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1 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS – CCH PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL JOSÉ VINÍCIUS PERES SILVA POMPA E REQUINTE: MEMÓRIA VISUAL DO CANDOMBLÉ E DA UMBANDA EM MONTES CLAROS MONTES CLAROS 2019 2 JOSÉ VINÍCIUS PERES SILVA POMPA E REQUINTE: MEMÓRIA VISUAL DO CANDOMBLÉ E DA UMBANDA EM MONTES CLAROS Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Estadual de Montes Claros, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em História Social sob orientação Prof.ª. Dra. Ivete Batista da Silva Almeida pertencente a linha de pesquisa Cultura, Gênero e Relações Sociais. MONTES CLAROS 2019 3 S586p Silva, José Vinícius Peres. Pompa e requinte [manuscrito] : memória visual do Candomblé e da Umbanda em Montes Claros / José Vinícius Peres Silva. – Montes Claros, 2019. 135 f. il. Bibliografia: f. 132-135. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes, Programa de Pós-Graduação em História/PPGH, 2019. Orientadora: Profa. Dra. Ivete Batista da Silva Almeida. 1. Representações. 2. Candomblé. 3. Umbanda. 4. Imagem. 5. Montes Claros (MG). I. Almeida, Ivete Batista da Silva. II. Universidade Estadual de Montes Claros. III. Título. IV. Título: Memória visual do Candomblé e da Umbanda em Montes Claros. 4 A José Fernandes Guimarães (in memoriam), do qual nunca conheci, mas sou encantado com sua história. À minha avó materna Joana Antunes (in memoriam) que me fez gostar da religiosidade. 5 AGRADECIMENTOS Agradeço a professora Dra. Ivete Batista da Silva Almeida ao ótimo trabalho como minha orientadora. A CAPES pelo financiamento da pesquisa. Aos meus professores, amigos e estagiários do PPGH Unimontes, em especial aos professores Dra Rejane Meireles e Dr. Heiberle Hirsgberg pelas importantes contribuições ao trabalho durante a banca de qualificação. Agradeço ao grupo de Estudos Negros, que despertou em mim vários questionamentos necessários à problemática do trabalho. A pessoas que contribuíram para execução da pesquisa ajudando com as fontes, em especial aos de dentro dos terreiros: Mãe Duca, Dona Vanjú, Rodolfo e Toni Preto. Além disso, à Rilson Santos e Lúcio Benquerer pela disposição e ajuda. Agradeço ainda à fundação Banzé pela disponibilidade. Aos colegas do grupo Pronatec Unimontes, pelas contribuições. Em especial à Ana Maria Lacerda pelos conselhos e carinho. Aos colegas da Escola Estadual de Ventania pelo apoio. Ao meu namorado Filipe de Jesus Sampaio pelo apoio, ajuda e incentivo. Agradeço aos meus pais Jackson e Cida, minha Irmã Eva Viviany e aos meus amigos, em especial Allana Cardoso por me mostrar os caminhos da militância. Sou muito grato a todos. 6 O canto de Ossanha vem me matando E quem canta os males espanta Não tá mais adiantando Aqui, se escuta o batuque do trovão Thor e seu martelo, Jorge e o seu dragão Ciranda do céu, rave de tambor! Baco Exu do Blues 7 RESUMO Este trabalho tem como objetivo identificar as representações visuais do Candomblé e da Umbanda na cidade de Montes Claros na década de 1960. Para isso, utilizamos de materiais imagéticos presentes em revistas ilustradas, periódicos e nos álbuns de família para compreender discursos e visões produzido sobre essas religiões. Destacamos como foram manifestadas representações externas e internas e seu processo de transformação que colocavam essas religiões como parte de manifestações folclóricas ao lado de grupos cristãos da cidade. Desta forma, essas ideias foram apropriadas pelas elites da cidade ao processo de modernização e regionalização que vigorava na época. Palavras-chave: Representações, Candomblé, Umbanda e Imagem. 8 ABSTRACT This work aims to identify the visual representations of Candomblé and Umbanda in the city of Montes Claros in the 1960s. For this, we use imagery materials present in illustrated magazines, periodicals and in family albums to understand discourses and visions produced on these religions. We highlight how external and internal representations and their process of transformation were manifested that placed these religions as part of folkloric manifestations alongside Christian groups in the city. In this way, these ideas were appropriated by the city's elites to the process of modernization and regionalization that was in force at the time. Keywords: Representations, Candomblé, Umbanda and Picture. 9 LISTA DE FIGURAS Figura 1. Retratos de uma negra e um negro oitocentista Figura 2. Retrato da seca do Ceará Figura 3. Os operários: homens e mulheres Figura 4. Festa de Bumba meu Boi Figura 3. As máscaras da Macumba Figura 4. Paris Match: As possuídas da Bahia Figura 5. Página inicial de As noivas dos Deuses Sanguinários Figura 6. Segunda parte de As noivas dos Deuses Sanguinários Figura 7. Capa e matéria ilustrada da edição 26 Figura 8. Capa e matéria ilustrada da edição 26 Figura 9. Altar com santos da Umbanda Figura 10. Primeiras páginas da reportagem Nos Terreiros de Umbanda e Candomblés Figura 11. O cavalo de Ogum Laje Grande Figura 12. Casa de Oxóssi Figura 13. Desmascarando uma mistificação Figura 14. Oxóssi Caçador, e Obaluaé e Omulo Figura 15. Dança dos Orixás Figura 16. Linha de Candomblé Figura 17. Linha da Umbanda Figura 18. Abertura dos trabalhos ritualísticos, com o Pai Gonzaga de Angola Figura 19. Pai Gonzaga de Angola, incorporado no seu cavalo, tira uma de suas carimbadas Figura 20. As seitas afro-brasileiras em Montes Claros Figura 21. Convite para a festividade de Oxum do Terreiro Filhos de Pai Gonzaga Figura 22. Coluna Cook tal nota de convite à festa de Oxum Figura 23. Valete de Paus; Candomblé em Montes Claros Figura 24. Valete de Paus; agradecimento ao convite de Joãozinho da Goméia e Zé Fernandes Figura 25. O prefeito de Montes Claros, o Dr. Geraldo Ataíde, discursa saudando o babalorixá José Fernandes Guimarães Figura 26. Fotografias da casa de José Fernandes, lembranças de Mãe Duca Figura 27. Carteirinha de sócio do terreiro dos Filhos de Pai Gonzaga assinada pelo sacerdote José Fernandes 10 Figura 28. Fotografias guardadas de José Fernandes Guimarães, lembranças de Mãe Duca Figura 29. Pai Gonzaga em Incorporação com o médium José Fernandes Figura 30. Pai Gonzaga no Terreiro de Alcina Figura 31. Toque de Umbanda da família Pereira Porto Figura 32. No Terreiro Filhos de Pai Gonzaga, em Montes Claros, vê-se, manifestando com Oxóssi, o babalorixá Teresino, chefe do Terreiro Figura 33. Vanjú, recém-iniciada na casa Figura 34. Lembrança da festa de mãe Jurema Figura 35. Apresentações no Parque Municipal Figura 36. Moça em Oxalá Figura 37. Oxum ladeada pela lata Figura 38. Cadiginá de Obaluaé Figura 39. Oxum e Iemanjá Figura 40. Saída de Yaôs Figura 41. Saídas de Yaôs Figura 42. Entrega de Deká Figura43. No meio com o objeto Eked de Iansã, muzenzas e Kiozô, pouco tempo antes de sua feitura. Figura 44. Filhos de Santo, junto com Oyá de Vanjú ao meio Figura 45. Terezino Incorporado em Críspin Figura 46. Nova capela do Rosário Figura 47. Movimentos da Macumba Figura 48. Movimentos da Macumba Figura 49. Movimentos da Macumba Figura 50. Dançarinas da Macumba Figura 51. Teodomiro mostra a Bahia Figura 52. Notícias sobre a Noite na Bahia Figura 53. Macumba vai ser atração da Noite na Bahia Figura 54. Macumba no Automóvel Clube 11 SUMÁRIO CAPÍTULO I DOS FETICHES AO REQUINTE: O CANDOMBLÉ E UMBANDA NAS REVISTAS ILUSTRADAS........................................................................................................................20 1.1 Imagens do outro.................................................................................................................20 1.2 Revista O Cruzeiro..............................................................................................................20 1.3 As noivas dos deuses sanguinários......................................................................................25 1.4 Revista Encontro de Montes Claros.....................................................................................30 1.5 Candomblé e Umbanda para a Encontro..............................................................................39 1.6 Rito e Religião, diferentes percepções.................................................................................62 CAPÍTULO II NARRATIVAS DO MEU PAI: MEMÓRIAS VISUAIS DOS TERREIRO............................................................................................................................62 2.1 José Fernandes Guimarães a “construção” de médium para babalorixá...............................63 2.2 As festas na cidade...............................................................................................................69 2.3 Outras narrativas.................................................................................................................76 2.3.1 Depoimento de Mãe Duca e Dona Neusa.........................................................................76 2.3.2 Outras “Umbandas em Montes Claros” ...........................................................................86 2.4 O Candomblé no terreiro Oxóssi Caçador............................................................................89 2.4.1 Memória Visual................................................................................................................93 CAPÍTULO III PERFORMANCES DA “MACUMBA”: O FOLCLORE E AS RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA..........................................................................................................106 3.1 Montes Claros, regionalismo modernizador......................................................................106 3.2 Religiosidade e folclore.....................................................................................................109 3.2.1 Conservatório..............................................................................................................112 3.2.2 Capela de Nossa Senhora do Rosário...........................................................................113 3.2.3 Festival Folclórico.......................................................................................................114 3.2.4 Centro de Estudos Folclóricos, Museu do Folclore......................................................114 3.3 O grupo Banzé...................................................................................................................116 3.3.1 Espetáculo “Macumba” .................................................................................................118 3.4 Uma noite na Bahia: a “macumba” vai à sociedade...........................................................122 CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................130 REFERÊNCIAS....................................................................................................................132 12 INTRODUÇÃO Entre práticas reducionistas e saudosistas, as religiões de Matriz africana foram entendidas ao longo da história do Brasil de variadas formas que as colocavam em um local separado das manifestações culturais e religiosas do cristianismo. Devido a isso, a perseguição aos terreiros de Umbanda e Candomblé se mostraram como realidade no nosso país. Mesmo sobre essa condição, em alguns momentos foram representados como formas exóticas e ou exaltadas como parte da cultura popular. Desta forma, como e por que ocorrem essas representações? O que foi dito e produzido sobre essas religiões no Brasil? E em suas regiões, como isso foi veiculado? Essas dúvidas estão presentes no trabalho que buscou estudar como foram construídas as representações do Candomblé e da Umbanda tendo como espaço principal a cidade de Montes Claros, polo regional e o maior munícipio da região Norte de Minas Gerais. Escolhemos a reportagem Nos Terreiros de Candomblé e Umbanda publicada na revista Encontro de Montes Claros no ano de 1964 como nosso ponto de partida para nossa problematização. Juntamente com as coleções de fotografias familiares, procuraremos entender os elementos priorizados pela memória dos momentos relevantes e icônicos para os praticantes dessas religiões. A comparação entre o registro fotográfico na fotorreportagem e das coleções particulares foi necessária, pois acreditamos que a diversificação de fontes trouxe maior solidez para as reflexões e discussões que foram levantadas pela pesquisa. Dentre os dois terreiros abordados em nosso trabalho, o primeiro era liderado pelo Umbanda José Fernandes Guimarães, e outro; candomblecista; pelo Babalorixá Teresinho Nery Santana. Ambos apareceram na matéria ilustrada da revista Encontro, e segundo Ângela Cristina Borges em Umbanda Sertaneja (2011) e Tambores do sertão (2014) foram “figuras importantes na história das religiões de Matriz Africana na região”. As religiões de matriz africana aparecem nos noticiários impressos da cidade de Montes Claros desde a década de 1950, primeiramente a partir de notas policiais, conforme Borges (2007), “o nome do Sacerdote José Fernandes Guimarães foi vinculado muitas vezes a casos de polícia, como de uso inapropriado da medicina, algo mudaria com crescimento de seu centro de Umbanda e inauguração do “Terreiro Filhos de Pai Gonzaga” onde a imprensa passou a vinculá-lo a suas festas no calendário social da cidade. Na década seguinte, juntamente com o 13 trabalho do candomblecista Terezino Nery suas tarefas na religião passaram a fazer parte de resgate cultural e folclore da cidade. O conjunto de material fotográfico sobre os terreiros dos dois sacerdotes foi importante e pode ser considerado um conjunto de imagens icônicas, segundo uma semiótica planar, pois, como explica Ana Maria Maud (In FLAMARION, 1997), “a imagem é um texto-ocorrência em que a iconicidade tem a natureza de uma conotação veredictória culturalmente determinada: se se quiser, uma espécie de faz-de-conta ‘realista’ de fundo cultural”. Destacamos ainda a presença das referências visuais às religiões de matriz africana em outros momentos e lugares, como a publicação da revista O Cruzeiro, intitulada As noivas dos deuses sanguinários em 1951 num terreiro de Candomblé em Salvador, Bahia. Retratando uma cerimônia de iniciação na religião, a fotorreportagem conforme Fernando de Tacca (2009) em Imagens do sagrado: entre Paris Match e o Cruzeiro rompeu com o silêncio acerca desse “ritual sagrado, mostrando cenas e cenários da religião que caracterizaram um ambiente fechado de registros fotográficos”. Essas fotografias enfatizaram o ritual religioso como espetáculo sensacionalista,mas por outro lado encurtaram a distância que existia entre a sociedade daquela época e com que ocorriam nos terreiros de Candomblé. Desta forma, as reportagens estiveram envolvidas em uma polêmica disputa dos lugares e compromissos que envolvem espaço jornalístico da fotorreportagem, valendo-se principalmente do ineditismo das imagens de rituais secretos num discurso que oscilava entre a lucratividade do furo de reportagem e a prestação de serviço, ao mostrar o “desconhecido”. Após a publicação as temáticas sobre os terreiros ganharam força dentro dos noticiários brasileiros, proporcionando assim uma mudança gradual do olhar do espectador sobre esse tema. Por meio da visibilidade que as religiões de matriz africana tiveram na fotorreportagem, fundava-se segundo Jorge Luiz Ramonelo (2006), uma "escola de fotojornalismo baseada na importância da imagem como notícia, com ênfase na qualidade técnica, proporcionada pelas novas câmeras de médio formato, priorizando assim registros “documentais” (p. 23). Para esse autor, a partir da segunda metade da década de 1940, com o final da guerra, temáticas de manifestações populares nacionais passam a atrair a atenção dos editores de revistas de variedades, onde a imprensa brasileira aumentava gradativamente seus noticiários e reportagens que abordavam as religiões de matriz africana. Por isso entre 1951 e 1962, rituais de Umbanda e Candomblé apareceram como simples folclore, a editoria de polícia com tratamento sensacionalista e editorial pejorativo e ainda produções com teores etnográficos (RAMONELO, 2006). 14 Utilizamos como referencial teórico do nosso trabalho o universo das representações sociais, que a partir de uma problematização histórica pode ser interpretado por meio das contribuições da nova história cultural, onde para Peter Burke (2005) “o historiador cultural abarca artes do passado que outros historiadores não conseguem alcançar. A ênfase em “culturas” inteiras oferece uma saída para a atual fragmentação da disciplina.” (p.8). Portanto, essa linha ditou uma nova forma de identificar as relações dos sujeitos históricos com o universo no qual eles circulam, ou seja, pensar nas representações suscita dentro do ambiente da cultura um grau maior de compreensão. Identificamos a concepção de cultura no entendimento de Clifford Geertz (1989), como uma “teia de significados tecida pelo homem, que norteia e orienta a existência humana”. Essa forma de interpretação deu todo sentido às análises de questões religiosas, pois foram a partir das práticas específicas, seus rituais, e como eram vividas, que fomos capazes de identificar como eram vistos a partir da comunidade do qual estavam inseridas. Para compreendermos as religiões de matriz africana buscamos assim seu processo de transformação histórica e social, a partir do trabalho de Reginaldo Prandi (1990) que aponta a necessidade de perceber as culturas religiões de matriz africana em “trânsitos” e diversificação. Dessa forma, o processo de formação tanto do Candomblé como da Umbanda moderna, tem em sua história uma ligação com práticas que foram movimentadas de diversas regiões do País e que tem principalmente na cultura do escravo africano e do espiritismo kardecista sua origem. Com relação ao conceito de representação sociais, ele nasceu na sociologia, nos estudos de Durkheim, empregado inicialmente na elaboração de uma teoria da religião, da magia e do pensamento mítico. Conforme Serge Moscovici (2003), esses fenômenos coletivos não podem ser explicados em termos de indivíduo, pois ele não pode inventar uma língua ou uma religião. Esses fenômenos são produto de uma comunidade, ou de um povo. Ele entende que as representações não são criadas por um indivíduo isoladamente pois, quando aparecem elas adquirem uma vida própria, circulam, se encontram, se atraem e se repelem e dão oportunidade ao nascimento de novas representações, enquanto velhas representações morrem. A teoria das representações sociais pode ser considerada como uma forma sociológica de Psicologia Social. O autor apresenta um estudo onde tenta compreender de que forma a psicanálise, ao sair dos grupos fechados e especializados, adquire uma nova significação pelos grupos populares. O estudioso ainda nos informa sobre o cotidiano das representações como: 15 As representações sociais são entidades quase tangíveis. Elas circulam, se entrecruzam e se cristalizam continuamente, através duma palavra, dum gesto, ou duma reunião, em nosso mundo cotidiano. Elas impregnam a maioria de nossas relações estabelecidas, os objetos que nós produzimos ou consumimos e as comunicações que estabelecemos. Nós sabemos que elas correspondem dum lado, à substância simbólica que entra na sua elaboração e, por outro lado, à prática específica que produz essa substância, do mesmo modo como a ciência ou o mito correspondem a uma prática científica ou mítica. Mas se a realidade das representações é fácil de ser compreendido, o conceito não o é. Há muitas boas razões pelas quais isso é assim. Na sua maioria, elas são históricas e é por isso que nós devemos encarregar os historiadores da tarefa de descobri-las. As razões não históricas podem todas ser reduzidas a uma única: sua posição “mista”, no cruzamento entre uma série de conceitos sociológicos e uma série de conceitos psicológicos. É nessa encruzilhada que nós temos de nos situar. O caminho, certamente, pode representar algo pedante quanto a isso, mas nós não podemos ver outra maneira de libertar tal conceito de seu glorioso passado, de revitalizá-lo e de compreender sua especificidade" (pg 7). Segundo Moscovici, o estudo das representações sociais dentro de uma metodologia científica, foi sua crítica aos pressupostos positivistas e funcionalistas das demais teorias que não explicavam a realidade em outras dimensões, como foi o caso da dimensão histórico- crítica. Para Ciro Flamarion Cardoso (2012), o autor - Moscovici - insiste no duplo caráter que as representações sociais suscitam. Elas podem ser um produto, pois possuem conteúdos, organizam-se em temas e afirmam coisas sobre a realidade, e também um processo, um movimento de apropriação das coisas do mundo. Em seu status cognitivo é intermediário entre percepção e o conceito. Transparecendo essa dualidade, “é preciso notar que representar algo não é somente duplicá-lo, repeti-lo, reproduzi-lo é também reconstitui-lo, retocá-lo, mudar-lhe a constituição num sentido que seja funcional para determinados grupos de interesse”. Ao destacar as representações como um movimento dinâmico, Moscovici elabora uma produção de sentido para seu conceito que estende de uma visão simplista a dimensionadora, pois uma representação sobre “algo” é na verdade um conjunto de outras representações cristalizadas sobre esse “algo”, mostrando assim que para essa perspectiva conceitual é um processo amplo e complexo. Apesar dos obstáculos que encontramos como investigadores do passado, o historiador da cultura não deve se descuidar nem dos questionamentos teóricos, nem das evidências que ajudam a constituir o relato histórico. Conforme Peter Burke (2012), a perspectiva dialógica que o historiador desenvolve contempla as duas coisas, num esforço de produzir conhecimento histórico crítico e responsável. Ou seja, não se pode escrever "qualquer coisa" sobre o passado, 16 já que a abordagem do documento como texto não exime o historiador de uma análise cuidadosa. Dessa forma, podemos utilizar deste caminho para pensar o cotidiano da imagem dentro de uma análise histórica no âmbito da história cultural. Estamos inseridos em um mundo onde o visual é parte de uma instância determinante do nosso cotidiano. Todas as sociedades humanas sempre se comunicaram e se expressaram por meio de imagens, todavia, em nossa sociedade contemporânea é inquestionável o fatode ter a imagem, suplantado outras formas de comunicação e representação, permitindo-nos compreender e expressar emoções, sentimentos e desejos. Atribuímos inúmeros significados às imagens produzidas pelas sociedades, embora toda imagem traga consigo referências de significações anteriores. Imagens são antes de tudo ideias, nós lhes atribuímos significados que foram construídos e muitas vezes pensados e moldados para transmitir um discurso ou pensamento específico. Por meio disso, a imagem já produzida também ganha novos significados de acordo com suas formas de apresentação, sua circulação e seu ambiente onde são divulgados e demonstrados para o mundo. Entendemos que, para pensar em visualidade como proposta nos estudos de história visual, o conceito de representações sociais funcionaria como instrumental teórico importante. Depurar as representações sociais atribuídas às imagens foi um exercício que realizamos nesta pesquisa. Percebendo o longo processo de criação, circulação e difusão desses produtos. Valendo-nos disso, utilizamos nosso trabalho como uma proposta exclusiva da história visual que conforme Ulpiano T. Bezerra de Meneses (2005) é no campo da visualidade que a história visual se apresenta; A História, porém, diferentemente da Antropologia e da Sociologia, não definiu uma problemática visual específica que pudesse concentrar sua atenção, mas privilegiou o tratamento da imagem — e mesmo da imagem como documento discursivo, deixando de margem sua múltipla presença na vida social. A meu ver, um dos principais pré-requisitos para que a História, sem arrefecer seus recentes compromissos com as "fontes visuais", passe também a considerar a dimensão visual presente no todo social, seria a organização paulatina de um quadro de referenciais, informações, problemas e instrumentos conceituais e operacionais (inclusive para cruzamento de dados), relativos a três grandes feixes de questões: o visual, o visível e a visão. (p. 3) 17 Observar as visualidades enquanto uma conduta própria que articula transformações que vão além de outros meios como o texto, foi a grande proposta dessa linha de estudos; fazendo- se necessária, nesse contexto, a reconstrução do que se constitui a iconosfera; É preciso procurar identificar os sistemas de comunicação visual, os ambientes visuais das sociedades ou cortes mais amplos em estudo. Assim também as instituições visuais ou os suportes institucionais dos sistemas visuais ex., escola, empresa, administração pública, o museu, o cinema, a comunicação de massa, etc, as condições técnicas, sociais e culturais de produção, circulação, consumo e ação dos recursos e produtos visuais. Enfim, é necessário circunscrever o que vem sendo chamado de iconosfera, isto é, o conjunto de imagens-guia de um grupo social ou de uma sociedade num dado momento e com o qual ela interage. (p. 3) Para identificar a iconocidade em nosso trabalho, foi importante perceber as fotografias como uma fonte principal. Elaboradas para funcionarem como um jogo de espelhos, a fotografia, sucinta a ilusão de substituta da própria realidade. As imagens não são dadas, meras evidências indiciárias, mas construções imaginárias. Elas não se reduzem a evidências documentais, objetivas, elas são simbolizações construídas histórica e socialmente. Vistas por esse ângulo, o que importa resgatar ou discutir foi o modo como uma imagem idealiza, metaforizam, constrói um campo de significação. Conforme Mauro Guilherme Pinheiro Koury (1998); A imagem significa, ao mesmo tempo, o olhar do criador e o olhar do espectador, e a interpretação é a resultante desta interdependência, ou desta ambiguidade de olhares, associada ou não a um terceiro olhar que busca compreender os mecanismos sociais que desconstroem e reconstroem as informações transmitidas pelo intercruzamento dos diversos olhares (p. 6) Desse modo, podemos perceber a fotografia não somente como documento, mas como uma parte preponderante na pesquisa. Igualmente, a fotografia para Ana Maria Mauad (2011) “deve submeter-se a críticas para que posteriormente ela possa vir a ser organizada numa ordem cronológica” (p.10). Procuramos seguir um método significativo; um critério de seleção, a fim de evitar a descaracterização das fontes, visto que, conforme Mauad (2011), “seu objeto que é a foto em si, deve ser trabalhado e estudado separadamente, garantindo, pois, a individualidade do objeto fotográfico a ser estudado, que tanto pode ser um álbum, uma foto ou no caso uma revista ilustrada, para que em seguida possa-se estudar a parte material” (p.10). 18 A partir destes pontos, organizamos roteiros de análise no intuito de decompor a imagem fotográfica em unidades, guardando a devida distinção entre forma, conteúdo e expressão. Essa proposta foi adaptada para a nossa realidade da pesquisa. É possível destacarem-se informações da economia da imagem, agência produtora da fotografia, ano, local retratado, tema retratado, pessoas retratadas, objetos retratados, atributo das pessoas, atributo da paisagem, tempo retratado e fotógrafos que produziram o material, todas relacionados às revistas nas quais as fotografias foram publicadas. Ampliando-se assim, para uma análise o seu nível conceitual, morfológico, compositivo e enunciativo. Como parte do nosso trabalho com imagens foi realizado por meio da revista ilustrada, os textos que acompanham as fotografias também foram relevantes, eles estabelecem uma relação com a imagem que os torna um tipo específico de fonte. Por meio disso, para perceber com os sentidos da mensagem que a imagem e o texto somado transmitem, utilizamos a compreensão de Sophie Van der Linden, em Para ler o livro ilustrado (2011), onde; Cada obra propõe um início de leitura quer por meio do texto, ou da imagem, e tanto um como outro pode sustentar majoritariamente a narrativa. Se o texto é lido antes da imagem e é o principal veiculador da história, ele é percebido como prioritário. A imagem, apreendida num segundo momento, pode confirmar ou modificar a mensagem oferecida pelo texto. Inversamente, a imagem pode ser preponderantemente no âmbito espacial e semântico, e o texto ser lido num segundo momento (p. 122). Assim, tendo a necessidade de compreensão das relações entre sociedade e cultura como foco, não perderemos de vista o fato de que os comportamentos humanos não são homogêneos e nem coerentes, além de que as pessoas são diversificadas e mudam constantemente a formas de viver. Sobre esta perspectiva, as religiões também podem ser analisadas conforme mencionamos, a quantidade, variedade e diversidade que as práticas religiosas apresentam é uma pista para entendermos a complexidade de suas estruturas e se tratando de cultura, as manifestações também necessitam de métodos diferentes. 2. O trabalho de pesquisa em história caracteriza-se pela observação e análise das fontes por meio de diferentes ferramentas teórico-metodológicas buscando as relações entre pensamentos, comportamentos e personagens. A relação da fonte com o historiado, advém da necessidade de produção onde o processo de trabalho possa ser dialogado e transformado com outros meios de encontrar o passado. 19 Por isso, fez-se necessário buscar em inúmeras outras formas de busca sobre a fonte utilizada, para além da revista ilustrada mencionada. Para iniciar tal trabalho acompanhado das fotografias e revistas que obtivemos com o editor chefe da revista Encontro, procurando assim todos os sujeitos envolvidos nesse processo, que, aos poucos, revelavam novas nuances desse processo. Utilizamos entrevistas gravadas com o objetivo de auxiliar no entendimento do processo estudado, a partir da coleta e análise das opiniões dos sujeitos que vivenciaram o período de produção da matéria analisada. Produzimos, no primeiro capítulo,uma reflexão sobre as fotografias das religiões de matriz africana ao longo do século XX. Destacando assim, o surgimento das tecnologias de imagem passando pelas reproduções etnográficas da sociedade brasileira das religiões de matriz africana. Dessa forma, procuramos problematizar as fotorreportagens e matérias ilustradas da revista Cruzeiro (1951), para demonstrar representações sobre o Candomblé e a Umbanda. Dessa forma, busco estabelecer um paralelo da reportagem da revista Encontro (1964) de Montes Claros, com os discursos antropológicos vigentes no período. No segundo capítulo, destacamos as narrativas vindas de dentro dos terreiros estudados. Procurando nas narrativas orais e visuais, modos que estabeleceram um histórico sobre os sacerdotes estudados. Identificando assim, as memórias visuais por meios das fotografias e álbuns guardados pelos seus familiares do terreiro. Finalizando o trabalho, apontamos para os contextos existentes na cidade de Montes Claros na época estudada, que aglutinou o Candomblé e a Umbanda a outras manifestações populares, como o congado, manifestações negras e católicas, tradições que deveriam ser resgatadas e foram vinculadas ao folclore. Apontamos ainda o evento “Uma noite na Bahia” que continham apresentações dos terreiros, e participação da “sociedade” e elite da cidade. Em nossas considerações finais apontamos que os debates sobre valorização do folclore brasileiro estavam presentes dentro do contexto da época. Portanto os resgates feitos para as manifestações populares juntos à Umbanda e Candomblé partiram de uma ideologia presente na sociedade Brasileira, que ganhou força a partir da necessidade que as elites da cidade tinham de valorizar a cultura regional. Isso possibilitou uma abertura da sociedade aos terreiros, com a intensa ajuda dos sacerdotes José Fernandes e Terezino Nery, encurtando distâncias e inserindo- os dentro dessa realidade por meio da perspectiva do folclore. 20 I.DOS FETICHES AO REQUINTE: O CANDOMBLÉ E UMBANDA NAS REVISTAS ILUSTRADAS A magia negra, a índole romântica da raça brasileira, o samba e as comidas condimentadas da cozinha baiana foram trazidos para o Brasil no bojo dos navios negreiros que capturavam escravos no litoral do Continente Negro. E o elemento negro, cativo e saudoso de seu lar, trouxe em seu sangue a nostalgia, o doce langor africano e as tradições e costumes das civilizações primitivas (Revista Encontro, agosto de 1964, p. 9). Na revista Encontro de Montes Claros, encontramos um discurso comum ao caracterizar as religiões de matriz africana como manifestação cultural, ressaltando principalmente as suas origens africanas. Por que essas religiões têm de ser mais africanas que brasileiras? Por que o negro foi visto como africano e não brasileiro? Esse vínculo reflete as representações que foram construídas sobre povos muito distintos e com culturas diferentes que sua condição histórica de escravo foi retratada pela sua ancestralidade. Perceber como ocorreram as construções visuais foi o nosso objetivo do presente capítulo, a partir do discurso construído por nossas fontes. Procuramos identificar como as representações visuais nas revistas ilustradas e como foram produzidas. 1.4 IMAGENS DO OUTRO Por um longo período, o que se entendia por comunidades negras, africanas e americanas esteve ligado às informações trazidas pela grande produção de material fotográfico produzidos sobre essas culturas, iniciado durante neocolonialismo europeu. Essas produções ilustravam os “diferentes” e “exóticos” como aqueles que não pertenciam ao mesmo ambiente dos colonizadores. A partir disso a cultura e modo de viver desses povos foram transformados em consumo através de artigos, objetos e fotografias dessas pessoas3. As produções visuais nesse período construíam um repertório sobre esses povos para a sociedade que as consumia. Capitalizados e produzidos para propiciar o colecionismo, essas representações foram criadas. Nesse sentido, os valores que essas imagens estabeleceram dentro desse contexto foram por muito tempo vinculados à conquista sobre esses povos justificando 21 as dominações imperiais. Para exemplificar tal dominação a imagem abaixo foi produzida nessa época; Figura 1: Retratos de uma negra e um negro Fonte: Coleção Ruy Souza e Silva in ERMAKOFF (2004). As imagens, da Figura 1, reproduzidas em um formato retangular vertical e veiculadas em carte-de-visite1, foram feitas no ano de 1870 pelo fotógrafo Alberto Henschel, segundo George Ermakoff (2004) em O negro na fotografia brasileira do Século XIX, influente empresário no campo fotográfico, que devido sua origem alemã consegue retratar diversas faces do contexto sociocultural do Brasil oitocentista. Por trabalhar com imagens do tamanho retrato, sua produção ainda se destacou representando a família real brasileira daquele período. As fotografias transmitem um fortalecimento dos seus personagens, ao mesmo tempo que apresenta vestimentas “rudimentares”, cristaliza-se assim, a cultura brasileira nas suas representações dos negros escravos do Brasil imperial. Henschel (1827-1882) também enviou 1 Nome dado a um antigo formato de apresentação de fotografias, patenteado pelo fotógrafo francês André Adolphe Eugène Disdéri em 1854. De tamanho diminuto (9,5 x 6 cm), a foto, geralmente revelada pela técnica de impressão em albumina, era colada em um cartão de papel rígido um pouco maior (10 x 6,5 cm aproximadamente). https://pt.wikipedia.org/wiki/Cm https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Impress%C3%A3o_em_albumina&action=edit&redlink=1 https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Impress%C3%A3o_em_albumina&action=edit&redlink=1 https://pt.wikipedia.org/wiki/Papel 22 diversos trabalhos para Europa, e assim produzindo uma icnografia “exótico”, imagens que eram vistas como artigo de luxo pela burguesia da época. Grande parte da produção de fotografia do período esteve atrelado a necessidade de identificar essas culturas “exóticas” como comprovação de um “passado”, por isso os fotografos do momento restavam aquilo que era considerado “perdido” e deveria ser “preservado”. A definição de Antropologia de urgência, pensada por José da Silva Ribeiro (2005) no artigo Antropologia visual, práticas antigas e novas perspectivas de investigação foi importante para identificarmos um diálogo da etnografia junto ao uso da imagem voltada para a documentação e preservação das práticas culturais ameaçadas. Numa era da “reprodutibilidade técnica e da expansão industrial” (RIBEIRO, 2005) a Antropologia visual orientada para alimentar e enriquecer as coleções dos museus, objetivava situar-se nas sociedades, “geográfica física e culturalmente distante”, uma visão “efêmera” construída do outro (p.5). Esta construção feita pelas novas máquinas, não eram inocentes, transportavam consigo as interpretações subjetivas dos operadores, inseparáveis da sociedade ocidental. Essas imagens estabeleceram ideias que, inseridas aos meios de comunicação de grande peso, como foi o caso das revistas ilustradas, proporcionaram um aumento ainda maior do seu consumo. Essa relação com a imprensa não foi uma novidade, - pois antes da fotografia já apareciam narrativas que expressavam uma construção imagética 2,- mas foi só com o uso da fotorreportagem, e sua intensificação ao longo do século XX que muitas dessas representações destacaram como interpretações de mundo. Conforme Gisele Freud apud Almeida (2014), a fotografia trazia para a imprensa a “possibilidade de apresentar os acontecimentos com a velocidade e o detalhamento que os novos tempos exigiam”. Desde seu início, o seu uso era apenas ilustrar uma história, mas subsequente a isso desde o final do século XIX, a apresentação de lugares distantese a glamorização da vida luxuosa das elites, com a chegada do cinema, surgiram as seções especializadas sobre celebridades, bem como outros grandes fatores como a guerra, a fome e os horrores que muitas vezes noticiados e visualizados pelas imagens que estavam acompanhados os antigos textos propuseram uma nova interpretação. 2 Entendemos que as produções sobre algo, no caso as culturas de matriz africanas foram reproduzidas sobre inúmeros meios que deram significados sobre estes ao longo do processo histórico. Os textos descritivos, a literatura pode ser um exemplo. No que se refere ao trabalho, percebemos que foi a imagem o ponto central de discursão e sua proposta. 23 A fotografia seria o típico meio de expressão de uma “sociedade tecnológica”, aceito por todos os grupos como instrumento capaz de reproduzir a realidade, que representava a capacidade de expressar os desejos e as necessidades dos grupos sociais dominantes, e interpretar à sua maneira os acontecimentos da vida em sociedade. No que tange do uso da fotografia na revista ilustrada, exemplificamos o trabalho de Marta Emísia Barbosa, Famintos do Ceará (2004) que estudou no Império brasileiro as notícias sobre a seca no Ceará do. Dentro de uma perspectiva que analisava os caminhos feitos pela fotorreportagem e como ela passou a representar ideias sobre o cearense e mais tarde o Nordeste por meio de imagens que paralisavam as ideias sobre o país. Pelas páginas da pioneira O Besouro as fotografias de J. A. Correa, produzidas como parte de uma reportagem do Jornalista José de Patrocíno, enviado pelo jornal gazeta de notícias, representavam uma icnografia da fome com base nas secas do Ceará e do Nordeste. Percorreram assim, o imaginário da população brasileira e a necessidade de encontrar na seca uma visão de venda e mercado para as imagens que as representavam. A primeira imagem apresentada (Figura 2), reproduzida em formato de carte-de-visita, foi identificada pela autora no museu Dom José em Sobral no Ceará. Fotografado pelo fotografo J. A. Correa o preto e branco da imagem contrasta com uma posição padrão nas imagens que foram estudas em seu trabalho. Feitas com o objetivo de representar os “horrores” da seca, o semblante do personagem transparece evocando tal ideia. Na segunda imagem, existe uma reprodução das fotografias como eram retratadas na revista O Besouro, por meio da técnica de litogravura3, as imagens eram transmitidas para as páginas do periódico acrescidas de outras ilustrações que transmitiam as calamidades da seca. Transformar os acontecimentos em palco para representar a miséria sob pretexto de não cair no esquecimento, e se investir numa reportagem de denúncia foi uma forma de levar em consideração quem eram aquelas pessoas. As estratégias do não esquecimento mantidas pelas revistas e do Jornal, um único e duradouro sentido. 3 Criação de marcas sobre uma matriz com um lápis gorduroso. A base dessa técnica é o princípio da repulsão entre água e óleo. Utilizada tanto pela imprensa como pelas revistas da época. Sobre a fotografia imprensa eram feitos desenhos que foram transmitidos para as folhas já imprensas com os textos dos jornais. 24 Figura 2. Retrato da seca do Ceará Fonte: Famintos do Ceará, BARBOSA 2004. Em outro momento a indústria das revistas ilustradas foi destaque no trabalho de Ivete Batista da Silva Almeida, As Faces do Hércules-Quasímodo: Representações do Nordeste e dos Nordestinos Durante a Era Vargas (2014), identificando como o sertanejo no contexto da década de 1930 era representado pela revista O Cruzeiro. Para isso, o trabalho demonstrou, como as ideias do povo do Nordeste e outras regiões eram construídas em ilustrações, publicidades e publicações durante a Era Vargas. As representações construídas a partir da seca, as teorias raciais produzidas no sul e sudeste por meio do imaginário sobre o Nordestino, ganhou novos elementos discursivos, passando para uma política de valorização da mão-de- obra, que ocorreu durante o período estudado pela autora. Com fotografias de Jean Manzon4, a fotorreportagem a seguir (figura 3) buscou nos trabalhadores da Serra de Santa Maria do Suaçui, no sertão de Minas Gerais relacionarem o 4 Esse último fotógrafo, conforme Ivete Almeida (2014, p. 33) ex-atuante na Paris Match, trabalhou no departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) no governo Vargas que foi posicionado como “estrela da revista”. Realizou reportagens sobre variados temas atuando na fotorreportagem sobre política, personalidades, religião e realidade brasileira. 25 trabalho e suas mazelas. Ao colocar o sertanejo sobre novas representações, as imagens fugiam da ideia da seca e das imigrações, comuns as identificadas anteriormente. Figura 3. Os operários: homens e mulheres Fonte: Revista O Cruzeiro, 18 de agosto de 1945, p. 12 e 16, ALMEIDA 2014. Essa transformação a partir das imagens foram modificadas com a ajuda de novos elementos, utilizando ideias que não estavam somente associadas aos estereótipos da fome e da seca. Além de retratar a imprensa ilustrada, as fotografias e ilustrações que foram estudadas pelas duas autoras mostraram como foram os processos criar e modificar representações sobre os nordestinos. Ideias foram importantes para identificar como surgiram esses padronização deste povo. 1.2 A REVISTA O CRUZEIRO, MANIFESTAÇÕES POPULARES E MATRIZ AFRICANA A revista ilustrada O Cruzeiro, conforme Jorge Luiz Romanello (2009) “era sem sombras de dúvida um dos mais importantes veículos de comunicação do Brasil alcançando um 26 público alcançava quase quatro milhões de leitores” (p.1). Desde o seu lançamento em 1928, a proposta de um veículo “moderno com um estilo inovador”, enquadrava “perfeitamente com os apelos modernizantes fartamente divulgados na década anterior” (p. 2). As abordagens de temas culturais na O Cruzeiro acontecia desde o início da década de 1940, usando a marca de fotógrafos conceituado do período como Ubiratan Lemos, Luciano Carneiro, Pierre Veger e Jean Manzon. Temáticas que conforme Romanello (2009), os tipos de brasileiros foram caracterizados de forma estereotipado e facilmente reconhecíveis. Para o sertanejo; Unhas sujas e as mãos calejadas apoiadas em um pedaço de pau, denotando uma tarefa árdua, ou pela vestimenta, além de outros traços corporais típicos como no caso do gaúcho, ou ainda as expressões e a integração com o entorno de um porto de pequenas embarcações à vela, um vestido de renda e um cesto na cabeça, que ajudam a caracterizar uma baiana (p. 2). A partir disso, aparece no momento um padrão visual “superficial e fluido” sobre a cultura popular. Ainda foi possível identificar nesse período uma superposição de discursos sobre a nação, alguns deles de vanguarda, outros herdados do ideário nacionalista de Vargas (RAMONELO,2005). Nesse momento, parte das temáticas que utilizavam o Candomblé e a Umbanda, nos anos entre 1940 e 1961, foram temas de pelo menos seis reportagens, entre as quais apresentam matérias ilustradas e fotorreportagens, o que foi bastante significativo se considerarmos que a construção toda de Brasília produziu apenas cinco na Cruzeiro (p.5). Como exemplo, uma produção que ilustrava religiões populares e expressões de matriz africana, a matéria presente na Figura 4, retrava a festa de Boi Bumba. Com um texto de Luiz Alpino e fotografias de Pierre Veger, as imagens estão em primeira instância ao texto que as acompanha estabelece uma relação de colaboração entre os dois. Nota-se que as fotografias estão em posição de destaque, compondo a cena retratada os personagens situam uma proximidade ao elemento espiritual da cena, “o boi” que comunicam com a proposta etnográfica que a produção de Veger5 ressaltava. A imagem maior, na parte direita da reportagem ocupauma página inteira da publicação e representa um homem que pela indumentária funde a figura do “boi”, principal indivíduo da narrativa, misturando o homem ao animal sagrado. 5 Exercendo várias atividades como fotógrafo, jornalista e etnólogo foi um importante intelectual do século XX que se debruçou nos estudos acerca do Candomblé e religiões africanas. 27 Figura 4. Festa de Bumba meu Boi Fonte: Revista O Cruzeiro, 1947. Acervo da Biblioteca Nacional. Sete anos após publicação essa publicação de Pierry Veger, outra publicação apresenta um tom preconceituoso e simplista a Umbanda. Com o título, Máscara da Macumba, e profissionais que buscaram uma narrativa que tentavam retratar “religiões empobrecidas” (CRUZEIRO, 1952), traziam um tom diferenciadas da matéria anterior. As imagens que retratava um ritual de umbanda (figura 5) foram representadas numa como “cômicas” e rudimentares. A personagem principal com um charuto nas mãos e em posição de transe, sua representação polemiza através das expressões faciais carregadas de uma impressão grotescas, que o próprio fez questão de ressaltar. Colocando um médico psiquiatra para analisar as imagens, o texto conta com a intensão de analisar a veracidade dos movimentos professados durante sessões de Umbanda em uma região periférica do Rio de Janeiro no ano de 1951. As fotorreportagens da Cruzeiro nesse tempo destacado, traziam a religiosidade com tema principal que para Ramanello (2009) “recebia enfoques diferenciados que variavam de abordagens antropológicas e objeto de estudos do folclore brasileiro, caso de polícia, objeto de 28 estudos da psicanálise e outros”. Enquanto manifestações da religiosidade popular eram geralmente caracterizadas como parte de uma cultura ingênua ou atrasadas (p.45). Figura 5. Cruzeiro: As máscaras da Macumba Fonte: Revista O Cruzeiro, 13 de setembro de 1952. Coleção Digital da Biblioteca Nacional. As produções sobre essas religiões não se caracterizavam como padrões pela revista. Ora estavam ligados aos desejos intelectualizados de exaltação da cultura nacional, e ora traziam a intensão de sanar a curiosidade de seu público com fotografias e reportagens sensacionalistas 1.3 AS NOIVAS DOS DEUSES SANGUINÁRIOS A publicação intitulada As noivas dos deuses sanguinários publicada em 1951 foi assinada pelo repórter Arlindo Silva, com fotografias de José Araújo Medeiros, retratavam cerimonias de iniciação em um terreiro de Candomblé em Salvador, Bahia. Com 38 fotografias 29 que retratavam a rotina do terreiro no dia do ritual e acompanhada de sacrifícios trazia imagens inéditas para do fotojornalismo brasileiro da época. Conforme o antropólogo Fernando de Tacca em Imagens do sagrado: entre Paris Match e o Cruzeiro (2009) a publicação pretendia opor a outra realizada por um periódico francês do mesmo ano, a revista Paris Match 6. Para o autor as duas publicações romperam com o silêncio acerca desse ritual sagrado, mostrando cenários da religião que caracterizaram um ambiente "preservado de registros fotográficos” (TACCA, 2009). As fotografias deixaram de modo geral encurtar o distanciamento com o qual a sociedade da época olhava para os cultos do candomblé e seus adeptos, e por isso, envolveram uma polêmica disputa por espaço jornalístico, valendo- se, principalmente, do ineditismo das imagens dos rituais secretos de iniciação dos praticantes da religião. Observamos a seguir imagens das duas reportagens: Figura 6. Paris Match: As possuídas da Bahia . Fonte: Paris Match Magazine, n. 112, 12.05.1951 In COSTA e BURGI, 2013. 6Paris Match é o nome de uma revista francesa de atualidades, de periodicidade semanal, fundada em 1949 e célebre pelo seu lema "lepoidsdesmots, lechocdesphotos" ("o peso das palavras, o choque das imagens", em tradução literal). Desde janeiro de 2008 apresenta um outro mote: "a vida é uma história verdadeira", de forma a inscrever o jornal num contato mais pessoal com os leitores. https://pt.wikipedia.org/wiki/Revista https://pt.wikipedia.org/wiki/Lema https://pt.wikipedia.org/wiki/Lema 30 Figura 7. Página inicial de As noivas dos deuses sanguinários Fonte: Revista O Cruzeiro, 15 de setembro de 1951, pp. 12-13. Coleção digital Biblioteca Nacional. Figura 8: Segunda parte de As noivas dos deuses sanguinários Fonte: Revista O Cruzeiro, 15 de setembro de 1951, pp. 14-16. Coleção digital Biblioteca Nacional. 31 Na figura 6 observamos a reportagem francesa, que com imagens em preto e branco, apresentadas como suporte para o texto e ainda colocado em destaque em uma página inteira, a Paris Mach, juntamente ao cineasta e autor das imagens Henri-Georges Clouzot10 buscaram em um estudo nos “ritos fantásticos que assombravam as noites da maior cidade da América do Sul” (TACCA, 2009). Enunciando tal questão, a busca por uma cerimônia “fetichista” típicos de uma visão dada aos países de terceiro, demonstrando uma perspectiva de culto “rudimentar”. Nota-se, que existe uma semelhança com as produções de José Medeiros (figura 7 e 8) para o periódico francês (figura 6). Apesar da maior variedade de imagens da segunda fotorreportagem, com mais detalhes que apontam uma diversidade, as posições dos indivíduos nas duas publicações se assemelham. As imagens das figuras 7 e 8 rementem ao proibido estando ligadas oposição feita com a publicação francesa, um trabalho que se baseava muito mais no furo jornalístico, do que capturar a essência da religião. Isso aponta para um modelo seguido pelo Fotografo José Medeiros que segundo Denise Conceição Camargo: Medeiros, em sua documentação jornalística, contempla apenas pontualmente, uma inserção no ambiente dos terreiros, suficiente para destampar a panela do segredo. Sua profanação do ritual leva a escândalos e descobertas próprias ao contexto-social histórico daquele Brasil, que começava um processo de familiarização e reconhecimento, ainda que velado, de suas próprias origens. Medeiros revela faz despontar a imagem do ritual no interior de um roncó, até então excluído, estigmatizado, “um corpo estranho” na sociedade da época. Ele é um de fora, como a presença de sua fotografia no local. (2010, p. 39) A autora nos informa ainda sobre como entendemos as produções visuais da revista por meio da obra de José Medeiros sobre o Candomblé da Bahia. As percepções que demonstram padrões de uma investigação que se faz muito mais em “descobrir” algo do que apresentar, vislumbram características visuais que representavam sobre a religião esse caráter de proibido. A iniciação no Candomblé, retratada na fotorreportagem corresponde o principal ritual na vida de um integrante na religião. Seu aspecto “escondido” reflete uma especificidade do culto, costume dessa religião, mostrar aquilo que não é permitido, foi uma proposta que trazia intenção de registrar o inovador. Sendo assim, a ideia de “proibido” dessas imagens. 32 Para Fernando de Tacca (2009), o significado que as imagens feitas por José Medeiros na Reportagem foram modificadas por meio da repercussão que as fotografias tiveram naquele do momento. A proposta da produção da matéria veio de uma da insatisfação da publicação da Revista Paris Mach que já havia produzido um material visual. O periódico francês, sofreu grande críticas por ter retratado o Candomblé da Bahia como sensacionalista, um “furo” de reportagem e que trazia uma visão estereotipada da religião no momento. Dessa forma, a intelectualidade no período da divulgação da matéria pela revista, agiu de uma forma refratária à publicação francesa, com duras críticas e depoimentos de rejeição. Um caso citado por Tacca (2009) de Roger Bastide7 que na própria O Cruzeiro, teria escrito um texto de repúdio a publicação. Tal polemica e insatisfação da revista foi às motivações paraescrita das Noivas do Deuses Saguinários que objetiva mostrar um Candomblé do povo brasileiro, elaborada por “brasileiros”. Posteriormente, após a polêmica gerada pela reportagem foi publicado um livro com todas as fotografias feitas por José Medeiros no ano de 1957. No novo lançamento da obra “Candomblé” foi acrescido 22 imagens a mais além das publicadas na revista totalizando assim 60 imagens. A parir deste feito, uma nova interpretação sobre discursões envolvendo essa a reportagem foi revelada. Para Fernando de Tacca (2009), com a publicação do livro; O material fotográfico coletado por José Medeiros transformou-se em conteúdo. De uma primeira publicação marcada pelo fotojornalismo sensacionalista transforma-se em um documento etnográfico na apresentação gráfica e nas marcações das legendas no formato livro. Na primeira versão temos uma profanação do espaço do sagrado, permitindo somente para os iniciados, ao torná-lo visível ao olhar leigo e massificado pela importância da revista O Cruzeiro na opinião pública. Na segunda versão temos as mesmas imagens, mas sem o tratamento sensacionalista, com uma abordagem que transparece uma aparente neutralidade na explicitação visual do ritual, transformando-as em documento etnográfico ou científico, coroando-as com uma nova aura para o sagrado profanado. (2009, p. 43) 7 Roger Bastide foi um sociólogo francês. Em 1938 veio, com outros professores europeus, à recém- criada Universidade de São Paulo para ocupar a cátedra de sociologia. No Brasil, estudou durante muitos anos as religiões afro-brasileiras, tornando-se um iniciado no candomblé da Bahia. Apesar de sua aproximação com as religiões afro-brasileiras, o sociólogo era protestante, sendo membro da Primeira Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo. Uma de suas obras mais importantes é O Candomblé da Bahia, reeditada em 2001 pela editora Companhia das Letras. Outra obra que merece destaque é As Américas negras: as civilizações africanas no Novo Mundo, editada pela EDUSP em 1974. https://pt.wikipedia.org/wiki/Sociologia https://pt.wikipedia.org/wiki/Fran%C3%A7a https://pt.wikipedia.org/wiki/1938 https://pt.wikipedia.org/wiki/Universidade_de_S%C3%A3o_Paulo https://pt.wikipedia.org/wiki/Sociologia https://pt.wikipedia.org/wiki/Brasil https://pt.wikipedia.org/wiki/Religi%C3%B5es_afro-brasileiras https://pt.wikipedia.org/wiki/Iniciado https://pt.wikipedia.org/wiki/Candombl%C3%A9 https://pt.wikipedia.org/wiki/Bahia https://pt.wikipedia.org/wiki/Protestantismo https://pt.wikipedia.org/wiki/Igreja_Presbiteriana_Independente_do_Brasil https://pt.wikipedia.org/wiki/Igreja_Presbiteriana_Independente_do_Brasil https://pt.wikipedia.org/wiki/2001 https://pt.wikipedia.org/wiki/Companhia_das_Letras https://pt.wikipedia.org/wiki/EDUSP https://pt.wikipedia.org/wiki/1974 33 Para além do sensacionalismo proposto no primeiro momento da apresentação das imagens ao material etnográfico, novos sentidos foram construídos para essas fotografias. Como destacado, o periódico ilustrado brasileiro inspirou na produção francesa e principalmente em uma busca autêntica de uma produção nacional e livre de um padrão internacional que criava estereótipos. Mas, como já definido aqui, a produção brasileira e principalmente as fotografias publicadas reforçavam a ideia de diferente e exótico, algo que não tornavas as duas matérias tão distantes, como a O Cruzeiro pretendia no seu início. 1.4 REVISTA ENCONTRO DE MONTES CLAROS A reportagem Nos Terreiros de Umbanda e Candomblé, Mistérios e Pompa dos Ritos Fetichistas publicada no ano de 1964, com textos de Haroldo Lívio e imagens da dupla Waldevino Fátimo de Lima, e Rilson Santos, chama atenção por ter sido amplamente ilustrada, tendo sido publicada com quatorze fotografias em preto e branco, distribuídas em seis páginas que iniciam a quinta edição do periódico ilustrado de Montes Claros. Não obstante, o que se vê aqui em consonância à outras matérias apresentadas nesse estudo, são as diferenças de postura sobre os terreiros representados. Dessa forma, os 13 anos que separam a publicação da Cruzeiro com a Encontro, nos mostram que as representações, nesse meio tempo, foram modificadas. O editor-chefe e criador da revista em Montes Claros Lúcio, Marcos Benquerer11, revelou algumas informações que foram necessárias para contextualizar o periódico em contraste com a imprensa da cidade, naquela época. Sua formação em Economia e Sociologia proporcionou sua ligação com a comunicação e o jornalismo, o que aumentou seu interesse em realizar o projeto da revista ilustrada. Ligado a impressa através do trabalho no Jornal “Montes Claros”, na década de 1950, Benquerer participou, inicialmente, como repórter e redator e, “sua facilidade com as letras” o fez despertar para a área da comunicação. Juntando-se a outros amigos, que estavam imersos nesse ambiente, decidiram trazer para Montes Claros, a “modernidade” que somente uma revista ilustrada descompromissada e com linguagem “mais fácil” poderia fazer. A necessidade de justificar a revista como “moderna” foi uma fala recorrente de Benquerer, que ressaltava a proposta da revista como “inovadora e diferenciada”. 34 Destacando o surgimento da revista ilustrada em consonância com as demais publicações que existiam, percebemos que esse movimento acontece com outras produções nacionais que surgiram a partir uma grande demanda das imagens fotográficas, que somente as produções de revistas ilustradas proporcionaram12. Nesse sentido, a revista Montes Claros em foco produziu um trabalho diferenciado, em atenção à necessidade percebida por seu editor e os outros idealizadores da Encontro. Figura 9. Capa e matéria ilustrada da edição 26 Fonte: Revista Montes Claros em Foco, outubro de 1964. Acervo do Centro Cultural de Montes Claros 35 Figura 10. Capa e matéria ilustrada da edição 26 Fonte: Revista Encontro, agosto de 1964. Acervo particular de Lúcio Benquerer Tanto a Montes Claros em foco, como a Encontro tinham em seu conteúdo as fotografias como um grande destaque que abasteciam suas páginas. Como vemos nas figuras 9 e 10, as publicações obedeciam a estruturas bem semelhante, tanto nas suas capas como nas duas matérias ilustradas que acompanhavam a edição. Cada uma com edições bimestrais que hora se destacavam com produção de matérias ilustradas acerca da realidade de Montes Claros e outras cidades próximas e outros assuntos nacionais. Por meio desse ambiente, o primeiro periódico tem seu início de funcionamento no ano de 1955, já a segunda revista, mais recente em 1961. Sua produção era baixa tiragem sendo a numeração não revelada pelo entrevistado, por ser caracterizada para um público local, sua produção era pequena. ocasionando em uma circulação concentrava apenas em Montes Claros e nas cidades próximas da região Norte de Minas Gerais. As informações contidas na ficha catalográfica da edição estudada, ajudaram a perceber tal dimensão. Em consonância a produção regional da Encontro, as grandes gigantes do ramo nesse período, como as revistas Cruzeiro, Manchete, Belo Horizonte, Alterosa, mantinham 36 divulgação semanal e com alta tiragem. Segundo Catarina Baptista e Karen Abreu, essas revistas abrangiam todo o território brasileiro que tinham produção de 15 mil a 17 mil exemplares vendidos nos anos de 1950 a 1960. Isso nos mostra o quanto, em relação as outras revistas nacionais, a Encontro era uma dimensão local, e artesanal (BAPTISTA e ABREU, 2010) A quinta edição da Encontro, no ano de 1964, foi aqui estudada e observada como o objeto do estudo apresentamos a ficha catalográfica que acompanhava tal lançamento; Figura 11. Equipe técnica Ficha Catalográfica Ano V- N° 20 Edição de agosto-setembro do ano de 1964 Valor Cr $ 200,00 Direção: Konstantin Christoff, LúcioMarcos Benquerer, Waldir Senna Batista Gerentes: Humberto Santos (Montes Claros) e Lúcio Benquerer (Belo Horizonte) Departamento Artístico: José Luiz Paoliello, Konstantin Cristoff Departamento Fotográfico: Arnaldo Caldeira, José Gomes, José Gonçalves e Waldevino Fátimo de Lima Departamento cultural: Haroldo Lívio Departamento social Laercio Pimenta Departamento de esportes: Departamento de esportes: Estanislau Guimarães Departamento de publicidade Departamento de publicidade: Geraldo Edmundo e Paulo Nougueira Redação e Administração Redação e Administração: Rua Dr. Veloso, 675 Fone 606 em Montes Claros Rua Rio Novo, 40- Lagoinha em Belo Horizonte Montagem Edno Gomes Composição e impressão Minas Gráfica Editora, Rua dos tupis, 957 Fone 4-4352-Belo Horizonte. Fonte: Revista Cruzeiro, agosto de 1964, p.2 37 As indicações da quinta edição da revista, nos mostram informações importantes para compreensão de seu funcionamento. As pessoas que estavam a frente da direção de produção do periódico participavam do cotidiano dos setores da imprensa e do ambiente do diretor que foi entrevistado. Conforme Lúcio Benquerer, estavam à frente na idealização do projeto bem como na sua produção: Konstantin Christoff, Waldir Senna Batista e Haroldo Lívio13 . Questionado sobre seus focos de interesse e de relações sociais, Lúcio Benquerer justificou que morava na capital no período que esteve à frente do projeto. Por isso, mantinha dois endereços fixos, e a fabricação era feita na mesma cidade. A sede que pertencia a Montes Claros era mantida para produção do material, das reportagens e funcionava como departamento da administração. Por ser uma revista de variedades, as imagens eram pensadas como foco central na redação, que pensava a publicação a partir de uma certa aproximação com os grandes periódicos ilustrados da época, como O Cruzeiro e a Belo Horizonte. As fotografias intercalavam temas sobre cotidiano, eventos culturais e esportes. No que diz respeito a grande dedicação da revista em colocar sempre as imagens em seu trabalho, existia um departamento específico para isso. Assumia o setor dedicado exclusivamente à fotografia; Arnaldo Caldeira, José Gomes, José Gonçalves e Waldevino Fátimo de Lima. Essa relação era muito intensa, pois o fato de contar com pessoas específicas para produzir esse trabalho fundamental na revista, revelava o cuidado com essa parte. A produção da fotorreportagem no Brasil, a partir dos anos 50, passa a contar com a figura importante do fotógrafo. Segundo Ivete Almeida (2014), ao citar a Cruzeiro, afirma que, a partir do final dos anos 40, as revistas brasileiras começariam a importar menos imagens das centrais de informação estrangeiras e passariam a ter os seus próprios departamentos de imagem. Assim, também em nosso caso, dentre todas as figuras apresentadas, vamos nos dedicar ao fotógrafo e colaborador Waldevino Fátimo. O nosso interesse esteve principalmente dedicado ao seu trabalho com outro profissional, Rilson Santos, pois ambos participaram da matéria “Nos Terreiros de Umbanda e Candomblé - Mistério e Pompa dos Ritos Fetichistas”. Dessa forma, mostraremos a ligação dos dois com a revista e seu trabalho com a fotografia nesse momento. O fotografo Waldevino Fátimo, inspiração de Rilson Santos para sua profissão, além de ser seu cunhado, participou com ele, do trabalho de produção por muito tempo. Para Rilson, sua paixão pela fotografia nasceu devido ao seu contato com as revistas ilustradas, como a O Cruzeiro entre outras. 38 Parte das informações que foram repassadas por Rilson, na sua fala, retratam sua ligação com a fotografia em várias outras áreas desse tipo de atuação. O seu trabalho não era dedicado apenas ao fotojornalismo, mas como fotógrafo que atuava em eventos e atividades em geral. Essa multiplicidade de atuações e necessidades que as atividades vinculadas às imagens tiveram nesse período vem de inúmeros fatores que podemos ligar, como o alto valor do material fotográfico, as produções que era dificultada e as relações com esse profissional ter um vínculo grande. No que diz respeito a sua formação, Rilson indicou que estudou por correspondência14 e que após isso começou acompanhar seu amigo e cunhado em outras atividades que necessitavam de ajuda. A reportagem estudada foi fotografada por de Waldevino Fátimo, que compunha o departamento fotográfico da revista, fazendo outras matérias fotográficas para o periódico. Como destacado, suas atividades não estavam ligadas somente à imprensa, mas mantinham diversos trabalhos de fotografia na cidade. Por isso, a proximidade dos dois fotógrafos com diferentes ambientes e grupos sociais, facilitava na produção de matérias e coberturas de eventos que a revista produzia. Rilson Santos continuou mantendo seu trabalho em outras áreas bem como em jornais e até mesmo na revista Montes Claros em Foco, essa circulação por ambientes diversificados, propiciou o seu repertório visual da cidade, produzindo fotografias que eram inseridas na revista. Uma relação intima entre a imagem fotográfica e imprensa daquela época proporcionando uma ligação com a revista e com os assuntos dedicados a ela. Outro ponto, a respeito da edição estudada, foi à ligação entre o departamento de fotografia que da Encontro com o setor dedicado a cultura. Uma das pessoas que estavam à frente desse departamento e que também foi o redator da reportagem aqui estudada, Haroldo Lívio, mantinha uma relação de proximidade com a temática. Segundo Lúcio Benquerer, o o chefe do setor dedicado a assuntos culturais mantinha uma relação muito próxima com o fotojornalismo e com assuntos da cultura de Montes Claros. Segundo entrevistado, sua formação em sociologia contribuiu para produção de alguns assuntos de manifestações culturais no periódico. Contextualizamos, informamos e procuramos até o momento destacar as relações entre a imprensa, o cotidiano da cidade e como a fotografia passou a ser usado em consonância com a criação e produção da revista Encontro. Portanto, esse ambiente foi necessário para essa produção, e, fez-se necessário esse processo de pesquisa para atendermos nossos objetivos. Conscientes disso, recorreremos a essas descrições ao longo do capítulo. Utilizando as entrevistas que foram produzidas bem como as informações relativas ao periódico. 39 1.5 CANDOMBLÉ E UMBANDA PARA A REVISTA ENCONTRO Na edição cinco da revista Encontro, em seu editorial (p. 6), acompanhamos um resumo do conteúdo da edição e com as chamadas de todas as reportagens da publicação. No resumo da matéria que estudamos está escrito: Haroldo Lívio, recolheu farta documentação sôbre a Macumba em Montes Claros e expôs em interessante reportagem tudo o que acontece “nos Terreiros de Umbanda e Candomblé” Um trabalho jornalístico sério, diferente e resultante de exaustivas pesquisas. Merece ser lido e guardado. É um documentário. (ENCONTRO, agosto de 1964) Nota-se que a ideia de documentário foi a principal ponto que o trabalho enfatiza, ao propor essa ideia, o redator Haroldo Lívio que assinou a matéria buscava “um diferencial para os leitores do boletim”. Essa justificativa inicial foi utilizada para destacar e “preparar” o leitor acerca da temática proposta na matéria que abriria o conteúdo essa edição. Apresentada, nessa chamada inicial como um “trabalho sério” e resultado de “exaustivas pesquisas”, contrastando com um conteúdo com pouca quantidade sobre os terreiros fotografados, diferente do extenso trabalho destacado no editorial. Uma explicação “sutil” das fotografias e textos veiculados. Uma fotografia foi usada para ilustrar a pequena apresentação que diferentemente das outras imagens presentes no corpo da reportagem não contém pessoas em sua composição. Enfeitados de flores e adornos que lembram um altar religiosocatólico, a característica produz uma aproximação coma tradição religiosa comum na região do leitor8. O requinte e luxo dos santos transparece, com vários elementos cautelosos e robustos justificando assim a demonstração de cuidado refinado e bem elaborado, abre visualmente o imaginário acerca da consequente matéria dedicada. 8 Conforme Ênio José da Costa Brito (2016) estudando a folia de reis em Montes Claros, a região é marcada por uma rica cultura que se volta na valorização dessas práticas e que por demonstrar uma fé católica que transmite e transparece nas tradições populares da cidade. 40 Figura 12. Altar com santos da Umbanda Fonte: Revista Encontro, agosto de 1964, p.6. Na Figura 12, vemos Santa Barbara, ou Iansã em um pedestal da Umbanda abaixo aos seus pés, “São Cosme e São Damião” revelam o culto aos erês e crianças, algo muito marcante dentro do culto da Umbanda9. Esse formato proporcionado pela imagem, onde existe uma relação de subordinação e, principalmente de trindade pode ser muito bem destacada pela fé popular que muito perdurava naquele momento estudado. Ao introduzir a matéria, presente na próxima página do trabalho figuras 13 e 14, o texto e as imagens estabelecem uma relação de colaboração tanto as imagens como a descrição do que “acontecimento” que emergiu para produzir um sentido que somado produz uma mensagem específica. Considerando toda a matéria ilustrada, percebemos que a função de amplificação, onde as imagens podem refletir mais do que o texto, mas não contradiz a informação já colocada. O título inicial da primeira página (8) foi destacado na cor alaranjada em uma totalização que remete ao vermelho suave, pois devido à deterioração do material não se sabe se a cor era mais vibrante. Ao lado do grande título, apontamos representado o Cavalo de Ogum Laje 9 As explicações ritualísticas, bem como a definição mais profunda acerca das religiões aqui tratadas, serão aprofundadas no segundo capítulo do trabalho. Portanto, para fins de estudo o Candomblé e a Umbanda aqui, são entendidas como religiões diferentes, mas que estabelecem uma relação por conter elementos semelhantes. 41 Grande, com uma técnica10 onde apenas a imagem aparece recortada e junto ao fundo branco, na mesma cor do nome do texto. Essa imagem ocupa grande parte de toda a página inicial, destacando Orixá representado (Figura 13). Logo depois temos uma imagem no tamanho padrão de todas as fotografias da matéria na casa de Umbanda. Uma pequena chamada acima do título, que está em primeiro plano, pouco perceptivo no contexto geral dessa folha introdutória, está escrito “Documento Folclórico” (Figura 14). A imagem (Figura 14) de um homem com o corpo levemente arqueado, paramentado e com os olhos fechados. Ao lado dessa imagem, o título Nos terreiros de Umbanda e Candomblé estabelece uma relação de complementaridade entre texto e imagem, nos informando que essa imagem do homem, se refere a um personagem – da Umbanda ou do Candomblé. Abaixo do título principal, tem-se um subtítulo em letras menores, “Mistério e Pompa dos Ritos Fetichistas” fazendo a associação da imagem com algo que corresponde a um “mistério” – reforçado pela posição corporal indecifrável e os olhos fechados do personagem. Mas podemos pensar ainda em termos conceituais, em qual sentido de mistério? Também à pompa, que pode ser reforçada pela paramentação do sujeito da imagem. E quanto a ritos fetichistas, nos indica que essa manifestação religiosa não será tratada como religião, mas como rito fetichista. O texto introdutório, marcado pela tonalidade que diferencia da sua chamada da matéria com o decorrer do texto das seis páginas restantes. Pelo tamanho que destinado para a abertura, notamos que o destaque “documental” como foi apresentado inicialmente no editorial pode ser confirmado com as primeiras intensões que o leitor tem ao encontrar essas imagens introdutórias. 10 Essa técnica de tonalidade era utilizada nos tons de vermelho e alaranjado e as demais fotos em preto e branco, pois ainda que já existisse processo de coloração da imagem, muitas das vezes o custo era caro. Por conta da característica artesanal e regional da publicação, uma forma de dar destaque e “modernizar” a suas páginas foi tal questão. 42 Figura 13. Primeiras páginas da reportagem Nos Terreiros de Umbanda e Candomblé Fonte: Revista Encontro, agosto de 1964, p.8. Figura 14. O cavalo de Ogum Laje Grande Fonte: Revista Encontro, agosto de 1964, p. 8. 43 Na Figura 15, visualizamos uma quantidade de pessoas reunidas sobre um círculo compondo uma roda de frente a visualização do leitor. Muito rico de elementos que evocam união dos participantes do ritual. Essa posição escolhida pela ressalta o caráter ritualístico coletivo do Candomblé. Como a legenda “Visitas de Umbanda homenageiam o caboclo, na casa de Oxóssi” estabelecendo uma visão complementação com a imagem. Figura 15. Casa de Oxóssi Fonte: Revista Encontro, agosto de 1964, p. 8. Tornou-se diferenciada, com relação as outras fotografias da matéria, a figura 15 contém maior número de pessoas, ordenadas em plano aberto. O agrupamento reforça o objetivo de identificar essas religiões com características ritualísticas. Após a divisão que a reportagem produziu, diferenciando um espaço específico para a “Linha de Candomblé” (p.8 e 9), o destaque foi destinado a casa de Oxóssi, chefiada pelo Babalorixá Teresino Nery Santana, e após isso, nas páginas subsequentes estão a oferta que abrangeu a “Linha da Umbanda”, do sacerdote José Fernandes Guimarães. Essa separação foi muito importante, provavelmente nas diferenciações entre as duas religiões e os conceitos que os líderes dos dois terreiros tinham diante uma identidade diferente entre suas casas. Posteriormente, esse assunto será abordado com maior clareza, no segundo capítulo do trabalho as duas casas serão caracterizadas com mais aprofundamento. 44 Com relação às diferenças entre as duas religiões, a necessidade desse discurso de diferenciação estivesse ligada à necessidade de romper com a visão de que fossem uma coisa só; algo unificado e relativo aos povos “negros africanos”. Por conseguinte, identificamos também que ao se preocupar em estabelecer uma relação destacada no, as explicações são claras e concisas, não muito aprofundadas. Por isso, te-la dividido em dois blocos, ressaltou ainda mais a ideia de uma divisão que tornavam duas coisas distintas. Essa dissociação destacada pela publicação nem sempre se estabeleceu como marcante ao definir a diferenciação de culto. No ano de 1952, em reportagem da O Cruzeiro, os cultos de Umbanda, Candomblé e Espiritismo se misturavam pelos textos fotojornalísticos do periódico. A matéria da Figura 16 com imagens utilizadas como revelação, intercaladas entre textos de tamanhos médios, apresenta uma composição que define o ritual através do transe e possessão, trazendo a ideia de “desmascarar” o acontecimento. Contudo ao utilizar o termo “macumba” a reportagem unifica os cultos, sem fazer uma diferenciação ou explicação mais detalhada dos eventos que estão sendo retratados, A imagem apresenta o mesmo peso sobre o texto, que associados, apresentam uma relação de Disjunção, pois o interlocutor vê primeiramente a imagem, o texto a coloca como “falso” acontecimento. Ou uma “encenação”. A reportagem da Encontro, produz essa diferenciação ao destacar os dois terreiros que se tratavam de cultos diferentes bem como faz essa explicação no decorrer de sua matéria ilustrada. Observamos diferença nas imagens da revista de Montes Claros que foram veiculadas as posições e até mesmo a claridade que as fotografias foram feitas, além de serem em ambientes diferentes, contem traços e objetivos que não estavam
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