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1 Estado Democrático de Direito Samuel Vasconcelos Marques Justiça e diálogo sociaL Copyright © 2020 Fundação Demócrito Rocha FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA (FDR) Presidência: João Dummar Neto Direção Administrativo-Financeira: André Avelino de Azevedo Gerência Geral: Marcos Tardin Gerência Editorial e de Projetos: Raymundo Netto Análise de Projetos: Emanuela Fernandes e Fabrícia Góis UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE (UANE) Gerência Pedagógica: Viviane Pereira Coordenação de Cursos: Marisa Ferreira Design Educacional: Joel Bruno Secretaria Escolar: Thifane Braga CURSO JUSTIÇA E DIÁLOGO SOCIAL Concepção e Coordenação Geral: Cliff Villar Coordenação Executiva: Ana Cristina Barros Coordenação Adjunta: Patrícia Alencar Coordenação de Conteúdo: Gustavo Brígido Editorial e Revisão: Verônica Alves Edição de Design: Amaurício Cortez Projeto Gráfico e Diagramação: Welton Travassos Ilustração: Karlson Gracie Coordenação de Produção: Gilvana Marques Produção: Juliana Guedes Análise de Projeto: Narcez Bessa Marketing e Estratégia: Andrea Araújo, Kamilla Damasceno e Wanessa Góes Performance Digital: Alice Falcão TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ Presidente do Tribunal de Justiça do Ceará: Desembargador Washington Luís Bezerra de Araújo Vice-presidente do Tribunal de Justiça do Ceará: Desembargadora Maria Nailde Pinheiro Nogueira Corregedor-geral do Tribunal de Justiça do Ceará: Desembargador Teodoro Silva Santos Desembargador Washington Luís Bezerra de Araújo Desembargadora Maria Nailde Pinheiro NogueiraDesembargadora Maria Nailde Pinheiro NogueiraDesembargadora Maria Nailde Pinheiro Nogueira Produção: Análise de Projeto: Análise de Projeto: Marketing e Estratégia: Marketing e Estratégia: Performance Digital: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ Presidente do Tribunal de Justiça do Ceará: Presidente do Tribunal de Justiça do Ceará: Presidente do Tribunal de Justiça do Ceará: Vice-presidente do Tribunal de Justiça do Ceará: Vice-presidente do Tribunal de Justiça do Ceará: Vice-presidente do Tribunal de Justiça do Ceará: Corregedor-geral do Tribunal de Justiça do Ceará: Corregedor-geral do Tribunal de Justiça do Ceará: Corregedor-geral do Tribunal de Justiça do Ceará: Marketing e Estratégia: Marketing e Estratégia: Marketing e Estratégia: Performance Digital: Performance Digital: Performance Digital: Performance Digital: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ Presidente do Tribunal de Justiça do Ceará: Presidente do Tribunal de Justiça do Ceará: Presidente do Tribunal de Justiça do Ceará: Vice-presidente do Tribunal de Justiça do Ceará: Vice-presidente do Tribunal de Justiça do Ceará: Vice-presidente do Tribunal de Justiça do Ceará: Vice-presidente do Tribunal de Justiça do Ceará: Corregedor-geral do Tribunal de Justiça do Ceará: Corregedor-geral do Tribunal de Justiça do Ceará: Corregedor-geral do Tribunal de Justiça do Ceará: Produção: Análise de Projeto: Análise de Projeto: Marketing e Estratégia: Marketing e Estratégia: Marketing e Estratégia: FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA (FDR)FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA (FDR)FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA (FDR)FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA (FDR) Presidência: Presidência: Presidência: Presidência: Gerência Geral: Gerência Editorial e de Projetos: Gerência Editorial e de Projetos: Gerência Editorial e de Projetos: Gerência Editorial e de Projetos: UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE (UANE)UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE (UANE)UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE (UANE)UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE (UANE) Gerência Pedagógica: Coordenação de Cursos: Joel Bruno Thifane Braga Ana Cristina BarrosAna Cristina BarrosAna Cristina Barros Patrícia Alencar Gustavo BrígidoGustavo Brígido Amaurício Cortez Projeto Gráfico e Diagramação: Welton Travassos Gilvana MarquesGilvana Marques Narcez BessaNarcez Bessa Andrea Araújo, Kamilla Damasceno Andrea Araújo, Kamilla Damasceno Andrea Araújo, Kamilla Damasceno Alice FalcãoAlice Falcão Narcez Bessa TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ Presidente do Tribunal de Justiça do Ceará: Presidente do Tribunal de Justiça do Ceará: Vice-presidente do Tribunal de Justiça do Ceará: Vice-presidente do Tribunal de Justiça do Ceará: Corregedor-geral do Tribunal de Justiça do Ceará: Corregedor-geral do Tribunal de Justiça do Ceará: Corregedor-geral do Tribunal de Justiça do Ceará: Todos os direitos desta edição reservados à: Fundação Demócrito Rocha Av. Aguanambi, 282/A - Joaquim Távora CEP 60055-402 - Fortaleza-Ceará Tel: (85) 3255.6073 - 3255.6203 fdr.org.br fundacao@fdr.org.br Dados Internacionais de Catalogação na Publicação J97 Justiça e diálogo social / Cli� Villar (organizador); Gustavo Brígido (coordenador); Karlson Gracie (ilustrador). – Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 2020. 192 pg. 12 fascículos : il. color. 1. Direito. 2. Poder Judiciário. 3. Democracia. 4. Direitos sociais. 5. Cidadania. I. Título. II. Série. CDD 340 Bibliotecário: Francisco Edvander Pires Santos (CRB-3/1212) Este fascículo é parte integrante do projeto Justiça e Diálogo Social, em decorrência do contrato celebrado entre a Fundação Demócrito Rocha e o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará. Sumário 1. Introdução.................................................................................................... 4 1.1. Tripartição dos Poderes .......................................................................... 5 1.2. Da Vontade do Rei à Vontade da Lei .................................................... 8 1.3. Democracia Indireta e Democracia Direta ..........................................11 1.4. O Estado Democrático de Direito e a Constituição de 1988. ........... 13 1.5. Referências. ............................................................................................15 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE4 1. Introdução A utilização do termo “Estado Democrá- tico de Direito”, embora reiteradamente reproduzido no convívio social, muitas vezes é compreendido equivocadamen- te diante da di� cultosa conceituação e das várias facetas que esse representa. O fato de tal termo ter sido inserido no texto da Constituição da República Fe- derativa do Brasil de 1988, em seu artigo 1º, demonstra a importância e necessi- dade de sua compreensão, levando em consideração todas as consequências que dela podem advir. A concepção de Estado na con- temporaneidade é caracterizada pelo protagonismo do poder público, que se encontra praticamente em todas as áreas de relacionamento humano, fa- zendo, assim, com que a expressão “Estado Democrático de Direito” ganhe uma maior notoriedade. O fato de tal termo ter um status constitucional, previsto no artigo 1º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, torna obrigatória a sua compreensão. Entretanto, tal status constitucional amplia a responsabilidade ao interpretar tal termo, uma vez consi- derada a natureza dinâmica da interpre- tação constitucional, diante compreen- são evolutiva dos dispositivos consti- tucionais principiológicos, eliminando a concepção de conceito estanque. A � uidez do termo em análise está relacionada aos distintos tipos de Esta- dos existentes que serviram de in� uência para sua de� nição, di� cultando, assim, a sua generalização. Além disso, impor-lhe de� nição única e estanque seria des- considerar as formulações teóricas dos elementos “democracia” e “direito”, haja vista seus conceitos convergirem para fundamentação de um Estado democrá- tico de direito. O estudo do “Estado De- mocrático de Direito” deve ser realizado mediante abordagem histórica, que se pode entender a partir de sua evoluçãono tempo e também em relação aos fa- tos que o in� uenciaram. 5JUSTIÇA E DIÁLOGO SOCIAL A análise da evolução do Estado Democrático de Direito é de fundamen- tal importância para compreensão do sentido que se deve empregar nos dias de hoje para o termo que dá nome ao presente escrito. O caminho a ser per- corrido, portanto, passará pela análise de fatos históricos que in� uenciaram a conceituação de Estado Democrático de Direito, em relação ao desenvolvimento do Direito. 1.1. Tripartição dos Poderes A gênese da discussão em torno da separação de poderes remonta, inicial- mente, a Aristóteles (Século IV a.C), aprimora-se em Locke (Século XVII d.C) e se propaga com Montesquieu (Século XVIII d.C), cuja sistematização lhe confe- riu fama que repercute até os dias atuais. Aristóteles foi o primeiro � lósofo a catalogar as diferenças básicas e agru- par as funções estatais em três catego- rias distintas, delineadas como função deliberante, função executiva e função judiciária. Apesar disso, não se atribui ao pensamento aristotélico a concepção separatista dos poderes, uma vez que as diferentes funções de governo naque- la época ainda não permitiam que seu exercício fosse realizado entre órgãos distintos. Posteriormente tais ideias foram assimiladas por John Locke e, em se- guida, aperfeiçoadas por Montesquieu, considerado como o primeiro � lósofo a defender que o exercício das diferentes funções estatais deve ser atribuído a ór- gãos distintos. Montesquieu defendeu que a divi- são funcional do poder necessita de uma real divisão orgânica, por isso, sustentou que as funções legislativas, executivas e judiciais devem ser exercidas por órgãos distintos, independentes e autônomos. A teoria racionalista de Montes- quieu, que foi base ideológica para revo- luções liberais, não serviu estritamente ao desenvolvimento de bases de uma teoria abstrata, mas cuidou também de aspectos objetivos ao associar a sepa- ração funcional à existência de órgãos distintos a desempenhá-las, originando verdadeira técnica de contenção do po- der pelo próprio poder, haja vista que ne- nhum dos órgãos estatais seria detentor de estrutura e competências para sujei- tar os outros. A teoria separatista serviu também como contribuição ao advento do cons- titucionalismo e do Estado de Direito, tendo como fator determinante para tal compreensão a inserção do artigo 16 da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, através da a� rmação “qualquer sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição”. FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE6 Contudo, a aplicação de rígida sepa- ração das funções estatais demonstrou- -se como inviável na prática, levando em consideração movimentos importantes como as Revoluções Americana e Fran- cesa, sobretudo diante da necessidade de evitar que as funções estatais se tornas- sem independentes a ponto de se afasta- rem de uma vontade política central. Aliás, Montesquieu, em sua teoria funcional separatista, já havia alertado sobre esse perigo ao sugerir a adoção de mecanismos de controle recíproco entre os poderes, objetivando uma convivên- cia independente e harmoniosa entre as funções estatais, na qual a independên- cia fosse exercida por suas funções típi- cas e a harmonia pelos mecanismos de controle recíproco. Diante disso, a noção de divisão fun- cional do poder absoluta sofreu revisões até ser completamente desmisti� ca- da. De fato, a noção de poderes abso- lutamente independentes não sujeitos a qualquer tipo de ingerência externa di� cilmente se ambientaria a um cená- rio cheio de complexos problemas que pressupõem diálogo e interatividade. A ampliação das atividades estatais impôs novas formas de relacionamento entre os órgãos do legislativo, do execu- tivo e do judiciário, por isso, sucedeu-se a doutrina da teoria dos freios e contrape- sos, também conhecida do inglês como teoria do checks and balances, cuja no- ção parte da concepção de que cada ór- gão do poder � scaliza a atuação do outro, principalmente no que diz respeito à ob- servância das diretrizes constitucionais. O princípio da separação dos po- deres está expresso na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 2º, apresentando limitação ao poder estatal mediante a desconcen- tração das funções estatais. Registra-se importante destacar que o princípio da separação dos poderes está também inserido no rol das chamadas cláusulas pétreas, no artigo 60, parágrafo 4º, inciso III, do texto constitucional brasileiro. JUSTIÇA E DIÁLOGO SOCIAL 7 Tanto a interatividade quanto o con- trole recíproco entre os poderes (freios e contrapesos) podem ser percebidos em diversas passagens constitucionais, a exemplo da que permite a participação do Chefe do poder Executivo no proces- so legislativo, ora como titular da inicia- tiva de projetos, ora como responsável pela sanção ou veto de tais projetos. Por outro lado, também se veri� cou a conveniência constitucional de estabele- cer excepcionalmente a um dado poder o exercício de funções atípicas que, a prin- cípio, seria função típica de outro poder. Daí falar-se em funções típicas e atípicas, realidade que traduz a divisão mais � exí- vel das funções entre os distintos órgãos. De tal modo, tanto o Executivo, quanto o Legislativo podem exercer ex- cepcionalmente, de forma atípica, as funções judiciais, que são funções típi- cas do Judiciário. Exemplo de tal pos- sibilidade na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, está no julgamento de infrações administrativas cometidas por seus servidores em pro- cessos administrativos disciplinares. Contudo, destaca-se aqui a impre- cisão técnica do termo “separação dos poderes”, haja vista que todos os atos estatais são oriundos da atuação de um único poder. O poder, como sabido, é apenas um, daí a razão de não se falar em divisão de poderes, mas sim em de- sempenho harmônico das funções esta- tais por órgãos distintos, independentes e harmônicos. Por � m, pode-se destacar que o que existe expressamente no texto constitu- cional é uma divisão horizontal funcional entre os poderes legislativo, executivo e judiciário, cuja caraterística da hori- zontalidade é resultado da ausência de hierarquia entre os órgãos exercentes de tais funções estatais, o que permite a operacionalização de suas competên- cias constitucionalmente estabelecida, assimilando a ideia de que o princípio da separação dos poderes possui íntima li- gação com o regime de governo demo- crático e com a forma de governo repu- blicana. Constata-se que a separação dos poderes é fundamental para ma- nutenção da ordem democrática, pois impede a atuação prepotente do Estado sobre os cidadãos, delimitando a atua- ção das funções estatais. FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE8 1.2. Da Vontade do Rei à Vontade da Lei Pretende-se nesta seção dissertar sobre a evolução histórica do Estado, determi- nando sobre a passagem do Estado Ab- solutista ao que chamamos hoje de Es- tado Democrático de Direito, o caminho a ser percorrido passará por uma análise histórica sobre a transição dos dois tipos de Estado. Até os séculos derradeiros dá con- siderada Idade Média não existiam Esta- dos com poder concentrando nas mãos de um rei, mas sim a formação de diver- sos reinos com o poder político dividido entre os senhores dos grandes feudos, denominados como senhores feudais. A noção de poder centralizado, como já subtendido no parágrafo acima, então, surgiu a partir do � nal da Idade Média, como consequência de numero- sas crises ligadas ao feudalismo, como as revoltas camponesas e a ascensão da burguesia. Tal contraponto gerou a con- cepção do Estado Moderno que rompeu com as peculiaridades da serventia feu- dal e com o regionalismo político. Em decorrência da consolidação do Estado Moderno, surge o EstadoAbso- lutista como sistema político de Estado que pressupõe a centralizacão de todo o poder político nas mãos de uma única pessoa, muitas vezes denominada como monarca, gerando a este a titularização de poder absoluto e ilimitado. Diferentemente do que acontecia da Idade Média, no Estado Absolutista, o monarca controlava todo o poder para tomada de decisões da nação, o que fa- cilitou a implementação mais simpli� ca- das de medidas governamentais e, até mesmo, de um exército, pois já não se- ria mais necessário o auxílio dos nobres para sua composição. O declínio do sistema político abso- lutista teve seu início por volta do Século XIX com o surgimento dos ideais ilumi- nistas que buscavam a descentralização do poder político, questionando a noção de poder absoluto titularizado e exercido por um monarca, que assim era conside- rado pela adoção da teoria da vontade divina, haja vista que o iluminismo pre- gava como princípio a racionalização do pensamento humano. Com o surgimento dos ideais ilumi- nistas e o declínio do Estado Absolutista, surgiu uma nova ordem de poder exercida pelo Estado, inspirada em princípios oriun- dos das Revoluções Americana e Francesa, conhecida como Estado Liberal, que com- batia frontalmente os ideais absolutistas. Os princípios norteadores do Estado Liberal são os da liberdade e da igualdade, gerando, assim, a noção de intervenção reduzida do Estado nas relações sociais. O aspecto central da ordem liberal está na noção de mercado natural, cuja par- ticipação de todos é realizada com base nos interesses individuais de cada um, em substituição ao mercado arti� cial. A racionalidade da limitação do poder estatal é sustentada a partir da concepção doutrinária dos direitos hu- manos, direitos que não podem ser suprimidos pelo Estado. De tal modo, pode-se compreender que o cerne do liberalismo está na limitação do poder e das funções estatais. A limitação das funções estatais pode ser compreendida a partir da se- paração dos poderes, os quais exercem funções independentes e realizam � s- calizações mútuas, balanceando, assim, a estrutura social das funções estatais. Como já delineado, não há preponde- JUSTIÇA E DIÁLOGO SOCIAL 9 rância de nenhuma das funções esta- tais sobre qualquer outra, tendo essas a mesma relevância na dinâmica do poder público. Na posição clássica de Adam Smi- th (Século XVIII), o Estado Liberal, que interfere minimamente nas relações so- ciais do Estado, deve exercer tal inter- ferência somente na promoção da se- gurança interna e externa do país, assim como prover obras e serviços que não são de interesse dos particulares, con- forme pode ser visualizado nas seguin- tes passagens: “O primeiro dever do soberano é o de proteger a sociedade contra a violência e a invasão de outros países independentes” (SMITH, 1776, p. 689); “O segundo dever do soberano é o de proteger, na medida do pos- sível, cada membro da sociedade da injustiça ou opressão de todos os outros membros da mesma, ou o dever de estabelecer uma administração judicial rigorosa” (SMITH, 1776, p. 708); “O terceiro dever é de criar e manter essas instituições e obras públicas que, embora possam proporcionar a máxima vantagem para uma grande so- ciedade, são de tal natureza que o lucro jamais conseguiria com- pensar algum indivíduo ou um pequeno número de indivíduos, não se podendo, pois, esper- ar que algum indivíduo ou um pequeno número de indivíduos as crie e mantenha.”(SMITH, 1776, p. 723) 10 O controle da economia pode par- tir de poucos, o aumento substancial da oferta de produtos e serviços e a diminui- ção da procura, evidenciado no crack da Bolsa de Nova Iorque em 1929, acabaram gerando falta de credibilidade ao capita- lismo liberal e ensejo ao crescimento de uma ordem socialista de Estado. Outro fator de colaboração ao de- senvolvimento da ordem de Estado so- cialista foi o advento da Revolução Rus- sa, primeira experiência de aplicação dos ideais do marxismo, que, além do questionamento surgido ao sistema ca- pitalista, desencadearam na decadência do Estado Liberal, gerando ascensão ao Estado Social. O socialismo surgiu, principalmente, como consequência da Revolução Indus- trial, re� etido através dos efeitos sobre a classe operária. A tecnologia industrial ge- rou o aumento da produção e as relações existentes entre mestres e aprendizes fo- ram modi� cadas e substituídas pela noção de livre contratação e demissão. Tendo em vista a decadência econô- mica do Estado Liberal, o Estado Socia- lista surge como alternativa para o cres- cimento econômico do país, ao mesmo tempo que também serviu para garantia da proteção individual dos cidadãos. A concepção de Estado Liberal foi apoiada também no plano doutrinário econômico, a partir da teoria de John Maynard Key- nes, teoria keynesiana, que tem como princípio o papel interventor do Estado sobre a economia. A coletividade, e não o indivíduo, passou a ser interesse do Esta- do Socialista, gerando a noção do Welfare State (Estado de Bem -Estar Social). Por � m, em desenvolvimento ao papel do Estado, in� uenciado pela uni- versalização dos Direitos Humanos, sur- giram os ideais do Estado Democrático de Direito, em que o objetivo do Poder Público não estava mais voltado sim- plesmente aos interesses da coletivida- de, mas também aos interesses de cada um dos indivíduos, gerando um equilíbrio entre a coletividade e a individualidade. FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE JUSTIÇA E DIÁLOGO SOCIAL 11 O Estado Democrático de Direito pode ser de� nido como conjunto de re- gras jurídicas, democraticamente e dis- cursivamente adotadas, ou seja, é uma compreensão de Estado que garante uma igualdade inclusiva, na qual todos os direitos fundamentais da pessoa hu- mana são relevantes. O nascimento do Estado Democrá- tico de Direito serviu para possibilitar a ideia de que todos os homens, indistin- tamente, possam eleger regras para de- limitação do contorno social do Estado. As regras que moldam as relações so- ciais são frutos do consenso e da vonta- de humana. Os princípios defendidos pelo Esta- do Democrático de Direito são os da li- berdade e da igualdade. A liberdade que deve ser garantida mediante um absen- teísmo do Estado e a igualdade mediante uma postura de presença do Estado nas relações sociais. Todos são considerados como de igual importância, pois a vonta- de do povo é considerada soberana. Por isso, o Estado Democrático de Direito garante sua solidez, pois ele rompe com toda a ordem arbitrária e tendenciosa, visando efetivamente a uma sociedade melhor, sociedade onde haja inclusão e desenvolvimento humano e social. 1.3. Democracia Indireta e Direta A soberania popular apresenta-se como elemento pelo qual o Estado é considera- do como sujeito à vontade do povo, que é a fonte do poder político. Está indis- sociavelmente relacionado aos nomes da Escola Contratualista, como Hobbes (1588-1679), Locke (1632-1704) e Rous- seau (1712-1778). Todos clamavam que os indivíduos, ao escolherem � rmar um contrato social, abririam mão, de forma voluntária, de alguns direitos em troca de proteção contra os riscos possíveis de um estado natural. Para Rousseau (ROUSSEAU, 1999, p.51), a soberania popular é considerada como inalienável e indivisível, devendo esta ser exercida pela vontade de todos: A soberania é inalienável (...) só a vontade geral pode dirigir as forças do Estado de acordo com a � nalidade de sua instituição que é o bem comum. Pois, se a oposição dos interesses partic- ulares tornou necessário o esta- belecimento das sociedades, foi o acordo desses mesmos inter- esses que o possibilitou. É o que existe de comum nesses vários interesses que formam o víncu- lo social e, se não houvesse um ponto em que todos os inter- esses concordassem, nenhuma sociedade poderia existir. Ora, somente com base nesse inter- esse comum é que a sociedade deve ser governada.Segundo Rousseau, não há socieda- de se os interesses forem esparsos e não constituírem a vontade geral. Para o au- tor, a restrição ao acatamento de ordens e leis faz com que o ser humano perca a sua característica, já que con� guraria a presença de um senhor que governa, mas não a de um soberano. A soberania está inexoravelmente relacionada ao exercício da vontade geral, apresentando-se como vontade de um corpo político. Porém, para Benjamim Constant (2005, p.16), torna-se necessário des- tacar que a Democracia não pode ser considerada como um � m em si mesmo, haja vista que nem sempre a vontade da maioria é su� ciente para tornar qualquer ato como correto. Segundo o autor, o poder popular não pode ser considera- 12 do como ilimitado, haja vista que este é limitado frente ao direito dos indivíduos, bem como aos ideais de justiça. O princípio da soberania popular se manifesta tanto quando o povo, direta- mente, faz as leis, assim como quando o povo elege aqueles que agem em seu nome e sob sua vigilância imediata. O en- tendimento central apresenta-se como a ideia de que a legitimidade do governo deve estar fundada no consentimento dos governados. Tratando-se a sobe- rania popular como elemento básico da maioria dos governos democráticos. Trata-se de noção elencada pelo ideal de Estado Democrático de Direi- to, em contraposição ao absolutismo, a adoção de um regime de governo que permite ao povo a observância de sua vontade. Sendo notório perceber que quanto maior for o protagonismo do povo, mais fortalecido será o regime de- mocrático, implicação esta que não en- sejaria no enfraquecimento dos elemen- tos de representação política. De acordo com essa realidade, apresentam-se os institutos de exercício da democracia direta, como expressão da democracia participativa. Sobre tal aspecto, surge a neces- sidade de pensar na representatividade e sua transformação, de modo que ga- ranta a qualidade da democracia, apre- sentando-se como recon� guração da representatividade política por meio de alguns institutos jurídicos permissivos da FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE 13JUSTIÇA E DIÁLOGO SOCIAL participação popular, elencando, assim, uma noção de representatividade assu- mida pelos atores populares no exercício das funções políticas. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 consagra dentre os Fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º), o princípio da Soberania, elencada no parágrafo único do mesmo dispositivo constitucional como Soberania Popular, noção que atribui ao povo a titularidade do Poder. A soberania popular será exer- cida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para to- dos, e, nos termos da lei, mediante ple- biscito, referendo e iniciativa popular. Além dos mecanismos tradicio- nais de exercício da democracia direta, também se encontram na Constituição Federal de 1988 outras prerrogativas relacionadas ao exercício da cidada- nia, que diz respeito à efetivação dos direitos políticos, como a Ação Popu- lar, remédio constitucional que exige a comprovação da regularidade no exercício dos direitos políticos para sua impetração. Apresentando-se como instrumento que efetiva a noção de So- berania Popular, inclusive sobre os atos administrativos praticados. A participação popular, presente no ordenamento jurídico brasileiro e fomen- tada pelas fontes teórico-doutrinárias sobre o assunto, tem sido desenvolvida por meio das experiências obtidas du- rante o movimento de redemocratização do País. Tal percepção é delineada por Santos (2011, p. 90): “É por esse proces- so de continuidade e rea� rmação que a vivência democrática de um Estado e sua comunidade deve ser analisada, de modo a veri� car a a� rmação sucessiva de direitos e garantias”. Nesse sentido, percebe-se que o povo, como titular do poder político, en- contra ao seu alcance a responsabilidade pelo exercício da democracia direta (par- ticipativa) e democracia indireta (repre- sentativa) na determinação da vontade geral da nação, bem como no exercício do controle sobre os atos praticados pela Administração Pública, que é exercida pelos agentes políticos eleitos e outros agentes administrativos. 1.4. O Estado Democrático de Direito e a Constituição de 1988 Com a consolidação da ordem constitu- cional diante da promulgação da Consti- tuição da República Federativa do Brasil de 1988, constituiu-se o Estado Demo- crático de Direito no direito brasileiro, consagrando em seu artigo 1º os princí- pios fundamentais da soberania, cidada- nia, dignidade da pessoa humana, valo- res sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. A concepção de Estado Democrá- tico de Direito na Constituição Fede- ral brasileira, por sua vez, não signi� ca apenas a reunião dos princípios do Es- tado de Direito e do Estado Democrá- tico, mas também a realização de um conceito que quali� ca o Estado de “de- mocrático”, irradiando esse valor sobre toda a estrutura organizacional dos en- tes da federação brasileira. A democracia que o Estado Demo- crático de Direito realiza tem que ser considerada como processo de con- vivência social fundamentada em uma sociedade livre, justa e solidária, como explicitada nos objetivos da República Federativa do Brasil (artigo 3º), em que o Poder emana do povo e deve ser exer- cido com base nos anseios desse, como base à democracia. FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE14 O princípio democrático então se re- laciona com o direito de sufrágio, e este se conforma pelos princípios da univer- salidade (em relação ao voto e à elegibi- lidade), da imediaticidade (o cidadão dá a primeira e a última palavra), da liberdade de voto (que também se revela no princí- pio do voto secreto), da igualdade de voto (mesmo peso e mesmo valor de resulta- do), da periodicidade e da unicidade. No Brasil, com a introdução da con- cepção de Estado Democrático de Direi- to, nos moldes das Constituições france- sa e espanhola, em que o império da lei é fundamentado, a justiça social deve res- peitar também a pluralidade do indivíduo, abrangendo as liberdades econômicas, sociais e culturais. O Estado de Direito nos dias atuais tem um signi� cado mais amplo e de fun- damental importância, presente no desen- volvimento das sociedades, como um pilar de respeito à lei. Sendo um importante pa- radigma para as bases da democracia oci- dental. Os novos parâmetros substantivos que permeiam a conformação do Estado Democrático de Direito contemporâneo reintroduzem a consideração dos � ns e valores que a sociedade e o Estado devem promover para o bem de uma sociedade. JUSTIÇA E DIÁLOGO SOCIAL 15JUSTIÇA E DIÁLOGO SOCIALJUSTIÇA E DIÁLOGO SOCIALJUSTIÇA E DIÁLOGO SOCIALJUSTIÇA E DIÁLOGO SOCIALJUSTIÇA E DIÁLOGO SOCIALJUSTIÇA E DIÁLOGO SOCIALJUSTIÇA E DIÁLOGO SOCIALJUSTIÇA E DIÁLOGO SOCIALJUSTIÇA E DIÁLOGO SOCIALJUSTIÇA E DIÁLOGO SOCIALJUSTIÇA E DIÁLOGO SOCIALJUSTIÇA E DIÁLOGO SOCIALJUSTIÇA E DIÁLOGO SOCIAL 1515 Referências ABRAHAM, Marcus. Orçamento pú- blico como instrumento de cidada- nia � scal. In: Revista de Direitos e v. 17, n. 17, p. 188-209, de 2015. Disponível em :<http:// http://revistaeletronicardfd. unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/ view/596/421.htm>. Acesso em: 18 jun. 2019. BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1990. v. 1. BOBBIO, Norberto. Estado, governo e sociedade; por uma teoria geral da po- lítica. 11. ed. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2004. BONAVIDES, Paulo. 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Filmes, desenhos animados, histórias em quadrinhos e videogames eram inspirações para desenhar. Integra o Núcleo de Design (NDE) da Fundação Demócrito Rocha, onde faz o que mais gosta: imaginar, criar e ilustrar.
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