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1 2 AULA 2: AS BASES TEÓRICAS DA NOVA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL 3 INTRODUÇÃO 3 CONTEÚDO 4 O NEOCONSTITUCIONALISMO E A REAPROXIMAÇÃO ENTRE O DIREITO E A ÉTICA 4 INTERPRETAÇÃO E HERMENÊUTICA FILOSÓFICA NO PENSAMENTO DE GADAMER 6 CONHEÇA AGORA A TÓPICA DE VIEHWEG E A TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO DE PERELMAN 8 A TÓPICA NA VISÃO DE PAULO BONAVIDES 11 ATIVIDADE PROPOSTA 15 REFERÊNCIAS 16 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 19 CHAVES DE RESPOSTA 22 ATIVIDADE PROPOSTA 22 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 22 3 Introdução A hermenêutica contemporânea é uma arte da compreensão. Assim, desde cedo, assinalamos que a hermenêutica não pode ser concebida como método, mas sim como estudo da compreensão. Para dar sustentáculo à nova interpretação constitucional, é preciso conhecer os argumentos teóricos utilizados, sobretudo, com fundamento nas transformações conduzidas pelo neoconstitucionalismo. Nesse sentido, sobressai um conjunto de ideias desenvolvido pela doutrina e jurisprudência, com alicerce em premissas filosóficas, metodológicas e epistemológicas distintas, como a hermenêutica filosófica de Gadamer, a tópica de Viehweg e a teoria da argumentação de Perelman. A partir dessas teorias, teve início a tentativa de levar racionalidade ao discurso jurídico. Objetivos: 1. Compreender as bases teóricas da nova interpretação constitucional. 4 Conteúdo O neoconstitucionalismo e a reaproximação entre o direito e a ética A ideia de uma nova interpretação constitucional não importa na desconsideração dos métodos tradicionais, mas de novos fatores que surgiram a partir do reconhecimento de que nem sempre a norma jurídica traz em si um único sentido, válido para toda e qualquer situação. Os casos que são apresentados ao Judiciário nem sempre desoneram o intérprete de buscar um papel mais criativo para resolver o problema. Sob essa perspectiva, o neoconstitucionalismo fundamenta a nova interpretação constitucional. Independentemente de haver poderosas vozes contrárias à ideia de uma linha pós-positivista, sustenta-se que, a partir dela, torna-se necessária uma reconstrução da interpretação constitucional. Luís Roberto Barroso esforça-se para demonstrar as transformações sofridas pelo direito constitucional e, para tanto, afirma existirem três marcos fundamentais: o histórico, teórico e o filosófico. O marco histórico na Europa pode ser inferido pelo término da Segunda Guerra Mundial que fixou o início do processo de reconstrução do Direito Constitucional nos países desse continente. Já no Brasil, a elaboração da Constituição de 1988 foi importante para demarcar divisas necessárias ao estabelecimento de uma nova perspectiva do direito constitucional. Nesse sentido Luís Roberto Barroso afirma que: A reconstitucionalização da Europa, imediatamente após a Segunda Grande Guerra e ao longo da segunda metade do século XX, redefiniu o lugar da Constituição e a influência do direito constitucional sobre as instituições contemporâneas. 5 (...) No caso brasileiro, o renascimento do direito constitucional se deu, igualmente, no ambiente de reconstitucionalização do país, por ocasião da discussão prévia, convocação, elaboração e promulgação da Constituição de 1988.1 Cabe ressaltar que, na Europa, a denominada reconstitucionalização deu-se por meio das seguintes constituições: na Itália, pela Constituição de 1947; na Alemanha, pela Lei Fundamental de Bonn, de 1949; em Portugal, pela Constituição de 1976 e, na Espanha, pela Constituição de 1978. O marco teórico do neoconstitucionalismo está ligado a três grandes transformações ocorridas no direito constitucional: o reconhecimento da força normativa da Constituição; a expansão da jurisdição constitucional e a reelaboração doutrinária da interpretação constitucional. O marco filosófico, ainda bastante controvertido, foi a chegada do pós- positivismo jurídico, caracterizado a partir da convergência entre o jusnaturalismo e o positivismo. As demonstrações trazidas pelo pensamento jusnaturalista, que aproximou a norma da razão, e o firme propósito de equiparar a lei ao direito, marcada pelo positivismo jurídico, formaram as bases que se assentaram a terceira via do pós-positivismo jurídico. Por ser considerado metafísico, o jusnaturalismo perdeu espaço para o positivismo jurídico e esse, afastando-se da ideia de justiça, sofreu enorme abalo científico após a Segunda Guerra Mundial. Sobre a derrocada do positivismo jurídico, devemos nos valer mais uma vez dos ensinamentos de Luís Roberto Barroso para quem: Sua decadência é emblematicamente associada à derrota do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha, regimes que 1 Barroso, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional. Os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 245-246. 6 promoveram a barbárie sob a proteção da legalidade. Ao fim da Segunda Guerra, a ética e os valores começaram a retornar ao Direito, inicialmente sob a forma de um ensaio de retorno ao Direito natural, depois na roupagem mais sofisticada do pós-positivismo.2 Assim, esse jurista ilumina as linhas mestras da nova interpretação constitucional e, ao mesmo tempo destaca o eclipse do positivismo normativista, alerta também para os desserviços das categorias metafísicas do direito natural. Eis aqui a essência da reconstrução neoconstitucionalista do direito contemporâneo, qual seja, a superação da racionalidade linguístico- subsuntiva ligada ao texto da norma que cede à racionalidade discursiva associada à dimensão retórica das decisões judiciais. É importante perceber que através do pós-positivismo jurídico busca-se engrandecer a ideia de justiça, indo além da legalidade estrita, reaproximando o direito da ética. Mesmo possuindo bases filosóficas ecléticas, o pós-positivismo encontra contato imediato com ideias desenvolvidas por pensadores como Gustav Radbruch, em sua segunda fase (o que leva alguns a chamarem-no de “o segundo Radbruch”), John Rawls – por meio de sua teoria de justiça – e Jüngen Habermas – por intermédio de sua teoria do discurso. Interpretação e hermenêutica filosófica no pensamento de Gadamer O filósofo alemão Hans-Georg Gadamer (1900-2002), autor de "Verdade e Método - Esboços de uma Hermenêutica Filosófica", é um dos autores mais importantes sobre a hermenêutica contemporânea. 2 Barroso, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional. Os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 248. 7 Gadamer procura superar o problema hermenêutico relacionado ao conceito metodológico da moderna ciência. Para o filósofo, o fenômeno da compreensão perpassa a experiência da filosofia, a experiência da arte e a experiência da própria história. Em todos estes modos de experiência, manifesta-se uma verdade que não pode ser verificada com os meios metódicos da ciência. A hermenêutica desenvolvida por Gadamer se afasta de uma doutrina de métodos das ciências do espírito e procura caminhar para um olhar além de sua autocompreensão metódica através da experiência do homem no mundo. A compreensão em Gadamer é um projetar-se. Gadamer afirma que quem quiser compreender um texto realiza sempre um projetar. Tão logo apareça um primeiro sentido no texto, o intérprete prelineia o sentido do todo. Dessa maneira, a compreensão é um constante reprojetar-sea partir de determinadas perspectivas do intérprete. Tais perspectivas do intérprete (opiniões prévias) não devem ser confundidas com arbitrariedade do julgador. É nesse sentido que Gadamer ensina que “a compreensão somente alcança sua verdadeira possibilidade, quando as opiniões prévias, com as quais ela inicia, não são arbitrárias. Por isso faz sentido que o intérprete não se dirija aos textos diretamente, a partir da opinião prévia que lhe subjaz, mas que examine tais opiniões quanto à sua legitimação, isto é, quanto à sua origem e validez.” Gadamer fala dos preconceitos. Estes podem ser classificados em positivos e negativos: O caráter negativo está relacionado com a época da Ilustração/Iluminismo (Aufklärung), representando um “juízo não fundamentado” e decidido “diante do tribunal da razão” (preconceitos limitadores). 8 Os preconceitos positivos são aqueles reconhecidos como legítimos e enlaçados com a questão central de uma hermenêutica verdadeiramente histórica. Já o conceito de horizontes, em Gadamer, expressa uma visão superior mais ampla, que aquele que compreende deve ter. Nas palavras de Gadamer, “ganhar um horizonte quer dizer sempre aprender a ver mais além do próximo e do muito próximo, não para apartá-lo da vista, senão que precisamente para vê-lo melhor, integrando-o em um todo maior e em padrões mais corretos”. A fusão de horizontes representa uma fusão do horizonte histórico com o horizonte do presente. Esta fusão se dá constantemente na vigência da tradição, já que neste locus hermenêutico o velho e novo crescem sempre juntos. Conheça agora a Tópica de Viehweg e a Teoria da Argumentação de Perelman Em 1953, o jurista alemão Theodor Viehweg, através de sua obra Tópica e Jurisprudência (Topik und Jurisprudenz) prestigiou um novo estilo de argumentação jurídica: o método tópico de interpretação judicial. Viehweg procurou enfatizar que a Ciência do Direito (jurisprudência) é concebida a partir do pensamento problemático. O método tópico de interpretação constitucional é chamado de Nova Hermenêutica por Paulo Bonavides, que influenciou vários juristas na Alemanha, tais como: Peter Häberle, Friedrich Müller e Konrad Hesse. A nova interpretação constitucional, com base no neoconstitucionalismo, como vimos, busca a reaproximação entre o Direito e a Ética pela superação do discurso axiomático-dedutivo da escola positivista do direito. É nesse contexto de revalorização da dimensão axiológica do direito que despontou a 9 teorização de Theodor Viehweg a partir de sua obra seminal Tópica e jurisprudência e do belga Chaim Perelman, com a obra feita em parceria com Lucie Olbrechts-Tyteca e denominada Tratado da Argumentação: a nova retórica, 1996. O método tópico de Viehweg se contrapõe à ideia de pensamento dedutivo, na medida em que é aplicado ao problema, isto é, tem por base o raciocínio voltado para o problema e não para a norma em si. A tópica tem, portanto, caráter indutivo que parte do caso particular para o geral, possivelmente, seja esta a maior razão que impede seu uso corrente pelos órgãos do Poder Judiciário. No pensamento tópico, a decisão final do intérprete deve basear-se no exame de um catálogo de pontos de vista (topoi) que podem igualmente incidir sobre o caso concreto a ser examinado. Assim sendo, observe, com atenção, que a tópica é um sistema indutivo – problemático (no sentido de que o ponto de partida é o problema), isto é, parte do particular para o geral e é voltado para a solução de um problema. Nas palavras do próprio Viehweg, a tópica é um processo especial de tratamento de problemas ou técnica do pensamento problemático mediante o emprego de topoi, vale dizer, pontos de vista utilizáveis em múltiplas instâncias, com validade geral, que servem para a ponderação dos prós e dos contras das opiniões e podem conduzir-nos ao que é verdadeiro. Eis que, no centro do método tópico viehwegiano está o problema concreto e não o contexto semântico da norma posta em abstrato. Em outros termos, o pensamento problemático é aporético e antissistêmico, no sentido de que não seleciona os problemas a partir do sistema, ao revés, parte do problema para chegar ao sistema. A questão chave na compreensão da tópica de Viehweg é perceber que a decisão final do juiz ou intérprete (a norma-decisão) é fruto do exame de um elenco de topoi que será ponderado dialeticamente para que se chegue a uma solução justa para o problema a resolver, e não o contrário, ou seja, o juiz primeiro decide e depois elabora a 10 sua fundamentação com base em um dos pontos de vista relevantes previamente considerados. Note que a tópica sempre será uma forma de controle intersubjetivo da dimensão retórica das decisões judiciais, na medida em que os destinatários do discurso jurídico (os componentes da comunidade aberta de intérpretes da Constituição, tal qual formulada por Peter Häberle) estarão aptos a julgar a decisão final a partir da escolha dos topoi juridicamente relevantes na formulação daquela decisão, ou seja, a tópica contribui para o controle das decisões judiciais porque permite que todos os intérpretes da Constituição avaliem sua escolha a partir dos pontos de vista julgados relevantes para o caso concreto. Em síntese, é a escolha bem-feita desses pontos de vista (racionalidade tópico-problemática) que servirá de base para a aceitabilidade da decisão final pela comunidade aberta de intérpretes da Constituição. A tópica indutiva viehwegiana se pauta nos elementos juridicamente relevantes obtidos a partir da projeção dos dados factuais do caso concreto (fatos portadores de juridicidade) sobre a ordem jurídica dada. A ponderação dialética dos topoi é pré-condição para a aplicação da racionalidade tópico-problemática; é seu ponto de partida para chegar à decisão final, mas não existe um único ponto de vista correto para a solução do problema, ao revés, há uma série de topoi igualmente válidos e relevantes, cabendo ao juiz, a partir do exame dos fatos portadores de juridicidade, decidir o tópos que deve prevalecer. O pensamento tópico surge como um importante instrumento de superação da metodologia clássica, já que representa uma suplantação às questões axiológicas do direito positivo, em direção a uma decisão judicial alinhada ao “respectivamente justo”. 11 É um novo estilo de argumentação jurídica de fundamentação dialética e persuasiva, mais consentâneo com a ciência do Direito, já que esta precisa responder aos anseios de uma sociedade multicultural. Através do pensamento tópico, o caso concreto decidendo deve ser pensado em toda a sua complexidade, com o firme propósito de problematizar-se o ideal de uma solução. Isso é possível de ser realizado através dos topoi, que são pontos retóricos de partida para a solução do problema. Segundo Tércio Sampaio Ferraz Jr., a expressão topos significa lugar (comum).3 Tratam-se de fórmulas, variáveis no tempo e no espaço, de reconhecida força persuasiva, e que usamos, com frequência, mesmo nas argumentações não técnicas das discussões cotidianas. No direito, são topoi, neste sentido, noções como interesse, interesse público, boa fé, autonomia da vontade, soberania, direitos individuais, legalidade, legitimidade. A tópica na visão de Paulo Bonavides Para Paulo Bonavides, a tópica “parece haver chegado assim na hora exata quando as mais prementes e angustiantes exigências metodológicas põem claramente a nu o espaço em branco deixado pela hermenêutica constitucionalclássica, característica do positivismo lógico-dedutivo”. Bonavides afirma ainda que: A tópica é o tronco de uma grande árvore, que se esgalha em distintas direções e que já produziu admiráveis frutos, sobretudo quando reconciliou, mediante fundamentação dialética mais persuasiva, o direito legislado com a realidade positiva e 3 FERRAZ Jr., Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994. 12 circundante, criando pelas vias retóricas, argumentativas e consensuais, atadas a essa realidade, uma concepção muito mais rica e fecunda, muito mais aderente à “praxis” e às subjacências sociais do que as próprias direções antecedentes do sociologismo jurídico tradicional. Neste ponto já se pode dizer que a tópica ultrapassa, a um tempo, o sociologismo no Direito, o formalismo normativista e o jusnaturalismo, bem como a concepção sistêmica e dedutivista, de cunho meramente formal, com antecedências clássicas no pandectismo e na jurisprudência dos conceitos.4 Em linhas gerais, o pensamento tópico se contrapõe ao pensamento sistêmico, sendo aquele mais adequado a valores pluralistas de uma sociedade, cujos conflitos de interesses são os mais ricos e contraditórios possíveis. Neste ponto, Viehweg recorre aos ensinamentos de Aristóteles, em especial, quanto à diferença entre as demonstrações apodíticas e dialéticas. O quadro abaixo sintetiza as principais características do pensamento tópico quando comparado com o pensamento sistêmico fechado: 4 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 446. 13 Pensamento Sistêmico Pensamento Tópico Pensamento dedutivo Dedução – lógica – sistemática Visão sistemática da ciência do direito Sistema fechado lógico- dedutivo Enquanto técnica jurídica da “praxis”, estaria voltada para o “respectivamente justo”. O problema deve ser pensado em toda a sua complexidade. Utilização de topoi: pontos retóricos de partida para a solução do problema. Conhece o problema por via do debate e da argumentação persuasiva, com o fito de solucioná-lo satisfatoriamente. Mais adequado à solução de problemas de uma sociedade aberta e pluralista. Dessa forma, a solução do caso concreto decidendo estaria relacionada ao modelo de argumentação tópica cuja problematização de seus argumentos apontariam para decisões judiciais mais próximas de um conceito de justiça. Melhor dizendo: Ao invés da utilização de um modelo de decisão judicial lógico-silogístico, o magistrado, a partir dos topoi, problematizaria a realização concreta do direito, a partir de um discurso jurídico indicando a melhor solução (plausível-verossímil) para o caso concreto decidendo. Além da tópica de Viehweg, é importante ainda examinar a obra de Perelman que se pauta no conceito diretor de que os debates nas relações humanas se dão em torno de argumentos, prevalecendo aquele que tiver melhor fundamentação para convencer os interlocutores, ou seja, para convencer o que Perelman denominou de auditório. Com isso, na teoria da 14 argumentação jurídica, não existem verdades apodíticas, verdades incontestáveis, mas, sim, opções razoáveis capazes de promover a adesão do auditório. Com rigor, não se pode negar que o convencimento do auditório depende da fundamentação jurídica, ou seja, quanto maior o grau de coerência das razões expostas, maior a racionalidade do discurso e, portanto, maior a aceitabilidade da decisão pelo auditório, aqui sendo, aferida mais uma vez pela sociedade aberta de intérpretes da Constituição (Peter Häberle) que leva à democratização da jurisdição constitucional reduzindo o déficit democrático imputado ao Poder Judiciário no exercício da função de legislador negativo. Com isso, a teoria argumentativa de Perelman se volta para a racionalidade discursiva, racionalidade dianoética que se inspira principalmente em valores, ao invés de um modelo matemático, subsuntivo e axiomático de direito posto. A obra de Perelman constrói cientificamente uma nova racionalidade jurídica intrinsecamente pluralista e mais afeita à ideia de sistema aberto de regras e princípios. O ponto central da Nova Retórica de Perelman encontra-se na contínua aferição da comunidade aberta de intérpretes da Constituição, porque coloca em confronto direto valores fundamentais da ordem jurídica e a realidade do mundo dos fatos. Há, pois, nítida articulação entre razão e ação, entre ética e direito, entre norma e valor. Com efeito, a dimensão retórica da teoria da argumentação de Perelman coloca em plano subordinado à escola positivista do direito. Como bem salienta Écio Oto Ramos Duarte: (...) uma concepção retórica da atividade racional desprendida do dogmatismo positivista sob o prisma do movimento pela desdogmatização da razão (...) O aspecto calculador da razão inserido na lógica formal [subsuntivo-dedutiva] não dignifica a razão e esta só adquire realmente significado se estudada dentro de uma teoria da argumentação que vai tratar dos problemas 15 relacionados à própria lógica, à linguagem e à comunicação com o enfoque de uma afinidade entre razão e valor.5 A nova retórica não recusa métodos da hermenêutica clássica (literal- histórico-sistemático-teleológico), apenas transforma-os em mais um ponto de argumentação, aplicando-os quando suficientes para a solução justa do caso concreto. E mais: se levarmos em consideração que a Constituição é um sistema aberto de regras e princípios, a teorização perelmaniana ganha relevo especial pela aplicação do balancing entre princípios que desdobram valores éticos em contraposição. A teoria discursiva do direito tem por escopo propor soluções às questões jurídicas complexas dos chamados hard cases (casos difíceis), cujo desfecho transcende à via da mera subsunção e dos métodos clássicos de interpretação. A textura aberta dos princípios propicia a incorporação de valorações morais do intérprete. Atividade proposta Diversos autores brasileiros procuram demonstrar cientificamente a existência do neoconstitucionalismo. Luís Roberto Barroso, por exemplo, preleciona que esse novo paradigma ocorre a partir de três marcos fundamentais: o histórico, teórico e o filosófico. Com base nessa teoria, diversos fenômenos passam a ser levados em consideração, como: I. o reconhecimento da normatividade dos princípios; II. a formulação de um raciocínio jurídico aberto, que leva em consideração a técnica da ponderação, as teorias da argumentação e a tópica; III. constitucionalização dos diversos ramos do direito; 5 DUARTE, Écio Oto Ramos; POZZOLO, Susanna. Neoconstitucionalismo e positivismo jurídico. As faces da teoria do direito em tempos de interpretação constitucional. São Paulo: Landy, 2006. 16 IV. reaproximação entre o direito e a ética; V. judicialização da política. A partir disso, é possível verificar algum risco para a democracia? Material complementar Para aprofundar seu conhecimento, consulte estas indicações bibliográficas: BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 446-454. Decisão judicial Recurso Especial nº 451.242 – RS (2002/0095302-1) à luz do Pensamento Tópico. Referências BARBERA, Augusto. Le basi filosofichedel constituzionalismo. Roma: Editora Laterza, 2005. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1996. ________. Curso de Direito Constitucional. Os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009. BERTI, Enrico. As razões de Aristóteles. São Paulo: Loyola, 1998. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. 17 CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e argumentação: uma contribuição ao estudo do direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. DINIZ, Antônio Carlos; MAIA, Antônio Cavalcanti. Pós-positivismo. In: Dicionário de filosofia do direito. Org. BARRETO, Vicente de Paulo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. DINIZ, Antônio Carlos; MAIA. Pós-modernismo. In: Dicionário de filosofia do direito. Org. BARRETO, Vicente de Paulo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. DUARTE, Écio Oto Ramos; POZZOLO, Susanna. Neoconstitucionalismo e positivismo jurídico. As faces da teoria do direito em tempos de interpretação constitucional. São Paulo: Landy, 2006. FARALLI, Carla. La filosofia del diritto contemporanea dopo la crisi del positivismo giuridico. In: Filosofi del diritto contemporanei. Org. ZANETTI, Gianfrancesco. Milão: Raffaello Cortina Editore, 1999. FERRAZ Jr., Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. 2. ed. 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É baseada na relação entre o auditório e o enunciador, já que a adaptação ao auditório é uma condição para a persuasão. II. A obra de Perelman representa uma nova racionalidade jurídica intrinsecamente pluralista e mais afeita à ideia de uma hermenêutica diatópica, dedutiva e axiomática. III. Representa uma reabilitação magistral de Retórica e da Argumentação. IV. O ponto central da Nova Retórica de Perelman encontra-se na contínua aferição da letra da norma fundamental em detrimento dos elementos fáticos do caso concreto. a) ( ) I – C; II – E; III – E; IV – C. b) ( ) I – C; II – E; III – C; IV – E. c) ( ) I – E; II – C; III – E; IV – E. d) ( ) I – E; II – C; III – C; IV – C. 20 Questão 3 Assinale a alternativa INCORRETA: a) A nova interpretação constitucional (neoconstitucionalismo) busca a reaproximação entre o Direito e a Ética pela superação do discurso axiomático-dedutivo da escola positivista do direito. b) No neoconstitucionalismo, a normatividade do direito não se atrela tão somente ao conteúdo da norma in abstracto. c) A tópica tem caráter dedutivo que parte do caso geral para o particular. d) No pensamento tópico, a decisão final do intérprete deve basear-se no exame de um catálogo de pontos de vista (topoi) que podem igualmente incidir sobre o caso concreto sendo examinado. Questão 4 São características do pós-positivismo, EXCETO: a) A normatividade do Direito relaciona-se ao grau de aceitabilidade da norma de decisão pela consciência epistemológica da comunidade aberta de intérpretes da Constituição. b) A superação da racionalidade linguístico-subsuntiva ligada ao texto da norma. c) A aplicação axiológica da lei. d) Separação total entre Direito e Ética. 21 Questão 5 A Tópica de Viewheg é um modo de pensar o problema: a) De forma aberta, assumindo significações em função dos problemas a resolver. b) A partir de uma racionalidade lógico-abstrata. c) Que se justifica a partir de uma linguagem matematizante, refletindo a crise do direito contemporâneo. d) De forma retrospectiva, com firme propósito de alcançar o espírito da lei. 22 Atividade proposta O aluno deve perceber que o uso excessivo da judicialização pode comprometer tanto a democracia como a autonomia pública e privada do cidadão, bem como a segurança jurídica das relações jurídicas. Exercícios de fixação Questão 1 - B Justificativa: O método tópico de Viehweg se contrapõe à ideia de pensamento dedutivo, na medida em que é aplicado ao problema, isto é, tem por base o raciocínio voltado para o problema e não para a norma em si. A tópica tem, portanto, caráter indutivo que parte do caso particular para o geral. Questão 2 - B Justificativa: Os itens I e III estão corretos, pois a Teoria Argumentativa de Perelman é baseada na relação entre o auditório e o enunciador, já que a adaptação ao auditório é uma condição para a persuasão e representa uma reabilitação magistral de Retórica e da Argumentação. Já os itens II e IV estão errados, pois o ponto central da Nova Retórica de Perelman encontra-se na contínua aferição da comunidade aberta de intérpretes da Constituição, porque coloca em confronto direto valores fundamentais da ordem jurídica e a realidade do mundo dos fatos. Há, pois, nítida articulação entre razão e ação, entre ética e direito, entre norma e valor. Questão 3 - C Justificativa: O problema deve ser pensado em toda a sua complexidade. O método tópico de Viehweg se contrapõe à ideia de pensamento dedutivo, na medida em que é aplicado ao problema. 23 Questão 4 - D Justificativa: Ao contrário do que é afirmado, o pós-positivismo jurídico possibilita a reaproximação entre o direito e a ética. Questão 5 - A Justificativa: O pensamento problemático é aporético e antissistêmico no sentido de que não seleciona os problemas a partir do sistema, ao revés, parte do problema para chegar ao sistema.Atualizado em: 20 fev. 2014