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A_INTERPRETACAO_NA_PSICANALISE_LACANIANA

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impulso
 
47
 
nº26
 
A Interpretação na
Psicanálise Lacaniana
 
Interpretation in
Lacanian Psychoanalysis
 
R
 
ESUMO
 
 – 
 
O artigo apresenta, em uma visão lacaniana, as transformações ocor-
ridas com alguns conceitos psicanalíticos, a partir de Freud, relacionados ao pro-
cesso analítico e à interpretação. Discute a função do analista enquanto intérprete.
Faz distinção entre psicoterapia e psicanálise, apontando algumas de suas diferen-
ças.
 
Palavras-chave:
 
 Lacan – psicanálise – interpretação – processo analítico.
 
A
 
BSTRACT
 
 –
 
 This article presents a Lacanian perspective on the changes that have
occurred since Freud’s statement of principles in some psychoanalytical concepts
related to both the analytical process and interpretation. It also discusses the func-
tion of the analyst as an interpreter, distinguishing psychotherapy from psychoa-
nalysis.
 
Keywords:
 
 Lacan – psychoanalysis – interpretation – analytical process.
 
R
 
EGINA
 
 C
 
LÁUDIA
 
 M
 
ELGES
 
 P
 
UGLIA
 
Psicóloga formada pelo Instituto
de Psicologia (
 
USP
 
). Psicanalista,
membro-correspondente da
Escola Brasileira de Psicanálise-
 
SP
 
pusch@sti.com.br
 g g y
 
dezembro
 
48
 
99
 
I
 
NTRODUÇÃO
 
psicanálise hoje em dia é bem diferente daquela que Freud
exercia em seu tempo. Tanto a prática como o contexto mu-
daram. Lacan, porém, nunca deixou de recorrer a Freud e a
seus ensinamentos, sempre deles partindo para então propor algo no-
vo. Atualmente, nós, analistas, temos de fazer movimentos duplos e
até triplos para que a psicanálise se mantenha e seja eficaz, isto é, pre-
cisamos recorrer a Freud, a Lacan, a teóricos e a psicanalistas de nossa
época, para daí propormos alguma modificação em nossa prática ana-
lítica, que os tempos presentes exigem.
O que se percebe com freqüência é que os sujeitos que sofrem
procuram encontrar um Outro que lhes dê respostas para o seu sofri-
mento. Em nossa sociedade não faltam alternativas e práticas que se
propõem a fornecer respostas prontas. Para Lacan, entretanto, o ana-
lista é o único que tem a oportunidade de “responder”. E aqui se vê
como Lacan é cauteloso: “não é certeza, não é garantido, mas o ana-
lista é o único que tem a chance de ser intérprete”. Mas o que é ser
 
intérprete
 
, como o analista 
 
interpreta
 
, a partir do quê?
 
E
 
NTREVISTAS
 
 P
 
RELIMINARES
 
 
 
E
 
 A
 
NÁLISE
 
Um sujeito dirige-se ao consultório do analista numa posição de-
mandante e espera, num primeiro momento, que este lhe dê soluções
imediatas, que eliminem seu mal-estar. Chega numa posição de ques-
tionamento por estar chocado com algo do Real com que se defron-
tou, quer se trate de um acontecimento quer da insistência de um sin-
toma. Deseja saber o que a psicanálise pode oferecer contra aquilo que
está lhe ocorrendo, contra o seu sofrimento. Pergunta ao analista: “Vo-
cê sabe o que eu tenho?”; ao que o analista responde: “Sim”. De al-
guma forma existe aí uma promessa, e o analista só “promete” por sa-
ber que a resposta é anterior à pergunta.
Ele propõe ao analisando a regra fundamental da psicanálise:
“diga o que lhe vier à mente, fale sem restrições”. E essa regra é fun-
damental porque é daí que a resposta emergirá.
O que se busca nas entrevistas preliminares, com a introdução da
regra fundamental, é identificar a consistência da demanda e qual a es-
trutura do sujeito. O texto do analisando não traz a resposta completa,
de modo linear, mas, os elementos da resposta que o analista saberá
 
pescar
 
. O analista escuta na fala do sujeito o que ele não pede e nem
pode pedir, o que ele deseja, o peso de seu gozo, o peso pulsional que
 
A
 g g y
 
impulso
 
49
 
nº26
 
está em jogo, e visa deslocar o sujeito da posição na qual tinha certeza
sobre o objeto.
O diagnóstico estrutural é fundamental, nesse momento, e só
será possível estabelecê-lo na relação transferencial. As considerações
que faço neste texto são aplicáveis apenas à neurose. Tanto a psicose
quanto a perversão requerem que manejos na transferência sejam fei-
tos, com modificações importantes, para que as análises de sujeitos
com essas estruturas se tornem possíveis. Todos os atos do analista le-
varão em conta a singularidade de cada caso. Os casos de depressão,
toxicomania, anorexia, bulimia e alcoolismo serão considerados a par-
tir da estrutura do sujeito em questão.
O sujeito, ao ocupar uma nova posição inconsciente ao mesmo
tempo vinculada à verdade e ao gozo, promove a retificação subjetiva,
e se implica em seu dizer, assumindo a responsabilidade por suas es-
colhas. Suas queixas se transformam em sintoma analítico e então a
análise, efetivamente, tem início. O sujeito, estando implicado no dis-
curso analítico, defronta-se com a verdade na qual acreditava até en-
tão, e a põe em jogo nas relações que estabelece com a ordem simbó-
lica. A associação livre, que não é da ordem da asserção, supõe e con-
firma, durante este século de prática, que a resposta está escrita no in-
consciente. Nos equívocos da língua surge a denúncia de um gozo
instalado. Nos lapsos, nos chistes,
 
1
 
 nos sonhos, no sintoma, se eviden-
cia a dimensão da verdade e do gozo e, a partir deles, a série de sig-
nificantes primordiais, o desenvolvimento da cadeia significante, tão
particular a cada sujeito, a relação do sujeito com o vazio, com o Real,
com o objeto-causa mais além das identificações.
Para o sujeito, que se dirige ao analista – sujeito suposto saber –
e que com ele estabelece uma relação transferencial, esse analista trans-
mite uma mensagem: “É você quem detém o texto e as respostas que
procura, mas sou eu que o dirigirei a elas, pois encontra-se aqui o seu
analista”. Em “A direção do tratamento e os princípios de seu poder”,
Lacan afirma: “(...) é pelo que o sujeito imputa de ser (ser que está em
outro lugar) para o analista que é possível o alcance da interpretação”.
 
2
 
F
 
ANTASIA
 
 
 
E
 
 S
 
INTOMA
 
Freud observou como o sujeito não podia dizer nada sobre sua
fantasia, uma vez que falar sobre ela lhe causa vergonha e vai contra
seus valores ideais. Dificuldade esta que só poderia ser resolvida atra-
 
1 
 
 Ver também alguns comentários sobre a construção de chistes em FREUD, 1969c, p. 280s.
 
2 
 
 LACAN, 1998a, p. 591.
 g g y
 
dezembro
 
50
 
99
 
vés de uma nova abordagem, que será proposta por Lacan, abordagem
fundada na diferenciação dos três registros: o Real, o Simbólico e o
Imaginário. Com a conceituação dos três registros, a fantasia se trans-
formou também num conceito fundamental para o avanço da psica-
nálise.
Freud, em seus últimos textos, e em particular em 
 
Análise Ter-
minável e Interminável
 
, se perguntava o que fazer com a inércia frente
ao trabalho analítico. A questão da fantasia comprometia a psicanálise
quanto a seu fim e quanto a seu estatuto em relação a outras discipli-
nas. Lacan elaborará para a fantasia um matema fundamental. Este
matema aparece como um dos elementos que estruturam a direção do
tratamento no discurso analítico. Ao introduzir o objeto Real (
 
a
 
) na
fantasia ($<>
 
a
 
)[articulação do sujeito barrado com o objeto causa do
desejo (para sempre perdido)], Lacan dá à fantasia uma causalidade so-
bre o sintoma.
Lacan, durante seu ensino, fez inúmeras modificações na sua for-
ma de pensar o funcionamento psíquico. Num primeiro momento,
pensou que a imagem, e não o significante, atraía a libido. Haveria
uma inércia da libido articulada à imagem bloqueando o funciona-
mento da cadeia significante. Foi o momento da predominância do
Imaginário em seu ensino.
Num segundo momento, Lacan abordou o aspecto do gozo,
vendo que havia uma conexão direta entre significante e libido. O que
atraía a libido, então, seria uma imagem significantizada, a qual cha-
mou de 
 
identificação fálica
 
. Existiriaum significante especial, que no
Simbólico, atrairia o investimento libidinal. Lacan fez do falo esse sig-
nificante investido pelo fator quantitativo da libido.
A terceira maneira que Lacan pensou essa relação significante/li-
bido trouxe a fantasia como o lugar onde estes se juntam, pois a fan-
tasia é uma articulação significante na qual, de um lado, está presente
o sujeito dividido ($) e, de outro, a quantidade libidinal (
 
a
 
), sendo a
pulsão o articulador deles ($<>
 
a
 
).
A única forma de fazer com que o sujeito se desembarace desse
gozo presentificado na imagem, no significante e na fantasia, é dar
condições para que, em sua análise, ele ultrapasse o Imaginário, dei-
xando cair as identificações idealizadas, e atravesse a fantasia que cons-
truiu. É justamente na fantasia que incide o destino do investimento li-
bidinal, e o final da análise depende do desinvestimento libidinal da
fantasia.
Lacan, no 
 
Seminário 11: os quatro conceitos fundamentais da
psicanálise
 
,
 
 
 
não inclui a fantasia entre os quatro conceitos fundamen-
 g g y
 
impulso
 
51
 
nº26
 
tais da psicanálise. Paradoxalmente, é um termo muito utilizado por
ele. A fantasia se opõe às formações inconscientes. As fantasias não são
decifradas da mesma maneira: não constituem um texto organizado
pelas leis de codificação do inconsciente. A oposição entre o sonho (via
régia do inconsciente) e as fantasias conscientes permitiu a Lacan criar
esse novo conceito, ao qual deu ênfase durante todo seu ensino. Fan-
tasia e sintonia, entretanto, têm algo em comum: ambos surgem a par-
tir do enigma. Freud nos ensina que ao longo da infância o sexual faz
enigma para a criança. O enigma surge a partir de um gozo pulsional,
vivido no corpo e impossível de dizer. O enigma leva as crianças a
construírem teorias sexuais que têm um lugar capital na construção
das fantasias e no surgimento de sintomas. É no deciframento dos sin-
tomas e na construção das fantasias, na análise, que encontramos res-
tos destas teorias infantis, construídas a partir de um postulado de go-
zo, ainda ativas no inconsciente.
A trajetória desenvolvida por Lacan para a fantasia ilustra, de
modo exemplar, o movimento que animou seu ensino, conduzido
pela via do matema. O matema foi um artifício inventado por Lacan
bastante eficiente, pois permite que se vá do universal ao particular, do
mito à estrutura. Desse modo, do mito freudiano organizador da fan-
tasia fundamental a partir da repressão originária, Lacan passa a uma
lógica da fantasia cujo esforço se centra em articular a castração com
o objeto-causa do desejo: objeto este necessário ao sujeito para ser –
apesar da falta-a-ser que o constitui – e a partir do qual se faz possível
um gozo para sempre parcial e a-sexual.
Na análise se pode aspirar a desmontar a fantasia, mas não a in-
terpretá-la. A fantasia não está submetida às leis da interpretação. Não
é interpretável, mas é pivô da interpretação, não na vertente dialética
que descansa na repetição significante, mas a partir do amor de trans-
ferência, em sua vertente de enigma, portanto, que reaviva a falta no
Outro. A fantasia fornece ao analista a chave do lugar que ele ocupa
para o sujeito, o lugar do Real. A intervenção do analista no discurso
do sujeito deve responder à necessidade de atualizar na transferência
a pergunta relativa ao desejo do sujeito. Porém, essa resposta não é do
significante, pois o significante leva consigo apenas a falta-a-ser, mas do
Real: é a fantasia que responde à pergunta do desejo.
O sujeito não se satisfaz com o que é. Por outro lado, sem dú-
vida, o que é, o que vive, seus sintomas mesmos, lhe dão satisfação.
Freud não dizia menos do que isso. Lacan o recorda dizendo: “(...) os
pacientes não se satisfazem, como se diz, com o que são. E, no entanto,
sabe-se que tudo o que eles são, tudo o que vivem, mesmo seus sin-
 g g y
 
dezembro
 
52
 
99
 
tomas, depende da satisfação. (…) eles dão satisfação 
 
a
 
 alguma coisa.
Eles não se contentam com seu estado, mas, estando esse estado tão
pouco contentador, eles se contentam assim mesmo”.
 
3
 
 Sendo tão pou-
co contentáveis, se contentam. Lacan introduz nessa satisfação para-
doxal a categoria do 
 
impossível
 
 e, opondo o Real ao possível, define
precisamente o Real como esse impossível. Para Freud o Real aparecia
como obstáculo ao princípio do prazer: o Real estava ali, mas as coisas
não se ajustavam de imediato, mesmo tendo-as à mão. Lacan consi-
dera demasiado restritiva essa concepção de Real e, indo além do prin-
cípio do prazer, insiste na separação do conceito de Real do campo
desse princípio: por sua dessexualização, pelo fato de que sua econo-
mia admite algo novo que é da ordem do impossível, que concerne
também à relação sexual. De acordo com o aforismo lacaniano “não
há relação sexual”, isto é, não há, no inconsciente, a inscrição de sig-
nificantes capazes de fazer uma elaboração de saber sobre a relação en-
tre um homem e uma mulher. Isso quer dizer que não há complemen-
tariedade, falta um significante no Outro. O Outro como lugar da sin-
cronia significante é um lugar com uma fenda, um vazio, uma incom-
pletude. Não se pode representá-lo por um círculo que se fecha, pois
haverá sempre um espaço aberto, um buraco. Disso, aliás, Freud já fa-
lava em relação ao recalque original. Portanto, um significante falta no
Outro. Lacan o disse de muitas maneiras. É o que ele escreve com o
seu S(A/), é o que ele diz com sua fórmula “não há Outro do Outro”,
é o que ele expressa com sua proposição “a mulher não existe”. Falta
pois um significante (e o significante é o que representa o sujeito para
outro significante) que permitiria fundar uma relação entre dois signi-
ficantes. Não há gozo senão do um, gozo fálico.
O sintoma aparece como a tentativa realizada para invalidar a
proposição: “não há relação sexual”. O sintoma indica que há algo
que não funciona no Real, tanto que o neurótico encontra seu gozo no
sintoma, por pouca satisfação que exista nele. 
Para Freud, somente poder-se-ia formar uma idéia da importân-
cia da descoberta que a interpretação dos sonhos teria para o funcio-
namento da vida mental ao se perceber que a construção onírica é “o
modelo segundo o qual os sintomas neuróticos se formam”.
 
4
 
 Num
primeiro tempo para Lacan, a concepção do sintoma como formação
inconsciente – num estatuto comparável ao do sonho, o 
 
lapsus
 
 ou o
chiste (em que o deciframento interpretaria a realização do desejo) –, é
 
3 
 
 LACAN, 1988, p. 158.
 
4 
 
 FREUD, 1976, p. 138.
 g g y
 
impulso
 
53
 
nº26
 
contemporânea às suas elaborações sobre a constituição do Eu através
do estádio do espelho. O sintoma se fazia palavra de uma verdade, de
um sentido reprimido (uma forma desviada de satisfação sexual).
Em 1953, em 
 
Função e Campo da Palavra e da Linguagem
 
, La-
can já assenta o inconsciente do lado da linguagem (ele já havia de-
senvolvido o conceito de inconsciente estruturado como uma lingua-
gem) e a palavra ali articulada já não se sustenta no Imaginário, mas
sobre um sistema Simbólico. Lacan não reduzirá o sintoma exclusiva-
mente ao campo Simbólico. O laço mantido pelo sintoma com o Ima-
ginário, pelo menos através do corpo, e com o Real, enquanto impos-
sível de dizer, continuará sendo considerado, mas existirá uma supre-
macia do Simbólico na abordagem do sintoma.
Em 
 
RSI
 
, Lacan define sintoma como “a maneira como cada um
goza do inconsciente”
 
5
 
 e afirma que o sintoma surge como resposta a
um gozo que o princípio do prazer não conseguiu assimilar. O gozo,
termo conceituado por Lacan, está do lado do objeto e se distingue do
desejo.
Para Lacan os sintomas têm constância, estabilidade e resistência,
e alguma relação com as funções do corpo. Ressalta que, em Freud,
Simbólico, Imaginário e Real são independentes e que justamente o
sintoma seriacapaz de atar em nó essas três estruturas. Nos três regis-
tros encontram-se: ex-sistência, consistência e buraco. O sintoma,
como o quarto elemento, seria responsável pela amarração e diferen-
ciação dos três registros. O sintoma é a forma que o sujeito encontra
para “lidar” com a incompletude do significante, com o não poder di-
zer tudo.
A questão que se coloca na conclusão da análise é: como o su-
jeito pode se haver com o fator pulsional? E o que está em questão é
ainda a pergunta formulada por Lacan desde 1964, sobre o destino da
pulsão no final da análise: “como o sujeito, que atravessou a fantasia
radical, pode viver a pulsão?”.
 
6
 
 O sintoma, para Lacan dos anos 70,
toma o lugar da pulsão (em Freud o sintoma está entre o psíquico e
o somático), aparecendo como uma fixação significante da pulsão. No
sintoma, a pulsão aparece como cativa e aí apreende sua função sim-
bólica de falo. O sintoma vai além da fantasia e se refere ao corpo vi-
vificado pelo significante. O sintoma, após a travessia da fantasia, co-
loca-se como resto irredutível de gozo. Porém, não basta dizer que ao
sujeito resta seu modo de gozo. O que importa é a economia libidinal
 
5 
 
 LACAN, aula de 17/12/74.
 
6 
 
 Idem, p. 174. 
 g g y
 
dezembro
 
54
 
99
 
do sujeito, ou seja, a melhor maneira que o sujeito encontra para se ha-
ver com esse resto irredutível de gozo – é o que Lacan chamou de
 
identificação ao sintoma
 
, o “saber fazer” com o sintoma, o 
 
Synthome
 
,
do qual o sujeito não pode se livrar, e com o qual ele terá de conviver.
No final da análise ocorrerá a destituição subjetiva e o sujeito
passará a ocupar uma nova posição em relação ao Outro, haverá o
desvanecimento do Outro, desvanecimento da demanda: não há Ou-
tro que possa satisfazer a demanda, há uma falta originária que jamais
será suprida. O sujeito viverá com responsabilidade, encarregando-se
do que produz. A pulsão não cessará jamais de dividir o sujeito: é im-
possível separar-se disso, mas é perfeitamente possível viver como su-
jeito desidealizado, porém responsável pelo seu modo de gozo.
 
A I
 
NTERPRETAÇÃO
 
Freud, no início de suas descobertas, concebia a interpretação
dos sonhos e das formações inconscientes como a busca de um signi-
ficado, obtido apenas pelo próprio sonhador através das associações
que fizesse, que proporcionariam acesso a algum conteúdo recalcado,
oculto. O sujeito, com certeza, estabeleceria essas associações com o
que originasse diretamente de sua vida mental, de fontes que lhe eram
desconhecidas, derivadas provavelmente de algum complexo. Todo
trabalho interpretativo considerava que as lembranças que acometidas
ao sujeito a partir do sonho trazido para a análise eram dependentes
de idéias e de emoções inconscientes. O trabalho interpretativo visava
tornar consciente o inconsciente. Para Freud, a elaboração onírica
 
7
 
 é
o trabalho que o sujeito faz para transformar o sonho latente em so-
nho manifesto. Para tanto, lança mão de condensações, deslocamentos
e transformações regressivas de pensamentos em imagens. O trabalho
que opera em sentido oposto e que é realizado numa sessão de análise,
em que a transferência está instalada, é o trabalho interpretativo. Freud
nos alerta, entretanto, que, “quanto mais o sujeito adquire conheci-
mento neste campo, tanto mais obscuros serão seus sonhos”.
 
8
 
 A cen-
sura leva em conta o saber adquirido com a interpretação dos sonhos.
O trabalho de elaboração do sonho incorpora esse saber, o que pro-
voca um fechamento do inconsciente, ou uma alienação do sujeito no
significante.
Lacan, em “Função e campo da palavra e da linguagem em psi-
canálise”, retoma uma afirmação feita por Freud na 
 
Traumdeutung
 
:
 
 
 
“o
 
7 
 
 A totalidade do cap. 
 
VI
 
 de 
 
A Interpretação dos Sonhos
 
 (mais de um terço de todo o livro) dedica-se ao
estudo da elaboração onírica (FREUD, 1969a, p. 297s).
 
8 
 
 FREUD, 1969b.
 g g y
 
impulso
 
55
 
nº26
 
sonho tem a estrutura de uma frase, ou melhor, atendo-nos à sua letra,
de um 
 
rébus 
 
(enigma)”.
 
9
 
Esse enigma está instalado no inconsciente e o inconsciente pre-
cisa de tempo para se manifestar, necessitando, para tanto, ser provo-
cado. Ele não tem hora marcada. O inconsciente nem sempre fala, às
vezes também descansa. Lacan considera que ocorre um processo de
abertura e fechamento do inconsciente. Assim, não há de se trabalhar
com o tempo cronológico nas sessões de análise, e sim com o tempo
lógico do sujeito, que leva em conta momentos fecundos do incons-
ciente desse sujeito. Ao analista cabe o ato analítico, desvinculado do
tempo standartizado, definido 
 
a priori
 
.
A interpretação, numa visão lacaniana, pode visar três pontos: o
significado; fazer aparecer significantes que estavam ocultos; e a inter-
pretação do “dizer”, e não dos “ditos”. Lacan acaba considerando que
a interpretação fundamental, aquela que incide, provocando efeitos na
estrutura do sujeito, só deve ocorrer no nível “do dizer”. Com Lacan
fica evidente que a interpretação deve ir além “do que se diz”. O que
cabe ser interpretado não são os ditos do sujeito, mas “o dizer”.
Para que fique bem claro a qual interpretação se está aqui refe-
rindo, talvez seja preciso diferenciar 
 
psicanálise
 
 de 
 
psicoterapia
 
. Pode-
se até afirmar que com a psicanálise se consegue efeitos terapêuticos,
mas com finalidades bem distintas.
A psicoterapia tem como meta restaurar a “base abalada” do su-
jeito, restaurar seu ego. Se um sujeito busca uma psicoterapia ou uma
análise é porque sua divisão subjetiva está afetada, e o psicanalista pre-
cisa estar advertido disso. Com a psicoterapia o sujeito conseguirá ape-
nas que sua fantasia seja substituída por outra, o que permitirá que sua
divisão e castração sejam acobertadas por novas fantasias carregadas
de significações.
Para Lacan, assim como para Freud, a clínica é soberana e sem-
pre antecede a teoria. Se assim não fosse, a psicanálise estaria estagna-
da. Se a teoria fosse anterior à clínica, a psicanálise se orientaria pelo
 
logos
 
, pelo conhecimento teórico inferido 
 
a priori. 
 
A psicanálise laca-
niana se orienta pelo Real em jogo na posição que cada sujeito, a seu
modo, ocupa.
No texto 
 
L’Étourdit Lacan afirma que a psicanálise tem meta
oposta à da psicoterapia. O objetivo da psicanálise não é eliminar a
angústia, nem fortalecer o ego do sujeito, tampouco adaptar o sujeito
à realidade. A psicanálise visa, justamente, que o sujeito se separe do
9 LACAN, 1998b, p. 238.
g g y
dezembro 56 99
objeto que sustentava sua “verdade” e com o qual tamponava a falta.
A análise busca que o sujeito investigue, no atravessamento ou na des-
construção de sua fantasia, o gozo e a inconsistência do Outro, dis-
tanciando-se da fantasia por ele construída, e que passe a conviver com
o seu modo de gozo, conquistando, no final de sua análise, um saber
sobre a verdade.
Durante este século de existência, a psicanálise ficou, e ainda es-
tá, à mercê das respostas que os psicanalistas possam dar. Os psicana-
listas são responsáveis não apenas pela posição do inconsciente, mas
sobretudo pela existência e pela manutenção do discurso analítico. O
analisando não é responsável pelo discurso analítico. Evidentemente
ele tem um trabalho a fazer: manter a existência mesma desse discurso.
Porém, cabe ao analista sustentar o laço analítico (suportando a trans-
ferência) e a função da análise (fazer o sujeito se defrontar com a cas-
tração, com sua divisão subjetiva e com a posição estrutural que ocupa
em seu inconsciente). O analista só consegue realizar essa tarefa levan-
do em conta sua análise pessoal e seu desejo decidido, onde a Ética do
bem-dizer da psicanálise está evidenciada.
Se formos rigorosos com as definições de Lacan, a interpretação
é do dizer sem dito, em que não se faz o uso da palavra, e sim da letra,e esse dizer se conecta ao próprio dizer do analisando. Para Lacan o
analista se auto-elimina, se subtrai em seu discurso, apesar de pagar
com seu ser. Em L’Étourdit, Lacan chegou a expressar que a interpre-
tação deveria ser exclusivamente um equívoco, mantendo essa tese até
o final de seu ensino. Com a interpretação como equívoco, consegue-
se que uma via fique aberta para diversos sentidos. O equívoco é um
instrumento não sugestivo, que deixa aberta a escolha do sentido que
o analisando queira dar. No nível da prática psicanalítica, pode-se con-
siderar que essa forma de interpretar evitaria o discurso do mestre e
que a maneira de ver do analista não seria imposta. A afirmação que
Lacan faz é: “nada opera [no inconsciente] a não ser o equívoco sig-
nificante”.10 É possivel enumerar três tipos de equívocos: equívoco
por homofonia, equívoco gramatical e equívoco dos paradoxos.
Colette Soler cita diferentes maneiras de interpretar no decorrer
de uma análise.11 Remete a Lacan, que fala em interpretação desper-
cebida e também em interpretação involuntária, uma vez que o ana-
lista pode interpretar até com o seu humor, com sua expressão, com
a cara que tem, com a maneira como se veste etc.
10 LACAN, 1973, pp. 11-12.
11 SOLER, 1995, p. 28.
g g y
impulso 57 nº26
O que faz com que uma intervenção seja interpretação? Toda in-
terpretação provoca efeitos, é operante. Mas somente “no depois”
(après-coup) se saberá quais serão esses efeitos.
Lacan não é diretamente contra a interpretação significativa.
Apenas afirma não ser ela capaz de resolver de modo algum o enigma
do sujeito: ela apenas o desloca. O que não quer dizer que seja proi-
bida ou de todo descartada. Ela pode ser útil. Para Lacan (Seminário
11), o que uma interpretação como significação possui de mais inte-
ressante não é a significação por ela produzida, mas os significantes pe-
los quais é formulada. Sua conclusão é a seguinte: “o interesse da in-
terpretação significativa é o decifrar, fazer aparecer um significante que
estava faltando ao sujeito, mas que se encontrava latente em seu dis-
curso”.12
Lacan evoca a pontuação como um modo de interpretação. A
pontuação garante a significação, marcando uma enunciação do sujei-
to em particular.
O corte da sessão, como oposto à pontuação, recorta as signifi-
cações, entalha-as, esculpe-as. Interromper o sujeito no meio de uma
frase impedindo que as significações, que as explicações proliferem,
causa um efeito de perplexidade e até de desagrado. Para lançar mão
desse modo de interpretação é preciso levar em conta as diferenças in-
dividuais. Num sujeito que tem dificuldade em falar ou naquele que
está muito aderido à significação, pode não provocar os efeitos dese-
jados. O intuito é provocar um efeito non sense. O não-senso possui
a sua fecundidade.
Outra maneira de intervir é por alusão, um enunciado que par-
ticipa do silêncio, que deixa a entender sem formular, que designa, que
mostra. Lacan também fala em recorrer à polissemia, à pluralidade de
sentidos.
Em seu Seminário 17: o avesso da psicanálise, Lacan fala em cita-
ção, que consiste em sublinhar algo enunciado pelo sujeito, como se se
colocasse aspas em seu dizer; e também em enigma: um enunciado
sem mensagem, um dizer sem proposição.
O que esses modos de interpretar têm em comum é um “dizer
nada”. O que não significa que eles nada profiram. O dizer do analista,
na interpretação, deve ser esquecido na medida em que é silencioso.
Lacan afirma que o discurso do analista é um discurso sem palavras.
Pela interpretação, conduz-se o sujeito, no percurso da experiência
12 LACAN, 1988, p. 231.
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analítica, em direção ao limite da palavra, ao impossível de dizer. A in-
terpretação aponta para a divisão do sujeito, para sua falta-a-ser.
Se quiséssemos inventar uma fórmula para o dizer da interpre-
tação, segundo Collete Soler, ela seria: “Você fala sozinho, você está só
com seu gozo; portanto, exatamente o contrário de uma promessa de
diálogo”.13
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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lógicas Completas, Rio de Janeiro: Imago, 1969a, v. 5.
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Obras Psicológicas Completas, Rio de Janeiro: Imago, 1969b, v. 23.
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leira das Obras Psicológicas Completas, Rio de Janeiro: Imago, 1969c, v. 8.
_________. O Uso da Interpretação dos Sonhos na Psicanálise. Edição Standart
Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Rio de
Janeiro: Imago, 1969d, v. 5. 
_________. Conferências Introdutórias sobre a Psicanálise, Sonhos. Livro 21,
Pequena Coleção das Obras de Freud (extraída da edição Standart Brasi-
leira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud). Rio de Janeiro:
Imago, 1976.
LACAN, J. O Seminário, Livro 17: o avesso da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1992.
_________. A direção do tratamento e os princípios de seu Poder. In: Escritos. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar, 1998a.
_________. Função e campo da palavra e da linguagem em psicanálise. In: Escri-
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_________. O Seminário, Livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicaná-
lise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988.
_________. L’Etourdit. Scilicet, nº 4. Paris: Seuil, 1973.
_________. RSI (Real, Simbólico e Imaginário). Aula de 17/12/74. Paris. [Seminá-
rio inédito]
SOLER, C. Interpretação: as respostas do analista. Opção Lacaniana, São Paulo,
(13), 1995.
13 SOLER, 1995, p. 34.
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