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Uma questão de gênero: escrita e autoria feminina no Brasil e em Portugal em fins do XIX e início do século XX
 Iasmin Rocha da Luz Araruna de Oliveira[footnoteRef:1] [1: Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Literatura na Universidade Federal do Rio de Janeiro. ] 
 
É de suma importância pensar sobre a literatura de autoria feminina, além da sua participação na construção da emancipação feminina. A literatura é também um instrumento de poder e de transmissão de ideias. No Brasil e em Portugal, as mulheres travaram uma luta árdua para conquistar seu espaço enquanto escritoras. Muitas vezes, a própria imagem feminina era construída pelo olhar dos homens, que repetiam estereótipos consagrados, como o de “rainha do lar”. O espaço da criação era negado às mulheres, o que fazia com que muitas utilizassem pseudônimos masculinos para poder escrever. 
As mulheres, na verdade, eram incitadas a usar seus dotes intelectuais desde que isso não significasse reivindicações políticas nem posturas mais agressivas. Toda produção de cunho político era alvo de críticas. Apesar disso, o fim do século XIX presenciou uma série de mudanças no mundo literário, em que os temas foram redefinidos. As personagens femininas de musas inalcançáveis passaram a seres sexuais. O início do século XX foi um período propício para a publicação não apenas de textos tratando sobre a condição feminina, mas também de textos de autoria feminina. 
As revistas feministas se preocupavam em publicar os debates e os triunfos do movimento feminista e também davam visibilidade e encorajavam iniciativas femininas nas mais diversas áreas, como a produção poética. O incentivo à poesia de autoria feminina se deu não apenas por meio da publicação constante de poemas, mas também por meio de debates literários. O início do século XX foi um momento profícuo para as escritoras, que ocuparam o espaço público e o imaginário coletivo.
Tudo isso se insere num contexto de muita luta pelo reconhecimento dos direitos femininos e pelo reconhecimento das mulheres como seres dotados de capacidade intelectual e de participação na vida pública. É em princípios do século XX que o feminismo ganha força em Portugal e no Brasil. As mulheres conclamavam o direito à igualdade perante a lei e à emancipação econômica e social. Algumas, inclusive, pleiteavam a revisão dos papéis tradicionais dentro do casamento e rejeitavam a submissão feminina e a clausura da esposa aos afazeres domésticos. 
Fosse no Brasil ou em Portugal, apesar da efetiva situação de subalternidade em que se encontravam as mulheres, sempre houve aquelas que se insurgiram e que foram em busca da conquista de seus direitos, fosse no âmbito jurídico, social, econômico ou dos corpos. Às mulheres, durante muito tempo, foi negado o acesso a diferentes espaços, como àqueles de discussão intelectual. O modelo de feminilidade era pautado na docilidade, na obediência, na candura e na castidade. Aquelas que ousavam desafiar os padrões estabelecidos sofriam com escárnio, deboche, exclusão e eram até mesmo taxadas de loucas ou imorais. Dentro desse contexto, produzir literatura era um ato de subversão e de resistência a um sistema que negava e, muitas vezes, ainda nega a posição de sujeito autônomo às mulheres. 
Palavras-chave: mulheres, autoria, Portugal, Brasil