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Mono - Medida de Segurança - Estudo sobre a Periculosidade 2

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HELB GOMES E COSTA
	
medida de segurança: ESTUDO SOBRE A PERICULOSIDADE
PALMAS-TO
2015
HELB GOMES E COSTA
	medida de segurança: ESTUDO SOBRE A PERICULOSIDADE
Monografia apresentada ao Curso de Direito da Faculdade Católica do Tocantins, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito.
	
 Orientador: Prof. Mestrando. Maurício Ughini
PALMAS-TO
2015
Monografia de autoria de Helb Gomes e Costa, intitulada “MEDIDA DE SEGURANÇA: ESTUDO SOBRE A PERICULOSIDADE” apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel Direito, da Faculdade Católica do Tocantins, em 14 de novembro de 2015 defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada. 
 _________________________________________________
Professor Me. Orientador: Maurício Ughini
Orientador
Direito-FACTO
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Professora Drª Maria do Carmo Cota
Membro da banca
Direito-FACTO
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Professora Esp. Andréia Cardinali
Membro da banca
Direito-FACTO
PALMAS-TO
2015
	
Confie no Senhor de todo o coração e não se apoie na sua própria inteligência. Lembre-se de Deus em tudo o que fizer, e ele lhe mostrará o caminho certo. (Provérbio 3:5-6).
	AGRADECIMENTOS	
Agradeço, antes de tudo, a Deus, o Altíssimo, Senhor do Universo, princípio e fim de todas as coisas, criador e autor da minha existência, pela oportunidade ofertada, pela saúde, pela minha família, pela proteção do corpo e da alma. Sem dúvida, recebi do Pai, muito mais que pedi ou mereço. Obrigado, Senhor! Estou cônscio que tenho muito mais a agradecer do que tenho agradecido ultimamente. Dê-me entendimento e sabedoria para retribuir da melhor forma possível essa graça recebida.
Desejo expressar profunda gratidão a minha mãe, Edilza Gomes de Sousa, e minha irmã, Julianny Gomes e Costa, pelo amor e carinho, pela generosidade e dedicação, calma e apoio incansável. Elas nunca me deixaram esquecer que não estou sozinho. Sem elas eu jamais chegaria aqui, pois acreditaram em mim mesmo quando eu já tinha perdido a fé, sempre me apoiaram nos momentos mais árduos e turbulentos. 
Deixo ainda registrado meus agradecimentos, meu muito obrigado a todos os professores do Curso de Direito da Faculdade Católica do Tocantins, contribuíram sobremaneira para meu crescimento pessoal e profissional, especialmente, ao meu ilustríssimo orientador, Maurício Ughini, uma pessoa iluminada, agradável e de uma didática incrível, agradeço pela atenção, paciência e disponibilidade.
RESUMO
COSTA, Helb Gomes e. Medida de segurança: Estudo sobre a periculosidade 2014. 70. Folhas. Faculdade Católica do Tocantins, Palmas, 2015. 
A presente monografia tem como objetivo investigar a consistência do conceito de periculosidade para justificar e fundamentar a aplicação da medida de segurança. Inicialmente, evidencia-se a interpretação dada a loucura, com base na obra História da Loucura, de autoria do filósofo Michel Foucault, desde a Renascença até a atualidade, a origem e a constituição do poder conferido e confiado aos laudos psiquiátricos e a separação histórica entre a loucura e o crime. Depois, faz-se um levantamento de como o Direito Penal Brasileiro ao longo do tempo tratou o louco infrator, quando apareceu o binômio medida de segurança e periculosidade, as mudanças e ajustes até atual configuração desta sanção penal. Em seguida, observa-se o instituto medida de segurança por um ângulo estritamente jurídico. Por fim, pesquisa-se a origem e a evolução, a problemática e a crítica do conceito periculosidade, demonstra-se que se trata de um conceito desacreditado ideologicamente, mas operacionalmente eficaz para aplicação de sanção penal. A metodologia escolhida para atingir o objetivo indicado foi a pesquisa bibliográfica e também por artigos da “Internet”,o que possibilita a discussão e reflexão da estrutura teórica do tema em comento. O estudo indica que não há método cientifico para aferir de modo resoluto a periculosidade do louco infrator, a periculosidade não é um traço constante na personalidade das pessoas portadoras de transtorno mental, a relação necessária entre transtorno mental e periculosidade está presente somente na psicopatia, periculosidade presentes nos loucos em conflito com a lei é uma construção histórica, uma virtualidade, apresenta rachaduras em seu conceito que comprometem a sustentabilidade da medida de segurança.
Palavras-chave: Crime. Loucura. Medida de segurança. Periculosidade.
ABSTRACT
The present monograph aims to investigate one Consistency do dangerousness concept paragraph justify and substantiate the safety measure of the Application. Initially, there is evidence of an interpretation given crazy, with base in the work History of Madness, authored by philosopher Michel Foucault, from the Renaissance until one today, ea Origin Constitution Granted Power and trusted to psychiatric reports and the historic separation between And one crazy crime. then, it is hum How lifting the Brazilian Criminal Law by Time Long treated the insane offender, appeared When the Binomial Security Measure and dangerous as changes and adjustments Current configuration Up to this penalty. In then obser- if the Security Measure Institute For A strictly legal angle. By fim, Research to Origin and Evolution, Critical and problematic to dangerous concept shows up What is hum Concept This ideologically discredited, but operationally effective paragraph penalty application. The chosen methodology paragraph achieve the goal it was a suitable Bibliographic Search and also in Articles of the "Internet", which allows an discussion and Theoretical Reflection theme structure under discussion. The study indicates that no scientific method to assess resolutely mode the danger of mad offender, a health hazard Is Not A constant feature in the People Personality with a mental illness, a necessary relationship between mental illness and dangerousness is present only in psychopathy, gifts dangerous nos crazy in conflict with the law and a historical building, a virtual developed cracks in your Concept que compromise the sustainability of security measure.
Palavras-chave: securitymeasure, dangerous, crazy, crime.
	SUMÁRIO
INTRODUÇÃO	11
1 HISTÓRIA DA LOUCURA segungo foucault	14
1.1 ESTUDO ARQUEOLÓGICO DE MICHEL FOUCAULT	14
1.2 SEPARAÇÃO DA LOUCURA E CRIME	25
1.3 PODER PSIQUIÁTRICO	25
1.4 ANORMALIDADE: COMO É IDENTIFICADO E CLASSIFICADO O COMPORTAMENTO PATOLÓGICO	27
2 TRATAMENTO DISPENSADO AOS LOUCOS NOS DIPLOMAS LEGAIS BRASILEIROS	30
2.1 CÓDIGO CRIMINAL DO IMPÉRIO DO BRASIL DE 1830	30
2.2 CÓDIGO PENAL DA REPÚBLICA DE 1890	31
2.3 CÓDIGO PENAL DE 1940	32
2.4 REFORMA DE 1984	35
2.5 MOVIMENTO ANTIMANICOMIAL E REFORMA PSIQUIÁTRICA DA LEI 10.216/2010	36
3 MEDIDA DE SEGURANÇA NO DIREITO PENAL BRASILEIRO	40
3.1 FUNDAMENTO DAS PENAS E MEDIDAS DE SEGURANÇA	40
3.2 SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS ENTRE PENAS E MEDIDAS DE SEGURANÇA	40
3.3 CONCEITO DE MEDIDA DE SEGURANÇA	42
3.4 REQUISITOS PARA APLICAÇÃ DA MEDIDA DE SEGURANÇA	44
3.5 ESPÉCIES DE MEDIDA DE SEGURANÇA E O CRITÉRIO DE ESCOLHA	45
3.6 FORMALIDADES E DURAÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA E EXAME DE VERIFICAÇÃO DE CESSAÇÃO DE PERICULOSIDADE	46
3.7 SUSPENSÃO E EXTINÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA	48
3.8 POSSIBILIDADE DE MEDIDA CAUTELAR: INTERNAÇÃO PROVISÓRIA	48
3.9 DETRAÇÃO PENA E MEDIDA DE SEGURANÇA	49
3.10 SUBSTITUIÇÃO E CONVERSÃO DA PENA POR MEDIDA DE SEGURANÇA, E RECONVERSÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA EM PENA	49
4 ANÁLISE DO CONCEITO DE PERICULOSIDADE	51
4.1 ORIGEM DO CONCEITO DE PERICULOSIDADE	51
4.2 INFLUÊNCIA DA ESCOLA POSITIVISTA	52
4.3 PERICULOSIDADE: UM CONCEITO DECADENTE	55
CONSIDERAÇÕES FINAIS	64
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CP– Código Penal
CPP– Código de Processo Penal
EVCP– Exame de Verificação de Cessação da PericulosidadeLEP– Lei de Execução Penal
MS– Medida de Segurança
STF– Supremo Tribunal Federal
STJ– Superior Tribunal de Justiça
UIDP– União Internacional de Direito Penal
INTRODUÇÃO
O presente trabalho busca abordar o instituto da medida de segurança e seu fundamento: a periculosidade.
A medida de segurança se funda na periculosidade do agente considerado inimputável ou semi-imputável. A periculosidade foi um conceito desenvolvido pela Escola Positivista, no século XIX, concebido, em tese, como o “quantum” de perigo o agente representa à sociedade. Atualmente o comportamento humano é catalogado e classificado como patológico, ou será formas anormais de ser, escolhidas subjetivamente pelo agente? Seja como for, quando o agente portador da doença mental comete um fato típico e antijurídico, e não tinha nesse momento capacidade de entendimento e determinação, não comete um crime em termos jurídicos, pois, não existe culpabilidade, logo não se aplica pena, aplica-se medida de segurança em razão do perigo que ele representa ao meio social.
A medida de segurança trata-se de uma sanção penal que tem seu fundamento na expectativa de cura ou no restabelecimento da saúde do agente, no sentido de extirpar a sua cota de periculosidade oferecida a coletividade.
A relevância jurídica decorre porque o conceito de periculosidade permeia o âmbito criminal, jurídico e médico-psiquiátrico, daí a necessidade de uma reflexão sobre os fundamentos e finalidades do instituto medida de segurança.
No trabalho se propõe a analisar o tratamento jurídico dispensado pelo Estado nas hipóteses em que a loucura incide na prática de atos criminosos, buscando responder à pergunta fundamental que orienta este trabalho: a medida de segurança apoiada na periculosidade do agente tem sustentação? Em outras palavras, quais as rachaduras apresentadas no conceito de periculosidade que comprometem o edifício teórico da medida de segurança? Periculosidade: uma realidade a ser detectada e tratada ou uma ficção do pensamento humano?
Para responder essas perguntas o objetivo principal deste trabalho é investigar a consistência, verificar se é sólido ou líquido o conceito da periculosidade para justificar e fundamentar a aplicação da medida de segurança. Este objetivo se desdobra em evidenciar a interpretação dada à loucura, desde a Renascença até a atualidade, analisando o poder conferido e confiado aos laudos psiquiátricos; levantar o tratamento jurídico no ordenamento jurídico brasileiro dispensado aos loucos no cometimento de um ilícito penal; descrever a atual configuração da medida de segurança; pesquisar o que se entende por periculosidade, como esse conceito evoluiu (analise histórica sobre a origem do conceito), quais as principais críticas a seus postulados.
A metodologia utilizada para desenvolvimento do projeto foi à pesquisa bibliográfica a fim de expor os principais conceitos, a estrutura e funcionamento teórico do tema, conhecendo a sua relevância e evolução. Utilizou-se também por meio da “Internet” artigos científicos que abordam o assunto com amplitude e profundidade.
O presente trabalho justifica-se, por si só, para apurar as distorções que o termo periculosidade atribuída à loucura sofreu ao atravessar os campos da criminologia, da medicina e do direito.
Assim, estuda-se a medida de segurança que gira em torno do tema da periculosidade e suas derivações lógicas, com a intenção de demonstrar as contradições e incoerências que o conceito de periculosidade apresenta, evidenciando uma virtualidade sujeita a erro projetado sobre a pessoa portadora de transtorno mental.
No primeiro capítulo é abordado, principalmente pelas interpretações feitas por Michel Foucault, como a loucura chega aos nossos dias com o status de doença mental, mostrando os fundamentos do poder psiquiátrico. É apresentado como o comportamento anormal é atualmente identificado e classificado como patológico. 
No segundo capítulo é exposto também como os loucos, no Brasil, foram designados e tratados pelos Diplomas Legais, mostrando o impacto da Lei 10.216/2001 sobre o tratamento dispensado aos loucos.
No terceiro capítulo é exibido um estudo aprofundado sobre medida de segurança no Direito Penal Brasileiro, conceito, diferença em relação a pena, requisitos, espécies, formalidades, duração, exame pertinente, suspensão e extinção da medida, possibilidade de medida cautelar, possibilidade de substituição e conversão da pena em medida de segurança, etc.
No quarto e último capítulo é mostrada a origem histórica do conceito de periculosidade, a influência da escola positivista para cunhar tal conceito, e por fim, as críticas que apodrecem e solaparam as bases do referido instituto.
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1 HISTÓRIA DA LOUCURA NA VERSÃO DE MICHEL FOUCAULT
1.1 ESTUDO ARQUEOLÓGICO DE MICHEL FOUCAULT
Michel Foucault mostrou a loucura como representação social, como figura histórica, como era percebida nos discursos, mostrou as condições para surgimento e desenvolvimento da psiquiatria.
Michel Foucault em sua obra História da Loucura, por meio de uma metodologia epistemológica (denominada por ele de “arqueologia”), mostrou a interpretação dada à loucura, bem como as formas de experiência e tratamento oferecido a ela, desde o Renascimento até a Modernidade, até o atual conceito dado pela Psiquiatria à loucura.
No período das Cruzadas, movimento religioso-militar de conquistar a Terra Santa (Jerusalém), as investidas e o trânsito de pessoas do Ocidente ao Oriente, houve uma contaminação generalizada de lepra na Europa, os reis construíram abrigos afastados da cidade (“os leprosários”) destinados aos leprosos, ambiente administrado por hospitais e estabelecimentos assistenciais.
É evidente a exclusão social e geográfica. Tratamento dado pela Igreja: não significa abandono dos enfermos, eles não estão abandonados por Deus, pois esse momento se apresenta como salvação, a paciência é uma oferta de comunhão com o divino, para o Reino dos Céus.
Com o desaparecimento da lepra, no final das Cruzadas, os hospitais permanecem. A lepra é substituída pelas doenças venéreas. Os leprosários passam abrigar os doentes, ambiente ocupado também por pobres, loucos, presidiários, vagabundos, alienados.
Na medida em que esse segmento social se multiplica, novas estruturas são erigidas, longe da visão das pessoas. Permanece sobre esses personagens e seu espaço o sentido de exclusão social e reintegração espiritual. 
A lepra, as doenças venéreas, assim como a loucura dentro de um ambiente médico de internamento isolou esses fenômenos em um espaço moral e sagrado de exclusão (FOUCAULT, 2008, p. 4 - 8).
Na Renascença, os loucos tinham uma vida errante, se não tivesse origem na cidade eram expulsos das municipalidades, se tivesse origem na cidade tinha uma possibilidade de permanecer nela. Quando acolhidos eram encaminhados às prisões, chicoteados publicamente. Enfim, não havia local destinado aos loucos, seu destino eram as grades.
Os insanos eram confiados a grupos de mercadores e peregrinos, eram colocados em barcos, tornavam-se prisioneiros, eram deixados a sorte nas cidades pelos marinheiros. Portanto, eles literalmente não tinham chão, não pertenciam a suas cidades de origem, nem as cidades onde aportavam, seu destino são os navios cercados por água (FOUCAULT, 2008, p. 9 - 13).
“Se a loucura conduz todos a um estado de cegueira onde todos se perdem, o louco, pelo contrário, lembra a cada um sua verdade” (Foucault, 2008, p. 14). Na literatura, na arte e no teatro, o louco não é visto como uma figura boba e medíocre, mas aquele que anuncia ou revela a verdade.
Na Idade Média, a loucura é um vício que se contrasta e se opõe com a prudência, dualidades que dividem a alma humana, assim como fé e idolatria, esperança e desespero, caridade e avareza, castidade e luxúria, paciência e cólera, suavidade e dureza, concórdia e discórdia, obediência e rebelião, perseverança e inconstância. “A Idade Média tinha atribuído um lugar à loucura na hierarquia dos vícios” (FOUCAULT, 2008, p. 22).
Na Renascença, a loucurapassa a configurar como o maior posto, a dominar e conduzir todas as fraquezas humanas. A loucura não se relaciona ao mundo, ela se relaciona ao homem que se ilude, sonha e apresenta suas fraquezas.
Nesse período, a loucura se apresenta como um espelho que reflete aquele que se contempla, “o apego a si próprio é o primeiro sinal da loucura, mas é porque o homem se apega a si próprio que ele aceita o erro como verdade, a mentira como sendo a realidade, a violência e a feiúra como sendo a beleza e a justiça” (FOUCAULT, 2008, p. 24).
A tradição humanista dos renascentistas considera a loucura no universo do discurso, uma experiência no campo da linguagem, a loucura como sátira da moral e crítica aos costumes. A loucura conduz uma reflexão moral sobre o homem, ao inevitável confronto entre “a sua verdade moral e as regras próprias de sua natureza”, esse embate “anima tudo o que pôde ser sentido sobre a loucura” (FOUCAULT, 2008, p. 28).
Pode-se dizer que o relacionamento da loucura com a razão é um verdadeiro paradoxo, caracterizou a experiência que o classicismo teve da loucura. Foucault (2008, p. 30-36) assim resume essa relação:
1) A loucura torna-se uma forma relativa à razão ou, melhor, loucura e razão entram numa relação eternamente reversível que faz com que toda loucura tenha sua razão que a julga e controla, e toda razão sua loucura na qual ela encontra sua verdade irrisória. Cada uma é a medida da outra, e nesse movimento de referência recíproca elas se recusam, mas uma fundamenta a outra.(...)
2) A loucura torna-se uma das próprias formas da razão. Aquela integra-se nesta, constituindo seja uma de suas forças secretas, seja um dos momentos de sua manifestação, seja uma forma paradoxal na qual pode tomar consciência de si mesma. De todos os modos, a loucura só tem sentido e valor no próprio campo da razão.
No século XVII, a experiência literária da loucura em Cervantes e Shakespeare, a loucura não tem recurso, não há retorno à razão, a cada avanço na trama corresponde a um passo em direção a morte, até o ponto extremo que nem a morte traz alívio ou paz, nem a morte liberta seus personagens da loucura (FOUCAULT, 2008, p. 39-40). 
Descartes e sua dúvida metódica (“penso, logo existo”) situa a loucura “ao lado do sonho e de todas as formas de erro”. O perigo da loucura, a não-razão é afastada com o simples exercício da razão, assim como se afasta a dúvida dos sonhos que atravessa os sentidos, adquire-se nesse processo a certeza que a loucura não lhe diz respeito (FOUCAULT, 2008, p. 45 - 48).
O século XVII foi sentido pela expansão na quantidade de casas de internamento, os grandes hospícios, fruto de “obras da religião e de ordem pública”, a influência da Igreja e o peso da Monarquia Absolutista, verifica-se uma conjugação de “auxílio e punição, caridade e previdência governamental”, confunde-se “o desejo de ajudar e a necessidade de reprimir”, além da “preocupação burguesa de pôr em ordem o mundo da miséria”, pessoas são alojadas e alimentadas nos internamentos, por vontade própria ou por determinação real ou judiciária. Nesses espaços reclusos, símbolo do poder de segregação, que a loucura pode ser percebida e sentida, confere-se a ela uma nova pátria (FOUCAULT, 2008, p. 49 - 56).
O advento da Reforma fundamentada nas teses teológicas de Lutero e Calvino, bem como o movimento da Igreja Católica, a Contra-Reforma, a pobreza e miséria não se apresentam mais como uma oportunidade para exercício da caridade, mas é percebido como castigo, como predestinação. Nesse contexto, os internamentos mostram-se como lugares ideais para os pobres, miseráveis e os loucos internados para receberem instrução da religião e ocupação; o valor do trabalho adquire novo sentido moral, agora apoiado e incentivado pela fé como sinal de salvação (FOUCAULT, 2008, p. 58 - 63).
A prática de internamento se justificava no século XVII em razão da ociosidade, mendicância e vagabundagem apresentada pelos pobres e loucos, buscava não a cura, o internamento não tinha caráter médico, mas, sim correção moral fundamentada na ética burguesa. Em tempos de crise o Hospital Geral oferecia mão-de-obra aos desempregados que estavam ociosos funcionando como proteção social contra revoltas, ora a ociosidade é a fonte da desordem; em tempos de alta na economia, ofereciam mão de obra barata ao mercado. É importante frisar que os mendigos que não retomassem o lugar na sociedade eram punidos e chicoteados em praças públicas, a cabeça era raspada, os ombros marcados e expulsos da sociedade, conforme decisão do parlamento francês. Observa-se que os internados ganham o direito de ser alimentado com a condição que se sujeitassem a coação física e moral do internamento (FOUCAULT, 2008, p. 64 - 67).
No século XIX, as casas de internamento desaparecem pelo fracasso de seu valor funcional e social, que é a recepção da miséria e conter as fontes de desordens. Os loucos envolvidos nesse círculo de ociosidade ao lado dos indigentes, vagabundos e miseráveis eram submetidos aos trabalhos obrigatórios. Nesse momento histórico, fica evidente que o louco se diferencia dos outros pela sua “incapacidade para trabalho e a incapacidade de seguir os ritmos da vida coletiva” (FOUCAULT, 2008, p. 70 - 73).
Os loucos, os doentes venéreos, os famintos, os doentes de praga e pestes eram internados, amontoados, separavam-se mulheres e homens. O flagelo por estas pessoas estava ligado a sua imoralidade, por exemplo, doença venérea era uma resposta a luxuria excessiva e a vida libidinosa dos homens. A loucura e as doenças eram uma punição pelos atos cometidos e pela sua culpabilidade. Os loucos e os doentes eram internados para pagar suas dívidas, um ambiente de preparação do castigo e penitência. As práticas purificadoras envolviam sangrias, banhos, aplicação de mercúrio, era necessário castigar os corpos porque a saúde leva ao pecado, sendo necessário serem chicoteados; recebiam seis meses de cuidado; os casos realmente mais graves eram isolados para que morressem. É impossível pensar no louco, sem estar envolvido por esse sistema de punição, de culpa, falta de razão, e aos grupos segregados (FOUCAULT, 2008, p. 85 - 87).
Condenado por razões morais por prática de sodomia, um homem é queimado vivo, em praça pública, em 24 de março de 1726, pune-se o homossexualismo, enquadrado como uma forma de desatino. “À luz de sua ingenuidade, a psicanálise viu acertadamente que toda loucura se enraíza em alguma sexualidade perturbada” (FOUCAULT, 2008, p. 88 - 90).
Nos livros de internamento, a loucura está recorrentemente associada à palavra “furioso”, uma forma de violência que não se enquadra como crime, expressa uma raiva confusa, obscura, uma desordem da conduta, dos costumes e do espírito. “Internar alguém dizendo que é um ‘furioso’, sem especificar se é doente ou criminoso, é um dos poderes que a razão clássica atribui a si mesma, na experiência que teve da loucura”. O objetivo do internamento e as visitas dos médicos aos insanos era corrigir (FOUCAULT, 2008, p. 112-116).
Os árabes desde o século VII fundaram verdadeiros hospitais destinados aos loucos para a prática de “uma espécie de cura da alma no qual intervêm a música, a dança e os espetáculos e audição de narrativas fabulosas. São médicos que dirigem a cura, decidindo interrompê-la quando a consideram bem-sucedida”. Não é por acaso, em virtude da influência árabe, que os primeiros hospitais de insanos surgidos na Europa foram na Espanha no século XV (FOUCAULT, 2008, p. 120).
O direito canônico e o direito romano reconhecem a loucura por meio de um diagnóstico médico, apenas o médico é competente para julgar se um indivíduo está louco. Esse modelo foi adotado na França. No entanto, na Inglaterra cabe ao juiz de paz decidir a interdição e o internamento. Pode-se afirmar que a experiência jurídica da alienação, a necessidade de definir a personalidade jurídica dos insanos, a análise filosófica das faculdades e a análise jurídica da capacidade do sujeito, é que constituiu a ciência médica das doenças mentais (FOUCAULT, 2008,p. 125 - 131).
O momento em que o internamento tinha como condição a ordem jurisprudencial da alienação coincide com o momento em que a Psiquiatria, com Pinel, no século XIX, considerar o louco como um ser humano, o qual sofre de doença mental, portanto, necessitava de cuidados, remédios e apoio familiar e social, surgiram os primeiros manicômios (FOUCAULT, 2008, p. 132).
Foi concebida dois tipos de loucura: a voluntária (fingida) e a involuntária (“apodera-se do homem contra sua vontade”), ou seja, a intencional e a real. Para a Medicina não importa a espécie de loucura, ambas são internadas, recebem o mesmo tratamento, pois tem a mesma origem de perversidade. Para o Direito, a loucura real ou involuntária não se trata de crime, não merece ser punido (FOUCAULT, 2008, p. 137 - 141).
Para o classicismo, a loucura era vista como “o homem em relação imediato com sua animalidade”. Os alienados conseguem suportar, assim como os animais, as piores intempéries (frio, calor, umidade). Uma animalidade que precisa ser domesticada, dominada. O homem louco segue um determinismo animal (FOUCAULT, 2008, p. 151-153).
É a natureza que explica a razão, ou a razão que explica a natureza, uma direção necessariamente remete a outra, um ciclo vicioso de interrogações entre natureza e razão (FOUCAULT, 2008, p. 178).
“Como se faz esse reconhecimento tão inquestionável do louco?”. Sem saber onde começa a loucura, no entanto, sabe-se “o que é o louco”. É impossível perceber a loucura a não ser com referência direta a ordem da razão, por meio da referência a um homem razoável que expressa lógica e coerência no discurso, gestos e movimentos (FOUCAULT, 2008, p. 181- 182).
“O louco é o outro em relação aos outros”. Isto é, o louco não pertence ao grupo, pelo contrário, é diferente do grupo, é por meio dessa oposição que se dá o reconhecimento da loucura, uma dialética que se estabelece entre a análise a partir de si mesmo (louco) e os outros (FOUCAULT, 2008, p. 183- 184).
A ausência de um domínio teórico sobre o que vem a ser loucura, ao mesmo tempo a certeza o que vem a ser louco, Foucault externa como a loucura é percebida e entendida pela razão:
A resposta a uma pergunta como: ‘Então, que é a loucura?’ é deduzida de uma análise da doença, sem que o louco fale de si mesmo em sua existência concreta. O século XVIII percebe o louco, mas deduz a loucura. E no louco o que ele percebe não é a loucura, mas a inextricável presença da razão e da não-razão.
A loucura se integra as teorias médicas abrem-se espaço para sua classificação, é inserida nas nosologias, assim como uma planta, a loucura é inserida nos “jardins das espécies”. No século XIX, não se pretende preencher a totalidade patológica e “isolar a verdade de uma doença a partir de sua colocação”, as classificações ora adotadas com suas divisões, ordens, classes e estruturas lógicas construídas são abandonadas, não deixou nenhum vestígio, as doenças serão classificadas e terão seu espaço na nova ordem conforme: “afinidade dos sintomas, identidade das causas, sucessão no tempo, evolução progressiva de um tipo na direção de outro”. A procura de sintomas verdadeiramente sólidos não aconteceu. “Procuravam-se as formas mórbidas da loucura, encontrou-se apenas as deformações da vida moral. Nesse percurso, é a própria noção de doença que se alterou, passando de uma significação patológica para um valor puramente crítico” (FOUCAULT, 2008, p. 192-198).
“A alma do louco não é louca”. A loucura só atinge o corpo do louco, não sua alma. Os juízes não consideravam crime o gesto do louco, a loucura é apenas um impedimento provisório, o internamento é uma medida médica e terapêutica (FOUCAULT, 2008, p. 209-213).
No século XIX, a separação entre corpo e alma, conduzirá uma polêmica: “ou a loucura é uma afecção orgânica de um princípio material, ou é a perturbação espiritual de uma alma imaterial”. As causas da origem da loucura são as mais diversas, clima, vida social, teatro, movimento da lua, paixões profundas, amores não correspondidos, movimento violento dos nervos e dos músculos, tristeza, divididas e apresentadas em causas longínquas e causas imediatas (FOUCAULT, 2008, p. 215 -232).
Na forma clássica, a apuração da linguagem delirante, conclui-se em síntese: a) há duas formas de loucura (uma doença do espírito, e outra que não se apresenta o doente não a formula, mas ela existe); b) existência de delírio implícito em todas as alterações do espírito (“gestos silenciosos, violências sem palavras, comportamentos estranhos”); c) “o discurso abarca todo o domínio de extensão da loucura”; d) a estrutura primeira e última da loucura é a linguagem (FOUCAULT, 2008, p. 236 -237).
Foucault sem pretender fazer uma noção de psiquiatria ou observação médica mostra as quatro figuras da loucura, mostra como o saber se manifestou “de modo positivo a negatividade da loucura”. Positivo, porque dispôs sabiamente no jardim das espécies. Negatividade, porque se refere aos desatinos. Positivou-se a loucura em: a) grupo da demência; b) mania e melancolia; c) histeria e hipocondria (FOUCAULT, 2008, p. 251 - 295).
O mito da panaceia, o mundo da cura, o funcionamento do corpo explicado as funções fisiológicas, como se fosse à mecânica de uma máquina, a eficácia dos medicamentos, para cada loucura um reflexo no corpo, as práticas terapêuticas pode ser organizadas em: a) consolidação (mergulho de uma barra de ferro em água); b) purificação (entupimento das vísceras, fermentação de vapores, corrupção dos líquidos e dos espíritos, para melancolia faz-se transfusão de sangue, para os nervos receita-se quinina); c) imersão (água enquanto elemento mais puro na natureza, banho frio é indicado para maníacos, para controlar agitação e furor, para acalmar os humores e doenças dos nervos, devolver ao indivíduo sua pureza inicial); d) regulação do movimento (movimentação do corpo para movimentos irregulares das fibras, espasmos, fixação das ideias) (FOUCAULT, 2008, p. 297 - 321).
Além dessas práticas, havia também práticas independentes de remédios, pode assim ser organizados: a) despertar (se o delírio é o sonho das pessoas acordadas, é necessário despertá-los desse sono); b) realização teatral (cumplicidade com o irreal e a integração com a percepção real); c) retorno imediato (semelhante ao anterior, no entanto entra-se no jogo imaginário e da encenação, mas não se opor a ilusão) (FOUCAULT, 2008, p. 326 – 335).
O medo da loucura é evidente na época clássica, assim como o mal da lepra se propagou pelas vilas e cidades, acreditava-se que a loucura se espalhava pelo ar, por partículas finas, penetrantes e nocivas ao corpo deixando o ar viciado, era o ar o agente da epidemia (FOUCAULT, 2008, p. 353 – 354).
O paradoxo da loucura, quando o homem se liberta das forças sociais, nada mais o constrange, nem o envergonha, nem reprime seus desejos, nem limita seus desvios de conduta e pensamento, quando a vida se torna mais cômoda, quando se afasta das “forças penetrantes” da sociedade, a loucura torna-se possível. FOUCAULT (2008, p. 359 – 374) percebe essa fuga do homem a sua natureza perdida, o movimento inverso da animalidade, também é o motivo da loucura, vide suas palavras:
1. A loucura e a liberdade. (...) O próprio Cheyne acredita que a riqueza, a alimentação fina, a abundância de que se beneficiam todos os habitantes, a vida de lazeres e preguiçosa que leva a sociedade mais rica estão na origem dessas perturbações nervosas. Cada vez mais se tende pra uma explicação econômica e política na qual a riqueza, o progresso, as instituições, surgem como elemento determinante da loucura (...) A loucura “mais frequente na Inglaterra do que em qualquer outro lugar”, é apenas o preço da liberdade que ali reina, e da riqueza presente em toda parte. A liberdade de consciência comporta mais perigos do que a autoridade e o despotismo. (...)
3. A loucura, civilização e a sensibilidade. A civilização, de um modo geral, constitui um meio favorável ao desenvolvimento da loucura. Se o progresso das ciências dissipa o erro, também tem porefeito propagar o gosto e mesmo a mania pelo estudo; a vida em gabinete, as especulações abstratas, essa eterna agitação do espírito sem exercício do corpo podem ter os mais funestos efeitos. (...) Uma sensibilidade que não é mais comandada pelos movimentos da natureza, mas por todos os hábitos, por todas as exigências da vida social. (...) Este desregramento dos sentidos continua no teatro, onde se cultivam as ilusões, onde vãs paixões são suscitadas artificialmente (...) O romance constitui o meio de perversão por excelência de toda sensibilidade.
No século XVIII, o que caracterizou esse período é que os loucos se diferenciam dos outros, mas, agora, os loucos se diferenciam entre si (alienados x insensatos, irado x obstinado, imbecis x furiosos), cada “espécie” apresenta uma linguagem própria. A loucura pelas análises nosológicas é situada no espaço do internamento. Instituições de internamento foram abertos, com estruturas diferentes, destinadas a receber apenas os loucos separando-os das figuras da miséria. (FOUCAULT, 2008, p. 379 – 398).
No século XVIII, a mendicância separa-se de vez dos velhos conceitos morais. A indigência trata-se de questões econômicas. A pobreza é necessária, não se pode suprimir. “Os pobres formam a base e a glória das nações”. Mão-de-obra desempregada é vista como um bem precioso deverá trabalhar não sob coação, mas sob coação das leis econômicas. É um erro manter os pobres abrigados em internamento, pois afeta diretamente o mercado de mão-de-obra. Essa assistência é uma causa de empobrecimento, pois imobiliza toda riqueza produtiva. Ao invés de construir grandes hospitais, deve-se distribuir o auxílio diretamente as famílias; a família tem um laço sentimental pelos seus doentes, em casa eles terão alojamento e alimentos, não sofrerão com o “espetáculo deprimente de um hospital”. “Assim como o internamento acaba sendo criador de pobreza, o hospital é criador de doenças”. Nesse movimento, “o círculo da miséria e do desatino se desfazem”. Os loucos passam a ser responsabilidade das famílias e recebem cuidados médicos em casa (FOUCAULT, 2008, p. 404 – 415). 
Na França, Pinel toma a decisão de retirar as correntes dos loucos em uma visita de Couthon, chefe da polícia, à Bicêtre, que vistoria a presença de um suspeito membro da Comuna de Paris. Diante do horror, grosseria e selvageria apresentada pelos loucos, Couthon desiste de seu intento e os abandona a própria sorte. É claro que os loucos não foram curados pela ruptura das correntes, mas deixou de ser tratado como um animal ou um estranho, como figura exterior ao próprio homem, a cura depende em inserir o louco em um ambiente social.
Na Inglaterra, Samuel Tuke, membro da Sociedade dos Quacres, por razões religiosas e econômicas, organiza um fundo para os membros que caíssem doentes, como uma espécie de seguro, cria um estabelecimento privado de natureza assistencial chamada Retiro, uma casa de campo, local destinado ao trabalho e recreação, local ideal para cura dos loucos. Loucura não do homem, nem da natureza, mas, antes de tudo, da sociedade. São causas de loucura a agitação, a alimentação artificial, as incertezas. O doente é colocado em contado com a natureza e em grupo social, assim se funda o procedimento imaginário da cura (FOUCAULT, 2008, p. 460 – 476).
Pinel e Tuke, identificados pelos movimentos filantrópicos, Foucault (2008, p. 498) atribui a eles um sentido diferente:
Acredita-se que Tuke e Pinel abriram o asilo ao conhecimento médico. Não introduziram uma ciência, mas uma personagem, cujos poderes atribuíam a esse saber apenas um disfarce ou, no máximo, sua justificativa. Esses poderes, por natureza, são de ordem moral e social; estão enraizados na minoridade do louco, na alienação de sua pessoa, e não de seu espírito. Se a personagem do médico pode delimitar a loucura, não é porque a conhece, é porque a domina; e aquilo que para o positivismo assumirá a figura da objetividade é apenas o outro lado, o nascimento desse domínio.
A Psiquiatria do século XIX herda esse espaço do asilo deixado pelos reformadores, Pinel e Tuke, herda um poder, um poder que aumentado pela ideia obscura e misteriosa de doença mental. Freud ampliou os poderes médicos e sua virtude taumaturga, aboliu o silêncio e o olhar impessoal sobre os doentes, essa estrutura do conhecimento para ser conhecida depende da cumplicidade do doente, apagou a possibilidade da loucura ser reconhecida por ela mesma em seu próprio espetáculo (FOUCAULT, 2008, p. 500 – 503).
No século XIX, a Psiquiatria procurou objetivar o homem, exteriorizar o que há de mais íntimo e interior, a experiência da loucura explicitamente designadas em diversas formulações científicas, explicar a mecânica dos processos psíquicos, “a essência mesma da loucura será objetivar o homem, escorraçá-lo para fora de si mesmo, estendê-lo finalmente ao nível de uma natureza pura e simples, ao nível das coisas”. A loucura torna-se a verdade do homem, exposição do lado objeto, acessível à percepção científica. “O homem só se torna natureza para si mesmo na medida em que é capaz de loucura”. “Do homem ao homem verdadeiro, o caminho passa pelo homem louco” (FOUCAULT, 2008, p. 514 – 518).
1.2 SEPARAÇÃO DA LOUCURA E CRIME
Crime e loucura, sem dúvida, representam figuras desviantes da moral e dos costumes vigentes. Criminosos e loucos recebiam igual tratamento, compartilhavam do mesmo espaço, eram excluídos e isolados, enclausurados e afastados do convívio social. Assim, crime e loucura percorriam o mesmo trilho. 
Seus destinos foram separados, marco histórico, quando Pinel, em 1784, na França, separou os indivíduos com perturbação mental daqueles que simplesmente cometeram delito, sem qualquer demonstração de sinal patológico. Ficou famoso e conhecido como o médico que havia libertado as correntes dos loucos. Providenciou que os doentes mentais recebessem um tratamento diferente, os sintomas e sinais foram registrados e classificados. Nesse diapasão, a percepção da loucura fora definida e classificada como doença (NUNES, TRINDADE, 2013, p. 21 – 23).
1.3 PODER PSIQUIÁTRICO
Michel Foucault, como foi demonstrado, mostrou a loucura como representação social, como figura histórica, como era percebida nos discursos, como a psiquiatria se firmou enquanto poder sobre a loucura, expressa pelo famoso chavão “o monologo da razão sobre a loucura”. 
A ingenuidade do Positivismo da época em separar o mundo natural e o mundo da cultura para formar um campo neutro e objetivo, elemento indispensável para a loucura se apresentar sem mascaras, o comportamento mostrado como fenômeno da natureza, despossuído de interesses políticos, religiosos, morais, religiosos (NORONHA, 2000, p. 52).
Em síntese, é narrado e dissertado que, desde Pinel e Tucke, a agressividade, o delírio, o mal-estar e a inconveniência dos loucos são controlados não pelos conhecimentos psiquiátricos, o que vem a ser neurose ou psicose, mas pela firmeza moral do médico, este é o fundamento de seu poder taumaturgo. Para além do conhecimento objetivo da loucura, para Michel Foucault, o pensamento deve ser aberto para compreender a loucura como algo mais amplo que a doença mental (NORONHA, 2000, p. 53 - 54).
Analisa-se como se estruturam e como funcionam as bases da psiquiatria. Segundo Caponi (2006, p. 97-102), a psiquiatria é um ramo da medicina, nela encontra sua prática, seu modo de observar e de diagnosticar, advindo daí sua legitimidade e prestígio. Mas, o que separa psiquiatria e medicina, o que as distinguem? O que diferencia a figura do psiquiatra e a figura do médico, ambiente de trabalho em asilo (ou manicômio) e em hospital? As diferenças delas estão em diagnosticar e nas estratégias de terapia.
A medicina estuda, investiga, interroga-se com base em sintomas e lesões orgânicas. A psiquiatria estuda um sofrimento que não pode ser localizado em um órgão ou tecido, estuda um sofrimento que engloba o homem por inteiro, dar-se o nome de doença ou transtorno mental. A distinção entre essas duas áreas do conhecimento é que a medicinapossui um “corpo anatomopatológico”, um “corpo neurológico”, enquanto a psiquiatria, em última análise, caracteriza-se por ausência de corpo, caracteriza-se por descrever condutas e o esforço ou tentativa de enquadrá-las em um quadro sintomatológico da doença.
A lógica da medicina é simples o doente manifesta sintomas decorrentes de lesões em órgãos e tecidos, a correlação entre sintomas e lesões é possível individualizar e classificar diversas doenças permite-se construir diagnósticos, distinguir uma doença de outra. Por outro lado, a psiquiatria também tem um conjunto de doenças, a título de exemplo, pode-se citar esquizofrenia, transtorno obsessivo-compulsivo, transtorno bipolar, embora, não tenha um “corpo orgânico” para atribuir à origem das patologias da mente.
O poder da psiquiatria sobre a loucura é que seu diagnóstico opera em uma lógica binária, isto é, o sujeito é ou não louco, sim ou não, 0 ou 1, deve ou não ser internado. O diagnóstico é orientado institucionalmente pela pergunta: “o paciente está doente ou não?”. Trata-se de um diagnóstico absoluto cunhado pela psiquiatria, visivelmente se opõem ao diagnóstico da medicina que se orienta pela pergunta: “o paciente está doente do que?”.
Como provar uma doença se não há lesões a ser localizadas em um corpo? As doenças detectadas pela psiquiatria estão no interior dos hábitos, dos comportamentos, no estilo de vida, no histórico familiar. As técnicas para lidar com a loucura no século XIX eram o interrogatório (ou entrevista), o uso de drogas e a hipnose.
A excelência das provas sobre a loucura consiste no interrogatório, em outras palavras, a fala do paciente indica sua identidade, suas faltas e responsabilidades, revela seu passado, sua trajetória de vida, se algum ascendente tinha tal inclinação, por fim, verifica-se presença ou não da loucura no indivíduo.
Este é o substrato material que se funda a patologia identificada pela psiquiatria; os signos da loucura revelados no passado do paciente indicando a origem, evolução e desdobramento da doença mental, por fim, o psiquiatra enquadra a loucura em um quadro “nosológico” de anomalias, um quadro geral de doenças.
Nesse sentido, a prova constituída da loucura trata-se do reconhecimento feito pelo sujeito da existência ou não de sua loucura no momento do interrogatório perante o médico psiquiátrico, este tem o poder de internação ou não, de libertar o sujeito das responsabilidades morais e jurídicas.
1.4 ANORMALIDADE COMO É IDENTIFICADO E CLASSIFICADO O COMPORTAMENTO PATOLÓGICO
Quando se fala em doença mental, comportamento desviante, anormal ou patológico implicitamente aborda-se o comportamento normal, o padrão de normalidade, supõe um critério de normalidade (BOCK, FURTADO, TEXEIRA, 2008, p. 348).
Como se identifica e é classificado o comportamento anormal?
Atualmente, os critérios utilizados para definir conduta anormal são: a) raridade estatística; b) incapacidade ou disfunção; c) angústia pessoal; d) violação das normas, devendo ser utilizados em seu conjunto. Segundo Karen Huffman, Mark Vernoy e Judith Vernoy (2003, p. 530 – 531): 
1. Raridade estatística Maneira de julgar quando o comportamento de uma pessoa é anormal é comparar sua freqüência com a ocorrência de outros comportamentos. Acreditar que os outros estão planejando algo contra você é raro e estatisticamente anormal, sendo comumente diagnosticado como “mania de perseguição”. (...) acredita-se que a inteligência é distribuída ao longo de uma curva normal, e indivíduos com um quociente de inteligência (QI) acima de 132 são estatisticamente raros, ou “anormais”. Ainda assim, ter grande inteligência - ou grandes habilidades atléticas ou talentos artísticos – não é classificado como anormal pelo público (ou pelos psicólogos). (...)
2. Incapacidade ou disfunção	Alternativa para o modelo de raridade estatística é o modelo de incapacidade ou disfunção. De acordo com essa visão, uma pessoa é considerada normal se suas emoções, pensamentos ou ações interferem em sua habilidade de funcionar normalmente em sua vida e na sociedade. Incapacidade ou disfunção é o primeiro critério para identificar o uso anormal de drogas. Se o uso de álcool (ou qualquer outra droga) interfere na vida social de uma pessoa ou em suas funções ocupacionais, essa pessoa talvez possa vir a ser diagnosticada como tendo um transtorno por uso de substâncias.
3. Angústia pessoalEm alguns casos, em vez de confiar em uma medida estatística objetiva ou na evidência de uma incapacidade, os profissionais de saúde mental preferem usar seu próprio julgamento individual dos níveis de funcionamento. Por exemplo, alguém que bebe excessivamente todos os dias talvez perceba que isso não é saudável e deseje parar. Desse modo, o modelo de angústia pessoal ajudaria a identificar esse comportamento como anormal. Por outro lado, muitas pessoas com dependência ao álcool negam que têm o problema. E, ainda, alguns transtornos psicológicos sérios causam pouco ou nenhum desconforto emocional. Um assassino serial, por exemplo, pode torturar alguém sem sentir nenhum remorso ou culpa. O modelo de angústia pessoal, por si só, não é suficiente para identificar todas as formas de comportamento anormal.
4. Violação das Normas(...) Comportamento que violam normas sociais ou ameaçam outras pessoas podem ser considerados anormais. Estar em um estado tal de excitação que você esquece de pagar o aluguel, mas paga a conta de estranhos, é uma violação das normas. Esse tipo de comportamento é comum entre os indivíduos diagnosticados com transtorno bipolar.
Observa-se, de acordo com o último critério em comento, que a conduta anormal também só pode ser compreendida levando-se em conta a cultura em que o sujeito está inserido.
Pode-se dizer que Michel Foucault (2000, p 85, apud BOCK, FURTADO, TEXEIRA, 2008, p. 349) supervaloriza este quarto critério e enfatiza: “a doença só tem realidade e valor de doença no interior de uma cultura que a reconhece como tal”.
O principal instrumento utilizado pelos profissionais da área de saúde mental (médico, psiquiatra, psicólogo, pesquisadores) para diagnosticar e classificar o comportamento é o famoso Manual de Diagnóstico e Estatístico dos Distúrbios Mentais (Diagnosticand Statistical Manual of Mental Disorders - DSM) publicada pela Associação Americana de Psiquiatria desde 1952, continha 130 (cento e trinta) páginas e 106 (cento e seis) categorias de transtornos mentais. Atualmente encontra-se em sua quinta edição (DSM-V), publicado em 2013, contém 996 (novecentos e noventa e seis) páginas, não dispõe sobre tratamentos. Outro instrumento de referência é o Capítulo V da Classificação Internacional de Doenças (CID-10), publicada pela Organização Mundial de Saúde. 
A visão da psiquiatria sobre a loucura se traduz em psicopatologias. A construção das entidades patológicas do DSM-V segue o modelo médico, propícia a classificação de classes de comportamentos, bem como padroniza a linguagem psiquiátrica. Araújo e Lotufo Neto (2014, p. 68 – 69) explique como ocorre essa classificação e vantagens dessa padronização:
A observação, descrição e categorização de enfermidades que compartilham sinais e sintomas permitem a formulação de diagnósticos que, por sua vez, auxiliam na identificação da causa de uma determinada patologia, na previsão de sua evolução e no planejamento terapêutico. 
(...)
É possível inferir que pacientes com o mesmo transtorno, dividindo traços semelhantes, possam apresentar comportamentos semelhantes. Da mesma forma, nomear classes de respostas pode auxiliar na identificação de comportamentos similares entre si. Além disso, o uso do manual da Associação Psiquiátrica Americana viabiliza a comunicação entre profissionais fornecendo uma padronização na linguagem psiquiátrica e facilitando o diálogo entre as diferentes áreas.
Depois de estudar como a loucura, enquanto comportamento humano, foi percebido ao logo dos séculos, é interessante conhecer como o ordenamento jurídico brasileiro tratou o louco que incide na prática de fato criminal.
2 TRATAMENTODISPENSADO AOS LOUCOS NOS DIPLOMAS LEGAIS BRASILEIROS
2.1 CÓDIGO CRIMINAL DO IMPÉRIO DO BRASIL DE 1830
O Código Criminal do Império do Brasil de 1830 em sua redação estabelecia:
Art. 10. Também não se julgarão criminosos:
(...)
2º Os loucos de todo o gênero, salvo se tiverem lucidosintervallos, e nellescommetterem o crime.
Art. 12. Os loucos que tiverem commettido crimes, serão recolhidos ás casas para elles destinadas, ou entregues ás suas familias, como ao Juiz parecer mais conveniente.
Art. 64. Os deliquentes que, sendo condemnados, se acharem no estado de loucura, não serão punidos, enquanto nesse estado se conservarem.
O louco para ter a condição de criminoso tinha que ter lucidez no ato da ação criminosa, tratava-se de uma loucura lúcida, a lucidez concebida como um ato de razão, a loucura como um ato de desrazão. 
O louco de todo gênero não era julgado, a não ser se cometesse o ilícito em intervalo de lucidez. Excluía-se o estado de loucura pelo o intervalo de lucidez. Não havia especialistas para reconhecer a condição de “louco de todo gênero”. 
Os loucos eram destinados às prisões e aos Hospitais da Santa Casa, ou eram entregues as suas famílias, segundo tirocínio do juízo criminal. E se o criminoso fosse condenado e posteriormente sofresse de loucura, não deveria sofrer qualquer sanção.
Peres (2002, p. 337) observa que não havia a figura do semi-imputável no Código Criminal do Império, não havia meio-termo, tratava-se de um instituto de tudo ou nada, aferia-se a presença ou ausência da imputabilidade penal, por extensão, ou o indivíduo era imputável e recaía sobre ele a responsabilidade penal, ou o indivíduo era inimputável e não sofria nenhuma consequência penal.
2.2 CÓDIGO PENAL DA REPÚBLICA DE 1890
O Código Penal da República de 1890 determinava que os loucos fossem considerados inimputáveis, não eram considerados criminosos, seu lugar deveria ser o Hospital de Alienados (Asilo dos Alienados), vide a letra da lei:
Art. 27. Não são criminosos:
(...)
§ 3º Os que por imbecilidade nativa, ou enfraquecimento senil, forem absolutamente incapazes de imputação;
§ 4º Os que se acharem em estado de completa privação de sentidos e de intelligencia no acto de commetter o crime;
Art. 29. Os indivíduos isentos de culpabilidade em resultado de affecção mental serão entregues a suas familias, ou recolhidos a hospitaes de alineados, si o seu estado mental assim exigir para segurança do publico.
Os loucos no Código Criminal do Império do Brasil eram designados pela expressão “loucos de todo gênero”, passou a ser designados no Código Penal da República pela expressão “estado de completa privação de sentidos e de inteligência”. 
Peres (2002, p. 339 - 40) destaca que a primeira expressão utiliza um termo genérico e amplo. Já a segunda, refere-se total ausência de determinação, privação total do conhecimento e da realidade, no entanto, ao invés de delimitar a noção de loucura, ampliou o conceito dado à loucura, deixou impunes crimes bárbaros e escandalosos com base no art. 27, §4 do referido diploma.
Este ordenamento jurídico efetivou a participação de peritos psiquiátricos para apurar o estado mental do delinqüente após ser considerado irresponsável; o alienado deveria ser interditado pelo juiz civil e a internação era fundamentada pela periculosidade atribuída pelo juiz do crime, um procedimento definido como medida preventiva.
Nota-se, então, que não havia a figura do semi-imputável, não previa uma diminuição da imputabilidade penal. Não existia o instituto da medida de segurança, o Código Penal Republicano de 1890 previa somente a pena. O doente mental criminoso tinha dois destinos: ou era entregue as famílias, voltava para casa, ou era internado no hospital de alienados.
2.3 CÓDIGO PENAL DE 1940
O Código Penal de 1940 vigente durante o Estado Novo, o decreto-lei nº 2.848/1940, influenciado pelo Código Penal italiano de 1830 (Código Penal de Rocco), adota o critério biopsicológico para determinação da imputabilidade. Os loucos são denominados como doentes mentais ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado (art. 22). A inimputabilidade é considerada uma causa de exclusão de culpabilidade. 
Pela primeira vez, no ordenamento jurídico brasileiro, previu a figura do semi-imputável (parágrafo único do art. 22), isto é, a possibilidade de uma culpabilidade diminuída, um meio termo entre a imputabilidade e a inimputabilidade, deixando para trás a lógica do tudo ou nada. 
Por influência das ideias positivistas, aparece à figura da medida de segurança (artigos 75 a 87), para fins preventivos, imposta como sanção penal aos doentes mentais, por força de lei,pressupõe-seque eles sejam perigosos (art. 76, incisos I e II). Os loucos são internados em Manicômio Judiciário ou Casa de Custódia e Tratamento por tempo indeterminado até a cessação da periculosidade. Inexistia previsão legal sobre período máximo de internação, a medida de segurança só era considerada extinta com a cessação da periculosidade do agente, caso contrário, o tempo de internação se prolongava indefinidamente. Portanto, nestes termos a medida de segurança poderia ter caráter vitalício.
Da Rosa (2007, p. 41) salienta que era possível a aplicação da medida de segurança independente de prática de fato previsto como crime (parágrafo único do art. 76), fundada tão somente na periculosidade do agente, nas hipóteses de prática de crime impossível (art. 14), no exercício de coautoria (art. 27) na forma de ajuste, determinação, instigação ou auxílio se o crime não vier a ser pelo menos tentado. Em suma, para os casos quase crime, a fim de proteger a coletividade, bastava o indivíduo ser considerado socialmente perigoso, e não criminalmente perigoso, o juiz estava autorizado a aplicar medida de segurança.
Conforme se extrai do Código Penal de 1940, as medidas de segurança podiam ser: a) pessoais (detentivas e não detentivas); b) patrimoniais. As medidas de segurança patrimoniais (2ª parte do art. 88) se dividem entre aplicação do confisco e a interdição de estabelecimento ou de sede de sociedade ou associação. As medidas de segurança pessoais detentiva (§1º do art. 88) previam literalmente: a) internação em manicômio judiciário; b) internação em casa de custódia e tratamento; c) internação em colônia agrícola ou em instituto de trabalho, de reeducação ou de ensino profissional. As medidas de segurança pessoais não detentivas (§2º art. 88), por sua vez, previam: a) liberdade vigiada; b) proibição de freqüentar determinados lugares; c) o exílio local.
Aplica-se pena para os semi-imputáveis com redução de um a dois terços, podendo ser substituída por medida de segurança a depender do tratamento curativo; aplica-se medida de segurança para os inimputáveis, podia ser tratamento ambulatorial se o crime fosse punido com detenção, ou tratamento de internação se o crime fosse punido com reclusão.
Confere-se liberdade ampla ao juiz quanto à aplicação e a execução da medida de segurança, observando apenas o período mínimo de duração, balizada conforme a pena mínima cominada em abstrato. O tempo mínimo da medida de segurança oscilava entre seis meses até seis anos (§1 do art. 91 e art. 92). Cabia ao juiz, e, não o psicólogo ou psiquiatra, avaliar a periculosidade – quando não presumida em lei – pelos vetores da personalidade do indivíduo, o seu antecedente, os motivos e as circunstâncias do crime (art. 77, caput).
Vigora nesse diploma legal o sistema duplo binário, possibilidade de aplicação concorrente de pena e medida de segurança, deve-se destacar a possibilidade de aplicar esta sanção ao imputável para complementar a pena imposta. Vide os principais dispositivos pertinentes ao tema: 
Irresponsáveis
Art. 22. É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Redução facultativa da pena
Parágrafo único. A pena pode ser reduzida de um a dois terços, seo agente, em virtude de perturbação da saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
(...)
Condições de aplicabilidade
Art. 76. A aplicação da medida de segurança pressupõe:
I - a prática de fato prevista como crime;
II - a periculosidade do agente.
Parágrafo único. A medida de segurança é também aplicável nos casos dos arts. 14 e 27 se ocorre a condição do n. II.
Verificação da periculosidade  
Art. 77. Quando a periculosidade não é presumida por lei, deve ser reconhecido perigoso o indivíduo, se a sua personalidade e antecedentes, bem como os motivos e circunstâncias do crime autorizam a suposição de que venha ou torne a delinquir.
Presunção de periculosidade
Art. 78. Presumem-se perigosos:
I aqueles que, nos termos do art. 22, são isentos de pena;
II - os referidos no parágrafo único do artigo 22;
(..)
Divisão das medidas de segurança
Art. 88. As medidas de segurança dividem-se em patrimoniais e pessoais. A interdição de estabelecimento ou de sede de sociedade ou associação e o confisco são as medidas da primeira espécie; as da segunda espécie subdividem-se em detentivas ou não detentivas.
Medidas de segurança detentivas
§ 1º São medidas detentivas:
I - internação em manicômio judiciário;
II - internação em casa de custódia e tratamento;
III - a internação em colônia agrícola ou em instituto de trabalho, de reeducação ou de ensino profissional.
Medidas de segurança não detentivas
§ 2º São medidas não detentivas:
I - a liberdade vigiada;
II - a proibição de freqüentar determinados lugares;
II - o exílio local.
Internação em manicômio judiciário.
Art. 91. O agente isento de pena, nos termos do art. 22, é internado em manicômio judiciário.
§ 1º A duração da internação é, no mínino:
I - de seis anos, se a lei comina ao crime pena de reclusão não inferior, no mínimo, a doze anos;
II - de três anos, se a lei comina ao crime pena de reclusão não inferior, no mínimo, a oito anos;
III - de dois anos, se a pena privativa de liberdade, cominada ao crime, é, no mínimo, de um ano:
IV - de um ano, nos outros casos.
§ 2° Na hipótese do n. IV, o juiz pode submeter o indivíduo apenas a liberdade vigiada.
Substituição facultativa
§ 3° O juiz pode, tendo em conta a perícia médica, determinar a internação em casa de custódia e tratamento, observada os prazos do artigo anterior.
Cessação da internação
§ 4° Cessa a internação por despacho do juiz, após a perícia médica (art. 81), ouvidos o Ministério Público e o diretor do estabelecimento.
Período de prova
§ 5° Durante um ano depois de cessada a internação, o indivíduo fica submetido a liberdade vigiada, devendo ser de novo internado se seu procedimento revela que persiste a periculosidade. Em caso contrário, declara-se extinta a medida de segurança.
Internação em casa de custódia e tratamento
Art. 92. São internados em casa de custódia e tratamento, não se lhes aplicando outra medida detentiva:
I - durante três anos, pelo menos, o condenado por crime a que a lei comina pena de reclusão por tempo não inferior, no mínimo, a dez anos, se na sentença foram reconhecidas as condições do parágrafo único do art. 22;
II - durante dois anos, pelo menos, o condenado por crime a que a lei comina pena de reclusão por tempo não inferior, no mínimo, a cinco anos, se na sentença foram reconhecidas as condições do parágrafo único do art. 22:
III - durante um ano, pelo menos, o condenado por crime a que a lei comina pena privativa de liberdade por tempo não inferior, no mínimo, a um ano, se na sentença foram reconhecidas as condições do parágrafo único do art. 22
IV - durante seis meses, pelo menos, ainda que a pena aplicada seja por tempo menor, o condenado a pena privativa de liberdade por crime cometido em estado de embriaguez pelo álcool ou substância de efeitos análogos, se habitual a embriaguez.
Parágrafo único. O condenado por crime a que a lei comina pena privativa de liberdade por tempo inferior, no mínimo, a um ano, se na sentença foram reconhecidas as condições do parágrafo único do art. 22, é internado em casa de custódia e tratamento durante seis meses, pelo menos, ou, se mais conveniente, submetido, por igual prazo, a liberdade vigiada.
2.4 REFORMA DE 1984
Este Código Penal está vigente ainda hoje, sofreu alterações quanto ao tema tratado por meio da Lei de Execuções Penais, Lei nº 7.209/84, também conhecido como Reforma de 1984. É importante ressaltar que os conceitos de inimputabilidade e semi-imputabilidade possuem a mesma redação antes da alteração, agora previstos no artigo 26. Foram suprimidas do ordenamento jurídico penal as formas presumidas de periculosidade. A periculosidade deve ser confirmada por meio de um exame pericial.
A medida de segurança tem a duração mínima de 1 a 3 anos, manteve-se o caráter indeterminado da medida, e de natureza pessoa, pode ser cumprida em: a) internamento em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou similar; b) tratamento ambulatorial que não envolve internamento. Em seguida o agente é posto em liberdade condicional. Não existe mais a figura de medida de segurança de natureza patrimonial. 
A principal novidade foi à extinção do sistema duplo-binário, e a implantação do sistema vicariante, em outras palavras, pena e medida de segurança podem ser aplicadas alternativamente, não mais de forma cumulativa. Outra novidade foi à impossibilidade de aplicação da medida de segurança para o imputável, mesmo presente a periculosidade, portanto, aos imputáveis cabe somente aplicação da pena.
2.5 MOVIMENTO ANTIMANICOMIAL E REFORMA PSIQUIÁTRICA DA LEI 10.216/2010
O Movimento Antimanicomial, trata-se de um movimento social com múltiplas dimensões, ocorrido entre os fins da década de 70 e se estendeu até década de 80 do século XX, tem como fundo histórico o contexto da abertura do regime militar, pretendia transformar a concepção e a prática sobre a loucura; denunciar a realidade de exclusão, maus-tratos, crueldades que eram submetidos os loucos; questionar a política pública pertinente à saúde mental e seu aparato estatal (Manicômio) responsável pela sua implantação e execução; romper com o modelo manicomial.
A realidade da loucura, interpretada pelo legitimado saber psiquiátrico, foi transformada em doença mental, se traduz em perversão, desajuste e alienação, ou seja, a loucura reduzida a um distúrbio, um transtorno. Uma concepção que se funda em uma moralidade da ordem, do trabalho funcional e dos bons costumes. Por outro lado, este discurso médico, em razão de suas próprias limitações, produz exclusão e morte social, esquece-se de abordar ou simplesmente retira o lado subjetivo e histórico social do louco e da loucura (AMARANTE, 1995, apud LUCHMANN, RODRIGUES, 2007, p 401). 
Segundo Luchmann e Rodrigues (AMARANTE, 1995, apud 2007, p. 402 - 403), expõem a trajetória do Movimento Antimanicomial, que passou de um movimento do setor da saúde para um movimento social de âmbito nacional, crítico e combativo ao regime ditatorial do governo dos militares:
Seguindo a trajetória de muitos outros movimentos sociais do país, é no contexto da abertura do regime militar que surgem as primeiras manifestações no setor de saúde, principalmente através da constituição, em 1976, do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES) e do movimento de Renovação Médica (REME) enquanto espaços de discussão e produção do pensamento crítico na área. É basicamente no interior destes setores que surge o Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental, movimento este que assume papel relevante nas denúncias e acusações ao governo militar, principalmente sobre o sistema nacional de assistência psiquiátrica, que inclui práticas de tortura, fraudes e corrupção. As reivindicações giram em torno de aumento salarial, redução de número excessivo de consultas por turno de trabalho, críticas à cronificação do manicômio e ao uso do eletrochoque, melhores condições de assistência à populaçãoe pela humanização dos serviços. Este movimento dá início a uma greve (durante oito meses no ano de 1978) que alcança importante repercussão na imprensa. 
Com a realização do V Congresso Brasileiro de Psiquiatria, em outubro de 1978, testemunha-se o início de uma discussão política que não se limita ao campo da saúde mental, estendendo-se para o debate sobre o regime político nacional. Importante se faz destacar, neste processo, a vinda ao Brasil de Franco Basaglia, Felix Guattari, Robert Castel e ErvingGoffman para o I Congresso Brasileiro de Psicanálise de Grupos e Instituições no Rio de Janeiro. Em 1979 ocorre, em São Paulo, o I Encontro Nacional do Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM), cujas discussões centraram na necessidade de um estreitamento mais articulado com outros movimentos sociais, e (em Belo Horizonte), o III Congresso Mineiro de Psiquiatria que, afinado com o MTSM, propõe a realização de trabalhos "alternativos" de assistência psiquiátrica. O ano de 1987 se destaca pela realização de dois eventos importantes: a I Conferência Nacional de Saúde Mental e o II Congresso Nacional do MTSM (em Bauru/SP). Este segundo evento vai registrar a presença de associações de usuários e familiares, como a "Loucos pela Vida" de São Paulo e a Sociedade de Serviços Gerais para a Integração Social pelo Trabalho (SOSINTRA) do Rio de Janeiro, entre outras. Com a participação de novas associações, passa a se constituir em um movimento mais amplo, na medida em que não apenas trabalhadores, mas outros atores se incorporam à luta pela transformação das políticas e práticas psiquiátricas. 
Esse momento marca uma renovação teórica e política do MTSM, através de um processo de distanciamento do movimento em relação ao Estado e de aproximação com as entidades de usuários e familiares que passaram a participar das discussões. Instala-se o lema do movimento: por uma sociedade sem manicômios. Este lema sinaliza um movimento orientado para a discussão da questão da loucura para além do limite assistencial, concretizando a criação de uma utopia que passa a demarcar um campo de crítica à realidade do "campo" da saúde mental, principalmente do tratamento dado aos "loucos".
Seguindo a linha histórica, Segundo Luchmann e Rodrigues (2007, p. 403, apud LOBOSQUE, 2001), este II Congresso Nacional do Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental (MTSM) avançou no sentido ampliar a participação popular, dando origem a Articulação Nacional da Luta Antimanicomial, e romper o tratamento técnico dado à loucura:
Tendo em vista uma significativa aproximação dos usuários e dos familiares, é criado, neste II Congresso, o Manifesto de Bauru que, segundo Silva, constitui-se como uma espécie de documento de fundação do Movimento Antimanicomial que marca a afirmação do laço social entre os profissionais com a sociedade para o enfrentamento da questão da loucura e suas formas de tratamento. 
A partir deste manifesto, surge a Articulação Nacional da Luta Antimanicomial que, segundo Lobosque, significa: "Movimento - não um partido, uma nova instituição ou entidade, mas um modo político peculiar de organização da sociedade em prol de uma causa; Nacional - não algo que ocorre isoladamente num determinado ponto do país, e sim um conjunto de práticas vigentes em pontos mais diversos do nosso território; Luta - não uma solicitação, mas um enfrentamento, não um consenso, mas algo que põe em questão poderes e privilégios; Antimanicomial - uma posição clara então escolhida, juntamente com a palavra de ordem indispensável a um combate político, e que desde então nos reúne: por uma sociedade sem manicômios". 
Para a autora, abre-se e publiciza-se o debate em direção à ruptura radical com uma perspectiva tecnificista sobre a loucura. 
O modelo asilar dos manicômios, surgidos no século XVIII, graças à influência médica e moral de Philippe Pinel, propiciou isolar e estudar a loucura em suas diversas manifestações, tal instituição fora destinada a tratar a loucura, no entanto, tornou-se, historicamente, um modelo excludente e segregador. 
O Movimento Antimanicomial visava superar esse modelo de aprisionamento manicomial, percebeu que o isolar o louco do convívio social ao invés de curar, poderia agravar ou aprofundar a patologia, ou criar um ambiente propício para aparecimento de outros transtornos mentais. Portanto, tal movimento visava modificar a política de saúde mental, a relação do Estado com o louco/a loucura.
O Movimento Antimanicomial com sua força social resultou a Lei 10.216/2001, a famosa Lei Antimanicomial ou Lei da Reforma Psiquiatra, versa sobre os direitos e as garantias das pessoas portadoras de transtorno mental e propõem um novo modelo assistencial que visa mudar a ênfase dada ao tratamento hospitalar para focar em uma rede de atenção psicossocial distribuídas em unidades de serviços abertos à comunidade, reforçando uma política pública contrária a internação em manicômio. Nesse diapasão, conforme art. 6º, p. ún., inc. III (intitulado internação compulsória)c/c caput do art. 4º, ambos da Lei 10.216/2001 exige uma releitura do Código Penal e da Lei de Execução Penal, determina uma nova forma de operar o instituto da medida de segurança, pois, a internação deve ser utilizada como o último recuso, aplicada apenas nos casos extremos, um caso de exceção, e a regra passa a ser o tratamento ambulatorial. Portanto, compete ao juiz, apesar do Código Penal regulamentar em sentido contrário, independente da gravidade da infração, ou da pena cominada, reclusão ou detenção, dar prioridade ao tratamento ambulatorial, e se porventura a medida de segurança restritiva apresente-se insuficiente, aplica-se a internação (GUERRA, 2011, p. 59 - 60).
Observa-se ainda que a Lei 10.216/2010 em seu art. 5º prevê a possibilidade de alta progressiva do paciente, a fim de evitar uma dependência institucional tornando inviável a desinternação e a ressocialização, competindo ao Estado promover essa desinternação progressiva do sujeito que cumpre medida de segurança (DE SOUZA, 2011, p. 38).
Depois de estudar a evolução dos institutos jurídicos no campo penal dado a loucura no cometimento de crimes, pergunta-se:como se estrutura o instituto da medida de segurança atualmente?
3 MEDIDA DE SEGURANÇA NO DIREITO PENAL BRASILEIRO
3.1 FUNDAMENTOS DAS PENAS E MEDIDAS DE SEGURANÇA
Qual a finalidade e fundamento da punição? Três teorias justificam e legitimam a aplicação do direito de punir do Estado, Rodrigues (2014, p. 27 – 34) assim as expõem:
Teoria Absoluta ou Retribucionista, em linhas gerais, significa que o injusto provocado pelo criminoso deve ser retribuído com o mal concreto da pena, trata-se de uma relação crime-castigo. Essa teoria é derivada da noção de Justiça da Lei de Talião, pena aplicada como forma de pagar o mal pelo mal, como punição do ato delituoso, não atribui a pena um caráter utilitarista, a pena é tão-somente uma compensação ao mal causado pelo infrator.
Teoria Relativa ou Preventiva defende que a pena coíbe futuras ações delituosas, a pena tem um caráter utilitarista, não tem um objetivo ético, um fim em si mesmo, como propõe à teoria retribucionista, ao contrário, a pena visa evitar que o infrator e a sociedade não pratiquem crimes, o objetivo da pena é a prevenção do crime, ela pode ser: a) geral, incutir um temor generalizado na mente da sociedade pela certeza da execução da pena, conserva a ordem instituída reforçando o poder do Estado; b) especial, intimidar o infrator para que este não cometa novo ilícito penal e não represente uma ameaça aos bens tutelados.
Teoria Mista, por sua vez, unifica as duas teorias apresentadas acima, atribuindo a pena papel retribucionista e preventiva, sistema penal adotado no atual Código Penal Brasileiro para justificar e legitimar o direito de punir do Estado, a pena a um só tempo tem a função de intimidação coletiva, ressocialização do condenado e compensação do mal causado pelo criminoso.
3.2 SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS ENTRE PENAS E MEDIDAS DE SEGURANÇA
Damásio de Jesus (2011, p.589) distingue claramente pena e medida de segurança:
As medidas de segurança diferem das penas nos seguintes pontos:
1. As penas têm natureza retributiva-preventiva; as medidas de segurança são preventivas;
1. As penas são proporcionais à gravidade da infração; a proporcionalidade das medidas de segurança fundamenta-se na periculosidade do sujeito;
1. as penas ligam-se ao sujeito pelo juízo da culpabilidade (reprovação social); as medidas de segurança, pelo juízo de periculosidade;
1. as penas são fixas; as medidas de segurança são indeterminadas, cessando com o desaparecimento do sujeito;
1. as penas são aplicáveis aos imputáveis e aos semi-imputáveis; as medidas de segurança não podem ser aplicadas aos absolutamente imputáveis.
Pode-se distinguir pena e medida de segurança do seguinte modo:
Quadro 1: Diferença entre pena e medida de segurança
	
	Pena
	Medida de Segurança
	Natureza
	Retributiva-preventiva
	Preventiva
	Proporcionalidade
	Gravidade da infração
	Periculosidade do agente
	Juízo
	Culpabilidade
	Periculosidade
	Prazo
	Fixo
	Depende da cessação da periculosidade
	Aplicação
	Imputáveis e semi-imputáveis
	Semi-imputáveis e inimputáveis.
Fonte: Rodrigues (2014, p. 46 – 47).
As sanções impostas pelo Estado podem ser: penas ou medida de segurança. Os dois institutos destinam-se a tutela de bens jurídicos relevantes. 
No contexto prático, medida de segurança, a imposição de internação até que se cesse a periculosidade do sujeito, se assemelha a pena, pois ambas impõem privação da liberdade (retira do indivíduo sua liberdade de ir e vir) ou restrições de direito. 
Pelo ponto de vista prático, não se visualiza grandes diferenças entre os dois institutos, se medida de segurança priva a liberdade ou restringe direitos, então, ela tem caráter retributivo, não somente preventivo. A periculosidade, fundamento da medida de segurança, também é utilizada para se analisar a progressão do regime e a pena; também é utilizado para aferir se o agente imputável é perigoso, conjecturar a possibilidade dele voltar a delinquir. Tanto a pena, quanto a medida de segurança estão voltadas para o passado, pois são aplicadas em razão do cometimento de um crime. Outro contrassenso é a incoerência entre medida de segurança e a prescrição do crime, por exemplo, se uma pessoa foragida por tempo suficiente para caracterizar a pretensão executória, não recebendo a aplicação da medida de segurança em razão da periculosidade oferecida à sociedade, extinta estará a punibilidade, portanto, em tese, afasta-se a periculosidade, a pessoa estará livre e não mais sujeito a esta sanção penal (GOMES, 1990; PANCHERI, 1997 apud RAMOS, 2002, p. 43).
Portanto, pena e medida de segurança são ontologicamente diferentes, pragmaticamente semelhantes.
3.3 CONCEITO DE MEDIDA DE SEGURANÇA
A medida de segurança destina-se aos inimputáveis e, eventualmente aos semi-imputáveis que cometem fato típico e antijurídico, mostram-se perigosos a convivência social, necessitam, não de punição, mas, de um especial tratamento curativo. 
Esse instituto visa impedir que estas pessoas, em razão de sua condição de inimputáveis e semi-imputáveis, não pratiquem futuras infrações penais. Trata-se de uma sanção penal de caráter tão-somente preventivo e curativo, portanto, uma providência estatal, após obedecer ao devido processo legal, justifica sua aplicação em razão da periculosidade do agente e pela necessidade de tratamento especializado. 
Deve-se esclarecer que inimputável, por definição legal (caput do art. 26 do CP), é o indivíduo portador de doença mental, ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, inteiramente incapaz de compreender o caráter ilícito do fato ou de auto determinar-se.
E semi-imputável é o indivíduo com capacidade de discernimento diminuído ou capacidade de determinação diminuída em razão da perturbação da saúde mental (parágrafo único do art. 26 do CP).
Imputável, por sua vez, é o indivíduo capaz de entender o caráter ilícito do fato (elemento intelectual) e de agir na direção contrária a ato criminoso (vontade) (SALING, 2011, p. 17). Imputáveis são os maiores de 18 anos que possuem higidez mental – não sofre de transtorno psíquico.
Nesse sentido, para que seja configurada inimputabilidade, no momento da ação ou omissão da infração, é necessário observar dois critérios. O critério biológico, isto é, se o indivíduo possui uma enfermidade ou retardo mental (anormalidade psíquica). E o critério psicológico, se o indivíduo possui capacidade de entendimento (faculdade cognitiva) e determinação (faculdade volitiva). 
Em outras palavras, para determinar a inimputabilidade do agente, isentá-lo de pena, aplicar-lhe medida de segurança, o Código Penal adotou o critério biopsicológico, é necessário à constatação de anormalidade psíquica que resulta em uma incapacidade de entender e de querer.
A semi-imputabilidade, em síntese, é capacidade diminuída de entendimento e determinação, por situar-se nessa região limítrofe, fica no meio termo entre a imputabilidade e a inimputabilidade, permite-se, conforme o caso concreto, a aplicação de pena reduzida de um a dois terços ou medida de segurança. 
Como foi mencionado, pena ou medida de segurança, uma ou outra, o indivíduo não pode se sujeitar há duas modalidades de sanção penal, regra denominada de Sistema Vicariante (ou Sistema Unitário) que passou a vigorar depois da Reforma Penal de 1984 (Lei 7.209/1984). Portanto, não se admite a aplicação cumulativa de pena e medida de segurança.
Antes, vigorava o Sistema Duplo Binário, o semi-imputável, considerado perigoso, por praticar crime grave e violento, cumpria a pena privativa de liberdade, e se persistisse a periculosidade, era submetida à medida de segurança. 
A imputabilidade, na doutrina penal moderna, embora não tenha definição legal, é um dos pressupostos da culpabilidade, assim como potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa. Culpabilidade é o senso de reprovação social da conduta criminosa de alguém, constitui o fundamento da aplicação da pena. Assim, para o imputável que comete crime a sanção cabível é a pena, não existe possibilidade de aplicação de medida de segurança. 
É oportuno destacar que menor, presume-se, por força de lei, absolutamente, incapaz ou inimputáveis (art. 228 da CF/88, art. 27 do CP, art. 104 do ECA), não comete crime ou contravenção, por abstração legal, comete ato infracional.
A internação, medida sócio-educativa, decorrente de condenação pela prática de ato infracional deverá ser cumprida em entidade destinada exclusivamente a adolescente (art. 123, ECA). Assim, independente da doença mental ou perturbação da saúde mental, ou periculosidade do adolescente, não é cabível medida de segurança.
3.4 REQUISITOS PARA APLICAÇÃ DA MEDIDA DE SEGURANÇA
Para aplicação de medida de segurança, é necessário o preenchimento de três requisitos: a) prática de um fato típico e ilícito; b) periculosidade do agente; c) não tenha ocorrido a extinção da punibilidade (MASSON, 2010, p. 789).
A periculosidade é juízo de probabilidade do agente inimputável ou semi-imputável voltar a se envolver em crimes e contravenções penais, está associado à ameaça que tais indivíduos representam para a segurança social e a si mesmo. A periculosidade é um juízo de prognose, sonda-se o futuro e se conjectura a possibilidade do agente praticar novos ilícitos penais. 
O inimputável apresenta periculosidade presumida, em razão da lei considerá-lo perigoso (caput do art. 26 do CP). O simples cometimento de crime ou contravenção, já se presume tratar de pessoa perigosa, sendo necessária aplicação de medida de segurança.
Já o inimputável para que seja considerado perigoso, é necessário exame pericial que ateste a efetiva probabilidade do réu voltar a delinquir, por isso, chama-se periculosidade real, pois ela não se presume, o seu juízo de periculosidade deriva do caso concreto. Caso o réu mostre-se perigoso, aplica-se medida de segurança. Se o réu não apresenta periculosidade real aplica-se pena privativa

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