Buscar

Caso Anna O - livro Freud uma leitura atual

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 13 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 13 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 13 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

1
Anna O: primeiro caso, 
revisitado e revisado
Ronald Britton
Se é um mérito ter criado a psicanálise, esse mérito não é meu... Eu era 
estudante e estava me preparando para meus exames finais na época em 
que outro médico vienense, o Dr. Josef Breuer, usou pela primeira vez (em 
1880 -2) esse procedimento com uma jovem que estava sofrendo de histeria... 
a história desse caso e seu tratamento vocês encontrarão narrada em detalhes 
em Estudos sobre a histeria [1895], publicado mais tarde por Breuer e por 
mim. (Freud, 1910, p. 9)
A jovem que Breuer e Freud chamaram de Anna O foi o primeiro estudo de caso 
em sua publicação conjunta de 1895. Freud o utilizou novamente na primei-
ra de suas cinco conferências sobre psicanálise na Clark University, Worcester, 
Massachusetts, em 1909. Cinco anos depois, ao escrever “Sobre a história do mo-
vimento psicanalítico”, Freud começou novamente com Anna O, só que dessa vez 
ele deixou claro que a história da doença e do tratamento de Anna O pertencia 
a Breuer, mas que as conclusões tiradas do caso que levaram à psicanálise eram 
dele, Freud.
Parece haver algo tão básico nesse caso que prende a atenção de gerações 
posteriores de analistas. Michael Balint, por exemplo, recorre ao caso de Anna O 
para descrever a regressão maligna (Balint, 1968, p. 139 -47). Freud, obviamente, 
revisitou muitas vezes esse caso em sua mente quando pensava em suas teorias 
e comentou, 20 anos depois, que quem lê o relato de Breuer “percebe imedia-
tamente o simbolismo sexual que há nele e um protótipo completo do que hoje 
chamamos de ‘transferência’” (Freud, 1914, p. 12). Houve duas outras mudanças 
importantes nas teorias de Freud 20 anos depois de Estudos sobre a histeria. Na 
época, ele relacionara todos os fenômenos histéricos a uma cena lembrada, um 
trauma. Após 20 anos, escreveu:
Se os sujeitos histéricos ligarem seus sintomas a traumas que são fictícios, 
o novo fato que emerge é precisamente o de que eles criaram tais cenas na 
fantasia, e essa realidade psíquica precisa ser levada em conta juntamente 
com a realidade prática. (Freud, 1914, p. 17 -18)
Perelberg.indd 38 21/7/2011 10:36:17
Freud: uma leitura atual 39
Outra descoberta realizada após 1895 foi a da ubiquidade da sexualidade 
infantil e, também, a de que uma disposição herdada por alguns indivíduos tor-
nava traumáticas experiências desenvolvimentais comuns (ibid., p. 18). Então, 
duas pedras fundamentais da psicanálise, a realidade psíquica e a sexualidade 
infantil, foram descobertas depois dos primeiros relatos sobre a histeria, e ambas 
podem ser encontradas em um reexame do caso de Anna O. Quando examinamos 
o relato de Breuer pelos olhos da análise moderna, vemos algo muito diferente 
do que ele viu, mas também reconhecemos sua trajetória, porque os fenômenos 
continuam os mesmos e porque sua cuidadosa narrativa nos permite examiná -lo 
independentemente de suas conclusões.
Então, ao revisitar o caso, seremos capazes de entendê -lo melhor? Nós te-
mos duas vantagens em relação aos primeiros leitores do texto: uma, obviamente, 
é o maior desenvolvimento das ideias psicanalíticas nos últimos anos; outra é o 
maior conhecimento que temos sobre o caso real. Quanto mais sabemos sobre o 
que não foi revelado sobre esse tratamento no livro, mais claro fica quanto ele 
influenciou Freud nos últimos anos. A história, como era conhecida por Freud, 
não é narrada inteiramente no estudo de caso de Breuer sobre Anna O. O que 
sabemos sobre ele agora faz mais sentido em termos da psicanálise moderna. Eu 
gostaria de enfatizar que os detalhes que não foram incluídos no relato de Breuer 
eram conhecidos por Freud, e ele sabia o que aconteceu depois na vida de Bertha 
Pappenheim, pois sua esposa era amiga dela. Na época de sua publicação conjun-
ta, em 1895, 13 anos depois do final do tratamento, tanto Breuer quanto Freud 
sabiam que ela estava razoavelmente bem e morando em Frankfurt.
Em novembro de 1882, Freud, um médico recém -formado de 26 anos, ouviu 
de Breuer detalhes clínicos desse caso, cinco meses depois do final do tratamento. 
Se esse tivesse permanecido seu único conhecimento do caso, teria lhe fornecido 
o material necessário para suas primeiras teorias da vida mental inconsciente, 
repressão e conversão. Entretanto, nós agora sabemos que em uma noite quente 
de verão em 1883, enquanto Breuer e Freud jantavam sozinhos descansadamen-
te, Breuer fez a ele um outro relato sobre o caso, bem mais informal, relaxado 
e íntimo. Isso revelou o psicodrama erótico que se desenrolou no tratamento e, 
possivelmente, deu a Freud o material bruto para suas teorias sobre o complexo 
de Édipo, identificação, transferência, contratransferência, compulsão à repetição 
e atuação. Na parte do resumo de Estudos sobre a histeria, Freud faz sua primeira 
declaração sobre o fenômeno psicanalítico da “transferência” (Überträgung): “a 
paciente fica assustada ao descobrir que está transferindo para a figura do médi-
co as ideias perturbadoras que surgem do conteúdo da análise” (Freud, 1895, p. 
302). Nessa passagem, ele não faz nenhuma referência ao tratamento de Anna O, 
mas agora está claro que isso estava em seu pensamento. Infelizmente, isso não 
deu a Breuer nenhum insight, pois ele parece ter ficado muito traumatizado pela 
experiência e não foi capaz de tirar proveito dela. Em uma carta escrita em 1907, 
Breuer explicou por que, depois de Anna O, ele não prosseguiu com o método 
analítico em casos de neurose e os encaminhou a Freud:
Naquela época, aprendi muito – muitas coisas de valor científico, mas também 
a lição prática importante de que é impossível para um “clínico geral” tratar 
um caso desses sem que a sua atividade e a condução da sua vida sejam 
Perelberg.indd 39 21/7/2011 10:36:17
40 Rosine Jozef Perelberg & Cols.
completamente arruinadas. Eu jurei, na época, jamais me submeter de novo 
a tal provação. (Grubrich -Simitis, 1997, p. 26 -7)
Mesmo 13 anos depois do tratamento, quando o relato foi publicado em 
1895, todos os detalhes do caso parecem estar profundamente impregnados da 
importância da transferência e contratransferência. Até a escolha de Anna como 
um nome fictício para Bertha Pappenheim parece especialmente significativa. 
Nesse mesmo ano, 1895, Freud deu à sua filha mais jovem o mesmo nome. Didier 
Anzieu (1986, p. 13) conjetura que Anna Lichtheim, uma viúva, não é apenas a 
doadora desse nome tanto para Anna Freud quando para Anna O, mas também a 
paciente que Freud disfarçou como “Irma” em seu famoso sonho da injeção “de 
Irma”. Elisabeth Young -Bruehl, em sua biografia de Anna Freud, acredita que a 
figura “Irma” é uma condensação de Anna Lichtheim e Emma Eckstein, a paciente 
cuja condição iatrogênica Freud quase ignorou fatalmente por idealizar Fleiss, 
que deixara um curativo cirúrgico no nariz da paciente (Young -Bruehl, 1988). Se 
for verdade, a presença “de Irma” no sonho de Freud representa uma atração se-
xual contratransferencial, conduta médica inadequada, e desilusão com seus co-
legas idealizados e a gravidez da própria esposa. Todos esses elementos estavam 
presentes no tratamento de Breuer dado a Anna O, e eram conhecidos por Freud 
na época; ele também conhecia a transferência erótica a partir do próprio traba-
lho e a importância da contratransferência erótica a partir da sua autoanálise. 
Mais tarde, Freud confidenciou a Karl Abraham associações livres não reveladas 
relativas ao seu sonho da injeção de Irma, e a sua interpretação desse sonho. Ele 
escreveu: “Por trás do sonho, esconde -se a megalomania sexual, as três mulheres, 
Mathilde, Sophie e Anna, são as madrinhas da minha filha, e eu as tenho todas!” 
(Abraham e Freud, 1965, p. 29). Freud não permitiu que esse conhecimento ín-
timo e não revelado se tornasse uma fonte de inibição, como foi para o infeliz 
Breuer, transformando -o em um grande insight e na base da evolução contínua de 
suas ideias sobre transferência e contratransferência:
O fato do surgimento da transferênciaem sua forma cruamente sexual, quer 
afetuosa quer hostil, em qualquer tratamento de uma neurose, embora isso 
não seja nem desejado nem induzido pelo médico ou pela paciente, sempre 
me pareceu a prova mais irrefutável de que a fonte das forças impulsionado-
ras da neurose está na vida sexual... Quanto a mim, esse continuou sendo o 
argumento decisivo, além dos achados mais específicos do trabalho analítico. 
(Freud, 1914, p. 12)
O fato de Freud jamais ter tornado pública essa informação significa que 
algumas das fontes mais cruciais de suas convicções permaneceram secretas. Ele, 
privadamente, divulgou detalhes secretos do caso Breuer -Pappenheim a Ernest 
Jones, que os incluiu em sua biografia de Freud (Jones, 1953, vol. 1, 246 -8). 
Entretanto, em um detalhe crucial Jones lembrou erradamente a história: o mo-
mento da gravidez da esposa de Breuer. A concepção dessa criança não se seguiu 
ao final do tratamento de Bertha Pappenheim, como Jones escreveu, mas aconte-
ceu durante o tratamento (Ellenberger, 1993, p. 264). A criança nasceu em 11 de 
março de 1882, quando Anna O ainda estava em tratamento. O bebê se chamou 
Perelberg.indd 40 21/7/2011 10:36:17
Freud: uma leitura atual 41
Dora, outro nome que seria tomado emprestado para um caso psicanalítico clás-
sico. Conforme sugiro mais adiante neste capítulo, essa correção do momento da 
gravidez (uma gravidez da qual Bertha Pappenheim tomaria conhecimento) nos 
permite compreender melhor o caso.
Será que podemos, cem anos depois, ler sobre esse caso primordial e dele 
tirar alguma outra coisa ou lhe acrescentar algo? Eu acho que sim e gostaria de 
usar a psicoterapia de Bertha Pappenheim para sugerir que um aspecto central da 
histeria é o uso da identificação projetiva pelo sujeito para se tornar, na fantasia, 
um ou outro ou ambos os membros do casal primário.
Essa identificação fantasiada, quando encenada na vida cotidiana ou na 
análise, cria um drama erótico, ou investe os eventos cotidianos de uma resso-
nância erótica. Ela dá à sexualidade da histérica uma qualidade teatral. Freud 
escreveu que “estar presente, como um espectador interessado, em uma... peça 
(Schauspiel) faz para o adulto o que o brincar faz para a criança, cuja esperança 
hesitante de ser capaz de fazer o que as pessoas adultas fazem é assim gratifica-
da” (Freud, 1905, p. 305). Melanie Klein, comentando sobre a análise infantil, 
explicou melhor aquilo que “as pessoas adultas fazem” que é tão desejado. Ela 
escreveu: “Em vários casos ficou claro que aqueles teatros... [e]... desempenho... 
representam o coito parental – o escutar e o olhar representam a observação de 
fato ou na fantasia” (Klein, 1923, p. 101 -2). Eu sugiro que na histeria a paciente, 
como algumas das crianças de Klein na sala de brincar, prepara o cenário para se 
tornar um dos personagens por uma fantasia de identificação projetiva.
Antes de levar isso adiante, eu gostaria de revisar a história de Bertha 
Pappenheim.1 Em Frankfurt, há um museu dedicado à Bertha Pappenheim, lo-
calizado na casa onde ela criara uma creche residencial e uma escola de assis-
tência social. Inspirada por A vindication of the rights of woman, da inglesa Mary 
Wollstonecraft, ela também criou uma organização feminista judaica, em 1904. 
Hoje, Bertha Pappenheim é vista na Alemanha como uma grande inovadora no 
atendimento infantil e como uma heroína que trouxe da Rússia, pessoalmente, 
mais de cem crianças que haviam ficado órfãs em massacres de judeus. Ela era 
a diretora, um tanto autoritária, mas cheia de energia e eficiência, do lar para 
crianças onde empregou sua mãe como cozinheira. Essa sublimação parece tê -la 
deixado livre de sintomas, mas sem vida sexual e determinada a proteger da psi-
canálise seus tutelados e pupilos. Logo antes de morrer, em 1936, ela comentou: 
“se existir justiça, na próxima vida as mulheres farão as leis e os homens terão os 
filhos”. Ela morreu em 1936, aos 77 anos.
Como Anna O, o então famoso caso de histeria em Viena, ela se tornou pa-
ciente em 1880. Tinha na época 21 anos, era inteligente e atraente, mas nunca 
tivera nenhum relacionamento romântico nem, segundo Breuer, qualquer pensa-
mento sexual. Era de uma família judia ortodoxa rica, bem relacionada, bem in-
tegrada na cultura alemã. Tinha uma irmã 10 anos mais velha, que havia morrido 
na adolescência, e um irmão vivo 16 meses mais moço. Sua relação com a mãe 
era descrita como muito difícil e com o pai havia um apego mútuo muito forte. 
Breuer a descreveu como adita a devaneios secretos, que ela chamava de seu “te-
atro particular”. Era uma adolescente antirreligiosa difícil que adorava “o teatro”. 
Além de alemão, Anna O falava inglês, francês e italiano. Não consegui descobrir 
se ela teve, quando pequena, alguma babá ou governanta inglesa. A razão pela 
Perelberg.indd 41 21/7/2011 10:36:17
42 Rosine Jozef Perelberg & Cols.
qual estou inclinado a especular sobre uma inglesa como babá, governanta ou 
mesmo amante de seu pai, é a importância central em sua história do uso do 
inglês quando ela perdeu a capacidade de falar alemão.
Agora contarei a história de seu tratamento a partir da entrada de Breuer 
no caso. Por algum tempo, previamente, ela sofrera de neuralgia facial atípica. Ele 
a atendeu em novembro de 1880, quando ela apresentou uma “tosse histérica” 
intensa ao cuidar do pai doente, que estava com infecção no peito. Em julho da-
quele ano, o pai de Anna O ficara gravemente doente e ela começara a dividir os 
cuidados de enfermagem com a mãe; isso significava que ela passava as noites ao 
lado da cama dele, no quarto dos pais, e as tardes descansando em seu próprio 
quarto. Ela não fazia nada além de cuidar do pai à noite, descansar à tarde e cair 
em um estado de transe à noitinha. Durante esse período, ela foi ficando cada vez 
mais fraca e desenvolveu anorexia.
A tosse severa que apresentava fez com que o Dr. Breuer fosse chamado pela 
família. Seus deveres como enfermeira foram interrompidos, e ela acabou sendo 
banida do quarto do doente, mas não está claro quem instigou isso. O que está 
claro é que sua mãe e seu irmão não a deixaram mais cuidar do pai e, mais tarde, 
a proibiram de entrar no quarto. As coisas pioraram rapidamente depois que ela 
foi banida e, em dezembro, ficou de cama e apresentou estrabismo, várias para-
lisias e perdeu a capacidade de falar normalmente. Breuer, no início, explorou 
seus sintomas e sinais de um ponto de vista neurológico, mas acabou concluindo 
que não havia base anatômica para eles. O quadro clínico, na época, parecia 
a imitação histérica de um acidente vascular cerebral, um derrame. Enquanto 
isso, estabeleceram -se dois “estados de consciência inteiramente distintos” que 
exigiram de Breuer uma grande e cuidadosa atenção. Em um deles ela era “me-
lancólica e ansiosa, mas relativamente normal”; no outro, “tinha alucinações e 
era maliciosa”. Quando sua mente estava clara, Bertha falava de uma “escuridão 
profunda” em sua cabeça, de não ser capaz de pensar, de ficar cega e surda, de 
ter dois selves, um real e um maligno que a obrigava a se comportar mal. Seu 
humor também oscilava da alegria à oposição obstinada, profunda ansiedade e 
alucinações assustadoras de cobras negras. À noite, ela se esgueirava para fora da 
cama e ia até o quarto dos pais. Em uma ocasião, seu irmão a pegou escutando 
à porta e a sacudiu, zangado. Subsequentemente, ela ligou esse episódio a uma 
intermitente surdez histérica.
O atento interesse de Breuer por seus sintomas passou do exame de seus 
membros para uma análise de suas dificuldades de fala. Ela falava inicialmente em 
um alemão incorreto telegramático, passando depois para uma fala quase incom-
preensível composta por quatro ou cinco línguas. Breuer investigou isso, paciente-
mente, como um mistério linguístico, mas passou para um terreno mais psicológico 
quando ela ficou completamente muda por duas semanas. Breuer fez o que foi, 
provavelmente, sua primeira interpretação. Ele vinculou oseu silêncio a um senti-
mento de mágoa e raiva por algo que o pai dissera e que a ofendera. Isso produziu 
uma melhora extraordinária em seus sintomas pseudoneurológicos e uma mudança 
no uso da linguagem. Ela agora só falava inglês, o que significava que Breuer a com-
preendia, mas sua enfermeira não. Seu estrabismo desapareceu, e agora ela conse-
guia sustentar a cabeça. Um mês mais tarde, em 1o de abril de 1881, ela levantou -se 
da cama pela primeira vez. Então, como diz Breuer, “em 5 de abril, seu adorado pai 
Perelberg.indd 42 21/7/2011 10:36:17
Freud: uma leitura atual 43
morreu” (Breuer, 1895, p. 25). Ela não o vira por algum tempo e a deterioração 
de sua condição fora escondida dela.
Sua reação foi violenta e furiosa, especialmente em relação à mãe. Depois, 
ela ficou letárgica por dois dias. Seguindo -se a isso, a presença da mãe ou do 
irmão provocava um estado de extrema perturbação. Fora Breuer, ela não con-
seguia reconhecer as pessoas e às vezes nem as enxergava. O único momento 
em que estava consciente era quando estava com Breuer, que também se tornou 
a única pessoa que podia alimentá -la. Nessa época, eles estabeleceram o padrão 
que persistiu, de uma maneira ou outra, durante todo o tratamento. Ela ficava 
sonolenta à tarde, dormia profundamente à tardinha e depois passava horas “fa-
lando abertamente” com Breuer e acabava ficando “calma e alegre” (ibid. p. 27).
Essa rápida melhora, ou cura transferencial como poderíamos descrevê -la 
agora, foi interrompida quando Breuer lhe apresentou um outro médico antes 
de se ausentar por “vários dias”. Anna O não enxergou nem reconheceu a exis-
tência do outro médico; Breuer descreveu isso como uma de suas “alucinações 
negativas”; o médico era Richard von Kraft -Ebbing (Ellenburger, 1993, p. 267), o 
famoso psiquiatra. O divertido intercâmbio com Breuer, que a fazia ler um texto 
em francês e em inglês em voz alta, foi interrompido por Kraft -Ebbing, que pôs 
fogo em um papel e soprou fumaça em seu rosto. Ela saiu correndo para a porta 
para pegar a chave e, depois de cair inconsciente, teve um “breve ataque de raiva 
e profunda ansiedade”.
Ao voltar de suas curtas férias, Breuer encontrou -a bem pior. Ela estava com-
pletamente anoréxica. Suas “ausências alucinatórias” encenadas, que previamente 
haviam sido “composições poéticas livremente criadas”, eram agora alucinações 
terroríficas de “cabeças de morte”. Mas isso mudou quando Breuer retomou as ses-
sões com ela. Agora o padrão era de alucinações durante o dia, sonolência à tarde 
e o que ela chamava de “nuvens” e Breuer chamava de auto -hipnose. Durante este 
último estado, ela narrava a Breuer o conteúdo de suas alucinações diárias, depois 
do que, lúcida e alegre, escrevia ou desenhava até muito tarde da noite.
Segundo Freud, Mathilde Breuer ficou enciumada e zangada com o tem-
po que o marido passava com a paciente ou falando sobre ela. As tentativas de 
Breuer de ficar menos tempo com ela podem ter influenciado os eventos que o le-
varam a hospitalizar Anna O novamente, contra a vontade dela, em 7 de junho de 
1881. Ela ficava intermitentemente suicida durante o dia, quando ele não estava 
presente. Foi hospitalizada em uma casa de campo do Inzerdorf Sanatorium, fora 
de Viena, “sem mentiras, mas pela força”. Breuer a visitava a cada três dias para o 
que ela agora chamava de “cura pela fala” ou “limpeza da chaminé” (Ellenburger, 
1993, p. 268). O double entendre desta última expressão, limpeza da chaminé, 
assim como o restante do simbolismo sexual, não foi percebido por Breuer, mas 
Freud ficou sabendo da gravidez e trabalho de parto histéricos subsequentes, e 
isso não escapou à sua atenção.
No sanatório, ela ficou sob os cuidados do Dr. Hermann Breslauer que, dife-
rentemente de Breuer, não tinha como entrar em contato com ela ou influenciá -la 
e recorria a medicações, das quais ela acabou se tornando dependente. Assim que 
foi internada, não comeu nem dormiu por 3 dias, fez numerosas tentativas de sui-
cídio, quebrou janelas e alucinou. Quando a visitava, Breuer conseguia transfor-
mar seu estado mental escutando suas histórias. Para ser reconhecido, ele tinha 
Perelberg.indd 43 21/7/2011 10:36:18
44 Rosine Jozef Perelberg & Cols.
de pegar as mãos dela e convencê -la a contar histórias para ele, falando no início 
em inglês, de maneira estereotipada (ibid.).
O padrão do comportamento de Anna O estava agora ainda mais claramente 
ligado a Breuer. Ele descreveu isso da seguinte forma: “Eu costumava visitá -la no 
início da noite, quando sabia que a encontraria em hipnose, e então a aliviava de 
todo o estoque de produtos imaginativos que ela acumulara desde a minha última 
visita”. Seguindo -se a isso, ela ficava calma e alegre, mas ia se tornando mal-
-humorada e difícil até a próxima visita. Breuer estava convencido de que isso se 
devia simplesmente a “produtos imaginativos” acumulados que só ele sabia como 
liberar. Posteriormente, isso foi transformado em sua teoria da catarse.
Em agosto, enquanto ela ainda estava no sanatório, ele saiu em férias por 
cinco semanas. Ao voltar desse “intervalo”, encontrou -a em uma condição lasti-
mável: inerte, maliciosa, intratável. Para Breuer, isso foi a confirmação de que ela 
sofria de “complexos ideacionais” acumulados, que eram aliviados pela expressão 
verbal tanto na hipnose induzida quanto na auto -hipnose. Ele resolveu o proble-
ma levando -a de volta para Viena por uma semana e fazendo uma sessão todos os 
dias no início da noite. Depois disso, foi retomado o ritmo anterior no sanatório.
Ela voltou a Viena consideravelmente melhorada no outono de 1881. Sua 
melhora regular se manteve até dezembro de 1881, quando seu estado começou 
a deteriorar nitidamente, o que a tornou novamente melancólica e irritável. Teve 
início uma nova fase em sua condição: ela agora apresentava estados mentais al-
ternados todos os dias. Em um desses estados, embora fosse o inverno de 1881/2, 
“ela vivia no inverno de 1880/1”. Isso começou no aniversário do dia em que 
fora proibida de ver o pai. Ela compartilhava com Breuer esse inverno revivido. 
Ele agora a atendia duas vezes ao dia, a fim de aliviá -la ou com a auto -hipnose 
dela ou induzindo hipnose, para que ela pudesse relembrar suas impressões do 
ano anterior. Elas incluíam as circunstâncias da morte do pai, mas se centravam 
principalmente “nos eventos e tormentos de 1881” que envolviam Breuer (Breuer, 
1895, II, p. 33).
Não podemos esquecer, ao ler o relato de 1895, que ele foi escrito por Breuer 
12 anos após o final do tratamento, quando ele sabia que ela havia se recuperado. 
Um ano depois do término do tratamento, ele, assim como a ex -paciente, ainda 
sofria. Breuer “confidenciou a Freud que ela estava extremamente perturbada, 
que ele gostaria que ela morresse para se libertar de seu sofrimento” (Jones, 
1953, p. 247).
Breuer comenta, várias vezes, que, quando ele está presente, ela fica eufó-
rica e, quando não está, ela fica ansiosa; sempre que ele vai embora, seu estado 
deteriora nitidamente. Sua solução de vê -la todos os dias acaba se transforman-
do em duas sessões por dia, mas, mesmo em retrospecto, Breuer não relaciona 
os estados mentais de Bertha ao seu apego a ele. Freud, claramente, viu isso 
de outro modo. Quando, na contribuição final para Estudos sobre a histeria, ele 
enuncia pela primeira vez seu conceito de transferência, faz isso sem citar seu 
exemplo mais óbvio, Anna O (1910, p. 302). Para continuar de acordo com a 
teoria de Breuer, ele até aceitou Anna O como exemplo de algo que ele nos diz 
jamais ter encontrado pessoalmente, isto é, um caso de “histeria hipnoide”. Freud 
 acrescentou: “Todos [desses casos] que atendi se transformaram em uma histeria 
de defesa”.
Perelberg.indd 44 21/7/2011 10:36:18
Freud: uma leitura atual 45
Com as informações mais recentes de Ellenberger, podemos chamar a aten-
ção para um evento paralelo que foi obscurecido quando Ernest Jones entendeu 
mal a sequênciados eventos contados a ele por Freud. Como disse anteriormente, 
Frau Breuer ficara zangada e impaciente com o envolvimento de Breuer com a 
paciente, e sugeri que a hospitalização de Anna O em 7 de junho de 1881 foi uma 
consequência da insistência de Frau Breuer de que o marido passasse mais tempo 
com ela. Eles saíram por alguns dias e, durante aquele mês, sua filha foi concebi-
da. Anna O era íntima do círculo de Breuer e teria descoberto a existência dessa 
gravidez, provavelmente algum tempo depois de seu retorno do hospital para 
uma nova casa em Viena, no outono de 1881. A filha de Breuer nasceu em março 
de 1882, enquanto Anna O ainda estava em tratamento.
Foi nesse contexto que Anna O obliterou o presente em seus estados histéri-
cos e voltou a viver no ano anterior em seus devaneios. Ela se comportava, em seu 
novo quarto, como se estivesse no antigo. Na quente primavera de 1882, quando 
a filha de Breuer era um bebê e presumivelmente estava sendo amamentada pela 
mãe, Anna O apresentou um novo sintoma: “ela, subitamente, não conseguiu 
mais beber nada” (Breuer, 1895, p. 34). Ela não ingeria nada líquido e sobreviveu 
à base de frutas como melão nas seis semanas em que durou o sintoma, antes de 
ser aliviado por uma reminiscência durante a hipnose:
Ela se queixou de sua dama de companhia inglesa, de quem não gostava, e 
passou a descrever, com todos os sinais de nojo, como entrara uma vez no 
quarto daquela senhora e vira seu cachorrinho – uma criatura horrorosa! – 
bebendo em um copo. (ibid. p. 34)
Esse episódio foi muito destacado por Breuer por ser o protótipo de seu 
novo método de ligar sintomas a eventos “traumáticos” específicos relembrados. 
Quando “relembrou” esse episódio com raiva e nojo, sua fobia de beber desapa-
receu. Do nosso vantajoso ponto de vista psicanalítico, não seria excesso de ima-
ginação reinterpretar essa fobia de beber como uma reação a suas fantasias com 
Frau Breuer, a esposa quase inglesa de seu médico, dando de beber ao bebê em 
seu seio. Aos 16 meses, ainda um bebê, ela provavelmente assistira à amamenta-
ção de seu irmãozinho recém -nascido.
Em suas duas visitas diárias, Breuer agora a convidava a contar a ele a ori-
gem de cada sintoma ou mudança de humor em alguma lembrança, ou fantasia, 
do passado. Em seu relato original de 1882 (Ellenberger, 1993, p. 268), ele cha-
mou essas lembranças do passado de caprichos. Assim, juntos, Anna O e Breuer 
inventaram a teoria da catarse e todos os seus sintomas desapareceram.
Em algum momento, ela decidiu que seu tratamento deveria terminar exa-
tamente em 7 de junho de 1882, que era o aniversário de seu ingresso no sana-
tório. Eu acho que Anna O acreditava que esse era o momento em que os Breuer 
tinham concebido o novo bebê. Foi assim que o caso atingiu seu dénouement, 
ou melhor, seu duplo dénouement: o primeiro clímax foi narrado novamente por 
Breuer no estudo de caso publicado; o segundo clímax, ou anticlímax, foi o que 
ele confidenciou a Freud no verão de 1883.
A cena final do tratamento oficial aconteceu, conforme o programado, em 
7 de junho de 1882. Anna O reorganizou seu quarto para que se assemelhasse 
Perelberg.indd 45 21/7/2011 10:36:18
46 Rosine Jozef Perelberg & Cols.
ao quarto do pai durante sua doença terminal. Então, ela encenou a alucinação 
terrorífica que acreditava ter sido o início de sua doença no outono de 1880. 
Sentada junto à cama dele, ela viu uma cobra negra vindo em direção ao pai para 
mordê -lo e tentou afastá -la. Seu braço ficou paralisado e, quando olhou para a 
sua mão, os dedos se transformaram em pequenas cobras com cabeças de morte 
nas extremidades. Quando a cobra desapareceu, ela estava aterrorizada e tentou 
rezar, mas sua linguagem falhou até ela lembrar alguns versos infantis em inglês, 
que recitou. No dia seguinte a essa alucinação, um ramo torto de árvore a fez 
lembrar da cobra e seu braço direito logo se esticou rigidamente. Essa recordação 
explicava seus sintomas subsequentes de acordo com a nova teoria do trauma de 
Breuer e parecia confirmar seu conceito conjuntamente inspirado de catarse ou 
“limpeza da chaminé”.
Depois de representar essa cena para Breuer em 7 de junho de 1882, ela 
conseguiu falar novamente em alemão e ficou livre de suas “inumeráveis per-
turbações” (ibid. p. 40). Este é o fim da história oficial. O segundo dénouement, 
descrito a Freud no verão de 1883, ele contou a Jones e também em uma carta 
a Stefan Zweig. Depois de atender Anna O pela última vez, Breuer foi chama-
do novamente e a encontrou confusa e contorcendo -se com cólicas abdominais. 
Questionada sobre qual era o problema, ela respondeu: “Agora vai nascer o bebê 
do Dr. B.”. Freud comentou que “naquele momento Breuer segurava uma chave 
na mão e a deixou cair”. Devidamente horrorizado, ele fugiu e deixou a paciente 
com um colega (Gay, 1988, p. 66 -7).
Na verdade, Breuer a hospitalizou no Bellevue Sanatorium, Kreuzlingen, 
perto do lago Constância, onde ela permaneceu até outubro de 1882. Houve algu-
mas outras hospitalizações breves antes que a mãe a levasse para morar com ela 
em sua cidade natal, Frankfurt, onde ela ficou e continuou bem.
DISCuSSãO DO CASO DE AnnA O
Eu gostaria agora de falar sobre o caso conforme o imagino. Em um artigo sobre 
“Realidade e irrealidade na fantasia e na ficção”, sugeri que, para “imaginar coi-
sas”, nós precisamos de um espaço mental fantasiado em que esses eventos pos-
sam acontecer (Britton, 1995, p. 120 -7). Em linguagem comum chamamos isso 
de “nossa imaginação”. Eu equiparo esse espaço fantasiado ao que chamei de “o 
outro quarto” e sugeri que originalmente esse era o lugar em que o objeto primário 
continuava existindo quando fisicamente ausente. Como um objeto não pode ser 
“imaginado” como existindo exceto em relação a outro objeto, esse era o setting da 
cena primária invisível da infância.
Os quartos das outras pessoas e “outros quartos” desempenham um papel 
significativo no caso de Anna O. A história começa no quarto do pai, e ser excluída 
dele a fez adoecer. Se eu fosse esquematizar o caso de Anna O nesses termos, o 
 veria começando no quarto parental com sua tosse, anorexia e progressiva fra-
queza. Uma união mortal, por identificação, com o pai moribundo. Sua tosse es-
tava associada à música de dança escutada ao lado da cama e, subsequentemente, 
era provocada por música rítmica. A alucinação da cobra negra entendo como a 
Perelberg.indd 46 21/7/2011 10:36:18
Freud: uma leitura atual 47
morte por intercurso sexual e seus dedos com cabeça de morte como uma forma 
mortal de masturbação. Isso foi interrompido quando ela foi afastada do pai e 
do quarto parental. Sua subsequente paralisia expressava a falta de capacidade 
locomotora do bebê, e o caos de seus movimentos e as contraturas de membros 
rígidos, uma caricatura de um casal primário em relação sexual. Sua fala espelha-
va o movimento de seus membros: infantil, deslocada e polissilábica.
A essa altura, o desenvolvimento da transferência modificou a situação. 
Então Breuer se tornou seu parceiro em um intercurso simbólico maniacamente 
reparador, enquanto a mãe e o irmão se tornaram o casal transferencial mau, 
que ela finalmente aniquilou pela alucinação negativa. Agora parecia que Breuer 
e Anna O eram os ocupantes de um “outro quarto” imaginário, com o casal 
 primário contando “histórias de fadas”. Esse período sereno foi encerrado pela 
ameaça da partida dele e a introdução de uma terceira pessoa na situação, o Dr. 
Kraft -Ebbing.
Breuer e sua paciente se esforçaram para reinstalar o equilíbrio anterior, mas 
o perderam novamente com o intervalo de cinco semanas no verão. Novamente 
em Viena, mas em uma nova casa, Anna O e Breuer restabeleceram sua parceria, 
mas agora o relacionamento ilusório de Anna exigia duas visitas prolongadas 
todos os dias. O relacionamento agora precisava lidar com uma nova circunstân-
cia: a gravidez da esposa de Breuer e o nascimento de sua filha. Anna O, então, 
aniquilou o ano anteriorao retornar ao seu relacionamento prévio com Breuer e 
ao insistir em que estava em seu antigo quarto com ele. O clímax, no aniversário 
do que Anna O imaginava ser a data da concepção do bebê dos Breuer, foi a re-
criação, encenada por Anna O em sua cópia do quarto do pai, da alucinação que 
deu origem à sua doença histérica. Um desempenho que uniu o casal em sexo e 
morte; o pênis negro do pai envenenando seu possuidor e os dedos de cabeça 
de morte declarando a morte dela pela fantasia masturbatória. Ela salvou a si 
mesma ao dizer os versos da hora de dormir de sua infância, colocando -se assim 
em seu próprio quarto, o quarto das crianças. Lá, ela recuperou a língua materna. 
Esse “drama catártico” foi acompanhado por Breuer, que voltou para encontrar 
novamente Anna O naquele “outro quarto” e com outra identidade, no trabalho 
de parto alucinatório, dando à luz o bebê fantasiado deles.
Eu fiz esse relato um tanto melodramático a fim de enfatizar como o con-
sultório da análise pode ser colonizado por eventos que estariam acontecendo 
na imaginação do paciente – o “outro quarto” da mente do paciente. Quando 
localizamos as nossas fantasias nesse “outro quarto”, um quarto definido pela 
nossa ausência física nele, dizemos que estamos imaginando alguma coisa. Esse é 
o espaço da ficção. Quando, erroneamente, localizamos na esfera do espaço per-
ceptual fantasias que em verdade pertencem à imaginação, temos visões. Fora dos 
sonhos, as visões são consideradas alucinações, como no caso de Anna O, ou por 
alguns, como William Blake, aparições sobrenaturais. Se estivermos preparados 
para limitar essas fantasias ao “outro quarto”, podemos usar a nossa imaginação. 
Isso foi o que Anna O fez antes de sua doença, no que ela chamou de “teatro par-
ticular” de seus devaneios; um lugar onde ela passava muito tempo.
Sugeri em meu relato anterior que o “outro quarto” da imaginação passa 
a existir, em termos desenvolvimentais, quando o objeto primário é visto como 
continuando a existir mesmo em sua ausência perceptual. É o lugar onde o objeto 
Perelberg.indd 47 21/7/2011 10:36:18
48 Rosine Jozef Perelberg & Cols.
vive sua existência invisível. Acredito que ele, inevitavelmente, é concebido em 
relação a outro objeto que é uma condição de existência. O “outro quarto” é, em 
outras palavras, a localização da cena primária invisível. Klein dava importância 
central à cena primária em suas análises de crianças. Na análise de Erna, uma 
menina de 6 anos, ela descobriu “que todos os tipos de teatro e encenação simbo-
lizavam o coito entre seus pais” (Klein, 1924, p. 39).
A histérica, sugiro, torna -se uma participante do ato: sobe no palco e assume 
o papel de um dos pais. Por uma fantasia onipotente de identificação projetiva, 
ela acredita ser uma das partes do casal parental realizando tudo o que imagina 
acontecer na cena primária fantasiada. Penso que isso constitui a encenação his-
térica, uma fantasia em ação como a descrita tão vividamente no caso de Anna O. 
O “teatro particular” de seus devaneios é encenado em um drama psíquico perso-
nificado no corpo, o qual subsequentemente envolve sua família e seu médico em 
uma cena de total transferência.
DISCuSSãO E RESuMO
Como André Green (Green, 1997, p. 39 -42), vejo a histeria como um estado psi-
canalítico distinto que, embora tenha aspectos em comum com a síndrome bor‑
derline, não é a mesma coisa. Se eu fosse generalizar sobre a diferença entre a 
investida essencial das duas síndromes, eu diria que na histeria é dada prioridade 
à pretensão de possuir o objeto na esfera do amor, enquanto na síndrome border‑
line a pretensão é de possuí ‑lo na esfera do conhecimento. Portanto, na histeria, a 
in sistência está em possuir exclusivamente o amor do analista, o que leva a uma 
“ilusão” de transferência que ignora a importância de qualquer outra realidade 
além do amor e aniquila os vínculos eróticos do analista com qualquer outra 
pessoa. Na transferência borderline, a insistência está em um entendimento in-
tersubjetivo completo, com a aniquilação de tudo o que poderia indicar que o 
analista aprendeu ou compartilhou conhecimentos significativos com qualquer 
outra pessoa.
Em consequência dos usos diferentes da identificação projetiva na histeria e 
na síndrome borderline, uma diferença diagnóstica importante é como o analista 
experiencia a transferência e a contratransferência. Este é um tema em si mesmo 
e está além do escopo deste capítulo, mas basta dizer que a diferença é acentua-
da. A contratransferência característica na análise do paciente borderline descrevi 
em The missing link (Britton, 1989) e é uma contratransferência de se sentir cons-
trangido ou tiranizado. Na histeria, pelo contrário, até a organização defensiva 
histérica se desfazer, o sentimento do analista é de ser especialmente importante 
e idealizado: há o risco de uma parceria conivente de mútua admiração.
Freud escreveu sobre a transferência erótica na histeria em seu artigo 
“Observações sobre o amor de transferência” (1915) em sua série a respeito de 
“técnicas”. Ele já tinha escrito sobre o desejo transferencial comum como uma 
recapitulação de desejos edípicos em seu artigo anterior “A dinâmica da trans-
ferência” (1912), então por que escreveu esse segundo artigo, mais dramático, 
Perelberg.indd 48 21/7/2011 10:36:18
Freud: uma leitura atual 49
especificamente sobre a “transferência erótica”? Ao buscar uma metáfora para tal 
análise, ele nos leva ao teatro. Ele escreve:
Há uma mudança completa de cena; é como se algum faz de conta fosse 
interrompido pela súbita irrupção da realidade – como quando, por exemplo, 
alguém grita “fogo” durante uma peça teatral. Nenhum médico que experien-
cia isso pela primeira vez consegue manter o controle da situação analítica 
com facilidade e evitar a ilusão de que o tratamento realmente chegou ao 
fim. (1915, p. 162)
A oscilação entre a realidade do teatro e a realidade teatral, entre a rea-
lidade da transferência e a realidade transferencial nesta metáfora acho absolu-
tamente atordoante. Ela também coloca a cena da ação no teatro, o que, na mi-
nha opinião, seguindo Melanie Klein, é simbólico, uma fantasia de testemunhar 
a cena primária. Se for assim, o lugar adequado para o drama é o palco, e nosso 
lugar apropriado é a audiência. No teatro da “histeria”, contudo, os eventos na 
audiência provavelmente dominarão os do palco.
Penso que uma das coisas que provocou esse artigo foi o conhecimento de 
Freud sobre a análise de Sabina Spielrein por Jung. O emaranhamento erótico 
de transferência -contratransferência nesse caso deve tê -lo lembrado de Breuer e 
Bertha Pappenheim. Mais uma vez, Freud se sentiu incapaz de revelar publica-
mente algo que influenciou profundamente suas convicções. Há muitos paralelos 
entre Anna O e Sabina Spielrein, entre eles a interação de amor e morte. Foi 
Sabina Spielrein quem primeiro escreveu sobre um impulso destrutivo primário, 
em 1912 (Spielrein, 1912).
O material analítico de Anna O frequentemente combinava sexo e morte. O 
papel desempenhado pelo “instinto de morte” nas neuroses é um assunto fora do 
escopo deste artigo, que tentei limitar à sexualidade na histeria. No entanto, ele 
entra nessa discussão porque, na histeria, sexo e morte estão caracteristicamente 
ligados no que vejo como uma “organização patológica” (Steiner, 1987), que ex-
pressa as pulsões sexuais e destrutivas na forma de uma fantasia em que o sujeito 
se torna uma das partes do casal primário pela identificação projetiva. Essa cena 
dramatizada pode representar a união sexual na forma de uma fantasia erotizada 
de morte mútua. Eu sugiro que essas fantasias encenadas defendam o indivíduo 
da dor de perceber a realidade da situação edípica ou da culpa por aniquilá -la.
nOTA
 1. Meu relato se baseia em Estudos sobre a histeria; nos comentários subsequentes de 
Freud em vários artigos; nas biografias de Freud escritas por Ernest Jones e Peter Gay; 
na biografia de Anna Freud; nacorrespondência Abraham -Freud e no relato de Didieur 
Anzieu da Autoanálise de Freud. Também se baseia em “The story of ‘Anna O’: a critical 
review with new data”, de Henry Ellenberger, que inclui um relato de caso de Breuer, 
escrito em 1882 para o hospital ao qual ele a encaminhou, juntamente com os registros 
posteriores do hospital sobre o caso.
Perelberg.indd 49 21/7/2011 10:36:18
50 Rosine Jozef Perelberg & Cols.
REfERênCIAS
Abraham, H.C. Freud, E.L. (1965) A Psycho‑Analytic Dialogue. London: Hogarth
Anzieu, D. (1986) Freud’s Self‑Analysis. London: Hogarth.
Balint, M. (1968) The Basic Fault. London: Tavistock Publications.
Breuer, J. (1895) Studies in Hysteria. SE 2.
Britton, R. (1989) The missing link: parental sexuality in the Oedipus complex. In J Steiner (ed.), 
The Oedipus Complex Today. London: Karnac Books, 83-101.
Britton, R. (1995) Reality and unreality in phantasy and fiction. In ES Person, P Fonagy, SA Figueira 
(eds), On Freud’s Creative Writers and Day‑dreaming. New Haven: Yale University Press, 82-107.
Ellenberger, H.F. (1993) The story of ‘Anna O.’: a critical review with new data. In Beyond the 
Unconscious. New Jersey: Princeton University Press.
Freud, S. (1895, 1910) Studies in Hysteria. SE 2.
Freud, S. (1905) Three Essays on the Theory of Sexuality. SE 7,130-243.
Freud, S. (1912) The Dynamics of Transference. SE 12.
Freud, S. (1914) On the History of the Psycho‑Analytic Movement. SE 14.
Freud, S. (1915) Observations on Transference‑Love. SE 12.
Gay, P. (1988) Freud: A Life for Our Time. London and Melbourne: J.M. Dent.
Green, A. (1997) Chiasmus: prospective - borderlines viewed after hysteria: retrospective - hysteria 
viewed after borderlines, Psychoanalysis in Europe, Bulletin 48, Spring.
Grubrich-Simitis, I. (1997) Early Freud and Late Freud. London: Roudedge.
Jones, E. (1953) Sigmund Freud: Life and Work, vol I. London: Hogarth.
Klein, M. (1923) Early analysis. In R. Money-Kyrle, B. Joseph, E. O’Shaughnessy et al. (eds), The 
Writings of Melanie Klein, vol.1. London: Hogarth Press (1975).
Klein, M. (1924) An obsessional neurosis in a six-year-old girl. In R. Money-Kyrle, B. Joseph, E. 
O’Shaughnessy et al. (eds), The Writings of Melanie Klein, vol. 2. London: Hogarth.
Spielrein, S. (1912) Die Destruktion als Ursache des Werdens, Jahrbuch für psychoanalytische und 
psychopathologische Forschungen, IV: 465-503.
Steiner, J. (1987) The interplay between pathological organizations and the paranoidschizoid and 
depressive positions, International Journal of Psycho‑Analysis 68: 69-80.
Young-Bruehl, E. (1988) Anna Freud. London: Macmillan.
Perelberg.indd 50 21/7/2011 10:36:18

Outros materiais