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GRUPO DE PESQUISA OPINIÃO PÚBLICA, MARKETING POLÍTICO E COMPORTAMENTO ELEITORAL Em Debate Periódico de Opinião Pública e Conjuntura Política Missão Publicar artigos e ensaios que debatam a conjuntura política e temas das áreas de opinião pública, marketing político, comportamento eleitoral e partidos. Coordenação: Helcimara de Souza Telles – UFMG Conselho Editorial Antônio Lavareda – IPESPE Aquilles Magide – UFPE Arthur Leando Alves da Silva - UFPE Cloves Luiz Pereira Oliveira – UFBA Denise Paiva Ferreira – UFG Gabriela Tarouco – UFPE Gustavo Venturi Júnior – USP Helcimara de Souza Telles – UFMG Heloisa Dias Bezerra – UFG Julian Borba – UFSC Letícia Ruiz Rodrigues – Universidad Complutense de Madrid Luciana Fernandes Veiga – UFPR Jornalista Responsável Érica Anita Baptista Equipe Técnica: Angélica Bicego Joscimar Silva Parceria Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas – IPESPE Luiz Ademir de Oliveira – UFSJ Luiz Cláudio Lourenço – UFBA Malco Braga Camargos – PUC-MINAS Moritz Lohe – Freie Unversität Berlim Paulo Victor Melo – UFMG Pedro Floriano Ribeiro – UFSCar Pedro Santos Mundim – UFG Ricardo Costa – FMU/FIAMFAM Rubens de Toledo Júnior – UNILA Silvana Krause – UFRGS Thiago da Silva Sampaio – UFMG Yan de Souza Carreirão – UFPR Endereço Universidade Federal de Minas Gerais Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas Departamento de Ciência Política – DCP Av. Antônio Carlos, 6.627 – Belo Horizonte Minas Gerais – Brasil –CEP:31.270-901 + (55) 31 3409 3823 Email: marketing-politico@uol.com.br Facebook: Grupo Opinião Pública Twitter: @OpPublica As opiniões expressas nos artigos são de inteira responsabilidade dos autores. Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.3-4, abril 2018. 3 EM DEBATE Periódico de Opinião Pública e Conjuntura Política Ano X, Número I, Abril de 2018 SUMÁRIO Editorial 5-9 Pesquisando Dossiê: 10-11 A direita na rede: mobilização online no impeachment de Dilma Rousseff Claudio Luis de Camargo Penteado, Celina Lerner Democracia de democratas insatisfeitos e a emergência dos Alternative Right (AR) Helcimara Telles O dispositivo pentecostal e a agência dos governados Mariana Côrtes Outro olhar sobre as forças armadas: os grupos de pressão política formados por militares da reserva Eduardo Heleno A tradição do pensamento político na nova hegemonia das direitas: Algumas questões preliminares Fabrício Pereira da Silva 12-24 25-30 31-38 39-45 46-53 Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.3-4, abril 2018. 4 Interesse, neoliberalismo e cinismo político Luiz Carlos Bresser-Pereira Opinião À procura de inspirações para a reforma políticaa brasileira: visitando o sistema eleitoral e o financiamento de campanha no regime políticoo alemão Marina Rodrigues Siqueira Resenha Tem Saída? Ensaios críticos sobre o Brasil Alessandra Margotti, Pedro Mateus Almeida Colaboradores desta edição 54-62 63-76 77-89 90-93 5 Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.5-9, abril 2018. EDITORIAL “Conservadorismo, Novas Direitas e Grupos Insurgentes” A presente edição da Revista Em Debate traz uma rica contribuição de ensaios teóricos e fundamentados em resultados de pesquisas sobre “Conservadorismo, Novas Direitas e Grupos Insurgentes”. Esta edição é fruto de uma parceria do periódico Em Debate com a Associação Brasileira de Ciência Política – Regional Sudeste (ABCP-Sudeste), e inspirado no Seminário “Conservadorismo, Novas Direitas e Grupos Insurgentes”, realizado pela ABCP- Sudeste e pelo Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política (NEAMP) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). O Seminário ocorrido no dia 29 de março de 2018 na PUC-SP contou com participação de diversos pesquisadores de 17 instituições de ensino e pesquisa que debateram, dentre outros, os seguintes temas: A direita nas ruas, redes e o governo Dilma Rousseff (mesa 1); Conservadorismo, novos grupos de direita e religião (mesa 2); A direita nas forças armadas, lideranças e instituições (mesa 3); O pensamento conservador e as Direitas na América Latina e no Brasil (mesa 4). O Seminário contou, ainda, com uma conferência de abertura, proferida pelo professor João Feres Júnior (IESP-UERJ) sobre a genealogia da nova direita brasileira e a genealogia da atual crise da democracia brasileira. Algumas das importantes falas do debate sobre Conservadorismo, Novas Direitas e Grupos Insurgentes expostas e debatidas nesse Seminário estão reunidas aqui. O artigo de Claudio Penteado, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC), intitulado “A direita na rede: mobilização online no impeachment de Dilma Rousseff”, traz uma análise importante sobre diferentes grupos de Direita atuando no Facebook durante o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff em 2016. A partir de mineração de dados e análise de redes, utilizando-se de ferramentas e métodos digitais, Penteado nos apresenta a pluralidade de grupos de direita que se entrelaçavam e até se sobrepunham sobre alguns pontos 6 Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.5-9, abril 2018. específicos, sendo o de maior destaque o anti-petismo. O autor organiza também uma análise sobre o comportamento desses atores na rede, o que contribui muito para o enriquecimento teórico do campo de estudos em social media e política a partir de pesquisas empíricas. O ensaio de Helcimara Telles, professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenadora do grupo Opinião Pública, traz uma densa reflexão tecida a partir de resultados de pesquisas empíricas situando a conjuntura dos novos conservadorismos brasileiros no debate sobre os novos conservadorismos globais, em especial o contexto europeu. Seu texto sobre a relação entre a avaliação da democracia e o desenvolvimento dos Alternative Rights utiliza-se de resultados de pesquisa sobre como a fragilidade das instituições democráticas corrobora para o surgimento, consolidação e atuação dos Alternative Rights. O ensaio contribui com uma síntese teórica e empírica que dá subsídios e respostas avançadas a partir da perspectiva comparativa sobre pouco compreendido fenômeno dos novos conservadorismos no Brasil. Mariana Côrtes, professora da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), colabora nesta edição com uma análise sobre a relação mútua entre neopentecostalismo e a governabilidade neoliberal. Com uma nova perspectiva de olhar para o neopentecostalismo, o artigo rejeita as teorias deste como reflexo de um aparente atraso e o analisa enquanto uma das expressões mais contemporâneas das faces da governança neoliberal. Baseando-se principalmente em estudos empíricos sobre a Igreja Universal do Reino de Deus, Mariana Côrtes consegue desenvolver categorias analíticas capazes de lançar compreensão sobre outras denominações e ramificações do pentecostalismo e neopentecostalismo brasileiro. Eduardo Heleno Santos, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), contempla em seu artigo “Outro olhar sobre as forças armadas: os grupos de pressão política formado por militares da reserva” uma importante abordagem sobre a composição dos representantes civis em meio às forças armadas e as estratégias de opinião pública das forças militares. Essa análise lança luz sobre para 7 Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.5-9, abril 2018. além das instituições militares, pensando o poder das forças militares bem como seu papel comoator político na opinião pública e na democracia brasileira. O artigo de Fabrício Pereira da Silva, professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), situa o conservadorismo brasileiro em sua conjuntura regional latino-americana, ao mesmo tempo em que pensa uma genealogia desse perfil conservador brasileiro através de uma retomada aos clássicos do pensamento político brasileiro e ao mesmo tempo costurando essas interpretações com momentos, fatos históricos e conjunturas. Dessa forma, o artigo carrega com primor um rico convite a compreender as linhagens do conservadorismo brasileiro, ao mesmo tempo em que auxilia o leitor a trilhar passos importantes nesse caminho. No ensaio “Interesse, Neoliberalismo e Cinismo Político”, Luiz Carlos Bresser-Pereira, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), discute os resultados da radicalização do neoliberalismo impactando a igualdade política, a virtude cívica, o nacionalismo patriótico, da solidariedade e a proteção do ambiente. Numa análise teórica, histórica e de conjunturas, Bresser-Pereira desnuda as faces e os riscos do neoliberalismo mais que como forma econômica, mas suas formas e implicações sociais, políticas e históricas, dentre elas o cinismo político. Na segunda parte desta edição da Revista Em Debate, reflexões riquíssimas em formato de síntese de opinião, resenha, novas descobertas científicas e críticas ilustram preocupações dessa conjuntura contemporânea. Em seu artigo de opinião intitulado “À procura de inspirações para a Reforma Política brasileira: visitando o sistema eleitoral e o financiamento de campanha no regime político alemão”, Marina Siqueira, doutoranda em Ciência Política na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), discute a Reforma Política brasileira a partir do Sistema Eleitoral e de Financiamento de Campanha alemão. Para além de um comparativo entre as duas realidades, Marina Siqueira 8 Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.5-9, abril 2018. consegue abstrair e pensar resultados e impactos possíveis de mudanças em sistemas eleitorais. Na resenha do livro “Tem Saída? Ensaios Críticos sobre o Brasil”, organizado por Winnie Bueno, Joanna Burigo, Rosana Pinheiro-Machado e Esther Solano, somos convidados à leitura a partir de uma convidativa degustação. Alessandra Margotti, doutoranda em Direito na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e Pedro Almeida, graduando em Ciências Sociais na mesma instituição, além de trazerem uma síntese convidativa de cada capítulo de um livro sobre conjuntura político democrática escrito exclusivamente por mulheres, conseguem também manter viva na resenha o espírito crítico, combativo e provocador. Para concluir esta edição trazemos dois ensaios de Gláucio Soares, professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ). Apaixonado pela ciência e todas suas interfaces, especialmente aquelas que causam impactos diretos na vida dos cidadãos comuns, o professor traz duas importantes reflexões. No primeiro texto “O novo pó que matará milhões”, Gláucio Soares faz uma provocativa reflexão sobre as drogas sintéticas que tem exercido muito mais violência física e agressividade mortal que os clássicos indicadores de violência. No segundo escrito, sob o título de “O crescimento de escritos baseados na globalização”, o autor conclui através de análise computacional de difusão científica na rede de internet que há uma tendência teórica a redução dos trabalhos que retratam a globalização. E nos deixa a provocação do que isso possa significar. Esperamos que esta 1ª Edição do Ano 10 da Revista Em Debate possa ser tão instigante aos nossos leitores e leitoras, quanto é à nossa equipe e aos nossos colaboradores desta edição. Que seja um convite à defesa da democracia, das suas instituições e das suas conquistas! Joscimar Silva 9 Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.5-9, abril 2018. Revista Em Debate Equipe Opinião Pública/UFMG 10 PESQUISANDO GLÁUCIO SOARES O CRESCIMENTO DE ESCRITOS BASEADOS NA GLOBALIZAÇÃO Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.10-11, abril 2018. O CRESCIMENTO DE ESCRITOS BASEADOS NA GLOBALIZAÇÃO Gláucio Soares Pesquisador do IESP/UERJ soares.glaucio@gmail.com Nas versões anteriores dessa coluna, vimos que o conceito de desenvolvimento econômico, associado às teorias estruturalistas, associado também a autores, como Prebisch e Celso Furtado, e a subconceitos que compunham a teoria, como substituição de importações, e também a instituições, como a CEPAL, tiveram um percurso semelhante na literatura (usando os Google Books) em diferentes idiomas. Houve algum conceito, ou conjunto de teorias, elaboradas ou não, que ocupasse o vazio deixado pela ênfase à outrance no desenvolvimento econômico constatada nas décadas anteriores? Houve. A partir de meados e do fim da década de 80, houve um crescimento aceleradíssimo de teorias que se baseavam, ou pelo menos incluíam, a globalização. Os ngrams em diferentes idiomas refletem esse crescimento. Os valores absolutos variam muito entre os corpora; por isso usei pesos ao calcular os ngrams para que o leitor possa melhor aquilatar a sincronicidade dessa explosão. Várias teorias – e não somente na economia – passaram a enfatizar a globalização (em Francês chamada de mundialização). O estruturalismo latino- americano, baseado em conceitos como o crescimento “para dentro” e a “substituição de importações”, entre outros, não conseguia acomodar o crescimento do comércio mundial, nem as peregrinações do capital, que acabaram por engendrar economias poderosas como a da China e, em grau menor, a da Índia. 11 PESQUISANDO GLÁUCIO SOARES O CRESCIMENTO DE ESCRITOS BASEADOS NA GLOBALIZAÇÃO Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.10-11, abril 2018. Não há como testar seriamente a relação entre o decréscimo de um e o crescimento do outro. Teorias causais e teorias de simples ocupação de vazios poderão ser desenvolvidas. Não obstante, uma nota de precaução: uma análise preliminar de dados entre 2000 e 2008 mostra o início do que poderá ser a queda dessa presença forte do pensamento globalizante. Em alguns corpora houve redução dos ngrams. Mais uma “onda” teórica? Com ascensão, auge e queda? Figura 1 - O Crescimento Ultra-rápido da Globalização nos Livros de 1900 a 2000 Fonte: Autor (2018). 0,00E+00 5,00E-06 1,00E-05 1,50E-05 2,00E-05 2,50E-05 3,00E-05 3,50E-05 4,00E-05 1 9 0 0 1 9 0 4 1 9 0 8 1 9 1 2 1 9 1 6 1 9 2 0 1 9 2 4 1 9 2 8 1 9 3 2 1 9 3 6 1 9 4 0 1 9 4 4 1 9 4 8 1 9 5 2 1 9 5 6 1 9 6 0 1 9 6 4 1 9 6 8 1 9 7 2 1 9 7 6 1 9 8 0 1 9 8 4 1 9 8 8 1 9 9 2 1 9 9 6 2 0 0 0 Inglês Espanhol Francês Italiano Alemão 12 CLAUDIO PENTEADO, CELINA LERNER A DIREITA NA REDE: MOBILIZAÇÃO ONLINE NO IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.12-24, abril 2018. A DIREITA NA REDE: MOBILIZAÇÃO ONLINE NO IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF1 Claudio Luis de Camargo Penteado Professor e pesquisador na UFABC claudio.penteado@ufabc.edu.br Celina Lerner Doutoranda na UFABC celina.lerner@ufabc.edu.br Resumo: O artigo apresenta uma análise sobre a mobilização online dos grupos de direita no debate sobre o impeachment de Dilma Rousseff no Facebook. Com o objetivo de descobrir as características desses grupos de direita na rede, o artigo realizou um estudo das comunidades de direita que atuaram diretamente no debate nas redes sociais, por meio da extração e análise de dados do Facebook. Os resultados apontam que existe uma grande variedade de clusters, com diferentes características temáticas e ideológicas, que se articularam em torno da produção de uma narrativa discursiva antipetista. Palavras-chave: Direita na rede; Impeachment Dilma Rousseff; mobilizaçãoonline; Facebook. Abstract: The article presents an analysis of the online mobilization of right-wing groups in the debate on Dilma Rousseff's impeachment on Facebook. With the objective of discovering the characteristics of these right-wing groups in the network, the article carried out a study of the right- wing communities that acted directly in the debate on social networks, through the extraction and analysis of data from Facebook. The results indicate that there is a great variety of clusters, with different thematic and ideological characteristics, that have been articulated around the production of an antipetista discursive narrative. Keywords: Right on the network; Impeachment Dilma Rousseff; online mobilization; Facebook. 1 Artigo apresentado no seminário "Conservadorismo, Novas Direitas e Grupos Insurgentes" organizado pela Associação Brasileira de Ciência Política - Regional Sudeste e NEAMP / PUC SP. São Paulo, 29 de março de 2018. 13 CLAUDIO PENTEADO, CELINA LERNER A DIREITA NA REDE: MOBILIZAÇÃO ONLINE NO IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.12-24, abril 2018. Introdução A eclosão da onda de protestos que tomaram as ruas em junho de 2013 em várias cidades brasileiras chamou a atenção para o poder das mídias sociais como ferramenta de mobilização política e expressão de indignação e esperança (CASTELLS, 2017), como espaço alternativo de produção de informação política (PERUZZO, 2013) e colocando em discussão os modelos emergentes de participação institucional (ROMÃO, 2013). No campo da comunicação política, o uso das redes sociais já havia se destacado a partir da campanha digital vitoriosa Obama em 2008, principalmente pela arrecadação online e o engajamento de jovens por meio das redes sociais. A campanha de Obama não foi a primeira a usar os recursos, mas a repercussão alcançada criou um novo paradigma de marketing político digital, que passou a dar maior destaque para o uso das redes sociais (GOMES et al., 2009). No Brasil, as Jornadas de junho de 2013 despertaram a atenção da Ciências Sociais e da sociedade em geral para a importância das redes sociais dentro do atual contexto social de crise de representação e a emergência de novas formas de mobilização e expressão política (GOHN, 2014; MARICATO et al., 2013; SINGER, 2013). A arquitetura em rede distribuída da internet e a popularização das redes sociais possibilitou que diversos grupos, organizações, coletivos e pessoas utilizarem as redes sociais para expressarem e compartilharem suas posições políticas de diferentes matizes ideológicas. As manifestações que tiveram início com um protesto contra o aumento da tarifa na cidade de São Paulo, se espalharam pelo país aglutinando novas demandas e pautas (SINGER, 2013), e um deslocamento discursivo em direção a valores conservadores (JARDIM PINTO, 2017). Nas eleições de 2014 às redes sociais foram um espaço para o embate não somente entre as campanhas, mas também entre os eleitores e militantes. A 14 CLAUDIO PENTEADO, CELINA LERNER A DIREITA NA REDE: MOBILIZAÇÃO ONLINE NO IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.12-24, abril 2018. campanha de 2014 foi marcada pela radicalização ideológica entre direita e esquerda (CHAIA, BRUGNAGO, 2014), expressões de ódio (WAINBERG, MILLER, 2017) e um clima hostil contra Dilma Rousseff em sua campanha de reeleição (PENTEADO et al., 2014). As redes sociais também foram um importante espaço e ferramenta de mobilização dos grupos em favor do impeachment de Dilma Rousseff, recém eleita em 2014 por uma pequena margem de votos, nos anos de 2015 e 2016 (DE FRANÇA et al., 2018a; PENTEADO, GUERBALI, 2016). ordem alfabética A mobilização online em prol do impeachment, principalmente pelo uso de mídias sociais, teve a importância participação de grupos políticos de direita emergentes como Movimento Brasil Livre (MBL) e o VemPraRua, assim como outros perfis de direita já com grande visibilidade dentro das redes sociais como Movimento Contra a Corrupção e o Revoltados Online. O movimento pró impeachment também contou com o apoio de partidos políticos da oposição ao governo petista, de segmentos da mídia (grandes empresas de comunicação, jornalistas, grupos de mídia online e celebridades), grupos conservadores e militaristas como o Força Patriótica - Comando Nacional de Caça aos Corruptos e alguns a favores da intervenção militar na divulgação de conteúdos antipetista e anticomunista na sua rede. O MBL é um grupo político que se caracteriza pelo rápido crescimento de seguidores dentro das redes sociais2. Fundado em novembro de 2014, o MBL está associado a organização Estudantes Pela Liberdade e defesa de valores e ideais liberais e um posicionamento antipetista (SILVA, 2016). Suas lideranças são formadas por jovens com grande capacidade de comunicação nas mídias sociais e com trânsito no meio político tradicional. Nas eleições municipais de 2016, 2 Há rumores que o MBL recebeu apoio financeiro de grupos de think tanks conservadores americanos e empresários nacionais. Reportagem publicada pela Agência Pública em 23/06/2015. Disponível em: <https://apublica.org/2015/06/a-nova-roupa-da-direita/> https://apublica.org/2015/06/a-nova-roupa-da-direita/ 15 CLAUDIO PENTEADO, CELINA LERNER A DIREITA NA REDE: MOBILIZAÇÃO ONLINE NO IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.12-24, abril 2018. algumas das lideranças foram eleitas vereadores, com expressivas votações, por diferentes legendas (DEM, PSDB, PRB e PV). Após o impeachment o grupo começa a defender pautas conservadoras como o projeto Escola Sem Partido e censura à expressões artísticas como a exposição “Queermuseu - Cartografias da Diferença na Arte Brasileira”. O VemPraRua é um grupo que se apropriou de um dos gritos de ordem das Jornadas de Junho de 2013. Criado também no fim de 2014 (outubro de 2014), o VemPraRua se autodenomina como um movimento suprapartidário que atua na mobilização política, principalmente com o discurso de luta contra a corrupção e valores liberais. O perfil do Revoltados On Line (ROL) no Facebook, um dos mais populares durante os protestos do impeachment, foi suspenso em agosto de 2016 (dia do afastamento de Dilma Rousseff). Liderado por Marcello Reis, o ROL ganhou destaque desde as manifestações de 2013 e se caracterizou por publicar conteúdos de críticas radicais ao PT, principalmente contra Lula. Ainda busca atuar nas mídias sociais com vídeos com a tag #LulaNaCadeia para o YouTube, contudo não alcança a mesma popularidade da época da página do Facebook3. O Movimento Contra a Corrupção (MCC) tem início em janeiro de 2013. Como indica um dos seus fundadores, Ernani Fernandes4, o MCC tem o objetivo de produzir informações para combater a corrupção e conseguir mobilizar a população na “luta contra a corrupção”. Com forte crítica aos grupos de esquerda na política, principalmente contra o PT, suas publicações no Facebook também fazem apologia ao juiz Sérgio Moro e os procuradores da Lava-Jato. 3 Informações extraídas da reportagem publicada em 26/05/2017 na Revista <http://www.contracorrupcao.org/2013/05/por-que-lutar-contra-corrupcao.html> Piauí: <http://piaui.folha.uol.com.br/o-ostracismo-do-maior-revoltado-online/>. Acesso em 19/02/2018. 4 Entrevista de Ernani Fernandes está disponível em: <http://www.contracorrupcao.org/2013/05/por- que-lutar-contra-corrupcao.html>. Acesso em 23/02/2018. http://piaui.folha.uol.com.br/o-ostracismo-do-maior-revoltado-online/ http://www.contracorrupcao.org/2013/05/por-que-lutar-contra-corrupcao.html http://www.contracorrupcao.org/2013/05/por-que-lutar-contra-corrupcao.html16 CLAUDIO PENTEADO, CELINA LERNER A DIREITA NA REDE: MOBILIZAÇÃO ONLINE NO IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.12-24, abril 2018. As empresas de mídia, tradicional e alternativa, assim como jornalistas (blogueiros e twiteiros) tiveram um papel importante na difusão de conteúdos, principalmente em favor do impeachment dentro das redes sociais (DE FRANÇA et al., 2018B). As celebridades, favoráveis ao impeachment, também tiveram um importante papel na difusão de informações (PENTEADO, GUERBALI, 2016). Por possuírem um número grande de seguidores, suas publicações possuem grande capacidade de difusão e influência. Os grupos organizadores dos protestos utilizaram em seus feeds publicações e declarações de celebridades para ajudar na mobilização das manifestações. As manifestações em favor do impeachment de Dilma Rousseff ainda contaram com a participação de grupos e perfis defensores da intervenção militar, com a apresentação de faixas e gritos de ordem. Segundo a pesquisa de Pimentel Junior (2015), sobre o perfil e as motivações dos participantes das manifestações de março e abril de 2015 na cidade de São Paulo, 36% das pessoas eram favoráveis ao impeachment e a intervenção militar. Um dos grupos favoráveis a intervenção militar que se destaca dentro das redes sociais é o Força Patriótica - Comando Nacional de Caça aos Corruptos. Com publicação de conteúdos ligados a temas militares, discurso de ordem e referências a valores liberais. Como aponta Telles (2015, p. 38), a “nova direita” se caracteriza por um discurso antipartidário e antipetista, e “encontrou nas mídias sociais um espaço para expandir sua clientela”. Com o objetivo de descobrir quais são as características da atuação desses grupos de direita na rede, o artigo apresenta um estudo dos clusters de direita que atuaram diretamente no debate nas redes sociais, mais especificamente no Facebook (rede social mais popular no Brasil), durante o impeachment de Dilma Rousseff. 17 CLAUDIO PENTEADO, CELINA LERNER A DIREITA NA REDE: MOBILIZAÇÃO ONLINE NO IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.12-24, abril 2018. Por meio da extração e análise de dados do Facebook, detalhado abaixo, o artigo apresenta e analisa as principais comunidades que atuaram no debate online em prol do impeachment. Comunidades de direita no Impeachment de Dilma Rousseff Inicialmente identificamos as páginas públicas do Facebook dedicadas à defesa do Impeachment de Dilma Rousseff através da busca por palavras-chave: Impeachment Dilma, Fora Dilma, Fora PT, Fora Lula, Contra corrupção, Tchau querida e outras. As buscas com a aplicativo Netvizz (RIEDER, 2013) retornaram mais de 1.500 páginas. Filtramos as páginas com um mínimo de 20 mil fãs, resultando num grupo de 63 páginas pró-impeachment5. A partir destes dados, montamos a rede de páginas curtidas por essas 63 páginas iniciais e as páginas curtidas por aquelas com o programa Gephi (BASTIAN et al., 2009). Aplicamos algoritmos de espacialização (JACOMY et al, 2014) e de detecção de comunidades (BLONDEL et al, 2008; LAMBIOTTE et al, 2009) e excluímos as comunidades não relacionadas à defesa do impeachment. O resultado é a rede representada na figura 1, com quase 6 mil nós (páginas) e mais de 40 mil arestas (curtidas entre as páginas). Figura 1 - Rede páginas pró-impeachment de Dilma Rousseff no Facebook 5 Os dados para esta pesquisa foram colhidos em agosto de 2017. 18 CLAUDIO PENTEADO, CELINA LERNER A DIREITA NA REDE: MOBILIZAÇÃO ONLINE NO IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.12-24, abril 2018. Fonte: Autores (2018). As comunidades identificadas estão marcadas em cores distintas. No centro da rede, em azul, com 496 páginas, estão páginas identificadas com pautas da direita conservadora. As páginas de maior centralidade6 desta comunidade são: Jair Messias Bolsonaro; Olavo de Carvalho; Danilo Gentili; Canal da Direita; FORA Corrupção; Direita Conservadora; Direita Vive 3.0; Campanha do Armamento; Eduardo Bolsonaro; e Reinaldo Azevedo. À esquerda, estão as comunidades verde claro e verde escuro. Em escuro, páginas ligadas às forças armadas e, em verde claro, páginas de caráter punitivista, em especial com relação ao PT e à Lula. As duas comunidades são puxadas pela página Conacc - Comando Nacional de Caça aos Corruptos, que tem um comportamento bastante anômalo tendo curtido sozinha mais de 2 mil páginas. De toda forma, há várias ligações entre páginas da comunidade azul e as duas comunidades verdes. 6 Centralidade é uma medida de importância de um vértice em um grafo. Em análises de rede, existem diferentes tipos de medidas de centralidade. Nos referimos aqui à centralidade de grau indegree, isto é, o número de ligações direcionadas para o nó. Em outras palavras, os nós com maior centralidade representam as páginas que receberam mais curtidas dentro da rede. 19 CLAUDIO PENTEADO, CELINA LERNER A DIREITA NA REDE: MOBILIZAÇÃO ONLINE NO IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.12-24, abril 2018. À direita e na parte inferior do gráfico está a comunidade roxa, também com forte ligação com a comunidade azul. Com 381 nós, ela concentra páginas ligadas principalmente aos ideais liberais. As páginas de maior centralidade são: MBL - Movimento Brasil Livre; Instituto Mises Brasil; Paulo Eduardo Martins; O Reacionário; Marcel van Hattem; Implicante; SFLB - Students For Liberty Brasil; Movimento Endireita Brasil; Socialista de iPhone; e La Banda Loka Liberal. Logo acima, está a comunidade turquesa, com 431 páginas relacionadas ao movimento Vem Pra Rua. A página nacional - VemPraRua Brasil - é a página de maior centralidade, seguida pela página O Antagonista, do blog de ex-jornalistas da Veja, e por várias páginas locais do Vem Pra Rua. Figura 2 - Detalhe da Rede páginas pró-impeachment de Dilma Rousseff no Facebook. O tamanho maior dos títulos indica a maior centralidade (indegree) da página na rede. Fonte: Autores (2018) 20 CLAUDIO PENTEADO, CELINA LERNER A DIREITA NA REDE: MOBILIZAÇÃO ONLINE NO IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.12-24, abril 2018. Em rosa, na parte superior da rede, a maior comunidade com 810 páginas reúne veículos de imprensa tradicional como VEJA, Folha de S.Paulo, O Globo, Exame, Época e Portal R7, além de políticos ligados, principalmente ao partido DEM, como Ronaldo Caiado e Onyx Lorenzoni. Logo acima, está o grupo amarelo, com 404 páginas e forte ligação ao PSDB. As páginas de maior centralidade são: Aécio Neves, PSDB, Álvaro Dias, Fernando Henrique Cardoso, José Serra, Geraldo Alckmin, Carlos Sampaio, Aloysio Nunes Ferreira, Conversa com os Brasileiros e Observador Político. A esquerda desses agrupamentos e mais ao centro do gráfico está a comunidade laranja, com 359 páginas, relacionadas ao MCC - Movimento Contra Corrupção. Além da página do movimento, as de maior centralidade são: Juventude Contra Corrupção, Movimento Contra Corrupção - São Paulo, Dia do Basta, NasRuas e Política na Rede. Destaca-se também na comunidade laranja a presença de veículos próprios das mídias digitais e aparentemente não ligados a grandes empresas como Folha Política e TV Revolta. Há forte ligação entre a comunidade laranja e a comunidade verde claro. Comentários gerais sobre os resultados Os dados encontrados ilustram que os grupos que atuaram dentro do debate em favor do impeachment de Dilma Rousseff no Facebook é composto por diferentes comunidades (cada qual com seu viés específico), mas que se interligam e em alguns casos até se sobrepõem. Os diversos grupos mostramuma coesão (a formação de uma rede) pois têm o mesmo objetivo político: o afastamento de Dilma Rousseff. Muitas páginas identificadas são responsáveis pela conexão entre as comunidades, por exemplo, a página de Jair Bolsonaro tem maior popularidade na comunidade da direita conservadora, contudo também possui conexões com as comunidades do Exército e da direita com discurso “punitivista”. 21 CLAUDIO PENTEADO, CELINA LERNER A DIREITA NA REDE: MOBILIZAÇÃO ONLINE NO IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.12-24, abril 2018. Os dados também ilustram que existe uma forte densidade entre as comunidades da direita conservadora (que de certa forma serviu como referência ideológica para os demais clusters da direita), as páginas ligadas aos grupos militares (aqui identificados como exército), a comunidade punitivista e a comunidade liberal (agrupado em torno do MBL). A figura também indica que existe maior proximidade entre os clusters do VemPraRua, com as páginas de mídia, políticos da oposição (principalmente PSDB e DEM) e a comunidade das páginas contra a corrupção. A figura 2 ajuda, ainda, a identificar as páginas que tiveram maior centralidade: Exército Brasileiro, Jair Bolsonaro, MBL, Veja, Folha de São Paulo, Aécio Neves, Movimento Contra a Corrupção, Estadão, VemPraRua e Olavo de Carvalho. Essa variedade de perfis permite verificar que os principais nós da rede da direita reúnem páginas diversas que variam desde políticos tradicionais (Aécio Neves), políticos representantes do setor conservador e militar (Jair Bolsonaro), novos grupos de direita (MBL, MCC e VemPraRua), ideólogos de direita (Olavo de Carvalho) e a mídia tradicional (Veja, Folha SP e Estadão). Considerações finais A direita nas redes sociais de internet conseguiu mobilizar diferentes setores e segmentos da sociedade durante os protestos contra Dilma Rousseff nos anos de 2015 e 2016. Como aponta Castells (2013), o poder na sociedade em rede é o poder da comunicação, isto é, os grupos de direita, com diferentes matizes, conseguiram programar as diferentes comunidades com a produção de conteúdos que conseguiram tecer uma narrativa que associou as investigações de corrupção ligadas à Lava-jato com o governo petista e direcionar os protestos para pressionar em favor do impeachment. A rede de direita se caracteriza por conseguir estabelecer conexões com diferentes setores da sociedade, com celebridades, setores 22 CLAUDIO PENTEADO, CELINA LERNER A DIREITA NA REDE: MOBILIZAÇÃO ONLINE NO IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.12-24, abril 2018. e atores da mídia tradicional e apoio de empresários, criando condições para a ampliação do poder mobilização política e de recursos. A direita na rede que atuou no debate político do impeachment também conseguiu se articular em torno de uma identidade anti PT, anti Corrupção e anti Comunismo. A produção do discurso que conseguiu associar o Partido dos Trabalhadores com a corrupção e os “perigos do comunismo”, permitiu formar uma frente ampla de direita que se articulou na construção de uma identidade de um “nós” (cidadãos de bem) em oposição a “eles” (esquerda, petistas, comunistas). Como indica Mouffe (2005) em sua construção teórica de seu modelo de democracia agonística, o político, em sua essência passional e conflitiva, inerente às relações humanas, se estabelece pela distinção discursiva da criação de um nós em oposição a eles. Assim, a rede de direita conseguiu agrupar em torno de si perfis e páginas com posicionamentos políticos, sociais e ideológicos diferenciados, mas agrupados em uma “identidade de direita” na luta para “tirar o PT do poder”. O referencial de network analysis (PORTUGAL, 2007) ainda permite destacar que a rede de direita no Facebook se caracteriza pela existência de alguns nós, que por seu capital social (dentro e fora da internet), ajudaram a produção do discurso e, principalmente, na difusão de uma interpretação de uma conjuntura específica. A presença da mídia tradicional na rede, demonstra que esta também teve um papel central: na produção de conteúdos que alimentaram a construção da narrativa; na divulgação e mobilização para os eventos de protesto; e na validação da perspectiva que criminalização do PT expressa em suas reportagens e análises. Com o afastamento de Dilma Rousseff em 2016, a direita nas redes perde seu elemento unificador (identidade). Os grupos políticos rumam por caminhos diferentes e mostram sua fragmentação temática e ideológica, assim como contradições. Alguns actantes importantes da rede perdem a centralidade, outros migram dentro das comunidades para se realinhar a uma nova conjuntura. Essa 23 CLAUDIO PENTEADO, CELINA LERNER A DIREITA NA REDE: MOBILIZAÇÃO ONLINE NO IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.12-24, abril 2018. fragmentação deve ser expressa na formação das chapas presidenciais para as eleições de 2018, principalmente se Lula não puder ser candidato à presidência. Referências BASTIAN, M.; HEYMANN, S.; JACOMY, M. Gephi: an open source software for exploring and manipulating networks. International AAAI Conference on Weblogs and Social Media, 2009. BLONDEL, V. D.; GUILLAUME, J. L.; LAMBIOTTE, R.; LEFEBRE, E. Fast unfolding of communities in large networks. Journal of statistical mechanics: theory and experiment, v. 10, P10008, 2008. CASTELLS, M. Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da internet. Zahar, 2017. CASTELLS, M. Communication Power. OUP Oxford, 2013. DE FRANÇA, F. O.; GOYA, D. H.; DE CAMARGO PENTEADO, C. L. User profiling of the Twitter Social Network during the impeachment of Brazilian President. 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Além disso, pondera sobre o avanço de movimentos de outsiders que se expandiram através da internet, definidos como alternative right (AR) e indaga os limites das lideranças e instituições brasileiras acerca da expressão institucional desta nova força. Palavras-chave: partidos insurgentes; alternative right; ar; democratas insatisfeitos; direita radical. Abstract: The present article starts from the discontent and disaffection to the democracy pointing to the growth of insurgent parties, analyzing, their characteristics and emerging effects from a predominantly radical politics. In addition, there is the weighting about the progress of outsiders' movements that have expanded through the internet, defined as alternative right (AR), and investigates the limits of Brazilian leadership and institutions about the institutional expression of this new force. Keywords: insurgent parties; alternative right; ar; Democrats dissatisfied; radical right. A literatura mais recente demonstra o crescimento da corrosão da confiança do público nas instituições políticas democráticas. Trata-se de um fenômeno que tem atingido diversas democracias, inclusive as mais consolidadas, o que tem sido denominado como democracia de democratas insatisfeitos. Quais os impactos do descontentamento e a desafeição à democracia pode ter sobre a estabilidade dos regimes democráticos? E ainda, a insatisfação com a democracia pode ameaçar o seu 1 Artigo apresentado no seminário "Conservadorismo, Novas Direitas e Grupos Insurgentes" organizado pela Associação Brasileira de Ciência Política - Regional Sudeste e NEAMP / PUC SP. São Paulo, 29 de março de 2018. 26 HELCIMARA TELLES DEMOCRACIA DE DEMOCRATAS INSATISFEITOS E A EMERGÊNCIA DOS ALTERNATIVE RIGHT (AR) Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.25-30, abril 2018. funcionamento? Alguns cientistas consideram que a insatisfação não se constitui em um problema para a estabilidade democrática, uma vez que as críticas a ela podem ser reduzidas em função da ação das lideranças e da força das instituições, que estariam aptas e fortalecidas para barrar os movimentos dos grupos autoritários ou dos democratas ambivalentes, e prover as demandas dos cidadãos por maior qualidade da democracia e das políticas públicas. Contudo, é inegável que existe um crescimento de grupos que se insurgem contra o sistema político e que passaram a controlar agendas nacionais e internacionais. Em toda a Europa, a elite política está sendo questionada pelos novos partidos menores e ágeis, de ideologias de esquerda e de direita, que têm conseguido forçar mudanças na agenda da União Europeia, além de influenciarem os partidos convencionais a adotar suas posições. A decisão dos britânicos de abandonar a União Europeia, cujo plebiscito foi organizado pela nacionalista UKIP, é uma manifestação das forças anti-establishment. Os partidos não convencionais estão ganhando assentos em governos locais, regionais, nacionais e europeus, e questionando as posições dos grupos políticos tradicionais sobre a forma de legislar. Eles têm representação, desempenham funções em governos de inúmeros estados membros da União Europeia e possuem centenas de assentos em parlamentos. O Conselho Europeu de Relações Exteriores (ECFR) identificou 45 partidos insurgentes, sendo 27 deles de “direita radical”. Dessemelhante dos partidos nazistas, vistos como “patológicos”, a direita radical seria sintoma de uma malaise democrática – crise de confiança na democracia representativa. Uma característica básica dos partidos de direita radical é sua retórica antissistema. O núcleo desta família ideológica deve ser definido por duas características: a xenofobia etno-nacionalista e o populismo anti-establishment. 27 HELCIMARA TELLES DEMOCRACIA DE DEMOCRATAS INSATISFEITOS E A EMERGÊNCIA DOS ALTERNATIVE RIGHT (AR) Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.25-30, abril 2018. Rotulados como alternativa à direita, populistas, extrema direita, fascista, protesto das organizações de base, eles são partidos autoritários, têm posicionamento anti-pluralista, rechaçam a democracia liberal e não podem ser classificados a partir de uma clivagem econômica, porque a ênfase que dão ao papel do Estado pode variar entre eles do liberalismo econômico a um Estado forte. Em termos programáticos, estas formações em geral são céticas sobre a União Europeia (eurocepticismo), críticos em relação aos Estados Unidos, mas menos críticos em relação à Rússia. Em geral eles são favoráveis a limitar a imigração e a sair da União Europeia. Além disso, preferem fronteiras fechadas, imigração escassa e protecionismo comercial. O quanto e como influem? As principais alavancas de influência são a sua capacidade de gerar debates na mídia em vez de trabalhar a partir das instituições. Estas formações não são todas semelhantes, muito embora a questão da migração seja o elemento que mais os unifique e, além do eurocepticismo ser outro dos pilares ideológicos da direita radical europeia. Contudo, suas condutas dentro do Parlamento Europeu nem sempre são coesas e a falta de unidade dentro do Parlamento Europeu fornece evidências de pouca coesão em suas estratégias e débeis laços de organização transnacional. Por sua descrença nos políticos tradicionais usam o populismo para criticar as elites e “castas” e “devolver o poder ao povo" através da democracia direta. As estratégias utilizadas são o uso das mídias e redes sociais, a pressão popular e cargos políticos que ocupam para forçar referendos nacionais sobre questões que anteriormente estavam sob o controle dos governos. Eles são mais enraizados na sociedade do que ocupam cargos públicos. Em consequência, são excluídos dos recursos públicos, que consistem principalmente de financiamento estatal, mais disponível aos partidos cartel. Os partidos da direita radical estão cientes das 28 HELCIMARA TELLES DEMOCRACIA DE DEMOCRATAS INSATISFEITOS E A EMERGÊNCIA DOS ALTERNATIVE RIGHT (AR) Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.25-30, abril 2018. vantagens que têm com a representação institucional em parlamentos, pois o financiamento público tornou-se importante para a sobrevivência dos partidos na contemporaneidade. Direta ou indiretamente, participar da vidainstitucional é um grande negócio para a sobrevivência financeira e organizacional dos pequenos partidos radicais. Por que emerge a direita radical? A direita radical é dividida em uma infinidade de posições e preferências políticas e antagonismo político. Seus fundamentos ideológicos e programáticos e as suas características organizacionais são tão diversos que é complicado difícil agrupá-las sob um nome distinto de uma família de partidos. Estas formações surgiram a partir das alterações do clima da política: insatisfação com os partidos, sobretudo os de matriz de esquerda, acusados de não representarem as demandas sociais; a cartelização dos partidos tradicionais, que fracassam em sua função de representação e que enfatizam a função de recrutamento de elites e participação em governos. Além disso, a própria proposta da União Europeia e a globalização, que desfez as identidades, teve como consequência um movimento de “retorno às identidades”, o nacionalismo, e o medo da “invasão” de valores não europeus, gerando a islamofobia. Após o resultado das eleições alemãs, na qual a direita e a social democracia perderam territórios eleitorais importantes, ficam mais fortes duas hipóteses explicativas (e alternativas) para o crescimento da direita radical: uma primeira tem o seu foco nas características dos partidos (ofertas), a outra se concentra no perfil dos eleitores. A primeira explicação argumenta que a convergência (ou indiferenciação) dos partidos social democratas e dos conservadores moderados, assim como o longo período de governo destes últimos, encorajou os eleitores a abandonar a sua fidelidade aos partidos conservadores estabelecidos. Para outros, ao contrário, é a radicalização política e a polarização do sistema partidário que explica a emergência da 29 HELCIMARA TELLES DEMOCRACIA DE DEMOCRATAS INSATISFEITOS E A EMERGÊNCIA DOS ALTERNATIVE RIGHT (AR) Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.25-30, abril 2018. extrema-direita. Os partidos radicais seriam efeito da "revolução pós- materialista". Isso significa que a adoção de temas pós-materialistas pelos partidos, ao invés de terem levado gradualmente ao "progressismo", teriam impactos neoconservadores do ponto de vista político-cultural (retorno de valores tradicionais como ordem, família, Estado forte) e econômico (crítica do Estado de Bem-Estar, individualismo, elogio da empresa), assim como uma “direitização” dos partidos conservadores. Combinam-se duas explicações para o crescimento da direita radical: a polarização crescente a partir de 1945, um processo de convergência dos partidos dominantes no período e a “cartelização dos partidos”, cada vez mais afastados da função de “representar” e mais aptos para apenas “governar”. Os últimos resultados na França, Espanha e Alemanha - fracasso eleitoral histórico dos sociais democratas -, indicam uma “onda” em direção a um populismo do tipo autoritário. Não se pode desconsiderar que o patriotismo, a identidade e o nativismo – o exclusivismo da Nação, que exclui outros grupos -, são fortes elementos discursivos destas formações, o que se pode notar nas campanhas da AFP, que obteve um resultado inédito na Alemanha em 24 de setembro, combinando patriotismo, islamofobia e desejo de segurança. Os eleitores destes partidos podem ser cunhados como os “perdedores da globalização”. Historicamente, na construção dos regimes autoritários, o binômio “lei e ordem” foi fundamental para dar legitimidade e criar adesão e cooperação com regimes totalitários, como o Nazismo. Na “Front Nacional” francesa, o discurso xenófobo e racista foi afastado e, em seu lugar, foi inserido o eixo “lei e ordem” como justificativa racionalizada de “segurança”. A FN se aproximou mais do cidadão médio, que recusa o racismo e ofereceu uma justificativa para aderir à FN. Segurança e “soberanismo radical” têm sido a base da extrema direita, assim como o “populismo autoritário”. A 30 HELCIMARA TELLES DEMOCRACIA DE DEMOCRATAS INSATISFEITOS E A EMERGÊNCIA DOS ALTERNATIVE RIGHT (AR) Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.25-30, abril 2018. “segurança” – física ou simbólica (segurança de bens imateriais, como a cultura e os valores, por exemplo) é fundamental para o Nativismo que caracteriza a direita radical europeia. Alternative Right (AR) - Falamos muito da associação entre direita radical e outsiders para nos referirmos a pessoas da direita radical que podem “entrar” no sistema político com discursos populistas e sem capital político. Os outsiders são uma referência ao recrutamento de novos quadros políticos fora das elites tradicionais. Mas, existem os outsiders sociais, que são fundamentais para o entendimento do pensamento da direita radical. Eles são os “marginais sociais” - grupos que não seguem os valores propostos. Outro tema é o da segurança, pois o reforço ao Estado policial foi fundamental para os regimes autoritários e totalitários. Além do consenso e da tolerância para a limpeza dos social outsiders, outro elemento para garantir a política de varredura e de eugenia no nazismo foi a ascensão da polícia à custa do Estado de Direito para realizar ações contra os “criminosos”. Cada vez mais foram aumentando os poderes da Polícia, sem qualquer referência aos tribunais. Recentemente a literatura cunhou o termo Alt-Right (AR) para denominar movimentos que se expandiram através da Internet. Os AR cresceram junto aos jovens por usarem de uma linguagem adequada a estes grupos, na forma de memes produzidos por profissionais. A sua ascensão ocorre durante o Brexit e atinge seu apogeu na campanha de Trump. Atacam a esquerda e os liberais, de forma geral, são racistas e anti-multiculturalismo. Além do extremo nacionalismo e xenofobia, há um aspecto específico nesta “ideologia”: a “Masculinidade”. O movimento vem atraindo mais os homens que as mulheres, especialmente por ser antifeminista. O movimento se caracteriza também por defender a radical liberdade de expressão e são contra qualquer “censura”. Isso significa que se pode 31 HELCIMARA TELLES DEMOCRACIA DE DEMOCRATAS INSATISFEITOS E A EMERGÊNCIA DOS ALTERNATIVE RIGHT (AR) Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.25-30, abril 2018. encontrar um AR por aí na Internet disseminando discursos de ódios e justificando isso como “defesa da liberdade de expressão”. O AR é irracional, dogmático e combate a ciência (e a universidade). Na realidade, os AR negam qualquer verdade verificável - por isso são dogmáticos. Não adianta demonstrar que algumas de suas afirmativas são “pós-verdade”, pois eles agem pela fé e movidos por suas crenças. Assim, podem relativizar tudo e contestam até mesmo a existência de ditaduras e reinterpretam os fenômenos sem sustentação científica ou factual, do tipo “Nazismo é Esquerda, Ditadura no Brasil nunca existiu”. Mas, muito embora desinformados, os AR recrutam seu exército entre os mais escolarizados. O AR é um fenômeno online, surgido depois dos NEOCON e seu foco é o “nacionalismo branco”. E, o que permitiu sua emergência? A globalização que retirou a "identidade" da pauta, a perda da soberania dos Estados Nacionais, os limites enfrentados pela socialdemocracia e para manter o Estado de Bem-Estar, além do sequestro dos Estados pelas corporações explicam muito os AR, que criticam o sistema político, propõem devolver a “democracia ao povo” e se consideram numa cruzada contra os “politicamente corretos”, leia-se, contra os direitos civis e minorias. É uma reação total e radical aos direitos. O ethos discursivo bolsonariano possui muito dos elementos da direita radical, ideologia trasladada para os trópicos com novos elementos. Mas não se trata de um grupo nazista. Os nazistas eram considerados uma patologia, a direita radical é explicada como um sintoma da malaise democrática, que supõe uma crisede confiança nas democracias representativas em um contexto de globalização econômica. Contudo, este mal-estar iniciado na Europa transbordou para as Américas e Trump foi eleito Presidente dos Estados Unidos. O Brasil já está no caminho de expressar institucionalmente a extrema direita e ela agora já tem o seu líder. Resta saber se as lideranças e as 32 HELCIMARA TELLES DEMOCRACIA DE DEMOCRATAS INSATISFEITOS E A EMERGÊNCIA DOS ALTERNATIVE RIGHT (AR) Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.25-30, abril 2018. instituições brasileiras, absolutamente fragilizadas, num período de crise institucional, caos social, insatisfação com a democracia e sob um governo fraco, terão capacidade de reduzir o peso da expressão institucional desta nova força, uma vez que ela já existe em parcelas cada vez mais significativas da opinião pública brasileira. 31 MARIANA CÔRTES O DISPOSITIVO PENTECOSTAL E A AGÊNCIA DOS GOVERNADOS Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.31-38, abril 2018. O DISPOSITIVO PENTECOSTAL E A AGÊNCIA DOS GOVERNADOS1 Mariana Cortês Pesquisadora e Professora da UFU marianampcortes@gmail.com Resumo: O presente ensaio-síntese pretende analisar a relação entre o pentecostalismo e a chamada “onda conservadora” no Brasil a partir da relação entre o estabelecimento de uma governamentalidade neoliberal que governa a partir de recortes das populações marginais e a criação de um dispositivo pentecostal que gere os sujeitos periféricos segundo critérios de vulnerabilidade e perigo. Palavras-chave: Neoliberalismo; pentecostalismo; governamentalidade; dispositivo. Abstract: The present essay-synthesis intends to analyze the relationship between Pentecostalism and the so- called "conservative wave" in Brazil from the relationship between the establishment of a neoliberal governmentality that governs from cuts of the marginal populations and the creation of a pentecostal device that generates the peripheral subjects according to criteria of vulnerability and danger. Keywords: Neoliberalism; Pentecostalism; governmentality; device. Ronaldo de Almeida (2017) propôs um mapeamento do que tem sido denominado de “onda conservadora” e sua relativa ascensão em anos recentes no Brasil. Reconhecendo a imprecisão do termo e a dificuldade de se definir, do ponto de vista metodológico, o que é exatamente o conservadorismo, o autor, contudo, delineia as linhas de força que o atravessam e tenta situar o papel da Frente Parlamentar Evangélica nesse processo. O sociólogo reconhece quatro frentes de atuação da Bancada Evangélica no Congresso Nacional: 1) econômica, com agenda liberal de valorização da disposição empreendedora e do mérito individual e rejeição da políticas redistributivas de transferência de renda; 2) moral, com proposta ativa de regulação dos comportamentos, corpos e vínculos primários e recusa clara das reivindicações dos direitos à diferença de grupos minoritários; 3) securitária, com demanda por radicalização das ações punitivas dos aparelhos de 1 Artigo apresentado no seminário "Conservadorismo, Novas Direitas e Grupos Insurgentes" organizado pela Associação Brasileira de Ciência Política - Regional Sudeste e NEAMP / PUC SP. São Paulo, 29 de março de 2018. 32 MARIANA CÔRTES O DISPOSITIVO PENTECOSTAL E A AGÊNCIA DOS GOVERNADOS Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.31-38, abril 2018. segurança do Estado; 4) interacional, com o impacto que a polarização política entre “direita” e “esquerda” produziu nas relações interpessoais ao gerar um acirramento dos afetos. Das quatro dimensões analisadas por Ronaldo de Almeida (2017), o conservadorismo moral da bancada evangélica talvez seja o que tenha mais chamado a atenção da produção acadêmica sobre o tema (MACHADO, 2017; MARIANO, 2016). Contudo, para os fins desse ensaio-síntese, gostaria de analisar a dimensão propriamente econômica do chamado conservadorismo evangélico. Em outros termos, gostaria de propor uma reflexão sobre as afinidades eletivas entre o pentecostalismo (mais especificamente, o neopentecostalismo) e o neoliberalismo. Para compreender a relação entre ambos, faz-se necessário analisar o deslocamento da questão social no Brasil contemporâneo a partir da perspectiva das populações marginais, que compõem as camadas portadoras por excelência do pentecostalismo. O contexto da redemocratização, durante os anos 1980, foram marcados por movimentos sociais que lutaram por direitos sociais e a concretização do sonho de construção de uma cidadania universal. Contudo, na década de 1990, a difusão do fatalismo neoliberal e o fim da “hipótese superadora” (TELLES, 2010) produziram resultados dramáticos na vida dos habitantes das periferias das grandes cidades. Observou-se a emergência de uma nova configuração societária nas periferias das grandes cidades, principalmente para o contexto de São Paulo: a estabilidade do emprego fordista cedeu lugar ao desemprego ou ao subemprego precário; o mundo do crime tornou-se uma alternativa sedutora para jovens que viram suas perspectivas de futuro fraturadas; os setores progressistas da Igreja Católica saíram de cena ao passo que proliferaram igrejas pentecostais que prometiam a libertação do mal por meio da expulsão de demônios e a conquista da prosperidade (FELTRAN, 2007). Diante da perplexidade da dissolução de uma promessa de constituição de uma sociedade mais democrática, justa e igual, as análises de parte dos autores das ciências sociais durante os anos 1990 enfatizavam a potência destruidora do neoliberalismo – o 33 MARIANA CÔRTES O DISPOSITIVO PENTECOSTAL E A AGÊNCIA DOS GOVERNADOS Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.31-38, abril 2018. “desmanche” neoliberal (SCHWARZ, 1999) havia criado um clima de “terra arrasada”. Contudo, durante os anos 2000, começou-se a se suspeitar de que o neoliberalismo não operava apenas por meio da destruição, não era possível interpretá-lo somente sob a perspectiva do que ele desmontava (no caso do Brasil, muito mais um projeto ideado do que uma realidade concreta), mas também sob o ponto de vista do que ele criava. Desse modo, o que estava acontecendo não poderia exclusivamente ser descrito como um desmanche. Os processos em curso indicavam a criação de uma nova tecnologia de poder, uma nova racionalidade governamental. Portanto, o neoliberalismo não é simplesmente uma ideologia da meritocracia que mascara a intensificação da exploração do trabalho sob o capitalismo flexível, ou um conjunto de políticas econômicas, que incluem a austeridade fiscal, o corte nos gastos públicos, o enxugamento do Estado, a dissolução de direitos sociais, a privatização de serviços públicos, a flexibilização das relações de trabalho. O neoliberalismo, nesse sentido, não pode ser entendido apenas como ideologia ou política econômica. Trata-se disso, mas não apenas. Na esteira dos estudos de Michel Foucault (2008a; 2008b) e do trabalho de Christian Laval e Pierre Dardot (2016), pode-se pensar o neoliberalismo como uma nova modalidade de governamentalidade, ou seja, uma forma emergente de conduzir a conduta dos indivíduos. A arte de governar neoliberal não visa direcionar o povo rumo a um telos civilizatório ou a uma escatologia emancipatória. Não quer planificar um povo, mas administrar uma população (FOUCAULT, 2008a; 2008b). O neoliberalismo gere a população não como um bloco homogêneo que deve ser direcionado por um plano que foi previamente traçado, mas por cesuras biopolíticas diferenciais. Com a derrocada do horizonte do universalismo da cidadania, institui-se um governo seletivo que produz recortes nos sujeitos que habitam as margens, conforme parâmetros de vulnerabilidade e perigo (FELTRAN, 2014). Desse modo, estabelece-se uma relação entre o Estado e suas 34 MARIANA CÔRTESO DISPOSITIVO PENTECOSTAL E A AGÊNCIA DOS GOVERNADOS Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.31-38, abril 2018. margens, pois os próprios sujeitos moradores das periferias passam, segundo os critérios a partir dos quais foram recortados (pobres, carentes, precários, vulneráveis, perigosos, sofridos, jovens em conflito com a lei, mulheres vítimas de violência doméstica, adolescentes grávidas, catadores de lixo, viciados em craque), a criar dispositivos de gestão de seus dramas cotidianos, que foram, por sua vez, previamente nomeados, classificados, catalogados por um governo que só funciona por meio de cesuras biopolíticas. Com isso estamos em condições de decifrar uma das estratégias mais sutis da racionalidade neoliberal: o neoliberalismo não governa contra a liberdade. A liberdade não representa um obstáculo para o governo: é sua condição de possibilidade (DARDOT, LAVAL, 2016; FOUCAULT, 2008a, 2008b). A governamentalidade só é possível a partir da agência dos governados; sua criatividade, produtividade, engajamento. Assim, a partir desse preâmbulo sobre a especificidade do neoliberalismo, gostaria de argumentar que, a partir dos recortes fomentados pelo governo seletivo, o pentecostalismo é uma das agências sociais que produziu, a partir do engenho dos próprios governados, uma das formas mais inventivas de gestão da conduta das populações marginais no Brasil. Recortados como marginais (e suas infinitas variantes) os pentecostais criaram suas próprias estratégias para lidar com o sofrimento nas periferias. Com isso, é necessário revisitar o diagnóstico de parte da sociologia da religião dos anos 1990 sobre a expansão das igrejas pentecostais naquele contexto. Na apreensão de Pierucci e Prandi (1996), por exemplo, a remagificação do religioso, a democratização do êxtase e a exacerbação do emocional eram sintomas do renitente atraso brasileiro, próprio de um país que não levou o processo de secularização às últimas consequências. Contudo, dificilmente poderíamos continuar descrevendo o movimento pentecostal, principalmente o neopentecostal, como apenas uma espécie de “pronto-socorro” mágico para desesperados, sinal inequívoco da nossa inoperância civilizacional. O pentecostalismo tornou-se, de fato, uma tecnologia social de condução da conduta 35 MARIANA CÔRTES O DISPOSITIVO PENTECOSTAL E A AGÊNCIA DOS GOVERNADOS Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.31-38, abril 2018. extremamente eficaz e absolutamente adequada à racionalidade neoliberal – mais avant garde impossível. Desde os anos 1990, observa-se, por exemplo, a disseminação de uma indústria pentecostal de bens materiais e simbólicos, que institui, como argumentei em outros trabalhos (CÔRTES, 2007; 2017), um mercado de pregações e testemunhos, em que o passado mundano de pregadores- itinerantes é vendido como mercadoria simbólica – o sofrimento torna-se valor agregado em uma espécie de capitalismo religioso altamente competente. A partir da década de 2010, a Igreja Universal do Reino de Deus, uma das principais denominações da corrente neopentecostal, passa a instituir um novo agenciamento da subjetividade de seus fieis: não se trata apenas de resolver de forma pontual um demanda aguda de uma população flutuante, mas de praticar uma “fé racional” – estabelecer uma nova relação de si para consigo, que implica racionalizar a vida cotidiana, cumprir desafios, estabelecer metas, trabalhar para a criação de si próprio como um capital humano que deve ser sistemática e infinitamente valorizável. Em uma estratégia de fidelização do cliente, para usar um dos mantras do new manegement, a Universal criou grupos específicos (como o Godlywood, voltado para as mulheres; e o Intellimen, direcionado aos homens), em que os participantes são instados a vencer desafios semanais na execução de “tarefas” (as mais variadas, desde preparar um jantar para a família como ser vigilante nos cuidados higiênicos com o corpo) (ABREU, 2017; GUTIERREZ, 2017). Nessa modulação da subjetividade, o mundo da casa torna-se análogo ao mundo corporativo – todas as ações são meios de produção para a valorização permanente do capital de si mesmo. Se, por princípio, pode parecer contraditório que no Brasil uma pauta conservadora se combine como uma agenda neoliberal, o mecanismo de subjetivação da Universal resolve a aparente contradição: afirmar valores tradicionais e revitalizar velhos papéis sociais do que significa ser homem ou mulher, ou seja, ser conservador, ou melhor, tornar-se de forma mais eficaz um “bom conservador”, faz parte de um empreendimento racionalizado de intensificação do 36 MARIANA CÔRTES O DISPOSITIVO PENTECOSTAL E A AGÊNCIA DOS GOVERNADOS Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.31-38, abril 2018. capital humano, um dos princípios fundamentais da racionalidade neoliberal. Além disso, a Universal, direcionada aos grupos dominados, desestimula a permanência em empregos formais que implicam a subordinação a um patrão, e incita todos e todas a se tornar empreendedores em um mercado informal, ainda que na figura estranha de uma ralé-empreendedora. Outros exemplos poderiam ser dados sobre o dispositivo pentecostal que reelabora o neoliberalismo nos seus próprios termos. Contudo, para os fins desse breve ensaio-síntese, pode-se concluir que para além da luta político-ideológica entre “progressistas” e “conservadores” e a guerra parlamentar no Congresso Nacional, neoliberalismo e pentecostalismo devem ser compreendidos como tecnologias de poder de modulação da conduta que rebatem uma sobre a outra: entre o governo seletivo que recorta a população marginalizada e os dispositivos pentecostais criados pelos sujeitos periféricos previamente delimitados como tais, há uma relação que se retroalimenta nas formas de gerir os marginais, por meio de uma racionalidade governamental que só é capaz de governar a partir da agência dos governados. A criatividade pentecostal, surgida de dentro das margens, é uma das pré-condições, entre outras, que permite a perpetuação da governamentalidade neoliberal. 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Palavras-chave: Grupos de pressão política; militares; Forças Armadas; Sociedade Abstract: This article shows how the pressure groups formed by retired military are formed throughout the re- democratization to the present day in Brazil. Among its objectives were to influence public opinion on issues such as the advancement of the leftist, the amnesty of crimes committed in the civil-military regime and the assumption of a greater political role of the military. Keywords: Pressure Group; military; Armed Forces; Society Embora haja uma extensa literatura sobre as Forças Armadas no Brasil e sua relação com o poder civil, mostraremos nesse breve artigo um aspecto pouco conhecido, presente desde a redemocratização: a existência de grupos de pressão política formados por militares da reserva, constituídos para recuperar o status quo ante e se contrapor à agenda dos partidos e movimentos de esquerda. Esses grupos são formados por oficiais de alta patente (generais, coronéis), muitos com experiência na área de informações e inteligência, atuantes durante o regime cívico- militar e na redemocratização. Atuando em várias cidades, alguns grupos contam com centenas de integrantes. Os discursos pelos quais seus integrantes buscam 1 Artigo apresentado no seminário "Conservadorismo, Novas Direitas e Grupos Insurgentes" organizado pela Associação Brasileira de Ciência Política - Regional Sudeste e NEAMP / PUC SP. São Paulo, 29 de março de 2018. 40 EDUARDO HELENO DE J. SANTOS OUTRO OLHAR SOBRE AS FORÇAS ARMADAS: OS GRUPOS DE PRESSÃO POLÍTICA FORMADOS POR MILITARES DA RESERVA Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.39-45, abril 2018. influenciar a opinião pública estão marcados pela prédica com forte viés anticomunista, pelo retorno do papel político das Forças Armadas, e pelo ressentimento em relação aos media, em particular, e à sociedade, como um todo. Presente por muito tempo nos rituais e cerimônias, assim como no imaginário de alguns oficiais e praças, o discurso de viés anticomunista balizou, desde 1935, a criação do novo Exército no período Vargas.2 Embora a década de 1930 seja marcada por um golpe de Estado, pela fragmentação do Exército da República Velha, pela guerra civil de 1932, e por quase uma centena de quarteladas, é a narrativa da Intentona Comunista que causa marcas profundas no processo de institucionalização da memória da corporação. No âmbito interno, os comunistas, mais do que os integralistas, serão vistos como traidores e inimigos da instituição.3 Essa percepção será continuada no período da Guerra Fria, por exemplo, nos debates no Clube Militar na década de 1950. Cabe lembrar que os expurgos de oficiais associados ao comunismo, que tem início em 1935, ganharão novo fôlego a partir de 1964. Segundo Paulo Cunha e Marcus Figueiredo, os militares serão a categoria mais afetada com as perseguições e expulsões ocorridas no regime cívico militar: 7500 militares serão punidos. O anticomunismo, revigorado pelas doutrinas de Guerra Revolucionária e de Segurança Nacional no âmbito militar, e pelos mais diversos grupos no âmbito civil, marcará a identidade das Forças Armadas por muitos anos. Outro aspecto ideológico presente por gerações nas Forças Armadas e visível nesses grupos de pressão política é a concepção de uma autonomia ampliada da instituição, capaz de projetá-la a realizar um papel político distinto, reconhecível e instrumentalizável por suas lideranças, de salvaguarda das 2 O primeiro ensaio dessa propaganda está presente no cerimonial instituído em seu governo e no livro Em Guarda contra o Comunismo, uma compilação de artigos da imprensa e do governo contra a quartelada protagonizada pelos militares comunistas em novembro de 1935, publicado pela então Biblioteca Militar. 3 Curiosamente, no âmbito externo, os pracinhas brasileiros atuarão na segunda guerra mundial, no grande esforço global com democratas e comunistas, na contenção do nazismo. 41 EDUARDO HELENO DE J. SANTOS OUTRO OLHAR SOBRE AS FORÇAS ARMADAS: OS GRUPOS DE PRESSÃO POLÍTICA FORMADOS POR MILITARES DA RESERVA Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.39-45, abril 2018. instituições nacionais, de promotora do desenvolvimento nacional e árbitro das crises políticas. Relacionado com a própria instauração da República, construído ao longo do processo de modernização do Exército na década de 1920 e gradativamente efetivado a partir da década de 1930, esse processo de autonomia política seria a base para a Política Laudatória, segundo interpretação de Edmundo Campos Coelho, ou o Poder Moderador, para Alfred Stepan. Essa autonomia tem o seu clímax em 1964, com o golpe e com o regime por ele instaurado, tendo consequências nos mais diversos campos da administração pública, incluindo, é claro, as Forças Armadas. Essa autonomia será lentamente reduzida, em avanços e retrocessos, de tal forma que somente a partir de 1990 o poder civil não sofrerá a tutela dos militares. O ressentimento com a sociedade presente nos discursos desses grupos de pressão política não virá somente dessa redução do papel político das Forças Armadas, como também da constante e silenciosa tensão entre o poder civil e o poder militar, devido à possibilidade de um maior enquadramento dos militares ao novo status quo, em especial no que tange ao julgamento, como ocorrera na Argentina, dos agentes envolvidos na repressão. Nesse aspecto, o papel da mídia e dos políticos críticos ao regime cívico-militar ampliou a sensação de revanchismo presente, reforçando entre esses militares o anticomunismo e a defesa de maior representação política. Tendo como base esses elementos discursivos, notamos o surgimento de 22 grupos de pressão política formados por militares da reserva desde 1984. Relatamos aqui, de forma sucinta, a atuação de alguns deles. Na transição, militares da ativa e da reserva ligados ao Centro de Informações do Exército (CIE) utilizaram o jornal Letras em Marcha, que tinha tiragem de 15 mil exemplares e era distribuído para a tropa, como instrumento de pressão para fazer campanha contra o candidato Tancredo Neves. A disseminação da propaganda feita pelo jornal era parte da Operação Bruxos, planejada pela cúpula do CIE para impedir a vitória de Neves. A operação chegou a contar com 42 EDUARDO HELENO DE J. SANTOS OUTRO OLHAR SOBRE AS FORÇAS ARMADAS: OS GRUPOS DE PRESSÃO POLÍTICA FORMADOS POR MILITARES DA RESERVA Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.39-45, abril 2018. ataques a gráficas em várias cidades. Na visão desses militares estava em jogo a possibilidade de julgamentos como o que vinha acontecendo na Argentina. Ao longo do
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