maneira de relacionar-se com 0 
usuario, a tomar decisoes a este respeito; orientar os vizinhos, participar 
das decisoes da comunidade, mudar a cultura em relat;:ao aos problemas 
mentais. 
Embora ainda nao existam muitas publicat;:oes sobre a relat;:ao sau­
de mental e saude da familia, a coletanea Saudeloucura 7 (2002), organi­
zada por Lancetti, e 0 livro Sazlde lvIental na Sazlde da Familia: mbsidios 
jJara 0 trabalho assistencial, de Alice Bottaro de Oliveira, Marcos Antonio 
Vieira e Socorro Andrade (2006) sao referencias que auxiliam suficiente­
mente a compreensao dos principais aspectos envolvidos. 
DA REFOPJ1f\ PERSPECTIVAS DE 
Como vimos, com a repercussao politica positiva da experiencia 
santista iniciada em 1989, em outubro daquele mesmo ano, foi apresentado 
um projeto de lei de auroria do deputado Paulo Delgado que propunha a 
extin<;ao progressiva dos hospitais psiquiatricos e sua substituic;ao por 
outras formas de assistencia, na mesma linha dos recursos psicossociais e 
culturais implantados em Santos. 
Mas, corn a resisH~ncia organizada dos proprietarios hospitais 
psiquiatricos, que mobilizaram inclusive familiares, desinformados e 
assustados, e setores mais conservadores da universidade, foi muito dificil 
a aprovac;ao do projeto de lei tal como apresentado originalmente. POI' 
fim, em 27 de marc;o de 2001, a Lei da Reforma Psiquiatrica foi aprovada; 
nao mais 0 projeto original (PL 3.657/89), mas um substitutivo que, 
sancionado em 6 de abril do mesmo ano, se tornou a lei 10.216/2001. 
Embora 0 texto aprovado tivesse excluido a proposta de extin<;ao dos 
hospitais psiquiatricos da rede de recursos assistenciais em saude mental, 
Saude Mental, Desinstitucionaliza,ao e Novas Estrategias de Cuidado 753 
representou urn significativo avan<,;o e uma vitoria inquestionavel da luta 
do movimento antimanicomial brasileiro, ao revogar a legisla<,;ao arcaica, 
em vigor desde 1934, e ao abrir a possibilidade e legitimar a nova politica 
de reforma psiquiatrica. Por outro lado, durante os quase doze anos de 
sua tramita<,;ao acabou por inspirar oito leis estaduais de reforma 
psiquiatrica (RS, PE, RN, MG, PR, DF e ES), e urn incontavel mimero 
de experiencias locais e de associa<,;oes de usuarios e familiares. 
A trata fundamentalmente dos direitos e da prote<,;ao 
das pessoas com transtornos mentais, alem de estimular 0 tratamento em 
regime comunitario e nao hospitalar. Em seu artigo 2Q , determina que, 
nos atendimentos em saude mental, de qualquer natureza, a pesso a e seus 
familiares ou responsaveis serao formalmente informados dos direitos 
enumerados no paragrafo unico deste artigo (tais como ser tratada com 
humanidade e respeito; ser protegida contra qualquer forma de abuso e 
explora<,;ao; ter garantia de sigilo nas informa<,;oes prestadas; ter direito a 
presen<,;a medica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou nao 
de sua hospitaliza<,;ao involuntaria; ter livre acesso aos meios de comunica<,;ao 
disponfveis; receber 0 maior numero de iniorma<,;oes a respeito de sua doen<,;a 
e de seu tratamento; ser tratada em ambiente terapeutico pelos meios menos 
invasivos posslveis; ser tratada, preferencialmente, em servi<,;os comunitarios 
de salide mental, dentre outros). 
Outro ponto importante da lei e a obrigatoriedade de 0 responsavel 
tecnico do estabelecimento comunicar, ao Ministerio Publico Estadual, a 
interna<,;ao psiquiatrica involuntaria. Esta inova<,;ao passou a produzir 
efeitos muito interessantes ao envolver 0 MPE nas atividades e 
responsabilidades de prote<,;ao das pessoas em sofrimento mentaL 
Lei n. 10.216, de 6 de abril de 2001 (Lei da Reforma Psiquiatrica) 
Disp6e sobre a protec;:ao e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais 
e redireciona 0 modelo assistencial em saude mental. 
o PRESIDENTE DA REPUBLICA 
Fac;:o saber que 0 Congresso N acional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: 
ATt 1Q Os direitos e a protec;:ao das pessoas acometidas de transtorno mental, de 
que trata esta Lei, sao assegurados sem qualquer forma de discriminac;:ao quanto a 
rac;:a, cor, sexo. orientac;:ao sexual, religiao, opc;:ao polftica, nacionalidade, idade, 
famma, recursos economic os e ao grau de gravidade ou tempo de evoluc;:ao de seu 
transtorno, ou qualquer outra. 
Art 2Q Nos atendimentos em saude mental, de qualquer natureza, a pessoa e seus 
familiares ou responsaveis serao formalmente cientificados dos direitos enumerados 
no paragrafo unico deste artigo. 
Paragrafo unico. Sao direitos da pessoa porladora de transtorno mental: 
I - ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saude, consent'lneo as suas 
necessidades; 
II - ser tratada com humanidade e I'espeito e no interesse exclusivo de beneficiar 
sua saude, visando alcan<.;ar sua recupera<.;ao pela inser<.;ao na familia, no trabalho 
e na comunidade: 
III - ser protegida contra qualquer forma de abuso e explora<.;ao; 
IV - ter garantia de sigilo nas informac;6es prestadas; 
V - ter direito a presen<.;a medica, em qualquer tempo, para esclarecer a 
necessidade 01ln3.0 de sua hospitalizac;ao involuntaria; 
VI - ter livre acesso aos meios de comunicac;ao disponfveis: 
VII receber 0 maior mimero de informac;6es a respeito de sua doen<.;a e de seu 
tratamento; 
VIII - ser tratada em ambiente terapeutico pelos meios menos invasivos pOSSlveiS; 
IX - ser tratada, preferencialmente, em servic;os comunitarios de sallde mental. 
Art 3Q Eresponsabilidade do Estado 0 desenvolvimento da polftica de saude 
mental, a assistencia e a promo<.;ao de a<.;6es de saude aos portadores de transtornos 
mentais, com a devida participa<.;ao da sociedade e da familia, a qual sera prestada 
em estabelecimento de saude mental, assim entendidas as instituic;6es ou unidades 
que oferec;am assistencia em saude aos portadores de transtornos mentais. 
Art 4Q A internac;ao, em qualquer de suas modalidades, 56 sera indicada quando 
os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes. 
§ 1Q 0 tratamento visara, como finalidade permanente, a reinser<.;ao social do 
paciente em seu meio. 
§ 2Q 0 tratamento em regime de interna<.;ao sera estruturado de forma a oferecer 
assistencia integral apessoa portadora de transtornosmentais, incluindo servi<.;os 
medicos, de assistencia social, psico16gicos, ocupacionais, de lazeI', e outros. 
§ 3Q Evedada a interna<.;3.o de pacientes portadores de transtornos mentais em 
instituic;6es com caracteristicas asilares, ou seja, aquelas desprovidas dos recur50S 
mencionados no § 2Q e que nao assegurem aos pacientes os direitos enumerados 
no paragrafo tinieo do art. 2Q. 
Art 5Q 0 paciente ha longo tempo hospitalizado on para 0 qual se caracterize 
situac;ao de grave dependencia institucional, decorrente de seu quadro clfnico 
ou de ausencia de suporte social, sera objeto de polftica espedfica de alta planejada 
e reabilita<.;ao psicossocial assistida, sob responsabilidade da autoridade sanitaria 
competenre e supervisao de inst~mcia a ser definida pelo Poder Executivo, 
assegurada a continuidade do tratamento, quando necessario. 
Art. 6Q A internac;ao psiquiatrica somente sera realizada mediante lalldo medico 
circunstanciado que caracterize os seus motivos. 
Paragrafo unico. Sao considerados os seguintes tipos de interna<;;ao psiquiatrica: 
1- interna<.;ao voluntaria: aquela que se da com 0 consentimento do usuario; 
II - interna<;;ao involuntiria: aquela que se da sem 0 consentimento do usuario e 
a pedido de terceiro; e 
III - interna<.;ao compuls6ria: aquela determinada pelaJusti<.;a. 
Art. 7Q A pessoa que solicita voluntariamente sua interna<.;ao, ou que a consente, 
deve assinar, no momento da admissao, uma declara<.;ao de que optou pOl' esse 
regime de tratamento. 
Saude Mental, Desinstitucionaliza,iio e Novas Estrategias de Cuidado 755 
unico. 0 termino da voluntaria dar-se-a por solicitac:;ao es­
crita do paciente ou por determinac:;ao do medico assistente. 
Art. 8Q A internac:;ao voluntaria ou involuntaria somente sera autorizada por me­
dico devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina - CRM do Estado 
onde se localize 0 estabelecimento. 
§ 10 A internac:;ao psiquiatrica involuntaria devera, no prazo de setenta e duas 
ser comunicada ao Ministerio Publico Estadual PeIO responsavel tecnico 
do estabelecimento no qual tenha ocon-ido, devendo esse mesmo procedimento 
ser adotado quando da respectiva alta. 
§ 2° 0 termino da internac:;ao involuntaria dar-se-a por solicitac:;ao escrita do 
familiar, ou responsavellegal, ou quando estabelecido pelo responsavel 
pelo tratamento. 
Art. 9Q A internac:;ao compulsoria e determinada, de acordo com a legislac:;ao 
vigente, pelojuiz competente, que levara em conta as condic:;6es de seguranc:;a do 
estabelecimento, quanto a salvaguarda do paciente, dos demais internados e 
funcionarios. 
Art. 10 Evasao, transferencia, acidente, intercorrencia cHnica grave e falecimento 
serao comunicados pela do estabelecimento de saude mental aos familiares, 
ou ao representante legal do paciente. bem como aautoridade sanitaria responsavel, 
no prazo maximo de vinte e quatro horas da data da ocorrencia. 
Art. 11 Pesquisas cientfficas para fins diagnosticos ou terapeuticos nao poderao 
ser realizadas sem 0 consentimento expresso do paciente, ou de seu representante 
legal, e sem a devida comunicac:;ao aos conselhos profissionais competentes e ao 
Conselho ~acional de Sauck 
Art. 12 0 Conselho "t\acional de Saude, no ambito de sua criara comissao 
nacional para acompanhar a implementac:;ao desta Lei. 
Art. 13 Esta Lei entra em vigor na data de sua publicac:;ao. 
Brasilia, 6 de abril de 20tH; 1800 da Independencia e 113 0 da Republica. 
Fernando Cardoso 
] ose Gregori 
Jose Serra 
Roberto Brant 
A psiquiatrica brasileira ,'em sendo constitufda com base 
na no(,;ao processo social complexo, que permite, dentre outros 
aspectos, a ideia de uma simples reorganiza(,;ao do modelo 
assistencial, fato que oconeu em outras experiencias europeias e na norte­
americana de reforma psiquiatrica. Assumir a no(,;ao de processo social 
complexo significa dizer que na~ existe ° processo, ou um s6 processo 
reforma psiquiatrica; mas processos, na medida em que sao oconencias 
756 PO~iTICA5 E SIS',MA SAU), NO BRASIL 
As caractedsticas do 
cuidado ao doente 
cronico sao discutidas no 
capitulo 32. Compare. 
locais e historicas, com atores sociais e conjunturas especificas, singula­
res e diferenciadas. Por outro lado, a ideia de processo leva a pensar em 
movimento, com permanente renova<;ao de atores, conceitos e principios. 
Assim e, que um processo social complexo implica varias dimensoes 
simult;:lneas e interdependentes. A primeira destas dimens6es e 
epistemologica, que remete a repensar, desconstruir e reconstruir varios 
conceitos fundamentais do modelo cientifico, isto e, do paradigma da 
psiquiatria. 0 principal conceito se refere ao objeto da ciencia psiquiatrica: 
a aliena<;;ao mental (que posteriormente passou a ser denominada de 
'doen<;;a mental' e, atualmente, de 'transtorno mental', mas que, em ultima 
instfmcia, tern 0 mesmo significado: a perda da razao!). Outro conceito 
em processo de desconstru<;;ao e 0 de cura, como ideia de cone<;;ao, ou de 
normatiza<;;ao proveniente do principio da 'normalidade', como ideal 
teleologico, sinonimo ora de perfei<;;ao, ora de felicidade. 
A dimensao tecnico-assistencial, ou seja, a dimensao que trata da 
organiza<;;ao e dos princfpios do cuidado e absolutamente redefinida 
quando surge como consequencia ou associada a transforma<;;ao na 
dirnensao anterior. Exemplificando, no paradigrna psiquiatrico, na 
rnedida em que 'aliena<;;ao mental' e sinonirno de eno ou periculosidade, 
dentre outros significados negativos, 0 modelo assistencial e baseado, 
como vimos, na tutela, na vigilancia, na disciplina, no controle e na 
regenera<;;iio dos individuos. Foi desta forma que nasceu e floresceu 0 
modelo asilar, manicomial, hospitalar da psiquiatria. Se na dimensao 
epistemologica estes significados forern desmontados conceitualrnente, 
como reflexo na dirnensao tecnico-assistencial, a organiza<;;ao de servi<;;os 
se tornara. voltada para 0 cuidado, para 0 acolhirnento, para a constru<;;ao 
de espa<;;os de escuta, de sociabilidade, de produ<;;ao de subjetividade, 
de vida, e nao de controle e vigilancia, e nao de puni<;;ao e segrega<;;ao. 
Este e 0 principio geral dos servi<;;os de aten<;ao psicossocial e das novas 
estrategias e dispositivos. 
A terceira dirnensao e a juridico-polftica. U rna faceta desta dirnensao 
esta calcada nos aspectos legais que tratarn do tema da loucura. Tanto 0 
codigo civil quanto 0 penal sao absolutamente arcaicos na materia da 
reforma psiquiatrica. Referem-se ainda a "loueos de todo 0 genero" 1 a 
"inesponsabilidade civil" ,ea tantos outros aspectos discriminatorios, 
estigmatizantes e preconceituosos contra as pessoas em sofrirnento mental. 
Mas, a outra faceta - a da politica - pode conter grandes avan<;;os, pois 
trata da questao das praticas de cidadania. Ou seja, da possibilidade 
de construir espa<;;os reais de produ<;ao de possibilidades de vida, tais 
como cooperativas de trabalho ou projetos de gera<;;ao de renda para 
pessoas corn desvantagem social (e nao apenas corn diagnosticos de 
Saude Mental, Desinstitucionaliza,ao e Novas Estrategias de Cuidado 757 
transtorno mental); de construir programas de participa<;ao e ingresso 
social, dentre outras estrategias, que viabilizem efetivamente a participa<;ao 
cidada de pessoas nas varias possibilidades da vida coletiva. 
Por fim, ha a dimensao sociocultural; ou seria esta uma dimensao 
que resultaria de todas as demais? Pois, certamente, uma caracteristica do 
processo brasileiro de reforma psiquiatrica e 0 forte investimento no campo 
sociocultural, com uma pluralidade de iniciativas que contribuem para que 
a sociedade possa refletir sobre a questao da loucura e transformar sua 
rela<;ao com a mesma e com as pessoas com ela identificadas. 
N a atualidade, concordam autores e organismos internacionais, 0 
processo brasileiro de reforma psiquiatrica e urn dos mais importantes e 
originais em todo 0 mundo. Em parte, isto ocorre em consequencia do 
proprioSUS. 0 funcionamento regular do SUS possibilita que os 
militantes do processo de reforma psiquiatrica participem dos Conselhos 
Municipais e Estaduais e do Conselho Nacional de Saude, e interfiram 
efetivamente nas pollticas publicas de saude mental e aten<;ao psicossocial. 
Outro mecanismo de participa<;ao tambem muito importante sao as 
Conferencias de Saude Mental. Mas, a ausencia de uma periodicidade 
regular - como vimos, foram realizadas apenas tres (1987, 1992,2001) 
desde a 8~ CNS - enfraquece esta estrategia democratica de controle e 
participa<;ao social. Por exemplo, apos a 12~ CNS, realizada em dezembro 
de 2003, esperava-se que fosse convocada a IV Conferencia Nacional de 
Saude Mental. Ao contrario, alem de nao ter sido convocada, foram 
realizados pelo SUS alguns congressos nacionais de servi<;os com algumas 
caracteristicas preocupantes. U rna delas, 0 fato de serem congressos de 
tecnicos, sem a participa<;ao paritaria, prevista constitucionalmente, 
de usuarios e familiares como representantes da sociedade civil. Outra, 0 
fato de serem congressos especializados, isto e, dedicados exclusivamente 
a urn tipo de servi<;o, 0 que implicaria que 0 aperfei<;oamento estaria na 
dependencia exclusiva de medidas cientificas ou administrativas oriundas 
do campo tecnico. Finalmente, pelo fato de serem encontros de servi<;os 
isolados, no momenta em que toda a politica de saude esta voltada para a 
constru<;ao de redes, de intersetorialidade, de integralidade. 
U rna das for<;as mais expressivas do processo brasileiro de reforma 
psiquiatrica esta no fato de ser baseado em urn forte e permanente 
movimento social, no qual se destacam 0 Movimento N acional de Luta 
Antimanicomial, que ja realizou varios encontros nacionais, com centenas 
de participantes, e as associa<;6es de usuarios e familiares (existem dezenas 
de associa<;6es desta natureza) que ja realizaram varios encontros 
municipais, estaduais e nacionais, todos com ampla participa<;ao. 
758 POLITICAS E SISTEMA DE SAUDE NO BRASIL 
o principal objetivo da reforma psiquiatrica e a possibilidade de 
transforma<;;ao das rela<;;oes que a sociedade, os sujeitos e as institui<;;oes 
estabeleceram com a loucura, com 0 louco e com a doen<;;a mental, 
conduzindo tais relat;oes no sentido da superat;ao do estigma, da segregat;ao 
e da desqualifica<;;ao dos sujeitos ou, ainda, no sentido de estabelecer com a 
loucura uma rela<;;ao de eoexisteneia, de troea, de solidariedade, de 
positividade e de euidados. :t 0 que se deseja para nossa realidade. 
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