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SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ............................................................................................................................. 6 1 ASPECTOS INTRODUTÓRIOS, BREVE PANORAMA HISTÓRICO E GRANDES SISTEMAS JURÍDICOS DO OCIDENTE .............................................................................................................. 8 1.1 Em busca de um conceito ................................................................................................... 8 1.2 Não confundir. Direito X Ciência do Direito ........................................................................ 9 1.3 O Direito (quer dizer, a Ciência do Direito) é, realmente, uma ciência? ............................. 9 1.4 Breve panorama histórico ................................................................................................. 10 1.4.1 Antiguidade clássica ....................................................................................................... 11 1.4.1.1 Grécia .......................................................................................................................... 11 1.4.1.2 Roma ........................................................................................................................... 11 1.4.1.3 Israel e cristianismo ..................................................................................................... 12 1.4.2 Idade Média ................................................................................................................... 13 1.4.2.1 Idade Moderna: Renascentismo, Reforma Protestante, e Iluminismo ....................... 14 1.4.3 Idade Contemporânea ................................................................................................... 15 1.4.3.1 Revolução Francesa e Estado Legislativo .................................................................... 15 1.4.3.2 Uma evolução paralela. A experiência anglo-americana ............................................ 17 1.4.3.3 Positivismo Jurídico ..................................................................................................... 18 1.4.4 Estado Constitucional. Pós-positivismo ou positivismo crítico ...................................... 19 1.4.4.1 Neoconstitucionalismo ................................................................................................ 20 1.5 Grandes sistemas jurídicos do Ocidente. Civil law e common law ................................... 20 1.5.1 Civil law .......................................................................................................................... 21 1.5.2 Commom law ................................................................................................................. 22 1.5.3 E o Brasil nessa história toda? ........................................................................................ 23 1.6. Apêndice: Civil law e common law: quadro esquemático comparativo .......................... 25 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS PARA A SEÇÃO 1 .................................................................... 25 2 ESCOLAS DO PENSAMENTO JURÍDICO ..................................................................................... 28 2.1 Jusnaturalismo (ou Direito Natural) .................................................................................. 28 2.2 Contratualismo .................................................................................................................. 29 2.3 Escola de Exegese .............................................................................................................. 30 2.4 Historicismo Jurídico e orientação sociológica do Direito (ou Sociologismo Jurídico) ..... 30 2.5 Positivismo Jurídico ........................................................................................................... 31 2.5.1 Pós-Positivismo ou Positivismo Crítico........................................................................... 33 2.5.2 Neoconstitucionalismo ................................................................................................... 34 2.6 Direito e linguagem ........................................................................................................... 35 2.7 Pensamento jurídico crítico e Direito alternativo ............................................................. 35 2.8 Realismo jurídico ............................................................................................................... 36 2.9 Libertarianismo ................................................................................................................. 36 Apêndice (Seção 2): Escolas do pensamento jurídico em poucas palavras ............................ 37 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS PARA A SEÇÃO 2 .................................................................... 38 3 TEORIA DA NORMA JURÍDICA .................................................................................................. 40 3.1 Introdução ......................................................................................................................... 40 3.2 Estudo das Normas Jurídicas ............................................................................................. 41 3.2.1 Princípios e Regras ......................................................................................................... 41 3.2.2 Ideologia dinâmica da interpretação. Diferença entre texto e norma .......................... 42 3.3 Definição de regra jurídica ................................................................................................ 43 3.3.1 Definição de regra .......................................................................................................... 44 3.3.1.1 Regras descritivas e regras de experiência ................................................................. 44 3.3.1.2 Regras morais .............................................................................................................. 45 3.3.1.3 Regras jurídicas ........................................................................................................... 45 3.4 Sanção. Característica básica da regra jurídica ................................................................. 45 3.5 Tipos de regras jurídicas .................................................................................................... 46 3.6 Princípio geral de legalidade ............................................................................................. 47 3.7 Estrutura da regra jurídica ................................................................................................ 48 3.8 Aplicação da regra jurídica ................................................................................................ 49 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS PARA A SEÇÃO 3 .................................................................... 50 4 TEORIA DO ORDENAMENTO JURÍDICO .................................................................................... 51 4.1 Introdução. Do estudo da norma jurídica ao estudo do ordenamento jurídico ............... 51 4.2 Fontes do Direito ............................................................................................................... 51 4.2.1 Fontes materiais e fontes formais .................................................................................. 51 4.2.2 A lei enquanto fonte do Direito. Lei em sentido material e lei em sentido formal ....... 53 4.2.2.1 Princípio geral de legalidade (artigo 5º, II, da CRFB) e lei em sentido material.......... 55 4.2.2.2 Princípio da legalidade estrita (ou de reserva de lei) e lei em sentido formal ........... 55 4.2.3 As chamadas “fontes subsidiárias do Direito”. Uma breve análise do artigo 4º do DecretoLei 4.657/1942 (“Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro”, ou a antiga “Lei de Introdução ao Código Civil” – LICC) .................................................................................... 56 4.3 Construção escalonada do ordenamento jurídico ............................................................ 58 4.3.1 A norma fundamental kelseniana .................................................................................. 59 4.4 Coerência do ordenamento jurídico. Estudo dos critérios para supressão de antinomias ................................................................................................................................................. 60 4.4.1 Critério hierárquico ........................................................................................................ 60 4.4.2 Critério temporal ............................................................................................................ 60 4.4.3 Critério da especialidade ................................................................................................ 61 4.4.4 Conflito (ou tensão) entre princípios. O princípio da proporcionalidade ...................... 62 4.4.5 Completude do ordenamento jurídico........................................................................... 63 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS PARA A SEÇÃO 4 .................................................................... 65 5 NOÇÕES COMPLEMENTARES SOBRE “TÉCNICA JURÍDICA” ..................................................... 67 5.1 Direito objetivo e Direito subjetivo ................................................................................... 67 5.2 Direito material e Direito processual ................................................................................ 68 5.3 Hermenêutica (interpretação) jurídica ............................................................................. 69 5.3.1 Relembrando a teoria contemporânea da interpretação jurídica – ideologia dinâmica – diferença entre texto e norma ................................................................................................ 69 5.3.2 Diretrizes hermenêuticas (ou “regras de interpretação”) ............................................. 69 5.3.3 Algumas noções de hermenêutica constitucional ......................................................... 70 5.3.3.1 Interpretação de acordo com a Constituição .............................................................. 70 5.3.3.2 Interpretação conforme à Constituição ...................................................................... 71 5.3.3.3 Declaração de nulidade parcial sem redução de texto ............................................... 71 5.3.3.4 Aplicação direta de um direito fundamental ao caso concreto .................................. 72 5.4 Presunções (absoluta e relativa) e ficções jurídicas .......................................................... 72 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS PARA A SEÇÃO 5 .................................................................... 73 6 TEORIA DO FATO JURÍDICO ...................................................................................................... 74 6.1 Introdução. Do mundo dos fatos ao mundo do Direito .................................................... 74 6.2 Definição de fato jurídico .................................................................................................. 74 6.3 Classificações dos fatos jurídicos ...................................................................................... 75 6.3.1 Classificação quanto aos efeitos .................................................................................... 76 6.3.2 Classificação quanto ao elemento central do suporte fático ......................................... 76 6.4 Fato jurídico stricto sensu ................................................................................................. 78 6.5 Ato-fato jurídico ................................................................................................................ 79 6.5.1 Atos reais ou materiais ................................................................................................... 80 6.5.2 Atos-fatos jurídicos indenizativos (lícitos e ilícitos) ........................................................ 80 6.5.3 Atos-fatos jurídicos caducificantes ................................................................................ 81 6.6 Atos jurídicos lato sensu (lícitos) ....................................................................................... 81 6.6.1 Atos jurídicos stricto sensu ............................................................................................. 82 6.6.2 Negócios jurídicos .......................................................................................................... 82 6.7 Planos dos fatos jurídicos .................................................................................................. 83 6.7.1 Plano da existência ......................................................................................................... 84 6.7.2 Plano da validade ........................................................................................................... 84 6.7.2.1 Nulidade relativa (ou anulabilidade) ........................................................................... 85 6.7.2.2 Nulidade absoluta (ou nulidade de pleno direito) ...................................................... 85 6.7.2.3 Tabela comparativa. Nulidade absoluta e nulidade relativa ....................................... 87 6.7.3 Plano da eficácia ............................................................................................................. 87 6.8 Ilicitude .............................................................................................................................. 88 6.8.1 Uma primeira aproximação. Classificação dos atos ilícitos............................................ 88 6.8.2 Uma segunda aproximação. A unicidade e os graus da ilicitude ................................... 89 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS PARA A SEÇÃO 6 .................................................................... 92 INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO “SEM JURIDIQUÊS” Carlos Eduardo Rangel Xavier 6 de 92 APRESENTAÇÃO Eu sou Carlos Eduardo Rangel Xavier, Procurador do Estado do Paraná, mestre em Direito pela Universidade Federal do Paraná, professor universitário e responsável pelos canais no YouTube “Direito Sem Juridiquês” e “Teodidatas”. Atendendo a pedidos e sugestões, a apostila que vinha sendo utilizada para minhas aulas de Introdução ao Direito foi completamente revisada, remodelada, e transformada num e-book, numa parceria com o Instituto Angelicum. A experiência como professor universitário e o sucesso do Direito Sem Juridiquês, no YouTube,1 contribuíram significativamente para o formato e o conteúdo deste e-book. Aos conteúdos ministrados em sala de aula foram acrescentados os temas tratados no canal, e o resultado é este que agora chega a suas mãos, num conteúdo totalmente reformulado. Nesse sentido, uma das grandes novidades é que ao longo de todo o conteúdo escrito você hiperlinks remetendo aos vídeos do canal, o que permitirá turbinar os seus estudos de maneira poderosa. Na verdade, além de servir como material escrito para estudo, o próprio e-book serve como espécie de índice para os mais de 50 vídeos que compõem a playlist de Introdução ao Direito do canal. Não tivesse o material sido todo revisado, só isso já justificaria o seu ineditismo e a sua utilidade. Como a linguagem pretende ser a mais simples possível (“sem juridiquês,” é claro), o públicoalvo deste e-book constitui-se de pessoas ligadas ou não ao Direito. Seu leitor pode ser um profissional da área jurídica (um “operador do Direito”, como chamamos), um estudante universitário, um “concurseiro”, ou mesmo qualquer pessoa que tenha curiosidade em estudar o Direito. Nessa perspectiva, este é um material introdutório. Em breve pretendo lançar um curso completo sobre história e filosofia do Direito, do qual este e- book serve como prenúncio e vislumbre. 1 Quando do lançamento deste e-book, o canal já havia superado os 56 mil inscritos! INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO “SEM JURIDIQUÊS” Carlos Eduardo Rangel Xavier 7 de 92 Por fim, registra-se que, para permitir uma maior dinâmica na consulta à bibliografia para aprofundamento dos estudos, as referências bibliográficas, também com hiperlinks, serão colocadas ao final de cada seção. Espero, sinceramente, que este e-book possa ser muito útil nos seus estudos para a Faculdade, na sua preparação para provas de concursos ou, simplesmente, para que você possa compreender um pouco melhor o estágio atual do nosso Direito. Bons estudos! Carlos Eduardo Rangel Xavier INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO “SEM JURIDIQUÊS” Carlos Eduardo Rangel Xavier 8 de 92 1 ASPECTOS INTRODUTÓRIOS, BREVE PANORAMA HISTÓRICO E GRANDES SISTEMAS JURÍDICOS DO OCIDENTE 1.1 Em busca de um conceito O que é o Direito? O Direito é algo inerente à natureza humana (direito natural), ou o Direito é algo que depende de um ato de autoridade (direito positivo)? Essa é a grande pergunta a ser feita. Trata-se, nada mais, nada menos, da pergunta fundamental em termos de filosofia do Direito. Esta é uma pergunta tão antiga que ela pode ser encontrada, por exemplo, na tragédia grega Antígona, de Sófocles, já na antiguidade clássica. E, embora eu mesmo seja um jusnaturalista (alguém que defenda a existência de um direito natural), preciso esclarecer que o conceito de Direito que prevalece no meio acadêmico, no Brasil, hoje em dia, é um conceito de direito positivo. Assim, entende-se de forma mais ou menos consensual que o Direito é um conjunto de normas, impostas pelo Estado, cujo objetivo é regular o convívio social. Importante! Conceito de Direito (juspositivista): Conjunto de normas, impostas pelo Estado, cujo objetivo é regular o convívio social. Note que essa é a definição do Direito positivo. Poderíamos, se quisermos apresentar uma definição jusnaturalista de Direito, podemos, simplesmente, retirar a ideia de coerção estatal. Ou seja, o Direito natural é algo que não guarda qualquer relação com sua imposição pela parte do Estado. Nesse sentido, não haveria diferença entre o Direito e a moral – porque, numa perspectiva positivista, o que diferencia as regras jurídicas das regras morais é, exatamente, a sua imposição pelo Estado. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO “SEM JURIDIQUÊS” Carlos Eduardo Rangel Xavier 9 de 92 1.2 Não confundir. Direito X Ciência do Direito Já neste momento é importante fazer um esclarecimento básico, também decorrente da prevalência de uma concepção positivista no meio acadêmico brasileiro. O conceito apresentado é o conceito de Direito, enquanto fenômeno da sociedade humana. Este (o Direito) é objeto de estudo da Ciência do Direito. A Ciência do Direito é o que estudamos na Faculdade, ou num e- book como este. Por um fenômeno de linguagem chamado de metonímia, a Ciência do Direito é chamada, muitas vezes, pelo nome do seu próprio de estudo. Assim, não raro o termo Direito é empregado como sinônimo da expressão Ciência do Direito. 1.3 O Direito (quer dizer, a Ciência do Direito) é, realmente, uma ciência? Essa pergunta já deu muito pano para a manga ao longo da história. Houve quem negasse o caráter científico do Direito a partir da constatação de que apenas em razão da caneta do legislador bibliotecas de livros jurídicos podem se tornar ultrapassadas. A afirmação não deixa de ser verdadeira. Contudo, a mesma palavra grega que é traduzida por “ciência” (gnosis) é também – na verdade, é melhor – traduzida por “conhecimento.” Assim, uma vez que é inegável ser possível a produção e o acúmulo de conhecimentos jurídicos, sob essa perspectiva o Direito pode, sim, ser considerado uma ciência. Alguns autores chamam isso de “experiência jurídica.” Importante! O Direito é uma ciência? Do ponto de vista da possibilidade de acúmulo de conhecimento, sim. Embora o Direito seja uma ciência humana, a tentativa de considerá-lo como uma ciência exata é o que está por trás do surgimento do Positivismo Jurídico. Este (o Positivismo Jurídico) foi a expressão, no Direito, do pensamento positivista, movimento mais amplo que dominou a mentalidade INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO “SEM JURIDIQUÊS” Carlos Eduardo Rangel Xavier 10 de 92 europeia durante o Século XIX, cuja premissa era exatamente tratar as ciências humanas como se fossem ciências naturais (ou exatas). O Positivismo Jurídico, enquanto metodologia científica, aplicou a forma de funcionamento própria das ciências exatas ao Direito, quer dizer, o método descritivo.2 De fato, esse foi um passo muito importante na evolução do pensamento jurídico. Contudo, o tratamento puramente descritivo do Direito (método positivista), acabou se confundindo com uma ideologia, identificada como “Direito livre de valor” (ideologia positivista). Em determinado momento da história, no entanto, essa ideologia não se tornou mais aceitável. Mas isso será considerado no momento certo. Por ora, é importante fixar que o positivismo jurídico, enquanto método científico, é descritivo; enquanto ideologia, trata o Direito como sendo livre de valor. 1.4 Breve panorama histórico Uma abordagem histórica, ainda que superficial em razão de nossa limitação de espaço no momento, deve ser realizada, com o objetivo de extrairmos, dos períodos históricos considerados, algumas informações importantes para a compreensão, especialmente, das chamadas “Escolas do Pensamento Jurídico”, assunto de nossa próxima seção. A linha do tempo com a qual iremos trabalhar, assim, abrange, sumariamente, os seguintes períodos e/ou marcos: - Antiguidade Clássica (Grécia, Roma Israel e cristianismo); - Idade Média; - Idade Moderna; - Idade Contemporânea: Revolução Francesa, Estado de Direito/Estado Legislativo e Estado Constitucional. 2 Toda ciência exata funciona a partir da simples observação e descrição de fatos do tipo: eu deixei cair o objeto X de uma altura Y e ele atingiu o chão em Z segundos (e a partir dessa observação se deduz uma fórmula matemática); ou, então, às X horas da noite eu apontei meu telescópio na direção Y e lá estava a constelação Z; e assim por diante. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO “SEM JURIDIQUÊS” Carlos Eduardo Rangel Xavier 11 de 92 1.4.1 Antiguidade clássica 1.4.1.1 Grécia Na Grécia antiga, o Direito era considerado, mais do que apenas o resultado da democracia direta experimentada na polis, como o fruto da razão (logos) humana. Era possível, assim, que uma lei editada pela polis contrariasse à razão e, dessa maneira, fosse considerada como contrária ao Direito. Essa compreensão de que o Direito é algo inerente à natureza das coisas é chamada de“Jusnaturalismo”. Fala-se, nessa perspectiva, de “Direito natural”, ou “lei natural”. 1.4.1.2 Roma Na Roma antiga, as coisas já se passavam de forma diferente. Se os gregos eram marcados pela arte e pela filosofia, os romanos eram marcados pala força, pelo pragmatismo e pela organização política. Em Roma, podemos identificar uma distinção relevante, traduzida, nos dias atuais, entre direito público e direito privado. As “leis”, aprovadas pelo Senado romano (ou outros órgãos legislativos) em um período de aproximadamente 500 anos (cerca de 800 cujo nome foi preservado) tratavam, basicamente, de questões de direito público. Vale dizer, diziam respeito a questões de interesse do Estado, ou de como os cidadãos se relacionavam com o Estado. Das 800 leis mencionadas, apenas 25 são apontadas como tendo real importância para o direito privado. Isso porque as relações entre os particulares (“direito privado”) eram resolvidas por meio de fórmulas jurídicas indicadas pelos magistrados (juízes) para a solução dos casos concretos. Originalmente, a fonte do direito privado romano era o costume. Mas o costume, enquanto fonte do Direito, apenas pode ser revelado por meio das decisões judiciais. Pouco a pouco, a ideia do costume como fonte de direito foi sendo substituída pela ideia da decisão judicial como fonte de Direito. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO “SEM JURIDIQUÊS” Carlos Eduardo Rangel Xavier 12 de 92 Essas fórmulas jurídicas indicadas pelos magistrados para a solução de casos concretos foram sendo paulatinamente compiladas, dando origem a um Direito romano “codificado” que foi muito importante no período histórico subsequente (a Idade Média).3 Assim, o direito privado romano era um direito de criação pretoriana (quer dizer, era criado pelos juízes). 1.4.1.3 Israel e cristianismo Após a saída do povo de Israel do Egito, durante os 40 anos em que andaram errantes pelo deserto, o Senhor (Javé) entregou a lei a Moisés. Esta lei é encontrada nos livros de Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. A lei mosaica é não apenas um código que regulamentava a vida civil do povo hebreu ou os sacrifícios que deveriam ser oferecidos a Deus pelo povo hebreu. Ela também contém um núcleo que revela a santidade de Deus, que pode ser identificado como “lei moral”. Na verdade, se pensarmos nas Escrituras como reveladoras de uma “lei moral” e, consequentemente, de um “direito natural” de origem divina, podemos falar em “Jusnaturalismo teológico”. Na perspectiva da Teologia cristã, o chamado de Israel e a entrega da lei mosaica têm um papel importante no processo de autorrevelação de Deus na história da humanidade. Mas o ponto culminante deste processo de revelação é a pessoa de Jesus Cristo. De acordo com o Evangelho segundo João, capítulo 1, versos 1 e 14, Cristo é o “Logos” (a “Razão”) de Deus que se fez homem. Numa perspectiva cristã (cristocêntrica, podemos dizer) a “Lei natural” coincide tanto com a vontade quanto com a razão de Deus. Essa era a abordagem de Agostinho de Hipona. Isso também se percebe em Tomás de Aquino, a partir da divisão que ele faz entre “Lei eterna” (somente conhecida por meio de revelação), “Lei natural” (possível de apreensão pelos homens por 3 É importante não confundir esse Direito Romano “codificado,” que dizia respeito à coletânea de fórmulas extraídas de decisões judiciais, com os “Códigos” contemporâneos, que nada mais são do que leis de grande extensão (que pretendem tratar exaustivamente de determinado assunto). INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO “SEM JURIDIQUÊS” Carlos Eduardo Rangel Xavier 13 de 92 meio da razão) e de “Lei positiva” (o direito positivo aprovado pelos seres humanos). Na própria tradição cristã, a separação entre a vontade de Deus e a racionalidade só foi acontecer na transição da Idade Média para a Idade Moderna (sendo algo com que o principal pensador cristão deste período, Tomás de Aquino, já citado, já citado, jamais concordaria). Os responsáveis por esta transição, cada um a seu modo, foram o voluntarista Duns Escoto, o nominalista e empirista Guilherme de Occam (os dois primeiros ainda da Idade Média) e o racionalista Hugo Grócio (este já na Idade Moderna). 1.4.2 Idade Média A Idade Média tem início com a queda do Império Romano no Ocidente (476 d.C.) e termina com a queda do Império Romano do Oriente (1453 d.C.). Desse período tão peculiar da história humana, os conceitos que nos interessam são os seguintes. Embora derrotados no Ocidente, os romanos deixaram o seu Direito como legado para os bárbaros que os conquistaram. O Direito Romano “codificado,” já mencionado, passou a ser a fonte primária do Direito na Europa medieval. Surgiram, então, comentaristas que estudavam o Direito Romano, fazendo comentários (também chamados de glosas). Esses comentaristas eram chamados “glosadores,” e essa foi a atividade que deu origem às primeiras Faculdades de Direito (especialmente na Itália). Outro aspecto em que os romanos não foram derrotados foi no religioso. Ao tempo da queda do Império ocidental, a Igreja Católica Romana começava a se consolidar enquanto instituição, e influenciou de forma bastante forte toda a civilização europeia ao longo da Idade Média. Desenvolveu-se o chamado “Direito Canônico” (Direito da igreja), com uma característica bastante peculiar, já que os dogmas do magistério da igreja e a doutrina da infalibilidade papal transformaram a vontade de Deus na vontade de uma instituição humana (a Igreja Católica Romana) e, particularmente de um homem (o bispo de Roma, o vigário – substituto – de Cristo). INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO “SEM JURIDIQUÊS” Carlos Eduardo Rangel Xavier 14 de 92 Esse foi o principal pano de fundo para que a vontade de Deus fosse desatrelada de uma perspectiva racional (aspecto já comentado anteriormente), uma vez que diversas atrocidades foram cometidas, ao longo da História, pela Igreja Romana. E se essa igreja, enquanto instituição, e por sua exclusiva autoridade, revelaria a vontade de Deus, logo a vontade de Deus poderia passar a ser considerada como em desacordo com a razão (o que contraria, como visto, o ensino de Agostinho). Por fim, o último aspecto a ser considerado acerca da Idade Média é o desenvolvimento do “absolutismo monárquico”. Todas as funções do Estado (que hoje identificamos como Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário), passaram a ficar concentrados em uma só pessoa, o Rei, cuja fonte de autoridade, inclusive, era considerada como sendo divina. 1.4.2.1 Idade Moderna: Renascentismo, Reforma Protestante, e Iluminismo A Idade Moderna, que se seguiu ao período medieval, é marcada por três grandes movimentos: o Renascimento, a Reforma Protestante e o Iluminismo. O Renascimento foi um movimento, com cunho mais artístico e estético do que propriamente religioso ou filosófico, que objetivou um retorno aos padrões de estética da Antiguidade clássica. Isso se deu não somente na perspectiva das obras de arte, mas também do ponto de vista da literatura. Ou seja, houve uma grande valorização das línguas clássicas e das obras em seus originais. Este movimento de retorno às fontes clássicas é chamado de “humanismo” – e é muito importante não confundir o humanismo do Renascentismo com o “humanismo” do Iluminismo: são duas coisas bastante diferentes; duas formas bastante diferentes de “humanismo.” Esse “retorno às fontes” promovido pelo Renascimentofoi um grande facilitador da Reforma Protestante. O estudo da literatura patrística (autores cristãos pré-medievais) e o retorno às Escrituras originais, no hebraico e no grego, deram impulso a um movimento que permitiu, em pouco tempo, uma ruptura com a Igreja Romana. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO “SEM JURIDIQUÊS” Carlos Eduardo Rangel Xavier 15 de 92 Homens como Lutero e Calvino4 foram os responsáveis por uma ruptura teológica que levou a uma ruptura religiosa. Esta ruptura colocou a Europa num ambiente de maior liberdade. Liberdade, inclusive, para abandonar a Deus. Esse processo acabou ocorrendo naturalmente como ponto culminante de um movimento filosófico conhecido como Iluminismo (cuja proposta de revelação da luz interior pode ser facilmente reconduzida ao gnosticismo pagão). Agora, o “humanismo” iluminista pode ser considerado um “humanismo antropocentrista” (não mais Deus, mas o homem no centro). A ênfase do Iluminsmo no racionalismo (entenda-se bem, na racionalidade humana), introduz, a partir de seu triunfo político com a Revolução Francesa, a chamada Idade Contemporânea. 1.4.3 Idade Contemporânea 1.4.3.1 Revolução Francesa e Estado Legislativo O pano de fundo histórico por trás da Revolução Francesa, no entanto, é identificado com o crescimento das cidades (burgos) na Europa, e com o surgimento de uma nova classe, a burguesia. Esta (a burguesia), embora cada vez tivesse mais dinheiro, não desfrutava, na mesma medida de suas posses, de prestígio e poder. O poder permanecia concentrado nas mãos do Rei, e o prestígio dizia respeito, apenas, à sua Corte e ao Clero católico romano. O Iluminismo, então, foi a doutrina que justificou as aspirações de poder da burguesia. O que possibilitou a Revolução Francesa, no entanto, foi algo bem menos elevado: foi a fome do povo (“se eles não têm pão, que comam brioches”, dizia Maria Antonieta). 4 Em Lutero (e, especialmente, em suas 95 teses contra a venda de indulgências), temos o grande motor, o grande impulso da Reforma Protestante. Lutero foi o provocador do rompimento definitivo (chamado de cisma) com a Igreja Católica Romana, embora esta sempre tenha experimentado, ao longo de sua história anterior, movimentos de resistência, fundamentados na autoridade exclusiva das Escrituras. Calvino, por sua vez, é o grande pensador da Reforma, e suas Institutas (“Instituições da Religião Cristã”) são consideradas, por muitos, os escritos mais relevantes do Cristianismo desde a era apostólica. Seu sistema de pensamento foi assim resumido por seus seguidores posteriores (chamados de “calvinistas”): depravação total do gênero humano; eleição incondicional; expiação limitada; graça irresistível; e perseverança dos santos. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO “SEM JURIDIQUÊS” Carlos Eduardo Rangel Xavier 16 de 92 Uma vez deposto o Antigo Regime, foi necessário estruturar um novo. Como o que caracterizava o regime deposto era a concentração de todos os poderes do Estado nas mãos de uma única pessoa (o monarca), o novo regime foi marcado pelo princípio da separação de poderes, idealizado por homens como Montesquieu e Rousseau alguns anos antes. E essa separação de poderes era uma separação estrita: apenas o Poder Legislativo (composto pelos representantes do povo) pode editar leis; ao Poder Executivo incumbe dar cumprimento às leis editadas pelo Legislativo e ao Poder Judiciário, aplicá-las diante de conflitos individuais. A partir da Revolução Francesa, surge o que passou a ser considerado como Estado de Direito, ou, mais precisamente, “Estado Legislativo”. A fonte primária (para não dizer exclusiva) do Direito é identificada na lei, e aos juízes considerou-se, inicialmente, vedada inclusive a atividade de interpretação da lei (modelo que se verificou impossível na prática). Surge, assim, na Europa continental, a doutrina da “Supremacia do Parlamento”, ou simplesmente, supremacia da lei. O juiz, assim, foi chamado por Montesquieu de “boca da lei” e o poder de julgar, segundo o mesmo autor, foi descrito como um “poder nulo”. É necessário, ainda, compreender as origens históricas e sociais dessa forma peculiar de doutrina. Ocorre que os juízes na França do Século XVIII eram comprometidos com o Antigo Regime, e o Poder Judiciário, assim, era um corpo normalmente manchado pela corrupção. Montesquieu sabia bem disso (ele mesmo foi um juiz). Assim, a forma drástica como tratou os juízes tem motivos outros (ideológicos) que não apenas a simples coerência científica. Como fruto da arrogância própria do homem, especialmente ressaltada num período de mudanças tão abruptas (inclusive marcando o início da predominância do ateísmo e do agnosticismo no pensamento ocidental), e com base na doutrina da supremacia do Poder Legislativo, iniciou-se, na Europa continental, um verdadeiro “esforço de codificação” (do qual os muitos “Códigos” que temos até hoje, são herdeiros). O mais conhecido fruto deste INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO “SEM JURIDIQUÊS” Carlos Eduardo Rangel Xavier 17 de 92 esforço é o Código de Napoleão, de 1804, no qual grande parte dos institutos do Direito Privado romano foram transpostos à lei. Embora o sistema de tripartição de poderes, enquanto tal, tenha sobrevivido até hoje, as “aspirações democráticas” do Iluminismo logo se mostraram falaciosas. Além do muito sangue, inclusive dos próprios iluministas, derramado nas guilhotinas francesas (mostrando que a igualdade era defendida como valor supremo, mas a vida, não necessariamente...), a Revolução foi logo sucedida pela ascensão de um general ao poder (Napoleão Bonaparte). 1.4.3.2 Uma evolução paralela. A experiência anglo-americana Toda a tensão que eclodiu na França dando causa à Revolução não foi percebida na experiência anglo-americana. Em primeiro lugar porque na Inglaterra, a monarquia apenas se sustentou, ao longo da história, a partir de diversas concessões feitas aos nobres ingleses, mantendo o poder de forma mais estável. A famosa Magna Charta, apontada como um dos precursores históricos dos direitos fundamentais contemporâneos, data de 1215. Dela se extrai, dentre outras, uma famosa regra (no taxation without representation) que demonstra a concessão de força aos parlamentares. Tanto é assim que Montesquieu, embora francês, deduziu sua teoria da separação de poderes a partir da observação da experiência inglesa. A diferença é que, na Inglaterra, a evolução das atividades desenvolvidas pelos poderes do Estado foi se dando de forma mais natural, culminando na ideia de Rule of Law (“Império do Direito”) já no Século XVII, ao passo que na França, foi resultado abrupto da Revolução. Em segundo lugar, a experiência dos Estados Unidos consolidou, também de forma mais natural, uma república democrática muito mais exitosa do que aquela brevemente verificada na França após a Revolução. Isso foi algo tão perturbador para os franceses que um deles, Alexis de Tocqueville, foi para os Estados Unidos estudar o sistema de governo de lá, escrevendo um famoso livro intitulado “Da Democracia na América”. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO “SEM JURIDIQUÊS” Carlos Eduardo Rangel Xavier 18 de 92 Em resumo, a democracia nos Estados Unidos foi mais exitosa do que a francesa (pós-Revolução) porque teve seu embrião na organização das 13 colônias,5 onde, no início, algo muito próximo da democracia direta foi experimentado. Com o passar dos anos, as colôniastiveram de se unir contra a Inglaterra, a fim de tornarem-se independentes, e editaram uma Constituição própria. Essa experiência de autogoverno e de resistência experimentada pelos norte-americanos, formou a base sólida da democracia nos Estados Unidos. Na base da experiência americana há, ainda, o judicial review, quer dizer, a possibilidade de que o Poder Judiciário controle o conteúdo das leis a partir da verificação da sua compatibilidade com a Constituição (o que chamamos de controle de constitucionalidade; mais especificamente, de controle difuso de constitucionalidade). 1.4.3.3 Positivismo Jurídico Cerca de um século após a Revolução Francesa, desenvolveu-se, na Europa, a doutrina que conhecemos como Positivismo Jurídico, cujo objetivo era compreender a Ciência do Direito apenas em uma perspectiva descritiva. Como já mencionado, o Positivismo Jurídico é apenas a expressão de um movimento mais amplo, chamado de Positivismo, cuja premissa era a de não haver diferença entre as ciências naturais e as humanas, devendo estas últimas, assim, ser tratadas de forma objetiva. Hans Kelsen, em sua “Teoria Pura do Direito,” proclama a ideologia do “Direito livre de valor.” Isso significava que o Direito deveria ser estudado de forma isenta, analítica e descritiva, sem a interferência de qualquer outro ramo do conhecimento humano: sem influência da política, da sociologia, da economia, da história, da moral, da religião e, até mesmo, da justiça. O positivismo jurídico apenas reforça o princípio da “supremacia da lei”, entendendo-se ser vedado aos juízes, nesse contexto, inovar na ordem jurídica (criar o Direito). 5 O começo da colonização amerciana, especialmente no Nordeste dos Estados Unidos, foi marcado pela presença dos puritanos, protestantes calvinistas que objetivavam uma Reforma radical na Igreja da Inglaterra e que, exatamente por isso, foram expulsos de sua terra natal, buscando refazer sua vida na América. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO “SEM JURIDIQUÊS” Carlos Eduardo Rangel Xavier 19 de 92 Nesse momento, a ideia de um “Direito Natural” derivado da razão ou da vontade divina já havia sido completamente abandonada. Direito seria o fruto do resultado da atividade do Poder Legislativo, em princípio sem qualquer forma de controle de conteúdo (o controle de constitucionalidade desenvolvido por Kelsen, como veremos, é, em linha de princípio, apenas um controle de constitucionalidade formal). 1.4.4 Estado Constitucional. Pós-positivismo ou positivismo crítico É bem verdade que a Constituição tinha sua importância no Estado Legislativo. Na própria “Teoria Pura do Direito,” Kelsen afirma que a Constituição funciona como base do ordenamento jurídico. Todas as leis infraconstitucionais retiram sua validade das normas constitucionais. Esse papel, no entanto, era apenas formal. Ou seja, bastava que as leis fossem editadas de acordo com o procedimento previsto na Constituição (procedimento legislativo) e que o legislador infraconstitucional atuasse dentro da esfera de competência delegada pela Constituição. Esta (a Constituição) tinha um papel muito pouco importante para o controle de conteúdo da lei. Podemos afirmar, assim, que o controle de constitucionalidade desenvolvido no Estado Legislativo é um controle de constitucionalidade essencialmente formal. A II Grande Guerra e, especialmente, as atrocidades cometidas pela Alemanha nazista, no entanto, levaram a comunidade jurídica a repensar essas ideias. Isso porque não seria possível admitir que fossem indiferentes ao Direito (como se conclui a partir do Positivismo Jurídico clássico) os atos praticados pelos nazistas, já que estes estavam amparados em normas jurídicas validamente editadas (quer dizer, válidas do ponto de vista meramente formal). Passou-se a utilizar a Constituição, assim, para controlar o conteúdo da lei (controle de constitucionalidade material). Inserindo-se valores de justiça INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO “SEM JURIDIQUÊS” Carlos Eduardo Rangel Xavier 20 de 92 material na Constituição (aos quais chamamos de direitos fundamentais)6 passa a ser possível realizar esse controle do conteúdo da lei. O Direito deixa de ser, como queria a proposta positivista inicial, “livre de valor”. Os valores com os quais o Direito vai dialogar, no entanto, são aqueles expressamente previstos na Constituição. Este é o chamado Estado Constitucional, em contraposição ao Estado Legislativo. Como influência do Estado Constitucional, desenvolve-se, na ciência do Direito, aquilo que hoje é chamado de Pós-Positivismo ou de Positivismo Crítico. Positivismo porque ainda depende de produção legislativa do Estado, ainda que, na base dessa produção, tenha-se a Constituição como forma de controle material (e não apenas formal) do conteúdo das leis. Pós, ou crítico, porque não considera mais o Direito como sendo “livre de valor”, mas encontra na Constituição7 a fonte para controle, inclusive, material, da lei. 1.4.4.1 Neoconstitucionalismo Mas isso não é só. O grande desafio da atualidade não é apenas utilizar os direitos fundamentais como normas que permitem o controle de conteúdo da lei. Os objetivos do Estado, atualmente, dizem respeito a dar efetividade e concretude aos direitos fundamentais (e isso mesmo independentemente da atividade legislativa, se esta se demonstrar insuficiente). A essa nova configuração do Estado, que tem por objetivo levar os direitos fundamentais a sério, alguns autores denominam Neoconstitucionalismo. 1.5 Grandes sistemas jurídicos do Ocidente. Civil law e common law 6 Os mesmos direitos, em essência, consagrados na ordem internacional, são chamados de direitos humanos. A diferença entre uns (direitos fundamentais) e outros (direitos humanos) é dada pelo que se chama de critério da concreção positiva: direitos fundamentais são positivados na Constituição (ordem interna) e direitos humanos são positivados em tratados internacionais (ordem internacional). 7 Ou nos tratados internacionais de direitos humanos, conforme nota de rodapé anterior. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO “SEM JURIDIQUÊS” Carlos Eduardo Rangel Xavier 21 de 92 Para encerrar esta seção, precisamos considerar os dois grandes sistemas jurídicos do Ocidente: o civil law e o common law. 1.5.1 Civil law O civil law é identificado com o sistema jurídico da Europa continental. Os países da América Latina, colonizados que foram por espanhóis e portugueses, são também incluídos nessa tradição. Nos sistemas de civil law, a lei (enquanto resultado da atividade do Parlamento) exerce papel central no rol das fontes do Direito. A lei é considerada, na tradição continental, como a principal fonte do Direito. A separação de poderes, inspirada pelo ideal da Revolução Francesa, é mais acentuada, podendo ser chamada de separação de poderes estrita. Ou seja, causa estranheza ao jurista da tradição de civil law qualquer tipo de possibilidade de interferência de um poder na atividade do outro. Para o que nos interessa, o Poder Judiciário não pode ter, nessa perspectiva, funções legislativas. Por isso, a tradição da Europa continental entendeu que a função de controlar a constitucionalidade das leis não pertencia ao Poder Judiciário. O controle de constitucionalidade, assim, nesses países, é realizado por meio de um sistema concentrado, mediante o ajuizamentode ação direta, e por um órgão posicionado fora do Poder Judiciário (o Tribunal Constitucional). Do ponto de vista do Poder Judiciário, a doutrina da supremacia da Constituição convive com o princípio da supremacia da lei, uma vez que nenhum juiz ou tribunal (exceto a Corte Constitucional) tem poderes para negar aplicação a qualquer lei com base em sua inconstitucionalidade. Esse é o sistema de controle concentrado de constitucionalidade, segundo o qual apenas um órgão especial (a Corte Constitucional) pode afirmar, de forma concentrada, que uma lei contraria a Constituição. E a decisão desse órgão especial (o Tribunal Constitucional), tem “força de lei”. Por outro lado, a atividade de interpretação das leis, sem a qual é impossível que elas sejam aplicadas, desenvolvida pelo Poder Judiciário, foi compreendida como sendo meramente declaratória do sentido subjacente ao INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO “SEM JURIDIQUÊS” Carlos Eduardo Rangel Xavier 22 de 92 texto legal (o que é chamado de ideologia estática). Por isso, a tradição de civil law sempre compreendeu que a segurança jurídica (estabilidade e previsibilidade do Direito) seria encontrada no exato texto da lei. A regra do stare decisis (segundo a qual os precedentes dos tribunais são considerados fontes primárias do Direito, dotados de eficácia vinculante) foi, também por isso, historicamente rejeitada. No que diz respeito à estabilidade dos pronunciamentos judiciais, a tradição continental considera o conceito de jurisprudência (decisões reiteradas dos tribunais sobre determinadas situações) como sendo dotado historicamente, apenas, de eficácia persuasiva, o que é condizente com a ideologia estática de interpretação, já mencionada. 1.5.2 Commom law O sistema de common law (identificado, basicamente, com a Grã- Bretanha e suas colônias históricas, dentre as quais, para o que nos interessa, pelo desenvolvimento do controle difuso de constitucionalidade, exerce papel de maior destaque os Estados Unidos), por sua vez, está centrado, historicamente, no costume como fonte principal do Direito (ideia assimilada do Direito romano pela civilização britânica em seus primórdios). A revelação do costume, no entanto, especialmente quando há uma controvérsia entre particulares, depende de uma decisão judicial. Assim, no sistema da common law, uma vez adotada uma decisão sobre um determinado caso, o conteúdo da decisão fica valendo como regra para o julgamento de casos similares (treat like cases alike). Por isso, os precedentes judiciais, neste sistema são dotados de eficácia vinculante, identificada na expressão latina stare decisis et non quieta mobile (“está decidido e não mexa no que está quieto”), ou, simplesmente, stare decisis. O precedente figura nessa tradição, portanto, como fonte primária do Direito. E, mais do que isso, a segurança jurídica é encontrada na observância dos precedentes. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO “SEM JURIDIQUÊS” Carlos Eduardo Rangel Xavier 23 de 92 Mas isso não é só. É preciso considerar, também, a peculiar noção de controle de constitucionalidade desenvolvida nos Estados Unidos desde o final do Século XVIII e o início do Século XIX. Nos Federalist Papers (coletânea de artigos escritos por Jay, Hamilton e Madison, dirigidos ao povo do Estado de Nova Iorque, a fim de defender o texto constitucional que viria a ser ratificado em 1787) é possível encontrar uma noção de separação de poderes um tanto diferente daquela desenvolvida na Europa continental. A separação de poderes norte-americana baseou-se em um mecanismo chamado de sistema de freios e contrapesos. A base deste sistema está na ideia de que os homens são corruptos por natureza e que, portanto, o governo precisa de autocontrole. Esse autocontrole é verificado a partir de alguma forma de interferência de cada um dos poderes sobre o outro. Essa interferência culmina com o controle de constitucionalidade das leis (lá chamado de judicial review), naquela nação uma atividade conferida ao Poder Judiciário.8 A doutrina do judicial review foi aceita pela Suprema Corte logo no início da República estadunidense (mais precisamente, em 1803, no célebre caso Marbury vs. Madison). Nasceu, assim, o sistema de controle difuso de constitucionalidade, segundo o qual todo e qualquer juiz e tribunal pode controlar a compatibilidade de uma lei com a Constituição. A estabilidade do sistema de controle difuso de constitucionalidade é dada pela regra do stare decisis, ou seja, por um sistema de precedentes, no topo do qual figura a Suprema Corte, guardiã máxima da Constituição. 1.5.3 E o Brasil nessa história toda? O Brasil ocupa uma posição muito peculiar nesse quadro todo. Nossa cultura é, inegavelmente, uma cultura de apego à lei escrita, fruto da atividade do Parlamento, o que é uma clara expressão de nossa mentalidade lusitana. Em nossas cabeças, portanto, operam os princípios da 8 O que é bastante diferente da tradição da Europa continental, reforça-se, na qual o Poder Judiciário não pode controlar a constitucionalidade das leis (que realiza esta atividade, lá, é são os “Tribunais Constitucionais,” órgãos que, embora tenham nomes de tribunal, não integram a estrutura do Poder Judiciário. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO “SEM JURIDIQUÊS” Carlos Eduardo Rangel Xavier 24 de 92 supremacia da lei e de uma nítida divisão de poderes. O stare decisis, exatamente por isso, sempre foi culturalmente rejeitado entre nós. No entanto, desde a proclamação da República, nossa ordem constitucional consagra um sistema de freios e contrapesos (muito mais do que uma separação de poderes estanque) no qual se destaca um controle difuso de constitucionalidade (à semelhança do americano). Historicamente nunca aceitamos, não é demais reiterar, a regra do stare decisis, o que fez com que o modelo de controle difuso, entre nós, sempre gerasse insegurança jurídica (o que teria sido facilmente resolvido se aceitássemos a eficácia vinculante das decisões do STF em recurso extraordinário, o que já parece ser um caminho sem volta diante da disciplina legal da “repercussão geral”). Por isso, inclusive, desenvolveu-se uma esdrúxula regra segundo a qual incumbia ao Senado suspender a execução de uma lei declarada, pelo STF, inconstitucional (regra que hoje está no artigo 52, X, da Constituição). No entanto – e nossa experiência bem revela isso –, um modelo de controle difuso de constitucionalidade (em que todo juiz e tribunal pode deixar de aplicar a lei por contrariar a Constituição) sem adesão à regra do stare decisis é fonte de grave insegurança jurídica (ou seja, não é possível qualquer previsibilidade diante do Direito). Ao lado do controle difuso, temos também o controle concentrado de constitucionalidade, em um sistema misto. O controle concentrado, no entanto, historicamente só passou a ter mais importância a partir da EC 3/1993 (mas isso é assunto para a matéria de Direito Constitucional). O importante destacar disso tudo é que o modelo de controle difuso de constitucionalidade, existente em nosso País há mais de um século, reclama a força obrigatória dos precedentes do STF, o que, no entanto, conflita com a mentalidade de civil law na qual estamos inseridos. Esse é um dos grandes temas do Direito brasileiro na atualidade, no qual não se discute apenas a vinculação a precedentes do STF, mas também a precedentes do STJ. O Novo Código de Processo Civil (com entrada em vigorem março de 2016) reforça esta discussão. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO “SEM JURIDIQUÊS” Carlos Eduardo Rangel Xavier 25 de 92 1.6. Apêndice: Civil law e common law: quadro esquemático comparativo Civil law Common law Tradição europeia continental (e América Latina) Tradição anglo-americana Fonte primária do Direito: lei escrita Fonte primária do Direito: costume, revelado nas decisões judiciais Separação de poderes nítida (estanque) e supremacia da lei Sistema de freios e contrapesos e supremacia da Constituição (EUA) Ausência de aceitação cultural aos precedentes judicias como fonte primária do Direito Precedentes judiciais como fonte primária do Direito (stare decisis) Segurança jurídica encontrada no texto da lei Segurança jurídica encontrada nos precedentes Controle concentrado de constitucionalidade (Tribunal Constitucional fora do Poder Judiciário; suas decisões têm “força de lei”) Controle difuso de Constitucionalidade (todo e qualquer juiz e tribunal pode controlar a constitucionalidade da lei) E o Brasil? Mentalidade de civil law Sistema misto de controle de constitucionalidade Ausência de aceitação cultural à regra do stare decisis Necessidade do stare decisis em decorrência do controle difuso, sob pena de grave insegurança jurídica Estágio atual: aceitação de eficácia vinculante aos precedentes do Supremo em controle difuso, e consideração de um sistema mais amplo de precedentes, especialmente a partir da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS PARA A SEÇÃO 1 ABBOUD, Georges, CARNIO, Henrique G. e OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. Introdução ao Direito. BASTIAT. Frédéric. A Lei. BORGES, Walter Luís S. Introdução ao Direito (e-book kindle). CAPPELLETTI, Mauro. O Controle Judicial de Constitucionalidade das Leis no Direito Comparado. CASTRO, Flávia Lages de. História do Direito Geral e do Brasil. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO “SEM JURIDIQUÊS” Carlos Eduardo Rangel Xavier 26 de 92 CICCO, Cláudio de. História do Direito e do Pensamento Jurídico. 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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO “SEM JURIDIQUÊS” Carlos Eduardo Rangel Xavier 28 de 92 2 ESCOLAS DO PENSAMENTO JURÍDICO A expressão “escolas do pensamento jurídico” designa formas específicas de abordagem do Direito (fenômeno jurídico) circunscritas a determinados períodos do tempo e do espaço, ora com maior, ora com menor abrangência. Embora as apresentemos em uma perspectiva mais ou menos estanque (quer dizer, estudando, metodicamente, uma escola de cada vez), as concepções acerca do Direito construídas em determinados períodos históricos acabam influenciando aquelas desenvolvidas em períodos posteriores, o mesmo valendo para a influência de um país, região ou continente sobre outro. Em outras palavras, por vezes uma “escola do pensamento jurídico” serve de base para outra, que se apresenta como um desenvolvimento posterior seu (por exemplo, o Contratualismo é pressuposto teórico do Juspositivismo), ao passo que, em outros momentos, a consideração do pano de fundo histórico permite facilmente identificar o porquê da alteração de um modelo para o outro (como no caso da transição da escola dos glosadores para a de exegese, tendo por pano de fundo a superação do absolutismo monárquico pelo Estado Legislativo). Também por isso a visualização do panorama histórico, anteriormente desenvolvido, é importante, servindo de base para o estudo que passamos a realizar. 2.1 Jusnaturalismo (ou Direito Natural) O Jusnaturalismo (ou Direito natural) é a escola de pensamento jurídico que compreende que, independentemente de um fenômeno formal de expressão legislativa (lei), existe um Direito, que lhe é superior (Direito Natural, ou “lei natural”). O Direito natural pode ser encontrado, basicamente, em duas fontes: a razão (logos) ou a vontade divina. A razão como fonte do Direito natural pode ser encontrada na cultura grega clássica, ao passo que a ideia da vontade de Deus como expressão do Direito natural é, introduzida, notoriamente, pela cosmovisão cristã. No entanto, é importante reforçar que, para importantes INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO “SEM JURIDIQUÊS” Carlos Eduardo Rangel Xavier 29 de 92 pensadores cristãos do passado, não havia qualquer incompatibilidade entre as ideias de vontade e de razão de Deus. Para os jusnaturalistas, sempre que a lei (formal, escrita) contrariar ao Direito natural, prevalece este sobre aquela. O Jusnaturalismo é importante, ainda, para compreender o papel desempenhado pelos glosadores ao longo da Idade Média. Relembre-se que a função destes (glosadores) era realizar anotações marginais (glosas) ao Direito romano codificado, adaptando-o à realidade da época e, assim, operando uma espécie de “revelação racional do Direito”. Na Idade Média, portanto, especialmente no período que antecedeu a consolidação do Absolutismo Monárquico (momento a partir do qual a vontade do Rei começou a valer com força absoluta), o Jusnaturalismo encontrou uma expressão muito forte na escola dos glosadores. 2.2 Contratualismo O Contratualismo surgiu no Século XVII, a partir dos ensinamentos de Hobbes e Locke na Inglaterra, sendo posteriormente desenvolvido na França por Rousseau. Trata-se de um modelo teórico que se concentra na transição do “estado de natureza” (hipotético e pressuposto, jamais comprovado por ninguém, embora fosse admissível como possível por Locke) parao “estado civil” ou “estado de sociedade.” Nessa transição, os contratualistas compreendem que os homens cedem parcela de sua soberania individual para o Estado. O direito natural preponderante no estado de natureza e a configuração do estado civil é diferente para cada um destes autores, é importante reforçar. Assim, as bases do Estado moderno são explicadas a partir do “contrato social”. E embora a teorização do contrato social tenha já mais de três séculos de história, há importantes pensadores contemporâneos que são considerados neocontratualistas. O mais destacado destes é o americano John Rawls, que tem em sua concepção de justiça como “jogo limpo” (fairness) e, INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO “SEM JURIDIQUÊS” Carlos Eduardo Rangel Xavier 30 de 92 especialmente, no modelo teórico do “véu da ignorância” uma releitura do Contratualismo clássico. 2.3 Escola de Exegese Como decorrência da transição do Absolutismo monárquico para o Estado Legislativo, a função dos próprios juristas passou a ser reconsiderada. O trabalho dos glosadores, pelo qual se operava uma espécie de revelação racional do Direito, deixou de ter qualquer sentido lógico. A fonte primária do Direito passou a ser o resultado da atividade do Poder Legislativo (a lei em seu aspecto formal). Aos juristas, assim, incumbia apenas a atividade de interpretar os textos legais, sem possibilidade de qualquer inovação. Essa forma de ver o Direito é chamada de “Escola de Exegese” (exegese significa interpretação). Por trás da chamada escola da exegese tem-se o que hoje se denomina “ideologia estática da interpretação,” segundo a qual o intérprete não exerce atividade criativa, incumbindo-lhe apenas revelar o sentido que se encontra subjacente ao texto legal (atividade meramente declaratória, portanto). 2.4 Historicismo Jurídico e orientação sociológica do Direito (ou Sociologismo Jurídico) Embora a Escola de Exegese tenha sido a corrente de pensamento jurídico que preponderou na Europa continental após a Revolução Francesa (desembocando no positivismo jurídico, objeto do tópico seguinte), duas escolas que se desenvolveram no mesmo período (Século XIX), merecem referência. A primeira é o Historicismo Jurídico, expressão, voltada ao Direito, de uma escola de pensamento mais amplo, chamada de Historicismo. O mais conhecido pensador do Historicismo é Karl Marx. Os fundamentos do Historicismo (facilmente identificados na obra de Marx) são o materialismo e o determinismo antimetafísico. Materialismo por considerar a matéria como a essência de tudo (o que leva a uma concepção INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO “SEM JURIDIQUÊS” Carlos Eduardo Rangel Xavier 31 de 92 antimetafísica) e determinismo por considerar que há uma evolução natural se desenvolvendo na sociedade. No pensamento marxista, em especial, esta evolução desembocaria no socialismo, como superação do capitalismo. A aplicação dessa forma de pensar ao Direito (Historicismo Jurídico) considera que o Direito é um fenômeno social, de surgimento espontâneo, identificando-se sua fonte primordial no costume. Na perspectiva do historicista, portanto, primeiro vem o costume para, depois, vir a lei. O costume equivaleria ao “Direito pressuposto”, ao passo que a lei seria o “Direito posto” (essa terminologia, inclusive, dá nome a uma célebre obra do jurista brasileiro Eros Roberto Grau, ex-Ministro do STF). Para o Historicismo Jurídico, portanto, é mais importante o estudo do costume do que da lei, e esta (a lei) deve ser compreendida a partir daquele (costume). O principal representante dessa escola foi Savigny. Uma abordagem um pouco parecida é encontrada na chamada Orientação Sociológica do Direito (ou, simplesmente, Sociologismo Jurídico). Essa escola do pensamento jurídico também compreende o Direito como “fenômeno social” e, portanto, tem por objetivo aplicar a metodologia da Sociologia ao Direito. Como consequência dessa forma de abordagem, tem-se a consideração da “experiência jurídica” que brota de diversos grupos sociais (o que se chama de pluralismo jurídico). Expressão bem viva do pluralismo jurídico é encontrada, especialmente, no Direito Coletivo do Trabalho, em que a negociação coletiva de sindicatos de empregados com empresas ou com sindicatos de empregadores dá origem a regras que são consideradas impositivas para a regulação da categoria respectiva. 2.5 Positivismo Jurídico Sem dúvida, em razão da forte influência do ideário da Revolução Francesa sobre a Europa continental, a escola do pensamento jurídico que lá preponderou a partir do final do Século XIX e início do Século XX é aquela chamada de Positivismo Jurídico. Como já mencionado, o Positivismo Jurídico é apenas um braço específico de um movimento mais amplo, chamado de INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO “SEM JURIDIQUÊS” Carlos Eduardo Rangel Xavier 32 de 92 Positivismo, cujo objetivo primordial era aplicar às ciências sociais a metodologia das ciências exatas (o método descritivo). Essa ideologia mais ampla encontrou uma expressão específica no Direito, e casou muito bem com o princípio da supremacia da lei, desenvolvido após a Revolução Francesa. Assim, a ordem jurídica, para o Positivismo Jurídico, passa a ser identificada com o sistema legislativo editado pelo Parlamento, e a atividade do jurista consiste em, simplesmente, descrever o Direito. A partir dessa forma de pensar é que Hans Kelsen desenvolve a sua “Teoria Pura do Direito.” Nesta obra, o Direito é visto como um fenômeno de expressão normativa (atividade desempenhada pelo Poder Legislativo) que se estrutura a partir de uma construção escalonada. Normas de hierarquia superior delegam competência para normas de hierarquia inferior, que têm de ser editadas, por sua vez, dentro do limite dessa delegação. A norma que se encontra no ápice da pirâmide normativa é a Constituição. As leis infraconstitucionais retiram seu fundamento de validade das normas constitucionais, e os atos infralegais (decretos, portarias, resoluções, e assim por diante, observando-se, também quanto a estes, uma escala hierárquica) retiram o seu fundamento de validade das leis infraconstitucionais. Kelsen, inclusive, é quem desenvolve o modelo de controle de constitucionalidade concentrado europeu. Mas seu desenho inicial, registra-se, estava centrado na compatibilidade formal da lei à Constituição (quer dizer, observância do processo legislativo e de atuação dentro da esfera de competência delegada). Ao jurista incumbe, apenas, investigar se a atividade delegada exercida pelo legislador inferior o foi dentro da delegação recebida da lei de hierarquia superior. E ao juiz e aos sujeitos de um contrato, por sua vez, incumbe apenas aplicar a lei, criando a norma individual (que recebe esse nome apenas porque é, para as partes do processo ou para os sujeitos da relação contratual, tão impositiva quanto a lei: é a lei do caso concreto). Para Kelsen, portanto, o Direito não deve se preocupar com nenhum outro aspecto que não seja a análise puramente descritiva da ordem jurídica. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO “SEM JURIDIQUÊS” Carlos Eduardo Rangel Xavier 33 de 92 Por isso sua teoria é chamada de “pura” – e, acrescenta-se, nesta teoria “pura”, o Direito é considerado “livre de valor”. Por “Direito livre de valor” deve-se compreender um Direito livre de qualquer influência externa, da política, da economia, da religião, da moral e, até mesmo, da justiça...2.5.1 Pós-Positivismo ou Positivismo Crítico As atrocidades cometidas pela Alemanha Nazista (todas com base em lei ou atos normativos validamente editados) colocaram a concepção do “Direito livre de valor” em xeque. Por mais racionalmente coerente que fosse a proposta de Kelsen, a comunidade jurídica não poderia, depois de 1945, sustentar que atos como aqueles praticados durante o holocausto fossem indiferentes ao Direito. Assim, abandona-se a ideia de um “Direito livre de valor.” A forma para tanto foi a inserção de valores de justiça material dentro da Constituição (que já era tida como a norma positiva de hierarquia máxima) e o desenvolvimento, na Europa continental, de uma concepção forte de controle material de constitucionalidade das leis. Quer dizer, as leis passam a ter o seu conteúdo, e não apenas a sua forma, controlada pela Constituição. Surge, assim, a ideia de um Estado Constitucional na Europa Continental. Por contrapor, materialmente, a lei a uma norma superior (a Constituição) essa nova forma de ver o Direito assemelha-se ao Direito natural por compreender que a lei pode deixar de ser aplicada em determinadas situações, mas dele (do Direito natural) se afasta ao identificar unicamente em um fenômeno também formalmente positivado (normas constitucionais) o parâmetro de controle do conteúdo da lei. Assim, por ainda depender de um fenômeno de expressão normativa (agora centrado na Constituição) essa nova concepção acerca do Direito é chamada de Pós-Positivismo ou de Positivismo Crítico. Aqui é preciso esclarecer por que a terminologia “Positivismo” para identificação dessa nova forma de ver o Direito ainda continua sendo utilizada. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO “SEM JURIDIQUÊS” Carlos Eduardo Rangel Xavier 34 de 92 O primeiro motivo já foi explicado. A própria Constituição, embora seja a norma de hierarquia suprema, agora inclusive para o controle do conteúdo do lei, é objeto de um fenômeno normativo. A Constituição é norma positivada pelo Estado. O segundo motivo é que, até hoje, o método positivista permanece se impondo para a para operação desse fenômeno social conhecido como Direito. O método descritivo continua, em linhas gerais, a ser empregado a partir do momento que se identifica a norma aplicável. A diferença é que, ideologicamente, esta norma não é mais identificada simplesmente com o texto da lei. Por isso, o Positivismo (ou Pós-Positivismo) continua válido enquanto método científico (método descritivo), não servindo mais, contudo, como ideologia (“Direito livre de valor”). Hoje, ideologicamente, afirma-se que o Direito é impregnado por uma série de valores, identificados nas normas constitucionais, especialmente nos direitos fundamentais. 2.5.2 Neoconstitucionalismo Embora este seja um ponto controvertido, alguns identificam o momento em que vivemos, no Ocidente, hoje, como Neoconstitucionalismo. A característica do Neoconstitucionalismo é a transição de um modelo puramente de controle do conteúdo material de constitucionalidade (controle da inconstitucionalidade por ação do legislador) da lei para um modelo que objetiva a completa efetividade dos direitos fundamentais (controle da inconstitucionalidade por omissão do legislador), concretizando-se de forma direta os valores constitucionais independentemente da atividade legislativa. Características marcantes desse novo período seriam o controle da inconstitucionalidade por omissão e o ativismo judicial (criação do Direito pelo Poder Judiciário). INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO “SEM JURIDIQUÊS” Carlos Eduardo Rangel Xavier 35 de 92 2.6 Direito e linguagem O Estado Constitucional e, se quisermos, o Neoconstitucionalismo, induzem a reflexão de que existe uma diferença entre texto legislativo e norma jurídica. Essa reflexão somente é possível a partir do momento em que se identifica que o Direito, como qualquer produto da comunicação humana, submete-se a regras inerentes à linguagem. O Direito é uma expressão de um fenômeno mais amplo, a linguagem humana. Há pressupostos comunicacionais do discurso que têm de ser observados para a produção de regras justas (esta é a peculiar visão do Direito da escola de Frankfurt, cujo maior expoente contemporâneo é Jürgen Habermas, precursor do paradigma comunicacional do Direito). A identificação da cisão entre texto e norma, por sua vez, permite a compreensão de que a norma jurídica é fruto da atividade do intérprete, pois a este incumbe a eleição das diretivas interpretativas. A isso se chama (em contraposição com a ideologia estática) de “ideologia dinâmica da interpretação”. Para maior aprofundamento do assunto, veja-se o item 3.2.2, abaixo. 2.7 Pensamento jurídico crítico e Direito alternativo A superação do “Direito livre de valor” fez com que alguns juristas assumissem de forma mais aberta uma ideologia socialista e coletivista, jamais alcançada na Europa continental na forma como idealizada por Marx. Esses juristas passaram a encontrar no Direito um instrumento para ser utilizado como instrumento da luta de classes. Sua base de pensamento é o materialismo marxista, especialmente a premissa de que o Direito, por ter sido historicamente colonizado pela economia política, deveria agora ser utilizado de forma revolucionária. Em resumo, essa escola do pensamento jurídico propõe que se efetue, por meio de decisões judiciais mais preocupadas com a realização de justiça INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO “SEM JURIDIQUÊS” Carlos Eduardo Rangel Xavier 36 de 92 social do que com o texto da lei, a revolução que não se concretizou nem militar nem culturalmente. O “Direito alternativo” encontrou alguma expressão, no Brasil, nas décadas de 1980 e 1990, especialmente no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. 2.8 Realismo jurídico Há duas escolas do pensamento jurídico que são identificadas como “Realismo Jurídico,” pouco conhecidas no Brasil, mas igualmente relevantes. A primeira é o Realismo norte-americano, que pode ser resumido como uma “teoria de psicologia da decisão judicial,” e identifica o Direito com o produto das decisões judiciais, determinado pelas escolhas pessoais dos juízes. A velha máxima primeiro o juiz decide e, depois, encontra o fundamento, serve bem para ilustrar o realismo americano. A segunda é o Realismo escandinavo (Suécia, Noruega e Dinamarca), e sua preocupação central é o estudo da eficácia das normas jurídicas. O Direito seria aquilo que realmente altera a realidade social. 2.9 Libertarianismo Da união entre o pensamento da Escola Austríaca de Economia (que defende o livre-mercado de forma radical) com a tradição de luta pela liberdade dos Estados Unidos surgiu uma filosofia conhecida como Libertarianismo – também chamada de Anarco-Capitalismo. Do ponto de vista da Epistemoloiga (área da Filosofia que estuda o conhecimento humano), o Libertarianismo rompe com o programa positivista de separação dos diferentes ramos do conhecimento, na medida em que se apresenta como uma teoria que pensa de forma unificada em economia, ética, filosofia, teoria política e direito. A partir da noção de que qualquer violação à autopropriedade (e, consequentemente, à propriedade privada e à liberdade) das pessoas é INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO “SEM JURIDIQUÊS” Carlos Eduardo Rangel Xavier 37 de 92 ilegítima, o Libertarianismo apresenta uma severa crítica à configuração da organização
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