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Sociologia Jurídica e Judiciária Aula 3: Eficácia das normas jurídicas e efeitos sociais INTRODUÇÃO As questões relacionadas com a eficácia do Direito são particularmente importantes para a Sociologia Jurídica e Judiciária. Em outras palavras, tanto a definição quanto as dimensões da eficácia da lei apresentam aspectos que interessam ao estudo dos sociólogos do Direito. Termos e expressões como eficácia, eficácia social, efetividade e eficiência indicam as diferentes concepções do fenômeno normativo em sua dinâmica social. Além disso, todos os efeitos sociais – positivos ou negativos – relacionados tanto à produção quanto à aplicação da norma são relevantes para a análise sociológica do Direito na vida social. Este será o objeto de estudo desta aula. OBJETIVOS Definir eficácia a partir da análise das consequências sociais da lei; Elaborar hipóteses de alcance de plena eficácia legislativa com efeitos sociais positivos; Reconhecer algumas possíveis contribuições para a eficácia e a ineficácia social da norma. EFICÁCIA E INEFICÁCIA SOCIAL Para começarmos nosso estudo sobre eficácia e ineficácia social das normas jurídicas, selecionamos o seguinte caso concreto: Fonte da Imagem: KumKlaeng / Shutterstock Em vigor há 10 anos, a Lei nº 4.597/2005 (glossário) – Lei do Pitbull – virou um gatinho manso nas mãos dos donos de cães ferozes. A lei permite que cães das raças pitbull, fila, doberman e rotweiller circulem a qualquer hora do dia, desde que usem focinheira, enforcador e que estejam acompanhados por maiores de 18 anos. No último sábado, por exemplo, por volta das 15 horas, o comerciante Joaquim Manuel de Oliveira, de 34 anos, morador de Copacabana, no Rio de Janeiro, passeava no Parque do Cantagalo, na Lagoa, com sua pitbull de 5 anos totalmente à vontade. Ele foi franco: – Para evitar problemas, eu só estava saindo de madrugada – quando a lei, revogada pela atual, proibia os passeios diurnos. Mas é só andar pela Zona Sul para ver que a quantidade de dobermans e de rotweillers passeando à luz do dia – a maioria sem focinheira – é a mesma de antes da lei. A partir da leitura desse caso, é fácil perceber que a norma referida não está tendo eficácia. As questões que levantamos sobre o tema são: a) Apesar de ineficaz, a Lei do Pitbull pode ser considerada válida? Por quê? b)Qual é a distinção entre eficácia e validade normativa? Para responder essas perguntas, precisamos, primeiro, aprofundar nossos estudos sobre tais conceitos. Vamos lá? VALIDADE DA NORMA JURÍDICA De forma geral, VÁLIDO é aquilo que é feito com todos os seus elementos essenciais. http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/CONTLEI.NSF/69d90307244602bb032567e800668618/34bb640c826eaeba8325708a00747884?OpenDocument Fonte da Imagem: Faberr Ink / Shutterstock Em Direito, para que um ato ou negócio seja considerado válido, tem de revestir-se de todos os elementos essenciais que a lei prevê. Faltando um deles, o negócio será inválido, nulo. Portanto, a validade decorre sempre de o ato ter sido executado com a satisfação de todas as exigências legais. Saiba mais , Materialmente, a validade depende de a norma criada respeitar os limites do poder concedido a seu emissor: ela não pode contrariar as normas criadas pelas autoridades superiores., , Preenchidas tais condições, constataremos que se trata de norma válida – e, portanto, jurídica. Fonte da Imagem: allegro / Shutterstock De acordo com Hans Kelsen (glossário) (1881-1973), a validade da norma jurídica é sua existência específica. Sua capacidade de legalmente obrigar a conduta de seus destinatários – a sociedade em geral – representa um conjunto de requisitos que comporta três aspectos já analisados sob a ótica da Ciência do Direito: a validade formal, fática e ética. Sendo assim, podemos classificar a norma por sua: VALIDADE FORMAL Uma norma jurídica será válida se preencher os requisitos formais e materiais. Formalmente, a validade depende de a autoridade possuir poder normativo e exercer esse poder conforme o estabelecido na Constituição ou nas leis. EFICÁCIA Com base na visão positivista, a eficácia é uma consequência da validade. EFICÁCIA JURÍDICA X EFICÁCIA SOCIAL É importante distinguir da eficácia jurídica o que muitos autores chamam de eficácia social da norma. Fonte da Imagem: Syda Productions / Shutterstock A eficácia social refere-se ao(s): Cumprimento efetivo do Direito por parte de uma sociedade; “Reconhecimento” do Direito pela comunidade; Efeitos que uma regra opera através de seu cumprimento, mais especificamente. Em tal acepção, eficácia social é a concretização do comando normativo, sua força realizadora no mundo dos fatos. Deliberadamente, ao estudar a capacidade de produzir efeitos, deixou-se de lado a ideia de cogitar, de saber se estes efetivamente se produzem. A efetividade defende não a eficácia jurídica como possibilidade da aplicação da norma, mas a eficácia social e os mecanismos para sua real aplicação. Saiba mais , A efetividade significa a realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela traduz a materialização dos preceitos legais no mundo dos fatos e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social., , A efetividade das normas depende, em primeiro lugar, de sua eficácia jurídica, da aptidão formal para incidir e reger as situações da vida, operando os efeitos que lhe são inerentes. Não se trata apenas da vigência da regra mas também, e, sobretudo, da capacidade de o relato de uma norma dar-lhe condições de atuação, isoladamente ou conjugada com outros normas. Se o efeito jurídico pretendido pela norma for irrealizável, não haverá efetividade possível. Nesse sentido, a eficácia da norma pode ser: Vejamos quais são as repercussões sociais da eficácia normativa: Fonte: Estácio Norma jurídica formalmente válida A norma eficaz é aquela que tem força para realizar os efeitos sociais para os quais foi elaborada – seja o cumprimento da norma, seja a sanção imposta em caso de descumprimento. EFEITOS DA NORMA JURÍDICA As normas jurídicas nunca são plenamente eficazes. O ponto de partida é uma maior ou menor diferença entre a pretensão jurídica e o efeito real. Uma pesquisa empírica pode estabelecer matematicamente o grau – a porcentagem – de eficácia de uma norma, identificando sua quota. Em outras palavras, é possível determinar até que ponto o Direito é cumprido na realidade social. São alguns efeitos da norma jurídica: Expectativa de consequências negativas Quando sabem que a desobediência a uma lei é punida na prática, as pessoas tendem a respeitá-la. Ênfase a fatores sociais O sistema de relações sociais e a atitude do poder político diante da sociedade civil influenciam as chances de aplicação da norma. Veremos, a seguir, que esses efeitos fazem parte do grupo de fatores que contribuem para a eficácia social da norma. CONTRIBUIÇÃO PARA EFICÁCIA SOCIAL DA NORMA: FATORES SOCIAIS Vamos conhecer, agora, alguns dos possíveis fatores que contribuem para a eficácia social da norma. Os primeiros são os fatores referentes à situação social. São eles: PARTICIPAÇÃO DOS CIDADÃOS NO PROCESSO DE ELABORAÇÃO E APLICAÇÃO DA NORMA Uma reforma legal que atende reivindicações da maioria da população tem mais possibilidades de aplicação do que uma norma decidida de forma autoritária. COESÃO SOCIAL Quanto menos conflitos existirem em uma sociedade em determinado momento e quanto mais consenso houver entre os cidadãos com relação à política do Estado, mais forte será o grau de eficácia das normas vigentes. ADEQUAÇÃO DA NORMA À SITUAÇÃO POLÍTICA E ÀS RELAÇÕES DE FORÇA DOMINANTE Uma norma que corresponde à realidade política e social possui mais chances de ser cumprida. Disso resulta a importância de sua adequação interna: quando as consequências da norma na prática permitem alcançar os fins objetivados pelo legislador, tornando-a funcional. Exemplo: norma que estabelece o rodízio de carros no centro de São Paulo. CONTEMPORANEIDADE DA NORMA COM A SOCIEDADEEm geral, não se tornam eficazes normas que exprimem ideias antigas ou inovadoras. CONTRIBUIÇÃO PARA EFICÁCIA SOCIAL DA NORMA: FATORES INSTRUMENTAIS Fonte: Estácio Outros fatores que contribuem para a eficácia social da norma são os instrumentais, que dependem da atuação dos órgãos de elaboração e de aplicação do Direito – Legislativo e Judiciário. São eles: Divulgação do conteúdo da norma entre a população; Conhecimento da norma por seus destinatários; Perfeição técnica da norma – clareza da redação, brevidade, precisão do conteúdo, sistematicidade; Estudos preparatórios do tema sobre o qual se objetiva legislar; Preparação dos profissionais do Direito responsáveis pela aplicação da norma; Previsão de consequências jurídicas – sanções – adaptadas à situação e socialmente aceitas; Expectativa de consequências negativas – efetividade na aplicação da sanção prevista na norma. EFEITOS POSITIVOS DA NORMA JURÍDICA A norma jurídica apresenta algumas funções positivas para a sociedade. São elas: Função de controle social Aquela exercida através do Direito pela: Prevenção geral – para realizar uma coação psicológica ou intimidação por todos; Prevenção especial – para isolar o transgressor do meio social; Pena pecuniária ou multa – para ajustar a conduta desse transgressor às condições existenciais. Função educativa Certos assuntos passam a ser mais conhecidos pelo grupo social quando são disciplinados pela lei. Afinal, antes de se tornar obrigatória, a lei precisa ser divulgada, publicada. À medida que vai se tornando conhecida pelo grupo, ela também vai educando e esclarecendo a opinião pública. Função conservadora Aquela que está vinculada ao caráter estático que representa ao garantir a manutenção da ordem social vigente. Isso pode significar a perpetuação do atraso. Disso resulta a importância de o Direito ser visto, ao mesmo tempo, como um instrumento de transformações sociais. Função transformadora Muitas vezes, em função das necessidades objetivas, a norma estabelece novas diretrizes a serem seguidas, fixa novos princípios a serem observados em certas questões. Para isso, determina a realização de certas modificações em seus dispositivos. EFEITOS NEGATIVOS DA NORMA JURÍDICA Como observamos, a eficácia da norma está relacionada a seu reconhecimento, a sua aceitação ou a sua adesão pela sociedade. No entanto, quando as leis entram em conflito com os fatos, acabam vencidas por estes e findam por desmoralizar-se, provocando desapreço a toda legislação. São alguns efeitos negativos da norma jurídica: DESATUALIZAÇÃO DA LEI Com o passar do tempo, a lei acaba se tornando ultrapassada, pois os fatos são dinâmicos – estão sempre evoluindo –, enquanto a lei é estática. MISONEÍSMO Misoneísmo significa ter aversão às inovações: velhos hábitos, costumes, privilégios de grupos impedem que a lei seja aplicada ou elaborada. Ã À ANTECIPAÇÃO DA LEI À REALIDADE Nem sempre, há correspondência entre a realidade social e a norma. Dessa forma, a lei cai no vazio. Reflexão , Para saber mais sobre a questão misoneísta, leia o texto Misoneísmo – Por que ter medo do que é diferente? (galeria/aula3/docs/a03_t09.pdf). ATIVIDADE PROPOSTA Diante de nosso estudo, agora, você pode responder aos questionamentos relacionados ao caso concreto que analisamos no início da aula: a) Apesar de ineficaz, a Lei do Pitbull pode ser considerada válida? Por quê? Resposta Correta b) Qual é a distinção entre eficácia e validade normativa? Resposta Correta Fonte: Estácio https://estacio.webaula.com.br/cursos/gon567/galeria/aula3/docs/a03_t09.pdf Glossário HANS KELSEN Jurista e filósofo austríaco, considerado um dos mais importantes e influentes estudiosos do Direito. PRECEITOS Aquilo que se recomenda praticar. Regra, norma.