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Poesias de Gregório - Gregório de Matos

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GREGÓRIO DE MATOS
O poeta descreve o que era naquele tempo a cidade da Bahia
A cada canto um grande conselheiro,
Que nos quer governar cabana e vinha;
Não sabem governar sua cozinha,
E podem governar o mundo inteiro.
Em cada porta um bem freqüentado olheiro,
Que a vida do vizinho e da vizinha
Pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha,
Para o levar à praça e ao terreiro.
Muitos mulatos desavergonhados,
Trazidos sob os pés os homens nobres,
Posta nas palmas toda a picardia,
Estupendas usuras nos mercados,
Todos os que não furtam muito pobres:
E eis aqui a cidade da Bahia.
Neste soneto, Gregório de Matos faz sua crítica direta aos poderosos da colônia, cuja atuação se
faz no macrocosmo e no microcosmo. A figuração barroca "cabana", "vinha" e "cozinha",
representando a vida e o controle sobre a mesma, passa para o nível individual, sobre o cidadão
comum. O primeiro terceto apresenta a opinião do poeta de que a nobreza portuguesa está sendo
sobrepujada pela miscigenação e que os mulatos estariam trazendo os homens nobres, os
portugueses ou descendentes destes, sob os seus pés. Além da crítica óbvia à incompetência e à
desonestidade, Gregório situa na ascensão social do mulato um motivo que sempre foi caro à sua
poesia: o do mundo "às avessas", insatisfatório, corroído por funda inversão de valores. O honesto
é pobre, o ocioso triunfa; o incompetente manda. A palavra "usuras" em algumas edições aparece
substituída pela palavra "usinas". Ambas são aceitáveis no poema. Achei mais adequado o termo
"usura", por ser mais forte e diretamente ligado à conclusão que o poeta apresenta com chave de
ouro.
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Bosi, 1981:
"Têm-se acentuado os contrastes da produção literária de Gregório de Matos: a sátira mais
irreverente alterna com a contrição do poeta devoto; a obscenidade do "capadócio" (José
Veríssimo) mal se casa com a pose idealista de alguns sonetos petrarquizantes. Mas essas
contradições não devem intrigar quem conhece a ambigüidade da vida moral que servia de fundo à
educação ibérico-jesuítica. O desejo de gozo e de riqueza são mascarados formalmente por uma
retórica nobre e moralizante, mas afloram com toda brutalidade nas relações com as classes servis
que delas saem mais aviltadas. Dai, o "populismo" chulo que irrompe às vezes e, longe de
significar uma atitude antiaristocrática, nada mais é que válvula de escape para velhas obsessões
sexuais ou arma para ferir os poderosos invejados. Conhecem-se as diatribes de Gregório contra
algumas autoridades da colônia, mas também palavras de desprezo pelos mestiços e de cobiça
pelas mulatas. A situação de "intelectual" branco não bastante prestigiado pelos maiores da terra
ainda mais lhe pungia o amor-próprio e o levava a estiletar às cegas todas as classes da nova
sociedade."
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TORNA A DEFINIR O POETA OS MAUS MODOS DE OBRAR NA GOVERNANÇA DA BAHIA,
PRINCIPALMENTE NAQUELA UNIVERSAL FOME QUE PADECIA A CIDADE.
Que falta nesta cidade? ... Verdade.
Que mais por sua desonra? ... Honra.
Falta mais que se lhe ponha? ... Vergonha.
O demo a viver se exponha,
Por mais que a fama a exalta,
Numa cidade, onde falta
Verdade, honra, vergonha.
Quem a pôs neste socrócio? ... Negócio.
Quem causa tal perdição? ... Ambição.
E o maior desta loucura? ... Usura.
Notável desaventura
De um povo néscio e sandeu,
Que não sabe que o perdeu
Negócio, ambição, usura.
Quais são meus doces objetos? ... Pretos.
Tem outros bens mais maciços? ... Mestiços.
Quais destes lhe são mais gratos? ... Mulatos.
Dou ao Demo os insensatos,
Dou ao demo o povo asnal,
Que estima por cabedal
Pretos, mestiços, mulatos.
Quem faz os círios mesquinhos? ... Meirinhos.
Quem faz as farinhas tardas? ... Guardas.
Quem as tem nos aposentos? ... Sargentos.
Os círios lá vêm aos centos,
E a terra fica esfaimada,
porque os vão atravessando
Meirinhos, guardas, sargentos.
E que justiça a resguarda? ... Bastarda.
É grátis distribuída? ... Vendida.
Que tem, que a todos assusta? ... Injusta.
Valha-nos Deus, o que custa
O que El-Rei nos dá de graça,
Que anda a justiça na praça
Bastarda, vendida, injusta.
Que vai pela clerezia? ... Simonia.
E pelos membros da Igreja? ... Inveja.
Cuidei, que mais se lhe punha? ... Unha.
Sazonada caramunha!
Enfim, que na Santa Sé
O que se pratica, é
Simonia, inveja, unha.
E nos frades há manqueiras? ... Freiras.
Em que ocupam os serões? ... Sermões.
Não se ocupam em disputas? ... Putas.
Com palavras dissolutas
Me concluo na verdade,
Que as lidas todas de um frade
São freiras, sermões, e putas.
O açúcar já se acabou? ... Baixou.
E o dinheiro se extinguiu? ... Subiu.
Logo já convalesceu? ... Morreu.
À Bahia aconteceu
O que a um doente acontece:
Cai na cama, e o mal lhe cresce,
Baixou, subiu, e morreu.
A Câmara não acode? ... Não pode.
Pois não tem todo o poder? ... Não quer.
É que o governo a convence? ... Não vence.
Quem haverá que tal pense,
Que uma Câmara tão nobre
Por ver-se mísera, e pobre
Não pode, não quer, não vence!
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VOCABULÁRIO:
Socrócio - aperto, ambição; furto.
Círios - sacos de farinha (a grafia correta é sírios)
Simonia - venda de coisas sagradas.
Unha - roubalheira; avareza; tirania, opressão.
Sazonada caramunha - Experimentada lamentação! (Soares Amora). A expressão tem sentido
ambíguo. Sazonada é derivado de sazonar e equivale a amadurecida. Caramunha pode ser "a
cara das crianças quando choram" ou a "lástima pelo próprio mal que se causou".
Manqueiras - Vícios, defeitos; doença infecciosa no homem e em certos animais.
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EPÍLOGOS - Composição poética em que um quarteto resume o que foi dito no terceto
imediatamente anterior. Os tercetos e os quartetos se alternam. As rimas finais dos tercetos se
repetem no último verso dos quartetos pelo processo de recolha. É uma espécie de poesia barroca
que exige muita habilidade do poeta.
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Dimas, 1981:
".., cronista sou/ desta grã festividade " e por esse motivo "tenho de falar verdade/ e dizer o que
passou. " Eis um dos raros momentos em que Gregário de Matos reivindica abertamente a função
documental para sua poesia, mais uma forma de acesso à realidade histórica colonial, ainda que
não a mais fidedigna, porque necessária e subjetivamente deformada. Não fosse assim,
estaríamos diante de um historiador e não de um poeta. No espaço histórico em que se movimenta
e atua, permite-se o poeta vasculhá-lo à vontade numa tentativa intensa e contínua de revelar ao
leitor certas intimidades do cotidiano, transformadas sempre pela dosagem, às vezes sutil, outras
não, da perícia verbal com o faro fino e cáustico. Apegado à exigência ética "de falar verdade ",
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PONDO OS OLHOS PRIMEIRAMENTE NA SUA CIDADE CONHECE QUE OS MERCADORES
SÃO O PRIMEIRO MÓVEL DA RUÍNA, EM QUE ARDE PELAS MERCADORIAS INÚTEIS, E
ENGANOSAS.
Triste Bahia! oh quão dessemelhante
Estás e estou do nosso antigo estado!
Pobre te vejo a ti, tu a mim empenhado.
Rica te vi eu já, tu a mim abundante.
A ti tocou-te a máquina mercante,
Que em tua larga barra tem entrado,
A mim foi-me trocando e tem trocado
Tanto negócio e tanto negociante.
Deste em dar tanto açúcar excelente
Pelas drogas inúteis, que abelhuda
Simples aceitas do sagaz Brichote.
Oh, se quisera Deus que, de repente,
Um dia amanheceras tão sisuda
Que fora de algodão o teu capote!
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"Gregório moteja aqueles senhores de engenho que, já mestiçados de português e tupi,
presumiam igualar-se em prosápia com a velha nobreza branca que formaria o "antigo estado" da
Bahia. E é com olhos de saudade e culpa que o poeta vê o novo mercador lusitano e os
associadosdeste na Colônia ávidos de lucro e interessados em trocar por ninharias o ouro doce
das moendas. No forte e bem travado soneto "Triste Bahia", Gregório se identifica com a sua terra
espoliada pelo negociante de fora, o "sagaz Brichote", e impreca a Deus que faça tornar o velho
tempo da austeridade e da contensão."

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