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EDUCAÇÃO: 
CARINHO E TRABALHO 
Chamada de capa: 
Um livro sobre o 
BURNOUT, a síndrome da 
DESISTÊNCIA DO EDUCADOR, que pode levar à 
FALÊNCIA DA EDUCAÇÃO 
(Importante Que A Frase, Burnout, Desistência Do Educador, Falência Da Educação Fique Destacada, 
Como Se Fosse Uma Frase Só) 
Coordenação do Laboratório de Psicologia do Trabalho 
Coordenação Geral Wanderley Codo 
Coordenação Sociologia do Trabalho Analía Soria Batista 
Coordenação Psicologia do Trabalho Lúcia Soratto 
Coordenação Psicologia Clínica Iône Vasques-Menezes 
 
Diretoria Executiva– CNTE-GESTÃO 97/99 
CARGO NOME 
Presidente Carlos Augusto Abicalil (MT) 
Vice-Presidente: Francisco das Chagas Fernandes (RN) 
Sec. Geral Maria Izabel Azevedo Noronha (SP) 
Sec. de Ass. Internancionais Juçara Maria Dutra Vieira (RS) 
Sec. de Ass. Educacionais Maria Teresa Leitão de Melo (PE) 
Sec. de Formação Maria Inês Camargos (MG) 
Sec. de Políticas Sociais Lujan Maria Bacelar de Miranda (PI) 
Sec. de Política Sindical Maria do Livramento P. Bezerra (DF) 
Sec. de Finanças Francisco José Gauter de Oliveira (PI) 
Sec. de Imprensa e Divulgação Robson Lopes Trajano (RJ) 
Sec. de Legislação Milton Canuto de Almeida (AL) 
Sec. da Mulher Trabalhadora Noeme Diná Silva (GO) 
Sec. dos Aposentados Terezinha Ribeiro Picheth (PR) 
Sec. Adjunto de Políticas Sociais Reinaldo Paschoa Bicudo (SP) 
Sec. Adjunto de Ass Educacionais Mauri Matos de Freitas (SC) 
Sec. Adjunta de Ass. Educacionais Márcia Alcalay Dorneles (RS) 
Sec. Adjunto de Formação Arthur Sérgio Rangel Viana (ES) 
Suplente Manoel Rodrigues da Silva (RO) 
Suplente Rosimar Mendes Silva (TO) 
Suplente Mário Sérgio Ferreira de Souza (PR) 
Suplente Araceli Maria Pereira Lemos (PA) 
Suplente Marcos Macêdo Fernandes Caron (DF) 
CONSELHO FISCAL 
Efetivo Edvaldo Faustino da Costa (PB) 
Efetivo Itana Carvalho de Portugal (BA) 
Efetivo Valdir Pereira de Araújo 
Suplente Neyde Aparecida da Silva 
Suplente Antonio Eugênio F. Corrêa 
Suplente Gilberto Cruz de Araujo 
ENTIDADES FILIADAS: 
 
APEOESPE —Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do estado de São Paulo 
APLB —Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado da Bahia 
APP / PR —Sindicato dos Professores das Redes Públicas Estaduais e Municipais do Paraná 
CPERS / SINDICATO —Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul - Sindicato 
 dos Trabalhadores em Educação 
FETEMS —Federação dos Trab. em Educação do Mato Grosso do Sul 
SAE / DF —Sindicato dos Aux. de Administração do Distrito Federal 
SEPE / RJ —Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação do Rio de Janeiro 
SINDIFUSE / SP —Sindicato dos Funcionários e Servidores da Educação 
SINDIUPES / ES —Sindicato dos Trab. em Educ. Pública do Espirito Santo 
SINDIUTE / CE —Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação do Ceará 
SIND-UTE / MG —Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais 
SINPRO / DF —Sindicato dos Professores do Distrito Federal 
SINPROESEMMA —Sindicato dos Prof. Públicos Esp. em Educ. Púb. Serv. Púb. da Educ. 
 e Mun. Do Ensino de 1º e 2º Graus do Maranhão 
SINSEPEAP / AP —Sindicato dos Servidores Públicos em Educação do Amapá 
SINTE / PI —Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Piauí 
SINTE / RN —Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Rio Grande do Norte 
SINTE / SC —Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Rede Pública de 
 Ensino do Estado de Santa Catarina 
SINTEAC / AC —Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Acre 
SINTEAL / AL —Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Alagoas 
SINTEAM / AM —Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Amazonas 
SINTEGO / GO —Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Goiás 
SINTEP / MT —Sindicato dos Trabalhadores do Ensino Público do Mato Grosso 
SINTEP / PB —Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado da Paraíba 
SINTEPE / PE —Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Pernambuco 
SINTEPP / PA —Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Pará 
SINTER / RR —Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Roraima 
SINTERO / RO —Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado de Rondônia 
SINTESE / SE —Sindicato dos Trabalhadores em Educação de 1º e 2º Graus da rede 
 Oficial de Sergipe 
SINTET / TO —Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Tocantins 
 
 
 
 
ÍNDICE 
Cap 1 – Educar, Educador ................................................................................................................ 27 
Cap 2 - Trabalho e Afetividade.......................................................................................................... 38 
Cap 3 - Crise de Identidade e Sofrimento ......................................................................................... 52 
Cap 4 – Os trabalhadores e seu trabalho ......................................................................................... 85 
Cap 5 - Trabalho: atividade humana por excelência....................................................................... 110 
cap 6 - Condições organizacionais ................................................................................................. 129 
Cap 7 - Violência e Agressão.......................................................................................................... 141 
Cap 8 - Infra-estrutura das escolas públicas................................................................................... 167 
Cap 9 - Gestão / Eficiência nas escolas.......................................................................................... 183 
Cap 10 - A Centralidade da Gestão ................................................................................................ 194 
Cap 11 - Salário............................................................................................................................... 204 
Cap 12 - Poder de Compra ............................................................................................................. 217 
Cap 13 - O que é Burnout ? ............................................................................................................ 257 
Cap 14 - O Conflito entre o Trabalho e a Família e o sofrimento psíquico..................................... 277 
Cap 15 – Suporte Afetivo e o Sofrimento Psíquico em Burnout ..................................................... 286 
Cap 16 – Burnout e Suporte Social................................................................................................. 293 
Cap 17 – Burnout e relações sociais no trabalho ........................................................................... 299 
Cap 18 – Atitudes no trabalho e Burnout ........................................................................................ 306 
Cap 19 – Burnout e carga mental no trabalho ................................................................................ 311 
Cap 20 - Importância social do trabalho.......................................................................................... 325 
Cap 21 - Relações com o sindicato e saúde mental dos trabalhadores da educação ................... 334 
Cap 22 – Segurança nas escolas e Burnout dos professores ........................................................ 349 
Cap 23 – Infra-estrutura das escolas e Burnout nos professores................................................... 364 
Cap 24 - Gestão democrática nas escolas e Burnout nos professores.......................................... 376 
Cap 25 - Remuneração, renda, poder de compra e sofrimento psíquico do educador.................. 382 
Cap 26 - O Brasil, seus estados e o sofrimento psíquico dos professores .................................... 403 
Cap 28 - A si mesmo como trabalho ............................................................................................... 416 
Cap 30 - O planeta como cenário. .................................................................................................. 443 
Referências bibliográficas ...............................................................................................................447 
Anexos............................................................................................................................................. 459 
Como foi feita a pesquisa....................................................................................667 
QUALIFICAÇÃO FORMAL DOS PROFESSORES DO ENSINO PÚBLICO ESTADUAL DO BRASIL467 
íNDICE DE FIGURAS...........................................................................................678 
 
 
 
 
 
 
APRESENTAÇÃO 
Este livro é sobre o trabalho dos educadores. 
Produzido em uma parceria entre a CNTE (confederação Nacional dos Trabalhadores em educação) e o LPT 
(Laboratório de Psicologia do Trabalho – UnB). 
Relata uma pesquisa sobre as condições de trabalho e saúde mental dos trabalhadores em educação do país: 
professores, funcionários e especialistas em educação da rede pública estadual, algo em torno a 1.800.000 
educadores. 
Dois anos e meio de investigação, 52.000 sujeitos investigados em 1440 escolas espalhadas em todos os 
estados do Brasil, financiada totalmente pelos 29 sindicatos reunidos na CNTE, com apoio da UNICEF e do CNPq. 
O estudo, realizado pelo Laboratório de Psicologia do Trabalho da UnB, contou com uma equipe 
interdisciplinar de 15 pesquisadores, quatro coordenadores regionais e algo em torno a 100 aplicadores treinados em 
todo o país e responsáveis pela observação em loco de cada uma das 1440 escolas e pela aplicação coletiva de um 
protocolo composto por 15 escalas de investigação sobre trabalho e relações sociais, 7 escalas clínicas, 1 de Burnout, 
1 de alcoolismo além de dados objetivos sobre vida e trabalho. 
Trata-se do primeiro estudo nacional, exaustivo e abrangente sobre saúde mental e trabalho de uma categoria 
profissional realizado no Brasil, e o mais extenso (quer pelo espectro de variáveis investigadas, quer pelo número de 
sujeitos e organizações de trabalho envolvidos) que se tem notícia no mundo. 
Esta pesquisa aplica uma metodologia e uma teoria que vem sendo desenvolvida desde 1979, em parte 
publicada nos livros ‘Indivíduo Trabalho e Sofrimento’ e ‘Sofrimento Psíquico nas Organizações’. 
Tudo isto foi feito com muito carinho. 
Wanderley Codo 
 
 
 
Prefácio 
“Na floresta há sendas, 
Muitos se perdem. 
No cerrado da vegetação 
De repente, desaparece a trilha 
E acaba no Intransitado. 
 
Cada senda caminha separada, 
Na mesma floresta 
Quando sempre parece 
Uma igual a outra. 
Mas, só parece assim. 
Lenhadores e vigias da mata 
Conhecem os caminhos. 
Eles sabem 
O que é 
Estar numa senda perdida.” 
(M. Heidegger, Sendas Perdidas) 
Este livro forjou-se na trilha das lutas dos/as trabalhadores/as em educação pública básica do Brasil, exatamente no 
momento grave de enfrentamento das reformas de molde neo-liberal implementadas e aceleradas na última meia 
década. Reformas que alteram e reduzem substancialmente os conceitos de estado e de direito, que indicam a opção 
pragmática pelo mercado como sendo única via de organização social, cultural e econômica consistente para a 
contemporaneidade, e a extinção da temporalidade histórica que aponta o presente como único lugar do possível. 
Caótico, bárbaro e inexpugnável. 
É exatamente a afirmação da história, do conflito e da superação necessária de relações injustas para relações 
humanizadas que fez a decisão da CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação e de suas 29 
entidades filiadas em todo o país e que pautou o convênio firmado com o Departamento de Psicologia do Trabalho da 
Universidade de Brasília - encaminhar-se para a mais ambiciosa e cortante pesquisa já realizada nesse campo do 
conhecimento de que se tem notícia. Envolveram-se centenas de lideranças sindicais, militantes, aplicadores/as e 
pesquisadores/as motivados/as pela necessidade, pela novidade, pela urgência e pela inesgotável vontade de fazer do 
conhecimento uma arma salutar para construir e ampliar a felicidade, combatendo o sofrimento e fortalecendo as 
ações coletivas que dão sentido, gosto, cor, som, calor à tarefa social de educar pela via da escolarização. 
O livro é resultado da conjugação entre a utopia socialista que parecia perdida e a angústia militante, frente ao 
temporário sucesso dos predicados do fim da história e do paraíso da exploração capitalista. Com a profundidade da 
investigação científica e a marca dolorosa do “horizonte perdido” e o permanente risco da de-sistência, a paixão é 
revelada como motor da teimosa re-sistência de pessoas que, aos milhões, no Brasil, ousam fundir afeto e trabalho 
pro-fessando e con-fessando a dor e a delícia de ser artífices do futuro, uma tarefa ancestral e sempre nova. 
A magia dessa revelação, contudo, deveu-se a um percurso na “mata escura” que fez/faz cada educador/a reagir à 
figura cada vez mais assustadora do “louco ou atroz, manso ou feroz, caçador de mim” (nas palavras de Milton 
Nascimento). 
A contradição da onipotência de um/a deus/a com a privação de um cachorro magro mede de maneira surpreendente 
o conflito latente em toda a vida afetiva, social, familiar dessas pessoas en-quadradas numa categoria profissional. 
A prazerosa experiência de ler o sofrimento psíquico, suas implicações na saúde mental e suas relações com a 
organização do trabalho escolar está justamente na feliz constatação das razões que afirmam ainda mais a 
necessidade e a utilidade dos nossos sindicatos, mesmo que intensificando a complexidade de suas ações e 
ampliando (de modo conflitivo, sempre) a fundamentação dos planos de luta, das estratégias de enfrentamento, das 
novas pautas que buscam incessantemente re-constituir a integralidade das muitas coisas que existem entre os 
salários e a felicidade. 
As abordagens sobre a temporalidade do trabalho escolar e a alienação descortinam aspectos específicos 
indispensáveis para relativizar e relacionar a expropriação capitalista mal sucedida e mal entendida na escola pública. 
O resgate da amorosidade, da cumplicidade, do carinho e da sedução como componentes intrínsecos do processo 
ensino-aprendizagem ganha uma consistência extraordinária que premia, uma vez mais, a sabedoria de Paulo Freire e 
inaugura outros pontos-de-vista importantes para nos aproximar da gênese do com-prometimento desses/as 
trabalhadores/as, da lógica doméstica que permeia suas relações de trabalho, da permanente dúvida de vincular-se ou 
não, das imposições de rupturas externas, às vezes violadoras e, quase sempre, promotoras de uma racionalização 
que pende para um afastamento do mundo - provocando sofrimento, ou de uma transgressão dos rígidos controles 
operacionais e burocráticos - exigindo cumplicidade. 
O tensionamento permanente é nitidamente exigido por um processo de construção e des-construção de identidades, 
especialmente ao observar-se com atenção as exigências crescentes por educação escolar do mundo atual e a 
contrariedade da deterioração social trazidas pela globalização redutora de direitos e “oportunidades”. Por outro lado, a 
pesquisa desvelou mudanças estruturais, mudanças de gênero (uma desfeminização), mudanças de organização e de 
perfis e de funções no trabalho escolar (de educadores/as esquecidos/as, funcionários/as da escola) que emprestam 
caracteres novos e olvidados na literatura científica existente sobre o fenômeno educativo . 
O texto chega muitas vezes “ao Intransitado”. Especialmente pelo movimento sindical. Os requerimentos da carreira, 
da estabilidade, da universalidade, da equidade parecem chocar-se com a despersonalização, com a negação da 
alteridade, com a extinção da diferença e a desconsideração do mérito, do esforço, do empenho, da re-compensa, do 
re-conhecimento. Ao mesmo tempo, o/a leitor/a percebe que “cada senda caminha separada, na mesma floresta” e o 
conflito fundamental é um conflito de projeto: uma escola para que moral, para que ética? Que justificação para 
tamanho investimento emocional, afetivo, cognitivo? Que resultado? Que aprendizagem?Com que valoração? 
Há muita munição aqui para o questionamento das reformas propostas pelos sistemas de ensino oficiais, 
especialmente pelas imposições curriculares e pelas modalidades de avaliação espelhadas nos programas de 
qualidade total e na estandardização dos provões e das avaliações de desempenho. Um grande espaço para o 
fortalecimento das históricas reivindicações - tidas como apenas corporativas - é criado com a nova consistência 
emprestada pela investigação científica confirmadora das condições especiais de trabalho e de desgaste na atividade 
educativa, tendo rebatimentos muito oportunos, também, no enfrentamento das chamadas reformas administrativa e 
previdenciária contidas na agenda dos ajustes. 
Um cotidiano desconcertante é aberto com cruas cenas que sublinham com muita simplicidade de que maneira a pior 
organização de-tém, re-tém, man-tém, atrai o/a melhor trabalhador/a. E chama a atenção para escola “com pés de 
barro” em que a profissionalização dos/as funcionários/as da escola, educadores/as esquecidos/as, é observada, 
questionada, fundamentada e pro-posta segundo a visão da psicologia do trabalho, para além da visão sindical que 
está-se maturando. A fragilidade e incipiência deste tema são fortemente denunciadas pela precariedade de 
instrumentos para validação da própria profissão, assim como pela emergência recente do tema no cenário da 
discussão acadêmica. Por outro lado, mostra o cotidiano carente da gestão democrática, do projeto coletivo e 
localizado nos interesses, aptidões e desejos de cada colégio - no sentido estrito e tradicional do termo - do projeto 
político pedagógico, que não abra mão do poder público como provedor das condições materiais e estruturais 
universais para o trabalho educativo realizador, criativo e integral e que não esmaga suas potencialidades 
antecipadoras de um futuro feliz. Portanto, temas como financiamento, gestão, formação, carreira, salários, 
estabilidade, avaliação, tempos e ambientes escolares ganham cores luminosas com a força de argumentos tão 
evidentes. 
Grande parte do livro é dedicada exatamente à emergência da nova consideração sobre trabalho e emprego diante da 
modernidade técnica e da sociedade globalizada: o burnout. A certa altura definido como “o nome da dor de um 
profissional encalacrado entre o que pode fazer e o que efetivamente consegue fazer, entre o céu de possibilidades e 
o inferno dos limite estruturais, entre a vitória e a frustração”. Ou, ainda, “é a síndrome de um trabalho que voltou a ser 
trabalho, mas que ainda não deixou de ser mercadoria. As dores do burnout são as dores de um filho que sempre 
existiu, a força mágica de um trabalho que se afetiva, que se afeiçoa, que se parece com a vida, que espanta e pasma 
como um parto, que doe, como um parto”. 
É aí que, como “lenhadores e vigias da mata”, o/a profissional apaixonado/a é in-vocado/a. “Eles sabem o que é” ser 
educador/a, deus/a potente e submetido/a, empreendedor/as que aposta num futuro melhor, senhor/a do próprio 
trabalho. “Eles sabem o que é Estar numa senda perdida” com trabalho árduo, esmero, envolvimento promotor de uma 
hiper-agitação física e mental, numa impulsividade grávida do risco e da vontade de construir o futuro. Do pânico que 
exige constante estado de atenção e de vigilância, mas, ao mesmo tempo exibe uma inequívoca nostalgia sobre a 
própria identidade. Mas uma nostalgia que poderia ser inferida como uma “saudade do futuro”. 
Os segredos da paixão teimam em esconder-se, impondo as trilhas que transitam por três eixos de tensões: entre 
afeto e razão, nas relações sociais e no controle sobre o meio. As três origens do burnout. 
O novo emprego em expansão é típico do setor de serviços. No âmbito público, vinculado às áreas de educação e 
saúde, principalmente, refundindo carinho e trabalho, e tendo o Outro como produto. 
A cada leitor/a, à competente equipe envolvida na pesquisa, aos/às militantes, às lideranças sindicais, ao 
estado/patrão - por mais questionamentos e inquietações que tragam, por mais incorformidade ou desconforto, por 
mais desconcertante que pareçam as conclusões - uma certeza se con-firma: 
 
“se muito vale o já feito, 
mais vale o que será”! 
 
Prof. Carlos Augusto Abicalil 
 
Retrato de uma pesquisa nacional 
Como descrever as aventuras e desventuras de se realizar uma pesquisa nacional, sem precisar de um outro livro? 
Que pelo menos se tente disponibilizar uma pálida idéia. O texto abaixo é um excerto de um dos diários de campo que 
recebemos. 
PESQUISA AMAPÁ 
DIÁRIO DE CAMPO 
RELATÓRIO DE LARANJAL DO JARI 
 
29/04/1997 
 Saímos de Macapá, em direção a Laranjal do Jari, às 05:50 horas. Em uma Kombi, fomos eu, o Aildo, a 
Lenamaria, o Nazir e a Rosiane, respectivamente a coordenadora técnica da pesquisa, o coordenador político e 
representante do Sindicato (SINPEPEAP), e os auxiliares de pesquisa (respectivamente uma psicóloga, um psicólogo 
e uma professora), e mais o motorista, o Júnior. 
 Depois de viajarmos 5 horas por uma estrada de piçarra, passando sobre várias pontes de madeira (na volta 
para Macapá eu contei as pontes entre Laranjal do Jari e Macapá, são 25 no total), enfrentando caminhos, em sua 
maior parte, ladeados por abismos e parcialmente destruídos pela erosão dos rios (havia um trecho em que quase 
metade da pista estava “comida” pela erosão, outros em que haviam sulcos profundos e intermináveis, alguns bem 
largos), veredas cercadas por florestas de ambos os lados, nos defrontamos com uma ponte totalmente coberta pela 
cheia do Rio Cajari (em um dos braços deste). Foram momentos de muita apreensão, pois estávamos impedidos de 
atravessar até que o rio baixasse e a aplicação do protocolo estava marcada para as 16 horas. Sabíamos que, em 
condições normais, a viagem durava no mínimo 7 horas. Na estrada só haviam dois trechos habitados, um era esse, 
denominado de “Água Branca”, o outro, já havíamos passado por ele. Um dos trabalhadores da madeira nos advertiu 
de que há 6 anos as águas do rio não subiam daquela maneira (na noite anterior havia caído uma chuva torrencial), 
mas que quando isso acontecia levava uns 2 dias para baixar e mais, quando demonstramos nossa intenção de 
atravessar em um barquinho (montaria) de um dos moradores da região, o trabalhador nos avisou de que, mais 
adiante, haveria um outro rio, mais estreito que este, porém nas mesmas condições. Todavia, voltar para Macapá após 
ter percorrido mais da metade do caminho... nem cogitávamos isso! Além do mais, “trabalhadores da educação” de 5 
escolas nos esperavam em Laranjal do Jari às 16 horas. A preocupação em cumprir com o compromisso era maior 
que tudo. Depois de algum tempo (uma hora) decidimos atravessar na “montaria”, fechar a Kombi para pegá-la 
posteriormente e tentar encontrar outro carro do lado de lá. Atravessamos aos poucos (de 2 em 2), pois a “montaria” 
não aguentava muito peso. Quando todos atravessaram já eram 12:15 horas. 
 Algum tempo depois de termos atravessado começaram a chegar vários carros (ônibus, Kombis, e outros) 
vindos de Laranjal do Jari, o que significava que a ponte do outro rio, ao qual se referira o trabalhador, já estava dando 
passagem. Assim, começamos a ter esperanças de poder chegar a tempo de realizar a pesquisa. O Aildo tentou 
negociar com alguns motoristas para que nos levassem a Laranjal, até que conseguimos um Gol, cujo motorista ia 
levar a família para Macapá mas depois iria voltar mesmo para Laranjal. Então acertamos que o nosso motorista (quer 
dizer, o motorista da Kombi do Sindicato) levaria a família dele para Macapá e ele nos levaria para Laranjal do Jari. 
Como no Gol não havia lugar para todos nós, a Lena foi em uma Kombi, que ainda lhe cobrou R$ 5,00. 
 Saímos de “Água Branca” para Laranjal do Jari às 13:50 horas. A partir daí é que a viagem, já caracterizada 
como uma aventura, se transformou em uma aventura tragicômica, mais trágica que cômica. Pelo menos a estrada 
quepercorremos até o “ramal do Cajari”, apesar dos perigos, tinha uma paisagem bonita. Havia muitas serras cobertas 
de verde, árvores, rios, uma paisagem natural de grande beleza amazônica. Mas o trecho que tivemos que percorrer 
depois, era digno de uma filmagem, para que outros pudessem ter alguma noção do quanto custa fazer pesquisa no 
interior do Norte do país, mormente na Amazônia. A estrada, se é que se pode chamar assim, era um caminho 
estreito, cercado por floresta densa de ambos os lados, entrecortado por muitos rios em processo de formação, sendo 
que, em sua maior parte, encontrava-se coberto por lama e barro. Por várias vezes descemos do carro para que este 
pudesse passar pela lama sem atolar, e tivemos que enrolar as calças e meter os pés na lama. Em uma das vezes 
caminhamos cerca de 300 metros até poder pegar o carro novamente. Quando chegamos a Laranjal do Jari eram 
16:20 horas. Estávamos exaustos. Havíamos passado o dia praticamente sem comer. Os pãezinhos e a garrafa 
térmica com café que levamos, acabaram-se rapidamente. À beira da estrada não havia quase nada comestível para 
se comprar, só muita natureza e um ou outro casebre próximo aos rios. Nas duas únicas “vilas” por onde passamos, 
em uma delas havia uma mercearia (o “Rei da Selva”, com a pintura de um Leão), na outra, a “Água Branca”, um 
espécie de “restaurante”. 
 Assim que chegamos, o Aildo saltou logo na escola para segurar o pessoal, afinal estávamos atrasados quase 
meia hora. Eu e os outros fomos para o hotel, apenas para tirar a lama dos pés e, em seguida, nos dirigimos para a 
escola, onde cerca de 200 pessoas nos aguardavam. 
 Não foi nada fácil explicar as instruções para o preenchimento do protocolo a tanta gente de uma só vez. O 
nosso estado físico e psicológico nem precisa comentar, mas tudo bem! Conseguimos nos equilibrar direitinho, o 
senso de responsabilidade era maior do que todas as adversidades que enfrentamos. Muitas pessoas estavam de pé. 
Não havia carteiras para todos no salão onde estavam reunidas. Após a explicação, distribuímos as pessoas por mais 
duas salas. Eu fiquei no salão, nas outras duas salas ficaram o Nazir e a Lena. O Aildo e a Rose ficaram no salão 
onde eu estava, prestando ajuda individualizada a algumas pessoas que tinham dificuldade para ler ou para ver. 
.......... 
 Quando conseguimos sair da escola já eram 21:00 horas. Perdemos muitos lápis e borrachas nesse dia, pois 
nas condições já descritas, foi difícil fazer um controle rigoroso do material. 
30/04/1997 
 Nesse dia realizamos as visitas e entrevistas nas 5 escolas sorteadas de Laranjal do Jari. Eu, Lena e Rose 
fizemos uma escola cada, o Nazir fêz duas escolas........... 
 A escola que visitei chama-se Presidente Médici. É uma palafita às margens do Rio Jari. Situa-se em um bairro 
denominado “Malvinas” (de mal), segundo a diretora, uma referência às maldades anteriormente praticadas naquela 
área (assassinatos com requintes de crueldade). O acesso se faz através de uma enorme ponte de madeira. O 
caminho até a escola, localizada quase no final da ponte, é impressionante. De um lado e outro da ponte se vê de 
tudo, farmácia, loja de roupas, loja de sapatos, armazéns, mercearias, açougue, bares, bancas de verdureiros, vendas 
de comida pronta, ... havia meninas passeando em uma pequena canoa pela várzea. 
........ 
Ao chegar à escola, uma palafita bonitinha, toda pintada, bem cuidada... emocionei-me quando vi cartazes feitos com 
tanto capricho na parede das salas de aula. Perguntei-me como alguém que trabalha em condições tão precárias, que 
luta com tanta dificuldade, ainda consegue amar seu trabalho, fazê-lo com tanto gosto? Só sendo muito humano 
mesmo, no pleno sentido desta palavra. Sinal de saúde mental! É incrível como as pessoas conseguem driblar as 
dificuldades e se manterem psiquicamente íntegras. Um cartaz na parede da secretaria ilustra bem um desses 
mecanismos de defesa, um desses artifícios para driblar condições tão adversas e se conservar humano, saudável 
psicologicamente (só não sei até quando): “Conseguir o que se deseja é triunfo, desejar só aquilo que se tem é 
felicidade”. 
Hilma Khoury 
Coordenadora Regional/norte 
 
 
PARA COMEÇAR QUEREMOS CONTAR-LHE ALGUMAS 
(ES)HISTÓRIAS... 
 
Cena 1. 
Parece uma árvore de natal, embaixo do braço papel branco enrolado em um tubo maior do que pode 
carregar, um saco de plástico branco com tesoura sem ponta, réguas grandes, giz de cera, a outra mão equilibra com 
dificuldade montes de revistas velhas, a cara de um velho presidente parece debochar na capa de uma delas, pelo 
caminho a pilha que equilibra ameaça despencar, quase que ele/a perde o equilíbrio junto com os penduricalhos que 
carrega, ajeita os braços como se quisesse que fosse maiores, arqueia as costas para aumentar sua capacidade de 
abraçar tudo aquilo. Faz calor, cuida para que as gotas de suor não estraguem o papel laminado que carrega sabe-se 
lá com que mão. 
Entra esbaforido/a na sala, mal consegue disfarçar o alívio ao despejar aquele monte de coisas na mesa. A 
garotada já está lá. 
- Oba! Fessor (a)! Vai ter desenhinho? 
Um garoto mais afoito abre o saco plástico, ele/a segura as mãos com um misto de mau humor e alguma 
irritação: - “ainda não, Fernandinho.” 
Se recompõe da odisséia que representou a carga daquele monte de quinquilharias até ali. Bate as mãos uma 
na outra, fala com a voz alta, o mais que consegue, o tom pausado, como se estivesse em um comício de surdos. 
- A-m-a-n-h-ã, que dia é? 
Dois ou três garotos correm, um atrás do outro, parece que algum deles tirou algo da lancheira do outro, 
alguns outros olham com interesse os penduricalhos que trouxe, interesse forte o suficiente para não ouvir o que ele/a 
diz, uma menina, maiorzinha um pouco, olha encantada para um pequeno espelho que tem à sua frente. Outros, 
muitos simplesmente, conversam, sobre tudo, todos ao mesmo tempo. De onde esta molecada arranja tanto assunto? 
Repete a pergunta: Uma, duas, três vezes: “Amanhã, que dia é?” A cada vez entremeada com uma bronca: 
“João tire a mão daí”; “Maria, deixe o Fernando em paz.” Enfim a garotada, como que em um passe de mágica, resolve 
responder todos ao mesmo tempo. 
- Dia 12, Fessor(a) !?! (a fala vem meio resposta, meio pergunta) 
- Domingo !!! 
Ouve com atenção cada resposta, espera ansioso(a) a resposta que quer ouvir. 
Alguém grita: Dia das mães. 
Enfim, estava prestes a desistir. 
- Isso: Dia das mães - e emenda rápido, aos berros, antes que a bagunça recomece - nós vamos fazer um 
presente para a mamãe. 
Um tempo longo e indefinido para montar um arremedo de grupos de trabalho, João quer ficar no grupo de 
Maria que não o quer por perto, etc., etc., etc.... 
Distribui o material, uns querem o papel laminado vermelho, outros disputam a tapa um determinado lápis de 
cor. Uma garotinha ameaça chorar, não tem mãe, é preciso socorrê-la: quem sabe lembrar da vovó? Deu certo, a 
menina limpa os olhos e começa a trabalhar. 
Um vidro de cola se espalha sobre uma das mesas, atinge a calça de um menino, se espalha pelo chão, 
empapuça os papéis que deveriam ser a matéria prima, correria, tenta limpar o estrago, alguns alunos o/a auxiliam, 
outros se divertem em ver os pés grudando no chão e iniciam uma espécie de dança sobre a sujeira. 
Um garoto faz bolinhas de papel laminado e atira disfarçadamente na mesa em frente, um outro desenha uma 
bola de futebol e uma camisa com as cores do Flamengo.” - Fulano...sua mãe gosta de futebol?”; “- Não, Fessor (a).”; 
“- O que você está fazendo? Não é um presente para ela?” .... O garoto parece ter ficado envergonhado, rasga tudo, 
joga no chão pede outro pedaço de papel branco. 
Se divide em mil: 
aqui um elogio ao trabalho feito, 
ali acudindo alguém com dificuldade de manipular a tesoura, 
acolá improvisando a falta de papel vermelho que acabou, 
aqui alguém chora porque foi agredido com um rolo de papel, 
ali alguém insiste em mostrar o trabalho,os olhos brilhando em busca de um elogio, 
acolá alguém desiste, dizendo que não sabe fazer uma rosa, 
etc., etc. etc., etc., etc., etc., 
Parece que se passou um ano, cada criança carrega, alguns com orgulho, outros com desdém, algo para 
casa. O sinal toca, respira aliviada, o cansaço transpira pelo olhar desanimado. Uma certa alegria percorre o espírito 
ao lembrar da casinha que a pequerrucha fez com tanto carinho, uma certa raiva pelo desprezo ensaiado com que um 
outro aluno tentou esconder seu fracasso. Recolhe o que restou da batalha campal, vai se retirando depressa para 
casa. 
Um funcionário grita por ele(a), torna a cabeça preocupada..... 
- Professor(a), o(a) senhor(a) não assinou o ponto. 
- Amanhã eu assino, João, amanhã eu assino. - a voz traz impaciência, raiva, quase uma agressão. 
- Oh, pensa que só porque é professora tem o rei na barriga? 
Finge que não ouve, apressa o passo. 
Há que tomar um lanche, fumar um cigarro, daqui a pouco outra aula, outra turma: Domingo, é dia das mães. 
 
Cena 2. 
Ela faz um curso de especialização em didática aplicada à matemática, ele faz pós graduação em História, os 
dois são professores para o terceiro ano colegial, casa alugada, periferia de São Paulo. 
Chega em casa cansada, mais tarde que o habitual, o ônibus quebrou no caminho, alguns passageiros 
começaram a vociferar contra o motorista, a empresa, a cidade, o prefeito, o governo federal, o mundo, contra Deus; 
armou-se um bafafá, o motorista praguejava, o outro ônibus já chegou lotado, entraram pela porta de saída, não 
caberiam todos, mas todos entraram, se acotovelando, ela tratava de proteger seus livros de um sovaco que se erguia 
incólume à sua frente. Quase não conseguiu descer no seu ponto, e se conseguiu foi às custas de pisar no pé de uma 
velhinha à sua frente, mal teve animo de balbuciar um pedido de desculpas, e sequer a velhinha ouviu. 
No caminho o vizinho de cima passou cavalgando um carro novo, fez questão de parar, mostrar a conquista, 
orgulhoso, falava de uma comissão recebida por ter conseguido vender um lote grande de salsichas para um 
supermercado do bairro. Porque ela sentia no orgulho pueril do vizinho um certo ar de sarcasmo? Cortou a descrição 
das aventuras com as salsichas pela metade, grunhiu uma desculpa qualquer. 
Ao chegar em casa o companheiro a esperava entusiasmado com a descoberta de um livro sobre o Brasil 
colonial, ela interrompeu o relato dele para perguntar se havia pago a conta de luz. Não, esqueceu. Os dois a fazer 
contas, será que vão cortar? 
O tempo curto e já carcomido pelos acidentes de percurso, preparar algo para comer, estudar para a prova a 
que se submeteriam como alunos, preparar as aulas que teriam que ministrar como professores. A luz se apaga, 
cortaram? Não a dos vizinhos também apagou, onde andam as velas, como estudar? 
O telefone toca, sua mãe reclamando de uma dor nas costas que sobe até o ombro esquerdo, o consolo quase 
ensaiado, a receita de um analgésico inócuo, apenas um pouco de atenção e a dor da velha já melhorou, uma bronca 
pela falta de visitas. 
Os juros aumentaram porque algo aconteceu com o presidente da Rússia, ou será por causa das peripécias do 
presidente dos EUA, ou será porque o Brasil não é mesmo um país confiável, só se sabe que os planos daquele 
carrinho de “segunda mão” vão ter que ser adiados outra vez. O colega do colégio entrou com uma ação contra o 
estado devido a um erro de cálculo no salário de dez anos atrás, será que vale a pena? 
Amanhã é dia da faxineira semanal, quem tem os trocados para deixar para a moça, pagamento mais a 
condução? Não, falta dinheiro, a condução aumentou; amanhã, quem vai pagar a luz, uma disputa acirrada entre duas 
agendas, nenhum dos dois terá tempo, um sorteio, ela perde, resmunga ao imaginar a fila enorme do banco. 
Como estudar? A luz tardou a voltar, o cansaço parece querer pregar os olhos, enche-los de areia, as palavras 
parecem dançar no livro à sua frente. Um café, o resultado da prova será catastrófico, há que pensar em uma forma de 
improvisar com os seus alunos, quem sabe um estudo dirigido? Com café e tudo o sono vem, seria inútil resistir, a 
roupa atirada a um canto, tomo banho amanhã cedo, decreta. 
O companheiro a procura com as mãos quase tímidas, com um desejo desbotado, com o máximo de gentileza 
que consegue amealhar ela o afasta, os olhos se cerram, bem que ela também queria, não há forças para o amor. 
Manhã seguinte, correndo até o ponto de ônibus, livros pesando mais do que o normal nos ombros, ainda 
mastiga um naco de pão. Um carro passa, respinga gotas de lama em seu vestido. Foi ele, foi o carro do vizinho que 
passou célere, aquele da salsicha, lembra? 
Cena 3 
 
Mamãe convidou-nos para comer feijoada sábado. Reunião familiar, chegam os tios e primos da Bahia. 
Fátima...anos sem vê-la, José, a última vez que nos reunimos eramos quase moleques. Mamãe caminha de um lado a 
outro da sala, inquieta, cheia de expectativas. Pega na cortina da sala, arruma um almofadão de flores vermelhas, 
tenta pontuar o que se necessita comprar para o evento. Dona Maria, a vizinha, se comprometeu a preparar a 
sobremesa. Além disso, emprestará mais cadeiras. O gato mia alvoroçado, o cachorro entra correndo atrás de uma 
mosca. Minha tia Lenita ingressa agitada, com seus gorduchos braços me abraça...com lágrimas nos olhos repete 
para quem deseje ouvir: “amanhã será um dia maravilhoso de encontros familiares, lembranças, risos, lágrimas, etc. 
etc.” 
Entra e sai, mamãe me pede que de manhã compre isto, prepare o outro...enfim, organizou para mim o final de 
semana. 
O entusiasmo cresce e falar é cada vez mais difícil para mim...dizer que este final de semana estarei 
preparando uma aula, para mim muito especial, sobre os 500 anos do Brasil. Milhares de idéias pululam na minha 
cabeça. Trata-se de alunos do terceiro ano do segundo grau. Já decidi que vou para a biblioteca da Universidade. Eu 
quero falar dos livros de Enrique Dussel...grande filósofo da libertação latino-americana. 
Filhaaa....que acontece?....em que está pensando?....Nada, nada mamãe tudo bem... 
Saio da casa de mamãe me sentindo contrariada...gosto dos primos, tios etc. claro gosto, também gosto de 
doce de leite... mas...justo agora....justo agora estes bahianos decidem fazer festa familiar!!!. Chego em casa com 
fome...uns livros emprestados sobre a Conquista me aguardam acima da mesa...examino a geladeira...observo os 
livros...já!....pego umas folhas de alface, uns tomates meio velhos, presunto de data duvidosa, e maionese.....uhauu!!! 
se não morro hoje, não morro nunca mais. Estudo...estudo...ah! já sei...vou explicar 1492...a civilização ocidental não 
consegue ver o Outro diferente, nos olha narcisicamente, como num espelho, devemos ser sacrificados aos 
imperativos do capitalismo (e fomos, e como), ah....civilização e barbarie. São 3 horas da manhã, decido ir para a 
cama. Meu Deus!...amanhã chegam meus primos, tios....Durmo e amanhã eu decido, mas eu preciso primeiro estudar, 
ler, ler, ler...só assim conseguirei preparar uma aula decente. 
Sábado de manhã....soa o telefone de forma insistente, deve ser minha mãe... não atenderei...ela não 
compreende...diz que sou louca, que por esse salário, que trabalho demais para nada...enfim...não quero mais ouvir. 
Desligo o telefone e acabou. 
Na biblioteca pesquiso, pesquiso...leio....em fim, o final de semana voou...juro que voou. Sem chamadas 
telefônicas...parentes, amigos, etc. Domingo à noite, tenho tudo prontinho.... 
Saio de casa feliz...chego à escola, oi, tudo bem!?....oi tudo bem!??. 
Preparo minhas transparências, Brasil 500 anos....Tenho aqui na minha bolsa o filme de Herzog “Aguirre e a 
fúria dos deuses”...estou ansiosa...por favor (dirigindo-se a zeladora) me alcança a máquina de vídeo.... Vai e vem, 
chega a máquina....penduro o título da aula : “O “Outro” diferente em 1492”. O filme servirá de porta de entrada para adiscussão que desejo realizar, partindo de olhares diferentes sobre os conquistadores. Aguirre é aquele 
superhomem....aquele “ego conquistador”. 
Bem...percebo os olhos úmidos e atentos dos meus alunos...alguns comentários rápidos entretanto ligam os 
equipamentos e fazem os testes respectivos. 
E aí?..tudo bem, tudo dando certo?....”olha, não faz contato...não sei se o desajuste está no equipamento de 
vídeo ou diretamente na tomada...que são da “época das cavernas”...tira daqui, tira de lá...10, 15, 20 minutos. Os 
alunos começam a brincar, um clima de dispersão se instala na aula...chega...por favor, silêncio. Ora, ninguém 
consegue fazer funcionar os aparelhos, um funcionário toca aqui, chama a outro que toca lá, conversam entre eles, 
discutem, fitam, colocam o dedo acima, abaixo... 
Depois de meia hora de “luta” como os aparelhos, os funcionários dizem o que não desejo ouvir: senhora 
professora...é melhor deixar a aula para outro dia, viu?....estes aparelhos tem que ser revisados, a tomada também 
tem que ser revisada. 
Ora...me sento na velha cadeira...coloco meus cotovelos sobre a mesa descascada, olho pela janela de vidros 
quebrados....penso na minha mãe...como deve estar ofendida...penso nos meus tios e primos, nos meus 
amigos....penso...penso no final de semana dedicado à preparação da aula...um misto de raiva e decepção se apodera 
de mim ... os alunos me olham até parece que com pena...riem....olham e olham e olham ...e... Fessora!? E agora...o 
que vamos fazer agora? ...Esta é a minha pergunta, meu filho, o que EU vou fazer agora.... 
 
Cena 4. 
Fugindo da escola... 
Saí da escola sentindo um aperto no peito, quase sufocado. Meu calhambeque com a pintura descascada 
pelo sol tropical me esperava um pouco distante no estacionamento...ah...fusquinha breguinha (passando a mão 
carinhosamente pelo teto do carro) ...mas... pior andar de ônibus. 
Bom, oxalá que arranque...meu calhambeque “bip bip”...”na na na”; meu calhambeque “bip”...arranca sua 
“porra”! Dando pulos como ”burro bravo” ... Consegui sair do estacionamento, apertei “fundo” o acelerador e 60 km/h, 
ao todo. 
Caindo na festa... 
Me detive no barzinho do “Cafofo”, precisava me liberar, esquecer do trabalho...literalmente esquecer de que 
tenho que trabalhar para viver. Entre tragos e tragos de cerveja fiz ali pertinho o joguinho da Supersena...”nove paus” 
acumulados...vários números chegavam como mensagens a minha mente, me concentrei um segundo (sempre com 
aquela ilusão de ter qualidades de “médium”, que do “além” alguém estivesse me ditando os números) . 
Raimundinho e o velho Pacheco chegavam da “Colibri” em meia hora. Sexta à noite...noite de festa (Sábado 
de arrependimento....Domingo familiar). 
Na roda de amigos....que o Vasco, o Flamengo... risos cada vez mais empolgantes... conhecem a piada 
de....?. 
Onze da noite... garçom, traz um conhaque...é para o frio...conhaque, cerveja, música, piada, olhares 
pecaminosos. Onze da noite... minha mulher deve estar “feito fera”. Segundo round da bebida...Tema. Não!!!! a 
escola...o trabalho, não consigo falar nada, só dizer...não aguento...não aguento.... 
Sábado de arrependimento... 
Sábado de manhã, os olhos semigrudados...estou morto, literalmente morto. Chiquinha me acaricia 
timidamente a perna...fica assim, pertinho...O que você fez ontem a noite?...Fiquei com meus amigos 
conversando...Ah...e conversaram sobre que?....Nada....Esse povo não conversa nada....Futebol, piadas....Se não 
conversam nada...porque chegaste tão tarde?....Sábado de manhã...Chiquinha fica carinhosa, mais eu estou 
morto...não respondo...O que você fez ontem a noite?!!...Começo de briga...Graças a Deus decide sair. 
Fico só na cama...Sábado e domingo pela frente. Uma barata enorme corre pelo quarto, se detêm, fica 
quietinha. Poderia pegar meu tênis velho e esmaga-la contra o chão...não tenho ânimo. 
A metamorfose ... 
O final de semana foi um fiasco. Bem que eu tinha esperanças de que acontecesse alguma coisa diferente na 
minha vida. Mas desde sexta-feira à noite, depois daquela bebedeira imbecil de cerveja quente num bar periférico, 
comecei a sentir o sábado quase como se fosse um ameaça. Lembro-me...tinha medo das horas longínquas, do 
turbilhão de meu pensamento, ora... de que voltasse como uma febre a pergunta de sempre: que posso fazer, não 
aguento mais aquela escola, aqueles alunos, aquelas aulas. 
Meu cachorro ficou doido correndo atrás de uma barata grande como folha de plátano. A última vez que vi uma 
barata nesta casa me precipitei sobre ela com um tênis na mão e acertei-lhe um golpe “mortal”, tão mortal que um 
dedo de minha mão deslocou-se dolorosamente. Olho como ela passa, corre, respira, mexe as antenas, fica como a 
barata da “A Metamorfose”, de Kafka, batendo as pernas barriga acima. Puxa vida, fechado nesta cama. 
Como em ‘A Metamorfose”, de Kafka....me imagino convertido em uma barata...esperneando na cama. Preciso 
preparar as aulas da próxima semana...preparar....mas...para que?. Me lembro como era...eu me matava...perante o 
espelho...gesticulando, “representando” minhas aulas...as escrevia...lia uma vez...mais uma...pedia materiais para uma 
amiga... ficava feliz fazendo, pensando nos rostos de meus alunos, nos olhos.. Mas...já sei...vou procurar umas aulas 
de três anos atrás...tanto faz (por esse salário que me pagam..).Puxa...Chiquina foi embora...onde estarão esses 
papéis velhos?. 
Inferno de manhã... 
(Nem bom dia)... ver...é você!...chega...chega. Começo a falar, sei que ninguém esta atento...mas continuo, 
continuo, continuo, como trem de carga saindo da estação, continuo....Eles/elas olham com olhos de “eu não entendi 
nada”. Decido dar uma parada, sinto a boca seca, uma certa urgência por fechar sobre este tema hoje mesmo, porque 
já não aguento mais, o tema, os alunos, a escola. Aqui vem uma pergunta...do maior “puxa saco” da aula. Voz 
esganiçada: “Professor...você esta indo muito rápido, poderia me explicar melhor....porque segundo você falou a aula 
passada (e vai...)....entretanto...etc. etc.”. 
Olho para ele com ódio, um sentimento de autoritarismo me faz presa fácil. Imagino uma barata me falando 
com voz esganiçada (súbita maldade).Olho para ele do alto de minha investidura de professor e começo a falar como 
se fosse um outro, como se minha língua tivesse vida própria. Ora, menininho...eu não estou indo muito rápido não...o 
problema é que vocês não entendem nada...porque não tem habito de leitura...ora...os livros não mordem, se não 
compreendem o que digo na sala de aula... peguem os livros, tá? Tá bom?. Vocês só pensam em imbecilidades...Não 
consigo mais percebe-los na sua humanidade. Falo como louco em tom exaltado, sinto um calor subir pelas minhas 
veias, o rosto um pouco quente, entre raiva e vergonha. 
Na real, sinto até impossibilidade de parar e pensar para poder explicar melhor. Ler minha aula....como trem 
saindo da estação, passando de um conceito a outro sem muito perceber, quase, quase, sem saber o que estou 
dizendo. Os conceitos parecem que voam na minha cabeça. De repente o conteúdo, o que estou passando para meus 
alunos, fica até incompreensível também para mim. Uma nuvem negra estaciona na minha cabeça. Não consigo 
pensar. Volto do pesadelo instantâneo sentindo mais raiva ainda, estrelas de cores parecem sair de meus olhos, 
chega! Chega!. Os alunos me fitam, a boca seca, o peito apertado...A aula acabou!!. Uma expressão se instala na 
minha cabeça, faz eco estou exausto!...Exausto! 
Fim de cena ... 
Meu calhambeque, “bip”...”bip”...., 60 Km/h, ao todo. Sou uma barata....uma barata (me desculpem as 
baratas)....que estou fazendo?...Estou oferecendo umas aulas de m...., nada me interessa, os alunos, as aulas, a 
escola....Puxa, não pode ser...eu sou professor, mas...não me comporto como um professor...Afinal? Eu sou mesmo 
um professor??? 
Cena 5 
Muros pichados, um som ritmado e monótono, mistura delamento e marcha, acompanha o surgimento das 
imagens perante meus olhos. Sujeira, miséria urbana...homem e cachorro comendo, não muito amistosamente, do 
mesmo lixo. Um céu claro contrasta com o cinza da fumaça que expele o coração da civilização. É fácil identifica-los, 
tranças coloridas, piercings, cabelos verdes, jeans, camisetas, bamboleando-se produzem seu próprio espetáculo 
narcísico, olham uns a outros buscando-se a si mesmos, como num labirinto de espelhos. 
Um ônibus meio velho atravessa a rua ruidosamente, se detêm e eles sobem. Logo descem na escola da 
periferia urbana. O sol da manhã estampa claros e sombras nos muros cinzentos da escola. Música, corpos que se 
erotizam em contato com o ar, beijos prolongados são exibidos orgulhosamente, as mãos desenham os contornos 
corporais, tribais, ingressam no prédio para assistir ao primeiro dia de aula...são jovens frequentando uma escola de 
segundo grau. 
Na sala de aula a turma se reúne em volta, cantam, criam ritmo em cima das cadeiras e carteiras. No meio 
daquele tumulto surge “angelical”, a professora. Agita os braços como um marinheiro num naufrágio, seus lábios 
modulam, seus olhos brilham. Por um segundo ela tem medo. Fica vermelha. Naquela gritaria é percebida. Alvo de 
agressões e “frases sujas”, olhos lúbricos a espetam. A situação não se sustenta, literalmente foge da sala. 
Em solidão rememora o episódio. A vontade de continuar acaba se impondo sobre a vontade de desistir. 
Debruça-se sobre livros “Disciplina e Autoridade”, relatos de experiências in loco de outros professores. Está decidida 
a conquistar o território: usa roupas mais esportivas, jeans, blusa, botas...espera os alunos sentada quase 
masculinamente, botas encima da escrivaninha. 
Impossível desenvolver o currículo oficial. Forma parte do “currículo oculto” da escola todos os esforços feitos 
pela professora para estabelecer um padrão mínimo de comunicação com os alunos, para tender o elo da ponte de 
dupla mão que permitirá veicular o afeto e a emoção necessárias para poder ensinar e que os outros aprendam. O 
currículo oculto exige tal tipo de “proezas” da professora, que acaba sendo questionada pelo diretor da escola e 
pressionada para que respeite o currículo. Obediente quer uma xerox do mesmo...não há papel na escola, não há 
lápis, etc.. 
Ridícula até, faz tudo e mais para conquistar sua turma, para se fazer ouvir. O acordo que permite o 
deslanchar de sua atividade de trabalho não está dando certo, necessita ser construído. Trata-se de um passo prévio, 
se ele fracassa, não há como avançar. Mas...se os alunos estão na escola é porque desejam estudar. Não 
necessariamente, “ora, estamos aqui porque não temos escolha, precisamos de um diploma”. A escola é apenas 
instrumento, a disposição para aprender só pode ver-se ressentida. Lutas diversas se sucedem na realidade do 
trabalho na escola, a gestão dessa realidade por parte do professor produz um “currículo oculto”, diferente e muitas 
vezes contraposto ao oficial. Marchas e contramarchas, lutas cotidianas na sala de aula, com o diretor para levar 
adiante suas idéias. 
Num recreio uma violenta briga chama a atenção da professora. Se acerca, corre a separá-los, são três de 
seus alunos. Utiliza a estratégia de construir pontes de lealdade avisando: “ora, eu não falarei para que não sejam 
suspensos, mais prometam que a briga acabou aqui”. Acabou nada. Na saída da escola a confusão se agiganta, 
policiais, gritaria, seus alunos são levados na rádio patrulha. Afobada, chega antes do carro disparar...”Vocês 
prometeram...”, um dos rapazes responde: “e você não entende nada, tínhamos que fazer, senão não poderíamos 
mais andar de cabeça erguida pela vizinhança, temos uma reputação a zelar, na nossa vizinhança se não se defende 
todos atacam”. 
Sai da escola e se dirige a um bairro da periferia em procura da família dos alunos briguentos. Fala para pai e 
mãe que embora seu filho foi suspenso da escola (o que pode se perceber que envergonha á família), ele não fez 
nada errado. Essa punição foi para “esfriar os ânimos” de todos. Aponta a reforçar a auto - estima do aluno e da 
família: “seu filho é inteligente, vocês tem que sentir orgulho dele”. Nesse peregrinar literalmente pela casa dos alunos 
ela enfrenta também a hostilidade das famílias. Acaba sendo vista como uma intrometida, alguém que não 
compreende que pobre não necessita estudar, pobre tem é que pagar as contas. Cada dia pode observar na sala de 
aula lugares vazios dos alunos. A ausência dos rapazes a interpela...está perdendo seus alunos, está perdendo essa 
espécie de guerra que a princípio de ano decidiu travar. 
Um rapaz é morto num “encontro” entre traficantes, ela tentou ajudar, mas não conseguiu, arriscou até sua 
vida permitindo que o jovem buscado por traficantes se refugiasse na sua casa. O rapaz saiu cedo pela manhã e se 
dirigiu à escola, o diretor o mandou embora e os traficantes o pegaram a uns quarteirões da escola. 
A vontade de vencer começa dar lugar à vontade de desistir...tristeza, desânimo, desinteresse pelos alunos. O 
último diálogo: “porque você fica?”, o colega responde: “porque eu sou louco”. Os alunos pedem para ela ficar: 
“professora, você não pode ir fácil, desistir, você tem que lutar contra a morte da luz, foi você que nos ensinou isso”1. 
Cena 6 
Prometeu Acorrentado... 
Muros obscuros e agrietados por onde se colam atrevidamente folhas pequenas e verdes de uma planta 
desconhecida. Mãos tremulas acariciam as cinzas paredes, passos pequenos e inseguros, quase claudicantes; o olhar 
da anciã navega no tempestuoso mar das lembranças. O cabelo branco se arremolina no céu, das orelhas pendem os 
brincos cansados como dois frutos velhos. As costas curvadas, cansadas. Quase uma relíquia da vida. Professora 
aposentada procurando-se na geografia do passado, mirando-se nos espelhos do tempo. Um jornal se desliza entre 
suas mãos, fica lá, roçando o solo, um gato preto espreita a data: segunda feira, 07/05/2030. 
As lembranças tremem... a escola, retalhos da biografia. Algas marinhas se deslizam pelos olhos sulcados 
pelo tempo, resvalam até os sapatos brancos de pó para ser tragadas impiedosamente pela terra. Voyeurismo de 
velho, fitando pelas rachaduras, pelos improvisados buracos vitimados pelo tempo, latem nas vísceras os cães da 
saudade. Nos seus ouvidos se agitam vozes difusas, sons guturais ou descontínuos, entrecortados, gargalhadas. 
Sons do presente misturando-se com os do passado. Ela faz um sinal com a mão... 
- Ei, você...vamos, entremos... 
Nos refugiamos no corredor perante uma porta envelhecida, ela espiona pelo olho sensual da fechadura 
secando a testa intermitentemente com um lenço bordado e perfumado. 
- Olhe, estamos reunidos na nossa antiga sala, lembra? 
A voz cascada, melindrosa, torna-se cada vez mais suave e prazerosa. 
- Sim... nossa sala, aquela do quadro de São Jorge matando ao dragão, lembra? a do painel com os trabalhos 
artísticos dos alunos... 
Olho indiscreto da fechadura desta velha e descascada porta de escola. A idosa me oferece um sorriso 
descorado... Começa a falar como medindo as palavras 
 
1 Realidade, ficção?. Trata-se de um discurso simples inspirado em “Mentes Perigosas” de John, N. Smith, 1995, um 
filme absolutamente despretensioso. 
 
- Você e eu, estamos aí, professores de história reunidos em volta de uma mesa ovalada. Vejo rostos jovens 
e entusiastas, onde se reflete a luz que insiste em entrar por uma janela semi-aberta, rostos menos brilhantes e 
cansados. Nos corpos, roupas formais e informais, estilos adquiridos feitos carne, estilos ainda mundanos, amores e 
desamores estampados nos rostos, biografias mais ou menos curtas, mais ou menos iniciais, mais ou menos finais, 
construídas a golpes de luz e trevas da história. 
- Aí está Wanderley .. gordinho e baixinho...Objetivo da reunião: “discutir o ensinoda historia.”. A 
imagem/mensagem é clara, veja bem, em 1998 éramos gerações diferentes de professores e professoras convivendo 
no espaço da escola. Nossas mãos mais ou menos lisas anunciavam a diversidade das experiências vividas. 
Sábia, vivida, fitando aqui e lá a bela e antiga senhora constroe um relato tecido misteriosamente com 
relâmpagos de rememoração interpelados pelo presente. Fecho os olhos e ficou ouvindo, me deixando transportar. 
- Uma frase mil vezes repetida, mais que desorienta como um eco numa caverna: é necessário estimular o 
senso crítico dos alunos, resgatar a importância do olhar inconformado com as aparências do real, há que ser crítico, 
custe o que custar. Torrentes de material biográfico se faz presente de forma mais ou menos explícita. Biografia e 
história, entrelaçadas como as mão tremulas e úmidas dos amantes. 
Ao redor da mesa existe, pelo menos, um grande choque e outros pequenos, às vezes sutis. O de sempre, os 
da geração dos 60 e 70, e os outros. Mas, salta a vista a heterogeneidade presente ao interior da geração dos “mais 
experientes”. Personagens distintos por fora e por dentro. 
Alguns deles, sábios, comprometidos, de óculos e cabelos semi-brancos; vestidos semi-adolescentes, 
outros...também de cabelos cinzas. Os primeiros deixam escapar que traçaram sua biográfica juventude na “época do 
chumbo grosso”. Transmitem isso pelos gestos, os movimentos das mão, a forma sussurrante de falar. 
Dá para sentir que agüentaram, resistiram, fugiram, para fora ou para dentro, vivendo nas catacumbas sociais 
e interiores...Ah; eles tem a vivência histórica na pele do ocultamento da “voz dos vencidos”, dos traçados absurdos e 
impositivos da história oficial. 
Tem a experiência ou de “haver-se dado conta”, ou a humilhação de haver sido enganados. Esta última se 
“oculta”, como trazer à tona uma auto-imagem tão vergonhosa... O professor de história hoje...mas naquela época não 
era...ora, acreditou na história oficial, teve uma venda nos olhos, acreditou estar vivenciando “um milagre” econômico 
na terra, no Brasil, Ah...Deus parecia ser Brasileiro. Mas disso se trata, de que ninguém mais seja enganado, 
manipulado, feito bobo. 
Entre os comprometidos e descomprometidos daquela geração surgem inéditos os contraculturais, os que 
desejavam fazer uma revolução cultural, e olha que eles experimentaram, a revolução passava pela vida cotidiana, 
sexo, drogas, música, metálica, pesada, de ultratumba. Estes também andaram pelos maus caminhos da vida, 
infernizando a vida dos familiares, dos diretores de escola e dos professores, lembra...chegavam meios malucos à 
escola...estes não tem futuro – muitos, de fato, não tiveram; muitos, de fato, tiveram. 
Discutem acaloradamente que a história contada nas escolas deve levantar a voz dos vencidos, dos operários, 
camponeses, mulheres, indígenas, negros, a voz do outro, trazer a tona a alteridade negada. Negada desde 1492. 
O grupo dos professores mais jovens parece isolado, quase num outro mundo, olham, assentem com a 
cabeça... aha...aha....Vivências diferentes...abertura democrática, euforia, festivo carnaval de carapintadas acreditando 
que tiraram um presidente do cargo, apenas com gritaria, eles nem sabem como, mas fizeram.... os jovens, sem 
torturas, cárceres, armas, mudaram, enfim, sem dramas, sem Marx, sem Engels; enfim, sem pais. 
Também eles sabem que é necessário serem críticos, mas de um outro modo, sem dramatismo. Entre a utopia 
socialista e a utopia democrática foram tecidas biografias, menos jovens, mais jovens, alguns sem utopia nenhuma. 
Cotidianidades: casamento, filhos, divórcios, estudo, emprego, perdas, banhadas no mar da história, incompreensíveis 
sem ela. 
A senhora toma um descanso, parece emocionada e novamente preocupada, como quem desejasse voltar 
pelo túnel do tempo. Ela está lá dentro, eu estou lá dentro, você está lá dentro. Ela sofre, quer intervir, dizer alguma 
coisa que contribua a tirar os professores do impasse, dessa discussão circular. 
“- Por favor, me alcança uma cadeira... veja, apesar dos entrelaçamentos históricos e biográficos diversos, das 
múltiplas experiências, sabíamos que a reflexão, o pensamento crítico tem um papel na mudança social, no traçado 
das melhores e mais delirantes utopias sociais, mais futuras ou menos futuras. Na discussão nossas biografias vieram 
à tona, às vezes explicitamente, outras de forma dissimulada, outras inconscientemente. A rememoração de algumas 
experiências pessoais ou de amigos ou familiares levou à manifestação meio tortuosa de emoções contidas. 
- Enfim, naquela época pensávamos nos alunos um pouco a partir de nós mesmos, das necessidades da 
sociedade; é assim que traçamos o seu perfil para o futuro. É certo, queríamos que aprendessem a pensar. Os 
professores mais jovens se mostravam convencidos da importância desse objetivo, mas um pouco mais céticos que os 
mais velhos, respeitando qual seria a resposta dos alunos perante um propósito que deixava muito longe suas 
ansiedades pragmáticas de obter titulação para aceder ao ensino universitário, ou algum tipo de trabalho para 
sobreviver, etc..” 
Mas vamos lá, vamos ao nosso verdadeiro território...a indiscreta janela duma sala de aula. 
- Se lembra?... Nos enfrentávamos generacionalmente com os alunos. Esse hiato podia ser maior ou menor, 
dependendo da idade do professor. Lá está ele, Carlinhos, professor de 45 anos, estilo meio demodé. Tenta acercar-
se aos alunos utilizando um vocabulário “jovem”. Alguns alunos comentam cruelmente esses seus deslizes juvenis, 
sua melancólica forma de querer chegar a um mundo que em parte lhe está vedado. 
- Vamos para uma outra sala...ora, aqui o professor “fica na dele”, Raimundo, 50 anos, meio triste, solitário e 
final, não se esforça nas expressões, fala apenas como um professor. Ufa...este coroa... chato, cruéis comentários se 
deslizam; algumas facetas de sua vida privada se fazem públicas, seu íntimo em migalhas circula pela aula; ele sabe, 
mas faz de conta que não sabe. 
Como educadores éramos obrigados a entender o mundo do jovem, seus recursos na procura da afirmação 
identitária, suas frustrações, medos, e seus valores “novos” que ameaçavam os nossos, produto de uma outra época. 
Estávamos obrigados a tudo isso, sem o retorno de ser também compreendidos tendo às vezes que claudicar da 
nossa história, princípios, ética. Sendo também mudados nos embates com os alunos, quase sempre a contragosto. A 
própria sociedade se encarrega de alimentar um certo “racismo” de idades que alimenta o conflito, as distâncias, as 
discriminações entre as gerações. 
- Carlinhos, ...aula de hoje....A transição à democracia no Brasil....Trazer a história, quem não tem história não 
tem futuro, tem apenas presente, isto vale para indivíduos e grupos, para a sociedade como um todo...primeiras 
palavras do professor. 
Os alunos conversam entre eles, jogam papeizinhos aos outros, passam bilhetes uns aos outros no meio de 
risadinhas cúmplices e bobas. O professor fica um pouco vermelho....”estes “filhos da mãe” riem de mim...” A primeira 
frase de impacto foi dita, mas não existe interesse nos olhos dos alunos (diz um cineasta que os humanos passamos 
90% do dia pensando em sexo). 
O mundo mudou (e como), estávamos educando para o 2030... Sabíamos disso? Achávamos os alunos 
descompromisados com a realidade social, apenas interessados em si mesmos. A escola não sabia qual era seu 
papel, não conseguia traduzir um projeto pedagógico, faltava um projeto nacional, a ênfase nos aspectos filosóficos da 
educação: que tipo de homem e mulher a educação tem que produzir. 
Na medida em que não existia projeto, a realidade irrompia com maior ou menor violência nas aulas, ocupando 
o espaço deixado pelo abandono, através dos alunos, de suas exigências e interesses, ou de seus desinteresses 
muitas vezes mais eloqüentes que suas efetivas demandas. 
“- Carlinhos...quem nãotem história não tem futuro...” Aluno: me interesso apenas pelo presente. Quem era 
Mariguela?...que livro é esse...Nunca Mais?....há, há, há, ....Os militares, que fizeram os militares? O professor...quem 
não tem história não tem futuro....mas, como lhes ensinávamos a ser críticos, queriam saber se isso seria útil para 
sobreviver. Na nossa época ser crítico queria dizer ser engajado, politizado, de esquerda...na minha época se era 
crítico. Eu nem lembro se alguém me ensinou, era a realidade, o cotidiano que exigia, a luta diária, em fim, o Che, a 
utopia. 
Epílogo.... 
Saímos da escola em silêncio, algumas nuvens no céu parecem anunciar chuva. Minha companheira olha 
para o chão, meditando, mastigando a experiência 
- Devíamos reconhecer que o mundo mudou de uma forma que questionava os valores tradicionalmente 
sustentados, dos quais em maior ou menor medida éramos portadores. Os novos valores que surgiam da dinâmica do 
sistema, de suas ferozes metamorfoses se contrapunham aos valores sustentados especialmente pelas gerações mais 
antigas de professores: o individualismo, a competência desenfreada, o egoísmo, o ganho fácil e muitas vezes 
desonesto, a falta de solidariedade, a visão da escola e da educação como instrumento apenas ou para se adequar às 
cambiantes exigências do mundo do trabalho. Tínhamos dificuldades de olhar o futuro, como nos desfazer dos óculos 
do passado? Sentíamos que em parte era como jogar fora retalhos da nossa querida e às vezes tortuosa biografia. 
Bom, conseguimos formar alunos críticos? Na verdade sabíamos que devíamos chegar lá, mas como...e 
especialmente, como saberíamos se o conseguimos ou não? Ah...nossa contribuição de educadores, difícil de ser 
identificada, aparecendo e sumindo sempre como num jogo de sombras. 
Cena 7 
O despertador toca furioso. São 6:00 horas da manhã. Fulano de Tal (carinhosamente chamado por todos de 
FT) sacode o restinho do sono que teima em manter suas pálpebras coladas uma na outra. Com gestos rápidos e 
precisos veste a roupa que na madrugada anterior já havia deixado arrumadinha em cima da cadeira. No banheiro, faz 
sua higiene matinal com gestos automáticos pois seu pensamento já está voltado para as tarefas do dia que mal ainda 
começou. Primeiro, tomar aquele cafezinho para afastar os últimos fiapos de sono, chamar as crianças e ajudar o mais 
novinho a calçar as meias, amarrar os sapatos. Tudo tem que ser feito rapidamente. O ônibus das sete já vai passar e 
ele não pode perde-lo de jeito nenhum. O outro só passará daqui a 15 minutos ele gasta pelo menos 40 minutos até a 
parada mais próxima do trabalho e ele nunca se perdoaria se chegasse atrasado. Na mão direita uma sacola cheia de 
recortes de revistas, folhas soltas de papel chamex, rolo de fita crepe, alguns pincéis atômicos e uma escova de 
cabelo, esquecida do dia anterior. Na outra um casaquinho leve, nesta época do ano costuma garoar um pouquinho e 
sua voz tem que ser preservada, pois ela será sua varinha de condão durante todo o dia. Sem ela como se comunicar 
com seus clientes? - e uma outra bolsa com mais papéis e alguns pertences pessoais. 
E este ônibus que não chega!!! É preciso telefonar para o pediatra, pois o menino mais novo tossiu muito esta 
noite. 
Satisfeito FT olha o relógio e vê que ainda faltam 5 minutos. Há tempo suficiente para falar com seu colega 
sobre aquela notícia lida de relance no jornal do passageiro que assentou ao seu lado no ônibus e dar um bom dia 
para o vigia noturno que deixa o turno de trabalho. 
Sua clientela já está a lhe esperar. Impacientes como sempre. Fulano de Tal com o mais simpático de todos os 
sorrisos do mundo cumprimenta a todos e recebe um sonoro bom dia. Vai tirando incontável sortimento de material 
das bolsas e ao pegar cada um deles vai relembrando o trabalho que teve no final do dia anterior. Primeiro vasculhar 
todos os jornais e revistas velhos em busca de figuras ou pequenos textos que pudessem ser úteis ( veja como Leila 
Diniz era bonita. Ah! Os Beatles. Não perdi um filmes deles..). Recortar as figuras, cortar os cartazes e colar (cadê o 
tubo de cola?). Procurar nos livros e nas bibliografias mais informações sobre aquele assunto abordado e que deixou 
algumas dúvidas entre seus alunos. Corrigir os trabalhos, afinal é preciso quebrar a ansiedade a respeito dos 
resultados. Afinal o sucesso de cada um depende da sua avaliação. Os olhos estão ardendo (é preciso consultar um 
oculista mas como? Se tempo não lhe sobra. Aos sábados só se for em emergência). Fulano de Tal passa a mão 
sobre os olhos e nem pensa na possibilidade de parar e ir dormir. É preciso ler mais um pouco sobre os assuntos que 
serão discutidos e algumas tarefas precisam ser repensadas. Na última reunião sentiu que havia necessidade de 
motivar mais seus clientes, buscar outros artifícios que os mantivessem interessados e participativos. Há mais de 15 
anos trabalha com pessoas e sempre se surpreende com as novidades que eles trazem, novidades que algumas 
vezes até o deixam meio sem graça pois ainda não havia ouvido falar sobre este assunto. É preciso ficar sempre 
atento aos novos processos psico-pedagógicos publicados no jornal da categoria. Por falar em categoria relembra que 
é preciso comparecer à reunião do sindicato na próxima sexta-feira. Haverá votação e não se deve faltar. O cuco do 
relógio avisa que faltam 15 minutos para a meia noite. 
Hoje sua clientela está agitada mais do que o normal. Alguns até parecem estar com o pensamento no mundo 
da lua. 
É preciso fazer alguma coisa. Buscar no fundo da memória uma estratégia que gere o interesse de todos. É 
preciso muita calma porque sua clientela é muito sensível e qualquer coisa serve como motivo para torná-los 
intolerantes, impertinentes e até mal-educados. Como convencê-los de que os acontecimentos que irão se desenrolar 
são deveras importante, principalmente para eles. É preciso muito tato. Respeito. Carinho. Isto não é problema para 
Fulano de Tal. Carinho, amor, zelo, atenção não faltam no seu coração. Mas será que eles não percebem que são 
muitos e não se pode atender a todos ao mesmo tempo? FT se esforça e com jeitinho vai levando a sua tarefa em 
frente, mesmo que os ponteiro do relógio demorem uma eternidade para dar uma volta tão pequena e que o sinal 
anunciando o intervalo para o almoço insista em permanecer mudo. Bem que poderiam ter lhe dado aquele espaço 
que está vago no segundo andar. Lá é um pouco maior, as janelas ficam voltadas para o parque ( o visual é muito 
mais bonito ), o sol não incomodaria tanto e não seria necessário tantas lâmpadas, mesmo porque as que existem 
vivem queimando. 
Nada é capaz de diminuir o ânimo de FT, a não ser quando as pessoas dizem que o seu trabalho não tem 
importância. FT vira um bicho. Como não tem importância? Pela suas mãos, ou melhor, pelo seu ensinar já passaram 
pessoas que modificaram a história da nação. Pessoas que foram capazes de se adiantarem a sua época e mudar o 
modo de pensar de muitos. Lembra daquele que virou presidente da república? É verdade que depois tiveram que 
"tacar" o impeachment nelle depois, mas isto é outra estória. 
FT fica nervoso também quando percebe a desvalorização a qual sua profissão foi submetida. Escolher esta 
profissão foi o maior sucesso na família. Todos vieram lhe cumprimentar pela escolha. Afinal somente uma pessoa 
com tanta abnegação poderia ter feito tal escolha e naquela casa ninguém mais teria tantas condições para enfrentar 
este desafio. Bem que poderia ter ido para o Banco do Brasil ou ter tentado dar o golpe do baú, mas não fazia mal, 
naquela profissão também seria visto como um membro da elite, seu status social estava garantido, seria também um 
formador de opinião (ainda bem que isto não lhe tiraram). Dinheiro não era seu principal objetivo, mas até isto haveria 
suficiente para levar uma vida confortável. Afinal, como salário inicial iria ganhar o equivalente a 1500reais por mês. 
Nada mal para se começar. Quem sabe até poderia comprar um carro já no segundo ano de trabalho? Mais de 15 
anos de dedicação exclusiva, FT ama tanto seu trabalho que nunca lhe passou pela cabeça buscar outra ocupação. 
Para ele era inconcebível dividir seu amor pela profissão com qualquer outro tipo de trabalho. Para ele se não existisse 
esta profissão ele iria inventá-la. É seu respirar, o pulsar de seu coração. Ela é sua vida. Mas as coisas mudaram. Seu 
trabalho é constantemente elogiado pela sua clientela, pelos seus amigos e familiares e às vezes até pelo governo, 
mas porque será que ele já não pode mais trocar seu fusca ano 84 e no ano passado não pôde sair de férias com a 
sua família? FT não entende como pode alguém trabalhar por tanto tempo, ter feito mais de vinte cursos de carreira, 
ter procurado se aperfeiçoar fazendo um curso de pós-graduação que lhe roubou milhares de horas de sono para hoje 
receber menos de 850 reais por mês? Não entende também porque, se reconhecidamente importante por todos, o 
governo investe tão pouco na melhoria das condições de trabalho da categoria. E ele nem está falando em melhoria de 
seu salário. 
A realidade é cruel. Os minutos se arrastam e o cansaço começa a alfinetar. Os pés latejam, mesmo estando 
dentro de mocassins (meio velho é verdade) muito confortáveis, já são mais de três horas em pé. As veias das pernas 
já começam a latejar e aquele cliente que está lá no cantinho mais afastado não consegue entender o conteúdo que 
está sendo discutido. Será que está perdendo a capacidade de ensinar? Este é o pensamento que lhe vem a cabeça. 
Uma espetada de dor percorre seu corpo só em pensar que dedicou toda sua vida para fazer com que pessoas 
pudessem refletir melhor sobre o ambiente que nos cercam e destas reflexões buscarem alternativas que 
transformassem a natureza, imprimindo nela toda individualidade de cada um e, agora, já não acredita estar sendo 
capaz de realizar seus próprios sonhos, quanto mais os dos outros. Não entende também porque ultimamente vem 
perdendo a paciência com seus clientes. Antes, bastava um lhe procurar para pedir um conselho, uma explicação que 
fosse e toda a atenção era dedicada. Hoje pede aos céus que nos intervalos dos encontros ninguém venha lhe 
perguntar nada, inclusive adoraria que aquele amigo que vive lhe contando piadas não viesse lhe perturbar. FT sente 
como se fosse uma acha de lenha que vai queimando lentamente, soltando fagulhas pelo ar. Mas ele continua. Tal 
como aqueles castelos do século XII, sacudidos pelas ondas do mar, abrasados pelos ventos, corroídos pela chuva 
continuam como protetores de um torrão, como abrigo para os povos. Continua um símbolo, um ponto de comparação, 
um ponto de apoio para sua clientela. Isto lhe dá forças para continuar. Ele continua. 
Toca o sinal. Finalmente FT poderá descansar um pouco. Descansar? FT já esta correndo porque precisa 
pegar seus filhos na escola, precisa passar no banco para tirar uns caraminguás que restam do salário para pagar o 
corte de cabelo da filha mais velha e pegar a roupa que mandou tingir e que usará na festa de formatura do filho. Afinal 
como FT, tendo a profissão que tem, pode ir a uma festa de seu filho sem usar uma roupa nova? FT só tem duas 
horas para resolver todos os problemas de sua família, pois às 14 horas ele tem que estar de volta ao trabalho. 
Um lanche rápido, um rápido beijo na companheira e este ônibus que não anda. 
Como num teatro, onde trocam-se os coadjuvantes e o ator principal permanece, FT inicia mais um turno de 
trabalho. Mas vejam. Surpreendente. FT está sorrindo. Parece que o dia está começando agora. Para onde foram 
aquele cansaço, aquelas alfinetadas que davam vida a aquele calo de estimação? Não pode ser. Devem ter trocado 
FT ou então deram a ele um injeção de vitalidade. Novos cartazes são tirados daquela bolsa que carregava pela 
manhã e até, inconcebível, uma pequena maquete. Quando ela foi construída? (Só se foi no domingo passado durante 
aquele churrasco no clube.) A clientela de FT lança olhares de profunda admiração, o silêncio marca o interesse 
despertado e raios de curiosidade são projetados através de cada par de olhos da platéia. FT é aplaudido ao final de 
sua exposição. Os ponteiros não andam, o sinal não toca, as veias dilatadas doem, mas para FT só existe um objetivo 
- cumprir com sua missão. Cumprir com sua missão que na verdade não é sua mas da organização em que trabalha. 
FT imbuiu-se de que trabalhar com aquela clientela é transcendente a sua vida, é algo onírico, é o seu realizar. 
Finalmente o sinal toca. Mais um dia se foi. Foi? 
FT ainda precisa confirmar aquele encontro de terça-feira quando irão discutir os novos métodos a serem 
adotados com relação a clientela do próximo ano; precisa telefonar para o distribuidor de bebidas, pedindo para 
mandar mais gelo e mais refrigerantes para a festa de encerramento dos trabalhos; precisa pedir ao seu chefe que 
assine aquele oficio que será enviado ao Conselho pedindo mais verbas para comprar material de consumo, afinal FT 
é também o secretário da associação que representa seus pares. Precisa andar rápido para pegar o ônibus. Em casa 
precisa fazer o dever de casa com a filha mais nova que está tendo dificuldades em matemática, precisa escolher a 
roupa que vai usar, precisa preparar o encontro do dia seguinte. 
Um avião? Um super-homem? Um anjo? Não! FT é simplesmente um trabalhador dum país chamado Brasil. 
Fantasia, irrealidade. Trabalhador como este acima descrito não existe. Quem em sã consciência deixaria de ir 
ao oculista para dedicar-se ao trabalho? Quem seria tão maluco em continuar trabalhando onde, ao longo do tempo, 
as condições de trabalho ficam cada vez piores? Não existe ninguém capaz de permanecer numa organização onde 
seus ganhos salariais desvalorizem! Quem é “bobo” de perder horas de sono procurando gravuras para tornar suas 
tarefas mais interessantes se as pessoas, quando muito, querem somente saber somar 2 mais 2? Não existe ninguém 
que goste tanto de seu trabalho a ponto de não buscar outras atividades remuneradas a fim de complementar as suas 
necessidades financeiras! Nada mais enganoso do que pensar que exista um trabalhador que faça das metas da 
organização suas metas pessoais. Isto é conversa "prá boi dormir”! Quem quer saber qual foi o resultado do trabalho? 
Quem está ligando se o trabalho é gratificante? Basta que paguem o salário no final do mês que qualquer um ficará 
satisfeito! Quem se importa com seu cliente a ponto de ficar preocupado se está ou não está dando atenção especial a 
cada um deles? É impossível existir um trabalhador tão perfeito assim. 
Não existe? 
 
Advertência (?)...Professores das escolas públicas estaduais....não, perdão (limpando a boca),...fessores e fessoras 
das escolas públicas...A cada parágrafo nós não conseguíamos deslanchar o discurso, o livro estava ameaçado de 
não ser escrito...Porque os educadores deste país, eh...educadores e educadoras deste país...De repente, calor súbito 
no rosto...o discurso que pelo menos uma vez por parágrafo invocava os educadores do Brasil...perdão os educadores 
e educadoras do país, vai da invocação do gênero masculino (perdão, por colocar primeiro masculino), ao feminino 
sem descanso...(perdão por colocar feminino em segundo lugar)...O que fazer?...Com a boca seca, tomamos uma 
grave decisão: Ora...quando o discurso a seguir disser professor, quer dizer também professora, e quando disser 
professora, quer dizer também professor, e que nos desculpem os professores e professoras deste país. 
 
PARTE I – EDUCAR: O AFETO INVOCADO 
 
Cap 1 – Educar, Educador 
Wanderley Codo, Iône Vasques-Menezes 
 
Estas linhas ousam pensar a educação e o educador a partir do que o educador faz. Um caminho tão óbvio 
quanto raro. 
Tantos e tantos são os livros que discutem a educação, a crise da educação, os métodos para educar, e fazem 
ouvidosde mercador para o que o educador faz. Nada de errado com isto, a educação é um objeto de análise 
completo e complexo. Entre outras coisas, é da sua natureza permitir qualquer recorte, qualquer enfoque, como 
qualquer objeto de estudo, a educação enquanto tema é infinito e generoso. Generosos também os olhares e a 
polêmica a respeito. Neste final do século a educação é a um só tempo problemática, (o que ensinar? Para que? Para 
quem?) como obrigatória (sem educação, o país não conseguirá romper seus impasses). Que venham mais e mais 
discussões, mais e mais polêmica, mais e mais propostas metodológicas. 
Mesmo não sendo os autores pedagogos, estudiosos da didática ou da problemática da educação, mesmo que 
alguns deles sejam professores, nunca problematizaram a educação e nunca a elegeram como tema, trazem, neste 
livro, novas oportunidades de discussão. Trata-se, portanto, de uma tentativa de contribuição "outsider". Trabalho, é o 
nosso objeto de pesquisa, condições objetivas e subjetivas de trabalho, a nossa área. A esperança é a de que um 
olhar de fora possa ajudar, mesmo sem nunca substituir, o olhar dos profissionais que dedicam suas horas ao tema, 
educação. 
Aqui se fará o contrário do que se costuma fazer em um livro habitual sobre educação, inclusive para manter-
se coerente com o ‘olhar de fora’. Nos faremos de surdos aos desígnios da educação, para concentrar nossos esforços 
na tarefa do educador. A pergunta que animou nosso percurso durante os últimos dois anos foi: “O que faz o 
educador?” Ou ainda: “Independente do que se quer ensinar, que dramas e gozos se carreiam ao se ensinar?” 
Se é impossível pensar a crise da educação brasileira sem uma filosofia educacional, sem uma teoria 
pedagógica consistente, sem uma política clara, ( e é mesmo impossível), também é inócuo pensar a educação na 
ausência do que faz o educador. Eis a lacuna que estas páginas sonham preencher. 
Que se entre em uma escola, que se visite as agruras e prazeres dos educadores, professores ou não: o que 
se verá ali é trabalho, muito trabalho, uma verdadeira usina funcionando a um ritmo alucinante e coordenado. No 
entanto pouco se lê sobre o educador e a educação, mesmo sabendo que estamos falando de trabalho dos mais 
complicados, como se verá. 
Eis porque seremos obrigados a levar o nosso eventual leitor por caminhos nunca dantes navegados: a infra-
estrutura das escolas, os sentimentos do professor, só para citar dois exemplos. Até a presença de um banheiro 
exclusivo para professores, ou o fato daquele banheiro estar limpo, (para ser anedótico) para nós será um tema de 
análise, na exata medida em que compõe o universo conhecido como condições de trabalho do educador, enquanto a 
adoção do “sócio-construtivismo” nesta ou naquela estratégia do país, para nós passará desapercebida. 
A tarefa nos impôs o caminho a seguir: iniciaremos por uma breve constatação de algumas marcas específicas 
do trabalho de educar; em seguida discutiremos com mais detalhe as relações entre trabalho e afeto; depois 
discutiremos a questão da crise de identidade que o educador vive neste final de século, terminaremos, já com um 
resultado empírico, com o perfil do educador que a nossa pesquisa revelou. 
Sigmund Freud (1975) disse certa vez que educar é uma tarefa impossível, não explicou, e nem caberia. Hoje, 
o olhar que busca investigar o trabalho, distante das peripécias da sexualidade e/ou do inconsciente tal e qual a 
psicanálise os definiu, chega à mesma conclusão. Desta vez com a obrigação tácita de se perguntar o “por quê”. Por 
que a educação é uma tarefa impossível? 
Uma tarefa impossível 
Dos que sabem sentar-se à mesa, usar cada copo e cada talher por sua vez, dos que não comem com a boca 
cheia, os que não misturam a comida a esmo, sabem combinar sabores no prato, diz-se que são educados. 
Dos que são capazes de reconhecer uma nota musical solfejada no rádio ou dedilhada ao piano, os que 
reconhecem um cantor, um violão desafinado, os que sabem o nome do autor de uma sinfonia ao ouvir alguns de seus 
acordes, diz- se que tem o ouvido educado; educação musical. 
Dos que ficam atentos a olhar um quadro, que sabem reconhecer modos de lidar com cores e formas em uma 
pintura, que tem algo a dizer sobre o estilo de um autor, ou ainda os que reconhecem o estilo impresso em um 
romance, a trama dramática armada pelo autor, dos que seriam capazes de discorrer sobre os personagens 
inventados, digamos, por Jorge Amado, diz-se que tem educação artística, literária. 
A quem crê em algum Deus, articula um sistema de crenças, pratica liturgias, se comporta de acordo com suas 
crenças, participa dos grupos organizados em torno a ela, diz-se que tem educação religiosa. 
Se educa a língua, os olhos, o faro, a sensibilidade, os afetos, o erotismo, qualquer sentido que tenhamos ou 
que venhamos a inventar. 
É assim que o mundo leigo, o mundo das primeiras aparências, se refere à educação, ou se tem ou não se 
tem, ou se tem mais ou menos: “fulano não tem educação, sicrano é mal educado, beltrano é muito educado, tem uma 
educação finíssima”. 
Ainda a educação formal, aquela que se aprende na escola não escapa desta miríade de significados. “O 
aluno não está aqui apenas para receber e dominar conteúdos específicos, deve ser educado para a vida.”, é uma 
frase comum de se ouvir nas escolas. Os\as professores\as não raro intervém no modo dos alunos se vestirem, tentam 
ensinar boas maneiras à mesa quando há refeições na escola, introduzem discussões sobre religião, arte, literatura em 
seus currículos ou aulas. Eles também, os profissionais especializados em educação, atuam a partir do mesmo 
pressuposto apontado acima, e se consideram (ou são) encarregados da mesma abordagem ampla, geral e irrestrita. 
Mas fiquemos um pouco mais com o senso comum: “onde começa e onde termina a educação”, no sentido 
primeiro que escolhemos acima? A resposta seria sempre a mesma: “começa em lugar nenhum, em qualquer lugar, 
em todos os lugares, nunca termina.” Jamais pode se considerar completa, acompanha cada homem, cada mulher, 
desde o primeiro passo, a primeira palavra até o último suspiro. Se uma mãe ou pai quer, e sempre quer, educar seu 
filho, começa, assim que pode e segue por toda a vida, até que possa. Se alguém quer se educar nas artes, começa 
assim que tem alguma consciência do que seja isto e passa seus últimos dias a freqüentar museus e livros. Cada 
chance, cada minuto, contribui para formar o patrimônio que vai se acumulando invisível no caráter de cada um de 
nós, coisa que ninguém vê e todos nós somos capazes de reconhecer. Cada vez que a mãe/pai impede que o 
pimpolho agarre o frango com as mãos, sempre que se corrige uma pronúncia errada (não se diz ‘pobrema’ e sim 
‘problema’), quando se pune o uso de um “palavrão”, quando se propicia a uma criança, um adolescente, um passeio a 
museus, acesso à boa música, boa literatura, quando a TV nos informa sobre a biografia de Beethoven, quando uma 
caravana de aposentados se detém respeitosa perante um quadro de Van Gogh, sempre a cada momento, se diz que 
estamos sendo educados. Melhor enfatizar; mesmo a nível do senso comum, a primeira olhada nos arrasta até a 
constatação de que a educação não tem um lugar, ocupa todos os lugares, não tem um início ou um fim, acompanha 
todos os momentos da vida, não tem locus no sujeito, se espalha por todos os sentidos, todos os gestos, todas as 
crenças e intenções. Não tem um autor, é obra de todos com quem cada um de nós se encontra e também de quem 
sequer conhecemos. A educação é onipresente e omnisciente. 
A partir de agora o senso comum não nos ajudará mais. O jovem que conhece e admira música clássica, que 
reconhece Bach, Vivaldi, Beethoven, o outro jovem que só freqüenta o “tatibitate” das canções da moda, que faz um 
“muxoxo” de tédio quando escuta um acorde mais sofisticado; ambos ‘têm educação’. O freqüentador de um 
restaurante que sabe pedir o vinhopela estirpe, reconhece-lo pelo simples gesto de levar a rolha ao nariz e o outro 
freqüentador que escolhe o vinho pelo preço no cardápio, ambos são ‘educados’, desde o teólogo até o ateu praticante 
todos são portadores de ‘educação religiosa’. 
Não existe algo semelhante à ‘pouca educação’, se nos afastamos do senso comum. O analfabeto adquiriu 
uma cultura, valores e habilidades lhe foram ensinados, concepções foram testadas, detém uma sabedoria diferente 
de quem freqüentou 20 anos de escola, mas é uma sabedoria. O mundo está repleto de bons exemplos de que muitas 
vezes é muito sábio, muito educado, embora em outros valores, diferentes daqueles que a escola imputa. 
Ou seja, além de onipresente e omnisciente a educação é incomensurável. Impossível dizer quem tem ou 
quem não tem, quem tem mais ou menos, qual é melhor ou pior. 
Estivemos, até agora, propositadamente afastados da educação que ‘se faz’ na escola, por profissionais 
especializados: ‘os professores, os educadores, os trabalhadores em educação’. Agora a educação se faz em um 
prédio próprio, mal ou bem aparelhado para este fim; funciona em horários delimitados; não raro uniformiza seus 
alunos com a sua marca. Agora a educação tem dono, tem autor, tem começo e fim, tem critério, se mede em 
números, se avalia. O aluno, ao entrar para a primeira série do primeiro grau, tem alguém responsável pela sua 
educação; um objetivo pré-traçado, “deve chegar ao final do curso sendo capaz de....”; um programa elaborado onde 
se imagina que, em seqüência, cada habilidade é necessária para a aquisição da próxima; uma prova ou algo 
semelhante que é lida como um indicativo de que as metas foram ou não cumpridas; o resultado definido em 
porcentagens precisas, uma escala de 0 a 10, um ponto de corte arbitrado com precisão milimétrica (até 5,0 significa 
reprovação; 5,1, ou mais, significa aprovação). Um professor faz um curso, um concurso, está habilitado para ensinar, 
digamos, português ou matemática, tem um programa, define metodologia, estabelece avaliações, o comportamento 
esperado em cada uma delas, etc., etc. e etc. 
Agora a educação comparece com um trabalho, como qualquer outro: profissionais dividindo as tarefas, cada 
qual cuidando de seu pedaço, o aluno tendo seu trabalho avaliado e arbitrado, quantas horas deve se dedicar para 
aprender matemática, biologia ou português. 
Agora vislumbramos uma atividade oposta àquela que vimos surgir mais acima: “educar é uma tarefa objetiva, 
finita, mensurável, tem seu lugar (a sala de aula), seu tempo (a duração da aula) e sua medida (as provas)”. 
Tem mesmo? Que se ouça o professor: 
“Não quero que os meus alunos fiquem apenas decorando os nomes dos países, quero que tenham uma noção crítica 
de História ou Geografia”... “Não basta que os alunos saibam fazer contas é preciso que saibam raciocinar segundo a 
lógica matemática” ... “Mais importante do que as leis e os símbolos deste ou daquele país, procuro ensinar uma ética 
e uma moral capaz de transformá-lo em um cidadão” ... “busco desenvolver em meus alunos a capacidade de crítica, o 
sentimento de justiça” ... “É preciso que o aluno traga sua realidade concreta para a sala de aula, ou É preciso levar a 
realidade concreta para a sala de aula”. 
Figura 1, Cap. 1 - Declaração de um professor em relação ao que busca ensinar. 
Bastou aprofundar um pouquinho nas primeiras aparências e já estamos outra vez sem poder medir, 
diferenciar, definir. Outra vez, mesmo no espaço definido da escola, mesmo na rigidez do resultado numérico, estamos 
no território do onipresente, omnisciente, incomensurável. Talvez por isto Freud disse que educar, assim como 
governar e psicanalizar, é uma tarefa impossível. Como alguém pode dizer que faz uma tarefa que não se define? Que 
não tem começo nem fim? Que sequer se saiba o que seja? 
Mesmo que imaginássemos a figura idílica que habitou o sonho de nossas avós: uma mãe ou um pai dedicado 
exclusivamente à educação de seu único filho, mesmo que esta senhora ou senhor soubesse tudo a respeito da 
formação que seu filho devesse receber, mesmo que fosse possível acompanhar todos os momentos de vida deste 
filho, pelos seus primeiros vinte anos. Mesmo assim, a educação seria uma tarefa impossível, um trabalho onipresente 
e omnisciente exige alguém idem para realizá-lo. Coisas que talvez sejam atributos dos deuses - se deuses houverem 
- um reles mortal está incapacitado a priori. 
Mas a vida real é composta de professores, com muita sorte, com ‘apenas’ 30 alunos em quatro horas, por 
nove meses ao ano. Agora sim, também para um mero mortal: “Uma tarefa impossível.” 
 
Número de Alunos por Turma 
sem resposta 6,50% 
menos de 20 3,30% 
de 20 a 35 32,00% 
de 35 a 45 41,60% 
de 45 a 55 14,00% 
mais de 55 2,60% 
Total 100,00% 
Figura 2, Cap. 1: Distribuição do número de alunos por turma. 
 
Ali uma jovem sentada, em companhia de centenas de outras, carrega no semblante, em frente a um papel 
cheio de bolinhas vermelhas, onde querem saber se ela sabe quem foi Jean Piaget, querem que realize com esmero 
equações e raízes quadradas, que saiba com todos os “sss” e “rrr” as obras escritas por Machado de Assis... Presta 
um concurso público para o qual se preparou em média 12 anos, quer ser professora. 
Vencida a batalha, eis que entra em sala de aula, nos primeiros trinta segundos se avexa com o adolescente 
que não desgruda o olhar de suas pernas, e insiste em não disfarçar; se confunde com a troca de figurinhas de futebol, 
um pouco mais atrás; persegue inutilmente o olhar entregue às moscas da/o mocinha/o sonhadora/sonhador. 
Ensinaram-lhe Piaget, cobraram-lhe Piaget; e lhe entregaram a tarefa de administrar a vida toda, de todos nós. Ao 
contrário do provérbio popular, ‘cobraram por um gato e lhe ofereceram uma lebre’. 
Acolá uma ‘dona de casa’, que nunca soube fazer nada além de cuidar de si e da família, (o que sabe, é muito, 
mas o mercado de trabalho acha que é nada) enche outras tantas bolinhas para ser merendeira em uma escola 
pública. Sabe que fará lanches para aquele bando de moleques, refeições que serão devoradas em cada intervalo. 
Ao chegar no primeiro dia de trabalho encontra um garoto a pisar nos pés de outro na fila, se encontra na 
situação de ensinar bons hábitos à fila, à mesa, surpreende alguém surrupiando salsichas do vizinho mais fracote, se 
impõe a tarefa, nunca antevista, de guardiã e mestra da generosidade, humanidade, justiça, valores tão caros, tão 
raros que não há preço que se pague. Educadora, tanto quanto o professor, com a desvantagem que ninguém parece 
saber disto, muito menos o seu contracheque. 
Impossível. E muitos vivem a vida como ela, e muitos ainda gostam disto, talvez porque seja uma tarefa, um 
trabalho muito especial. Qualquer ser humano sonha, pelo menos por um momento, em escrever seu nome na história, 
em última instância, em não morrer, em ser lembrado depois que passou. O professor, o educador, tem esta chance. 
Uma atividade completa 
Ser Humano significa ser Histórico. Compreender um ser humano implica em partir do pressuposto de que 
cada gesto, cada palavra estão imediatamente inseridos num contexto muito maior, que transcende a ele e a sua 
existência. Escrevendo a História, de toda a humanidade, todo o passado determina, constroí, reconstrói; explica, 
significa e re-significa o presente; todo presente engendra, contém e constroí o futuro. Assim, cada ação humana 
carrega em si toda a História da Humanidade e as possibilidades a serem re-desenhadas amanhã e é também 
portadora do futuro. Cada ação humana é uma síntese, ao mesmo tempo, única e universal, do nosso passado e do 
nosso futuro. 
Que seja um ato banal: ‘comer um tomate.’ 
Algum hominídeo, em algum lugar perdido no passado, movido pela fome encontrou a fruta silvestre, 
experimentou, gostou dela. Muito tempo depois, a tribo aprendia a plantar sua semente, a protege-la dos outros 
animais, pragas, intempéries, desenvolveu-seuma tecnologia agrícola que aos poucos mudava a face, o gosto, a 
composição físico-química do tomate, seria já irreconhecível perto do seu antepassado silvestre, milhares de anos, de 
trabalho de todos os homens. Os agricultores, os químicos, os comerciantes, os transportadores, literalmente toda a 
humanidade, toda a História está presente no tomate que comparece ao meu prato. O objeto mesmo, criado e 
consumido pelo Homem comparece como portador de sua História, de seu devir. 
Se quisermos estudar o desenvolvimento do homem de sua era mais pré-histórica até hoje podemos faze-lo 
com base num objeto qualquer, em qualquer ato, por mais banal que seja. 
Não apenas os objetos, os atos também são históricos. A história existe antes e depois do ato e provavelmente 
vamos entendê-lo de uma forma muito mais abalizada no decorrer dos tempos. Uma rede infinita se tece e se 
concentra no ato de comer o fruto ou não. O preço, o valor, a medida, a estética, a propaganda, o mercado, a técnica, 
a fisiologia, a física, a biologia. 
Infinitos tomates são inventados pelo gesto humano e se alojam dentro do tomate; um médico poderia nos 
falar muito sobre a vitamina C e as outras que a fruta carrega. Um comerciante poderia fazer o mesmo, um industrial, 
um político. A História do tomate começa muito antes do Homem ter comparecido ao mundo; a evolução das 
moléculas, todos os acidentes que implicaram na existência de um ser vivo, à qual mal temos idéia. 
As receitas disponíveis para preparar o fruto, que vão se acumulando e se preenchendo de significados em 
culturas diferentes, em classes sociais distintas, em vários grupos etários. 
Tantos são os tomates, dentro do tomate, que fomos criando especialidades dedicadas a uma ou outra faceta: 
O agricultor dedica sua vida a conhecer detalhes sobre o plantio da fruta, seu comportamento, sua evolução. O 
engenheiro agrícola a conhecer nomes e fórmulas de venenos, por um lado e comportamento de uns bichinhos 
estranhos que ele chama de pragas, do outro. O médico se preocupa com os nutrientes e os efeitos fisiológicos do 
tomate, em que dietas deve entrar, em que dietas deve ser proibido. O sociólogo estuda os hábitos alimentares da 
população alvo para saber da possibilidade de aceitação do alimento e da forma adequada. E assim por diante. 
O médico, o agricultor, o comerciante, e quantos mais pudermos lembrar, todos os trabalhadores que 
compuseram, compõe e virão a compor os milhares de significados que um tomate pode ter: ‘todos eles se formam na 
escola’. 
Enfim, um tomate é a síntese de toda a história natural e depois toda a história da humanidade. O mesmo 
pode ser dito do ato de come-lo, da faca e garfo que se utiliza para tal, do lugar onde se senta para a refeição. 
Mas falemos um pouco do futuro. Ao comer o tomate, ou mesmo quando o recusa, você está intervindo em 
todo o futuro da humanidade. Por exemplo, você cria, ou mantém, a necessidade de alguém plantá-lo; cria, ou 
mantém, a necessidade de produção de adubos e venenos e, por extensão, da pesquisa em química orgânica e 
inorgânica; cria, e/ou mantém, a necessidade de uma rede de transportes - você é responsável pelo emprego do 
caminhoneiro que foi contratado pela agroindústria produtora de tomates em Mogi das Cruzes, por exemplo, uma 
cidadezinha produtora desta fruta, da qual você sequer precisa ter ouvido falar. 
Ao comer a fruta você gerou um movimento; alguém em sua casa foi ao supermercado comprar outra, o que 
por sua vez implicou em uma baixa de estoque, que provoca uma busca de fornecedores, que procuram os 
intermediários, que procuram os produtores, que acionam os transportes, e assim, per omina. 
Um agricultor a tomar uma cerveja ‘de papo para o ar’ depois do trabalho, se gaba de ter tido um bom palpite, 
‘plantar tomates este ano deu dinheiro’. Você foi responsável pelo sentimento de segurança do agricultor! Todo o 
nosso futuro; a viabilidade de nossa agricultura, de nossas importações e exportações, da bolsa de valores do Brasil, e 
por extensão do mundo todo, estão irremediavelmente ligadas ao teu descuidado gesto de comer um tomate. 
Por sorte nossa, todas estas mediações, toda a História, todo o futuro está oculto, desaparece do gesto de 
comer. Ao triscar a fruta entre os dentes a única coisa que permanece é o seu gosto agridoce, a boa sensação de um 
estômago saciado. 
Viemos enfocando um ato banal para ressaltar o caráter histórico de qualquer instrumento, qualquer gesto 
humano. Apesar de sua historicidade, a maioria dos atos e objetos banais que poderíamos escolher para contar a 
História dos homens são mudos, comparecem em nosso cotidiano e não deixam registro. Poucos são os objetos 
produzidos por nós, e os atos praticados por nós, que permanecem na História registrada, escrita, documentada, ou ao 
menos lembrada por nossos pares. O nosso prosaico tomate desaparece sem deixar vestígios, na boca do 
consumidor, nosso gesto de fatia-lo e servi-lo ao jantar tampouco deixa rastros. São históricos e anônimos. Por isto 
raramente temos consciência deles, de sua historicidade, da cadeia sócio-econômica-política em que se inserem e que 
alimentam. Os outros, os raros que merecem registros, estes nos orgulham muito, ser citado em um livro, ter escrito 
um , ser lembrado pelos amigos, pelos entes queridos. Ter tido a sorte ou a coragem de fazer a coisa certa, definitiva, 
ter a certeza de que as tuas palavras mudaram a vida alheia. Quanto prazer tudo isto nos dá. 
Inventamos rituais para marcar os gestos que consideramos dignos de freqüentar a memória: Um casamento, 
o nascimento dos filhos, os aniversários que todos queremos memoráveis, as formaturas. Realizamos registros para 
que permaneçam apesar de nós, um álbum de fotografias, as cartas recebidas, objetos presenteados, mesmo que 
fúteis, um diário. 
É que ao retirar nossa História do anonimato, ao reservar-lhe um lugar em nossa memória, com sorte na 
memória alheia, de alguma forma tomamos posse de nosso destino, do nosso próprio ser histórico. Todos sabemos o 
prazer, o deleite que isto traz. 
Mas poucos tomates tem esta sorte, poucos jantares com a salada do fruto ganham registro. A menos.....A 
menos que se esteja em uma escola, em uma sala de aula, durante a aula. 
Eis um lugar onde o tomate e o seu apreciador recuperam toda a sua História, todos os seus significados: A 
escola. Há um profissional cuja obrigação é o de reconstruir todo o passado e todo o futuro preso ‘nos tomates da 
vida’: o professor. 
Educar, portanto, é o ato mágico e singelo, de realizar uma síntese entre o passado e o futuro. Educar é o ato 
de reconstruir os laços entre o passado e o futuro, ensinar o que foi para inventar e re-significar o que será. 
O aluno que aprendeu as propriedades alimentícias do tomate jamais será o mesmo, o professor sabe que o 
seu gesto ficará, o aluno que aprendeu a escrever o vocábulo to-ma-te terá a partir dali um outro universo à sua 
disposição, nunca dantes sonhado, o professor sabe que é um artífice de novos mundos. 
Que seja um trecho de uma aula qualquer. 
O aluno escreve “o automóvel buzinou na porta de entrada”. O professor separa a palavra ‘automóvel’ e 
mostra que se trata de um hibridismo “palavra composta de duas origens diferentes, auto vem do grego autos (por si 
mesmo), e móvel vem do latim, mover-se, portanto; que se move por si mesmo”. 
Fomos todos vivendo, construindo carroças, passamos por Henry Ford, alguém deu o nome para aquela 
engenhoca que andava sozinha até o inferno do trânsito nas grandes cidades, o professor recupera, recompõe, re-
vincula a palavra com parte de sua história, o aluno se apropria deste passado e vai utiliza-lo no futuro, quando tiver 
pela frente, por exemplo, a palavra ‘auto-suficiente’, sem que ninguém lhe diga, saberá o sentido. 
Retomar o passado, refazer os vínculos com o presente, reorganizar o futuro, eis o que o professor faz. 
Quando se estuda ciências - história, geografia, português,literatura ou matemática, física, química ou biologia 
- o que o professor esta fazendo? Esta trazendo o passado para que se possa construir o presente dos alunos para 
que eles então possam, através da re-significação, construir o futuro. Essa transformação é produto do trabalho da 
educação, do ensino, do professor, dos profissionais da educação no seu vínculo direto com o passado e com o futuro, 
os alunos. 
 
 
 
 
“Os professores que mais me marcaram foram exatamente aqueles que não foram bons professores, os mais 
incompetentes. Por aí pode-se ter uma medida da importância do professor, da delicadeza que é ensinar uma 
pessoa.”... “Graças a Deus, a grande maioria dos professores que eu tive se dedicavam ao ensino. Professores como 
o de história do Colégio São Bento, quando eu tinha 8 anos, o professor Mesquita, que dava suas aulas desenhando 
histórias em quadrinho no quadro negro. Ele entrava no teu mundo para te ensinar. E todos nós éramos ótimos em 
história.” (Jô Soares, 1997 in Projeto Aprendiz – Magia do Saber – 14 a 20 de setembro 1997.) 
Figura 3, Declaração do Jô Soares, para o Projeto Aprendiz, sobre os professores que 
marcaram sua vida. 
Toda ação humana é potencialmente geradora de significados, potencialmente transcendente, mas apenas 
alguns poucos gestos tem a sorte de fazer a História, reservarem seu lugar no futuro. A menos que você seja um/a 
professor/a. Neste caso cada palavra dita, cada movimento do olhar tem seu lugar reservado no futuro do outro, do 
país, do mundo. Por bem e por mal. 
O Produto e o Outro 
A primeira lição que um estudioso do trabalho aprende é: Pergunte pelo produto. Aprendemos muito cedo que 
ao entender o produto entenderemos muito do trabalhador. O marceneiro é do jeito que é porque produz cadeiras, 
mesas, armários, porque tem a madeira como matéria prima, seus braços, seus gestos vão se tornando diferentes, 
portanto sua identidade vai se tornando reconhecível. Um médico desenvolve outras sensibilidades, outros hábitos, 
também porque o seu produto é outro. 
É que o trabalho pereniza o gesto do trabalhador, imortaliza o trabalho. É que o trabalho é uma mágica que 
tem lugar entre o homem e as coisas, a coisa faz o homem e o homem faz a coisa, a madeira faz o marceneiro que faz 
a madeira. Se houvesse um final do processo, temos outro mundo, e outro homem. O mundo com a face do 
marceneiro o marceneiro com o jeito da madeira. 
Pois bem, é isto que permite ao homem ser histórico, a possibilidade de permanecer apesar de si, ao 
brincarmos acima com a idéia do tomate, o que dizíamos é que cada gesto nosso, através do trabalho, é sempre 
imortal. O produto do trabalho é a corporização desta permanência do homem apesar dele mesmo. Seus vínculos 
com os outros homens, com nosso passado, nosso futuro. 
Mas há ainda uma outra face da mesma moeda. Ao representar o homem, o produto do trabalho o re-
apresenta. A mesa do marceneiro passa a existir como seu outro ser, que se insere na vida da família que se senta na 
hora do jantar. O marceneiro, através do seu produto, comparece perante os outros homens materializado. 
 Estamos em um jogo de espelhos que em última instância constrói o que chamamos de identidade social, os 
modos como o trabalhador constrói a si e se apresenta perante o outro. 
Mas e o professor? Qual é o produto do professor? O marceneiro transforma ao outro, os outros, a sociedade, 
através da mesa. O professor transforma o outro através do outro mesmo, sem mediações. O seu produto é o aluno 
educado, é a mudança social na sua expressão mais imediata. 
Vejamos: de pouco importa os truques didáticos que se utilizem em sala de aula, de pouco importam os 
exemplos, de pouco importa que o aluno saiba repetir uma lista enorme de Países e suas capitais, o que importa é o 
que mudou neste aluno, agora sabe ler, agora sabe consultar um atlas, agora sabe escrever. De pouco importa se 
saímos todos para plantar árvores em uma manhã de primavera, ou se o professor exerce o terrorismo ambientalista 
em sala de aula, o que importa é desenvolver a consciência ecológica nos alunos, em seus pais, na comunidade. 
Se retomarmos a discussão acima, na maioria dos trabalhos se pode traçar um esquema assim: 
Modificar a natureza> modificar a si mesmo >produto> modificar o outro 
Para o educador a relação é direta: 
Modificar a si mesmo> modificar o outro. 
 
Que conseqüências esta especificidade carreia para o trabalho do professor? Este é uma das perguntas 
centrais deste livro, mas algo deve ser adiantado agora. Em primeiro lugar, um marceneiro, empregado em uma 
fábrica de móveis pode passar toda a sua vida marcenando sem que tenha consciência da capacidade de transformar 
o mundo, sem que refaça em seu espírito o percurso que o aproxima de Deus. Já ao educador a sua dimensão 
histórica é posta imediatamente à sua frente. Depois de cada aula é outro, são outros seus alunos, é outro o planeta 
em que convive. Digamos, o trabalho do educador é imediatamente histórico. 
Ao mesmo tempo, a mesa do marceneiro está ali, relativamente imutável ao correr dos anos, reconhecível de 
imediato, permite a todo o momento a recuperação dos gestos que a realizaram. Para o professor, ficará difícil 
recompor o trajeto. Raros e felizes são os momentos em que é possível reconhecer no aluno a marca específica do 
trabalho. Em um plano abstrato, sim, fui eu que o eduquei, ou ajudei a educar, mas em um plano concreto, como saber 
onde começou e onde terminou a minha intervenção? Como dimensionar a minha potência? O outro se transforma na 
mesma velocidade em que o professor o transformou. A historicidade imediata que anima o trabalho do professor o 
deixa impossibilitado de se refletir imediatamente, a ausência de um produto, apesar da relação mesma, o condena à 
relação. Depende, para se reconhecer, que o outro o reconheça. 
Mas é também a existência concreta do produto que permitiu e permite a alienação do trabalho, por isto que 
Marx dizia que o trabalho alienado rouba do homem sua hominidade, o transforma em um animal. Na exata medida em 
que rouba do homem o seu ser, o seu vir a ser, a sua História. O ardil que implicou na hegemonia da mercadoria é o 
ardil da transformação do trabalho concreto em trabalho abstrato, em mercadoria, em valor de troca, consiste em 
última instância em descarnar o trabalho das marcas que importou do trabalhador. 
A análise da alienação do trabalho formulada por Marx pode ser melhor compreendida nos seus significados 
se temos em conta que Marx foi o verdadeiro herdeiro do iluminismo, entre outras coisas, porque sustentava uma 
concepção filosófica do homem como ser com infinitas potencialidades de desenvolvimento, que estavam sendo 
impedidas e atrofiadas sob o sistema capitalista. A análise da alienação mostra esse cerceamento que o capitalismo 
faz no homem, chegando ao ponto de sentir-se livre, apenas quando está fora dele. 
O primeiro nível de alienação considerado por Marx era o da propriedade dos meios de produção e 
subsistência. De fato, na passagem do feudalismo para o capitalismo os trabalhadores, camponeses e artesãos 
independentes haviam sido expropriados dos meios de produção e subsistência, que paulatinamente se haviam 
concentrado nas mãos da burguesia. Já no marco do processo capitalista de produção, segundo Marx, os 
trabalhadores eram alienados tanto do processo de trabalho como do produto. 
O processo de trabalho, suas etapas, organização, ferramentas, estava num primeiro momento histórico ( na 
etapa de maturidade do feudalismo) sob controle dos trabalhadores, proprietários individuais dos meios de produção e 
subsistência. Em parte, os trabalhadores eram seus próprios patrões naquele momento, embora estivessem ligados 
(os camponeses) na forma de servidão aos senhores feudais por institutos feudais. 
A passagem do feudalismo ao capitalismo significou a expropriação dos trabalhadores, a concentração dos 
meios de produçãoe subsistência nas mãos dos patrões capitalistas e, por conseguinte, o surgimento da propriedade 
privada capitalista, que negava superando, a propriedade privada individual dos trabalhadores. A partir daí, o trabalho 
seria coletivo e a apropriação da riqueza, privada, grande contradição do capitalismo, que se traduzia, no século XIX, 
na miséria crescente da maioria e na riqueza crescente de uns poucos. 
Esse primeiro nível de alienação, determinava os seguintes: a alienação do objeto do trabalho e a alienação do 
processo de trabalho propriamente dito. Sob o capitalismo, segundo Marx, o objeto de trabalho não pertencia ao 
trabalhador. Este plasmava sua subjetividade no objeto, sua própria vida, mas ele pertencia ao capitalista. O objeto 
comparece perante o trabalhador não como uma objetivação de sua subjetividade, mas como um ente estranho, como 
um inimigo. 
A alienação do processo de trabalho acontece na medida em que o capitalista o submete a seus próprios fins, 
a consecução do lucro. Trata-se de um processo paulatino de expropriação do controle do trabalhador sobre o 
processo de trabalho. 
Num primeiro momento, o controle sobre o processo está nas mãos do trabalhador, ele possui um saber–fazer 
que lhe permite planejar seu trabalho em termos de etapas, ritmo do trabalho, prescrições de qualidade, etc. Este 
controle é típico do processo de trabalho realizado pelos artesãos independentes, e, em parte, pelos trabalhadores 
durante as primeiras etapas da manufatura. O processo de trabalho lhe pertence e é algo interior a ele. 
Paulatinamente, a partir de estratégias de divisão do trabalho e de incorporação de maquinarias, o processo de 
trabalho começa a ser expropriado pelo capital. Ele vai se configurar como um processo que acontece fora do 
trabalhador. Ele perde cada vez mais o controle sobre as etapas do processo produtivo, os ritmos, as cadências, etc., 
na medida em que seu saber-fazer começa a passar às mãos do capital, na medida em que ele é expropriado do seu 
saber . 
A divisão técnica do trabalho esfacela ao trabalhador, convertendo-o num “homem unidimensional”. 
Podemos aplicar esta análise do processo de trabalho sob o capitalismo como atividade alienada, ao processo 
de trabalho que tem lugar nas escolas? . 
Em primeiro lugar as escolas não são fábricas capitalistas, não temos patrões capitalistas nas escolas 
públicas. Se consideramos que o estado é um representante de classes, no máximo poderíamos dizer que a compra 
do trabalho do professor é intermediada pelo estado, o que lhe transfere propriedades muito particulares, por exemplo, 
a extração de maisvalia não é direta. 
Mas qual a relação do professor com o processo ou atividade de trabalho que tem lugar na escola, com o 
planejamento, com a execução, com os instrumentos do trabalho, e com o produto do trabalho: o aluno? 
Primeira questão a ser colocada: o saber e o saber-fazer, está nas mãos do professor, condição principal de 
sua atividade de trabalho. Por isso, o planejamento de seu trabalho, as etapas a seguir no processo de ensino- 
aprendizado, são por ele decididas, o ritmo imposto a seu trabalho não escapa completamente a seu controle, embora 
existam prescrições externas, às quais ele poderá, por diferentes motivos, resistir. Tudo isso porque ele possui um 
saber e porque o produto do trabalho é o outro. 
No que diz respeito ao produto do trabalho do professor, existem inúmeras especificidades. Em primeiro lugar, 
como já se viu, não se trata de um objeto sobre o qual ele plasma sua subjetividade, mais de um outro ser humano. A 
parte de seu ser que foi realmente objetivada no produto- aluno, será sempre alguma coisa difusa para ele e para os 
outros. O produto/aluno será no entanto tão alheio como é alheio para um trabalhador qualquer o produto por ele 
produzido. Embora dificilmente será sentido como potência estranha, como inimigo. 
Em uma palavra, para o educador, o produto é o outro, os meios de trabalho são ele mesmo, o processo de 
trabalho se inicia e se completa em uma relação estritamente social, permeada e carregada da História. Uma relação 
direta e imediata com o outro é necessariamente permeada por afeto. E é o afeto como componente tácito do trabalho 
que havemos de enfrentar a seguir. 
Cap 2 - Trabalho e Afetividade 
Wanderley Codo, Andréa Alessandra Gazzotti 
 
Os lugares do afeto e do trabalho 
Ainda hoje convivemos com uma delimitação bem definida entre afeto e trabalho: ‘Não se envolva com os seus 
colegas de trabalho, muito menos com o seu chefe’; ‘onde se ganha o pão não se come a carne’ dizem os executivos 
para se referirem aos apetites sexuais cuja vazão nunca podem ocorrer no trabalho; ‘não se deve levar problemas do 
trabalho para casa ou problemas de casa para o trabalho’; ‘meus dramas afetivos não são de interesse dos meus 
colegas de trabalho’; ‘não posso permitir que os conflitos no trabalho atrapalharem minha vida familiar”. Um livro 
americano de auto-ajuda traz sua conclusão já no título ‘Sexo no escritório: Um guia de sobrevivência’, por dentro uma 
série de conselhos: ‘evite se aproximar muito de seus/suas colegas, evite olhares cúmplices’. Até a algum tempo atrás 
a IBM deixava muito claro a seus executivos, qualquer flerte, namoro ou casamento com um/a subordinado/a implicava 
em demissão, com sorte, de apenas um dos parceiros, muitas e muitas empresas impedem parentes de trabalhar na 
mesma empresa ou na mesma seção. 
Nem sempre foi assim. 
Até a Segunda Revolução Industrial, com o advento da fábrica, afeto e trabalho viviam em saudável confusão. 
Na chamada comunidade primitiva, onde caça e coleta eram as atividades predominantes, sequer a divisão trabalho-
lazer poderia ser facilmente estabelecida, por esta razão os índios eram considerados ‘vagabundos’ pelos portugueses 
colonizadores do Brasil. Escravas, no Brasil colonial, eram chamadas a amamentar e cuidar das crianças, 
configurando a “mãe preta”, enquanto os médicos ajudavam as madames da casa grande a secar o leite sem 
prejudicar a beleza dos seios. O comerciante da idade média, no máximo, dispunha de um andar onde vendia suas 
mercadorias e morava no andar de cima, os empregados comiam todos à mesma mesa junto com os patrões e era 
comum que o estoque fosse guardado embaixo da cama de casal. O romance “Germinal” (Émile Zola) descreve com 
preciosismo a promiscuidade entre o aprendiz e a família de mineiros. O início do interesse deste ao ver a menina se 
despir para o banho após o trabalho, o romance que se desenha entre os dois, permeados pela vida subterrânea da 
mina. 
É o advento da fábrica que vem mudar radicalmente este quadro, com a Inglaterra promulgando leis impedindo 
filhos e mulheres dos operários de freqüentar a fábrica, o lar burguês com a privacidade garantida, corredores, portas 
fechadas - pudor. É Taylor impedindo que os operários conversassem durante o trabalho, restringindo os grupos à 
saída ao número de 4 pessoas. 
Em uma palavra, o afeto foi expulso do trabalho pela organização taylor-fordista que se inaugurou com a 
fábrica, que consolidou o capitalismo e se consolidou com ele. Impôs uma divisão rígida de lugares e gestos. Afeto, 
carinho, cuidado - situado e sitiado no espaço doméstico; e ao trabalho - a racionalidade, a burocracia, a medida.Uma 
discussão mais pormenorizada desta questão pode ser encontrada em “Indivíduo, Trabalho e Sofrimento” (Codo, 
Sampaio e Hitomi, 1993). 
E o trabalho do professor? 
A palavra educação provém do latim educatio que, além de instrução, também significa ação de criar, 
alimentar, alimentação, criação. Educador vem de educator aquele que cria, pai, que faz as vezes do pai. 
Quem tiver hoje em torno dos quarenta anos terá na memória a figura de uma professora aplicando castigos 
físicos tal e qual aqueles que só a mãe tinha direito perante as travessuras do/a garoto/a; ou quiçá as conversas com a 
mestra depois da aula onde se faziam confissões,se recebiam conselhos, ou ainda as alianças terríveis engendradas 
entre a mãe e a professora, invariavelmente sem a presença do garoto. Um trabalho carregado de afeto, como se vê. 
Quem pensar que se trata apenas de uma raiz perdida no tempo se espantará com a quantidade de 
professoras que pensam em si mesmas ‘como se fossem mães’, professores que ‘se imaginam pais’ (voltaremos a 
esta questão). 
 
 
 
 
“Quando entrei na escola, via cada aluno como sendo de minha família e envolvia-me demais, o que me levou 
à terapia para trabalhar isso. Hoje em dia já superei, mas ainda me choco com as histórias das famílias, pois pode 
acontecer a qualquer um” 
“Com os alunos sou do tipo “mãezona”, dando conselhos. Eles gostam de abraçar e consideram os 
professores como seus amigos. A escola é o espaço do qual muitos se utilizam para desabafar seus problemas, 
inclusive os de ordem familiar.” 
“Nas minhas relações com os alunos, me considero ‘galinha com os meus ovos’: gosto dos alunos me 
preocupo com eles. Quando acontece algum incidente entre professores e alunos, sempre acabo achando que a culpa 
é dos primeiros.” 
“Considero que minha responsabilidade é ensinar e não consigo me esquecer dos meus próprios professores. 
Na minha época a figura do professor correspondia a um pai ou uma mãe.” 
“Estou há oito anos nesta escola. Gosto porque é perto de casa, mas também apego-me aos alunos. Sei que o 
aluno da Quinta série será meu aluno na Sexta. Alguns alunos chegam a considar -me ‘mãe’.” 
Figura 1, Cap. 2 - Declarações de professoras sobre o relacionamento com seus 
alunos, quanto ao papel de mãe. 
 
Afeto: indispensável na atividade de ensinar 
 
O trabalho de educar tem tudo para ser o melhor e ao mesmo tempo é um tipo de trabalho dos mais delicados 
em termos psicológicos. Tudo para ser o melhor porque não há fragmentação no trabalho do professor; é ele quem, 
em última instância, controla seu processo produtivo: em sala de aula, embora tenha que cumprir um programa, possui 
ampla liberdade de ação para criar, definir ritmos, definir a seqüência das atividades a serem realizadas. Além disso, e 
o que é mais importante, o professor é dono de seu processo produtivo, participando desde o início ao final de seu 
processo de ensino. 
Mas esta não é a única peculiaridade deste tipo de atividade. Todo trabalho envolve algum investimento afetivo 
por parte do trabalhador, quer seja na relação estabelecida com outros, quer mesmo na relação estabelecida com o 
produto do trabalho. Mas, o caso do professor é diferente, a relação afetiva é obrigatória para o próprio exercício do 
trabalho, é um pré-requisito. Para que o trabalho seja efetivo, ou seja, que atinja seus objetivos, a relação afetiva 
necessariamente tem que ser estabelecida. 
O objetivo do trabalho do professor é a aprendizagem dos alunos. Para que a aprendizagem ocorra, muitos 
fatores são necessários. Capacidade intelectual e vontade de aprender por parte do aluno, conhecimento e capacidade 
de transmissão de conteúdos por parte do professor, apoio extra-classe por parte dos pais e tantos outros. Entretanto, 
existe um que funciona como o grande catalisador: ‘a afetividade’. 
Através de um contrato tácito, onde o professor se propõe a ensinar e os alunos se dispõem a aprender, uma 
corrente de elos de afetividade vai se formando, propiciando uma troca entre os dois. Motivação, cooperação, boa 
vontade, cumprimento das obrigações deixam de ser tarefas árduas para os alunos. Interesse, criatividade, disposição 
para exaustivamente sanar dúvidas, estimulam o professor. Em outras palavras, o papel do professor acaba 
estabelecendo um jogo de sedução, onde ele vai conquistar a atenção e despertar o interesse do aluno para o 
conhecimento que ele está querendo abordar. 
Esta sedução, esta conquista, envolve um enorme investimento de energia afetiva, canalizada para a relação 
estabelecida entre aluno e professor. É nesta dança, entre sedutor e seduzido, na sincronia dos passos, na harmonia 
dos movimentos, que o professor transfere seus conteúdos e o aluno fixa o conhecimento. É mediante o 
estabelecimento de vínculos afetivos que ocorre o processo ensino-aprendizagem. 
Basta lembrar que o significado da palavra seduzir é ‘trazer para o seu lado’, o professor precisa que os alunos 
estejam do seu lado, se estiverem contra ele, funcionarão como obstáculo a qualquer conteúdo a ser assimilado. Além 
disto, a necessidade deste ou daquele conteúdo muitas vezes só pode ser percebido muito tempo depois de 
assimilado; “para que servem tantas contas”, o professor precisa que os alunos confiem em si, acreditem que aquele 
conteúdo lhes será útil; outra vez sedução, outra vez afetividade. 
Se esta relação afetiva com os alunos não se estabelece, se os movimentos são bruscos e os passos fora do 
ritmo, é ilusório querer acreditar que o sucesso do educar será completo. Se os alunos não se envolvem; poderá até 
ocorrer algum tipo de fixação de conteúdos, mas certamente não ocorrerá nenhum tipo de aprendizagem significativa; 
nada que contribua para a formação destes no sentido de preparação para a vida futura, deixando o processo ensino-
aprendizagem com sérias lacunas. 
Mas além do professor há outras funções dentro da escola que também estão envolvidas no processo de 
educar, embora não em caráter formal. É o caso dos funcionários que, contratados para desempenhar atividades 
operacionais específicas, bem sabem que, dentro deste tipo de instituição, seu trabalho envolverá o contato direto com 
os alunos. Neste sentido, o trabalho da funcionária encarregada de limpeza nunca será o mesmo da faxineira de um 
escritório; o da merendeira jamais poderá ser comparado ao da funcionária de uma cozinha industrial; o da funcionária 
da portaria da escola, então, de longe não se assemelha ao da portaria de um prédio ou empresa. O que dizer, então, 
no caso das escolas onde alguns desses funcionários acumulam a função de tomar conta dos alunos durante o 
intervalo? 
Os funcionários podem não participar da educação em termos do currículo oficial da escola mas, sem dúvida 
nenhuma, contribuem e muito para garantir o bem-estar dos alunos, para a criação de hábitos, atitudes e valores. 
Enfim, também têm a sua participação na transmissão do currículo oculto e estão envolvidos com a atividade de 
cuidar. Neste sentido, o envolvimento afetivo, embora não seja tão crucial quanto para o professor, também é 
essencial na realização do trabalho. 
Se, por um lado, as tarefas oficialmente atribuídas a estes profissionais são objetivas, de caráter operacional, 
não necessitando portanto de investimento afetivo; por outro; cuidar, educar requerem necessariamente a expressão 
da afetividade. Para que esta função implícita seja realizada com sucesso, entretanto, o vínculo afetivo torna-se 
obrigatório. 
Para os alunos mais novos, elas são “a tia da limpeza” , “a tia do banheiro”, “o tio do portão”, “a tia do 
refeitório”. Estes funcionários, muitas vezes, conhecem os alunos pelo próprio nome. Sabem dos problemas familiares, 
dos comportamentos indisciplinados, até mesmo das dificuldades nesta ou naquela disciplina. 
Assim, não é preciso fazer distinção funcional ao tratar a questão da afetividade. Consideraremos educadores 
todos aqueles, professores ou não, que atuam na instituição e de alguma forma interferem na formação do aluno. 
Por ora nos basta concluir que o educador faz parte do tipo de trabalhador que vem sendo chamado de “care-
givers”, doadores de cuidado, como os enfermeiros ou assistentes sociais: desenvolve um trabalho onde a atenção 
particularizada ao outro atua como um diferencial entre fazer e não fazer sua obrigação. Em outras palavras, é um 
trabalho impossível de ser taylorizado, de se enquadrar em uma linha de montagem fordista, um trabalho que, ou leva 
em conta os vínculos afetivos com o aluno, com o produto, com as tarefas, ou simplesmente não se viabiliza. 
 
A tensão entreobjetividade e subjetividade 
 
A palavra afeto vem do latim, affectu, (afetar, tocar) e constitui o elemento básico da afetividade, conjunto de 
fenômenos psíquicos que se manifestam sob a forma de emoções, sentimentos e paixões, acompanhados sempre da 
impressão de dor ou prazer, de satisfação ou insatisfação, de agrado ou desagrado, de alegria ou tristeza. 
Costumamos utilizar a forma verbal do termo, afetar, no sentido de influenciar: “o que ele diz sobre mim não me afeta”. 
Ao dizer que o ser humano age sobre o meio em que vive, estamos considerando também que ele dá significado ao 
objeto através da sua ação. Esta significação é a expressão da subjetividade do trabalhador, enquanto que a alteração 
física produzida no ambiente é a realidade objetiva. 
O trabalho pode então ser analisado nestas duas esferas: uma objetiva e outra subjetiva. A esfera objetiva é a 
da transformação física, onde a árvore é transformada em cabana para proteger o homem das intempéries da 
natureza, por exemplo. Mas quando o homem atua sobre a natureza, transformando-a para atender às suas 
necessidades, ele lhe atribui um significado. Esta significação é o que caracteriza o subjetivo no homem, pois abre a 
possibilidade para que ele possa investir o produto de seu trabalho de energia afetiva. 
Quando o homem se relaciona com o mundo, imprimindo-lhe a sua marca, além da energia física ele 
despende também uma energia psíquica, enquanto dá significação às coisas. O trabalho humano se dá justamente 
neste terreno de dupla troca entre a objetividade do mundo real, que concretiza o ato para o indivíduo, e a 
subjetividade do homem, que atribui um significado ao mundo real ao modificá-lo através da sua ação. 
Através do trabalho o homem, na relação com o objeto, entra em contato com o mundo real, concreto, 
descobre-se igual a outros homens, identificando-se enquanto ser humano. Ao mesmo tempo, dotado de sua 
subjetividade, ele vai se diferenciar de outros seres humanos e construir a sua individualidade. Se por um lado ele 
compartilha da história da espécie humana, por outro ele também desfruta de uma história individual, que é diferente e 
única. Suas vivências, experiências, frustrações, afetos e desafetos; tudo isso é levado pelo trabalhador para a relação 
de trabalho. 
O trabalho engloba, assim, esta tensão entre a objetividade do mundo real e a subjetividade do indivíduo que o 
realiza. O que vai configurar esta tensão são as características específicas do próprio trabalho; cada tipo de trabalho 
possui uma dinâmica própria, onde as possibilidades de expressão da subjetividade, da afetividade humana vão variar 
em maior ou menor grau. 
O trabalho de um artista plástico, por exemplo, possibilita a expressão da afetividade num grau muito maior 
que a de um agente administrativo que passa o dia em sua mesa de escritório. Porém, o trabalho deste segundo 
também é dotado de subjetividade, e esta se expressa de formas alternativas, seja na nova proposta de arquivamento 
dos documentos, na nova forma de diagramar os gráficos para a palestra que o chefe vai proferir, seja na planta 
colocada sobre a mesa para deixar o ambiente “mais aconchegante”, seja no papel decorado com o qual foi forrada a 
gaveta ou no porta-retrato com a foto dos filhos pequenos. 
Apesar destas duas esferas conviverem juntas na atividade humana, na sociedade ocidental afetividade e 
subjetividade sempre foram consideradas dois universos distintos e, como veremos, associados à questão da divisão 
sexual do trabalho. Mesmo que ilusória, sendo que efetivamente é impossível separá-las, esta seção vai influenciar 
diretamente na formação da identidade do indivíduo, permeando a forma como vai se construir a relação deste com o 
produto de seu trabalho. 
A expulsão da afetividade no trabalho promovida pela fábrica e teorizada pelo taylor-fordismo foi um dos 
primeiros baluartes a serem criticados e derrubados na organização do trabalho pós Segunda Revolução Industrial. Já 
na década de vinte, Elton Mayo realizava seus experimentos para concluir que as relações sociais, a formação de 
grupos, era importante para o bom desenvolvimento do trabalho. Mayo, considerado como o iniciador do movimento de 
relações humanas, mobilizou um verdadeiro exército de psicólogos a invadir as fábricas com cursos de relações 
humanas, dinâmicas de grupo, grupos de encontro, em última instância, para recuperar os vínculos afetivos que a 
própria divisão de trabalho quis eliminar. De lá para cá, que se veja toda a teoria do ‘comprometimento com o trabalho 
e as organizações’ (discutida mais à frente neste livro) cada vez mais, quanto mais afeto e trabalho recuperarem sua 
unidade, diga-se de passagem, sua indissociabilidade, melhor. 
O trabalho do educador passou incólume perante a taylorização, pela expulsão do afeto no trabalho, ao 
contrário, guarda até hoje uma herança muito próxima da família, carrega até hoje a história de um trabalho fortemente 
marcado pela divisão do trabalho em público e privado. 
A mediação da afetividade 
 
O cuidado, por definição, é uma relação entre dois seres humanos cuja ação de um resulta no bem estar do 
outro. Podemos chamar esta ação de trabalho porque ela se enquadra perfeitamente em nossa definição anterior: é 
uma relação de dupla transformação entre homem (no sentido de ser humano que cuida) e objeto (no sentido de 
externo ao homem; o outro que recebe o cuidado). Na medida em que cuida de outrem, o cuidador se transforma, na 
mesma medida em que transfere para o outro parte de si e vê neste o seu trabalho realizado. Ora, nesta definição 
podemos colocar também o trabalho doméstico que, em sua extensão, termina por enquadrar também o cuidado. 
Neste sentido, trabalho não é necessariamente apenas as atividades remuneradas. 
O fato das mulheres terem sido educadas durante séculos no sentido de dar expressão à sua afetividade, não 
significa que a profissionalização das atividades por elas antes realizadas tenha ocorrido de forma direta, sem que 
houvesse necessidade de adaptação. Pelo contrário, o movimento de profissionalizar uma atividade vista como 
inerente à pessoa, sendo executada de forma mediada, pode gerar um conflito de difícil saída para quem a realiza. 
Isso, porque a lógica do mercado de trabalho não é, e não tem como ser, a lógica do cuidado. 
Quando a mãe cuida de seu bebê, por exemplo, alimentando-o, providenciando que este esteja limpo e 
aquecido, ela atribui um significado à sua ação. Ao atribuir este significado, ela investe uma energia afetiva. Esta 
energia afetiva é dirigida diretamente para o bebê, objeto de seu trabalho. Estabelece-se, assim, uma relação direta, 
imediata entre sujeito e mundo real, ou seja, entre mãe e bebê. Por outro lado, quando uma jovem babá cuida do 
mesmo bebê, esta relação eu-outro torna-se permeada por uma série de fatores de mediação: salário, técnica, 
hierarquia (oposição entre o que ela quer e/ou acredita que deve fazer e as determinações da mãe), para citar apenas 
algumas. 
Esta babá não está apenas cuidando da criança; ela está vendendo a sua força de trabalho e recebendo um 
salário pela execução da tarefa. O dinheiro, assim, está se interpondo à relação dos dois. Da mesma forma, os 
horários e determinações da mãe estão se sobrepondo nesta relação. Mesmo que tenha vontade de atender ao desejo 
da criança de pegar determinado objeto ou ingerir algum alimento específico, ela não pode permitir, mesmo sob os 
protestos veementes, choro e gritos decorrentes. A mãe não permite, então, ela nada pode fazer. O vínculo afetivo 
criado nunca será completo nesta relação com o bebê, pois, acima de ser uma relação afetiva, é uma relação de 
trabalho e, como tal, sempre será mediada. 
Essas mediações que a profissionalização do cuidado impõe criam uma tensão entre vincular-se versus não 
vincular-se, onde o circuito da relação homem-objeto não pode ser completado de forma satisfatória. 
Exploremos um poucomais a dinâmica da afetividade fora do trabalho para compreender melhor as diferenças 
que ocorrem dentro dele. 
Um amigo, por exemplo, a quem dedicamos afeto. O circuito que se estabelece entre nós, se determina entre 
nós dois, mesmo que seja permeado por normas, convenções, cultura, a uma resposta minha, corresponde outra dele. 
Neste circuito, as relações vão se construindo; se faço algo que o desagrada, ou vice-versa, talvez venhamos a 
desenvolver raiva, ao contrário, se as emoções despertadas pelo gesto são positivas, nos aproximamos mais. 
Quando o circuito afetivo se quebra? Se um dos dois quiser muito uma relação afetiva e o outro não a quiser, 
como em amores não correspondidos, aqui o circuito afetivo, qualquer que seja; amor, ódio, amizade, não pode mais 
responder à dupla relação eu/outro. Um dos dois se constitui em bloqueio. Ou ainda, quando um impedimento externo 
impede o desenvolvimento da relação afetiva, por exemplo, quando um preconceito racial intervem (um é negro e outro 
branco em uma sociedade marcada pelo apartheid). Aqui a dor é mais drástica, mais incisiva, porque o circuito não 
pode se fechar por razões externas à própria relação, a dor é inevitável porque razões estranhas à dinâmica afetiva 
impedem que o próprio circuito afetivo se feche. A literatura, a arte em geral, conhece e explora muito bem estes 
conflitos, mães que são obrigadas a se afastarem de filhos, a guerra separando à força amantes ou amados, a trama 
nos toca sempre, porque o drama é nosso conhecido. 
É isto o que acontece, guardadas as proporções, quando o afeto se transforma em trabalho, quando é parte 
obrigatória do investimento do trabalhador. Que seja um professor: se enternece pelo esforço honesto de um aluno 
carente, dedica a ele o melhor de suas atenções, de repente a família o tira da escola, é preciso trabalhar, ajudar nas 
despesas da escola, o mestre chama os pais, tenta argumentar, encontrar alguma forma....mas quem pode contra 
argumentos tão duramente reais, quem pode lutar contra as dificuldades reais de uma família com meia dúzia de 
bocas a alimentar (quem imaginar que estaríamos romanceando, que veja o sucesso que faz a merenda ou mais 
atualmente a bolsa escola para manter os garotos dentro dela). Ou ainda, os seus anos de estrada lhe ensinam que 
aquele aluno, logo ali, precisa de uma conversa especial, talvez chamar os pais para uma reunião, talvez conversar 
com seus colegas em busca de uma estratégia comum. Mas estas coisas levam tempo, é preciso pegar o ônibus logo 
depois da aula, senão o atraso na próxima escola será fatal, mas a reunião tardou-se para discutir aquele relatório 
(outro?) que a Secretaria de educação pediu. O que ocorre aqui é que o circuito afetivo, construído com tempo e 
dedicação, se rompeu por razões de fora do vínculo mesmo, mediações que rasgam a trama construída entre eu e o 
outro ... ‘morro de pena, mas o que eu posso fazer?’ 
 
Vincular-se versus não vincular-se afetivamente: eis a questão 
 
Quando falamos da relação entre a subjetividade humana e a objetividade do trabalho, supomos haver um 
ponto de equilíbrio que garante que o homem se relacione com o mundo real, concreto, que reconheça a ação como 
sua e reconheça-se enquanto ser humano, igual a tantos outros e ao mesmo tempo único na sua individualidade. Um 
ponto que, digamos, estaria entre o mundo imaginário e a máquina. É este equilíbrio que permite que o indivíduo viva 
em sociedade, crie, produza, enfim: construa a sua identidade. 
Na lógica capitalista, onde o trabalho passa a ser uma relação homem-natureza permeada por uma infinidade 
de mediadores (salário, técnica, hierarquia, burocracia, normas) nos deparamos com a necessidade de objetivação por 
parte do trabalhador. O taylorismo, por exemplo, simplesmente expulsou o afeto das relações de trabalho, para que as 
atividades fossem realizadas de forma objetiva. 
Entretanto, como o homem é dotado também de um lado subjetivo, por mais que se tente excluí-lo do trabalho, 
mesmo reprimido, ele acaba sendo expresso de formas desviadas. Não foi à toa que logo percebeu-se a 
impossibilidade desta exclusão da atividade no âmbito do trabalho; atualmente sabe-se que trabalhadores mais 
satisfeitos produzem mais e com melhor qualidade. 
Entretanto, há determinadas atividades que apresentam uma maior propensão de desajuste entre realidade 
objetiva e mundo subjetivo ao qual estamos nos referindo. Estas atividades são, sem sombra de dúvida, aquelas onde 
a demanda afetiva é muito maior. 
À primeira vista, esta colocação pode parecer extremamente contraditória, pois se estamos afirmando a 
necessidade de um equilíbrio entre a objetividade e a afetividade no âmbito do trabalho, estas atividades são 
justamente as que mais espaço teoricamente proporcionariam para a expressão da afetividade. Entretanto, se 
considerarmos que o afeto é uma relação onde não há lugar para a mediação, poderemos compreender a extensão de 
tal afirmação. Vejamos, abaixo. 
As atividades que exigem maior investimento de energia afetiva são aquelas relacionadas ao cuidado; 
estabelecer um vínculo afetivo é fundamental para promover o bem-estar do outro. Para que o professor desempenhe 
seu trabalho de forma a atingir seus objetivos, o estabelecimento do vínculo afetivo é praticamente obrigatório. Para as 
mulheres que trabalham com crianças muito pequenas, então, nem se fala, assim como para que a enfermeira realize 
seu trabalho de forma satisfatória, é necessário que o paciente receba a afetividade direcionada a ele. Acontece que 
este vínculo nunca é concretizado satisfatoriamente nas relações de trabalho formal, o que gera a contradição. 
Inserido numa atividade onde o cuidado é inerente, o trabalhador precisa estabelecer relações, criar um 
vínculo afetivo com os alunos, por exemplo. Acontece que, por ser uma atividade mediada, este circuito afetivo nunca 
se fecha: o indivíduo investe no objeto sua energia afetiva mas, esta, ou invés de retornar integralmente para o seu 
ponto de partida, dissipa-se frente os fatores mediadores da relação. O diagrama abaixo tenta demonstrar este circuito: 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 2, Cap. 2 - Diagrama da quebra no circuito afetivo, na relação trabalhador 
aluno. 
 
Ora, esta quebra no circuito afetivo coloca o indivíduo numa situação bastante contraditória. Se por um lado 
lhe é exigido dar-se afetivamente na relação com vistas ao bom desempenho de seu trabalho, por outro lado não lhe é 
possível fazê-lo, pois as mediações da relação impedem o retorno, para o trabalhador, na mesma medida. Sem este 
retorno do investimento afetivo, o circuito nunca se fecha, ou seja, a relação afetiva não se estabelece de forma a 
permitir que o trabalhador possa se reapropriar do seu trabalho. 
A necessidade de reapropriação de seu investimento subjetivo leva o trabalhador a fazê-lo de forma simbólica, 
através de mecanismos, estratégias das quais o indivíduo se utiliza para manter o equilíbrio psíquico. Alguns fazem 
uso destes mecanismos com sucesso, e garantem a manutenção de sua saúde mental. Outros, porém, acabam 
utilizando-se de mecanismos nem tão saudáveis ou, por vezes, estes mecanismos não são suficientes para garantir 
este equilíbrio, obrigando o indivíduo a pender mais para um lado que para outro. As formas das quais o trabalhador 
faz uso podem ser mais ou menos efetivas no sentido desta reapropriação. 
Este fenômeno vai depender de não haver a possibilidade de vazão desta afetividade por outras vias no 
trabalho que possam oferecer alívio à tensão. Se as normas não forem tão rígidas, se houver a possibilidade de burlar 
as determinações da direção, por exemplo, e oferecer uma porção maior de sopa para aquele garotinho de olhos 
tristes ou fingir que não se vê os alunos que entraram novamente na fila para receber outro pedaço de bolo, esta 
vazão de sentimentos estará encontrando um caminho saudável para fluir.Receber com carinho o abraço e o beijo 
daquelas meninas de aparência nem tão agradável, organizar comemorações na escola para arrecadar fundos para 
complementar a merenda ou enriquecer o acervo da biblioteca, confraternizar-se com os colegas ou mesmo apenas o 
sentimento de cooperação no trabalho. Cada trabalhador, a seu modo, vai encontrar formas de conviver e dar vazão a 
esta tensão. 
 
“Tenho muito trabalho e não tenho ajuda para realizá-lo - há falta de funcionário mas, quando mandam alguém 
a pessoa não sabe fazer direto e tenho que ensinar tudo”...”... a diretora é muito boa e me ajuda no que for preciso. A 
escola é como uma família. Todos são amigos e um pode contar com o outro.” 
“Trabalho com oitavas séries e terceiros anos do segundo grau. Escolhi a profissão porque 
gosto de trabalhar com jovens. A paciência que devo possuir como professor, leva à necessidade 
de ter uma dedicação completa. O salário desanima, mas resgato minha opção.”... “Os alunos são 
dependentes. Dependem do professor para raciocinar, os livros não eliciam tal capacidade. Alguns 
procuram para assistência em assuntos pessoais. Um aluno me procurou quando a namorada 
abortou.” 
“Algumas coisas chateiam, mas deixo passar. Quando vejo que não estou conseguindo dar uma aula que 
desperte o interesse do aluno, sinto a consciência pesada.”... “É bom transmitir o conhecimento. Fico felicíssima 
quando o aluno aprende.” 
“Não tenho nada a reclamar. O que acho melhor do trabalho, é o fato de ter contato com as 
pessoas. Às vezes fico triste e me alegro quando converso com as pessoas.” 
Figura 3, Cap. 2 - Declarações de professores demonstrando como conviv
tensões e dificuldades na escola. 
em com as 
Agora, ncializar a 
possível dificuldade afetiva que o indivíduo venha a possuir, própria de sua estrutura de personalidade. Esta situação 
causa u
humani
o circui afetiv
caráter estrutural. O trabalho requer um vínculo afetivo, mas a forma de organização do trabalho não permite que este 
circuito 
sempre presente nas atividades de cuidado, e invariavelmente o trabalhador estará sujeito a ela em maior ou menor 
se o ambiente e as condições de trabalho são afetivamente hostis, a tendência é pote
m grande desconforto para o sujeito que, em maior grau, pode ser desencadeadora de sofrimento psíquico. 
Formas mais efetivas são aquelas que caminham na direção de reduzir a tensão através da tentativa de 
modificar a situação. Assim, profissionais que atuam no sentido de transformar a escola num ambiente mais 
zado, por exemplo, mais próximo à realidade do aluno, de suas dificuldades, da comunidade em geral, estão 
dando vazão a esta afetividade de forma mais efetiva e saudável de ponto de vista da sua economia psíquica. Agora, 
indivíduos que reduzem magicamente a sua tensão entre vincular-se versus não vincular-se afetivamente, através de 
um “faz de conta que nada acontece” (faz de conta que todos esses alunos são seus filhos de verdade, por exemplo, 
ou faz de conta que todos me amam acima de tudo e não é apenas respeito pela minha função aqui na escola), 
tendem a distanciar-se cada vez mais da realidade e mergulhar em seu mundo subjetivo. 
 Na verdade, a concretização da ligação afetiva ocorre apenas parcialmente: o aluno vai embora ao fim 
do dia, ou abandona a escola, ou o paciente recebe alta e vai para casa, ou tem seu quadro agravado e morre... enfim, 
to o nunca se completa. Assim, cria-se a seguinte lógica: para realizar bem o meu trabalho preciso me 
envolver afetivamente com meus clientes (alunos, pacientes, etc.); porém, se assim eu proceder, certamente sofrerei, 
o que me leva a não vincular-me. 
Esta impossibilidade de concretização do vínculo afetivo em sua plenitude, nas atividades de cuidado, é de 
afetivo se complete, pois a tarefa requer que se obedeça a algumas regras, que são regidas quer pela técnica, 
quer pelo cronograma preestabelecido, quer pelo programa, quer pelas normas e determinações dos superiores, quer 
por questões administrativas, enfim: cuidar não envolve apenas oferecer afeto, mas há princípios a serem obedecidos 
quando se fala do cuidado profissionalizado. Por mais que o professor saiba das dificuldades pelas quais a família 
daquele aluno está passando, que está interferindo em seu rendimento escolar, ele nada mais pode fazer a não ser 
assinar a sua reprovação, ou por mais que a enfermeira esteja solidária à dor do paciente, ela nada pode fazer até que 
chegue o horário determinado pelo médico para a próxima dose da medicação. 
Posta a questão desta forma, vemos que esta tensão vincular-se versus não vincular-se afetivamente vai estar 
grau. A
O conflito afetivo e suas formas de resolução 
Falando especificamente do educador, esta contradição entre dever versus não poder completar o vínculo 
afetivo com o aluno pode criar no profissional um conflito de sentimentos que, na maioria das vezes, nem é percebido 
como ta
tão em contado e que interferem na formação do aluno. O cuidado 
não pas
ida diretamente ao aluno, pois esbarra nos obstáculos aos quais estávamos nos referindo acima, 
formado
ssa escapar, como nas panelas de pressão de verdade, o 
que aco
 educadores estão sofrendo da mesma forma e desenvolvendo 
sintoma
 dificuldade maior está quando esta tensão desenvolve proporções tais que cria um conflito que não pode mais 
ser resolvido pelo indivíduo, nas formas alternativas à sua disposição, ou seja, falta-lhe outros modos saudáveis de dar 
vazão a esta energia afetiva e então o quadro de sofrimento de instaura. 
 
 
l. Por ser invisível, só é percebido quando os danos por ele causados tornam-se evidentes e aí é que está o 
problema. Estamos falando da vivência subjetiva do trabalhador, de um conflito de afetos e sentimentos que ele 
mesmo não se dá conta de que está sendo vítima. 
É importante ressaltar que não estamos aqui nos referindo apenas ao professor, mas sim ao educador, ou 
seja, a todos aqueles que atuam na escola, que es
sa apenas pela educação formal, através do conteúdo programático, mas também pela garantia do bem-estar, 
que se traduz na alimentação, no estar atento na hora do intervalo para que as brincadeiras não extrapolem os limites 
da segurança e da integridade física das crianças, no receber as crianças quando chegam pela manhã ou no início da 
tarde trazidas pela família e no garantir que estas estejam bem depois da aula quando os responsáveis voltarem para 
buscá-las. 
O fato de estar se relacionando de forma direta como o aluno desperta uma energia afetiva, mas esta não 
pode ser dirig
 pelo conjunto de normas e técnica. O que acontece, então? Ora, se essa energia afetiva que não pode ser 
dirigida ao seu destino ficasse se acumulando por muito tempo, haveria um momento em que este professor se 
assemelharia a uma panela de pressão, pronta a explodir. 
Na realidade, o que acontece é que esta tensão não fica acumulada, mas sim acaba sendo redirecionada. 
Uma vez que não há uma "válvula" por onde a pressão po
ntece é que esta energia muda sua rota: já que não é possível investir o aluno com o afeto desejado, este 
acaba sendo voltado para o próprio corpo do trabalhador, e isso traz conseqüências bastante negativas para os 
nossos educadores. Quando a mente não vai bem o corpo padece, já dizia um velho ditado. As formas de 
manifestação deste sofrimento do trabalhador podem ser observadas no seu dia-a-dia, quer na relação com o produto 
de seu trabalho, quer mesmo na sua vida pessoal. 
A primeira questão que surge pode ser singela: se estamos falando de uma característica do trabalho que é 
estrutural, então vamos considerar que todos os
s de sofrimento psíquico ou emocional? Obviamente que não. Esta relação não é tão linear e qualquer 
especulação neste sentido seria no mínimo reducionista. As condições de trabalho interferem diretamente na 
administração desta tensão afetiva, havendo momentos onde o conflito pode ser, pelo contrário, positivo e levar a umacrescimento qualitativo tanto pessoal quanto profissional. 
Em geral pensamos o conflito como uma relação intempestiva entre pessoas. Pai e filho, professor e aluno, 
patrão e empregado, etc., e neste caso permanece a possibilidade que um dos lados da contenda irá perder. Mas o 
conflito 
os pode provocar tanto 
sofrime
ma escola para outra, de uma 
clientela
imensões continentais, com uma diversidade de hábitos, costumes, dificuldades e 
necessi
ecionando-a para o seu próprio corpo, o trabalhador sofre. Como este é um sofrimento mudo, 
invisíve
também pode ser individual, isto é, o indivíduo colocando-se em confronto com ele mesmo. Muitas vezes a 
pessoa estabelece metas a serem alcançadas que estão além de suas possibilidades. Esta impossibilidade, entre o 
desejo de realizar e a impossibilidade (às vezes física, às vezes estrutural) de fazê-lo e se o indivíduo não tem como 
canalizar esta energia para outros objetivos, promove o surgimento dos conflitos internos, que de forma exacerbada 
conduzem ao sofrimento psíquico e até mesmo, nos casos mais extremos, a psicopatologias. 
A busca de resolução do conflito, pode ocorrer em duas dimensões distintas: uma afetiva e outra racional, 
sendo praticamente impossível separar uma da outra. Lidar com as emoções, os sentiment
nto que muitas vezes é preciso recorrer a ajuda externa (psicólogos, terapeutas, conselheiros, etc.) de modo 
que haja um redirecionamento destas forças para resolução do conflito. A resolução dos conflitos na esfera racional 
pode ocorrer de um modo menos traumático. A manipulação de ações concretas para redirecionamento destas forças 
permite ao indivíduo transferir ao objeto o motivo da sua frustração e angústia. O mesmo não acontece para a 
resolução dos conflitos na esfera afetiva. A culpa não pode ser transferida ao objeto. 
O que vai dar qualificação a esta impossibilidade de concretização do vínculo afetivo é a relação concreta de 
trabalho. E esta relação certamente se diferencia de um contexto para outro, de u
 para outra. Ora, não podemos nos esquecer que os alunos com os quais o professor vai desenvolver seu 
trabalho são alunos de carne e osso, sangue, coração, sentimentos, dificuldades e problemas. Neste sentido, a 
demanda afetiva também varia. O tipo de relação estabelecida com um determinado aluno ou grupo de alunos, numa 
situação específica, pode dar oportunidade para que o profissional - que também é um ser humano concreto, dotado 
também de uma realidade própria - dê vazão ou reprima a sua energia afetiva, diminuindo ou aumentando a tensão e, 
consequentemente, o conflito. 
Lembremos que estamos falando de educadores das escolas públicas brasileiras. Professores e funcionários 
de escolas de um país de d
dades tão grande, que não pode ser desconsiderada. Não há como desconsiderar que há mesmo professores 
trabalhando com alunos de baixíssima renda; alunos que muitas vezes não têm outra coisa para comer que não a 
merenda ali servida. Alunos carentes não só de necessidades básicas de subsistência mas também de carinho, de 
atenção. A demanda afetiva exigida por estes alunos é bastante intensa, e pode colocar o indivíduo numa posição 
delicada, onde a tensão entre estabelecer ou não o vínculo assuma grandes proporções e desencadeie um conflito 
extremamente doloroso. 
Se o caminho percorrido por este for o desgaste emocional, com o conseqüente afastamento do objeto, ou a 
resolução da tensão redir
l por se passar em nível psicológico, o próprio indivíduo não se dá conta. É que a energia afetiva que não 
encontrou formas de ter vazão, quando retorna para a sua origem, inverte sua polaridade. Isso significa que, de afeto, 
de energia construtiva, passa a ser negativa, destrutiva, nesse caminho de volta. O resultado é o indivíduo agredindo a 
si mesmo. Os sintomas deste sofrimento podem ser notados a todo momento, seja através de dores de cabeça, dores 
nas costas, perda de voz, cansaço, irritabilidade, dificuldade em estabelecer relações afetivas mais profundas, etc. 
Para todos os educadores é preciso que se encontre formas de lidar com o impasse, através do aumento da 
resistência do trabalhador ou de atividades que permitam uma melhor administração de sua energia afetiva. 
 
Cap 3 - Crise de Identidade e Sofrimento 
Analia Soria Batista, Wanderley Codo 
 
Dias difíceis 
Atualmente os educadores estão experimentando uma crise de identidade. De forma mais ou menos direta, o 
conjunto de fatores que ingressam na configuração dessa crise apontam a um questionamento do saber e saber-fazer 
dos educadores, da sua competência para lidar com as exigências crescentes do mundo atual em matéria educativa, 
e com uma realidade social cada vez mais deteriorada que impõe impasses constantes à atividade dos profissionais. 
Somos tentados por isso, neste capítulo, a estabelecer relações entre essa crise de identidade que abala a “crença de 
si” e o “sentido de si” destes profissionais e sua saúde mental no trabalho neste final de século. 
Fanny: 
“Porque francamente, quando ouvimos os discursos a respeito dos professores (...) é velho como o mundo....como a 
opinião de minha própria família, que realizamos um trabalho realmente fácil. Sempre se coloca em primeiro lugar as 
férias... etc. 
-Ah, sim, as férias(...) que é que fazem as pessoas de sua família? 
“Meu pai era operário, operário no setor têxtil. Trabalhou muito, é verdade que sua jornada de trabalho era dura. E 
para ele - eu queria fazer medicina , é verdade mas ele não quis porque, bem , ele não tinha dinheiro, eles me 
disseram “não, não, não...”, mas para eles o professor era o cara que tem segurança de emprego, que está tranqüilo, 
que faz seu trabalhinho , ele via nele o funcionário público”. Entrevistas de Gabrielle Balazs e Rosine Christin (janeiro 
de 1991), in Bourdieu, 1997 - pág. 540. 
Figura 1, Cap. 3 - Trecho de entrevista enfocando como o professor e sua realidade 
eram vistos. 
A problemática da identidade dos trabalhadores da educação será abordada, estabelecendo um jogo de 
articulações entre diferentes níveis do real. Para tal fim se examinam um conjunto de aspectos que na sua dinâmica 
participam da construção e desconstrução da identidade dos educadores, relativos às mudanças estruturais havidas 
na sociedade nas últimas décadas, mudanças havidas na identidade de gênero e aspectos que configuram a realidade 
do trabalho nas escolas hoje. 
O relatório sobre Gênero e trabalho realizado durante a pesquisa, revelou um aumento gradual e significativo 
da participação de homens em uma profissão até então feminina, o que nos permitiu constatar que estamos hoje em 
face de um processo gradual de desfeminização da atividade docente. Como se trata de um fator central na identidade 
profissional, somos levados a analisar os aspectos envolvidos, durante o período da República Velha, na feminização 
da docência de primeiro grau. Essa análise, ao trazer a tona a relação entre identidade de gênero e trabalho, e ao 
mostrar que profissão não tem sexo predefinido, porque ele é produzido socialmente e datado historicamente, instala a 
perspectiva de que processos de feminização e masculinização das profissões podem suceder-se ao longo da história, 
exigindo dos pesquisadores a descoberta e a reconstrução, em cada caso particular, de relações entre identidade de 
gênero e exercício das profissões, tanto como a articulação desses processos com mudanças de índole estrutural na 
sociedade. 
Pode se refletir que atualmente estamos em presença de um descompasso que se afigura entre as mudanças 
havidas na identidade de gênero e as demandas e características presentes na atividade docente, que interpelam 
ainda em grande parte uma identidade de gênero tradicional. É nessa articulação defasada que se manifestam alguns 
dos sintomas da crise de identidade que atinge atualmente aos docentes. 
Aspectos estruturantes da identidade profissional dos educadores, como sua formação,o papel social da 
educação e das escolas também estão sendo questionados. Ao certo, não se sabe como preparar hoje os educadores, 
não se sabe qual seria o papel da educação e da instituição escolar numa situação como a atual, caracterizada pela 
restruturação do sistema capitalista e as brutais metamorfoses que acarreta (a outra face da modernização). As 
certezas tradicionais parecem se “desmanchar no ar”. 
Esses fatores, de índole estrutural da sociedade, têm influência sobre diferentes aspectos da “realidade do 
trabalho” nas escolas, e por essa via acabam tendo efeitos sobre a conflitiva relação estrutural que todo educador 
mantêm com seu trabalho. 
A atividade de educar, como já se viu, exige do educador o estabelecimento de um vínculo afetivo e emocional 
com o objeto de seu trabalho: o aluno. A realização desse afeto é interditada na medida em que a “interferência” do 
educador sobre o educando nunca pode ser completa, instalando a possibilidade inquietante (maior que em outras 
profissões) de perda de controle sobre o produto, e por essa via, de dúvidas sobre a sua competência profissional. 
Este conflito, que existe só em tese, pode vir a tona em situações concretas. A perda maior ou menor do 
controle sobre o produto ou as dúvidas sobre a competência profissional, só podem se fazer presentes na realidade do 
trabalho nas escolas. É no cotidiano da sala de aula que os educadores porão a prova sua competência na condução 
do processo de ensino - aprendizado. Nesse embate cotidiano o vínculo afetivo e emocional com os alunos, exigido 
pela atividade de ensinar, será em maior ou menor medida “interditado” pela realidade do trabalho. 
O sofrimento psíquico poderá resultar desse “jogo de interdições” que a realidade do trabalho nas escolas 
impõe à realização do afeto e emoção que o trabalho demanda dos educadores. É nessa realidade, em última 
instância, que os educadores terão que provar sua competência profissional, ou seja, produzir um sentido para o 
esforço e sofrimento que normalmente as atividades de trabalho lhes exigem. 
Gênero e trabalho nos educadores 
 
Educadores: No final do século, uma categoria “híbrida” 
 
A distinção homem - mulher foi, a quanto seja possível afirmar, a primeira divisão do trabalho na historia da 
humanidade, a primeira e a mais perene. Até algumas décadas atrás, o esperado seria a mulher na cozinha cuidando 
da casa, dos filhos, do marido, o homem a “ganhar a vida”, mulheres responsáveis pela reprodução da força de 
trabalho, homens responsáveis pela produção, em uma sociedade hegemonizada pela mercadoria. É dos últimos o 
poder econômico, consequentemente o político. 
Através das lutas empreendidas pelos movimentos feministas como querem alguns, por necessidades 
econômicas como insistem outros, provavelmente por uma combinação desses dois fatores, o quadro vem mudando 
rapidamente nos últimos anos; a entrada veloz das mulheres no mercado de trabalho, a conscientização das mulheres 
sobre seus direitos e sobre suas diferenças, tudo isto vem colocando em cheque a velha divisão entre gêneros no 
trabalho, particularmente quando falamos de trabalhadores da educação. 
A entrada da mulher no mercado de trabalho se deu através de suas habilidades construídas naquela longa 
história, se cuidar era o seu mister, são as profissões que demandam cuidar as primeiras a receber o fluxo de 
mulheres. Educar, mesmo que profissionalmente, também é sinônimo de profissão feminina. 
Os trabalhadores da educação constituem de fato, até a atualidade, uma categoria essencialmente feminina e 
este é o primeiro resultado que salta aos olhos quando se toma o conjunto da categoria. No entanto uma análise mais 
aprofundada permite relativizar essa afirmação, em especial, quando se efetua uma divisão segundo os graus em que 
lecionam os professores. O chamado primeiro grau menor (primeira a quarta série), de fato, mostra uma presença 
avassaladora de mulheres, já no primeiro grau maior, os homens comparecem com uma proporção importante, para 
atingir 39% da categoria no segundo grau. Neste último segmento já se torna difícil nomear a categoria como 
“feminina”, no máximo poderia se falar de uma predominância relativamente discreta de mulheres. 
Nossa pesquisa, apontou claramente para um aumento paulatino e constante de profissionais do sexo 
masculino. Ano a ano, existem mais homens do que mulheres entrando na profissão. A julgar pelos dados, está 
acontecendo um processo de desfeminização da categoria. Este processo está acontecendo a um ritmo menor no 
primeiro grau, o local onde a identidade com a reprodução no trabalho de cuidar, é mais evidente, na medida em que 
é mais tipicamente feminina, a categoria é também mais lentamente desfeminizada. 
 
 
 masculino feminino 
professor 17,6% 82,4% 
funcionário 12,7% 87,3% 
especialista 9,9% 90,1% 
Figura 2, Cap. 3: Distribuição do número de educadores - professores, funcionários e 
especialistas - por gênero. 
 
 masculino feminino 
Pré e primeira à quarta 2, 6% 97, 4% 
Quinta à oitava 19, 4% 80, 6% 
Segundo grau 39, 2% 60, 8% 
Especial 6, 1% 93, 9% 
Mais de uma série 23, 6% 76, 4% 
Figura 3, Cap. 3 – Distribuição de professores por gênero, do pré à quarta série, de 
quinta à oitava série, segundo grau, ensino especial e mais de uma série. 
 
Tempo de serviço masculino feminino 
Até 2 anos 25,9% 74,1% 
De 3 a 5 anos 19,7% 80,3% 
De 6 a 10 anos 16,9% 83,1% 
De 11 a 15 anos 13,1% 86,9% 
De 16 a 20 anos 12,1% 87,9% 
De 20 a 24 anos 10,3% 89,7% 
De 25 anos em diante 17,9% 82,1% 
Figura 4 , Cap. 3 – Distribuição de educadores por gênero e tempo de serviço. 
Um dos fatos inelutáveis que o mundo do trabalho enfrenta neste final de século é o desaparecimento 
progressivo dos empregos no setor primário e um crescimento do setor terciário. Indústrias tendem a demitir operários 
e o setor de serviços tende a contratá-los. Entre os setores de serviço, educação e saúde, segundo as projeções mais 
autorizadas, são os que mais se expandem. O que está ocorrendo é que os homens estão sendo expulsos ou não 
encontram vagas disponíveis e correm em busca de perspectivas de emprego onde eles são oferecidos. 
Em se tratando da tarefa de educar, uma das questões que os especialistas levantam é o modelo que se 
oferece ao aluno em formação: se antes haviam apenas mulheres à disposição, agora também os homens podem 
comparecer na condição de modelos. O próprio resultado do processo educativo se transforma ao se alterar a relação 
entre gênero no trabalho do educador. 
Tudo se encaminha para constatar que os homens reagirão diferente que as mulheres dentro da categoria 
profissional, não apenas porque homens e mulheres são diferentes, mas também porque os trabalhadores em 
educação estão em transição: a categoria está se transformando de tipicamente feminina para híbrida em questões de 
gênero. 
 Feminização da docência 
A compreensão da forte presença feminina na profissão se remonta ao período histórico entre 1870 e 1930, 
quando teve lugar um processo de feminização da docência, no marco da organização do estado nacional; do sistema 
educativo nacional e da procura de uma identidade nacional. Naquele momento histórico, o projeto de expansão da 
educação de primeiro grau foi considerado pelas classes dominantes, um instrumento privilegiado para produzir uma 
identidade nacional que atingisse o objetivo da integração social. 
A expansão dos sistemas escolares nacionais a partir da segunda metade do século XX tem sido produto, em 
certo sentido, da promessa da escola como entidade integradora. Os sistemas educativos eram tidos pelos setores 
dominantes e pelas massas que lutavam pela sua democratização como poderoso dispositivo institucional de 
integração social (Gentile,1996:79). 
Essa expansão educativa projetada teria que ser acompanhada pela incorporação massiva de trabalhadores 
ao ensino, razão pela qual se impunha realizar investimentos na formaçãodos profissionais da educação. Foi a antiga 
escola normal que representou a típica forma didática da política educativa da República Velha para preparar os 
profissionais da educação elementar, obrigatória, gratuita, universal. Esta escola se caracterizava por um ambiente 
rico, complexo e orgânico no qual variados cursos anexos eram oferecidos (Nosella, 1996). 
Naquele momento histórico, a docência era considerada, em princípio, uma atividade que podia ser 
desempenhada por seres humanos, ou seja, sem distinção de sexo. Mas, tendo em conta a identidade feminina, se 
acreditava e enfatizava que as mulheres poderiam realizar muito melhor essa tarefa. Assim, as brasileiras foram 
incorporadas à docência sobre a base da articulação das concepções de feminidade e atividade docente, o que punha 
em evidência as diferenças de gênero existentes na sociedade (Crf. A Yannoulas, 1994) 
 
 
 
Figura 5, Cap. 3 - Quadrinho da Mafalda sobre o papel da mulher. 
 
2No marco da expansão do capitalismo, a docência, como a enfermagem, foram consideradas atividades de 
trabalho, que na medida em que envolviam “o cuidado dos outros” seja crianças ou doentes, demandavam para 
realizar-se atributos tidos como essencialmente femininos. Para poder concretizar-se, estas atividades demandam das 
trabalhadoras o estabelecimento de um vínculo afetivo com o produto de seu trabalho. Não obstante essa afetividade 
ser constantemente “questionada” do ponto de vista de sua completa realização, configura desse modo um campo de 
tensão permanente entre as demandas do trabalho e as limitações na expansão do afeto-cuidado que ele mesmo 
impõe. 
Yannoulas enfatiza que a feminização da profissão docente se legitimou a partir da identidade feminina 
construída à época, em torno do conceito de “mãe educadora”. Segundo ela mostra, a partir do estudo minucioso de 
documentos da época, foi a produção dessa identidade o que fomentou o ingresso de mulheres na profissão docente 
no primeiro grau do sistema educativo. Aspectos da tarefa docente, como o cuidado e educação das crianças, foram 
considerados em parte como extensão das atividades já realizadas no lar pelas mulheres. A maternidade espiritual foi 
associada ao exercício da docência na escola elementar. 
Resta assinalar que o estado estimulou o papel docente das mulheres. Mães e mestras, as mulheres foram 
interpeladas politicamente quando chamadas a colaborar no processo de integração nacional, por meio da atividade 
docente dirigida à formação dos futuros cidadãos do país. 
Embora a incorporação dessas mulheres ao normalismo e ao magistério tivesse lugar num contexto 
caracterizado por discursos que traduziam e construíam uma identidade feminina baseada na idéia de “mãe 
educadora”, essa identidade não foi a simples repetição de valores ou concepções tradicionais sobre as mulheres. Do 
ponto de vista do gênero, essa interpelação política levou à emancipação das mulheres, na medida em que de mães 
educadoras elas se metamorfosearam em educadoras profissionais, participando da transmissão do saber 
considerado legítimo na sociedade (Crf. Yannoulas, 1994). 
As normalistas de azul e branco permaneceram na memória de muitos. Também são lembradas a erudição e a 
seriedade dos professores, os eventos culturais que animaram a escola, as solenidades, a formatura, a rica biblioteca, 
 
2 Mafalda é de autoria de Quino, autor Argentino, datando de meados da década de 60. Os cartoons deste autor que 
figuram no livro, foram tirados de Baro, 1983. 
 
os laboratórios e o extenso currículo a incluir estudos de latim e francês. A escola normal de primeiro e segundo grau 
foi a forma didática mais importante para a preparação dos educadores. Essa escola marcou profundamente a 
memória brasileira, ao ponto de não haver nenhuma grande ou média cidade do estado de São Paulo (e do país) que 
não se orgulhe de um belo prédio que abrigou noutros tempos uma boa escola normal (Nosella, 1998: 171). 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 6, Cap. 3 - Quadrinho da Mafalda sobre movimento de emancipação da mulher. 
A aquisição da identidade profissional de educadoras influenciou os comportamentos das mulheres no sentido 
de sua emancipação. Elas começaram a circular livremente pelas ruas e instituições urbanas, a obter dinheiro e 
posição própria, a produzir novos espaços legítimos de exercício do poder, vincular-se ao feminismo e ao gremialismo 
docente, traduzir livros, etc. (Crf. Yannoulas, 1994). 
Em síntese, a formação da identidade profissional destas trabalhadoras se iniciou num contexto bastante 
singular, onde se entrelaçaram processos tão importantes como a conformação do estado nacional, do sistema 
educativo nacional e da identidade nacional. Elas foram convocadas pelo Estado para exercer o papel de agentes 
socializadores no difícil caminho da integração nacional. A imagem pública de mães da nação colocava num lugar 
central e valorizado do imaginário social seu papel de educadoras. A isto se juntava a qualidade da formação recebida 
tanto como as exigências dos exames de proficiência para ingressar na profissão. 
Interessante assinalar que, se bem foi uma identidade de gênero “tradicional” o que influenciou na inserção 
destas mulheres na docência, haveriam sido elementos tais como a exigente formação normalista e a dinâmica do 
trabalho cotidiano que influenciaram logo essa mesma identidade, mudando-a, e propiciando, nesse sentido, o 
surgimento de valores e comportamentos emancipadores nas mulheres. 
Mas, um elemento a destacar é que a identidade de gênero foi o que levou a influenciar a importância e o 
caráter dos reconhecimentos e recompensas materiais e simbólicas obtidas pelo trabalho realizado por estas 
profissionais. O reconhecimento material pelo realizado estava filtrado pelos pressupostos duma identidade de gênero 
que considerava ao homem como o provedor principal da família e a mulher como sua dependente, cujo salário 
poderia chegar a ser, no máximo, um complemento da renda familiar. Ora, isso é importante porque indica que o 
reconhecimento/valorização no trabalho, que é um elemento central do suporte da identidade profissional, foi “filtrado” 
pela desigualdade inscrita na identidade de gênero característica daquele momento histórico. 
Um outro elemento a destacar é que a conformação da identidade profissional das docentes teve lugar num 
espaço diferente do clássico reservado aos homens: esfera pública/trabalho. Isto significou que seu exercício 
profissional acontecia na ausência de delimitação clara entre espaço privado e público. As atividades realizadas na 
escola foram consideradas, em parte, como um prolongamento de algumas realizadas no espaço doméstico: o 
cuidado e educação das crianças. Assim, essa relativa “intimidade” entre casa e espaço do trabalho aportou 
singularidades à construção da identidade profissional das docentes. 
Aqueles aspectos relativos à identidade de gênero, tais como a concepção das mulheres como dependentes, 
seja do pai, seja do marido, e a concepção de que o trabalho docente constituía em parte um prolongamento de 
algumas das tarefas realizadas no lar, foram elementos que ingressaram na estruturação da identidade profissional 
destas trabalhadoras. Mas, apesar disso, na medida em que o aceso à profissão requeria superar um exigente exame 
de proficiência e a formação das professoras era de elevada qualidade, obedecendo a padrões europeus (muito 
admirados e valorizados na época), o senso de competência profissional ajudava a contrabalançar os aspectos 
derivados da identidade de gênero que colocavam a estas trabalhadores num espaço de subordinação. 
Embora elitista, esta etapa da política educativa se caracterizou pelo preciosismo na formação das professoras 
e pela qualidade das escolas e do ensino oferecido. Mas, a adoção de uma cultura socialmente distintiva respondia 
perfeitamente aos objetivosdas classes econômicas hegemônicas nesse momento histórico, ou seja, fazendeiros, 
ricos comerciantes, profissionais liberais bem sucedidos e altos funcionários (Nosella ,1996). 
Destaque-se finalmente que, apesar das mulheres terem sido incorporadas à docência a partir de argumentos 
de identidade feminina que identificavam docência com tarefas maternais e que construíam o espaço do trabalho como 
um território intermediário entre casa e trabalho, é evidente que a educação das crianças não era tida apenas como 
um prolongamento dos cuidados familiares, e por isso a formação profissional das educadoras era exigente e de 
qualidade. 
 
Crise na identidade profissional dos professores? 
 
Falávamos acima que os professores e professoras das escolas públicas brasileiras estão vivendo uma crise 
de identidade. Essa crise, produto de um conjunto de elementos combinados, passa também pela questão de gênero, 
mais precisamente pela mudança qualitativa nas relações entre trabalho e gênero na profissão. 
Historicamente o papel de provedor foi atribuído ao homem, considerado o dono da esfera pública; à mulher 
cabia o papel de mãe e dona de casa, rainha da esfera privada. Mas certos aspectos da identidade feminina mudaram 
durante as últimas décadas. Nos referimos, por exemplo, à dependência do pai ou marido e à atribuição forte das 
tarefas de cuidado e educação das crianças e de atenção do lar. Hoje a mulher assume o rol de provedora, 
responsabilizando-se pela manutenção do grupo familiar: trata-se de uma dona de casa metamorfoseada em pai 
provedor. Isto significa que ela assume um espaço tido com masculino. É comum que as tarefas femininas se somem 
às masculinas, configurando a dupla jornada de trabalho. Isto significa que aqueles aspectos de gênero que 
ingressaram historicamente na estruturação da identidade das professoras no trabalho são hoje bem mais residuais, 
no sentido de que cada vez menos as mulheres se auto- identificam e são identificadas com eles. 
Os aspectos estruturantes da identidade feminina tradicional coexistem hoje com outros relativos a uma 
identidade “moderna”. A identidade de gênero se encontraria atualmente num espaço de transição que mostra, em 
grande parte, a coexistência de concepções tradicionais e modernas Os portadores destas concepções podem muitas 
vezes mostrarem-se emancipados num espaço, no entanto continuar se regendo por valores tradicionais em outro. 
Mudanças ocorridas na identidade de gênero se devem a um conjunto de fatores combinados, entre os quais 
destacamos aqueles relativos às lutas das mulheres pelos seus direitos; às mudanças na família nuclear, devido a 
possibilidade das mulheres se sustentarem com seu próprio trabalho, fazendo do casamento uma opção e não um 
destino certo (portanto fonte única de sobrevivência), às crises econômicas e à crise do emprego masculino, que 
influenciam cada vez mais na corrida das mulheres para o mercado de trabalho. Pode-se refletir, então, que essas 
mudanças são elementos que não podem estar ausentes na reflexão sobre a crise de identidade das educadoras 
atualmente. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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igura 7, Cap. 3 - Quadrinho da Mafalda sobre escolhas de carreira, tratando de 
ênero. 
o elemento a ser considerado nessa análise é o processo de “desfeminização” (ingresso de homens) 
ugar no meio docente e que se relaciona tanto com mudanças na identidade de gênero, como com a 
o, elementos que permitiriam compreender a ruptura dos limites tradicionalmente estabelecidos para 
o e masculino. 
o atual é complexo, tem-se as mudanças na identidade feminina tradicional, e, paralelamente, um 
andas surgidas nas escolas públicas que obrigam aos docentes a fazer muitas vezes do local de 
ntinuidade do espaço doméstico. Por outro lado, na medida em que as mulheres lutaram e continuam 
 profissionalizar, o fato de serem interpeladas no espaço profissional mais nos seus atributos femininos 
 naqueles elementos que definiriam sua competência profissional, pode ser um elemento que atinja a 
 professoras. 
 dos homens que estão ingressando na profissão, como parte do processo de desfeminização da 
lemento poderia complicar ainda mais, na medida em que eles poderiam estar sendo interpelados em 
tos historicamente negados aos homens. 
anças na identidade, materializadas no papel social de chefes de família de muitas mulheres, ou 
rincipal provedor”, não mais são condicentes com a idéia de considerar o salário pago pelo seu 
omplemento da renda familiar; ou continuar concebendo as tarefas dos educadores como continuidade 
adas no lar, com o qual se buscaria justificar, as vezes, a baixa remuneração por eles percebida. 
, a reivindicação dos professores para a obtenção de um nível de remuneração maior, além de estar 
pectos relativos à sobrevivência (material), está carregada de conotações simbólicas. De fato, a 
lorização do professor remeteria tanto á exigência da recuperação histórica do reconhecimento da 
papel social do educador, como a exigência do reconhecimento da tarefa profissional, propriamente 
e seus tradicionais atributos de gênero. 
Um hiato na identidade dos educadores. 
 
Em nossa sociedade, gênero e trabalho são dois determinantes estruturais da identidade. A menina aprende 
desde cedo a se reconhecer no espelho como mulher, o menino igualmente. O trabalhador de determinada categoria 
profissional carrega as marcas de sua profissão, se apresenta à sociedade como médico, enfermeiro, metalúrgico, 
professor. 
Ora, as duas pontas, que configuram assim tão marcadamente também a identidade dos educadores, estão 
muito ligadas entre si. Como se viu, a relação professora/mulher foi construída em toda a nossa História. Primeiro a 
mulher responsável pelo cuidado em casa, depois a tarefa sendo transferida para a mulher professora na escola. 
Nenhum conflito, exceto ciúmes de uma mãe por uma professora ou vice-versa, as duas mulheres eram responsáveis 
pelo cuidado e educação dos rebentos. 
Hoje, ao contrário, os dois papéis estão em transição: se tomamos a mulher profissional, já não é mais a 
rainha do lar, participa do mercado do trabalho e divide as despesas com o marido. Sabemos todos o grau de conflito 
que representa uma formação milenar indicando um modo de ser e as exigências deste novo papel, também indicando 
outro modo de ser, antagônico com o primeiro. Da dona de casa se espera a submissão, a paciência, a doçura, da 
profissional se espera a agressividade, a competição, a imposição de opiniões, a racionalidade. 
Já a professora está deixando de ser exclusivamente uma mulher; divide o seu posto de trabalho com os 
homens, e ainda, enquanto mulher, não se espera mais dela apenas que seja a extensão assalariada da mãe, se exige 
liderança, agressividade, racionalidade, atributos até a pouco considerados como parte da identidade masculina. 
Assume postos de chefia, enfrenta de alguma forma a violência para realizar o seu trabalho. 
Quanto ao homem professor está em uma seara que historicamente nunca lhe pertenceu, obrigado a lançar 
mão de modos de ser que nunca foram os seus, historicamente falando, a desenvolver sensibilidade, aflorar mais seus 
afetos, dedicar-se ao cuidado dos seus alunos. 
O homem passa a viver dramas que outrora pertenciam à mulher, a mulher passa pelos mesmos dramas que 
sempre foram masculinos. Por ora, até que esta transição não chegue a seu término, até que as gerações não se 
sucedam para que se tenha tempo de assimilar a nova relação gênero e trabalho entre os educadores, por ora uma 
monumental confusão: dois pólos a atrairos educadores para dois lugares que sempre foram antagônicos, fragilizando 
o educador, colocando-o perante a angústia de não se reconhecer no espelho, até que gênero e trabalho se 
despreguem um do outro na configuração da identidade profissional. Até que seja possível ser homem ou mulher, 
independentemente de ser um/a educador/a. 
 
O saber e o saber - fazer do professor 
 
No passado, dizer “eu sou professora ou professor” trazia a tona uma identidade carregada de orgulho 
profissional. A profissão de educador tinha prestígio social. Em primeiro lugar, a valorização da profissão remetia ao 
importante papel atribuído à educação na integração social, no contexto da formação do Estado nacional e dos 
esforços destinados à produzir uma identidade nacional. Além disso, esse prestígio remetia às exigências da profissão, 
tais como os requerimentos para o ingresso e a qualidade da formação recebida nas famosas e reconhecidas Escolas 
Normais. Por isso, embora a incorporação das mulheres ao mundo do trabalho tenha acontecido sobre as 
desigualdades de gênero presentes naquele momento na sociedade, foram socialmente reconhecidas e valorizadas. 
Depois dessa etapa fundacional, até os anos 90, se iniciaria um período fortemente caracterizado pela 
expansão da escolarização. Foram intentos, em parte, falhos, de superar o elitismo do sistema educativo durante o 
período anterior. Apesar do crescimento quantitativo do sistema, não se conseguiu durante esta longa etapa oferecer 
aos setores populares uma escola de boa qualidade. Para Nosella (1996), a maior parte das vezes a escola foi 
encarada como prolongamento dos cuidados familiares, como proteção aos mais fracos, atividade mais ligada à 
assistência social. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Interessante destacar que num contexto de mudança da identidade feminina, essa escola, a qual o autor faz 
referência, pareceu demandar dos seus trabalhadores e trabalhadoras comportamentos associados apenas a cuidado 
e proteção das crianças, condizentes com atributos femininos mais tradicionais, e bem menos, do ponto de vista 
quantitativo e qualitativo, comportamentos relativos a educação no sentido de transmissão de conhecimentos 
considerados legítimos na sociedade. Para ele, os professores perderam a referência precisa do que devem saber, de 
como se deve ensinar e avaliar, ou seja, perderam aspectos essenciais da sua identidade profissional. Para o autor, 
estamos em face de uma crise da identidade do educador. 
Segundo o mesmo autor, houve durante as últimas décadas uma democratização da clientela escolar, todavia 
teve lugar uma deformação do método, com queda, assim, da qualidade. Se ensinou ao povo o caminho da escola, 
mas não se ofereceu uma verdadeira escola. De fato, se criaram pobres cursos supletivos, cursos noturnos de “faz de 
conta” (...) quatro ou até cinco turnos diários, superlotação de salas, sobrecarga de jornada de trabalho dos 
professores, má formação profissional, ridícula remuneração dos docentes, grande confusão na avaliação dos 
resultados, redução da hora/aula etc., tudo para cicatrizar a dolorosa ferida de uma sociedade desigual. Houveram 
méritos, mas se precisava não apenas expandir e democratizar o ensino, mas também multiplicar os recursos 
humanos e materiais na mesma proporção da multiplicação de vagas. 
Os setores populares que aguardaram muito tempo para ter acesso ao sistema de ensino público viram parte 
de suas esperanças bastante frustradas, quando conseguiram chegar às escolas. A expansão do ensino público 
aconteceu sem cuidado com a qualidade da infra-estrutura das escolas. Edifícios com condições ruins, carência às 
vezes de mateiras básicos de funcionamento da escola, ausência bem mais acentuada de recursos de apoio ao ensino 
e de recursos que promovem melhores condições de trabalho, etc. 
 
Fanny: 
“....e há também um mal-estar que é próprio da situação dos professores. Eu acredito que as pessoas têm a 
impressão, em todo caso falo por mim , a impressão de realmente estarmos sendo espremidos como um limão e de 
não sermos reconhecidos. Quando discuto com meus colegas de francês, é assim, temos a impressão de que não 
somos absolutamente nada, que fazemos um trabalho- me perdoe a expressão- um trabalho de merda, é isso!. 
Estamos lutando por nada. De termos sido ludibriados. E quando chegamos a um determinado ponto da carreira, eu 
estou, em que escalão? , nem mesmo sei, no décimo? Tenho 48 anos. Temos a impressão com razão, ou não, não sei 
bem, que tudo aquilo que fizemos não serviu para nada, nada. Chegamos a um momento em que os jovens têm 
vontade de fazer outra coisa. Meu colega de música diz que se realiza nos concertos, ele tem sorte, pois tem outra 
coisa, mas aqueles que não têm nenhuma outra coisa para fazer (.... Um colega comunista, ele tem sua luta...E 
mesmo que não acredite mais tanto assim, ele retomou seus estudos, ele bem , então, encontra assim um sentido 
para sua vida” Entrevistas de Gabrielle Balazs e Rosine Christin (janeiro de 1991), in Bourdieu, 1997 - pág. 539. 
Figura 9, Cap. 3 –Trecho de entrevista sobre a situação do professor e o mal-estar que 
sente. 
A crise de identidade do educador é também o resultado singelo do fato que ele, atualmente, não tem 
segurança a respeito do que deve saber e ensinar e de como deve ensinar. Um problema central é a formação do 
educador, ou seja, o processo por meio do qual ele se apropria do saber e do saber-fazer, e que significa seu ingresso 
na “confraria”. É aquele conhecimento que o diferencia dos leigos. Essa apropriação o leva à identificação com outros 
educadores, tanto como o diferencia dos leigos e de outros profissionais. Evidente, então, que o conhecimento e o 
saber–fazer são elementos que estruturam a identidade dos trabalhadores, na medida em que constituem a base 
daquilo que lhe será exigido socialmente, e que constituirá uma auto-exigência no desenvolvimento de sua atividade 
de trabalho: a competência profissional. 
Dizer, “esse professor é incompetente” significa negar-lhe no seu ser como trabalhador. Mas acontece que ele 
próprio pode se sentir incompetente, na medida em que sente-se impotente para resolver os problemas que se 
apresentam no trabalho. Ora, essa atribuição e auto-atribuição de incompetência se produz na “realidade do trabalho”, 
e por isso, é essa realidade que será necessário abordar para entender este aspecto da crise de identidade do 
trabalhador. 
Professor que é bom professor consegue que seus alunos obtenham alto rendimento nas provas do MEC; tem 
na sua sala um elevado nível de aprovação, seus alunos não faltam a aula, etc., etc. Sucede, porém, que ele não é um 
bom professor, mas ele é professor. Essa definição social do que significa ser bom professor constituí uma armadilha. 
Alguma coisa que se traduz numa exigência interna...mas quem define o que significa ser um bom professor?...quais 
são os parâmetros para definir o que significa ser um bom professor?. De fato, não são os professores os que definem 
o que significa ser bom professor. A delimitação do que seja sua competência profissional lhe é subtraída e por isso 
lhe é imposta. Ele pode ter consciência disso, quase sempre ele tem, mas ele não consegue ir além dessas regras do 
jogo social. Para ser “reconhecido” como um bom professor (e ele precisa ser reconhecido) ele vai se esforçar para 
realizar sua atividade de trabalho na realidade do trabalho na escola, ele desejará ser competente, ou seja, ser 
reconhecido como e sentir-se competente. 
Junta-se a isso, uma certa dúvida à respeito de qual seria o papel social da escola, com o que fica questionada 
a inserção destes profissionais na sociedade. Qual o papel social relevante da escola atualmente? Já lhe foi atribuído 
um papel na integração social, logo na integração sócio-econômica dos cidadãos, o que significava que em parte ela 
era garantia para a obtenção de um emprego que conduziriaà melhoria das condições de vida. 
 
Fanny: 
“-volto aqui a meu assunto favorito-acredito que, hoje em dia, o que assusta aos professores é que temos um papel 
realmente de educadores. Eu discuti com alguns colegas o ano passado porque eu concebo as coisas assim, uma 
palavra bem forte, não quero jogar com as palavras, mas não se trata apenas de transmitir um saber, o papel do 
professor hoje em dia, nós somos a Educação Nacional e as crianças pedem por isso. Eles exigem que sejamos...não 
que substituamos seus pais, mas que sejamos um adulto de referência com o qual se possa falar, e quando aceitamos 
este papel, as coisas funcionam...(...).” Entrevistas de Gabrielle Balazs e Rosine Christin (janeiro de 1991), in Bourdieu, 
1997 - pág. 540-541. 
Figura 10, Cap. 3 – Trecho de entrevista sobre o papel de educador. 
No contexto das mudanças que estão tendo lugar no mundo do trabalho associadas à restruturação do 
capitalismo, o papel da escola na mobilidade social pode ser hoje questionado. As novas exigências do mundo do 
trabalho colocam cada vez mais a escola como única possibilidade de aceso ao restrito mercado de trabalho de 
nossos dias, embora ela não garanta a inserção. Leitura, escrita, cálculos são requisitos básicos para ter acesso a 
grande parte dos postos de trabalhos que antes não os exigiam. 
Mas as formas de inserção no mercado de trabalho mudaram. O mundo do trabalho já foi seguro, hoje não é. 
O desemprego e as novas formas de emprego (tempo parcial, temporário, etc.) incluíram na agenda da relação do 
trabalhador com seu trabalho o problema da insegurança, da incerteza. 
Faz pouco tempo, e isto acontecia com uma parte importante dos trabalhadores, o vínculo estável com o 
trabalho permitia a construção de uma trajetória que culminaria com a aposentadoria, o “descanso merecido” segundo 
o senso comum. Hoje a trajetória profissional, pode se ver, está muito segmentada, na medida em que, pelo tipo de 
vínculo de emprego que começa a predominar, é cada vez mais difícil “fazer carreira” num determinado 
estabelecimento ou organização. Trata-se em todo caso de estar sempre muito bem preparado para conseguir algum 
tipo de emprego. 
Em face destas mudanças, ou apesar delas, a passagem pela escola é ainda tida pelos setores populares 
como esperança de sobrevivência e de melhoria das condições de vida numa sociedade cada vez mais competitiva, 
embora cada vez fique mais claro que a escolarização não é garantia de emprego. Necessário registrar que a crença 
nos poderes “redentores” da educação está presente também na classe média. Segundo pesquisa do IBOPE, “O Rio 
contra o crime”, de 1984, essa visão que persiste nos discursos de representantes de todos os segmentos sociais, 
sofre o impacto da conjuntura: valorizada em períodos de expansão econômica, a freqüência às escolas em situações 
de baixa conjuntura é vivida como esforço inútil (Paiva, 1992 :67). De um certo modo, se espera que a escola como 
agência de socialização, de disciplina, constitua a ante-sala segura para o mundo do trabalho, ganhando, dessa forma, 
a clientela do mundo do crime, cuja segura ante-sala seria a socialização que acontece nas ruas. 
No Brasil, por diferentes motivos, a sociedade valoriza a escolarização, mas o conhecimento muitas vezes 
parece uma recompensa que recebem apenas aqueles que possuem determinadas disposições intelectuais, 
associadas, geralmente, aos setores sociais mais favorecidos. Às vezes, se considera os usuários mais pobres da 
escola pública como impossibilitados de se apropriar do conhecimento, devido às suas características socioculturais. 
Geralmente a relação com o ‘Outro’ se baseia numa oposição entre cultura da escola e cultura do ‘Outro’, onde a 
primeira é tida como superior, e por isso deve ser imposta a qualquer custo e sacrifício. Se isto não se consegue, as 
formas de vida do ‘Outro’ servem como justificativas negativas, do que em parte configura a profunda impotência para 
ensinar da escola e dos professores, perante a realidade do povo brasileiro. 
Necessário destacar, no entanto, que a visão da escola como “redentora” não é sustentada de forma 
homogênea pela população mais pobre. Fazendo referência a cultura popular, Zaluar (1992:48) explicita a presença de 
um lado de uma cultura popular dos jovens hedonistas, fascinados pelo poder do tóxico e da violência e que contesta 
os valores centrais da sociedade do trabalho tradicional. De outro, a de seus pais, portadores dos valores da velha 
sociedade do trabalho e que ainda acreditam no poder da escola. 
Pode-se refletir que essa cultura popular heterogênea expressa um corte geracional. Os pais, que continuam 
sustentando vigorosamente valores nostálgicos de uma sociedade do trabalho que já não existe, aquela que produzia 
“homens e mulheres precavidos”, que iniciavam sua vida laboral com as garantias do emprego estável e da futura 
aposentadoria. Época de devoção dos trabalhadores à companhia ou organização onde trabalhavam. A vida poderia 
ser projetada ao futuro. Homens e mulheres acreditando em parte no famoso “poder redentor” da escola, nas 
possibilidades de melhorar de vida a partir da apropriação do conhecimento escolar. Para eles sempre se tratou e se 
trata de um problema de falta de educação. Se seus filhos estudassem, conseguiriam. Nós sabemos que isso é agora 
em grande parte uma ilusão. 
Quantos não foram pegos de surpresa pela desvalorização de suas competências conseguidas com o duro 
esforço realizado durante a melhor parte da vida. Quantos sentem que foram enganados, ou que se enganaram. Diz o 
velho tango fazendo referência ao século XX... “da lo mismo un chorro (ladrão) que un gran profesor”. 
Já os jovens ou uma parte dos jovens dos setores populares, com seu presentismo e hedonismo, expressam 
melhor os valores da sociedade do trabalho atual. Uma sociedade caracterizada por vínculos de emprego efêmeros, 
especulação financeira que remete a valores de ganho fácil, esperteza, pressão sobre o outro, violência; 
características que na sua dinâmica instalam o “hoje” como horizonte de vida. Além disso, se contrapõem à suposta 
socialização da escola, a um tipo socialmente desejado de disciplina, que, se efetiva, resultaria mais adequada à 
configuração de um velho e chato “homem precavido” do “seguro mundo do trabalho” do quase ido século XX. 
Ao certo, nossa época se caracterizaria pelo desmanche no ar do “mito do eterno retorno” e da utopia, 
passado e futuro são dissolvidos no presente pelo discurso totalitário da razão instrumental do capitalismo. A tese do 
“fim da história” pretende anunciar o triunfo da “historia universal”, da mítica convergência planetária no “desígnio” de 
ocidente. Jovens dos setores populares (e também das classes médias) começam a expressar com seus valores, 
comportamentos, e desejos, com sua própria rebeldia e com suas canções, a metamorfoses do mundo do trabalho. 
Fazendo referência à pesquisa realizada com gangues e galeras de Fortaleza, Diógenes (1998) levanta que 
entre os jovens existe a idéia amplamente difundida de que “o trabalho não compensa”. Eles denominam qualquer 
indivíduo que muito trabalhe e ganhe pouco como otário. Exaltam o consumo fácil e rejeitam investimentos que 
impliquem dispêndio de energia (física ou mental); valores que dão estrutura ao mundo do trabalho e da escola. 
Por isso, tem que se refletir em que medida a escola está conseguindo ser um espaço de transmissão de uma 
forma de viver (moral) e de um dever ser (ética) negociado socialmente. Vários estudos mostram que o papel 
socializador da escola está ressentido e que esse déficit socializador pode estar vinculado a episódios de violência. É o 
papel socializador da escola, seus componentes morais e éticos, o que precisa ser urgentemente discutido pela 
sociedade em seu conjunto. 
Historicamente, como já foi apontado, a escola foi chamada a desempenhar diversos papéis, tais como o de 
favorecera integração social, e propiciar a integração sócio - econômica dos indivíduos. A escola também já foi tida, e 
ainda hoje é tida por muitos no Brasil, como a possibilidade de tirar as crianças pobres da rua exercendo sobre elas 
um tipo de disciplinamento, “salvaguarda” da caída dos jovens no mundo do crime. Algumas das contradições foram 
colocadas, a escola é atravessada por elas, pelos choques geracionais, por desejos cruzados. Os professores estão 
no meio do “fogo”, esfacelados eles mesmos, jovens e não tão jovens, pela produção na sociedade de uma ética do 
trabalho moderna que se contrapõe a uma outra que ainda luta pela sua sobrevivência. Perante essas realidades, qual 
o papel da escola?...ninguém sabe ao certo. 
O mundo do trabalho está em polvorosa, o advento da globalização, a radicalização sem limites da 
especulação financeira, o desaparecimento, via novas tecnologias, de empregos no setor industrial, a criação de mais 
e mais postos de trabalho na área de serviços, o desaparecimento do emprego. 
No plano da política, o mesmo cenário de imprevisibilidade. O desaparecimento do socialismo real trouxe para 
os países, mesmo os capitalistas, todo um redesenho do cenário político, a perda das grandes utopias, a revisão da 
lógica dual capitalismo/ socialismo, os partidos políticos no poder e na oposição incapazes de estruturar alternativas 
políticas mobilizadoras do conjunto da população, a descrença generalizada na política e nos políticos impedindo de se 
enxergar uma alternativa coerente de futuro. 
Socialmente os valores morais se desmantelando em uma massa amorfa que Lashley chamou de sociedade 
narcísica; uma sociedade onde se vive um dia de cada vez. Sem heróis, sem projetos, sem fantasias. Enfim, o final do 
século, mais do que nunca a cronologia pulsando no mesmo ritmo que a História. 
 
A “realidade” do trabalho nas escolas 
De que realidade se trata? 
Como em toda organização destinada à produção de bens (mercadorias) ou serviços existe nas escolas um 
trabalho como “deve ser” e o que poderia ser mencionado como a “realidade do trabalho” (Cfr. Dejours, 1998). 
O trabalho como “deve ser” é aquele teorizado, pensado e planejado. Diz respeito aos procedimentos didáticos 
corretos, os métodos, a utilização criteriosa dos recursos do ensino, diz respeito a psicologia das crianças e 
adolescentes, às formas de abordar os alunos “normais”, “problemáticos” e “alunos especiais”, diz respeito o 
funcionamento da organização escolar, suas normas, a distribuição de cargos e funções, as relações com os pais dos 
alunos, etc. 
Essas prescrições do trabalho começaram quando o sujeito escolheu a profissão de educador, passaram pela 
sua formação como professor; continuaram nos inúmeros cursos de aperfeiçoamento por ele realizados. O trabalho 
“como deve ser” se estendeu logo ao planejamento pedagógico recebido pela escola na qual lhe coube lecionar, e 
embora mais perto da realidade do trabalho, abarcou também o planejamento do grupo dos professores colegas que 
lecionam junto com ele na escola. 
Já a “realidade do trabalho” nas escolas, que lhe impõe o cotidiano, e poderá ser mais ou menos facilitadora 
ou obstaculizadora da sua atividade “como deve ser”. Nesta realidade ingressam um conjunto de aspectos que 
intervêm na configuração do cotidiano escolar, tais como as relações com colegas, os recursos que a escola possuí, 
os problemas singulares da instituição, como na atualidade o problema da violência, o tipo de gestão adotado, etc. 
Aspectos todos que em seus desdobramentos aparecerão mediando a relação do trabalhador com seu trabalho. 
Lembre-se, no entanto, que estamos perante um tipo de profissão, a educação, que demanda do trabalhador 
estabelecer vínculo afetivo e emocional com seu trabalho, e por isso os aspectos da “realidade de trabalho” acima 
comentados participam agregando ou subtraindo conflitos a um tipo de vínculo que é estruturalmente problemático. 
Ora, essa característica do trabalho do educador tem uma história singular. Permita-nos aqui, então, uma 
digressão não tão breve, afim de poder demonstrar com maior clareza qual a relação entre os diversos aspectos dessa 
“realidade do trabalho” nas escolas, ou seja, a interação no processo de trabalho, entre o tipo de vínculo demandado 
pela profissão dos educadores e o resto dos aspectos da realidade do trabalho. 
O educador e a relação com seu trabalho 
No lar, o cuidado dos idosos e crianças era, mais antes que agora, considerado dever exclusivo das mulheres. 
Muitas filhas mulheres permaneciam solteiras e dedicadas ao cuidado da mãe. Essa atividade, realizada no espaço do 
íntimo, demandava a presença do vínculo afetivo- emocional entre a pessoa que cuidava e a que recebia esse 
cuidado. O afeto era o grande veículo dessa atividade. O preciosismo da atividade realizada dependia em grande parte 
da magnitude desse afeto. Algumas mulheres tinham que se resignar a “sua sorte”, não apenas “escravas” das 
atribuições sociais, mas também de seus próprios sentimentos. 
O capitalismo estabeleceu uma divisão bastante rígida entre o lar, como espaço do privado, da manifestação 
dos afetos e emoções, e o trabalho. A profissionalização das atividades “íntimas” de cuidar e educar e a interpelação 
das mulheres em função desses atributos femininos para se incorporar ao mundo do trabalho criam uma situação 
bastante singular. A agora atividade de trabalho de educar e cuidar crianças (ou cuidar de doentes) exige, para 
concretizar-se, o envolvimento afetivo do profissional . No caso dos educadores, tem-se que a atividade de ensinar e 
sua contraparte, o aprendizado dos alunos, não aconteceria sem o envolvimento afetivo do professor com os alunos. 
Essa famosa “paciência” que o professor necessita ter, para que seus alunos alcancem os objetivos do 
aprendizado, não é algo que ele aprendeu durante sua época de estudante de magistério. Será alguma coisa que terá 
que experimentar na realidade do trabalho cotidiano. 
A paciência com crianças pequenas ou com problemas é um comportamento atribuído especialmente às 
mães...quem tem mais paciência que uma mãe? O professor precisa ter “paciência” de mãe para que os alunos 
consigam passar pelas primeiras etapas do aprendizado. Este trabalho, que decidimos rotular como “trabalho 
paciente”, resume a contradição da qual é portador. Trata-se de um tipo de trabalho que exige competência 
profissional e estabelecimento de vínculo afetivo - emocional típico de situações sociais que dizem respeito a vida 
privada das pessoas. 
Mas, esse tipo de vínculo é constantemente limitado na sua potencialidade de realização, porque se bem o 
trabalho exige “paciência de mãe”, os professores não são mães dos alunos, e a influência que podem ter sobre eles, 
o controle sobre a vida privada dos educandos, é limitado. Fica assim delineada uma contradição que a princípio não 
se resolve. É o afeto, é a emoção que necessitam ser às vezes controlados. 
 
 
Fanny: 
“...olhe , não posso dizer que isso 
se passe assim com todo o mundo, mas 
eles são muito legais, a garotada, porque 
há um desejo , eu o percebo com meus 
alunos de terceira, um desejo de 
realmente nos ajudar, até mesmo de 
gostar de nós. Portanto , quando ouço 
colegas que dizem “há, não estamos aqui 
para isso, não estamos aqui para gostar 
das crianças”, neste momento percebo 
que isso é absolutamente falso, que eles 
precisam disso, e que o professor precisa 
disso. Eu pelo menos tenho necessidade disso. Tenho a necessidade de estar bem com eles, bem sob todos os 
pontos de vista, se quero fazer um bom trabalho...” Entrevistas de Gabrielle Balazs e Rosine Christin (janeiro de 1991), 
in Bourdieu, 1997 - pág. 540. 
Figura 11, Cap. 3 – Trecho de entrevista sobre o vinculo do professor com os alunos. 
Há aspectos da relação do educador com o produto do seu trabalho que, a princípio, não diferem das que se 
estabelecem na produção entre os operáriose as autopeças produzidas. O produto não pertence ao produtor, o carro 
produzido pelos trabalhadores de uma montadora não pertence aos operários, tanto como não pertence aos operários 
da construção civil o edifício construído. De fato, o aluno alfabetizado também não pertence ao professor. A diferença 
aqui está na qualidade do vínculo que o trabalhador necessitou estabelecer com seu produto para que a atividade de 
trabalho se realize. O aluno não poderia haver sido alfabetizado sem contar com o compromisso afetivo do professor, 
no entanto o operário da indústria automobilística ou da construção civil poderia concluir seu trabalho sem ele. Num 
caso, a atividade de trabalho tem que se objetivar num sujeito, o aluno; no outro, num objeto. No primeiro caso, o 
trabalhador precisa entrar num certo acordo, negociar, para poder desenvolver sua atividade, no segundo ele não tem 
na sua frente “um outro”, mas um objeto sobre o qual imprime sua atividade. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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respeitasse o que
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obstaculizar seu 
prestar atenção 
 
igura 12, Cap. 3 - Quadrinho da Mafalda sobre identidade. 
ntão, que há tensão permanente e qualificada entre o educador e o objeto de seu 
. Mas essa tensão não tem existência abstrata. O afeto e a emoção necessários 
tividade de cuidar e ensinar aos alunos, é um tipo de vínculo que se concretiza 
s condições existentes nas escolas. Por isso, o conflito do qual é portador pode 
os exacerbado pelos aspectos da realidade do trabalho que assinalaremos a 
paço definido pelos múltiplos aspectos que configuram a “realidade do trabalho”, 
erá que pôr a prova seu saber, e, fundamentalmente, seu saber-fazer; o que se 
mente como sua competência profissional. Ora, é na gestão dessa “realidade do 
rofessor terá que responder à exigência social de ser um bom professor e à auto-
petência profissional. 
entenderá que os diferentes aspectos da “realidade do trabalho” escolar impedem 
o que aprendeu durante sua formação profissional, ou que dificultam a satisfação 
 da direção da escola, ou, em última instância, contradizem expectativas sociais à 
ção de um ensino de qualidade, formadas pela propaganda política. De fato, se 
 aprendeu sobre como ensinar ou o que a direção da escola exige, da forma que 
ade de trabalho seria seguramente impossível de ser realizada. 
 professor aprende que as relações sociais no trabalho podem facilitar ou 
querer fazer: essa realidade se lhe impõe e ele tem que aprender a lidar com ela; 
ao que pode ser dito e ao que deve ser calado nessa instituição; ele tem que 
73
aprender que aquela secretária não gosta de dizer “bom dia”; que o diretor gosta de ser adulado, e 
que isso é importante para conseguir implementar certos projetos. Tem que lidar com o fato de que 
seu colega de turma sente ciúmes do trabalho que realiza e tentar minimizar seus logros perante o 
diretor que é seu amigo. 
Talvez terá que aprender que o problema para essa organização não é que os professores 
não saibam ensinar, mas pelo contrário, que desejam ser competentes, que de fato eles sejam. 
Pode acontecer inclusive que seja coagido pelo grupo a ocultar sua competência. Isto nos parece 
impossível? Prestemos, então, atenção á fala da professora P: 
 
“Uma das grandes dificuldades que enfrento na minha atual função diz respeito às relações 
humanas. Eu sou bastante perfeccionista e tendo a exigir tal postura das pessoas que trabalham 
comigo. Mas, agora estou modificando meu comportamento, tento agir com maior flexibilidade, 
inclusive não levo mais trabalho para casa, como costumava fazer com muita freqüência” . 
Figura 13, Cap. 3 - Declaração de professor sobre como foi coagido 
a diminuir a qualidade do seu trabalho. 
Interessante que a fala de P. mostra que a pressão do grupo foi efetiva. De fato, acabou 
admitindo que seu empenho de querer ser competente, de desejar fazer bem o trabalho, de se 
esforçar, era um problema de “perfeccionismo”. Ela teve que recuar para conseguir sobreviver 
nesse ambiente de trabalho. A flexibilização de seu comportamento, no sentido de trabalhar menos 
(não levar trabalho para casa) ao qual alude, foi, sem dúvida, concessão que se viu obrigada a 
fazer. Mas, nessa declinação, o exercício de sua subjetividade como profissional resultou 
interditada pela dinâmica das relações sociais. 
Ao tentar trabalhar “como deve ser”, em certas oportunidades, os professores aprenderão, 
em maior ou menor medida, que existe um déficit de infra-estrutura nas escolas; que os recursos 
necessários estão ausentes. Essa ausência lhes demandará maior esforço no trabalho, maior 
quantidade de tarefas a serem realizadas, comprometendo-se assim a qualidade do ensino. A 
carência de recursos, na medida em que limita as alternativas de preparação das aulas, poderá 
exercer influência negativa nos resultados do aprendizado, levando o trabalhador a questionar sua 
competência profissional. Observemos o desabafo da professora M.: 
 
“Ora, nesta escola, muitos serviços complementares, como datilografia por exemplo, são 
realizados pelos próprios professores, pois falta a mão-de-obra necessária. Este fato acarreta uma 
redução no tempo que se dispõe para a preparação de aulas. Eu busco seguir o conteúdo dos 
módulos de ensino, aquilo que o aluno não pode deixar de aprender, uma vez que com todas as 
deficiências do ensino público, torna-se difícil até mesmo concluir todas as metas previstas para o 
ano. Tenho liberdade para escolher a forma de ministrar minhas aulas, no entanto defronto-me 
com a falta de alguns recursos materiais, como a falta de pessoal que me auxilie ou mesmo de 
uma biblioteca maior e atualizada. Tais fatos acabam restringindo minhas possibilidades de 
implementar formas de ensino mais ricas e inovadoras” 
 74
Figura 14, Cap. 3 - Declaração de professor sobre a falta de 
recursos materiais. 
No trabalho com alunos especiais, a falta de recursos nas escolas poderá levar a 
questionar, de forma mais dramática, o senso de competência do professor. A professora T. faz 
uma observação preciosa que põe a descoberto a defasagem entre o trabalho “como deve ser” e 
“a realidade do trabalho nas escolas”, aspecto que segundo sua fala se complica pela ausência de 
recursos nas escolas: 
 
“Eu busco seguir o conteúdo programático. No entanto, este admite uma certa flexibilidade, 
pois lido com uma clientela diferenciada, que responde de forma não regular. Muitas vezes tenho 
que adequar as formas de ensino ou mesmo modificá-las para atender o objetivo de transmitir o 
conhecimento e garantir a apreensão. Entretanto, minha escola não consegue oferecer todos os 
recursos necessários. Veja bem, minha própria formação é problemática para o atendimento de 
deficientes. Nós devemos suprir muitas lacunas por nós mesmos”. 
Figura 15, Cap. 3 - Declaração de professor sobre a falta de 
recursos na escola. 
 
Para aqueles professores que lidam com alunos especiais, a defasagem entre o trabalho 
“como deve ser” e “a realidade do trabalho” nas escolas pode ser experimentada de forma mais 
violenta. Por isso o investimento emocional e afetivo exigido ao professor das classes especiais, 
para conseguir realizar sua atividade de trabalho, pode ser muito maior. 
Os professores também experimentarão em maior ou menor medida que o espaço da aula 
pode se apresentar como espaço da indisciplina, agressão, às vezes da violência; como espaço da 
interrupção, das dificuldades de aprendizado dos alunos. Este último aspecto é crucial. Perante às 
dificuldades de aprendizado dos alunos, a maior parte dos professores opta por investir duro. Na 
atividade de trabalho, no intercâmbioentre ele e o objeto de seu trabalho, está em jogo sua 
subjetividade, veiculada pelo saber e saber-fazer. Se o aluno não aprende, é a sua subjetividade 
que resulta interditada porque ele não consegue se objetivar no aprendizado do aluno de forma 
positiva. A professora C., por exemplo, trabalha pela manhã com uma turma de 30 alunos de 1ª 
série e à tarde com uma turma de 2ª série. Segundo ela, na primeira série: 
“Existem alunos de diferentes níveis e necessidades, por isso, apenas no horário das 
aulas, torna-se impossível prestar uma assistência individualizada aos alunos, e isso me angustia. 
Sinto dificuldades para conciliar ser professora e “mãe” ( que dá suporte ao ensino ), por exemplo, 
e a falta de tempo é um problema”. 
Figura 16, Cap. 3 - Declaração de professora sobre a dificuldade de 
dar assistência individualizada. 
Essa professora experimenta o drama do tipo de vínculo afetivo e emocional que o trabalho 
de ensino lhe exige, tem que ser mãe e professora, porque o ensino para acontecer demanda afeto 
e saber. Seu afeto (de mãe) não pode ser demais, porque na escola ela não é mãe. Agora, essa 
 75
tensão estrutural do vínculo com o trabalho se complica ainda mais, numa situação em que os 
alunos precisam de atenção individualizada. Essa atenção individualizada que, segundo C., esse 
grupo de alunos demanda, interpela com maior força seu afeto/emoção de mãe. 
Às vezes os professores terão que lidar com o sofrimento e a fome das crianças. 
Prestemos pois atenção à fala da professora P, que transmite o que significa conviver com o 
sofrimento do Outro na situação de trabalho: 
“ A demanda dos alunos é grande, porque eles apresentam problemas diversificados. 
Costumam trazer para a escola problemas que possuem com seus familiares e também têm muitos 
problemas econômicos. Eu tento ajudar no que eu posso, mas fico com muita dó quando não 
consigo. Eu faço o trabalho de educador no total, pois os alunos precisam de uma assistência 
geral”. 
Figura 17, Cap. 3 - Declaração de professora sobre os problemas 
de seus alunos. 
Em muitas ocasiões os professores das escolas públicas têm que lidar com crianças que 
estão, praticamente, cooptadas pela socialização das ruas. Eles (os professores) empreendem 
uma luta sem quartel contra um mundo de sombras que nem sempre conhecem, e se conhecem, 
agora eles estão “do outro lado”, do lado da socialização da escola. São crianças e jovens que 
trazem para o cotidiano das escolas suas experiências com a “fauna” da megalópole de final de 
século. Eles, crianças de rua ou na rua, são parte e testemunhas da existência de um universo 
paralelo e um pouco oculto, que pode se tornar visível nas situações mais corriqueiras. Um 
“frisson” na sala de aula... as vivências dos educandos se entrelaçam com as das prostitutas, 
traficantes, policiais violentos, vítimas e vitimários, meninos e meninas com a solidão urbana 
pintada nos rostos. Quantas vezes os professores terão que vivenciar no cotidiano do trabalho as 
misérias do mundo urbano, a face oculta de nossa modernidade. Um mundo que os interpela com 
sua feia face, violência, e precariedade dos laços afetivos. 
Não poucas vezes os professores podem se enfrentar com o fato de ter que cumprir com 
exigências burocráticas exageradas, com o autoritarismo do diretor, com a falta de participação nas 
decisões da escola, com a ausência de afetividade entre os colegas. Terá talvez que lidar com a 
ansiedade e preocupação dos pais dos alunos, ou com sua falta de comprometimento com o 
aprendizado dos filhos. Esta última questão parece preocupar muito aos professores, M. diz em 
tom cansado, como quem já repetiu essa fala muitas vezes sem ser atendido: 
 
“Muitas vezes as crianças necessitam de apenas uns poucos minutos diários de atenção 
por parte dos pais, no sentido de observar se a lição foi feita e quais as dificuldades que os filhos 
revelam. Porém, os pais encontram-se cada vez mais ausentes do processo educativo e isto me 
incomoda”. 
Figura 18, Cap. 3 - Declaração de professor sobre a necessidade de 
atenção dos alunos. 
 76
Uma outra professora, L. reforça a colocação de M. ao confessar: 
“Minha clientela é carente, mas eu não tenho do que reclamar, a não ser de uma postura 
ausente dos pais, que se mantêm distantes em relação à escola, prejudicando o aprendizado dos 
filhos. Este fato se traduz, especialmente, na ausência às reuniões” 
Figura 19, Cap. 3 - Declaração de professor sobre a ausência dos 
pais na educação dos filhos. 
 
Os problemas graves das famílias pobres, as necessidades da comunidade também 
poderão fazer parte da realidade do trabalho dos professores. Assim, muitas vezes, terão que 
conviver com o sofrimento do outro que traduz a gigantesca injustiça social. Também têm que 
conviver com uma remuneração claramente insuficiente, em ocasiões com o trabalho em várias 
escolas para completar a renda familiar, com a experiência da extensão da sua jornada de trabalho 
no marco da realização de outras atividades ou “bicos”. 
Ora, apesar de que tudo isso aconteça, ou de que algumas das situações até aqui 
levantadas configurem efetivamente a “realidade de trabalho” do professor, o ensino e o 
aprendizado dos alunos têm que acontecer. Não apenas porque o educador foi contratado para 
isso, mas porque o que está colocado em questão na “realidade do trabalho” na escola é seu saber 
e seu saber-fazer, sua competência profissional, ou seja, aquilo que sustenta sua identidade, seu 
ser como trabalhador. E como já foi dito, ele não apenas terá que conseguir ensinar, mas que terá 
que ser “um bom professor”, terá que ser competente. 
A “décalage” entre o “trabalho como deve ser” e a “realidade do trabalho” nas escolas 
encerra uma terrível armadilha para o educador; tanto mais terrível quanto mais profunda seja a 
referida defasagem e quanto mais ela dificulta a realização da atividade do trabalho ao professor; 
tanto mais perigosa, quanto mais interdite o estabelecimento do vínculo afetivo e emocional com o 
aluno (alunos agressivos ou violentos, desinteressados, etc.) e quanto mais limite os resultados do 
investimento afetivo e emocional (ausência de recursos, salas lotadas, autoritarismo gestionário, 
pais despreocupados, preparação inadequada, etc.). 
Em última instância, o que está posto em questão na relação entre o trabalhador e seu 
trabalho, numa atividade de cuidado, é a possibilidade dele exercer um controle massivo sobre o 
objeto de seu trabalho (aluno/doente). Ele plasma uma parte de sua subjetividade no aluno, 
atividade veiculada pelo vínculo afetivo e emocional, mas como já foi analisado, essa atividade de 
trabalho sofre de uma interdição estrutural (o cuidado do aluno, veiculado pelo afeto e a emoção, 
só pode ser realizado dentro de certos limites) que pode ver-se agravada pelas interdições que 
resultam da realidade do trabalho nas escolas. Do nosso ponto de vista, no caso dos professores, 
o tipo de vínculo exigido, para que a atividade de trabalho se realize, os faz portadores de uma 
fragilidade especial: a suspeição sobre a própria competência; esta fragilidade pode se manifestar 
com menor ou maior agudeza no cotidiano do trabalho. 
 77
O professor investirá contra os pesados moinhos de vento de uma possivelmente absurda 
“realidade” do trabalho. Acreditará ser um outro Todo-Poderoso, arremeterá contra os gigantes: 
violência, falta de recursos, ausência de participação, magros salários. Será que ele conseguirá 
vencer? Professor que é bom professor ensina, e os alunos aprendem, se ele não consegue é 
porque ele é um mau professor. Ninguém ousará assinalar o investimento emocional, afetivo e 
cognitivo que ele realizou para ser percebido e se auto-perceber como um bom professor. 
O depoimento de R. ilustra o vínculo que o educador estabelece entre o investimento 
pessoal (esforço) realizado no trabalho, aquela doação da subjetividade no exercício do saber-
fazer,e sua objetivação exitosa no produto do trabalho, ou seja no aluno que efetivamente 
aprende: 
“Eu costumo utilizar os horários da minha coordenação para auxiliar aos alunos mais 
necessitados. Esses alunos costumam oferecer retorno. Teve um aluno, J. B., que apresentava 
dificuldades persistentes na aprendizagem, mas que após algumas horas de reforço tem 
conseguido acompanhar a turma de maneira eficiente. Para mim, este tipo de fato é muito 
gratificante, constituí uma fonte de prazer”. 
Figura 20, Cap. 3 - Declaração de professor sobre formas de 
auxiliar seus alunos. 
 
Essa vontade de poder, que transmite grande parte dos professores, caracterizaria o que 
se conhece como tipo moderno de subjetividade: um ego a busca de uma realização plena no 
trabalho, apenas admissível pelos grandes sonhadores. Mas a dimensão trágica destes super-
homens e super-mulheres se põe de manifesto no cotidiano das escolas: são “navegantes” 
cercados pela violência, os magros recursos, o absenteísmo dos alunos, os graves problemas 
familiares dos educandos, fome, ressentimento, ódio, etc. e eles ainda “ameaçando” que vão 
conseguir “conquistar” esses inóspitos territórios. Quantas vezes na realidade do trabalho nas 
escolas os sonhos destes delirantes super-homens e super-mulheres são impiedosamente 
arrastados pela correnteza? 
O educador também pode levantar como justificativa da ausência de êxito dos seus alunos 
a influência indubitável dos diversos aspectos negativos da “realidade do trabalho” nas escolas; 
mas no seu íntimo pode haver caído na armadilha da exigência social de ter que provar sua 
competência a qualquer preço. Finalmente, é possível que os resultados alcançados nessa 
“realidade do trabalho” mais ou menos absurda o levem a duvidar da sua própria competência: “os 
alunos não conseguem aprender devido a falta de recursos suficientes na escola?”; “não 
conseguem aprender devido a suas carências socioculturais?”; ou “o problema é que eu não 
consigo ensinar a eles de forma adequada?”; “o problema é que eu não sei como ensinar em tais 
circunstâncias?”, etc. Difícil também para nós destrinchar essas responsabilidades sem cair nos 
comuns clichês. 
 78
Ora, se a semente da dúvida sobre sua competência profissional foi plantada, seu suporte 
identitário foi atingido. Ele investiu fortemente nos aspectos emocional, afetivo e cognitivo da sua 
atividade de trabalho e os resultados foram negativos, ou muito aquém do esperado em relação ao 
investimento feito. Ele sofreu bastante, mas agora sente que esse sofrimento não teve sentido. 
Desfilam pela sua mente as lembranças das horas a fio passadas preparando as aulas, os 
esforços para atender sempre que possível de forma individual aos alunos, surgem as imagens 
das brigas domésticas associadas ao fato de estar investindo tudo e mais ainda nos seus alunos, 
na sua profissão, ele sente-se confuso, envergonhado, errado. Como não lembrar também o 
dinheiro tirado do próprio bolso para ajudar na compra de materiais didáticos? Ele acreditava que 
podia... tinha saber, acreditava que sabia fazer e que desejava fazer. Ele estava seguro de que 
conseguiria. 
Mas é provável que em algumas ocasiões ele não consiga, e pior ainda, muito pior, que 
seu esforço não seja reconhecido por ninguém. Sabe que sofreu, mas alguns até acharam ridículo 
seu empenho, tolo até, outros lhe ofereceram sua indiferença ou um discreto sorriso capaz de 
transmitir dúvidas sobre sua competência. Os jornais só falam do descaso da educação pública, do 
rendimento ruim dos alunos nas avaliações realizadas pelo MEC, do vergonhoso lugar que os 
alunos brasileiros das escolas públicas alcançam nos rankings de comparações internacionais de 
rendimento dos educandos. Ora, o professor está sendo constantemente atingido na sua imagem 
pública, todo isso que parece questionar sua competência fere profundamente sua identidade. 
Será que já paramos para pensar nisto? 
Mas os professores tentam, acreditam que podem, mas pouco ou nada lhes é reconhecido 
porque os resultados não são bons...mas de fato, podem sê-lo? Todos, em maior ou menor 
medida, conhecem a realidade do trabalho na escola pública... Mas, o esforço, o investimento 
quixotesco dos professores não é geralmente reconhecido, ou é muito pouco reconhecido. 
Ora, muitas vezes ele teve que enfrentar a hostilidade daquele grupo de colegas para que 
suas propostas fossem aceitas; e quantas vezes alguns colegas acharam que já tinham reuniões 
suficientes para agregar uma a mais que ele propunha como forma de compartilhar e discutir as 
experiências nas salas de aula. Quantas vezes, enfim, foi desestimulado a fazer, coagido para não 
fazer, ridicularizado por querer fazer. Quantas vezes ele se sentiu humilhado, quantas outras foi 
atingido pelos olhares e comentários carregados de ironia como aquele que “quer mostrar muito 
trabalho” na escola, como “o professor que quer aparecer”. Quantas vezes ouviu o comentário 
melancólico: “deixa pra lá...quando chegam a maioria é assim...acreditam que vão conseguir...” 
Mas não foram só comentários, às vezes a chave da sala de arte se perdia misteriosamente, 
justamente o dia que ele havia marcado um encontro de trabalho para seus alunos com um 
reconhecido artista da comunidade, ou aquela maquete feita com tanto esmero, pintada com 
aquarelas para ensinar aos alunos os acidentes geográficos, que primeiro despertou sorrisos 
 79
burlões nos colegas e depois apareceu estragada, inutilizada. Ora, quanto ele não lutou com a 
realidade social e material das escolas para poder ser considerado competente na sua atividade de 
trabalho? 
Na solidão, a dúvida sobre sua competência profissional lhe corrói o cérebro. Ele investiu 
muito, lutou contra a realidade social e material do trabalho para poder ensinar a seus alunos, o 
esforço, os custos emocionais e pessoais foram muito altos, os resultados foram magros, os alunos 
não aprenderam tanto como ele esperava, além disso seu trabalho não foi considerado, nem 
valorizado. 
 80
 
-E sua família, não considerava que a senhora tinha sido bem sucedida em relação a ...estes 
objetivos de ser professora, etc. ? 
Fanny: Sim, sim, com certeza. Ela considerava que eu tinha conseguido, mas hoje em dia minha 
mãe se desencantou, ela se desencantou... 
-Ah bom, então isso foi numa certa época? 
Fanny: Sim, no início...Para ela, bem, o fato de que...eu ia bem na escola, que eu passava nos 
exames, queria dizer que eu tinha conseguido. E hoje em dia quando ela vê o modo como vivo, 
talvez tenha a ver também com a maneira como eu vivo., com as preocupações que eu tenho, ela 
me diz: “ mas afinal...”. Então ela não quer mais...isso é tudo, há muita coisa por falar aí dentro, ela 
tem a impressão que alguma coisa, ela não analisa, eu não falo mais disso com ela porque sei que 
ela se culpa por isso, já não falo mais muito a este respeito mas...ela tem a impressão de que 
existe alguma coisa de poder mesmo no reino da Educação nacional, é confuso, eu não falo disso, 
mas ora, eu sinto isso. Ela me disse, quando fui até lá no dia de Todos os Santos, fui vê-la , e 
levei algum trabalho para fazer, ela me disse: “ deste jeito afinal você nunca está tranqüila “ , ela 
não vê outra coisa além disso, ou então quando me vê deprimida, ela me diz: “ no fim das contas 
sua irmã está mais feliz do que você” 
-Sim, então ela pensa que ...não é o que ela esperava. 
Fanny: Não...ela pensa sem nem mesmo dizer que pensa, mas...veja bem, isso, é confuso...Não é 
algo expresso, não. Se falarmos de coisas pessoais, eu me casei, me divorciei em 85, meu marido 
me censurava o tempo todo de estar ocupada demais com meu trabalho. E de quantos colegas 
ouço que têm problemas conjugais por causa disso, os professores. É verdade...Tome aquela com 
quem falei ontem á noite pelo telefone, uma professora de maternal que está doente, ela está 
parada até dia 15, o médico queria que ela parasse até dia 22 masela lhe disse que tinha 
consultado uma psicóloga que tinha dito: “ seu problema é este”. É uma rejeição. Ela me disse : 
“eu não agüento mais o barulho “, bem. Ela está deprimida.” Entrevistas de Gabrielle Balazs e 
Rosine Christin (janeiro de 1991), in Bourdieu, 1997 - pág. 542. 
Figura 21, Cap. 3 -Trecho de entrevistas sobre a competência 
profissional e apoio da família. 
As condições para o aparecimento do sofrimento psíquico no trabalho estão dadas, e 
vejamos por que. Toda atividade de trabalho demanda, em maior ou menor medida da parte do 
trabalhador, esforço que se traduz numa sorte de “sofrimento” no trabalho, isto seria a realidade 
normal do trabalho. O espaço para o sofrimento psíquico se abre quando esse investimento carece 
de sentido. O trabalho, enquanto atividade, tem sentido quando o processo de objetivação da 
minha subjetividade no objeto do trabalho tem um sentido positivo. Ou seja, caricaturizando, 
quando meu investimento tem um retorno. Nesse processo o que veio à tona foi o saber e saber- 
fazer do trabalhador, a sua competência. O trabalhador se observa no seu produto como num 
espelho, seu produto o interpela. Se a objetivação da sua subjetividade no aluno mostra uma face 
negativa, (o aluno não aprendeu ou aprendeu muito mal) ele será recorrido por um “frisson”: sua 
identidade será atingida. 
Perante essa situação, que pode aparecer em diversos momentos do ano escolar ou no 
final do período letivo, o educador pode decidir procurar alívio, esquecer o sofrimento no trabalho, 
buscar seus amigos para se divertir. Pode desejar alguma fonte de gratificação que o leve a 
compensar em parte o desprazer experimentado no local de trabalho. Trata-se, enfim, de uma 
 81
estratégia. Mas há todo um sofrimento que ficou armazenado no seu íntimo, sua subjetividade foi 
atingida, ele procura esquecer, não enfrentar seu sofrimento, fazer o jogo da amnésia. 
Ora, estamos perante uma estratégia individual de fuga em face do sofrimento no trabalho. 
Poderiam existir muitas outras, tanto quanto o permitisse a louca imaginação dos homens, quando 
se trata de fugir do sofrimento provocado pelo social. Surge a pergunta, esta “amnésia” do 
sofrimento no trabalho, que efeito tem sobre esse sofrimento? O sofrimento no sentido do esforço 
realizado, do cansaço, das entregas pessoais, etc. faz parte da realidade normal do trabalho, mas 
se o trabalho tem um sentido, se ele tem significado, esse sofrimento pode se transformar em 
prazer. 
O reconhecimento dos outros pelo esforço realizado no trabalho, a valorização da entrega 
subjetiva do sujeito podem dar sentido ao sofrimento no trabalho, metamorfoseando esse 
sofrimento em prazer. Se isto não acontece, a procura de um prazer substituto ao desprazer 
experimentado no trabalho, é, de fato, uma estratégia. Mas é evidente que essa procura do prazer 
além do local de trabalho, como uma forma de amnésia do sofrimento vivido, deve ter 
conseqüências sobre a atividade de trabalho. De fato, se o sofrimento no trabalho carece de 
sentido para o sujeito, se o trabalho é apenas fonte de sofrimento, é evidente que o investimento 
afetivo, emocional e cognitivo do sujeito não será o mesmo permanentemente. Um bom 
trabalhador não pode existir em abstrato, seu ser se produz na atividade de trabalho. 
Mas ele poderia fazer uma outra opção. Poderia haver-se negado a entrar no jogo da 
amnésia e começar a trilhar o caminho do enfrentamento de seu próprio sofrimento, entendendo 
também que se trata do sofrimento de muitos outros, em vez de negá-lo, ocultando-o. Poderia 
procurar aquele colega-amigo para tentar falar do que está sentindo, para tentar fazer alguma 
coisa, para tentar mudar essa realidade do trabalho. São duas estratégias: uma nega, faz o jogo da 
amnésia, a outra enfrenta o sofrimento no trabalho. 
Acreditamos que: quanto maior a defasagem entre o “trabalho como deve ser” e a 
“realidade do trabalho” nas escolas, maior será o investimento afetivo e cognitivo exigido ao 
professor, maior será o esforço realizado, e por isso, maior será seu sofrimento no cotidiano do 
trabalho. Esse sofrimento tem sentido para o trabalhador quando seu saber e saber-fazer, que foi 
constantemente interpelado durante a atividade de trabalho, deu lugar a um reconhecimento e 
auto-reconhecimento da sua competência profissional. Inclusive, além dos resultados alcançados, 
quando seu esforço foi reconhecido, significando que seu trabalho foi pleno de sentido. 
Como já foi dito, o que está posto em jogo nesse embate cotidiano com a “realidade do 
trabalho” escolar são os suportes da identidade do trabalhador. 
 
 
 82
 
 83
PARTE II: OFÍCIO DE EDUCADOR 
 84
Cap 4 – Os trabalhadores e seu trabalho 
Lúcia Soratto, Cristiane Olivier-Heckler 
 
Todos freqüentamos uma escola durante um período em nossas vidas, pública ou 
particular, grande ou pequena, urbana ou rural. Para alguns de nós foram mais de 10 anos 
seguidos passando, pelo menos, meio período de cada dia útil num ambiente escolar. Alguns 
tiveram a oportunidade de se dedicar aos estudos bem menos do que isso. Infelizmente, ainda é 
um privilégio conseguir concluir o ensino médio de segundo grau no Brasil, ou mesmo o básico até 
a oitava série. Mas são poucas as pessoas que nunca freqüentaram uma escola, pelo menos por 
um ou dois anos. Boa parte consegue ao menos completar as primeiras quatro séries do ensino 
fundamental e aprender a ler e a escrever. Que sejam 10 anos, quatro horas ao dia, 8 meses do 
ano, é muito tempo e não é um tempo qualquer. O fato é que o ambiente escolar faz parte das 
nossas lembranças infantis. Temos na memória nossa primeira professora, nossos amigos de 
escola, as brincadeiras no recreio. Os mais antigos lembram as dificuldades do percurso da casa 
até a escola, que muitas vezes ficava bem distante e exigia longas caminhadas a pé, pois ainda 
não havia transporte coletivo como hoje. Alguns, em melhores condições, estudaram em regime de 
internato, em colégios religiosos e têm outras tantas lembranças desse período; pequenas 
traquinagens para burlar as regras, as quais na época pareciam uma grande transgressão; pura 
ingenuidade infantil. São lembranças guardadas com carinho por todos nós de uma parte 
importante das nossas vidas. 
A escola é nada menos que a primeira instituição da qual fazemos parte fora da família, é 
nosso primeiro contato com o mundo fora da proteção do lar, longe dos pais e dos irmãos. É onde 
temos que aprender a conviver com outras pessoas de origens diferentes, hábitos que não 
conhecíamos. Para uma parte de nós é o local onde assumimos as primeiras responsabilidades 
pessoais, temos os primeiros compromissos. Apenas para uma parte de nós, porque a outra parte, 
muito antes de freqüentar uma escola, assume responsabilidades de trabalho, cuidando dos 
irmãos, da casa, trabalhando no campo, em oficinas, no comércio. Nem todos têm o privilégio de 
serem primeiramente apresentados para obrigações da vida num ambiente escolar. Mas, para 
muitos, é o local de descobrir seu jeito fora de casa, outros gostos, de se expor para outros e para 
si mesmo, descobrindo suas dificuldades e suas facilidades. 
As lembranças que temos dessa experiência pessoal nos acompanha para a vida toda e 
ficam guardadas para serem contadas para os netos. 
Enfim, a escola contribui na construção da nossa identidade, da nossa personalidade, de 
maneira básica, estrutural; organiza os nossos afetos; é onde aprendemos a viver, quiçá 
 85
conhecemos a primeira/o namorada/o, pelo menos um modo de lidar com nossos misteriosos 
impulsos sexuais, um modo de se expressar, uma outra linguagem. Estamos em um território tão 
importante quanto a primeira infância, vem daí, sem dúvida, a forte carga afetiva que acompanha 
as nossas memórias. 
Curiosamente, por razões que não cabem explicar aqui, as experiências que vivemos e 
que constituem nossa identidade com esta força nunca são consideradaspor nós como trabalho. 
Alguém já se lembrou da mãe, enquanto mãe mesmo, como trabalhadora? No entanto, alguém 
poderia duvidar que criar um garoto/a não seja um trabalhão? Com a escola se passa o mesmo, 
ninguém se lembra dela como instituição de trabalho. Tudo se passa como se o trabalho fosse algo 
exterior, e a escola está muito interiorizada para ser pensada enquanto tal. Quando pensamos em 
escolas, temos imagens e sensações que nos ocorrem pelo que já experimentamos na nossa 
trajetória particular e são tão familiares que precisamos empreender algum esforço para olharmos 
com outros olhos para esta instituição. 
Mas é justamente isso o que vamos propor neste momento. Vamos nos empenhar para 
olhar as escolas a partir de uma outra perspectiva que raramente alguém olha, a saber, como uma 
organização de trabalho. 
Uma enorme organização de trabalho, maior, por exemplo, do que o Mc Donald’s ou as 
Lojas Americanas, para citar apenas algumas das mais conhecidas do grande público. Para 
ficarmos apenas com a rede estadual, uma determinada secretaria de Estado seleciona e paga 
milhares de trabalhadores, constrói os edifícios onde estas pessoas receberão milhões de clientes, 
define o material a ser utilizado, os livros didáticos, os objetivos a serem atingidos, avalia a 
‘produtividade’ segundo os mesmos critérios. Uma enorme corporação de trabalho que talvez seja 
tão ou mais passível de ser definida como um franchising do que os que citamos acima. O diretor 
de uma rede comercial ou de uma rede de lanchonete tem liberdade de demitir um empregado 
sem consulta à direção estadual, em uma escola quem demite é a secretaria. 
Mas sejamos modestos, consideremos apenas a escola como local de trabalho, 
esquecendo de suas ligações com as outras escolas, com a Secretaria deste ou daquele Estado, 
com o Ministério da Educação; mesmo assim se trata de uma organização nada desprezível, 
podemos considerá-la, sem medo de errar, como uma organização de porte médio. As pequenas 
empresas, em geral, têm poucos funcionários e pouca especialização de funções, comumente 
tendo os mesmos funcionários responsáveis por vários setores: execução, manutenção, 
administração, finanças e assim por diante. No caso da escola, a situação não é esta. Com 
exceção dos pequenos estabelecimentos, como é o caso da maioria das escolas rurais, as demais 
têm funcionários específicos responsáveis por setores diferentes. Existe o pessoal da secretaria, 
da limpeza, da alimentação, do ensino, para citar apenas os que incluem maior número de 
funcionários. Com toda essa divisão de trabalho, setores diferenciados, além do número de 
 86
funcionários e de clientes atendidos, trata-se, sem dúvida, de uma organização complexa demais 
para ser considerada uma pequena empresa. 
O esforço para administrar tudo isso, a rotina, os problemas, a burocracia não são em nada 
menor do que em qualquer outra empresa. Claro que existem as particularidades em função de ser 
uma empresa pública ligada ao estado e não uma empresa particular. O fato de não ser uma 
empresa com fins lucrativos e o não gerenciamento dos próprios recursos marcam diferenças 
importantes, mas não tiram a característica de organização de trabalho, com trabalhadores, 
produto, relações de trabalho e todas as demais categorias através das quais tentamos entender a 
dinâmica de uma empresa. 
A escola é uma organização de trabalho prestadora de serviços, compondo, portanto, o 
setor terciário da economia, o mesmo em que se localizam os serviços de saúde, comércio, 
lavanderia. O que a coloca nessa classificação é a sua função de prestar um serviço – educar - 
para clientes muito especiais - crianças e adolescentes. A relação direta com o cliente, como 
acontece nas escolas e em qualquer outra empresa ou instituição prestadora de serviços, implica 
em um trabalho com características muito particulares. O trabalhador desta organização está 
constantemente expondo seu trabalho a críticas diretas dos clientes e nem podemos nos iludir que, 
sendo estes crianças ou adolescentes, a situação seja diferente. Muito pelo contrário, quem 
trabalha com clientes nestas faixas de idade sabe muito bem que são críticos mordazes e com 
muito menos pudor para desaprovar alguma coisa que não está agradando do que alguém de meia 
idade que tem certas reservas adquiridas com o tempo e a experiência. Precisam ser conquistados 
o tempo todo, bem tratados, bem atendidos, do contrário manifestam seu descontentamento das 
formas mais constrangedoras e inesperadas. Que um professor do colegial, responsável por 
matemática, tente errar uma conta para ver o que lhe acontece ou, mesmo que acerte, não pode 
sequer parecer inseguro. 
Posto que escolas são empresas prestadoras de serviços coloca-se, entre outras, a 
questão da qualidade dos serviços prestados que são o produto desse tipo de empresa. A 
exigência de qualidade em serviços é uma constante e vem sendo muito discutida atualmente, em 
função do crescimento deste setor da economia. Na prestação de serviços, a qualidade depende 
diretamente do trabalho e unicamente dele. Condições organizacionais podem facilitar ou dificultar, 
mas quem responde pela qualidade é o trabalhador responsável e ninguém mais. Tudo depende 
do trabalhador e da sua relação pessoal com o cliente. O produto não é algo concreto que se 
possa pegar, tal qual uma peça de roupa ou um eletrodoméstico, é bem mais sutil e, por vezes, 
totalmente abstrato. 
O que queremos dizer é que o produto vai se construindo o tempo todo durante a relação 
entre trabalhador e cliente. A satisfação do cliente, neste caso, ocorre durante o processo e não 
somente ao final, depois que o trabalhador terminou a sua parte. Disso podemos tirar, pelo menos, 
 87
duas conclusões. A primeira é que o nível de exigência e de tensão para o trabalhador é muito 
maior do ponto de vista afetivo e a segunda é que o trabalhador, em função dessa demanda, 
precisa estar bem do ponto de vista emocional para estar em condições de desempenhar 
adequadamente sua função e sempre atualizado para conseguir responder às necessidades dos 
clientes. 
Uma empresa pública prestadora de serviços precisa ser pensada, também em termos da 
disparidade, que por vezes acontece, entre as necessidades do cliente e o que a organização se 
propõe ou tem condições de oferecer, bem como o papel do trabalhador nessa situação. 
Estamos vivendo tempos de mudanças, surgem novidades que alteram a nossa vida e são 
introduzidas com uma velocidade estonteante. Basta estarmos atentos ao nosso dia-a-dia para 
percebermos como a tecnologia está se impondo, mudando os hábitos das pessoas, criando 
necessidades. Longas cartas para amigos ou parentes distantes são cada vez mais raras; 
telefones cada vez mais acessíveis; o correio eletrônico, mais rápido e eficiente, vai se difundindo. 
Trabalhadores não estão mais presos exclusivamente ao local físico de trabalho à espera de 
ligações ou dependentes dos equipamentos do escritório, temos hoje os telefones celulares que 
nos permitem a comunicação em movimento e os micro-computadores portáteis. Há algumas 
décadas, não precisamos mais estar fisicamente presentes em qualquer lugar do mundo para 
inteirar-nos dos acontecimentos e das notícias internacionais. Em minutos, passamos da África à 
América do Norte, passeamos por territórios em guerra, visitamos a Bolsa de Valores em Nova 
Iorque e, em seguida, podemos ir para uma cozinha de um restaurante no sul da França para 
aprendermos um prato típico local. Para essa viagem, em minutos, por locais tão distantes temos 
as TV’s a cabo, as transmissões via satélite, sistemas integrados de computadores via Internet e 
assim por diante. 
É nesse mundo que vivemos hoje, ao qual temos que nos adaptar e sobreviver. Claro que 
nem todas as pessoas têm acesso à Internet, aparelhos de Fax, telefonia celular e nem mesmo 
telefone fixo na residência. Aliás, cada uma destasnovidades tecnológicas atingem de fato um 
número bem restrito de pessoas. Mas, mesmo para os que não têm acesso direto a essa 
tecnologia, o mundo não é o mesmo que antes e, para que as pessoas em qualquer condição 
sócio-econômica possam se inserir no mercado de trabalho cada vez mais exigente e participar do 
mundo em que vivem, não podem ficar alheias a toda essa parafernália. A televisão, um bem de 
consumo adquirido pelas pessoas com pagamentos, às vezes, sabe-se lá em quantas prestações, 
é a porta de acesso que permite às pessoas colocar o mundo para dentro das suas casas, apesar 
de todas as críticas que podemos fazer à programação que é oferecida aos telespectadores. A TV 
leva para dentro da casa mais simples informações sobre toda essa tecnologia e as pessoas 
querem se inteirar disso, cria-se uma necessidade que antes não estava presente. Além disso, as 
pessoas querem sempre um emprego melhor, melhor que o atual, melhor que o dos pais e, para 
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isso, nos dias de hoje é preciso acompanhar o que está acontecendo, manter-se informado, 
dominar os novos equipamentos, estar em dia com a tecnologia; até mesmo aqueles empregos em 
pequenos escritórios que antes exigiam datilografia, hoje exigem noções básicas de 
microcomputação. 
Mas, afinal de contas, por que dissemos tudo isso, por que nos desviamos tanto das 
escolas e dos professores para falar sobre o desenvolvimento tecnológico no mundo moderno? 
Porque é nesse mundo que vivem os alunos que freqüentam as escolas, bem como as suas 
famílias, e suas demandas são permeadas pelas novas necessidades, as quais vão se impondo 
através destas mudanças que viemos descrevendo. 
Dissemos que a organização educacional nem sempre tem condições de atender as 
demandas que recebem, contudo essa demanda atinge diretamente o profissional que trabalha 
com os clientes. Em última instância, cabe a solução, a busca por formas de atender o que 
aparece no dia-a-dia do exercício profissional. 
Como fica este trabalhador diante de uma demanda que não pode ser atingida por conta 
das condições organizacionais? Pode ignorar simplesmente, se conseguir não se importar com 
isso, ou tentar por conta própria atualizar-se e fazer aquilo que estiver ao seu alcance. De qualquer 
modo, não é um papel fácil para o trabalhador. É dele a angústia de lidar com a impossibilidade de 
atender ao desejo do outro, à necessidade trazida para o seu espaço de trabalho. 
É bom lembrarmos que estamos falando sobre questões do trabalho e dos trabalhadores 
na prestação de serviço da rede estadual de ensino. Para compreender melhor o que se passa, 
precisamos refletir sobre a escola como organização de trabalho e sobre professores e 
funcionários como profissionais submetidos a condições específicas de trabalho que devem ser 
conhecidas, mantidas ou modificadas, dependendo do caso. 
Trata-se de uma organização de trabalho, prestadora de serviços altamente complexos; 
com uma clientela exigente e altamente dinâmica; geradora de um produto indiscutivelmente 
essencial, em um momento histórico particularmente delicado, como se vê. 
Mas, por que pensar a escola como organização de trabalho? Não seria melhor entrar no 
debate que anima o pensamento humano desde Sócrates? Como ensinar? O que ensinar? 
Filosofia da educação? Pedagogia? Função da educação neste final de século? 
Sem dúvida, são debates importantes, tão importantes a ponto de todos dependermos 
destas condições para que seus resultados se concretizem, se não quisermos correr o risco de 
construir um castelo na areia. A questão é que qualquer que seja a proposta educacional, a 
filosofia subjacente, será preciso que haja trabalhadores em educação aptos a implantá-las, que 
hajam escolas aparelhadas para abrigá-las. Estamos hoje como um cineasta com um roteiro 
brilhante, os atores já escolhidos, o cenário desenhado, cada cena do filme montada e sem 
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dinheiro sequer para comprar o filme, sem máquina para filmar. Semanalmente ocorrem por este 
país calorosos e glamorosos debates sobre os destinos maiores da educação. Enquanto 
escrevemos, trava-se uma luta eleitoral, na qual a educação no país ocupa lugar central, e nada 
mais se diz além de aumentar os salários dos professores. Aliás, o mesmo que se disse em todas 
as campanhas eleitorais desde a Proclamação da República. 
Qualquer debate, por mais profícuo, por mais ilustrado que seja, ou leva em conta as 
condições de trabalho na escola, as contradições dos trabalhadores que o realizam, ou estará 
fadado a engordar as estantes de nossas bibliotecas apenas. 
Quem faz a educação, qualquer educação, é o educador. Educadores trabalham nas 
escolas, os problemas de trabalho dos educadores são conhecidos? As contradições existentes 
nas escolas estão equacionadas? 
Os estudiosos do trabalho, os responsáveis por maximizar seus resultados desde a 
invenção da administração científica por Taylor, avançaram muito em superar seus desafios: o que 
é necessário para que um trabalhador faça sua obrigação com competência, com prazer, com 
dedicação. Existe hoje uma parafernália técnica admirável para se compreender e enfrentar os 
desafios sobre o trabalho. No entanto, nada disto se leva em conta quando se pensa em 
educação. Comprometimento no trabalho, satisfação dos trabalhadores, relacionamento com a 
hierarquia, atitudes perante o trabalho, carga mental no trabalho, temas que são triviais em 
qualquer organização de trabalho sequer são aventados quando se discute a crise da educação 
brasileira. 
Não foi por acaso que a iniciativa de discussão destes temas tenha partido de uma 
confederação sindical. Os trabalhadores reunidos em seus organismos de classe sabem muito 
bem das dores e prazeres da labuta cotidiana, sabem das condições em que exercem e nas quais 
deveriam exercer suas atividades, são educadores, são trabalhadores em educação, querem 
discutir o seu trabalho. 
As empresas automobilísticas, para dar apenas um exemplo, já sofreram dezenas de 
reformulações visando melhorias nas condições de trabalho e na saúde mental de seus 
trabalhadores, algumas mais avançadas, como a Toyota e a Volvo, chegaram a contribuir inclusive 
com modelos novos de gestão e divisão do trabalho para as outras esferas de produção e para o 
avanço teórico no estudo do trabalho humano. Enquanto isto, o professor entra na sala de aula e 
lhe falta giz, carece por vezes de um armário para guardar suas tralhas. Com a diferença que um 
trabalhador de uma indústria automobilística muitas vezes, ainda hoje, é contratado para apertar o 
mesmo parafuso centenas de vezes ao dia, enquanto um professor é contratado para inventar o 
futuro de pessoas, para construir o futuro do país, para empolgar, desenvolver corações e mentes. 
Qualquer reforma que se tentar na educação que não leve em conta as condições objetivas e 
subjetivas de trabalho dos educadores não pode ser levada a sério. 
 90
 
A pior organização 
Diariamente, milhares de trabalhadores saem à procura de emprego e centenas de novas 
vagas são colocadas à disposição no mercado por empresas públicas e privadas. Cada uma das 
partes está à procura da melhor transação, candidatos almejando um emprego e empregador, 
representando uma empresa, avaliam o valor um do outro, pesam os prós e os contras à luz das 
condições do mercado e fecham ou não um contrato de trabalho. As relações que se estabelecem 
são comerciais, daí a expressão “mercado de trabalho”, onde se realiza a compra e a venda da 
força de trabalho. O valor que esta mercadoria assume está sujeito a variações em função da 
oferta e da procura, de fatores conjunturais de economia e política nacional e mundial e de tantas 
outras condições que não seria razoável e nem possível declinar aqui. O fato é que nesta 
transação cada uma das partes busca o melhor e tem critérios próprios de avaliação. 
O trabalhador procura uma empresa que lhe ofereça boas condições de trabalho, salários 
adequados,segurança, estabilidade, possibilidade de crescimento profissional, progressão na 
carreira, recompensa apropriada para seu esforço e reconhecimento social, para listar apenas 
algumas. Nem sempre, em função das condições do mercado e do valor que este trabalhador 
conseguiu agregar à sua força de trabalho, o mesmo pode alcançar tudo que almeja, mas pode, ao 
menos, evitar as piores condições. 
Pensando dessa forma, vejamos o que seria a pior organização para um trabalhador 
escolher para se empregar: aquela que oferece salários muito baixos, remunerando mal a sua 
força de trabalho; que não oferece plano de carreira, que não tem esquema de avaliação que 
recompense o trabalhador proporcionalmente ao seu esforço; que ofereça infra-estrutura precária 
para a realização do trabalho e pouco conforto para o trabalhador; que tenha relações 
burocratizadas, de modo que caminhos intermediários dificultem a realização do trabalho e a 
obtenção de recursos de forma rápida e eficiente; cujo trabalho implique em alto nível de 
responsabilidade sem nenhum privilégio em retribuição; cujo trabalho seja exigente, desgastante e 
sem reconhecimento social associado. 
Infelizmente, encontramos a maior parte destas condições na rede estadual de ensino. 
Os salários são reconhecidamente baixos. Mais de 40% dos professores ganham menos 
de 500 reais por 40 horas semanais de trabalho e pouco mais de 10% ganham 1000 reais ou mais. 
Mesmo entre os professores responsáveis pelo 2o grau, cuja exigência de escolaridade formal é de 
nível superior completo, mais de 30% ganham menos de 500 reais mensais pelas 40 horas 
semanais. Apenas 14% dos que têm nível superior têm remuneração a partir de 1000 reais. Em 
alguns estados, mais de 70% ganham menos de 500 reais por 40 horas semanais. Mesmo entre 
os professores responsáveis pelo ensino de 2o grau, encontram-se nesta faixa, mais de 60% do 
total. O mesmo ocorre entre os professores com nível superior completo, independente do nível de 
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ensino em que trabalham (dados mais completos sobre remuneração na parte IV deste livro). A 
partir de uma comparação com trabalhadores brasileiros em ocupações menos qualificadas, 
alguém poderia argumentar que estes salários não estão baixos para os padrões nacionais, mas 
não é uma comparação razoável, apesar da desvalorização que o trabalho do professor sofre, já 
que as exigências de formação para o professor são claramente definidas inclusive do ponto de 
vista legal. Portanto, em termos salariais, as condições oferecidas ao professor não são 
compensadoras e estão em desacordo com o nível de exigência da função. 
Mas não é só de salário que vive o trabalho e o trabalhador. Este último inclui entre os 
quesitos desejáveis para uma empresa as possibilidades de progressão na carreira, o que significa 
o reconhecimento social e financeiro do esforço deste trabalhador na busca de crescimento 
profissional. Galgar níveis na carreira representa uma forma importante de concretização do 
reconhecimento da competência e do desempenho do trabalhador. Um bom plano de carreira é tão 
desejável para o trabalhador a ponto de, algumas vezes, o mesmo aceitar um emprego com um 
salário inicial baixo, mas em uma organização que tenha um bom plano de carreira, pela 
expectativa de um futuro profissional promissor. 
O raciocínio feito pelo profissional é econômico estrito senso; ‘se eu me dedicar muito, 
fazendo um bom trabalho, estudando, aprendendo, ampliando minhas habilidades e meus 
conhecimentos, posso obter com o tempo uma colocação muito boa em retribuição ao meu 
esforço’. O fato é que as pessoas querem ser reconhecidas, querem ver seu esforço valorizado. A 
retribuição para o trabalho realizado tem uma dimensão subjetiva expressa através de 
reconhecimento, status, e uma dimensão objetiva expressa através de dinheiro, currículo, ambas 
fundamentais para o trabalhador. Inclusive, do ponto de vista emocional, tocando na auto-estima, 
no sentimento de realização profissional e na satisfação do trabalhador. 
E quais são as possibilidades de progressão na carreira de um professor da rede estadual 
de ensino? Quantos degraus ele pode galgar, para onde pode crescer dentro da instituição pela 
experiência adquirida no exercício da função, pelo bom trabalho realizado, a partir da 
demonstração de empenho e competência, através da busca de aprimoramento e reciclagem de 
conhecimentos? Os professores ingressam por concurso público e o cargo inicialmente ocupado 
vai ser o mesmo por toda a carreira, com poucas exceções que passam a ocupar cargos de 
direção ou coordenação de área ou ainda alguns poucos cargos de chefia. A variação salarial 
prevista através de benefícios por tempo de serviço (os anuênios e similares) independem do 
trabalho e do trabalhador, trata-se de uma relação apenas com o tempo na organização, o que 
significa que funcionários excelentes, medianos ou muito ruins têm exatamente o mesmo 
tratamento legal e são igualmente remunerados. Portanto, não há um reconhecimento associado 
ao desempenho, à competência ou ao esforço individual. 
 92
O profissional que ingressa nesta carreira não tem muitos degraus à sua frente dentro da 
instituição, o que exclui mais uma forma de motivação importante para iniciar num emprego com 
estas condições e, principalmente, para permanecer nele ao longo dos anos. Em termos de 
carreira, o emprego do professor na rede estadual também não oferece condições desejáveis ou 
compensadoras para o trabalhador. 
Tão importantes como salário e carreira são as condições de trabalho. O desgaste a que 
trabalho e trabalhador se submetem perante a falta de condições para a realização do trabalho 
pesam na balança e, nos dias de hoje, tendem a pesar cada vez mais. Vejamos como se 
encontram estas condições nas escolas da rede estadual de ensino. 
As condições de trabalho destes profissionais são muitas vezes bastante precárias. 
Viajando por este país afora, ao passar por estradinhas de terra que ligam nada a lugar nenhum, 
não raro nos deparamos com uma pequena habitação onde sobre a porta maior podemos ler 
“Escola Profª. Fulana de Tal”. Não precisamos abrir a porta para sabermos que ali desenrola-se a 
mais nobre das profissões sob as mais severas condições de trabalho. Para enfrentar um sol 
escaldante, pequenas janelas; para escrever, pedaços mínimos de giz e quadros que já foram 
negros, além de carteiras que se movimentam desengonçadamente. 
As condições de infra-estrutura em alguns lugares estão muito comprometidas, chegando a 
faltar material básico como giz, apagador, carteiras e cadeiras. Em alguns estados, 57,5% das 
escolas estão com suas carteiras e cadeiras em péssimas condições de uso e, em 47,5%, os 
quadros negros estão desgastados pelo efeito do tempo. Mesmo quando as condições não 
chegam a níveis preocupantes, o que se encontra na maioria das vezes são apenas as condições 
básicas para funcionamento, dizendo de outro modo, uma estrutura mínima para a realização do 
objetivo principal da instituição: o processo educacional. Raras são as vezes em que o educador 
tem ao seu alcance, oferecidos pela instituição, materiais e recursos que vão além desse mínimo, 
para que possam enriquecer suas aulas, tornando seu trabalho mais interessante, mais eficiente e 
eficaz. Mais que isso, incentivo e estímulo à essa forma de trabalho, à utilização deste tipo de 
recurso, muitas vezes não fazem parte da cultura organizacional, não havendo, portanto, um 
ambiente propício e receptivo para iniciativas dos profissionais nesta direção e, muitas vezes, 
havendo dificuldade inclusive para incorporar propostas de programas que chegam às escolas a 
partir de iniciativas governamentais. (vide Parte III, capítulo sobre infra-estrutura nas escolas, neste 
livro). 
Mas será suficiente buscarmos sustentação somente nestes itens para afirmarmos que as 
condições de trabalho dos professores são geralmente precárias? Certamenteque não. 
Infelizmente, o aprofundamento da análise piora nossas conclusões. Espera-se mais do ambiente 
de trabalho. O conforto, por exemplo, é algo buscado por todos os trabalhadores e a possibilidade 
 93
de menor produtividade devido a condições desfavoráveis do trabalho não pode ser considerada 
uma conseqüência inesperada. 
Apesar da importância das condições de trabalho para a qualidade do serviço e para o 
bem estar do trabalhador, em mais de 62% dos estados ocorrem problemas de acesso às escolas 
e em 70% o problema da agressão aflige a professores, funcionários e alunos. Na maioria dos 
estados a falta de higiene externa, isto é, fora das salas de aula, incomoda a todos e nem estamos 
falando das más condições de uso das instalações sanitárias de alunos e professores, o que 
ocorre em muitas instituições. 
Não se pode negar que alguns projetos são desenvolvidos por parte do governo no sentido 
de melhorar as condições de ensino (mais freqüente) e as condições de trabalho (menos 
freqüente). Na maioria das escolas de todos os estados, existe, por exemplo, sistema de antena 
parabólica e aparelhos de televisão e vídeo cassete para uso dos professores e repasse aos 
alunos. Muito bem, seria muito bom se providências deste tipo fossem suficientes, mas não são. 
Além disso, ainda pesam as características de cultura que precisariam ser trabalhadas para a 
implementação destes programas e seu melhor aproveitamento. Mais ainda, recursos que 
melhoram a qualidade das aulas e permitem enriquecer o trabalho do professor faltam em muitos 
locais. Biblioteca, computadores, oficinas de trabalhos especiais não existem em muitas escolas de 
diversos estados. Vamos tomar apenas alguns itens como exemplo: enquanto em alguns estados 
90,3% das escolas possuem bibliotecas, em outros somente 38,6% as têm; a presença de oficinas 
de trabalhos especiais nas escolas apresenta uma variação de 3,7% a 33,3%; entre os estados da 
Federação a presença de copiadoras varia de 5,9% a 93,1%. É importante destacar que a falta de 
materiais básicos é diferenciada nas regiões geográficas do país, variando de 2,0% a 10,8% de 
escolas que enfrentam problemas com a falta ou más condições desses recursos. Pode parecer 
pouco, mas em se tratando de materiais básicos o esperado seria que não faltassem em nenhuma 
escola. Visto dessa forma não podemos considerar que estamos diante das melhores condições. 
Ainda uma outra característica que merece ser considerada pelo olhar do trabalhador diz 
respeito às condições administrativas ou aos trâmites burocráticos necessários para o desenrolar 
das atividades diárias da instituição. 
Pode não parecer e, de fato, dificilmente atentamos para isso, mas já refletimos um pouco 
sobre o fato da escola representar uma estrutura de alta complexidade, semelhante a uma 
empresa qualquer. Nela estão presentes todos os problemas relativos a recursos humanos, 
financeiros e materiais tão comuns no dia-a-dia dos empresários (que por sinal são extremamente 
bem remunerados para exercerem estas funções). Vamos pensar um pouco sobre o 
funcionamento administrativo destas organizações. 
Obedecendo à lógica do modelo organizacional, que, no serviço público, é a vertical e de 
hierarquia em linha, nas escolas o poder de tomar decisões é muito fragmentado. Um diretor para 
 94
modificar a grade curricular da escola, se tentasse, não poderia simplesmente reunir os 
professores e os pais da comunidade atendida pela sua escola e, com base nas reivindicações 
tanto de caráter sócio-econômicas quanto culturais, fazer as suas modificações, pois o currículo é 
único e determinado pelo MEC e vale para todo o país. De fato, não poderia ser diferente, uma vez 
que o objetivo final, o ponto de chegada é o mesmo para todos. Espera-se que, ao final do 
processo, os estudantes estejam em condições de se inserirem no mercado e concorrer a 
empregos em qualquer parte do país, prestar vestibular para as universidades de sua escolha, 
exercer integralmente seus direitos de cidadão onde queiram, enfim, que todos tenham acesso e 
consigam usufruir de um ensino de qualidade que seja efetivo para as suas necessidades em 
qualquer local do país. No entanto, os caminhos para se atingir estas metas variam. Ora, país 
gigantesco como o nosso guarda diferenças regionais que devem ser respeitadas para que esse 
caminho possa ser percorrido, mas que muitas vezes são esquecidas e pouco espaço efetivo resta 
para que, regionalmente, os devidos cuidados sejam tomados em função da própria distribuição 
dos recursos e da distância entre a fonte dos mesmos e o usuário. 
O Estado ou a Federação obrigatoriamente devem reservar parte de suas receitas e 
destiná-las ao sistema educacional. Em outras palavras, existe um processo financeiro que 
determina quanto é o custo operacional–dia por aluno. Seria razoável que este valor fosse 
integralmente repassado às escolas e seu gerenciamento feito diretamente pelos beneficiários, não 
seria? Mas isto ainda não acontece. Ainda hoje, apesar dos esforços do governo, na verdade 
quem gerencia estes recursos são os secretários de educação ou os prefeitos das cidades. Para 
não tornarmos cansativo o debate, citaremos somente a escolha do livro didático e a merenda 
escolar para ilustrar o efeito dessa dinâmica administrativa no trabalho diário dos profissionais em 
educação. Quanto ao livro escolar, sua publicação é nacional e, de um modo geral, 
consubstanciado na cultura regional do sul e sudeste do país. Fotos e exemplos ilustram os textos 
destinados a alunos que nunca tiveram contato com aquela realidade, mesmo tendo a televisão 
diminuído esta distância cultural. Sinal de trânsito nos livros é semáforo, enquanto para algumas 
outras localidades chama-se de sinaleiras; assim como para um mesmo típico passatempo infantil 
temos as denominações, conforme a região, de pandorga, pipa e papagaio. Cabe aos professores 
buscar formas de ensinar a seus alunos conceitos que não fazem parte ou, pelo menos, são 
conhecidos por outra terminologia pelos alunos da sua sala de aula. 
A merenda escolar é um outro bom exemplo. Os alimentos ainda são recebidos em 
gêneros por muitas localidades. Esta situação, além de provocar perda de alimentos pela 
dificuldade de armazenamento ou pela não aceitação do alimento oferecido, pode gerar 
dificuldades na organização do trabalho e provocar situações que chegam a ser, no mínimo, 
curiosas. Uma destas ocorreu nos idos de 1982/3, quando foi enviada para cidades do nordeste 
uma carga de merenda escolar contendo leite de soja e sardinhas em lata, sendo o mesmo 
conteúdo encaminhado para Fernando de Noronha. Ora, trata-se de um arquipélago cujo peixe 
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consumido era pescado e sem hábito de consumo de leite de soja, portanto estes alimentos vindos 
do continente não faziam o menor sentido ali naquele local. Tratam-se de dificuldades geradas 
pela impossibilidade de flexibilização do processo de trabalho, pelo não gerenciamento dos 
próprios recursos financeiros, pela impossibilidade de escolher os instrumentos mais adequados 
para o exercício da função, respeitando as especificidades das condições locais. Trata-se da 
dificuldade em influenciar no gerenciamento e distribuição de recurso, mesmo que seja para o bem 
estar dos integrantes da instituição; condições muito frustrantes para os profissionais. 
Este afastamento do processo decisório apenas gera dificuldades para o bom 
desenvolvimento do trabalho nas escolas, não diminuindo em nada as responsabilidades 
presentes no trabalho do educador. Independente das condições sob as quais trabalham, o grau 
de responsabilidade para os trabalhadores em educação permanece o mesmo. Por terem como 
tarefa a preparação do futuro do outro, sendo (principalmente) os professores os depositários da 
confiança de crianças, adolescentes e adultos, na esperança que este futuro seja melhor, seus 
respectivos trabalhos, independente das condiçõesem que são realizados, guardam o peso desta 
importância. Quem nunca ouviu numa reportagem de TV uma criança ou um adolescente dizendo 
que “gostaria de estudar para ser alguém na vida”? São os desejos, os sonhos, os projetos de vida 
dos outros que, de certo modo, estão nas mãos do educador. Qual o peso disso nos ombros do 
professor? Qual a importância, que responsabilidade está em questão? Difícil estimar, difícil 
descrever. 
Por outro lado, qual o reconhecimento social do papel dos professores do ensino público? 
Atribui-se importância indiscutível à educação, “a escola é uma extensão da família”, os 
professores assumem não raras vezes o papel de conselheiros, amigos e confessores, mas nada 
disso se transforma em recompensas concretas: prêmios por produtividade, abonos salariais; estes 
são mecanismos ainda fora dos programas de remuneração do Serviço Público. Quando muito 
uma plaquinha dos colegas no dia em que se aposenta. Trabalho desgastante e muito exigente, 
com parcos recursos tanto materiais quanto financeiros, implicando na necessidade, em algumas 
localidades, de recorrer à comunidade em busca de suprimentos para o funcionamento das 
escolas. Professores e demais trabalhadores em educação têm que se desdobrar para dar ao 
aluno condições de aprendizagem e desenvolvimento. 
Diferente de muitas profissões, o trabalho de educador reveste-se de peculiaridades que 
não são levadas em conta, não apenas pela necessidade do estudo continuado, mas também 
pelas exigências da própria realização das tarefas. O trabalho do professor continua além da sala 
de aula. Provas devem ser corrigidas, figuras devem ser recortadas para ilustrar os novos 
conteúdos, exercícios de fixação devem ser “inventados”. Enfim, as tarefas continuam e nem por 
isto há uma compensação financeira ou mesmo o reconhecimento social merecido. Se faz bem 
feito, nada mais que obrigação cumprida; se não, recebe críticas de todos os lados. 
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O trabalho de professor é revestido de características tão peculiares que ele não pode se 
dar ao luxo de sofrer, de ficar cansado. Um bom professor deve estar sempre disponível para 
atender aos seus alunos e aos pais deles. Não pode se dar ao luxo de ficar triste, pois sua tristeza 
certamente prejudicará o desempenho dos alunos, já que para eles o professor é um baluarte, uma 
fortaleza. O sorriso tem que estar sempre presente, mesmo que coração e mente sofram. Se o 
professor não for criativo, não for capaz de criar estimulações constantes para captar a atenção de 
seu aluno, tal como o publicitário faz com o consumidor, a monotonia tomará conta de seu trabalho 
e a atenção do aluno se dispersará. O professor tem que estar em processo de reciclagem 
diuturnamente, para, quando questionado (e os questionamentos surgem nas formas e momentos 
mais inesperados possíveis), ter respostas corretas, atuais. Deve ter conhecimentos e habilidades 
suficientes; procurar formas diferentes de dizer a mesma coisa; formas de prender a atenção do 
ouvinte, de tornar interessante coisas que a princípio nem sempre seriam; precisa empregar 
esforço para aproximar do dia-a-dia do aluno aquilo que vem nos livros a partir de outra 
diversidade, deve saber e se empenhar em lidar com realidades muito diferentes, interesses muito 
distintos; enfim, cabe ao professor motivar os alunos, construir a cena, independente das 
condições do palco. 
Ser professor hoje em dia deixou de ser compensador, pois além dos salários nada 
atrativos, perdeu também o "status" social que acompanhava a função poucas décadas passadas. 
Os colégios Estaduais de Educação já não são mais os mesmos “colégios Estaduais de 
Educação”. Atribui-se importância indiscutível à educação, mas o reconhecimento não atinge os 
profissionais responsáveis por este trabalho. 
Salários baixos; condições precárias; falta de flexibilidade na administração de recursos; 
pouca perspectiva de progressão na carreira; trabalho importante, exigente e sem reconhecimento 
no mesmo nível. Visto desta forma, em termos organizacionais, tudo o que a escola fornece ao 
trabalhador a coloca como uma das piores organizações para se trabalhar. 
Melhor enfatizar, coloque-se na posição de alguém com pelo menos 12 anos de 
escolaridade, muitas vezes com 16 anos (superior completo) em busca de trabalho e nós te 
oferecemos um emprego com as seguintes características: 
Salário pela metade do que paga o mercado. 
Carreira sem grandes possibilidades de ascensão. 
Falta de condições básicas para o exercício da profissão. 
Reconhecimento social baixo combinado com alta responsabilidade. 
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Burocratização excessiva. 
Quem seria o candidato a aceitar tal trabalho? Quem se habilita a dedicar seus melhores 
anos a trabalhar em uma das piores organizações disponíveis no mercado? Quem quer trabalhar 
muito e ganhar pouco? 
Milhões de jovens fizeram esta escolha pelo Brasil afora, milhares de jovens farão esta 
escolha amanhã. Professores. 
 
O melhor trabalhador 
 
O empregador por sua vez, na busca pelo melhor trabalhador, também tem seus critérios e 
sai à sua procura. Como seria o melhor trabalhador, quais características seriam desejáveis em 
seu perfil? 
Tudo o que qualquer organização precisa é de um trabalhador satisfeito com o seu 
trabalho e comprometido com a sua empresa. Vários empresários acreditam, e recebem reforço 
pelos profissionais voltados à área de recursos humanos, que somente através das atitudes 
decorrentes destes sentimentos atinge-se o diferencial entre empresas concorrentes, ou seja, 
aquilo que chamamos de qualidade. 
De fato, a satisfação no trabalho já foi considerada como a grande chave para se atingir a 
produtividade nas empresas e instituições de trabalho; muitos e muitos estudos perfilados 
buscando medir e conquistar o trabalhador satisfeito com o seu trabalho, mais e mais aspectos 
e/ou dimensões de trabalho analisadas. Acreditava-se ter atingido a fórmula para garantir a 
eficiência, a lucratividade a custos compensadores, buscava-se o trabalhador mais satisfeito. 
Nestes tempos, os trabalhadores organizados e/ou intelectuais que assumiam sua defesa 
denunciavam com a mesma ênfase o caráter alienado e alienante destas pesquisas e políticas 
dentro das empresas; tratava-se (dizia-se) de uma forma cor-de-rosa de escravizar o trabalhador. 
Outra vez, a polarização conhecida de todos nós: se é bom para os patrões, não pode ser bom 
para os empregados. 
Ironicamente, o avanço das pesquisas em Psicologia do Trabalho mostrou que as coisas 
não eram tão simples assim. Os vínculos entre satisfação e produtividade foram se mostrando 
frágeis ou simplesmente inexistentes; chegou-se a pensar que o conceito de satisfação pouco 
serviria para o estudo do trabalho e as sínteses desenhadas a partir de todo este acúmulo de 
pesquisas geraram uma conclusão que poderia ser formulada da seguinte maneira: não há 
associação direta entre satisfação e produtividade, mas há relações fortes entre satisfação e bem-
estar, saúde física e psíquica do trabalhador. Assim, as possíveis relações entre eficiência e 
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satisfação percorrem o seguinte percurso: satisfação no trabalho, maior bem-estar e trabalhador 
mais saudável , maior produtividade. 
O que era visto como uma forma de super-exploração do trabalho transformou-se, 
portanto, em um ‘direito’ do trabalhador, responsável inclusive por sua saúde mental. As pessoas 
têm direito de viverem satisfeitas; se trabalham, têm direito à satisfação no trabalho. Enquanto 
administradores e psicólogos se interessam menos pelo tema, os trabalhadores se interessam 
cada vez mais. Em outras palavras, a questão da satisfação no trabalho migrou do plano técnico 
para o plano ético; passou a fazer parte da busca maior, que acompanha a vida de todos nós, a 
busca do bem-estar e o combate ao sofrimento. 
Na nossa pesquisa a satisfação foi medida através das seguintes questões: 
 
1. Eu me arrependo de ter escolhido estaprofissão. 
2. Quaisquer que sejam os problemas do meu trabalho, estou satisfeito com a minha escolha. 
3. Se eu pudesse, mudaria de emprego. 
4. Em geral, estou satisfeito com o meu emprego atual. 
5. Muitas vezes, quando estou trabalhando, sinto que estou perdendo tempo. 
 
Figura 1, Cap. 4 - Escala de satisfação 
Os resultados em nossa pesquisa mostraram que 86% dos professores da rede pública de 
ensino de 1o e 2o graus mostram-se satisfeitos com seu trabalho apesar das dificuldades que 
enfrentam. 
Satisfação no Trabalho 
Série em que leciona Satisfeitos Insatisfeitos Total 
Pré e 1ª à 4ª 91,0% 9,0% 100% 
5ª à 8ª 84,8% 15,2% 100% 
2º grau 84,5% 15,5% 100% 
Vários níveis 84,8% 15,2% 100% 
Total 86,8% 13,2% 100% 
Figura 2, Cap. 4 - Problemas de satisfação no trabalho entre os 
professores por série em que lecionam 
Com relação ao comprometimento com as organizações, vários significados estão 
associados ao seu uso quando se trata da linguagem cotidiana, e nem sempre, no meio 
organizacional, gestores, técnicos e empregados estão se referindo à mesma idéia. Assim, para 
não incidirmos no mesmo risco, faremos alguns esclarecimentos conceituais. 
Na língua inglesa comprometimento (to commit) tem quatro grandes significados (OXFORD 
Dictionary; WEBSTER’S Dictionary): a) a noção de confiar a, colocar sob custódia; b) encarregar, 
comissionar, designar; c) fazer algo errado, cometer uma ofensa e d) envolver, engajar. 
Já na língua portuguesa, há dois eixos principais de significados (Dicionário Caldas Aulete, 
1980; Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 1986): a) a idéia de ocorrência de ações que 
 99
impedem ou dificultam a consecução de um determinado objetivo, causando enviesamento, 
dificuldade e b) a idéia de engajamento, colocar-se junto, agregamento, envolvimento, causando 
produtos ou estados desejáveis. 
Porém, na esfera científica, o termo comprometimento se diferencia quanto ao seu 
significado do uso cotidiano. O comprometimento pode ser compreendido como uma adesão, um 
forte envolvimento do indivíduo com variados aspectos do ambiente de trabalho (Bastos, 1994). As 
definições dadas por diversos estudiosos do assunto apontam algumas dimensões comuns a todas 
elas: o desejo de permanecer na organização e de exercer as suas atividades, a identificação com 
os objetivos e valores organizacionais e o engajamento e empenho em favor da organização. 
Contudo, o conceito de comprometimento organizacional, mesmo na esfera científica, 
ainda traz ambigüidades, estando sujeito a existência de fenômenos tais como crenças, valores, 
intenções comportamentais, sentimentos (Osigweh,1989 apud Bastos,1994). 
Estudiosos da área têm referido que a literatura trata essa ambigüidade como vertentes de 
estudo: a afetiva ou atitudinal, na qual a expressão é verbal, e se fala de sentimentos, crenças, 
valores, desejos; e a comportamental, passível de observação através de comportamentos 
(Mowday et al.,1982 apud Bastos, 1994). 
Outros autores, dentro de um enfoque geral de apego ao trabalho, referem dois aspectos a 
serem considerados. O primeiro diz respeito às características dos ambientes de trabalho, as quais 
os autores dividem em três grandes categorias: sistemas de ambiente de trabalho; objetos do local 
de trabalho e condições humanas; e as recompensas/pagamentos por trabalhar. O segundo, 
refere-se à reação do indivíduo com relação ao seu trabalho, podendo haver reações: intelectuais, 
de avaliação e julgamento; emocionais, com respostas afetivas; e aquelas estritamente 
comportamentais, com respostas musculares a estímulos ambientais. Isso significa que não há 
uma única fonte de apego na relação trabalhador e trabalho e que múltiplos apegos podem 
aumentar a força do vínculo entre eles (Dubin, Hedley e Taveggia,1976 apud Bastos,1994). 
Enfim, embora ainda existam outras abordagens, os estudos mais recentes sobre o 
Comprometimento Organizacional indicam a prevalência de duas abordagens: o enfoque afetivo 
(ou atitudinal) e o enfoque instrumental. 
Essa abordagem afetiva constitui um campo novo de estudos na área do Comportamento 
Organizacional. Sua consolidação deu-se a partir do clássico trabalho de Mowday, Porter e Steers 
(1982). Nesta vertente, o comprometimento é entendido como um estado no qual o indivíduo se 
identifica com a organização e seus objetivos e deseja manter-se como membro, de modo a 
facilitar a consecução desses objetivos (Bastos 1994). Os autores utilizam três dimensões para a 
definição desse construto: 
 
 100
 a) os sentimentos de lealdade; 
 b) o desejo de permanecer e 
 c) a intenção de se esforçar em prol da organização. 
O enfoque instrumental (iniciada por Becker, conforme citado em Bastos, 1994), é 
considerada a segunda grande vertente. Filia-se ao enfoque sociológico, concebendo o 
comprometimento como um mecanismo psicossocial de trocas (side-bets) entre o indivíduo e a 
organização, baseado no processo individual de ajustamento a posições sociais. Nesta vertente, o 
comprometimento é visto como uma função das recompensas e custos associados com a condição 
de integrante da organização; sendo definido como uma tendência a se manter engajado na 
organização devido aos custos associados à sua saída. Assim, essa linha consistente de ação 
seria a permanência na organização e os side-bets seriam os vários investimentos do trabalhador 
que tornam custosa a saída da mesma. Essa linha de pesquisa destaca a idéia de que o vínculo 
pode se fortalecer se a organização atender às expectativas do trabalhador. 
Torna-se fácil distinguir os dois enfoques, afetivo e instrumental, através da afirmação de 
Meyer, Allen e Gellatly, três pesquisadores norte-americanos envolvidos nos estudos de 
comprometimento (1990 apud Bastos 1994): “Empregados com forte comprometimento afetivo 
permanecem na organização porque eles desejam, enquanto aqueles com forte comprometimento 
instrumental permanecem porque eles necessitam” (p.710). 
Na nossa pesquisa, o aspecto abordado pelo protocolo foi o comprometimento afetivo, 
através das seguintes questões: 
1. Eu realmente me interesso pelo destino desta organização. 
2. Eu me sinto orgulhoso de dizer às outras pessoas que sou parte da organização 
em que trabalho. 
3. Estou contente por ter escolhido esta organização para trabalhar, comparando 
com outras organizações que considerei na época da contratação. 
 
Figura 3, Cap. 4 - Escala de comprometimento 
Os resultados nos mostraram que mais de 90% dos professores estão comprometidos com 
a organização em que trabalham, identificam-se com os objetivos da mesma, defendem a escola 
de críticas externas e não estão arrependidos por fazerem parte dela. 
 
Comprometimento 
 Comprometidos 
 
não comprometidos Total 
 101
pré e 1ª à 4ª 92,6% 7,3% 100% 
5ª à 8ª 92,4% 7,5% 100% 
2º grau 91,4% 8,5% 100% 
Vários níveis 92,4% 7,5% 100% 
Total 92,3% 7,6% 100% 
Figura 4, Cap. 4 - Problemas de comprometimento entre 
professores por séries em que lecionam. 
Apesar do enfoque da pesquisa ter sido afetivo, no momento em que realizamos as 
entrevistas individuais pudemos conferir alguns exemplos de comprometimento comportamental, 
ou seja, ações que reforçam e revelam o comprometimento afetivo. Para enfocar esta posição 
assumida pelos professores frente à sua organização de trabalho, bem como todo o empenho no 
atendimento aos clientes e o envolvimento com a atividade, nada melhor que a fala de alguns 
deles: 
 “É impossível prestar uma assistência individualizada aos alunos e isso é ‘angustiante’, é difícil 
conciliar os diversos papéis que às vezes a gente tem que desempenhar: professora e mãe (que 
dá suporte ao ensino); a falta de tempo é um problema. Às vezes tenho que usar os horários de 
coordenação para poder auxiliar os alunos mais necessitados. Mas é interessante, porque esses 
alunos costumam oferecer retorno. Tem um menino que apresentava dificuldades persistentes na 
aprendizagem,mas após algumas horas de reforço, tem conseguido acompanhar a turma de 
maneira eficiente. Coisas desse tipo são muito gratificantes e são fontes de prazer.” 
É o envolvimento afetivo que leva esta profissional a encontrar alternativas frente à falta de 
tempo para que o aluno possa ter a assistência mais individualizada que necessita para melhorar 
seu desempenho. Ora, diante de um limite institucional como o tempo, um profissional poderia 
simplesmente atribuir à instituição as más condições que têm efeito negativo para os alunos e 
“lavar suas mãos”. Mas não, a educação deste aluno é assumida como objetivo pessoal tal qual a 
educação dos filhos, haja visto as referências feitas ao papel de mãe. Esta professora encontrando 
um tempo no seu dia para realizar aulas de reforço. Claro que este nível de envolvimento também 
pode resultar em efeitos negativos, como conflitos de papéis, investimento afetivo acima do 
esperado de forma a tornar-se inadequado para o desempenho da função, falta de retorno 
equivalente ao esforço empreendido. Porém, neste caso, a professora em questão considera 
gratificante o retorno que tem dos alunos e se mostra bastante satisfeita. 
Um outro professor que trabalha com adultos refere: 
 “Gosto da atividade que realizo e não me vejo fazendo outra coisa. Quero fazer cursos 
de aperfeiçoamento no ensino especial de adultos, pois a formação que recebi foi para trabalhar 
com crianças”. 
Além da satisfação obtida com a atividade de trabalho, observamos a vontade deste 
profissional continuar a formação como forma de adquirir mais recursos para melhorar seu 
desempenho e atender mais adequadamente seus alunos. O professor tem claro que é ele mesmo 
 102
o principal instrumento do seu trabalho e que do seu desenvolvimento depende o resultado do 
mesmo, de forma que busca qualidade. 
A fala de outro profissional, com 10 anos de profissão, ilustra a relação de troca entre 
professor e aluno, fonte de satisfação e reforço do comprometimento desse profissional com seu 
trabalho, além de expressar a valorização do seu produto: 
“Gosto de ensinar, principalmente quando sinto interesse. Quando é assim, não me 
importo nem mesmo de passar do horário. Fico satisfeito quando dou uma boa aula, quando tenho 
um bate-papo legal com os alunos, pois sinto que há retorno. Acho que na tarefa de ensinar deve-
se ter ideal, procurar dar aulas motivadoras. Não gosto de aulas sem a participação dos alunos. 
Quando pergunto alguma coisa, gosto que todos respondam. Não quero aula parada. O salário 
não é alto, mas dá para fazer minhas coisas, suprir minhas necessidades. Entretanto, o ganho é 
muito suado, o trabalho é muito. No final do mês fico até com pena de gastar o dinheiro, pois foi 
tão difícil de ganhar”. 
Apesar do salário não muito atraente, a relação do trabalhador com o seu trabalho é tão 
positiva e gratificante que o salário, mesmo sendo fundamental para a sobrevivência do indivíduo, 
acaba ocupando um lugar secundário na sua fala. Não significa que o trabalhador não sinta o 
problema com o salário, mas sim que o prazer que deriva do trabalho ocupa um lugar importante 
afetivamente, a ponto do trabalhador esquecer momentaneamente dos seus problemas concretos 
e mergulhar nos encantos de uma função que o coloca como uma pessoa tão importante para o 
outro. 
Uma outra professora relata: 
 “Gosto de inovar os métodos de ensino. Levo em conta principalmente o sucesso e a 
satisfação dos alunos no ato de aprender.” 
Novamente, vemos que esta profissional se coloca ativamente no papel de criar as 
melhores condições para que o objetivo maior da instituição seja realizado. 
Um outro, ainda, diz desejar que os alunos exercitem sua capacidade de criar, raciocinar e, 
com este objetivo, elabora as questões que usa em sala de aula. Em provas, pede para os alunos 
elaborarem uma questão e a resolverem. Considera suas aulas muito diferentes. Refere sentir 
prazer pelo que faz. 
Retomando as abordagens explicitadas acima, fica claro que não se trata de 
comprometimento instrumental. No capítulo anterior, estávamos refletindo justamente sobre as 
condições organizacionais precárias. Aqui, empenho e dedicação colocados a serviço da arte de 
ensinar é o que vemos nesta fala, bem como na grande maioria das anteriores. A identificação 
destes profissionais está com a representação subjetiva de que propiciar a aprendizagem dos 
alunos é algo sério e construtivo. Esta visão positiva em relação à educação ainda está sendo 
suficiente para evitar que nossos professores caiam na descrença em relação à instituição escola e 
para mantê-los comprometidos com os objetivos da mesma. 
 103
É interessante observar como nesses poucos exemplos, outras características destes 
profissionais começam a aparecer. Parece que empresários e profissionais de recursos humanos, 
de fato, têm razão. Estas falas demonstram que, seja como causa ou conseqüência, junto com os 
sentimentos de satisfação e comprometimento, outras atitudes acompanham a realização do ofício. 
Ora, o que mais deseja uma organização? Ou seja, por que ela prefere funcionários 
satisfeitos e comprometidos? Justamente para que tenham autonomia e controle sobre o trabalho, 
sendo capazes de tomar decisões e assumir responsabilidades na medida certa da necessidade; 
para que reconheçam a importância do seu trabalho e do produto que resulta do seu esforço; que 
seja centrado no seu trabalho, concentrando-se nas suas tarefas e reservando um lugar importante 
para o mesmo entre os outros valores de sua vida; que se relacionem bem, cooperando com os 
colegas, aceitando e reconhecendo a necessidade da ajuda oferecida pelos mesmos. 
São características que se tornam imprescindíveis do ponto de vista do empregador e da 
sociedade. O que seria da educação caso, na falta de um giz, o professor simplesmente se 
negasse a dar aula por não ter as condições necessárias; se, diante de uma dificuldade 
apresentada por alguns alunos, o professor não soubesse criar novas formas de explicar um 
mesmo conteúdo e se não tivesse autonomia para fazer alterações no seu cronograma; se, diante 
de uma turma com alunos de várias faixas etárias, não usasse sua habilidade e seu talento para 
tratar cada caso como um caso; se a toda hora, na busca de melhores condições de trabalho, não 
comparecesse à escola, comprometendo o conteúdo programático daquele ano; se não tivesse a 
iniciativa de trocar informações com seus colegas na busca de integração dos conteúdos? 
O fato é que os professores da rede pública de ensino de 1º e 2º graus se apresentam com 
estas características em níveis que nenhum empregador ousaria se queixar. Vejamos: 
Entre eles, quase 90% percebem ter controle sobre o trabalho, ou seja, realizam com 
autonomia suas atribuições e acreditam que estão nas suas mãos as condições para realizar um 
bom trabalho, sentem-se, portanto, responsáveis pela qualidade do produto que oferecem para a 
sociedade e assumem o mérito e o ônus pelo seu desempenho. Mais de 90% sabem que realizam 
um trabalho importante para a sociedade. O mais espantoso é que isso independe das condições 
de infra-estrutura de que dispõem para realizar suas atividades e, mais ainda, independe do nível 
salarial. Significa dizer que os educadores, apesar de condições muitas vezes desfavoráveis, estão 
satisfeitos, gostam daquilo que fazem, sentem-se realizados com os resultados que produzem, 
conseguem sentir prazer pelo desenvolvimento do seu trabalho. A satisfação que o trabalho 
proporciona, associada ao sentimento de que seu trabalho tem um produto e à realização pessoal 
através do trabalho é que estão mantendo esta atitude de comprometimento do professor com a 
organização da qual faz parte. 
Satisfação no trabalho 
Remuneração Satisfeitos Insatisfeitos Total 
 
 104
Menos de 299 86,8% 13,2% 100% 
de 300 a 499 87,2% 12,7% 100% 
de 500 a 699 85,1% 14,8% 100% 
de 700 a 999 87,1% 12,8% 100% 
mais de 100087,6% 12,3% 100% 
Total 86,7% 13,2% 100% 
Figura 5, Cap. 4 - Problemas de satisfação no trabalho por faixa 
salarial (categorizada para professores) 
 
 
 
 
Satisfação no trabalho 
Satisfeitos Insatisfeitos Total 
escassez de recursos 89,5% 10,4% 100% 
escolas com recursos médios 86,8% 13,1% 100% 
escolas bem equipadas 85,8% 14,1% 100% 
índice de materiais para facilitar 
o trabalho do professor e a 
aprendizagem do aluno 
Total 86,8% 13,1% 100% 
Figura 6, Cap. 4 - Problemas de satisfação no trabalho por 
recursos materiais que facilitam o trabalho do professor e a 
aprendizagem do aluno. 
 
Comprometimento 
Remuneração Comprometidos Não 
comprometidos 
Total 
 
Menos de 299 93,0% 7,0% 100% 
de 300 a 499 92,9% 7,1% 100% 
de 500 a 699 91,7% 8,3% 100% 
de 700 a 999 92,1% 7,9% 100% 
mais de 1000 93,3% 6,7% 100% 
Total 92,5% 7,5% 100% 
Figura 7, Cap. 4 - Problemas de comprometimento por faixa 
salarial (categorizada para professores) 
 
Comprometimento 
comprometidos não comprometidos Total 
escassez de recursos 
 91,9% 8,1% 100% 
escolas com recursos médios 92,4% 7,6% 100% 
escolas bem equipadas 92,2% 7,8% 100% 
índice de materiais 
para facilitar o trabalho 
do professor e a 
aprendizagem do aluno 
Total 92,3% 7,7% 100% 
 105
Figura 8, Cap. 4 - Problemas de comprometimento por recursos 
materiais que facilitam o trabalho do professor e a aprendizagem 
do aluno. 
 
Outros índices encontram-se na mesma faixa. Mais de 90% dos professores, apesar de 
reconhecerem a necessidade da questão financeira, priorizam, em grau de importância, o trabalho 
em si. Os índices se repetem também com relação ao percentual de profissionais que não têm 
problemas importantes de relação social no trabalho, sendo assim capazes de oferecer o melhor 
de si, além de poder cooperar com colegas, apesar das eventuais adversidades. Os resultados da 
nossa pesquisa indicaram que boas relações sociais no ambiente de trabalho estão também 
associadas com comprometimento. Isso significa dizer que estes aspectos andam juntos: na 
presença de um, há uma grande probabilidade de que o outro seja encontrado. 
 
Comprometimento 
 Relações sociais no 
trabalho 
comprometidos não comprometidos 
Total 
sem problemas 94,8% 5,1% 100% pré e 1ª à 4ª Com problemas 60,4% 39,6% 100% 
Total 92,6% 7,3% 100% 
sem problemas 94,9% 5,0% 100% 5ª à 8ª Com problemas 64,6% 35,4% 100% 
Total 92,4% 7,5% 100% 
sem problemas 94,1% 5,8% 100% 2º grau Com problemas 66,3% 33,6% 100% 
Total 91,4% 8,5% 100% 
sem problemas 94,9% 5,0% 100% Vários níveis 
de ensino Com problemas 68,1% 31,8% 100% 
Total 92,4% 7,5% 100% 
Figura 9, Cap. 4 - Presença / ausência de comprometimento entre 
professores por problemas de relacionamento com colegas. 
 
Vejamos, ainda, o que falam outras duas professoras: 
“Costumamos planejar aulas juntas e quando uma professora precisa faltar um dia, 
sempre pode contar com outra para substituí-la junto à turma.” 
“Quando não consigo realizar meus objetivos junto aos alunos, especialmente quando um 
deles abandona a escola, sinto-me péssima. Nestas ocasiões, minhas amigas dão força, levantam 
a moral. Essas atitudes impulsionam o professor a continuar.” 
Estas falas demostram um forte sentimento de equipe com o grupo de companheiros de 
profissão. Na segunda, ainda se destaca o envolvimento pessoal com o ensino a ponto de sentir-
se afetar emocionalmente diante da dificuldade dos alunos e, em seguida, a possibilidade de apoio 
oferecido pelos colegas nos momentos difíceis. 
 106
O fato é que, no que se refere à cooperação e ao relacionamento social no trabalho, a 
atividade docente, formalmente, não exige contato tão freqüente e nem dependência entre 
profissionais diferentes. Contudo, estas professoras, que acima falam, sabem que a integração é 
fundamental para que o ensino não seja fragmentado, para que haja troca entre os profissionais e 
para que diferentes disciplinas sejam vistas como parte de um objetivo maior que é a boa formação 
geral do aluno. Assim, buscam a partir de iniciativa própria, a complementação do seu trabalho 
através da união do esforço de um grupo de colegas e, o mais importante, são capazes de recebê-
las e de valorizá-las. 
É bem verdade que esta integração não é fácil, ela não depende somente dos professores, 
mas em grande parte do modo de funcionamento da organização através das coordenações de 
área, por exemplo. Enfim, essa integração envolve questões técnicas e administrativas que não 
estão completamente nas mãos dos professores. Mas há uma parte que depende exclusivamente 
deles: a disponibilidade para um bom relacionamento com os colegas, para um trabalho 
cooperativo e para aceitar ajuda e crítica. Os dados da pesquisa confirmam que, provavelmente 
entre os professores, não haja maiores problemas de relações sociais no trabalho, de forma que, 
se essa integração entre as disciplinas os níveis de ensino não acontece de fato, cabe rever a 
forma de gestão e as normas administrativas da organização. 
Trabalhador muito especial este do qual estamos falando, que não realiza mecanicamente 
suas atribuições; não se trata da execução protocolar, mas da tentativa de construir o processo 
com o aluno. Tem iniciativa própria, é ousado, cria e assume a responsabilidade de suas 
inovações. Onipotente na medida exata, pois ao mesmo tempo em que sabe o valor que tem 
enquanto educador e da importância do trabalho que realiza, é capaz de buscar e oferecer ajuda. 
Sabe que seu ofício é nobre, grandioso e por isso requer competência de grupo, união. 
É interessante notarmos a capacidade e a clareza com que estes profissionais diferenciam 
o que sentem pela atividade e pelas questões institucionais. Vejamos esta fala: 
“Sinto-me totalmente motivado com os alunos, o que não acontece quando penso na 
coordenação ou no governo. Tenho paixão pela minha profissão. Procuro demonstrar isso através 
da minha dedicação.“ 
Ou seja, os professores não ignoram as adversidades institucionais, não estão alienados à 
ela, mas conseguem usufruir do prazer da atividade independentemente destas questões. 
Sem dúvida, a fala destes profissionais reflete o pensamento e atitudes de outros tantos; 
os dados da pesquisa oferecem suporte nessa direção e é justamente esse conjunto de 
características que compõem: o melhor trabalhador. 
O que vimos até aqui sobre esse trabalho é fantástico. Em todos os quesitos considerados, 
encontramos em torno de 90%, ou seja, praticamente a totalidade dos trabalhadores em condições 
favoráveis. Um índice indiscutivelmente excelente para qualquer organização pública ou privada. 
 107
Significa dizer que diretores, gerentes e administradores podem contar com a grande maioria deste 
corpo de profissionais para qualquer empreendimento, pois por estas características mostram que 
são capazes de assumir como uma questão pessoal os problemas e as dificuldades de trabalho. 
Ainda em termos organizacionais, temos aqui o trabalhador ideal, o que todo empresário 
pede aos céus para a boa qualidade do trabalho. 
 
Como pode? 
 
Mesmo para quem nunca se preocupou com trabalho ou organizações de trabalho a 
equação não fecha. Nossa pesquisa avaliou a organização perguntando pelo país afora que 
condições de trabalho ela oferecia, resultado: é uma das ‘piores’ organizações de trabalho 
possíveis de se encontrar. Em seguida, avaliamos os trabalhadores em busca do que está errado, 
o que é possível melhorar junto aos professores, resultado: encontramos um dos ‘melhores’ 
trabalhadores disponíveis no mercado. Ou seja: 
 
Pior organização = Melhor trabalhador. 
 
Não é preciso ser um especialista para desconfiar que alguma coisa está errada. 
Agora, se você for um especialista, então terá certeza de que algo está errado; se for um 
gerente, um empresário, um administrador, um especialista em recursos humanos, um psicólogo 
do trabalho ou das organizações, afirmará com toda a certeza: Impossível, quantopior a 
organização, pior será o trabalhador que ela abriga, quanto melhor a organização melhor o 
trabalhador. Desde 1910 que estamos, nós, os especialistas, afirmando isto. Certo? 
Errado. Erra o bom senso, erram as opiniões técnicas. 
A prova empírica de que erram é que as escolas continuam existindo, os professores 
continuam prestando concursos, nossos alunos continuam aprendendo a escrever, as condições 
que encontramos em alguns lugares deste país seriam mais do que suficientes para que o nosso 
pesquisador se deparasse com uma placa na porta:” Escola fechada por falta de quem queira 
trabalhar aqui”. 
Erram não apenas porque a vida se mostrou diferente do que prevê a teoria, erram 
também conceitualmente, um erro, diga-se muito comum em ciências humanas. Correlação muitas 
vezes se confunde com determinação. 
 108
Vejamos um exemplo, o aumento do PIB (produto interno bruto) está altamente 
correlacionado com taxa de fertilidade (quantos filhos em média uma família tem). Quanto maior o 
PIB, menor a fertilidade. Eis uma correlação que não significa nada em termos de determinação, 
na verdade a equação é a seguinte. 
 
Aumento do PIB = melhoria do nível educacional. 
Melhoria do nível educacional = mais acesso a informações, mais lazer e melhor possibilidades de 
trabalho para a mulher. 
Mais acesso ao trabalho e à cultura = menos procriação. 
 
Por economia de espaço, fizemos apenas uma aproximação grosseira ao problema, mas já 
suficiente para o que queremos apontar. Agora, temos condições de voltar ao nosso problema. 
Existe, de fato, uma alta correlação entre condições de trabalho e a satisfação e 
comprometimento do trabalhador. Porque as condições permitem que o trabalhador possa render 
ao máximo no seu trabalho. 
Mas, imagine por um momento a seguinte situação. 
Ar condicionado, cadeiras ergonômicas, cafezinho, lanches à disposição, carro doado pela 
empresa para todos os trabalhadores, salário três vezes maior do que o mercado, e tudo o mais 
que você puder imaginar como mordomias. Seja que o trabalho consiste em, digamos, encher com 
a mesma palavra folhas e mais folhas de papel que serão incineradas e levadas ao lixo no 
momento seguinte, logo depois de estarem prontas. 
Quer trabalhar ali? 
Sua resposta provavelmente seria não. 
Falta nesta empresa por nós inventada o fundamental: o sentido do trabalho, o significado 
do que se faz. Havendo sentido e significado, as condições de trabalho e as atitudes do 
trabalhador passam a ser boas preditoras umas das outras; em não havendo, desaparece o poder 
explicativo entre as mesmas. 
Se quisermos entender a equação impossível que relatamos acima, precisamos nos 
debruçar exatamente sobre esta questão: O que é o trabalho? Qual o seu sentido?
 109
Cap 5 - Trabalho: atividade humana por excelência 
Lúcia Soratto, Cristiane Olivier-Heckler 
 
Impõe-se uma pausa em nosso percurso para discutir o trabalho em si, enquanto atividade, 
independentemente de quem o realiza e da organização em que se encontra. 
Estamos falando do trabalho visto não como mera necessidade para a sobrevivência, 
concreto, objetivo, inserido no mercado de trabalho formal ou informal, mas sim como uma 
atividade humana nobre e muito especial. E o que tem de especial nesta atividade, o que a 
diferencia de outras tantas atividades que realizamos no nosso contato cotidiano com o mundo que 
habitamos? É simples: falamos em trabalho quando, independente da relação financeira definida 
por vínculos empregatícios, contratos de trabalho, salários, deveres e direitos trabalhistas, uma 
atividade resulta em um produto que transforma a natureza e permanece no tempo e no espaço. 
Alguma coisa deve ser transformada portanto, mas também não basta qualquer 
transformação para que estejamos falando em trabalho. Um macaco comendo uma banana está 
transformando alguma coisa em outra, mas se trata de uma transformação química e biológica que 
todo organismo vivo e saudável é capaz de fazer. Quando falamos em trabalho humano é a outro 
tipo de transformação que estamos nos referindo. Falamos da transformação intencional, 
planejada, resultando num produto que antes só existia na mente humana e que é exteriorizado 
através do trabalho e passa, assim, a fazer parte do mundo, adquire vida própria, torna-se 
independente do seu criador e do momento de sua criação. A palavra criador está muito bem 
empregada aqui, pois trata-se puramente de atividade de criação, a qual exige capacidades 
cognitivas somente possíveis aos integrantes de uma única espécie entre as centenas de milhares 
que habitam ou habitaram o nosso planeta. Através do trabalho, atividade criativa de 
transformação do mundo, quanto já fomos capazes de transformá-lo. Em poucos séculos 
mudamos terras, céus e mares (nem sempre para melhor é verdade), mas criamos asas e voamos, 
construímos barcos e nadamos, mudamos paisagens pela agricultura, aplainamos terrenos 
acidentados, construímos estradas e ligamos locais distantes, criamos formas de comunicação 
com o mundo todo e o fizemos parecer menor, tudo ficou mais próximo. Frutos do trabalho 
humano, dessa nobre atividade que coloca o homem na posição onipotente de criador, e que 
muitas vezes nos parecem tão naturais que nos esquecemos de nos espantar diante de tudo que 
já construímos. 
Estamos falando sobre trabalho de uma forma genérica, trabalho humano acumulado ao 
longo dos séculos. Graças ao trabalho, gerações posteriores partem do que foi construído pelas 
anteriores, transformando, completando, renovando, mas cada geração não precisa redescobrir 
 110
tudo, reinventar a roda, a lâmpada; o produto do trabalho conserva as riquezas de uma geração 
para as seguintes e permite que continuem do ponto que as anteriores pararam. Daí sua nobreza, 
sua fascinação. 
 
“A ação mais fugaz de qualquer animal, por exemplo, um rato comendo um pedaço de queijo, já
implica transformação da natureza e do organismo nela envolvido. Se parássemos aqui, não
haveria como distinguir trabalho de qualquer outra atividade, de qualquer outro organismo... A
diferença entre a ação do rato e a do trabalhador é que, a primeira, apresenta um circuito duplo
(Sujeito – Objeto) e, a segunda, uma relação tripla (Sujeito – Objeto – Significado). Na ação vulgar,
o sujeito se transforma ao transformar o objeto e vice-versa. No trabalho, o circuito se abre para
uma terceira relação, um signo que fica (signo-ficare), o significado, o qual por sua vez se
transforma e é transformado pela ação recíproca do sujeito e/ou objeto. O significado se define pela
permanência além e apesar da relação com o objeto, ou seja, define-se pela transcendência à
relação Sujeito – Objeto . Abre indefinidamente, portanto, o circuito da ação... Que seja a ação de
tomar um copo d’àgua. A mão segura e movimenta o copo, a água entra na boca...cumpre suas
funções fisiológicas...a ação não é transcendente, nenhum desses processos escapa à dinâmica
estabelecida entre S - O. Agora, que se imagine o mesmo objeto realizado por um garoto
propaganda em um comercial na televisão, tentando nos convencer que aquela água é melhor que
as outras...O porte sedutor do modelo espera criar uma identificação com outras façanhas
associadas à saúde, ao bem-estar, ao prazer...enfim, outra vez incontáveis significados são
produzidos e transformados por aquele gesto. Agora, o gesto transcendeu a ele mesmo, permanece
além e apesar de seus atores, envolve salário, técnica, mercado. É trabalho...O significado, por
definição, é eterno (signo que fica). Ao abrir a ação para além de si, ao transformar em
transcendente o gesto, o trabalho o imortaliza. O humano é um animal histórico exatamente nessa
medida e por estas vias: os gestos da dona de casa, do marceneiro, do garoto propaganda, e de
quantos mais exemplos lembrarmos, sempre estarão fazendo parte da vida de todos nós, além e
apesar do autor.” (Codo, 1997, pg. 25-27). 
Figura 10, Cap. 5 - Definição de trabalho 
 
O trabalho,enquanto atividade criativa e de transformação, modifica não apenas o mundo, 
mas também o homem que o executa. O homem se reconhece no seu trabalho e se orgulha 
daquilo que constrói, se orgulha do fruto do seu trabalho e também se transforma nesse processo. 
Modifica seus hábitos, seus gostos, seu jeito de se vestir, seu modo de comportar-se. O trabalho 
enriquece o homem e não estamos aqui falando em dinheiro, em acúmulo de bens (mesmo porque 
distribuição de renda é um capítulo à parte), estamos falando em conhecimento, experiência, 
habilidades, enfim, desenvolvimento da forma mais ampla que podemos pensar. 
 111
Mas o trabalho nem sempre retorna para o trabalhador dessa forma tão positiva. Trabalho 
com estas características é trabalho não fragmentado, aquele em que o mesmo trabalhador pensa 
e executa, sozinho ou em conjunto com outros trabalhadores, mas nunca privado do conhecimento 
do todo, mesmo que execute apenas algumas das etapas que compõem o processo de trabalho. 
Porém, nem sempre é assim que as coisas se dão no mundo do trabalho. Às vezes, o produto do 
trabalho, a parte que permanece além do trabalhador, esconde as condições vergonhosas em que 
o mesmo foi produzido. 
Alguns legados da civilização, produtos do trabalho, tal e qual descrevemos a pouco, foram 
realizados de forma que em nada nos orgulhamos. As pirâmides do Egito são bons exemplos. 
Sobreviveram séculos enfrentando o sol escaldante do deserto e os ventos que sopram 
constantemente e estão lá para milhares de turistas admirarem todos os anos. Ninguém nega as 
qualidades arquitetônicas, a capacidade de levar a cabo um projeto destes no meio do deserto e 
mesmo a capacidade de abstração para tal criação, no entanto, para a execução de tal projeto, 
muitos homens em condições absolutamente precárias e inaceitáveis deixaram ali seu suor e sua 
dignidade num trabalho desprovido de significado, forçado, trabalho escravo. Os trabalhadores que 
executaram o projeto foram totalmente excluídos do seu planejamento, foram na realidade meros 
executores de ordens alheias, faziam trabalhos que, em função das condições em que eram 
realizados, assemelhavam-se ao trabalho que se impõe aos animais. Poderíamos ainda lembrar de 
tantos outros, como o trabalho fragmentado em migalhas das indústrias automobilísticas do início 
do século, por exemplo. Mas não vamos seguir por este caminho. O objetivo aqui é apenas fazer a 
distinção entre o trabalho enquanto atividade humana que transforma o mundo, criando produtos 
que permanecem além do trabalhador e as formas que assume quando inserido num contexto 
social, econômico e político. 
 112
 
“Na linha de montagem o trabalho é dividido e cronometrado eletronicamente, por
esteiras que passam à frente do trabalhador e distribuem a tarefa para cada um deles... A
maior parte dos trabalhadores tinha 35 segundos para inserir componentes eletrônicos em
uma chapa. Ocorre, que os trabalhadores, na sua grande maioria mulheres, utilizam 30 ou 25
segundos de forma coordenada para inserção de componentes e conversam, literalmente,
durante os outros dez segundos, em um “papo” interrompido cada vez que a esteira se
movia. Mas a fábrica, preocupada em controlar esse tipo de inserção de burla do sistema,
introduz um cronômetro, manipulado por um técnico da administração, medindo a cada
tempo o trabalho. Se por acaso o ritmo da esteira estiver mais lento do que a capacidade
física dos trabalhadores, a esteira será acelerada, e a produção se incremente. Quando
começa o uso do cronômetro o trabalhador quebra seu ritmo de 25, e passa a utilizar os 35
segundos, cronometrados pela esteira. Há também um código de ética complicadíssimo entre
os trabalhadores, repleto de sanções a quem apresentar ao cronometrista um tempo mais
curto que o definido. Se, por um lado, o ritmo da produção é aumentado, ou seja, a esteira
começa a passar mais rapidamente, o trabalhador erra propositadamente, fazendo cair o
nível de produção... Ainda do ponto de vista do tempo utilizado para produção, um outro local
de disputa é o banheiro...o operário procura utilizar um pouco mais de tempo do que lhe é
concedido, enquanto a fábrica procura meios de controle que denunciem se o operário
gastou mais tempo no banheiro. É muito comum que o banheiro seja utilizado para reuniões
rápidas, e já houve casos de movimentos paradistas que foram organizados ali...É fácil
compreender quando uma instituição com um número bastante grande de pessoas tenha de
estabelecer normas para a “boa convivência” entre eles. O problemas que essas normas,
assim como o produto do trabalho, são elaboradas na ausência radical do trabalhador, que
não interfere ou participa na determinação de sua própria movimentação dentro da fábrica...”
(Codo, 1985, pg. 80-83). 
 
 
Figura 11, Cap. 5 - Exemplo de trabalho numa linha de montagem 
 
Se pudemos falar sobre o trabalho de forma genérica para entendermos melhor sua 
extensão e sua riqueza, por outro lado não podemos nos furtar de falar sobre o trabalho concreto, 
aquele que acontece nos campos, nas fábricas, nas oficinas, nas casas, nas escolas. Passamos a 
falar, a partir daqui, de diferentes modos de organização do trabalho e, dessa perspectiva, as 
formas de planejamento e execução para se obter um produto através da transformação da 
natureza são muitas e não podem ser abstraídas do momento em que acontecem. Esse trabalho 
pode ser completo ou fragmentado e, em conseqüência, mais ou menos rico em significado; o 
 113
mesmo trabalhador pode ser responsável pelo planejamento e execução ou, ao contrário, pode ser 
totalmente excluído de uma das partes do processo, dependendo do modo como o trabalho está 
organizado num determinado momento. As formas de dividir o trabalho (trabalhos diferentes ou o 
mesmo trabalho) vão se configurando a cada etapa do percurso histórico da humanidade. O 
quadro visto anteriormente pode ser um exemplo do que estamos dizendo; o problema com a linha 
de montagem é que ela rouba do trabalho o seu significado e do trabalhador a sua possibilidade 
de realização. 
Para entender o trabalho nesta dimensão real, que de acordo com o contexto em que está 
inserido assume características muito distintas e é vivido de modo diferenciado pelo trabalhador, 
muitas áreas de conhecimento têm se empenhado: Sociologia, Economia, Ergonomia, Psicologia, 
Administração, cada uma dentro da sua especificidade, oferecendo a sua parcela de contribuição 
para a compreensão do fenômeno. 
A Psicologia Organizacional e do Trabalho muito tem apontado sobre os efeitos para o 
trabalhador da relação do trabalhador com o processo de trabalho. A idéia de que quanto mais 
criativo e completo for o trabalho, mais o homem cria a si mesmo e, quanto mais fragmentado, 
mais ele se aliena é amplamente defendida pelos estudiosos da área. 
Para chegarem a esta afirmação, várias categorias foram estudadas, entre elas 
destacamos o ciclo de trabalho, relação com o produto do trabalho e controle sobre o trabalho. A 
questão é que os vários conceitos estão interligados. É impossível falarmos sobre um sem que 
este seja permeado pela relação do trabalhador com os demais, e o interessante é que todos 
parecem levar ao mesmo lugar: ao rumo do prazer ou ao rumo do sofrimento. A complexidade 
destas interrelações merece que declinemos um pouco mais sobre estes temas: 
 
O ciclo do trabalho 
 
Adam Smith defendeu os ciclos de trabalho cada vez menores, tendo como argumento 
básico o controle do trabalhador sobre o processo de trabalho, Taylor e Ford trataram de 
operacionalizar e sistematizar a ‘descoberta’. No entanto, a evolução do conhecimento mostrou 
exatamente o contrário, quanto menor o ciclo de trabalho, pior o controle do trabalhador, mais 
alienada sua relação com o produto, mais insatisfeito e menos comprometido o trabalhador. A 
melhor alegoria sobre esta descoberta está no filme ‘tempos modernos’ de Charles Chaplin, 
forçado a apertar o mesmo parafusodurante toda a sua jornada de trabalho, o herói termina 
enlouquecendo, se confunde com a máquina, sai apertando os botões do vestido da moça que 
passa na rua. 
 114
Ao contrário, quanto maior o ciclo, maior a possibilidade de um planejamento no qual o 
trabalhador é senhor de seu trabalho, melhor compreensão das vicissitudes do produto, menor a 
alienação, maior a satisfação e o comprometimento, a possibilidade de gerir seu tempo, a 
possibilidade de conseguir retorno (feed-back) sobre o trabalho realizado. 
O ciclo de trabalho de um professor, à rigor, leva um ano, permite um planejamento pelo 
trabalhador, permite avaliar-se e avaliar a turma e reformular as tarefas caso encontre um 
problema, permite, portanto, maior controle sobre o trabalho, melhor relação com o produto, menor 
alienação, mais envolvimento. 
 
O Produto do trabalho 
 
Quando nos referíamos ao homem que transformava a natureza com suas próprias mão, 
dissemos que ele deixava ali a sua marca; impregnava o meio com sua subjetividade, sendo 
possível desta forma reconhecer o fruto da transformação como seu e a si mesmo como humano. 
No entanto, quando o homem vende sua força de trabalho, não é ele quem desfruta do produto do 
trabalho, nem pode reconhecê-lo como seu. A subjetividade investida na ação não pode ser 
totalmente recuperada, pois entram aí elementos de mediação: salário, técnica e normas 
institucionais. Ao invés do produto de seu trabalho, o qual o trabalhador pode chegar a nunca nem 
mesmo conhecer, se pensarmos, por exemplo, na fragmentação de uma linha de produção, o 
homem recebe dinheiro (investimento objetivo recuperado na relação de troca). 
Mas, e o investimento emocional, aquele que retornava no momento da reapropriação do 
produto, que, em última instância, é o reconhecimento de si mesmo enquanto parte da 
humanidade? 
Acontece que, para o ser humano, não é possível investir somente a energia física quando 
realiza um trabalho; a relação não é apenas e nem pode ser meramente objetiva. Ali estão também 
depositadas suas alegrias, suas insatisfações, suas queixas e sonhos, enfim, a subjetividade que 
não se pode deixar guardada na gaveta antes de sair de casa toda manhã para ir trabalhar, tal e 
qual fosse seu trabalho uma relação direta com a natureza. 
Quando não há espaço para que se dê vazão a essa afetividade, quando não é possível o 
reconhecimento do próprio esforço no produto final, ameaçando a identidade do trabalhador, ele 
sofre. 
Torna-se óbvio que esta relação com o produto do trabalho só é possível caso seu trabalho 
não seja fragmentado e caso ele tenha autonomia e controle durante o processo de produção. 
 
 115
O Controle sobre o trabalho 
 
É certo que há tarefas que pela sua natureza permitem maior ou menor flexibilidade, mas, 
ainda mais importante que as características intrínsecas das atividades envolvidas no trabalho, é o 
modo como este se organiza e as condições do próprio trabalhador frente à esta organização. Uma 
determinada atividade pode ser executada de várias maneiras, mas se, por exemplo, a 
organização do trabalho estiver estruturada de tal forma que não permita a flexibilidade, o 
trabalhador sentir-se-á tolhido na sua liberdade de ação, o que, em grau bastante elevado, também 
acarretará em sofrimento para este trabalhador. 
Precisamos pensar que há três esferas diferentes de necessidades, as quais estão 
interagindo na determinação do controle sobre o processo de trabalho: a necessidade ou 
capacidade do próprio trabalhador, da organização do trabalho e da tarefa em si. 
Na primeira esfera, temos a necessidade de controle por parte do trabalhador. As 
características individuais é que regem a maior ou menor necessidade de ter controle sobre o 
processo produtivo e, dependendo do confronto que houver desta necessidade com as condições 
das outras duas esferas, como mencionamos, configurar-se-á o sofrimento psíquico do 
trabalhador. 
Sob um outro prisma, temos a forma como o trabalho está organizado e, nesta, a 
possibilidade de mudanças é maior. Muitas vezes a distância entre planejamento e execução 
acaba ocorrendo em função de uma gerência excessivamente centralizadora ou pelo crescimento 
acelerado da organização, sendo que, neste caso, tem a função de garantir a uniformidade das 
tarefas. 
Por fim, há tarefas que exigem maior estruturação prévia, cujo planejamento independe do 
trabalhador que vai executá-las, como, por exemplo, a de um trabalhador de construção civil num 
canteiro de obras. Ele tem que executar as tarefas exatamente como pré-determinadas pelo 
engenheiro responsável pelo projeto. Pequenas variações na quantidade de barras de ferro ou na 
proporção de cimento, neste caso, podem ser fatais para a qualidade do produto final. 
O que queremos enfatizar é que, quando se realiza um trabalho não fragmentado e com 
longos ciclos, o controle do trabalhador sobre o processo é inevitável, pois as responsabilidades 
automaticamente aumentam, o que colabora para que se tenha uma bom conhecimento do 
produto final, reconhecendo-o como seu. Quando se tem uma boa relação com o produto, 
dificilmente temos problemas de controle sobre o trabalho. Caso contrário, estamos falando de um 
trabalho excessivamente fragmentado. Da mesma forma, aquele trabalhador que tem possibilidade 
de ter controle sobre o trabalho, tem maiores probabilidades de conhecer o processo como um 
todo e, conseqüentemente, ter uma melhor relação com o produto do seu esforço. 
 116
O trabalho do professor 
 
Voltemos agora para o trabalho do professor. Viemos constatando que estes profissionais 
têm se percebido satisfeitos, comprometidos, com boa relação com o produto do seu trabalho e 
com controle sobre o processo de trabalho. Mas que o professor faz? Como é o seu trabalho? 
De uma forma geral, o professor recebe o conteúdo programático para aquele ano letivo 
que, comumente, tem definição externa ou pode incluir a sua participação; organiza o cronograma 
que pretende seguir para neste período dar conta do programa; decide ou participa da decisão 
sobre o método a ser utilizado para transmitir cada conteúdo; opta (sozinho ou em conjunto com 
outros profissionais) pelo material didático de apoio que vai empregar; prepara cada uma das suas 
aulas, usando, muitas vezes, o tempo fora do trabalho, é verdade; aborda em sala de aula cada 
um dos temas, trabalhando os conteúdos, indo além deles, exemplificando, estimulando, 
instigando, resolvendo dúvidas; prepara avaliações da turma até a etapa realizada, marca uma 
data e aplica a avaliação escolhida, em seguida corrige, verifica os resultados e repassa-os para 
os alunos, obtendo para si mesmo e oferecendo para os alunos retorno do processo; em seguida, 
pode reforçar conteúdos, modificar exemplos que não cumpriram seu papel, repensar sua forma de 
proceder em sala de aula e passar para uma nova etapa na seqüência do programa. No final do 
ano letivo, certifica-se de quantos alunos atingiram os objetivos esperados, obtendo um retorno de 
sua eficiência e do seu esforço empreendidos na arte de ensinar. Processo completo com começo, 
meio e fim. 
Agora, imaginemos uma aula que se passasse em uma linha de montagem, parecida com 
aquela que Henry Ford inventou para produzir automóveis. A um professor fosse destinado 
somente a preparação das aulas, a outro apenas a preparação do material didático de apoio, a 
outro a animação em sala, a outro escrever no quadro, a outro fazer exposições orais, a outro 
responder dúvidas dos alunos, a outro a preparação das avaliações, a outro, ainda, apenas a 
correção dos trabalhos. Poderíamos continuar nessa brincadeira e fazer cortes ainda menores nas 
atividades do professor, mas acreditamos que o mostrado por nós é suficiente para termos uma 
idéia sobre a infinidade de atividades diferentes que compõem o trabalho do professor. 
Podemos, ainda para contrastar com o trabalho efetivamente realizado peloprofessor, 
pensar numa situação mais próxima da realidade: um trabalhador de uma fábrica de sapatos, onde 
lhe cabe apenas a realização de uma única etapa do processo de confecção do calçado, o corte da 
palmilha, por exemplo. Do sapato que vai resultar do processo completo, este trabalhador só vê 
uma parte que, aliás, pouco lembra o produto final. Provavelmente ele não será capaz nem mesmo 
de reconhecer em qual modelo de sapato estão aquelas palmilhas que cortou durante a última 
semana. Se for pedido para que ele mesmo faça um sapato, muito provavelmente não saberá. 
Mais que isso, se nunca tivesse visto um sapato na sua frente, possivelmente não seria capaz de 
 117
imaginá-lo a partir da sua contribuição para o produto final: a palmilha. Sob esta organização do 
trabalho, torna-se muito difícil para o trabalhador reconhecer sua participação no produto final da 
empresa, mesmo tendo se ocupado efetivamente da confecção de parte do produto. O esforço que 
empenhou não o torna detentor do conhecimento de como se faz um sapato. O que esse 
trabalhador leva consigo quando perde ou abandona o emprego é muito pouco, não o qualifica 
para atuar em outros lugares a não ser que consiga se empregar exatamente na mesma função. 
Se quisesse, por exemplo, continuar fazendo seu trabalho sozinho no fundo do quintal, não saberia 
fazer o restante do processo que não está sob seu domínio. Este trabalhador é dependente do seu 
emprego, não apenas porque precisa do seu salário no final do mês para a sua sobrevivência e de 
sua família, mas porque depende de mais tantos outros trabalhadores, os quais às vezes nem 
mesmo conhece, conforme o tamanho da fábrica e a disposição dos setores. Precisaria, para fazer 
sapatos sozinho, além da matéria-prima e dos equipamentos, de cada um dos outros 
trabalhadores, cada qual detentor de uma partezinha do conhecimento sobre o processo, que, 
isoladamente, não leva a lugar nenhum. 
Quais as diferenças entre a primeira situação descrita para os professores e as duas 
últimas? São muitas e importantíssimas. Vejamos cada uma a seu tempo. 
1. O tamanho do ciclo de trabalho, bastante longo para professores e curto para os outros 
trabalhadores. O professor tem uma série de atividades que realiza numa certa seqüência (prepara 
aula - trabalha em sala o que preparou - avalia), mas sem rigidez nos detalhes; o intervalo de 
tempo que leva até repetir uma mesma atividade é longo, sendo que o trabalho não se torna 
repetitivo em função disso. No caso do trabalhador que faz as palmilhas, ao contrário, o ciclo é 
curto e a mesma atividade deve ser refeita em um pequeno espaço de tempo, não havendo 
variação, o trabalho torna-se pobre e repetitivo, não sendo muito estimulante para o trabalhador. 
2. A flexibilidade é outro ponto de contraste entre as duas situações. O professor, tendo 
uma série de atividades diferentes para realizar e estando todas sob sua responsabilidade, pode 
organizá-las do modo que lhe parecer mais conveniente. Não havendo seqüência rígida, nem pré-
definição externa das atividades, as possibilidades de variação são enormes. Exceto nas grandes 
etapas do processo como preparação de aula - aula - avaliação que, obviamente, não podem ser 
invertidos conforme mencionado antes, ou a seqüência da abordagem dos temas, os quais 
seguem uma ordem de complexidade que dificilmente poderia ser modificada com sucesso; no 
mais, cabe ao professor a definição do que fazer primeiro em sala de aula e, principalmente, de 
como fazê-lo. Dada essa flexibilidade, que é inerente ao trabalho do professor, este pode inovar 
sempre no seu modo de trabalhar. Um professor pode escolher os exemplos que vai usar, não 
estando satisfeito com sua escolha pode encontrar outros. Se está no meio de uma aula e percebe 
que aquele assunto está particularmente difícil para sua turma pode se deter mais tempo, modificar 
a forma de explicar, dar atenção especial a alguns, enquanto pede a outros que resolvam algum 
 118
exercício. Pode usar situações do dia-a-dia para ilustrar algum ponto, um filme que se ajusta 
perfeitamente ao evento que quer explicar naquele dia, até mesmo a última compra no 
supermercado ou a última reforma da casa podem oferecer situações para serem trabalhadas em 
sala de aula associadas a um assunto qualquer quando está ensinando Português, Matemática, 
Ciências. 
O leitor pode estar se perguntando sobre as tarefas burocráticas que envolvem este ofício 
e que não são poucas e nem mesmo de menor importância: controle de presença, preenchimento 
de diário de classe, preparação das provas, correção de provas, cálculo das médias. De fato, são 
atividades que implicam numa maior rotina, são mais repetitivas e menos criativas, mas, por outro 
lado, não têm horário e nem seqüência pré-definida. Mesmo sob uma direção da escola 
centralizadora com normas rígidas para essas atividades, ainda assim, dentro de sala de aula 
ninguém rouba a direção da cena, que é necessariamente do professor. 
 
 
Rotina do trabalho 
 sem rotina com rotina Total 
pré e 1ª à 4ª 97,9% 2,0% 100% 
5ª à 8ª 96,2% 3,7% 100% 
2º grau 94,7% 5,3% 100% 
Total 96,7% 3,3% 100% 
Figura 12, Cap. 5 - Problemas de rotina entre professores segundo 
as séries em que lecionam. 
 
Vimos, portanto, que rotina não é um problema para estes profissionais, mas busquemos 
as palavras dos próprios professores para ilustrar esse fato: 
"Na sala de aula não dá para ter rotina. Cada dia é diferente. A gente planeja tudo 
direitinho, segue o roteiro, mas acaba fazendo diferente do plano. Não cansa, a rotina cansa." 
"Trabalho com flexibilidade para alfabetizar, promovo mudanças na forma de ensino que 
objetivam principalmente a fácil assimilação e retenção do conteúdo pelos alunos, além de uma 
“quebra” de rotina, o que torna o processo mais prazeroso e estimulante." 
"Costumo lecionar aquilo que é básico no conteúdo programático e que os alunos não 
poderão deixar de saber em virtude do vestibular, por exemplo. No restante eu inovo. Nunca repito 
os trabalhos de um ano para o outro." 
3. Controle sobre o trabalho: Estamos diante de um trabalho que exige um papel ativo do 
seu executor, que não só permite como impõe a criatividade para que a obrigação de cada dia seja 
cumprida. Podemos imaginar o trabalho de um professor sendo realizado de uma forma mecânica, 
apenas cumprindo as tarefas pré-definidas, seguindo uma definição protocolar de cada passo pré-
definido? Será que um professor, agindo assim, conseguiria ajudar seus alunos no processo 
 119
educacional? O que aconteceria quando a primeira dúvida surgisse numa aula de Matemática, por 
exemplo? E quando num assunto um pouco mais difícil a metade da sala não compreendesse, o 
que faria esse professor? Poderia simplesmente ignorar e seguir seu roteiro, mas para onde iria, o 
que conseguiria como resultado desse procedimento? E quando surgisse aquela pergunta 
inesperada de um aluno mais curioso? Como lidar com cada uma destas situações se o caminho já 
está pré-definido? E a dinâmica da sala de aula, não é justamente uma composição de todas estas 
situações? Temos, portanto, um trabalho cujo controle é eminentemente do trabalhador e que não 
acontece se este não assumir seu papel ativo no processo. O professor em sala de aula é o dono 
da situação, ali quem define é ele. Claro que não está sozinho, muito pelo contrário, está 
acompanhado de 20, 30, 40 alunos, às vezes mais que isso. Cada um ali dentro está ativo, 
também pensa, se entusiasma, se cansa, se irrita, se encanta, tem dúvidas, tem dificuldades; 
enfim, sente, deseja, gosta e desgosta daquilo que está fazendo. Existe, então, uma demanda 
ativa por parte de cada um desses seres pensantes que compõem o ambiente de trabalho do 
professor que se faz e se altera a cada novo dia de trabalho. São muitas subjetividades compondo 
um grupo que precisa negociar para que o ensino-aprendizagem se efetive. O professor depende 
do alunopara que seu trabalho se realize e portanto não está sozinho. Certamente, já ouvimos a 
expressão muito usada, pelos professores, na busca de colaboração, de que o sucesso da 
aprendizagem depende 50% do professor, 50% dos alunos. Sabemos que cada aluno traz consigo 
sua história pessoal e seu contexto, com adversidades praticamente impossíveis de serem 
controladas pelo professor, mas a situação sé dá toda ali dentro da sala de aula. As negociações, 
os acordos e desentendimentos acontecem ali sob seus olhos, ao vivo e a cores, e o sucesso ou 
não dos seus 50% de responsabilidade depende unicamente das ferramentas que dispõe para 
lidar com as situações: criatividade, imaginação, empatia, empenho, garra e amor pelo que faz. 
Difícil, sim, tarefa muito difícil, é verdade, mas também muito compensadora O professor sabe que 
depende diretamente do seu esforço os resultados que obtém. As dificuldades são muitas, mas 
compensadas pela gratificação de um trabalho completo, que permite inovação e envolvimento 
afetivo do trabalhador. 
4. Possibilidade de expressão afetiva: o professor pode imprimir o seu jeito, dar o tom e a 
cor que melhor lhe pareça na aula ministrada, sabendo que serve como modelo para os alunos e 
podendo espelhar-se no desenvolvimento dos mesmos. Aqui, a capacidade de empatia não é 
apenas permitida, ela se faz imprescindível para que o processo de ensino-aprendizagem ocorra 
com maior qualidade. O professor não consegue ensinar se não fizer um vínculo afetivo com os 
alunos. Visitemos novamente o nosso sapateiro (ou ‘palmilheiro’ para melhor caracterizá-lo). As 
possibilidades de expressão afetiva neste trabalho são poucas. Este trabalhador passa o dia no 
seu posto de trabalho fazendo sua tarefa: palmilha após palmilha que vão para uma caixa e 
seguem para outro trabalhador. Não faz parte do seu trabalho o contato com o outro, normalmente 
atrapalha, ou pelo menos o contra-mestre acha que atrapalha. Se está em uma empresa que 
 120
compreende o valor do relacionamento afetivo entre companheiros de trabalho, ao menos neste 
modo, seu relacionamento interpessoal no trabalho fica poupado, pode se refazer nos intervalos, 
num cafezinho ou ainda, dependendo da disposição dos equipamentos no seu setor e da presença 
de outros funcionários próximos, pode trocar idéias, fazer contatos. 
O dia inteiro em uma fábrica de sapatos, fazendo uma só coisa, com movimentos 
repetidos, tendo que respeitar o ritmo da produção, sem a opção de criar, sem a possibilidade de 
trocar idéias com os colegas do mesmo setor. Quanto tempo ele é capaz de suportar e a que 
custo? 
As possibilidades de inovação, de introduzir um detalhe diferente na atividade são muito 
restritas em função, justamente, do ciclo curto de trabalho. O número de atividades que compõem 
o processo deste trabalho não permite a flexibilidade na atuação, resta ao trabalhador pouco 
espaço para imprimir a sua marca pessoal no que faz. Em que esse trabalhador pode variar? 
5. O produto do trabalho é outra característica que marca uma diferença muito grande, não 
somente entre o trabalho do professor e o do sapateiro, mas também quando se compara o 
primeiro com muitos outros trabalhos. A representação que é possível para cada um destes 
trabalhadores (professor e ‘palmilheiro’) sobre o produto do seu trabalho não se compara e as 
diferenças se devem à própria natureza do trabalho e ao modo que cada um deles está 
organizado. O professor participa do início ao fim do processo, com noção sobre cada uma das 
etapas e com a possibilidade de reconhecer através do sucesso ou não dos alunos o que se 
passou durante o ano de trabalho e em que resultou o seu esforço. No caso do ‘palmilheiro’, 
estamos falando de um trabalho fragmentado, que, salvo uma perfeita integração entre os diversos 
trabalhadores, não possibilita o conhecimento de todo o processo, nem o ajuste de cada uma das 
etapas para um melhor resultado e nem mesmo o reconhecimento da contribuição individual de 
cada trabalhador no produto final. 
Um marceneiro que desenha uma mesa, corta a madeira, lixa as peças, cola e pinta, ao 
final do processo tem à sua frente, para si mesmo e para os outros, um produto concreto. Mesmo o 
‘palmilheiro’ tem um produto concreto, objetivo. Ao final de um dia de trabalho tem muitas palmilhas 
que confeccionou e que podem ser vistas por qualquer pessoa. Mas será que nos dois casos o 
sentimento do trabalhador com relação ao produto do seu trabalho é o mesmo? Não, não é. O 
marceneiro que projetou e fez a mesa foi responsável pela criação de um objeto com uma 
finalidade clara, com um valor de uso definido, sabe que seu esforço está ali concretizado num 
objeto que pode presentear alguém, vender ou usar. Pode se reconhecer em um produto que não 
existia antes e passou a existir como fruto do seu esforço. Quando observar alguém almoçando ou 
jogando cartas naquela mesa, saberá que tem um pouco de si ali e poderá se orgulhar disso. No 
caso do ‘palmilheiro’, apesar da objetividade do produto que resulta do seu trabalho, como não se 
trata do produto final, não sai das suas mãos o valor de uso que este terá ao final do processo e, 
 121
por isso, não pode ser facilmente reconhecido para que este trabalhador se orgulhe. Estamos 
dizendo que o importante para a percepção do trabalhador sobre o produto do seu trabalho é, 
menos a objetividade material do produto, mais a possibilidade de reconhecer e reconhecer-se no 
valor de uso daquilo que produziu. 
E quanto ao professor? Não estamos falando de um produto qualquer, não se trata de um 
objeto visível, como é o caso das mesas e mesmo das palmilhas, mas se trata de um produto com 
valor de uso claro e definido, sendo o professor também responsável por todas as etapas do 
processo. Além destes aspectos, é inquestionável o valor social das atividades de um professor. O 
produto do seu trabalho não só é facilmente reconhecido por ele mesmo, como também por 
aqueles que estão fora do processo. Ninguém questiona a importância do ensino, da educação, de 
aprender e ensinar, e o professor sabe que o seu trabalho é peça central nesses processos. 
O trabalho do professor é composto por processos variados, em sua grande maioria 
envolvendo ciclos longos e flexíveis; possibilita ao trabalhador a expressão da sua criatividade, 
estimulando também seu crescimento pessoal e profissional; a possibilidade de exercício de 
controle sobre os processos que compõem esta atividade profissional, permite que o seu executor 
sinta-se dono do processo, responsável pelos resultados e importante para aqueles que atende no 
seu exercício profissional. Esse controle dá ao trabalhador a dimensão da responsabilidade que 
está sob suas mãos, mas também o prazer de se sentir importante para o outro; a expressão da 
subjetividade faz parte do trabalho diário desse profissional que resulta numa atividade enriquecida 
do ponto de vista afetivo. 
Boa parte das características do trabalho do professor, as quais levantamos até aqui, e que 
consideramos desejáveis e desejadas pelo trabalhador, são condições que certamente aumentam 
a complexidade do trabalho, as dificuldades na sua execução, as responsabilidades que devem ser 
assumidas e o nível de exigência de dedicação do profissional responsável. A verdade é que 
flexibilidade do trabalho, possibilidade de controle sobre o processo, demanda de expressão 
afetiva, necessidade de criatividade e inovação pedem um trabalhador que esteja presente de 
corpo e alma no seu trabalho, que se disponha a se dedicar, enfim, que atribua importância ao que 
faz na vida profissional. E porque um trabalhador vai querer um trabalho tão exigente e tão mal 
remunerado como esse? 
Porque um trabalho com estas características desafia o trabalhador e estimula seu 
desenvolvimento, explora suas potencialidades e leva-o a descobrir novas. Num trabalho assim, 
um trabalhador consegue ter prazer naquilo que realiza, nãosó porque pode ver claramente o 
benefício que está fazendo para o outro, o que é extremamente gratificante, mas principalmente 
porque consegue ver os benefícios que o trabalho faz para si mesmo. Consegue ver mudanças na 
sua pessoa. Após anos de trabalho percebe que mudou, que ficou mais experiente, que as 
dificuldades de um tempo atrás, as quais pareciam intransponíveis, puderam ser superadas, passa 
 122
a ver outras que não via antes e que se tornam agora desafiadoras. Tudo isso faz com que as 
pessoas se sintam ativas, vivas, participantes efetivas do mundo em que vivem. 
Se o professor tem condições organizacionais ruins de trabalho e ainda assim se mostra 
muito bem, então é o próprio trabalho (valor de uso) e não o valor de troca que o move; é o próprio 
trabalho, e não as condições em que se realiza, o primeiro e o mais importante preditor dos altos 
níveis de satisfação, comprometimento, boa relação com o produto e centralidade no trabalho 
demonstrados por estes profissionais. 
Enquanto muitos trabalhadores suportam o trabalho e através do salário buscam satisfazer 
seus desejos, os professores, ao contrário, suportam os salários para continuar tendo o privilégio 
de satisfazer um desejo que é o de todos nós, mudar o mundo através de sua ação, transformar 
com seu trabalho a si mesmo e ao outro, inventar um futuro a partir de seu próprio gesto. 
Enquanto muitos trabalhadores contam com excelentes condições de trabalho para 
suportar e compensar um trabalho sem sentido, o professor suporta as péssimas condições de 
trabalho para preservar a chance de fazer a História, a nossa História, com as próprias mãos. 
Com a palavra, eles mesmos: 
"Se não precisasse do dinheiro continuaria trabalhando, porque o trabalho ajuda as 
pessoas a viverem. O trabalho é tudo, não consigo viver sem trabalhar. Faltam dois anos para 
aposentar-me. O dinheiro é importante, ajuda, mas não é o mais importante." 
"Escolhi o trabalho como professora por opção e apesar de todas as dificuldades que 
cercam a profissão, como o salário, por exemplo, estou satisfeita com ela. Apenas a questão 
financeira me levaria a cogitar a hipótese de trabalhar em outra atividade, mas isto não está em 
meus planos, por enquanto. Trabalho nesta profissão porque gosto." 
 123
Cap 6 - Escola: uma organização multiprofissional 
Lúcia Soratto, Cristiane Olivier-Heckler 
 
O cotidiano de uma escola não se faz somente com os professores, na realidade, soma-se 
ao trabalho destes o de muitos outros profissionais para que resulte como fruto desse esforço 
coletivo, criado a partir da diversidade profissional, o êxito de cada dia letivo. Para tanto, no interior 
de uma escola faz-se necessário representantes de uma infinidade de categorias: merendeiras, 
pessoal da secretaria, pessoal de limpeza, marceneiros, profissionais ligados à saúde, vigias. 
Se refletirmos sobre o cotidiano das escolas, pensando em um dia típico de aula, feito 
aquelas redações nas quais o aluno após as férias descreve um dia na praia, se nos colocássemos 
esta tarefa de descrever um dia na escola, não da perspectiva de um aluno, mas de um visitante 
que vai percorrer todo o ambiente para compreender o que se faz ali e quem são as pessoas que 
ali se encontram, poderíamos começar pela porta de entrada do estabelecimento. Ali encontramos 
um profissional com uma função definida: cuidar da portaria. Este funcionário, geralmente um 
homem, ali permanece durante todo o dia recepcionando os visitantes, encaminhando as 
correspondências recebidas, dando informações a respeito das diversas seções da escola. Nas 
escolas das séries iniciais, ele conhece os rostos dos pais, dos alunos e zela pela segurança das 
crianças menores. Em muitas escolas, ele tem por obrigação receber as cadernetas de freqüência 
dos alunos na chegada dos mesmos e devolvê-las no final do turno. Compete a ele cuidar da 
disciplina dos alunos próximo ao portão da escola, evitando brigas, por exemplo. Tem por função 
também impedir que os gazeteiros saiam da escola sem permissão e antes do horário. Nestas 
atividades, passa um dia completo de trabalho numa escola, 8 horas diárias, 40 horas semanais. 
Passando por este, adentrando um pouco mais, em geral atravessando um pátio, 
encontramos a cozinha. Pode ser grande ou pequena, com equipamentos industriais ou semi-
industriais, ou mesmo com utensílios e equipamentos bem parecidos com uma cozinha doméstica. 
Em qualquer destes casos uma coisa em comum, em todas vamos encontrar pessoas trabalhando 
bem cedo. Bem antes da hora do primeiro lanche do dia já podemos ouvir movimento na cozinha. 
Nada espantoso, afinal para que os alunos possam se alimentar bem, saboreando uma comida 
gostosa, muito trabalho anterior se faz necessário. É preciso escolher, lavar, separar, cortar, 
mexer, cozinhar, fritar, assar os alimentos que comporão a merenda daquele dia. Tudo isso 
demanda esforço, suor, cansaço. Nada que a satisfação e o elogio não possam compensar, mas 
significa trabalho, muito trabalho. Trabalho que aparece em poucos instantes entre um sinal sonoro 
e outro, um momento de intervalo para o trabalho do professor e para as tarefas do aluno em sala 
de aula, mas que, para acontecer, depende do trabalho de vários profissionais com funções bem 
definidas e lugar reservado durante muitas horas. Aliás, são horas antes e horas depois, porque 
 124
em seguida a um intervalo e antes do próximo uma outra tarefa se faz necessária; ou seja, a 
limpeza de tudo o que foi usado: talheres, pratos, copos, panelas, formas. Tudo precisa estar limpo 
para que o segundo turno aconteça, como se fosse o primeiro: nova preparação dos alimentos 
para as próximas turmas, a distribuição dos alimentos, a limpeza e mais um dia de trabalho que 
termina. Quanto trabalho está implicado e passa muitas vezes despercebido, relegado a segundo 
plano, encarado como de menor importância. 
Se continuarmos neste passeio, podemos caminhar até a secretaria da escola. Sempre há 
uma, mesmo que improvisada, mesmo que dividida com alguma outra função, mesmo que com 
apenas um funcionário. Alguém tem que cuidar da parte administrativa, burocrática da escola, a 
qual exige muita atividade para que esteja bem encaminhada. São matrículas de novos alunos 
para serem feitas, transferências, atualização de dados, arquivamento de material, elaboração dos 
boletins com as notas dos alunos para serem enviados aos pais, reprodução em copiadora ou 
mimeógrafo, trabalhos solicitados pelos professores, preparação de documentos oficiais a serem 
remetidos, participação das reuniões administrativas, elaboração das atas, recepção de pessoal, 
para citar algumas das atribuições destes profissionais. Trabalho típico de escritório, tão parecido 
com o que ocorre em qualquer empresa e ao mesmo tempo realizado num outro ambiente com 
características próprias, com uma dinâmica particular, pois faz parte do contexto escolar, segue o 
calendário. Este trabalho e o trabalhador sentem e fazem parte do clima que reina nesse ambiente. 
Em geral, até fisicamente próxima da secretaria, vemos a biblioteca. Na biblioteca 
trabalham pessoas que, na maioria das vezes, não possuem uma formação específica, mas a 
dedicação é tanta que o serviço é executado como se tivessem esta formação. Catalogam os 
livros; realizam o controle dos empréstimos; auxiliam alunos e professores na busca de algum 
volume não localizado; ajudam os alunos na procura de textos e até auxiliam no entendimento dos 
mesmos; recuperam livros danificados; elaboram ensejos que estimulem a freqüência à biblioteca, 
tais como semana literária, comemoração do dia do livro etc. Nas escolas que contam com 
equipamentos audiovisuais, muitas vezes são as pessoas que trabalham na biblioteca as 
responsáveis pelo empréstimo e utilização dos mesmos. 
Sem representar uma localização característica, existe na maioria das escolas uma seção 
denominada de serviços gerais, que tem porresponsabilidade executar os pequenos serviços de 
manutenção das instalações da escola. Abarca pequeno número de pessoas trabalhando (boa 
parte das vezes apenas um funcionário), executando os mais diversos serviços: carpintaria para 
consertar as carteiras, portas, quadros negros, fechaduras e uma infinidade de outros pequenos 
serviços; consertos na parte elétrica para garantir a iluminação e bom funcionamento da rede de 
energia da escola; manutenção hidráulica (bombeiro) para realizar consertos, resolvendo 
problemas de torneiras que pingam, descargas dos vasos sanitários que insistem em funcionar 
 125
continuamente ou não funcionar, pela limpeza das caixas d’água e das fossas quando elas 
existem. 
Muito comum, geralmente no local mais escondido possível, funciona um setor da mais alta 
relevância para a escola. Deste setor parte a primeira impressão sobre a escola, é o setor da 
limpeza. Não se sabe bem o porquê, mas, em geral, é um local pequeno, mal iluminado e até com 
aspecto desagradável, onde vassouras, rodos, baldes de plástico velhos, panos de limpeza são 
amontoados e o cheiro dos desinfetantes paira no ar. No entanto, é deste local que pessoas de 
extrema dedicação retiram seus instrumentos de trabalho para executarem uma tarefa primordial - 
limpar a escola. Limpeza numa escola é fundamental. Fundamental para preservação da saúde de 
professores, alunos e dos próprios funcionários, fundamental para impressionar o visitante que 
chega, fundamental como exemplo para os alunos de como a higiene deve ser preservada. Em 
escolas com grandes áreas verdes, compete também a este setor manter os jardins e arruamentos 
limpos e bem cuidados. Algumas vezes, são também responsáveis pela limpeza das áreas 
externas que circundam as escolas. 
Para cuidar do patrimônio da escola, no momento em que todos dela se afastam para 
merecidos descansos, surge outro personagem solitário, ao qual se dedica pouca atenção - o vigia. 
Ele é o responsável pela segurança noturna do estabelecimento. Tem por obrigação impedir que 
vandalismos aconteçam, que pessoas utilizem as instalações indevidamente. Tem ainda por 
obrigação desligar as luzes que não estão sendo utilizadas, verificar se existem vazamentos ou 
consertos emergenciais a serem realizados pelo setor de manutenção da escola na manhã 
seguinte. Sua participação é tão discreta que, muitas vezes, nem mesmo seus companheiros de 
trabalho sabem seu nome, onde mora ou do que mais gosta. É a segurança invisível da escola. 
Cada um destes com obrigações muito claras, com uma função definida e cuja ausência é 
capaz de provocar grandes transtornos, chegando, no limite, ao impedimento do exercício da 
atividade principal pela qual a escola responde. Poderíamos dizer coisas semelhantes para outros 
profissionais que também fazem parte desta rotina e deveríamos, se isso não implicasse em nos 
estendermos demais e nos tornarmos cansativos. Mas basta para ilustrarmos o que dissemos logo 
no início, a saber que uma escola não se faz apenas com professores, mas a partir do esforço 
conjunto de muitos profissionais. Não podemos pensar numa escola sem estes funcionários, que 
condições teria para receber seus alunos e manter as atividades do dia? O que seria feito em cada 
momento que um destes funcionários deveria entrar em cena e desempenhar seu papel? Não 
precisamos ir muito longe neste exercício para concluirmos que seria um caos. Professores e 
estudantes certamente não conseguiriam desempenhar seus papéis, mesmo que sejam deles os 
papéis principais. 
Falamos um pouco sobre diferentes profissionais que figuram nas escolas ao lado dos 
professores e já foi possível, ainda que sumariamente, atentar-nos para a importância dos 
 126
mesmos. Nosso próximo passo é deter-nos nas condições organizacionais sob as quais eles 
trabalham, mas uma dificuldade se impõe nesse caminho. Estamos diante, não de uma categoria 
profissional, senão de muitas, são dezenas de categorias representadas numa mesma 
organização. Será que estamos autorizados a falar destes trabalhadores desempenhando 
atividades tão diferentes como um único grupo ocupacional? No caso dos professores a situação 
era mais simples, pudemos agrupá-los em torno de uma atividade comum: todos ensinam. Não 
pretendemos com isso apagar as diferenças existentes, reconhecemos que elas existem e são 
importantíssimas: são disciplinas, níveis de ensino, tamanho das turmas, número de turmas, turnos 
de trabalho, tudo varia. Cada uma destas características representa condições de trabalho 
diferenciadas e pode afetar e afeta o trabalhador, mas os professores continuam sendo 
professores com uma característica maior que imprime sua marca: as condições que enfrentam em 
função da atividade de ensinar fazem com que tenham benefícios e problemas compartilhados, 
apesar de todas as outras diferenças. Mas, no caso dos funcionários, não podemos dizer o 
mesmo. Não temos uma atividade em torno da qual se agrupem. Cozinhar, arquivar, datilografar, 
vigiar, podemos encontrar um elo que ligue os profissionais responsáveis por estas atividades? 
Pode parecer que não, mas podemos sim. Então vejamos: 
Todos estes trabalhadores, com incumbências tão distintas, trabalham numa mesma 
organização: uma instituição voltada para o ensino. Significa dizer que a cozinheira (aqui 
merendeira) não trabalha numa indústria alimentícia ou num restaurante; o carpinteiro não trabalha 
numa carpintaria, o agente administrativo não trabalha num escritório de contabilidade. Nenhum 
destes trabalha numa organização cuja missão esteja ligada diretamente à sua função, todos 
trabalham em escolas e, apesar disso, nenhum tem como função direta o ensino. 
Encontramos aqui o elo de ligação entre estes profissionais: todos desempenham o que 
chamamos de “função meio”. Uma característica forte o suficiente, que permite olharmos para 
profissionais tão diferentes como um grupo vivenciando condições que os aproxima em termos das 
relações estabelecidas com o trabalho e das dificuldades enfrentadas na vida profissional. 
Mas vamos esclarecer melhor de que estamos falando quando chamamos um conjunto de 
funções de “função meio” e outro de “função fim”. 
Toda organização, empresa ou instituição, tem um objetivo ou missão, como muitos 
gostam de chamar, traduzindo a finalidade para a qual ela existe. No caso da escola, a sua missão 
ou objetivo central é educar. O grupo de profissionais que está ligado oficialmente e 
reconhecidamente a essa missão - os professores - desempenham o que chamamos de “função 
fim”. São eles que, em sala de aula, em contato direto com os clientes da instituição - os alunos - 
participam diretamente do processo de ensino-aprendizagem, construindo com o seu trabalho o 
próprio processo. O segundo grupo, os trabalhadores em “função meio”, que nas escolas são os 
funcionários ocupando as mais diferentes funções, também está ligado à realização do objetivo 
 127
central da organização, mas de forma indireta. Realizam funções e atividades que fornecem a 
base, o terreno sobre o qual é possível realizar a meta principal da organização. Apesar da ligação 
indireta destes profissionais com o objetivo principal da organização, quase nada funciona na sua 
ausência e o mesmo é verdadeiro para qualquer empresa, em qualquer setor da economia. 
A existência destas funções coloca um paradoxo do ponto de vista da empresa e do 
trabalhador, pois tratam-se de atividades ao mesmo tempo muito importantes e muito 
desvalorizadas. Do ponto de vista da empresa, apesar destes funcionários não atuarem 
diretamente no seu produto principal, não estando diretamente ligados à geração de lucro (no caso 
de empresas com fins lucrativos, por exemplo), mas, por outro, lado tornam a empresa totalmente 
dependente do seu trabalho, impedindo seu funcionamento na sua ausência, inviabilizando a 
realização da própria missão e, no caso de empresas privadas, impedindo o lucro.Pelo lado do 
empregado, este, ao mesmo tempo que tem uma função essencial, vê que seu trabalho não 
compõe diretamente o produto principal da organização, não sendo reconhecido tal como deveria 
pela importância efetiva que tem. 
Tudo o que dissemos até aqui é válido para o trabalho em qualquer empresa e também 
para o que acontece nas escolas, mas neste último caso temos uma especificidade, de 
fundamental importância, que diferencia as instituições de ensino de outras organizações: a 
atividade de educar que aproxima “função fim” e “função meio”, transformando todos os 
profissionais desta organização em educadores. 
A idéia do ensino escolar como transmissão de conteúdos em situações estruturadas 
dentro das salas de aula já foi superada, há muito, por educadores e especialistas. Sabemos, hoje, 
que fazem parte da educação as situações vividas pelo educando no seu cotidiano: as visitas ao 
supermercado quando acompanha os cálculos feitos pelo caixa; as consultas ao dentista quando 
aprende noções de higiene e assepsia; os passeios pelas ruas aprendendo as sinalizações do 
trânsito; as viagens quando tem noções de geografia, aprendendo sobre a distribuição das águas, 
o relevo, o clima e assim por diante. Do mesmo modo, nas escolas o ensino não se restringe ao 
que o professor planejou e pretende ensinar a cada dia de aula. O processo é contínuo e não 
cessa quando o aluno coloca os pés para fora da sala e vai para o recreio, reiniciando logo depois 
que este retorna. Os professores sabem que o contato cotidiano, as lições recolhidas durante o 
lanche, a algazarra na frente da escola, são tão importantes quanto a boa aula de Matemática. 
Temos fora da sala de aula um outro grupo de educadores; educadores não reconhecidos por não 
terem oficialmente esta função, mas requisitados o tempo todo para assumi-la. 
Uma merendeira que trabalhe em uma escola não é uma merendeira, cuida da algazarra 
dos garotos, policia por bons hábitos, faz vínculos afetivos com seus alunos/clientes; um porteiro 
de uma escola não é um porteiro, espera pela mãe/pai, dá notícias do garoto, cuida da segurança 
da turba que se forma defronte à escola. Em síntese, é impossível a um funcionário de escola se 
 128
furtar ao papel de educador. Ocorre que é um educador conhecido como funcionário; seu papel de 
educador, apesar de sempre presente, permanece clandestino, ninguém na escola o considera 
assim, nem mesmo ele, na maior parte das vezes. 
Vemos, portanto, que esta distinção entre “função fim” e “função meio” em qualquer 
organização e, especialmente nas escolas, não se trata de um mero artifício para podermos falar 
em apenas dois grupos de profissionais em lugar de abordarmos toda a diversidade que 
encontramos. Pertencer a um ou outro bloco coloca estes trabalhadores em condições de trabalho, 
status e reconhecimento muito distantes, mas principalmente, implica em diferenças subjetivas da 
relação que se estabelece com o próprio trabalho. Mas vamos abordar separadamente cada um 
destes tópicos à semelhança do que fizemos com os professores. 
Condições organizacionais 
 
Vimos que as condições enfrentadas pelos professores não são as melhores, muito pelo 
contrário. Os professores sofrem com baixos salários, condições inadequadas de infra-estrutura e 
equipamentos, falta de conforto e condições adequadas de trabalho. Se isso acontece com os 
trabalhadores que realizam as “funções-fim” da instituição, como estarão as condições dos que 
realizam as “funções-meio”? 
Em termos salariais, encontramos neste grupo os piores níveis entre os profissionais 
ligados à educação. Quase 90% dos funcionários recebem abaixo de R$ 500,00 e 47,4% recebem 
abaixo de R$ 200,00, por 40 horas semanais de trabalho. Há estados, nos quais apenas 24,3% 
recebem acima de R$ 150,00 e apenas 18,6% recebem acima de R$ 200,00 pelas mesmas 40 
horas semanais. São de fato salários baixos, mas neste caso não podemos atribuir esses níveis 
mais baixos de salário somente à posição da função na composição da organização. É verdade 
que o nível de qualificação exigido para os professores é bem maior que o exigido para a maioria 
destas funções de apoio e essa é a maior razão para a variação no nível salarial 
comparativamente. Mas, de qualquer modo, são as funções pior remuneradas e, em 
conseqüência, o poder de compra e o nível de vida é muito pior. 
As condições de trabalho também são bastante precárias em alguns estabelecimentos. 
Claro que, se em alguns lugares faltam recursos até mesmo para a realização do trabalho ligado 
diretamente ao cliente, quanto mais para a realização das funções de suporte e apoio ao ensino. 
As instalações representam um bom exemplo para ilustrar as condições vividas por estes 
profissionais. Na grande maioria das escolas existe uma sala de professores, em algumas, com 
melhores condições, chega a ter armários para que os materiais utilizados no trabalho sejam 
guardados, ou mesmo duas salas, sendo uma de trabalho e outra para os intervalos. Mesmo que 
não tenham as condições ideais, e muitas não têm, garantem um espaço que serve tanto para o 
 129
trabalho quanto para um breve descanso, um momento para recuperar o fôlego entre uma e outra 
aula, para a interação social, para um cafezinho, para aliviar as tensões. 
Mas, e no caso dos funcionários? Para estes não existe um espaço destinado à 
preparação do trabalho ou para os intervalos, salvo raríssimas exceções. Na maioria das vezes, o 
que vemos é um quartinho bem pequeno com os equipamentos, uma espécie de depósito que não 
tem nenhuma outra função. Não há um local para que se possa respirar aqueles 5 minutos entre 
uma tarefa cumprida e outra que deve ser iniciada. Evidentemente, de alguma forma, outros 
espaços são criados e acabam desempenhando esta função que, apesar de tão fundamental, é 
tantas vezes desconsiderada. Na ausência de local próprio, serve um cantinho no pátio, um 
espaço na cozinha, um banheiro mais isolado. As pessoas não se restringem assim tão fácil, não 
se intimidam, sempre encontram formas alternativas para alguma coisa que é importante e estes 
momentos de parada para um descanso rápido e para interação social são fundamentais, qualquer 
que seja o trabalho. Porém, estamos falando aqui de uma questão institucional e, 
institucionalmente, este espaço não é previsto para os funcionários. 
Apesar das condições objetivas serem precárias para os funcionários, não encontramos aí 
o principal impacto de atuar em “funções meio” numa organização. A principal conseqüência é 
subjetiva e diz respeito às impossibilidades de controle sobre a rotina e sobre a própria atividade; à 
percepção de carga excessiva no trabalho; às dificuldades de reconhecimento social e de 
reconhecimento do produto resultado do esforço de todos os dias. 
Os resultados da nossa pesquisa revelam que 20,7% dos funcionários apresentam 
problemas com relação ao trabalho rotineiro. Considerando as diversas áreas de atividades dos 
funcionários das escolas, administrativo, apoio ao ensino e operacional, temos que estes últimos 
apresentam o maior percentual de trabalhadores incomodados com a rotina do próprio trabalho 
(21,6%). Para esclarecer, funcionários administrativos são aqueles que ocupam cargos com apoio 
administrativo, auxiliar administrativo, assistente administrativo, agente administrativo, secretaria e 
cargos afins; os de apoio ao ensino são cargos como inspetor e funcionário de biblioteca e cargos 
afins; e os operacionais são os que ocupam cargos como alimentação, vigilância, portaria, serviços 
gerais, limpeza, manutenção e cargos afins. 
Problemas de Rotina 
 sem rotina com rotina Total 
Suporte administrativo 80,2% 19,8% 100% 
Suporte à educação 83,4% 16,6% 100% 
Suporte operacional 78,4% 21,6% 100% 
 130
Total 79,3% 20,7% 100% 
Figura 13, Cap. 6 - Problemas de rotina entre funcionários das 
áreas administrativa, educacional e operacional. 
 
De fato, as atividadesdos funcionários, na maior parte das vezes, envolvem poucas 
operações, repetitivas e que permitem poucas inovações, restringindo a criatividade e as 
manifestações individuais. Cada tarefa tem uma seqüência definida, que uma vez concluída, já 
implica na execução de uma próxima. Pensemos no trabalho de um agente de conservação e 
limpeza. Cabe a este profissional a limpeza das salas; para tanto, todos os dias lava e encera o 
chão; passa pano úmido no quadro negro; limpa as carteiras e as mantém alinhadas; recolhe o 
lixo. Deve também limpar os banheiros; limpa o vaso sanitário, lava o chão, limpa paredes e 
azulejos e lava as pias. Ainda deve limpar as áreas de uso comum e administrativas. No final do 
dia tudo está sujo novamente, devendo portanto ser arrumado. No dia seguinte ele repetirá os 
mesmos passos. 
Trabalhos rotineiros, em geral, não são desejáveis porque não são estimulantes, não 
desafiam, não instigam aquele que o executa a buscar novos conhecimentos, a procurar melhor 
desempenho, a tentar superar-se. Queremos mais do nosso trabalho do que a mera sobrevivência 
e a satisfação dos nossos sonhos de consumo. O trabalho traz consigo um papel fundamental na 
nossa existência pelo que representa em si mesmo, enquanto atividade. Através dele nos 
desenvolvemos, superamos nossos limites, nos tornamos mais competentes, ampliamos nossas 
possibilidades de atuação e levamos isso para a vida, para os nossos relacionamentos, para o 
nosso mundo fora do trabalho. 
Ora, um trabalho que não permita esse desenvolvimento não é visto com bons olhos, 
independentemente do salário. Um exemplo clássico para esta situação é a experiência vivenciada 
pelos bancários estatais na época em que estes funcionários eram bem remunerados. O trabalho 
era repetitivo, monótono, nada atraente, mas o salário era muito bom. Isso criava um dilema para 
estes profissionais, pois, ao mesmo tempo em que não gostavam do que faziam, não podiam 
perder um emprego tão bem remunerado. As conseqüências, principalmente emocionais, para os 
funcionários nessa situação foram bastante sérias e mereceram inclusive atenção técnica. 
Com relação ao controle sobre o trabalho, nossa pesquisa revela que 20,6% dos 
funcionários apresentam problemas a este respeito. Novamente aqui, os funcionários operacionais 
se destacam por apresentarem o maior percentual de trabalhadores insatisfeitos com relação ao 
controle (23,1%). Para a maior parte das funções que chamamos de “meio”, existem padrões que 
não podem ser modificados pelo empregado, estando a liberdade de ação limitada à normas, à 
rotina e, às vezes, à própria natureza da atividade. 
 131
 
Controle no trabalho 
 Com controle Sem controle Total 
Suporte administrativo 83,0% 16,9% 100% 
Suporte a educação 87,7% 12,3% 100% 
Suporte operacional 76,8% 23,1% 100% 
Total 79,3% 20,6% 100% 
Figura 14, Cap. 6 - Problemas de controle entre funcionários das 
áreas administrativa, educacional e operacional. 
 
Por exemplo, o agente de conservação e limpeza pode, na melhor das hipóteses, optar se 
quer primeiro enfileirar as carteiras ou passar o pano no quadro negro; ou se quer primeiro lavar o 
vaso ou as paredes. Mas nem mesmo os horários para os serviços em cada área podem ser 
escolhidos, já que a limpeza de cada local deve ser realizada nos momentos em que os alunos não 
estão presentes. Como conseqüência, há momentos em que até o ritmo de trabalho foge do 
controle do trabalhador. Seguindo o mesmo exemplo, um agente deve sempre terminar a limpeza 
das salas antes da chegada dos alunos na escola. O tempo destinado para esse serviço é 
invariavelmente o mesmo, independente do tipo de atividade que foi exercida nesta sala. Ou seja, 
o fato da sala ter sido utilizada para atividades comuns de uma aula de Matemática ou como um 
“laboratório” para uma aula de pintura e colagem de educação artística não é considerado e cabe 
ao trabalhador adaptar seu ritmo sob as diferentes circunstâncias. Importante lembrar que, neste 
caso, estamos falando sobre uma atividade na qual o esforço físico prevalece, e, portanto, os 
efeitos sobre o não controle do ritmo de trabalho podem trazer conseqüências físicas mais sérias. 
São atividades que exigem uma posição curvada por quase todo o dia, são baldes cheios de água 
que devem ser carregados de um lado a outro, sem contar a exposição às intempéries do tempo. 
A questão é que falta de controle e de autonomia são características que, na maioria das 
vezes, são inerentes às próprias atividades, as quais não permitem que o trabalhador possa decidir 
o melhor momento para executá-las, ou a ordem com que devem ser realizadas, exatamente 
porque estas tarefas servem como suporte ao funcionamento da instituição. O andamento e a 
rotina da organização são ditados por normas que fogem ao controle daqueles que executam as 
funções-meio e são definidos pelo objetivo final da organização. 
Associado ao trabalho rotineiro e à falta de controle sobre o trabalho, aparece também a 
queixa dos funcionários com relação à carga mental excessiva de trabalho. Entre eles, 17,2% 
sentem-se insatisfeitos com relação a este aspecto. Considerando somente os funcionários 
operacionais, temos 19,8% de trabalhadores com problemas. 
 
Carga no trabalho 
 132
 sem carga com carga Total 
Suporte administrativo 86,7% 13,2% 100% 
Suporte a educação 89,3% 10,7% 100% 
Suporte operacional 80,1% 19,8% 100% 
Total 82,7% 17,2% 100% 
Figura 15, Cap. 6 - Problemas de carga entre funcionários das 
áreas administrativa, educacional e operacional. 
 
Tais dados não são de todo inesperados. É natural que trabalhadores expostos a 
atividades rotineiras, à impossibilidade de tomar decisões relevantes e de exercer controle sobre o 
próprio trabalho tragam consigo a sensação de carga mental excessiva. Estamos afirmando que a 
percepção de carga mental no trabalho não é uma queixa referente apenas aos trabalhos 
intelectuais. A impossibilidade de ser criativo, de poder implantar sua subjetividade naquilo que faz, 
que predomina no trabalho operacional, é incômoda e desconfortável. Afinal, não somos só corpo. 
“Somos corpo, mente e alma”. O que fazer com o desejo de contribuir, com o potencial de criação, 
com o conhecimento adquirido ao longo dos anos de experiência sobre questões do dia-a-dia nas 
escolas? Ter que se calar, ter que não ver, é um esforço igualmente cansativo e estressante. 
Um outro ponto que merece destaque é a questão da relação dos funcionários com o 
produto final de trabalho e o conseqüente reconhecimento social associado à função destes 
trabalhadores. Os resultados da nossa pesquisa mostram que 19,7% dos funcionários não 
reconhecem a importância do produto de seu trabalho nem para si e nem para a sociedade. Os 
operacionais mantêm a vanguarda, com 23,7% de seus representantes estando insatisfeitos. 
 
Produto do Trabalho 
 sem problema com problema Total 
Suporte administrativo 86,5% 13,4% 100% 
Suporte a educação 87,1% 12,8% 100% 
Suporte operacional 76,2% 23,7% 100% 
Total 80,2% 19,7% 100% 
Figura 16, Cap. 6 - Problemas com o produto do trabalho entre 
funcionários das áreas administrativa, educacional e operacional. 
Estamos diante de uma situação bastante complicada. Se mesmo o professor não se vê 
reconhecido socialmente, apesar de não ter dúvidas quanto à importância do seu trabalho, tanto 
menos o funcionário que, pela própria natureza da atividade, muitas vezes nem consegue ter claro 
qual a importância daquilo que faz. Ao comparar o seu trabalho com o do professor, a situação se 
agrava ainda mais. Assim como para a sociedade, também para o funcionário é mais fácil ver a 
importância e a razão de ser do trabalho do professor, não só porque o professor ensina e é para 
isso que a escola existe, mas também porque o produto do trabalho do professor é mais visível. Os 
 133
alunos chegam à escola, passam o ano participando das aulas do professor e vão passando de 
umasérie para a seguinte. As modificações são claras, podem ser vistas por qualquer observador. 
Claro que há repetências, desistências, fracassos, mas, em geral, o saldo costuma ser positivo. 
Neste caso, trabalho feito é trabalho feito e segue-se em frente. No caso dos funcionários, 
principalmente para os operacionais, embora a questão seja válida também para os demais, a 
situação é bem diferente. O trabalho que é feito hoje, muitas vezes é desfeito no mesmo dia e 
novamente tem que ser refeito. O produto se desfaz, desaparece, tem vida curta, impedindo o 
trabalhador de se reconhecer e de se orgulhar daquilo que fez. 
Estes trabalhadores até podem ter claro o produto específico do seu trabalho num plano 
mais imediato, como por exemplo: o banheiro limpo, uma torneira consertada, a papelada em dia. 
Contudo, a dificuldade que se impõe está em outro lugar, está em estabelecer os vínculos com o 
produto final da instituição. Trata-se da dificuldade de vislumbrar qual o papel daquele seu produto 
numa realidade maior para o objetivo final da instituição, para a vida do aluno; falta um lugar para o 
seu trabalho na representação social da escola. A falta de reconhecimento, bem como a pouca 
importância que muitas vezes está associada a estas funções, contribuem para esta dificuldade. 
É verdade que as condições de trabalho das diversas atividades dos funcionários nem 
sempre são as mesmas. As funções de um auxiliar administrativo ou de um secretário podem ser 
mais complexas e a de um porteiro pode exigir menor esforço físico, por exemplo. No entanto, a 
questão de falta de controle sobre o ritmo de trabalho, rotina, carga mental e reconhecimento do 
produto final, comparativamente com os professores, por exemplo, são problemas comuns a esses 
funcionários, mesmo que com algumas diferenças nos percentuais. 
Passando por todas estas considerações, não é difícil compreender porque encontramos 
percentuais tão altos de problemas quando o trabalhador avalia suas condições subjetivas no 
trabalho. Enquanto professores ficaram com percentuais sempre abaixo de 10% de problemas em 
quaisquer dos quesitos considerados, entre os funcionários os percentuais dobraram. São 
aproximadamente 20% de profissionais apresentando problemas nas relações de trabalho, 
percentual que se eleva ainda mais entre os funcionários operacionais. 
Através de uma olhada superficial, diríamos que o percentual de funcionários satisfeitos no 
trabalho (83,8%) não difere muito dos percentuais apresentados com relação às condições 
subjetivas no trabalho. 
 
Satisfação no trabalho 
 Satisfeitos Insatisfeitos Total 
Suporte administrativo 82,3% 17,7% 100% 
Suporte a educação 87,7% 12,3% 100% 
suporte operacional 84,4% 15,6% 100% 
Total 84,8% 16,2% 100% 
 134
Figura 17, Cap. 6 - Problemas com satisfação no trabalho entre 
funcionários das áreas administrativa, educacional e operacional. 
Contudo, vale observar que a nossa pesquisa revelou que a satisfação decresce na 
medida em que se distancia a compatibilidade entre a função exercida e a qualificação formal do 
funcionário. Entre os mais escolarizados, estão menos satisfeitos sobretudo aqueles que 
desempenham funções operacionais. Porém, considerando somente os funcionários operacionais 
com até 1º grau completo, nossa pesquisa demonstrou que 87,5% sentem-se satisfeitos com seus 
respectivos trabalhos e lembramos que funcionários com este nível de escolaridade representam 
76,2% dentre os operacionais acima especificados, tratando-se, portanto, da maioria. 
 
Satisfação no trabalho 
 Satisfeitos Insatisfeitos Total 
1 gr completo e incomp 90,2% 9,8% 100% 
2 gr completo e incomp 84,2% 15,8% 100% Suporte administrativo 
Univers e pós-univers 72,8% 27,2% 100% 
Total 82,3% 17,7% 100% 
1 gr completo e incomp 89,6% 10,4% 100% 
2 gr completo e incomp 92,6% 7,3% 100% Suporte a educação 
Univers e pós-univers 78,2% 21,8% 100% 
Total 87,7% 12,3% 100% 
1 gr completo e incomp 87,5% 12,5% 100% 
2 gr completo e incomp 75,9% 24,1% 100% Suporte operacional 
Univers e pós-univers 64,6% 35,4% 100% 
Total 84,5% 15,5% 100% 
Figura 18, Cap. 6 - Problemas com satisfação no trabalho entre 
funcionários das áreas administrativa, educacional e operacional, 
distribuídos pelo grau de escolaridade que possuem. 
 
 
Grau escolar categorizado 
 1 gr completo e 
incomp 
2 gr completo e 
incomp 
univers e 
 pós-univers 
Total 
Suporte administrativo 11,6% 66,8% 21,6% 100% 
Suporte a educação 16,2% 53,07% 30,7% 100% 
suporte operacional 76,2% 22,02% 1,7% 100% 
Total 51,6% 38,84% 9,6% 100% 
Figura 19, Cap. 6 - Distribuição de funcionários das áreas 
administrativa, educacional e operacional por escolaridade. 
 
Sob este ponto de vista, de modo impressionante, apesar destas condições vividas na 
instituição, os funcionários se apresentam satisfeitos. É verdade que não são exatamente os 
 135
mesmos índices que encontramos para os professores, mas, ainda assim, são excelentes; são 
trabalhadores que, independente dos problemas de trabalho, sentem-se satisfeitos com sua 
ocupação e não se arrependem da opção que fizeram. 
Por outro lado, apesar de satisfeitos, os funcionários apresentam índices de falta de 
comprometimento organizacional relevantes (18,0%). O fato de 23,4% dos funcionários 
perceberem o trabalho apenas como um meio para realizarem-se fora dele, ou seja, estarem 
centrados mais no dinheiro do que no trabalho em si, ajuda-nos a entender essa questão. 
 
Comprometimento 
 Comprometidos Não comprometidos Total 
Suporte administrativo 82,3 17,7% 100 
Suporte à educação 82,2 17,8% 100 
Suporte operacional 81,7 18,3% 100 
Total 82,0 18,0% 100 
 Figura 20, Cap. 6 - Problemas de comprometimento entre 
funcionários das áreas administrativa, educacional e operacional. 
 
Centralidade no dinheiro 
 Não centrado Centrado Total 
Suporte administrativo 85,1% 14,9% 100% 
Suporte a educação 83,9% 16,1% 100% 
Suporte operacional 71,4% 28,6% 100% 
Total 76,6% 23,4% 100% 
Figura 21, Cap. 6 - Problemas de centralidade no dinheiro entre 
funcionários das áreas administrativa, educacional e operacional. 
 
A faixa etária da maior parte destes trabalhadores, situada entre 30 e 50 anos (65,5%), boa 
parte assumindo o papel de principal provedor da família (quando não de único provedor), 
associados à baixa escolaridade (sobretudo entre os operacionais) e à conseqüente dificuldade de 
inserção no mercado de trabalho, justificam a preocupação maior com o dinheiro e explicam a 
satisfação com o emprego diante das dificuldades do mercado. A falta de um trabalho estimulante, 
envolvente, que capture as potencialidades do trabalhador e, principalmente, o não 
reconhecimento por parte da instituição, dos companheiros e da sociedade, por sua vez explicam o 
percentual mais elevado de falta de comprometimento entre estes profissionais. 
Ora, estar satisfeito com o trabalho não significa ignorar que existem coisas que não estão 
bem, é sobre isto que estivemos falando até então. Significa sim, considerar a realidade sócio-
econômica, disponibilidades de mercado, suas próprias qualificações e, sobretudo, suas 
 136
necessidades pessoais, não só de sobrevivência, mas também de afeto, de algo que é certo, com 
que se pode contar. 
O apoio afetivo originado pela relação entre os companheiros de trabalho tem um papel 
bastante importante na vida destes profissionais. Cabe-nos, neste momento, refletir sobre mais 
este papel que o trabalho exerce na vida destas pessoas: o papel socializador. Estamos falando, 
de forma geral, de trabalhadores com baixo poder aquisitivo e baixa instrução. Tratam-se de 
pessoas humildes e batalhadoras. Durante as entrevistas realizadas, destacaram-se alguns pontos 
em comum entre estes profissionais. São histórias de vida marcadas por pouco lazer; vida familiar 
conturbada; separações e perda de pessoas queridas; dificuldade de vínculo afetivo, em grande 
parte pela própria dificuldade de sobrevivência.A vida é dura, faltam recursos até mesmo para o 
básico. Muito esforço é necessário para conseguir, por exemplo, proporcionar estudo para os 
filhos. Filhos que carregam consigo o peso do desejo de sucesso dos pais, até para compensar as 
dificuldades passadas por eles próprios. O desejo de que os filhos possam ter uma vida diferente é 
muito marcante em alguns relatos. 
Nossa pesquisa revela que as relações sociais no trabalho fornecem um suporte que 
beneficia uma maior número de funcionários do que o suporte sócio-afetivo fora do contexto do 
trabalho. 
 
Relações sociais no trabalho 
 sem problema com problema Total 
suporte administrativo 92,66 7,34 100 
suporte a educação 91,98 8,02 100 
suporte operacional 92,32 7,68 100 
Total 92,43 7,57 100 
Figura 22, Cap. 6 - Distribuição de problemas de relações sociais 
no trabalho entre funcionários das áreas administrativa, 
educacional e operacional. 
 
Suporte Afetivo 
 sem problema com problema Total 
Suporte administrativo 80,1% 19,9% 100% 
Suporte a educação 78,6% 21,4% 100% 
Suporte operacional 72,4% 27,6% 100% 
Total 75,3% 24,7% 100% 
Figura 23, Cap. 6 - Distribuição de problemas de suporte afetivo 
entre funcionários das áreas administrativa, educacional e 
operacional. 
Suporte social 
 sem problema com problema Total 
 137
Suporte administrativo 80,2% 19,8% 100% 
Suporte a educação 78,0% 21,9% 100% 
Suporte operacional 76,8% 23,2% 100% 
Total 78,1% 21,9% 100% 
Figura 24, Cap. 6 - Distribuição de problemas de suporte social 
entre funcionários das áreas administrativa, educacional e 
operacional. 
 
Ter a segurança de que no dia seguinte encontrar-se-á a mesma colega de anos e anos 
com quem sempre se falou sobre os problemas do dia-a-dia, com quem sempre se compartilhou as 
peculiaridades de uma vida inteira de batalhas; de que no dia seguinte alguém se importa com o 
fato de sua presença; saber que, dia após dia, se tem um espaço e tarefas que, aconteça o que 
acontecer na sua vida pessoal, continuarão lá esperando para serem realizadas, são certezas 
reconfortantes. 
Estas necessidades supridas, em parte, pelo trabalho, não fazem com que os funcionários 
não estejam atentos às dificuldades que enfrentam no seu exercício profissional, nem que se 
orgulhem da organização que trabalham incondicionalmente, ou seja, não são suficientes para que 
se sintam comprometidos com a organização. De fato, torna-se difícil “vestir a camisa” daquele que 
não nos valoriza, que não faz com que nos sintamos importantes, que não compreende a forma 
como nos esforçamos por ele, que não nos oferece condições dignas de trabalho. Pode parecer 
paradoxal, mas não é. 
Ainda com relação a escolaridade, a situação que encontramos quanto à qualificação 
formal destes profissionais é, no mínimo, curiosa, gerando uma situação inusitada. Um dado que 
chamou a atenção foi que 65% dos operacionais possuem apenas primeiro grau incompleto de 
escolaridade, mas também, quase 20% deles tem segundo grau incompleto ou mais. Surpreende a 
quantidade de trabalhadores com alto nível de escolaridade, tendo em vista que se trata de um 
reduto tradicional dos trabalhadores com níveis mínimos de escolarização. Isto pode ser explicado 
pelo incremento de uma oferta crescente de pessoas com maiores níveis de escolaridade e pelo 
fato da educação ser um valor social. Estes fatores levam a que, na prática, ou formalmente, se 
incrementem os requisitos educacionais para o desempenho de cargos que outrora tinham 
menores exigências. Soma-se a isto a crise do emprego que obriga os trabalhadores mais 
escolarizados a aceitar empregos cujas tarefas não exigem o uso dos conhecimentos que 
possuem. 
Levando a escolaridade em consideração, observamos que os problemas enfrentados 
pelos mais escolarizados e pelos menos escolarizados no mesmo grupo ocupacional se diferencia 
muito. Entre os trabalhadores operacionais de menor grau de escolaridade (que são a maior parte), 
uma parcela maior experimenta penosidade no trabalho e avalia que trabalha apenas por dinheiro, 
 138
além de ter sentimentos de qualificação inferior, embora seus cargos não exijam qualificação. Já os 
operacionais que possuem maior grau de escolaridade têm problemas de comprometimento, 
cooperação, rotina, satisfação no trabalho e de relacionamento com o produto. 
Concluindo, não são apenas as condições organizacionais as responsáveis pelos 
problemas no trabalho dos funcionários. Caraterísticas da própria atividade, além, é claro, das 
características pessoais, também são responsáveis pela percepção reportada por estes 
trabalhadores sobre seus respectivos trabalhos. 
Se esta é a situação que se apresenta, quaisquer que sejam as providências tomadas ou a 
tomar para a melhoria dos níveis de ensino e/ou de qualificação dos professores, terão que 
enfrentar o fato de que as escolas estaduais se estruturam sobre pés de barro. Exatamente os 
trabalhadores responsáveis pela sua manutenção básica, pela infra-estrutura, aquela que permite 
que os professores ensinem e que os alunos aprendam, estão apresentando um quadro 
preocupante: salários significativamente mais baixos, mesmo quando comparados com os baixos 
salários da categoria; nível de escolaridade baixo; vários índices nas escalas de trabalho 
fortemente comprometidas; condições organizacionais precárias. Enfim, parece haver muito pouco 
de positivo no trabalho dos funcionários, principalmente dos funcionários operacionais. Ficará difícil 
pensar em melhorias de qualquer tipo sem levar em conta este setor. 
Como poderá um professor pensar em qualidade de ensino-aprendizagem, se não puder 
contar com o material de apoio didático, disponível e em condições de funcionamento, oferecidos 
pelo pessoal de apoio ao ensino; se não tiver uma sala de aula com quadro-negro, carteiras 
inteiras consertadas pelo auxiliar de serviços gerais, prontos para serem usados? Como cobrar 
organização e responsabilidade com as tarefas, se o calendário escolar, cadernos de chamada, 
boletins não estiverem disponíveis e organizados pelo pessoal da área administrativa; se a sala 
não estiver arrumada pela faxineira? Como ensinar respeito e cidadania se a escola estiver 
depredada, se as paredes estiverem pichadas e ninguém fizer nada; se não houver alguém 
zelando por aquilo que é nosso? Como passar noções sobre espaço público, se os banheiros e 
áreas comuns não tiverem sido cuidadosamente limpos pela agente de conservação e limpeza? 
Como falar sobre relacionamento humano se os alunos não estiverem iniciado seu turno escolar 
sendo recebidos calorosamente pelo porteiro ao chegar na escola; se a merenda não tiver sido 
carinhosamente preparada e distribuída pela merendeira? 
São tantos “comos” e “ses” envolvidos no cotidiano de uma escola que antecedem o 
alcance do produto final, que não nos arriscamos nem mesmo à tentativa de esgotá-los nessas 
citações. Certamente, seríamos injustos, e esqueceríamos de algum detalhe. Mas são os detalhes, 
“simples” detalhes que, muitas vezes, fazem a diferença. 
 139
 
PARTE III: IMAGENS E MIRAGENS DA ESCOLA 
PÚBLICA 
 140
Cap 7 - Violência e Agressão 
Analia Soria Batista, Patrícia Dario El-moor 
 
Em um livro que se transformou em um marco importante na América Latina, chamado 
“Ação e Ideologia. Psicologia Social desde Centroamérica” 3, Ignacio Martin Baró aceita o desafio 
de compreender o contexto da violência característico de El Salvador. Para tal fim percorre 
diferentes enfoques sobre o fenômeno, identificando seus elementos e processos para reintegrá-
los numa original totalidade que lhe permita entender a América Central, o particular, no entanto 
sem particularizar o modo de apreensão da questão. 
O percurso analítico realizado mostra que embora sua intenção seja entender antes de 
tudo o contexto da violência política ali instalada, vários dos elementos e processos que permitem 
a compreensão do problema transcendem o chamado paradigmada violência política que 
caracterizou a nossa região até pouco tempo. Do particular podemos buscar uma apreensão 
universal, do historicamente situado, um deslocamento no tempo. 
Baró (1983) distingue etmologicamente os termos violência e agressão. Este psicólogo 
social latino-americano propõe entender violência como a aplicação de uma força excessiva a algo 
ou a alguém, entretanto agressão seria a violência dirigida contra alguém com o propósito de 
causar-lhe dano. 
Ambos termos entranham uma valoração negativa, embora os psicólogos os utilizem de 
formas diferentes. Alguns outorgam uma valoração negativa apenas à violência. A agressão pelo 
seu lado não teria valoração nem negativa nem positiva, na medida em que se trataria de um 
instinto ou de um impulso (dependendo da corrente de pensamento teórico) característico da 
espécie humana e direcionado à luta pela sobrevivência individual e coletiva. O apelo biológico da 
agressão estaria na base dos discursos de alguns estudiosos que insistem em sustentar que no 
cotidiano das escolas acontecem ações agressivas entre gerações diferentes e indivíduos da 
mesma idade, mas que o vínculo entre estas e o que se considera como violência seria na prática 
inexistente. 
Jurandir Freire Costa (1984) define violência como o emprego desejado de agressividade 
com fins destrutivos; ou seja, a violência ocorre quando há desejos de destruição de parte do 
algoz. Além disso, este último, a vítima e os observadores traduzem a ação realizada como 
violenta (VG. Fukui, 1992). Segundo essa definição, além de existir uma motivação de destruição 
 
3 Por ironia trágica, Baró morreu assassinado por militares em El Salvador, em 1979, exatamente 
uma vítima do processo que ajudou a compreender. 
 141
no indivíduo, a própria sociedade identifica e menciona o ato por ele realizado como violento. 
Chamamos aqui a atenção para dois fatos complementares: 1) a definição social da violência 
comporta uma base ética, e 2) o comportamento tido como violento muda historicamente e pode 
ser diferente em cada contexto sócio- cultural, ou seja, ele é relativo no tempo e no espaço. 
Além disso, a definição social e histórica da violência e da agressão, do que seja 
mencionado como violência na sociedade, e a sua valoração positiva ou negativa, poderá 
depender dos interesses conflitantes que caracterizam uma sociedade de classes. Um exemplo 
disto temos na chamada violência no campo no Brasil. 
Para Baró, no entanto, na medida em que o que é mencionado como violência em 
determinado momento histórico, traz as “marcas” dos conflitos sociais que atravessam uma 
sociedade capitalista, será necessário primeiro avançar na compreensão do que seja o ato 
violento. Trata-se então primeiro de entender o ato em questão “em abstrato”, fora de seus 
condicionamentos histórico - sociais, para logo tentar compreende-lo na sociedade brasileira da 
atualidade. 
Um primeiro desafio será decidir se o ato violento ou agressão tem que ser compreendido 
como um simples dado positivo (behaviorismo ortodoxo), ou se é necessário valorar a significação 
do fato desde a perspectiva do autor (pessoa ou grupo) e desde o ponto de vista da sociedade 
(behaviorismo menos ortodoxo). Baró (1983), enfatiza que desde o ponto de vista da significação 
psicossocial das ações violentas ou agressivas, a compreensão do fato passa pela justificação 
esgrimida em face do mesmo, o que permite ir além da aparência (fachada) da conduta. Essa 
justificação tem que ser examinada no marco dos interesses e valores concretos que caracterizam 
cada sociedade ou grupo social (VG. Baró, 1983). 
 
Aspectos analíticos do ato violento ou agressão 
 
Segundo Baró, quatro elementos devem orientar o exame do ato violento ou da agressão. 
Em primeiro lugar, esse ato comporta uma estrutura formal. Por isso, é necessário distinguir o tipo 
de violência ou agressão de que se trata: se ela está sendo um meio para conseguir um fim, ou se 
pelo contrário, ela é um fim em si mesma. Na sociedade predomina o primeiro tipo de violência, 
embora a segunda também esteja presente, resgatando uma visão da violência ou agressão 
produto da maldade ou transtorno mental de quem a executa. O segundo elemento apontado diz 
respeito aos aspectos pessoais que ingressam no ato. O terceiro aponta a presença de um 
contexto possibilitador do ato, constituído por valores e normas, formais e informais, que vão na 
direção da aceitação da violência como um estilo de comportamento, sendo então esse 
comportamento “invocado” no contexto. O quarto elemento aponta o papel do contexto imediato da 
 142
ação violenta, por exemplo, nas comunidades onde as pessoas costumam andar armadas é fácil 
que uma briga qualquer termine em morte. 
Muitas vezes esse contexto violento está institucionalizado ou seja, convertido em normas, 
rotinas etc. É importante destacar que quando existe uma institucionalização da violência na 
sociedade ou em uma parte dela, a pior opção em face dessa realidade é incrementar a repressão 
pública e/ou privada. A represália violenta num contexto de institucionalização/rotinização da 
violência pode levar ao incremento dela, na medida em que será difícil distinguir o que é defesa do 
que é ataque, o que é proteção, do que é agressão. 
 
Figura 1, Cap. 7 – Quadrinho da Mafalda sobre violência. 
Violência ou agressão e sociedade 
Já adiantamos que certos enfoques apontam a violência humana ou agressão como 
vicissitudes de forças biológicas (enfoque instintivista: modelo teológico e modelo psicanalítico). 
Outros, centrados no ambiente (ambientalistas), apontam o papel da frustração na produção da 
agressão e ao fato da aquisição e condicionamento social do comportamento agressivo. Para Baró 
(1983), não seria necessário procurar as raízes da agressão e da violência no interior das pessoas, 
mas nas circunstâncias em que vivem e se encontram, seja porque as pessoas vejam frustradas 
suas aspirações, ou porque aprendam a conseguir seus objetivos mediante a violência. Em ambos 
 143
os casos a fonte da violência estaria fora dela. Um chamado de atenção: o importante é examinar 
que tipo de violência se aprende ou se desencadeia, dirigida contra quem ou o quê, e com que 
efeitos na realidade concreta de uma sociedade. 
Finalmente, Baró alude ao enfoque histórico (Fromm, 1975) do fenômeno da violência 
acentuando que cada estrutura social configura o caráter dos membros, sendo que uma das 
possibilidades é a configuração da pulsão agressiva que leva o indivíduo a obter satisfação 
destruindo e matando. O ser humano estaria aberto aos comportamentos violentos mas essa 
abertura só se materializa ao longo da história de cada pessoa. Os fatores imediatos no 
desencadeamento da violência são a frustração, um meio propício para isso, a pressão grupal, a 
disponibilidade do poder e, especialmente, o convencimento sobre seu valor instrumental. 
Para entender a violência a partir de uma perspectiva psicossocial, Baró integra os vários 
enfoques (seus elementos e processos) numa totalidade. Mencionaremos apenas aqueles 
elementos que resultem interessantes para pensar o problema da violência nas escolas na 
sociedade brasileira atual. Para o autor, o ser humano é um ser aberto à violência e agressão 
como possibilidades comportamentais que têm sua base na configuração do próprio organismo. 
Que estas possibilidades se materializem ou não dependerá das circunstâncias sociais em que se 
encontrem os indivíduos e das exigências particulares que cada pessoa tenha que confrontar na 
sua própria vida. 
O ponto de partida da análise da violência exige: ter em conta a existência da violência 
estrutural inscrita nas sociedades, que não se reduz apenas a uma desigual distribuição dos 
recursos disponíveis impedindo ou limitândo a satisfação das necessidades básicas da maioria do 
povo; e que supõe ademais um ordenamento

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