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1 Parte I: METALURGIA FÍSICA DOS AÇOS INOXIDÁVEIS I.1. INTRODUÇÃO Os aços inoxidáveis podem ser definidos como sendo ligas ferrosas com teor de cromo igual ou superior a 12% (em peso) e com teor de carbono “limitado”. O cromo é o elemento que confere resistência à corrosão ao aço inox, pois, na presença de oxigênio, forma uma camada superficial muito fina, aderente e protetora, de óxido de cromo (Cr2O3). O mecanismo de proteção do aço inoxidável por essa película de óxido é chamado de “passivação”. Os elementos molibdênio, níquel e nitrogênio, dissolvidos em solução sólida, expandem a faixa de passividade e tornam o inox mais resistente à corrosão. Ensaios empíricos determinaram que o a adição de 12%Cr às ligas ferrosas as torna imunes à corrosão atmosférica. Em teores iguais ou superiores a 24%, o cromo também confere excelente resistência à oxidação em altas temperaturas. É preciso dizer que estes ensaios foram realizados em ambientes de baixa agressividade. Consiste em grave erro pensar que os aços inoxidáveis são imunes a todos os tipos de corrosão. Sob certas condições severas de serviço (meios agressivos, temperaturas elevadas, presença de tensões trativas, etc.), o filme de cromo pode ser dissolvido ou se romper localmente e não mais se reconstituir. Alguns tipos de corrosão que podem ocorrer nos aços inoxidáveis são enumerados a seguir: - Corrosão generalizada ou uniforme – quando o filme de óxido de cromo é uniformemente dissolvido em um meio agressivo; - Corrosão localizada: 2 - Corrosão por pites – formação de pequenos pontos (pites) de corrosão no material (figura 1); - Corrosão em frestas ou corrosão por crévice – ocorre em arestas, junções rebitadas ou aparafusadas e juntas soldadas sem penetração total (figuras 2(a-b)). A corrosão por crévice nos aços inoxidáveis ocorre devido à formação de uma pilha de concentração. A região interna da fresta fica em contacto com uma maior concentração de íons, deixando a região na mais externa da fresta preferencialmente anódica; - Corrosão sob tensão – tipo de corrosão em que o material sofre quando está em um meio agressivo e submetido a tensões trativas; - Corrosão intergranular – o filme de óxido de cromo é interrompido na região do contorno de grão, por motivo que veremos mais tarde. Figura 1: Corrosão por pites em aço inoxidável AISI 304. 3 Figura 2: Exemplos de corrosão por frestas: (a) Junta aparafusada, mostrando o local preferencial para corrosão; (b) junta soldada sem penetração total. O percentual de carbono nos aços inoxidáveis deve ser limitado, uma vez que o carbono combina-se facilmente com o cromo, retirando-o de solução sólida para formar carbonetos. Dessa forma o carbono torna-se um elemento prejudicial à resistência à corrosão do aço inox. Os aços inoxidáveis martensíticos são os que contém teor de carbono mais elevado (até 1,5%, dependendo do tipo) e são, por isso, a família que apresenta a menor resistência à corrosão dentre os inox. Recentemente, aços inoxidáveis supermartensíticos, contendo baixos teores de carbono e adições de Ni e Mo, com melhores resistências à corrosão, têm sido desenvolvidos Acabamento superficial e tratamentos de passivação O acabamento da superfície é um dos fatores importantes para a resistência à corrosão dos produtos de aço inoxidável. O filme passivo de óxido de cromo, mesmo existindo, não adquire boa uniformidade em regiões com defeitos de superfície aberta 4 (arranhões, esfoliação,...). Quanto menor a rugosidade superficial mais uniforme é o filme passivo formado e mais nobre é o produto. Em regiões contaminadas com ferro ou aço carbono o filme protetor é também heterogêneo. São nessas regiões contaminadas que normalmente começam os problemas de corrosão. A contaminação pode ser conseqüência da utilização de linhas de fabricação compartilhadas entre aços inoxidáveis e aços comuns, ou mesmo devido a processos de fabricação utilizando ferramentas de outros tipos de aço no ambiente industrial. Os chamados tratamentos de passivação são tratamentos químicos que têm como principal objetivo limpar e eliminar a contaminação existente na superfície dos aços inox, criando as condições para o desenvolvimento de uma camada passivante bastante uniforme. Para aços austeníticos (série 300) e ferríticos com %Cr ≥ 17% utiliza-se uma solução de ácido nítrico a 20%, a uma temperatura na faixa de 50-60oC. Nos aços inoxidáveis martensíticos é utilizada uma solução de ácido nítrico a 20% com dicromato de sódio (2%), na faixa de 50-60oC, ou, alternativamente, uma solução de ácido nítrico a 50% na mesma temperatura. O tempo de tratamento gira em torno de 30 minutos. Tipos de aços inoxidáveis: Os principais tipos de aços inoxidáveis são: - Martensíticos - Ferríticos - Austeníticos - Duplex (austeno-ferríticos) 5 - Aços inoxidáveis de transformação controlada - Ligas austeníticas fundidas de alto níquel e alto cromo para altas temperaturas (aços das séries HK e HP) Elementos Ferritizantes x Elementos Austenitizantes Os elementos de liga frequentemente adicionados nos aços inoxidáveis podem ser divididos em austenitizantes (ampliam o campo austenítico no diagrama de fases) e ferritizantes (ampliam o campo de estabilidade da ferrita). Austenitizantes Ferritizantes C, N, Ni, Cr, Mo, Si, Nb X Mn, Co,Cu Al, W, Ti Diagrama Fe-Cr e a Influência do Carbono Um dos diagramas mais importantes para o estudo dos aços inoxidáveis é o diagrama Fe-Cr, mostrado na figura 3. Neste diagrama podem ser ressaltadas duas características importantes: a lupa austenítica (campo de estabilidade da austenita) e o 6 campo de estabilidade da fase sigma (σ), um composto rico em cromo, muito duro e frágil, que pode ocorrer nos inoxidáveis ferríticos e austeníticos mais ricos em cromo. Figura 3: Diagrama Fe-Cr. (fonte: Chiaverini [1]). A adição de carbono ao sistema Fe-Cr provoca a ampliação do campo austenítico. Esse efeito é mais pronunciado no intervalo de 0 a 0,6%C. Na figura 4 são comparados os campos austenítico sem carbono e com adição de 0,6%C. A figura 5 mostra o efeito gradativo da adição de carbono até 0,4%. Além do aumento da lupa austenítica o carbono também provoca o surgimento de campos de estabilidade de carbonetos de cromo no diagrama, tais como Cr3C, Cr23C6 e Cr7C3 (K1, K2 e K3, respectivamente). A formação de 7 carbonetos de cromo, especialmente do tipo Cr23C6, provoca o empobrecimento localizado de Cr na matriz e a conseqüente perda de resistência à corrosão. Esse problema pode ser encontrado nos aços ferríticos, martensíticos, austeníticos e duplex, conforme veremos, quando submetidos a diferentes faixas de temperatura. O leitor deve se lembrar neste momento que a definição de aço inoxidável apresentada no início deste capítulo inclui o termo “carbono limitado”. Para ilustrar a importância deste detalhe podemos citar o exemplo do aço feramenta ASTM D2, que contém cerca de 12%Cr, mas, por conter 2%C, não é classificado como aço inoxidável. A estrutura deste aço, no estado temperado e revenido, contém carbonetos grosseiros de cromo que conferem resistência ao desgaste, mas diminuem a resistência à corrosão do aço porque retiram o cromo de solução sólida. Figura 4: Efeito do carbono em aumentar o campo austenítico (adaptado de Columbier [2]). 8 Figura 5: Influência do %C no diagrama Fe-Cr: (a) %C = 0,05% (b) %C = 0,10% (c) %C = 0,20% (d) %C = 0,4% (Fonte: Columbier [2]). 9 I.2. AÇOS INOXIDÁVEIS MARTENSÍTICOS Os aços inoxidáveis martensíticos possuem composição química balanceada, de modo a serem austeníticos por volta de 1000oC – 1100oC. Contendo pelo menos 12%Cr e %C≥0.1%, esses aços possuem boa temperabilidade.No resfriamento ao óleo, e até mesmo ao ar, a austenita não se transforma em ferrita. O aço se transforma em martensita quando cruza as temperaturas Mi e Mf, que devem estar acima da temperatura ambiente. Figura 6: Diagramas esquemáticos, mostrando como um aço 13%Cr-0,2C é martensítico na temperatura ambiente (adaptado de Colombier e Hochmann [2]). Para se entender a diferença entre os aços ferríticos e os martensíticos é preciso entender o diagrama Fe-Cr e a influência crucial que o carbono exerce sobre ele. O 10 carbono, como elemento austenitizante, aumenta a lupa austenítica desde que adicionado em teores até 0,60%. Assim, observando-se a figura 5, um aço com 0,10%C pode ter no máximo 13%Cr para garantir uma estrutura austenítica a cerca de 1050oC e martensítica no resfriamento. Por outro lado, um aço de mais alto carbono (0,4% por exemplo) pode ter um teor de cromo um pouco mais alto (cerca de 16%), que ainda assim será martensítico após o resfriamento. É importante que se aumente o teor de cromo ao se aumentar o teor de carbono do aço, pois quanto mais alto o carbono menor a resistência à corrosão. Entretanto, há um limite para o teor de cromo, imposto pelas próprias fronteiras do campo austenítco no diagrama Fe-Cr, para o teor de carbono considerado. A tabela I mostra as composições dos principais graus comerciais de aços inoxidáveis martensíticos. Tabela I: Composições químicas dos principais graus de aços inoxidáveis martensíticos. Tipo (AISI) %C %Cr %Mn %Si %Mo %Ni 410 0,15 máx. 11,5 – 13,5 1,0 máx. 1,0 máx. - - 420 > 0,15 12 – 14 1,0 máx. 1,0 máx. - - 440A 0,60 – 0,75 16 – 18 1,0 máx. 1,0 máx. 0,75 - 440B 0,75 – 0,95 16 –18 1,0 máx. 1,0 máx. 0,75 - 440C 0,95 – 1,20 16 -18 1,0 máx. 1,0 máx. 0,75 - 431 0,20 máx. 15 -17 1,0 máx. 1,0 máx. - 1,25 – 2,5 Seguindo pela tabela, do aço inox 410 ao 440C, nota-se que o teor de carbono aumenta e com isso aumentam a resistência mecânica e a temperabilidade. Por outro lado, a resistência à corrosão diminui quando se aumenta o teor de carbono, apesar do aumento proposital do teor de cromo. 11 A grande maioria dos aços inox martensíticos não contém níquel, pois este é um elemento caro e, conforme visto, ele não é necessário para garantir a estrutura martensítica. Há, entretanto, um pequeno subgrupo de aços martensíticos em que o níquel é usado em substituição parcial ao carbono para garantir a estrutura austenítica a 1050oC. O teor de níquel adicionado não deve exceder certos limites (digamos 3 a 4%), de modo a não colocar a temperatura Mf abaixo da temperatura ambiente. Os aços martensíticos ao níquel têm melhor resistência à corrosão do que os demais, pois têm uma relação %Cr/%C alta, enquanto a estrutura martensítica é garantida pelo níquel, elemento que não diminui a resistência à corrosão. Um exemplo típico deste tipo de aço é o inox AISI 431 apresentado na tabela I. As principais características dos aços inoxidáveis martensíticos são a elevada resistência mecânica, o baixo custo, a baixa resistência à corrosão e a conformabilidade plástica a frio limitada. Obviamente, estas são características genéricas que se verificam na comparação com as demais famílias de aços inox. Dentro da família dos martensíticos, entretanto, essas características podem mudar de acordo com a composição química e com o tratamento realizado. Tratamentos Térmicos Recozimento para usinagem: Quando se deseja preparar o material para usinagem deve-se realizar um recozimento para produzir uma estrutura de ferrita com carbonetos grosseiros e esferoidizados. Há pelo menos três tipos de recozimento que podem ser aplicados em aços inox martensíticos: (1) recozimento subcrítico: 12 aquecimento na faixa de 650-750oC; (2) recozimento pleno: aquecimento até 850oC seguido de resfriamento lento no forno até 600oC e resfriamento ao ar a partir desta temperatura e (3) recozimento isotérmico: aquecimento até cerca de 850oC seguido de resfriamento lento até 700oC e permanência nesta temperatura por cerca de 4 horas. Estes dois últimos tratamentos fornecem durezas mais baixas do que o primeiro (na faixa de HRB75 a HRC25, dependendo do aço). Têmpera: A temperatura ideal de têmpera varia de aço para aço, mas situa-se na faixa de 950 a 1200oC. A tabela II apresenta os valores recomendados pela norma brasileira NBR 6214 [3]. Tabela II: Faixas de temperatura recomendadas para têmpera de aços inoxidáveis martensíticos (norma NBR 6214 [3]). Tipo (classificação AISI) Temperatura de têmpera (oC) 410 930 – 1010oC 420 980 – 1040oC 440 A 1010 – 1065oC 440 B 1010 – 1065oC 440 C 1010 – 1065oC 431 980 – 1065oC A temperatura de têmpera é selecionada para fornecer dureza máxima ao produto temperado. A utilização de temperaturas superiores às da faixa indicada podem provocar o crescimento excessivo do grão austenítico e também o aparecimento de ferrita delta, o que faz a dureza cair. Por outro lado, temperaturas inferiores às especificadas não 13 são suficientes para homogeneizar a microestrutura e dissolver a quantidade máxima de carbonetos que estão presentes no material recozido. Recomenda-se o aquecimento lento até a temperatura de têmpera para se evitar tensões térmicas e o trincamento do material. Peças de grande seção devem ser pré- aquecidas à cerca de 700oC e depois levadas à temperatura de têmpera. O tempo de encharque é uma variável importante, que depende muito tamanho da peça. Segundo a norma NBR 6214 (“Tratamentos Térmicos de Aços Inoxidáveis”) o tempo de encharque deve ser de 3 a 5 minutos por 2,5mm de espessura da seção. O meio de resfriamento pode ser o óleo ou o ar, sendo este último mais utilizado em peças pequenas. Revenido: O revenido dos aços inoxidáveis martensíticos pode ser feito nas seguintes faixas de temperatura: - 200 – 350oC, quando se desejar elevada resistência mecânica; ou - 600 – 700oC, quando se desejar elevadas ductilidade e tenacidade, em detrimento da dureza e resistência mecânica. O revenido na faixa de 400 e 600oC não deve ser realizado por que provoca perda acentuada de resistência à corrosão e queda da tenacidade (fragilidade do revenido). A perda de resistência à corrosão é obviamente associada à precipitação de carbonetos, que torna a matriz empobrecida em cromo. Embora a precipitação de carbonetos finos já aconteça nas baixas temperaturas de revenido (250-350oC), a precipitação de carbonetos mais ricos em cromo (Cr23C6) só significativamente ocorre a partir de 400oC. Obviamente, esses carbonetos estão presentes também no revenido a 600o-700oC (fig. 7). Entretanto, nessa faixa de temperaturas o cromo pode difundir na matriz e eliminar os gradientes de composição e, dessa forma, restituir a boa resistência à 14 corrosão do aço. Isto é valido para os aços AISI 410, 420 e 431. Nos aços 440 (A, B e C), devido à relação Cr/C muito baixa, a faixa superior de temperaturas de revenido (600 – 700oC) não é recomendada. Figura 7: Microestrutura do aço inox AISI 420 revenido a 650oC. Mecanismos de Aumento da Resistência dos Aços Inox Martensíticos Endurecimento Secundário: Algumas mudanças na composição química têm sido propostas na literatura e adotadas pelos fabricantes com o intuito de aumentar ainda mais a resistência mecânica dos aços inox martensíticos. A adição dos elementos molibdênio e vanádio, por exemplo, é feita com o intuito de provocar o endurecimento secundário durante o revenido. Este fenômeno se deve à precipitação de carbonetos e carbonitretos 15 finos do tipo M2X (estequiometria (Cr,Mo,V)2(C,N)). Com a adição de molibdênio ou vanádio esses precipitados, que efetivamente endurecem, tornam-se mais estáveis e a sua substituição por carbonetos mais grosseiros do tipo M23C6 é retardada. Isso provoca o o endurecimento secundário, tal como mostrado nas figura 8 para adiçõesde molibdênio até 3%. Figura 8: Efeito do molibdênio na curva de revenido de um inox martensítico com 12%Cr. (Fonte: Pickering [4] ). Uma intensificação do endurecimento secundário, atribuído aos precipitados do tipo M2X, pode ser ainda conseguida adicionando-se nitrogênio ao aço. 16 Aços inoxidáveis martensíticos endurecíveis por precipitação: Alguns elementos podem ser adicionados para provocar reações de precipitação nos inoxidáveis martensíticos. Esta precipitação deve ocorrer num tratamento de envelhecimento (ou revenido). Assim, podem ser citadas as adições de Cu (3 a 4%), Al ou Ti. A tabela III apresenta alguns graus comerciais desses aços martensíticos endurecíveis por precipitação. Note-se que o teor de níquel desses aços é mais elevado e que o carbono é baixo, o que deve lhes garantir boa resistência a corrosão. Tabela III: Aços inoxidáveis martensíticos endurecíveis por precipitação: Aço %C %Mn %Si %Cr %Ni %Mo %Al %Cu %Ti %Nb 17-4PH* 0,04 0,30 0,60 16,0 4,2 - - 3,4 - 0,25 15-5PH* 0,04 0,30 0,40 15,0 4,2 - - 3,4 - 0,25 Custom 450** 0.03 0,25 0,25 15,0 6,0 0,8 - 1,5 - 0,3 Stainless W*** 0,06 0,50 0,50 16,75 6,25 - 0,2 - 0,8 - * 17-4PH e 15-5PH são marcars registradas da Armco Steel Corporation. ** Custom 450 é marca registrada da Carpenter Technology Corporation. *** Stainless W é marca registrada da Unied States Steel Corporation. Outra opção de aumento de resistência pela introdução de reações de precipitação pode ser a adição de Mo em teores acima de 3%. Neste caso deve ser também adicionado Co que diminui a tendência ferritizante sem abaixar Mi e Mf. Com o aumento do teor de Mo, seu efeito de endurecimento passa a ser também devido à formação de um intermetálico do sistema Mo-Cr-Co (fase R), e não mais somente aos carbonitretos M2X. O envelhecimento, neste caso pode ser feito em temperaturas da ordem de 600 a 650oC. 17 Aços inoxidáveis supermartensíticos: Para melhorar as propriedades mecânicas, a resistência à corrosão e soldabilidade dos aços inoxidáveis martensíticos convencionais, foram adicionados Ni e Mo, e reduzido drasticamente o teor de carbono. Dependendo do tratamento térmico ou termomecânico, a microestrutura pode conter, além de martensita, quantidades minoritárias de austenita e ferrita (principalmente nos graus mais ligados ao Cr e Mo). A tabela IV apresenta três das primeiras composições de aços supermartensíticos experimentadas. Tabela IV: Aços inoxidáveis supermartensíticos. Os aços supermartensíticos são mais baratos e podem apresentar resistência mecânica superior à dos aços duplex e superduplex, não apresentando, porém, a mesma resistência à corrosão destes. II.3. AÇOS INOXIDÁVEIS FERRÍTICOS A tabela V apresenta as composições químicas dos principais graus comerciais de aços inoxidáveis ferríticos. 18 Tabela V: Graus comerciais de aços ferríticos. Tipo %C (máx) %Si (máx) %Mn (máx) %Cr %Al %Mo Outros 405 0,08 1,0 1,0 11,5 - 14,5 0,1 – 0,3 - - 409 0,08 1,0 1,0 10,5 - 11,8 - - ∼0,50%Ti, até 0,5%Ni 430 0,12 1,0 1,0 16 - 18 - - - 430Ti 0,12 1,0 1,0 16 - 18 - - ∼0.50%Ti 430Nb 0,12 1,0 1,0 16 - 18 - - ∼0,50%Nb 442 0,20 1,0 1,0 18 - 23 - - - 444 0,025 1,0 1,0 17,5 - 19,5 - 1,8 – 2,5 Até 1,0%Ni 446 0,20 1,0 1,0 23 - 27 - - - Até porque possuem uma relação %Cr/%C maior, os aços inoxidáveis ferríticos apresentam melhor resistência à corrosão do que os martensíticos em geral. Neste quesito, em muitas situações, são também comparáveis ou mesmo superiores aos aços austeníticos. A diminuição do teor de carbono, o aumento do teor de cromo e a adição de Mo aumentam a resistência à corrosão dos aços inox ferríticos em diversos meios. Entretanto, os inoxidáveis ferríticos têm como principais desvantagens em relação aos austeníticos a mais baixas ductilidade e tenacidade e as sérias dificuldades encontradas nos processos de soldagem. Essas características podem ser atribuídas aos seguintes fenômenos de fragilização: - Fragilização a 475oC; - Fragilização por fase sigma; - Crescimento de grãos; - Sensitização e fragilização devido a elementos intersticiais. 19 Fenômenos de Fragilização dos Aços Inox Ferríticos Fragilização a 475oC: Este tipo de fragilização ocorre devido à precipitação de uma fase α’ muito rica em cromo, que endurece e fragiliza o aço. De acordo com Grobner [5], a precipitação de α’ ocorre por um mecanismo de nucleação e crescimento nas ligas contendo mais baixo Cr (14% a 18%). Em ligas com mais alto cromo (27% a 39%) a precipitação de α’ ocorre por decomposição spinoidal, ou seja, a ferrita se decompõe em uma ferrita pobre e outra rica em cromo (α’), inicialmente sem interface definida entre as duas regiões. O intervalo de formação de α’, embora dependa do teor de cromo, pode ser considerado como sendo na faixa de 370oC a 540oC, sendo a cinética mais rápida na temperatura de 475oC. Em aços com 18%Cr, por exemplo, observou-se [5] que a fragilização ocorre no intervalo de 371oC a 482oC. Com relação à composição química, o aumento do teor de cromo, a presença de elementos intersticiais e dos elementos Mo e Ti aceleram a formação de α’. Fragilização por fase sigma: Ocorre quando o aço ferrítico é aquecido no intervalo de 500 a 800oC. Nesta faixa de temperaturas forma-se a fase sigma, um composto intermetálico rico em cromo muito duro e frágil. A figura 9 mostra em detalhe os campos de estabilidade das fases σ e α’. 20 Fig. 9: Campos de estabilidade de σ e α’ no diagrama Fe-Cr. (Fonte: Grobner [5] ). Um aço ferrítico que tenha sido fragilizado por fase sigma pode ser regenerado se for tratado a cerca de 850oC (50oC acima da faixa crítica) e resfriado rapidamente. Mais uma vez, os aços de mais alto cromo são os mais susceptíveis a esse tipo de fragilização. Observa-se que a cinética de precipitação da fase sigma é mais rápida do que a de formação de fase α’. Crescimento de Grãos: Os aços inoxidáveis ferríticos têm uma forte tendência ao crescimento de grãos, o que se deve ao fato de não experimentarem nenhuma transformação de fase no estado sólido. As transformações de fase do tipo γ→α ou γ→P, que ocorrem nos aços ao carbono e baixa liga são mecanismos “naturais” de refino de 21 grão, visto que a partir do contorno de um único grão austenítico podem surgir vários núcleos de ferrita e perlita. Os aços inoxidáveis ferríticos não dispõem deste mecanismo natural de refino de grãos, pois são ferríticos desde que se solidificam. Os fabricantes de aços inoxidáveis ferríticos costumam contornar este problema, refinando o grão ferrítico por processos de deformação e recristalização. Além disso, podem ser adicionados Ti e/ou Nb, elementos formadores de carbonetos finos que retardam o crescimento de grãos. Por outro lado, na soldagem, o problema do crescimento de grãos torna-se grave e de difícil solução. No metal de solda e na ZTA próxima a ele os grãos ferríticos crescem muito e a tenacidade fica proibitivamente baixa. As adições de Ti ou Nb no metal de base e no metal de adição e a utilização de procedimentos especiais de soldagem são medidas que podem ser usadas para minimizar o problema, conforme será visto posteriormente. Sensitização e fragilização devido a elementos intersticiais: Quando um aço inox ferrítico grau comercial é aquecido em temperaturas superiores a 900oC, ocorre a precipitação de carbonetos, nitretos e carbonitretos de cromo nos contornos dos grãos. Esse tipo de sensitização provoca a fragilização do material e pode torná-lo susceptível à corrosão intergranular. O aço inoxidável ferrítico sensitizado deve ser recozido na faixa de 650 a 850oC, pois nesta temperatura o cromo é capaz de se difundir na estrutura ccc da ferrita e, dessa forma, os gradientes de composição química são eliminados. Entretanto, como esse tratamento não dissolve osprecipitados intergranulares, o efeito fragilizante deles não é eliminado. A adição de Nb ou Ti aos aços ferríticos, além de minimizar o problema do crescimento de grãos, também serve para evitar a corrosão intergranular. Entretanto, os 22 aços estabilizados ao Ti podem ser susceptíveis à corrosão em meios oxidantes, nos quais os precipitados TiC e Ti(C,N) são atacados [4]. Além do carbono e do nitrogênio que se precipitam, outros elementos como o enxofre e oxigênio podem se segregar nos contornos de grão e fragilizar os aços inox ferríticos. Colombier e Hochmann [2] apresentam resultados de tenacidade onde um aço purificado a vácuo, com baixíssimos teores de elementos intersticiais, apresenta temperatura de transição dúctil-frágil bem superior ao grau comercial. Existe, portanto, um consenso em afirmar que a presença de apenas traços dos elementos S, C, H, O e N, pode se constituir um fator agravante ao problema de baixa tenacidade dos aços ferríticos. Diante disto, alguns fabricantes desenvolveram recentemente os chamados aços “ELI” (extra low intertitial) (%C<0,005, %N<0,005, %O<0,005,...). Esta diminuição drástica dos teores de intersticiais foi possível através do desenvolvimento e difusão do refino por AOD (argon-oxigen decarburization) e VOD (“vacum-oxygen decarburation”) nas siderúrgicas. Os aços ferríticos “ELI” são também mais resistentes à sensitização e apresentam melhor soldabilidade. A tendência de diminuição do teor de elementos intersticiais possibilitou o desenvolvimento de aços ferríticos mais carregados em cromo e molibidênio para aumentar a resistência à corrosão. Esses aços ferríticos de última geração foram logo batizados de “super-ferríticos”. A tabela VI mostra os principais elementos da composição química de três tipos de aços super-ferríticos. Pode-se observar também que o aumento dos teores de elementos ferritizantes (Cr e Mo) possibilitou a adição de níquel, feita com o intuito de melhorar a tenacidade e a resistência à corrosão. 23 Tabela VI: Graus comerciais de aços “superferríticos”. UNS %C (máx) %Si (máx) %Mn (máx) %Cr %Ni %Mo Outros S44627 0,01 0,40 0,40 25,0 - 27,0 0,50 0,7 - 1,5 0,13%Nb – 0,2%Cu S44660 0,025 1,0 1,0 25,0 - 27,0 1,5 - 3,5 2,5 - 3,5 (Nb+Ti)=0,2+4(C+N) S44800 0,01 0,20 0,30 28,0 - 30,0 2,0 - 2,5 3,5 - 4,2 0,15%Cu Tratamentos Térmicos Os aços inoxidáveis ferríticos não endurecem por tratamento térmico. O único tratamento recomendado é o recozimento nas temperaturas indicadas na tabela VII. O tempo de tratamento na temperatura de recozimento deve ser de 30 a 50 minutos por 2,5 mm de espessura de seção. Tabela VII: Tratamentos de recozimento para os aços inox ferríticos (norma NBR 6214 [3]). Tipo Temperatura (oC) Resfriamento Dureza 405 650 – 820 ar ou água HRB75 700 - 790 ar ou água HRB75 430 820 – 900 lento (ao forno)(20oC/h a 30oC/h até 600oC e depois resfriar ao ar HRB85 446 760 - 830 ar ou água HRB90 24 III.4. AÇOS INOXIDÁVEIS AUSTENÍTICOS Os aços inoxidáveis austeníticos possuem níquel, elemento austenitizante, que retarda as reações no estado sólido e que abaixa as temperaturas Mi e Mf. Dessa forma, os aços, que se solidificam com uma estrutura ferrítica ou austeno-ferrítica, se tornam 100% austeníticos ainda em temperaturas elevadas (cerca de 1300oC) e, no resfriamento, não se convertem em ferrita α (pois a reação γ→α é muito lenta), e nem em martensita, pois Mi está abaixo da temperatura ambiente. Como resultado, o aço permanece austenítico. A quantidade de níquel necessária para garantir a estrutura austenítica depende da quantidade de elementos de liga ferritizantes (Cr, Mo, Si,...) e dos demais elementos austenitizantes (C,N, Mn,...). Por exemplo, um aço inox com 18%Cr e 0,08%C deve possuir pelo menos 8%Ni para que sua estrutura seja austenítica (aço AISI 304), ao passo que num aço com cerca de 24%Cr e 0,08%C o teor de níquel deve aumentar para, no mínimo, 19% (grau AISI 310). Os principais graus comerciais de aços inoxidáveis austeníticos são apresentados na tabela VIII. 25 Tabela VIII: Aços inoxidáveis austeníticos – principais graus comerciais. Tipo %C (máx.) %Cr %Ni %Mn (máx.) %Si (máx.) outros 201 0,15 16 - 18 3,5 – 5,5 5,5 – 7,5 1,0 até 0,25%N 301 0,15 16 - 18 6 – 8 2,0 1,0 - 302 0,15 17 - 19 8 - 10 2,0 1,0 - 304 0,08 18 – 20 8 – 10,5 2,0 1,0 - 304L 0,03 18 –20 8 – 12 2,0 1,0 - 304N 0,08 18 - 20 8 – 10,5 2,0 1,0 0,16 - 0,30%N 316 0,08 16 – 18 10 – 14 2,0 1,0 2 – 3%Mo 316L 0,03 16 – 18 10 – 14 2,0 1,0 2 – 3%Mo 317 0,08 18 – 20 11 – 15 2,0 1,0 3 – 4%Mo 321 0,08 17 – 19 9 – 12 2,0 1,0 %Ti = 5 x %C 347 0,08 17 – 19 9 – 13 2,0 1,0 %Nb = 10 x %C 310 0,25 24 – 26 19 – 22 2,0 1,5 - 310S 0,08 24 - 26 19 - 22 2,0 1,5 - O aço inox AISI 304 é o mais famoso e popular dentre os aços inoxidáveis austeníticos. O inox AISI 316 mantém a mesma base do AISI 304, porém com a adição de 2 a 3%Mo, o que lhe confere melhor resistência à corrosão por pites. Devido a esta adição de Mo aumenta-se o %Ni para contrabalançar a tendência ferritizante. Na mesma linha foi criado o grau AISI 317, com 3 a 4%Mo. Os graus 304L, 316L e 317L são os graus 304, 316 e 317 modificados com um teor de carbono mais baixo (0,03% máximo) para aumentar a resistência à corrosão 26 intergranular. Os aços AISI 321 e 347 possuem adições de Ti e Nb, respectivamente, também com o intuito de aumentar a resistência à corrosão intergranular, pelos motivos que veremos mais adiante. O inox AISI 310, como possui teores mais elevados de níquel e cromo, é indicado para serviços em altas temperaturas. É também indicado para fins criogênicos, pois é estável quanto à formação de martensita α’ induzida por deformação. Em alguns aços o níquel foi parcialmente substituido por Mn e N. Dessa forma obtém-se os aços inox austeníticos da série 2XX (AISI 201 e 202). A idéia inicial foi abaixar os custos do material, reduzindo-se os teores de níquel destes aços. As características gerais dos aços inoxidáveis austeníticos são: - Baixa condutividade térmica (se comparados aos aços ao carbono) - Alto coeficiente de expansão térmica. - Comportamento paramagnético, a não ser que um pouco de ferrita ou martensita ferromagnética esteja presente. - Baixa energia de falha de empilhamento (E.F.E.), o que lhes confere: - Alto coeficiente de encruamento (n) - Tendência a desenvolver arranjos planares de discordâncias na deformação a frio (não formam estrutura celular) - Tendência à recristalização dinâmica. - Alta resistência à fluência em altas temperaturas que os aços ferríticos, pois a austenita conserva boa resistência à deformação em temperaturas relativamente altas. - Alta susceptibilidade à corrosão sob tensão. 27 - Excelente conformabilidade, como consequência da boa ductilidade e do elevado coeficiente de encruamento. Martensitas induzidas por deformação Durante o trabalho a frio, um aço inox austenítico pode sofrer transformação martensítica induzida por deformação. Esse fenômeno acontece comumente nos aços AISI 301, 302, 304, 316 e suas variantes. Na verdade, sabe-se que dois tipos de martensita podem surgir nos inox austeníticos: ε (não magnética) e α’ (magnética). Essas fases podem ser detectadas por difração de raios-X ou por medidas magnéticas, no caso da martensita α’. Os parâmetros cristalinos da austenita e das martensitas ε e α’ são apresentados na tabela IX. Tabela IX: Parâmetros cristalinos das fases austenita, ε e α’ no aço inox [7]. Fase Estrutura Parâmetros Cristalinos (Å) Austenita CFC a = 3,588 Martensita α’ CCC a = 2,872 Martensita ε HC a = 2,532 e c = 4,114 Com base nos estudos de Padilha [7] e suas referências consultadas, pode-se ressaltar alguns aspectos da transformação martensítica nos aços inoxidáveis austeníticos: 28 - O surgimentode martensita nos aços inoxidáveis austeníticos é favorecido pela baixa energia de falha de empilhamento destes materiais. Esse fato está ligado ao desenvolvimento de um arranjo planar e não celular de discordâncias durante a deformação a frio. - Certos aços inoxidáveis austeníticos de mais baixo cromo e/ou mais alto níquel (ex.: 15%Cr-15%Ni) podem ter energia de falha de empilhamento cerca de 2 vezes maior que um aço 18%Cr-8Ni. Estes aços não apresentam um arranjo planar de discordâncias na deformação a frio e neles não ocorre a formação das martensitas ε e α’. - Estudos realizados por Mongonon e Thomas [9] em aços AISI 304 e AISI 316 mostraram que a quantidade de martensita ε aumenta até 5% de deformação por tração e depois diminui, enquanto a quantidade de α’ aumenta constantemente. Foi então proposta a seguinte seqüência de transformação: γ → ε → α’. Ainda segundo esses autores, a fase ε também se forma em baixas temperaturas na ausência de deformação plástica, enquanto que para a formação de α’ a deformação plástica era necessária. Um aço AISI 304 ou 304L severamente deformado pode apresentar uma quantidade de martensita α’ superior a 80%. - A formação de martensita (α’ ou ε) é favorecida pelo aumento da taxa de deformação e pela diminuição da temperatura de deformação. - Quanto ao efeito nas propriedades mecânicas, pode-se dizer que a formação de α’ causa considerável aumento da resistência mecânica e do coeficiente de encruamento (n). Já o efeito de ε na resistência mecânica é muito menos acentuado e até desprezado por alguns autores. Os efeitos de ε e α’ na ductilidade e tenacidade são muito complexos. Se por um lado, as plaquetas de martensita podem representar locais de concentração de 29 tensões, por outro, a transformação martensítica pode absorver energia e contribuir para o aumento da tenacidade (efeito TRIP – “Transformation Induced Plasticity”). Determina-se, por medidas magnéticas [10], que a martensita α’ de um aço AISI 304 é estável até cerca de 430oC. A partir daí começa a reação de reversão da martensita α’→γ. A martensita α’ é completamente eliminada por volta de 700oC. Um fato curioso ocorre quando o aço deformado é tratado na faixa de 350oC a 400oC, ou seja, alguns graus abaixo do início da reversão. Nesta faixa de temperaturas a quantidade de martensita aumenta em até 5%. Esse fato foi constatado por vários autores, mas não há um consenso com relação à explicação do fenômeno. As duas principais hipóteses formuladas a respeito são: a) As temperaturas Mi e Mf são elevadas localmente, devido à precipitação de carbonetos de cromo, o que faria a quantidade de martensita aumentar. Essa hipótese é muito contestada porque a faixa de temperaturas de 350 a 400oC é considerada ainda muito baixa para haver precipitação. De fato, nenhum trabalho experimental comprovou a existência de carbonetos de cromo resultantes de tratamentos térmicos em aços austeníticos a 300-400oC. b) O aumento da quantidade de martensita se deve ao relaxamento das micro- tensões nos contornos da austenita/martensita. Este relaxamento resulta de um processo de recuperação naqueles contornos. Esta hipótese é, no momento, a mais aceita, porém ainda não se tem a sua comprovação, fato que poderá ser obtido talvez por medidas de micro-tensão residual. Nem todos os aços austeníticos são susceptíveis à formação da martensita magnética. O grau AISI 310, por exemplo, é considerado um aço austenítico estável, pois, 30 devido aos altos teores de Ni e Cr, ele é imune à formação da martensita α’, e uma severa deformação plástica é necessária para que nele se produza a martensita ε. No outro extremo está o aço AISI 301, que é o mais metaestável dos aços da série 3XX, devido ao baixo teor de níquel. Martensitas induzidas por hidrogenação As reações martensíticas também podem ser induzidas por hidrogenação nos aços austeníticos. Os aços ditos metaestáveis (AISI 301, 302, 304, 316,...), quando hidrogenados eletrolíticamente em solução de ácido sulfúrico, apresentam as martensitas ε e α’. Diversos autores [11-13] observaram por difração de raios-X os picos da martensita ε formada durante a hidrogenação, e os picos da martensita α’ se formando durante o envelhecimento natural. Há trabalhos, entretanto, que relatam a formação da martensita magnética α’ também durante a hidrogenação catódica [14]. Os parâmetros cristalinos da martensita ε e da austenita do aço hidrogenado, são cerca de 5% superiores aos valores normais das fases não hidrogendas. Isto porque o hidrogênio em solução sólida intersticial provoca a expansão da rede cristalina. No caso da austenita, o hidrogênio ocupa os interstícios octaédricos da estrutura cfc e o valor da expansão volumétrica da célula unitária pode ser utilizado para calcular a concentração de hidrogênio em solução sólida (ver referências [15] e [16]). Durante o envelhecimento natural o crescimento dos picos de difração de raios-X da fase α’ acontece com a diminuição da intensidade dos picos da martensita ε, o que leva a sugerir uma transformação do tipo ε→α’ no envelhecimento. Outra característica 31 observada durante o envelhecimento é o surgimento de trincas superficiais nas amostras que experimentam a transformação em martensítica. A figura 10 mostra o desenvolvimento de uma trinca logo nas primeiras horas de envelhecimento de um aço AISI 304 previamente hidrogenado catodicamente. Acredita-se [11] que importantes tensões trativas sejam desenvolvidas na superfície devido a dessorção de hidrogênio durante o envelhecimento. Essas tensões trativas provocam as trincas superficiais e assistem a transformação ε→α’ logo nas primeiras horas de envelhecimento. Figura 10: Trincas superficiais que se desenvolvem durante o envelhecimento natural de amostras de aço inoxidável AISI 304 hidrogenado catodicamente: (a) 6 minutos; (b) 60 minutos; (c) 150 minutos após a hidrogenação (Fonte: Yang et al. [4]). Nos aços austeníticos estáveis, como o grau AISI 310 ou o Cr18Ni16Mn10, a transformação γ→ε também ocorre durante a hidrogenação eletrolítica. Entretanto, no envelhecimento a temperatura ambiente, observa-se o desaparecimento da fase ε ao invés da sua transformação em α’. Outro fato curioso é que o desaparecimento da fase ε ocorre ao final de vários dias, ou seja, é bem mais lento do que o escape do hidrogênio das fases γ e ε. Em outras palavras, o efeito do hidrogênio permanece mesmo após a sua dessorção. 32 O hidrogênio induz a transformação γ→ε porque abaixa a energia de falha de empilhamento da austenita. Bugaev e colaboradores [17] acrescentam que a transformação γ→ε é assistida pela grande quantidade de lacunas que pode ser criada com a hidrogenação. A baixa energia de falha de empilhamento da austenita hidrogenada e a alta concentração de lacunas induzidas pela hidrogenação estariam correlacionadas. O efeito retardado da transformação ε→γ durante o envelhecimento dos aços estáveis estaria relacionado com o tempo necessário para migração das lacunas para formarem anéis de discordâncias. Propriedades Mecânicas Os aços inoxidáveis austeníticos possuem grande capacidade de encruamento. A curva tensão deformação verdadeira-deformação verdadeira geralmente se ajusta a uma equação do tipo σ=σo + Kεn (Ludwick), onde os coeficientes de encruamento (n) calculados são da ordem de 0,5. Este alto valor do coeficiente de encruamento dos inox austeníticos se deve a dois fatores já comentados: (a) a baixa energia de falha de empilhamento característica desses aços e (b) a formação de martensita durante a deformação. Por outro lado, o alto coeficiente de encruamento pode explicar outras características dos aços inox austeníticos, tais como: - A alta relação σLR /σLE. Um aço inox 304 recozido, por exemplo, apresenta um limite de escoamento de cerca de 250 MPa, enquantoo limite de resistência pode se situar na faixa de 550 MPa. 33 - Alta ductilidade uniforme, pois quanto maior o n maior a resistência ao empescoçamento. Este é um dos fatores que contribui para a excelente conformabilidade a frio dos aços inox austeníticos. - Alto consumo de ferramentas de corte e usinagem, uma vez que, mesmo apresentando dureza inicial baixa, o material endurece bastante quando deformado. Mecanismos de Endurecimento Os aços inoxidáveis austeníticos convencionais (tabela VIII) não podem ser endurecidos por tratamento térmico. Os únicos mecanismos de endurecimento disponíveis para esses aços são o encruamento (trabalho a frio) e o endurecimento por solução sólida. No trabalho a frio, devido à alta capacidade de encruamento, os aços austeníticos deformados com 10 ou 20% de redução, por laminação ou trefilação, já experimentam um aumento considerável nos limites de escoamento e de resistência. Quanto ao endurecimento por solução sólida, os efeitos de diversos elementos de liga são mostrados na figura 11. Os elementos intersticiais endurecem mais que os substitucionais e, dentre estes, os elementos ferritizantes são os que mais endurecem. O notável efeito do nitrogênio tem sido aproveitado em alguns graus comerciais (304N, 316N, ...). Esses aços com adição de até 0,5%N podem atingir limites de escoamento de até 400MPa e limites de resistência da ordem de 700MPa no estado recozido. Ao contrário do carbono, o nitrogênio não apresenta os efeitos indesejáveis de fragilização ou perda de resistência à corrosão. 34 Figura 11: Efeito de endurecimento por solução sólida de alguns elementos de liga nos inoxidáveis austeníticos (adaptado de Pickering [4] ). Inoxidáveis Austeníticos Endurecíveis por Precipitação: Alguns aços austeníticos foram desenvolvidos para serem endurecíveis por precipitação. Eles contém elementos tais como Ti, Al e V, que se precipitam na forma de finas partículas de compostos intermetálicos. Estes aços são envelhecíveis por tratamento térmico, o qual deve consistir de uma solubilização em altas temperaturas, seguido de envelhecimento na faixa de 600oC a 850oC. Um dos representantes dessa categoria é o aço A-286. A tabela X apresenta a composição química e as propriedades mecânicas deste aço obtidas após solubilização a 980oC e envelhecimento a 750oC. O endurecimento neste aço é provocado pela precipitação do composto intermetálico γ ’, de estequiometria Ni3(Al,Ti). 35 Tabela X: Composição química e propriedades em tração do aço inox A286 [6]. Composição Química Propriedades em tração %C %Cr %Ni %Mo %Al %Ti %V σLE (MPa) σLR (MPa) Alongam. (%) 0,05 15,0 26,0 1,2 0,15 2,0 0,30 ≈ 700 ≈ 1000 ≈ 25 Resistência a Corrosão Corrosão Generalizada ou uniforme: Os aços inoxidáveis austeníticos possuem excelente resistência a corrosão em atmosfera industrial e em meios ácidos e oxidantes. Seguem alguns comentários a respeito da resistência à corrosão em alguns meios específicos: Ácido sulfúrico: Os aços inoxidáveis apresentam boa resistência à corrosão por ácido sulfúrico em concentrações muito baixas ou muito elevadas. Na temperatura ambiente, o aço inox 304 apresenta boa resistência em concentrações superiores a 93%. Com a adição de Mo (graus 316 e 317), obtém-se boa resistência em soluções com concentrações iguais ou superiores a 90%. Ácido nítrico: Os aços inoxidáveis austeníticos resistem muito bem ao ácido nítrico (HNO3). Soluções em concentrações de até 95% de HNO3 podem ser estocadas e processadas por equipamentos de aço 304 ou 304L. Acima de 95% a resistência à corrosão dos inox austeníticos convencionais cai bastante, sendo mais recomendável a utilização das ligas de alumínio 1100 ou 3003. Outra opção para aplicação em soluções de HNO3 concentrado (acima de 95%) é a utilização dos aços inox austeníticos com adições 36 de Si, tal como a liga A-611 (Fe-5,3%Si-18%Cr-18%Ni-0,02%C, % em peso). Infelizmente essa liga não apresenta melhor resistência do que o aço 304 em soluções pouco concentradas. Ácido Fosfórico: Os aços inoxidáveis austeníticos convencionais resistem bem à corrosão em soluções de H3PO4 numa vasta gama de concentrações em temperaturas de até 65oC. A utilização em altas temperaturas (acima do ponto de ebulição) deve se limitar a concentrações de H3PO4 inferiores a 40%. Entretanto, a presença de impurezas derivadas do beneficiamento da rocha fosfática, tais como cloretos e fluoretos, podem acelerar a corrosão por pites e em arestas. Ácido sulfuroso: Apesar de ser um agente redutor, o ácido sulfuroso pode ser satisfatoriamente processado por equipamentos em aço inox austenítico. Os graus contendo Mo (316, 316L, 317 e 317L) são os mais recomendados. Ácidos orgânicos: O níquel e o molibidênio são elementos que favorecem o aumento da resistência de muitos ácidos orgânicos. O ácido fórmico (HCOOH) é considerado mais corrosivo dos ácidos orgânicos convencionais. O aço 304 apresenta excelente resistência à corrosão por este ácido em diversas concentrações e em baixas temperaturas, o que não se verifica em temperaturas próximas ao ponto de ebulição. O aço AISI 316 apresenta melhor desempenho ainda que o 304, mas também não deve ser utilizado em altas temperaturas se a concentração de ácido na solução for maior que 5%. Para equipamentos em contato com ácido acético concentrado os aços 316 e 316L são os mais recomendados, sendo inclusive utilizados em temperaturas superiores ao ponto de ebulição na pressão atmosférica. 37 Ácido clorídrico: Os aços inoxidáveis austeníticos, ferríticos e austeníticos convencionais são muito pouco resistentes ao HCl. O íon Cl- penetra e destrói o filme protetor de óxido de cromo. Corrosão por Pites: Em meios contendo íons muito agressivos (Cl-, por exemplo), estes tendem a penetrar no filme passivante, causando pontos de corrosão (pites). A adição de molibidênio (aços AISI 316 e 317) é recomendada para aumentar a resistência à corrosão por pites. Corrosão Intergranular: Este tipo de corrosão pode ocorrer nos aços inoxidáveis como conseqüência da sensitização, que vem a ser a precipitação de carbonetos de cromo nos contornos de grão (fig. 12). Essa precipitação cria uma região empobrecida de cromo logo adjacente aos carbonetos, no “entorno” do contorno (fig. 13). A região empobrecida de cromo torna-se preferencialmente anódica e, portanto, susceptível à corrosão em uma vasta gama de meios em que o aço normalmente seria resistente. 38 Figura 12: Sensitização – precipitação de carbonetos de cromo em um aço inoxidável AISI 304 usinado (fresado) e tratado a 650oC por 15 minutos. Figura 13: Esquema da sensitização – precipitação de carbonetos de cromo nos contornos de grão, provocando o empobrecimento de cromo na região adjacente. 39 Nos aços inoxidáveis austeníticos a faixa de temperaturas em que ocorre a sensitização é de 450oC a 850oC. A cinética de precipitação é descrita por curvas do tipo TTT (figura 14). A precipitação mais rápida, correspondente ao joelho da curva, ocorre na faixa de 600oC a 700oC, dependendo do aço. Há três formas clássicas de se evitar ou minimizar os riscos de corrosão intergranular nos aços inoxidáveis austeníticos. São elas: 1 – Realizar um tratamento térmico de solubilização: Uma vez sensitizado, o inox austenítico pode ser regenerado mediante um tratamento térmico de solubilização na faixa de 1000oC a 1100oC (onde os carbonetos são dissolvidos), seguido de resfriamento rápido, em água, para não haver nova precipitação. 2 – Utilizar aços com teor reduzido de carbono (0,03% mínimo), como nos aços AISI 304L e 316L. Quanto menor o teor de carbono mais lenta é a cinética de precipitação, ou seja, a curva TTT do carboneto Cr23C6 é deslocada para a direita (fig. 14). Além disso, mesmo com um resfriamentolento, a quantidade de carbonetos de cromo que pode se formar é menor nos aços de mais baixo carbono. 3 – Utilizar aços estabilizados ao Ti (AISI 321) ou ao Nb (AISI 347). Esses elementos combinam-se rapidamente com o carbono para formar carbonetos de estequiometria TiC e NbC e, dessa forma, preserva-se o cromo em solução sólida. As adições de Ti ou Nb devem ser suficientes para se combinar com todo o carbono do aço e ainda haver um pequeno excesso que pode se combinar com o nitrogênio. Assim, como o carbono é cerca de 4 vezes mais leve que o nióbio e 8 vezes mais leve que o titânio, as adições de titânio e nióbio devem ser, respectivamente, de 5 e 10 vezes o teor de carbono em peso. 40 Alguns autores (Pickering [4], por exemplo) sugerem ainda a realização de um tratamento térmico à cerca de 900oC como alternativa para se evitar a corrosão intergranular. Nesta temperatura a difusão do cromo na austenita pode equalizar os gradientes de composição. Este tratamento, chamado de “healing” (em portugues “cura”), é mais adequado aos aços ferríticos, onde, conforme visto, é realizado na faixa de 650oC a 850oC. No caso dos aços austeníticos, a solubilização é o tratamento mais utilizado para regenerar o material sensitizado. Figura 14: Efeito do teor de carbono nas curvas TTT de precipitação do carboneto Cr23C6 nos aços inoxidáveis austeníticos (Fonte: Padilha [7]) A sensitização muito comumente é provocada por um processo de soldagem. Uma região da zona termicamente afetada da junta experimenta temperaturas na faixa de crítica, e dependendo do tempo de permanência nessa faixa, pode ocorrer a intensa 41 precipitação de carbonetos. Das soluções apresentadas para se evitar a corrosão intergranular, a princípio, todas podem ser adotadas para evitar o problema na soldagem. Entretanto, a realização de um tratamento térmico pós-soldagem de solubilização seguido de resfriamento rápido, dependendo das dimensões e geometria do componente, pode ser inviável. Nestes casos deve ser adotada uma das duas outras medidas propostas: ou a utilização de aços baixo carbono (L – “low carbon” ) ou a escolha dos aços estabilizados ao titânio ou ao nióbio. Formas de detecção da sensitização: Diversos testes para análise do grau de sensitização de aços inoxidáveis são descritos na norma ASTM A-263-93 [18]. A prática “A” desta norma consiste num método bastante simples para se verificar se houve ou não a formação de carboneto de cromo no aço inox austenítico. A amostra deve ser preparada por lixamento e polimento metalográfico e atacada eletroquimicamente em uma solução 10% de ácido oxálico. Para o ataque eletroquímico deve-se utilizar uma densidade de corrente de 1A/cm2 durante 1,5 minuto. Após o ataque a amostra deve ser observada em microscópio ótico com aumentos na faixa de 250X a 500X. A norma classifica em três tipos as estruturas que podem ser observadas: - Estrutura do tipo “step” (degrau): É a do aço inoxidável austenítico não sensitizado, apresentando seus contornos de grão se suas maclas (exemplo: figura 15); - Estrutura do tipo “ditch” (vala): É a do aço inoxidável austenítico completamente sensitizado, como uma faixa escura contínua ao longo dos contornos de grão, conforme já mostrado na figura 13. Observando-se essa estrutura no 42 microscópio eletrônico de varredura (MEV), onde se consegue uma boa imagem de relevo, percebe-se que o ataque eletroquímico provoca a corrosão ou arrancamento das partículas de carboneto de cromo, deixando verdadeiras valas na região dos contornos (figura 16). Essa estrutura é condenada pela norma. - Estrutura do tipo “dual” (mista): É o que se observa num aço “parcialmente sensitizado”, onde os carbonetos de cromo distribuem-se de forma descontínua ao longo dos contornos (figura 17). Essa estrutura ainda é aceitável, de acordo com a norma. Figura 15: Estrutura do tipo “step” (degrau). Aço inoxidável AISI 304 solubilizado. 43 Figura 16: Imagem de elétrons secundários em MEV da amostra de aço AISI 304 usinado (fresado) e tratado a 650oC por 15 minutos. Estrutura do tipo vala (“ditch”). (a) (b) Figura 17: Aço inoxidável AISI 304 fresado, solubilizado a 1000oC e tratado a 650oC por 15 minutos. Estrutura classificada como “dual” pela norma ASTM A262-93 [18]. (a) imagem de microscópio ótico; (b) imagem de elétrons secundários em MEV. 44 O método metalográfico para avaliação do grau de sensitização fornece apenas uma análise qualitativa do estado do material. Recentemente, o grau de sensitização dos aços inoxidáveis passou a ser quantificado pelo método de reativação eletroquímica potenciostática (EPR). Esta técnica baseia-se no fato de que, ao diminuir-se o potencial aplicado ao material, a partir de uma condição onde este se encontra completamente passivado, haverá a quebra da película passiva preferencialmente nas zonas empobrecidas de cromo. O ensaio de EPR original consiste em estabelecer um potencial de corrosão (Ecorr.) da amostra na solução de teste (0,50MH2SO4+0,01MKSCN). Em seguida, a amostra é polarizada até um potencial de +200mV em relação ao eletrodo de calomelano, por um período de 2 minutos. Logo após, o potencial é retornado até o valor Ecorr. com uma taxa constante de 6V/h. Neste processo, um grande laço (do inglês “loop”) é formado na curva potencial versus corrente. A medida da área sob a curva, normalizada para o tamanho de grão do material e para área da superfície da amostra ensaiada, fornece o grau de sensitização do material. Nos materiais não sensitizados o filme passivo permanece essencialmente intacto, e a área abaixo da curva é muito pequena. Uma modalidade mais simples do ensaio de EPR foi desenvolvida, inicialmente para testes em campo e, posteriormente, para todas as aplicações. Por este método, antes de se realizar a reativação, faz-se uma varredura desde o potencial de corrosão até o potencial na região passiva (polarização anódica). Resultam dois laços de potencial x corrente, um de ida (anódico) e outro de volta (catódico ou de reativação) (figura 18). O grau de sensitização do material (DOS, “degree of sensitization”) é, então, dado pela relação entre a corrente de reativação (Ir), obtida no ponto máximo do laço catódico, e a corrente anódica (Ia), obtida no laço anódico. Este ensaio é conhecido como DL-EPR (DL=”double loop”, duplo laço), enquanto que o método original é conhecido por SL-EPR 45 (SL=”single loop”). O grau de sensitização (Ir/Ia) do material, medido pelo ensaio DL-EPR, independe do tamanho de grão e da área superficial do material. Figura 18: Curva obtida no ensaio de DL-EPR. Alguns autores [19] sugerem uma relação entre os valores de Ir/Ia obtidos no ensaio de DL-EPR e o tipo de microestrutura revelada no ensaio metalográfico com ácido oxálico: aços com estrutura do tipo degrau apresentam Ir/Ia menor que 0,001; microestruturas do tipo misto apresentam Ir/Ia entre 0,001 e 0,05; e amostras com estrutura do tipo vala devem apresentar Ir/Ia > 0,05. De fato, esta correlação pode ser comprovada através dos resultados dos ensaios de DL-EPR das microestruturas das figuras 15, 16 e 17 (ver figuras 19, 20 e 21 respectivamente). 46 -0,5 -0,4 -0,3 -0,2 -0,1 0,0 0,1 0,2 0,3 0,4 -0,01 0,00 0,01 0,02 0,03 0,04 0,05 0,06 0,07 0,08 Ia Ir = 0 Ia = 0,067 Ir/Ia = 0 I(A ) E(V) Figura 19: Curva de DL-EPR correspondente à microestrutura da figura 15 (degrau). -0,5 -0,4 -0,3 -0,2 -0,1 0,0 0,1 0,2 0,3 0,00 0,02 0,04 0,06 0,08 0,10 Ia Ir Ir=0.039 Ia=0.0953 Ir/Ia=0.44 I(A ) E(V) Figura 20: Curva de DL-EPR correspondente à microestrutura da figs. 12 (vala). -0,5 -0,4 -0,3 -0,2 -0,1 0,0 0,1 0,2 0,3 -0,01 0,00 0,01 0,02 0,03 0,04 0,05 0,06 0,07 0,08 Ia Ir Ia=0.0717 A Ir=0.0016 A Ir/Ia=0.22 I(A ) E(V) Figura 21: Curva de DL-EPR correspondenteà microestrutura da figura 17 (mista). 47 Os ensaios de EPR (DL ou SL) têm sido muito utilizados para se estudar a cinética de sensitização em aços inoixdáveis. Embora tenha sido inicialmente aplicado ao aço AISI 304, os ensaios de EPR também têm sido aplicados a outros materiais austeníticos (316, 347, 321,...), martensíticos e duplex, sendo necessário, em alguns casos, fazer alterações na solução utilizada. Fatores que influem na cinética de sensitização: Trillo e colaboradores [20] utilizaram ensaios SL-EPR para avaliar os efeitos da deformação, do tamanho de grãos e do teor de carbono na precipitação de carbonetos e no grau de sensitização de um aço inoxidável AISI 304. De um modo geral, observa-se que ao se aumentar o teor de carbono, a deformação e a complexidade do estado de deformações provoca-se um aumento da cinética de sensitização. A redução do tamanho de grão do aço é outro fator que acelera a cinética de precipitação. Em recente estudo [21] constatamos o aumento da cinética de sensitização devido a usinagem por fresamento das amostras antes da sensitização. O fresamento das amostras introduz uma camada superficial deformada, contendo um pouco de martensita magnética. Acredita-se que a precipitação de carbonetos seja então facilitada pelo efeito da martensita e da deformação superficial. O fato é que a estrutura mostrada nas figuras 12 e 16 corresponde à do aço AISI 304 usinado e sensitizado a 650oC por apenas 15 minutos, ao passo que a estrutura mostrada nas figuras 17(a) e 17(b) corresponde ao mesmo aço sensitizado nas mesmas condições, tendo sido, porém, solubilizado a 1000oC antes do tratamento de sensitização. As curvas de EPR confirmam a maior grau de sensitização do aço fresado e sensitizado (fig. 20) em relação ao aço fresado e solubilizado antes da sensitização (fig. 21). 48 Efeito na tenacidade: Além de provocar a corrosão intergranular, a precipitação de carbonetos intergranulares (sensitização) pode provocar também a queda de tenacidade ao impacto do aço inoxidável austenítico, conforme mostrado na figura 22. Observa-se também que as amostras fresadas e sensitizadas apresentam uma queda maior de tenacidade se comparadas com as amostras solubilizadas antes do tratamento de sensitização. Neste caso é preciso ressaltar o efeito da deformação e da martensita induzida por deformação na ponta do entalhe dos corpos de prova Charpy não solubilizados previamente. 0 200 400 600 800 1000 10 15 20 25 30 35 Condição inicial: Fresado solubilizadoT en ac id ad e ao im pa ct o (J ) Tempo de sensitização a 650oC (min.) Figura 22: Curvas de tenacidade em função do tempo de sensitização a 650oC. Corrosão sob Tensão: Este é um problema típico dos aços inoxidáveis austeníticos, que ocorre quando o material é solicitado com tensões trativas em meios 49 agressivos. Para o inox austenítico os meios mais agressivos são aqueles contendo cloretos (íon Cl-) em temperaturas relativamente elevadas (>50oC), soluções contendo o íon OH- e soluções muito ácidas. Neste último caso, na presença do íon H+ e temperatura ambiente, a corrosão sob tensão pode ser também assistida por transformação martensítica. A corrosão sob tensão se manifesta através do crescimento de trincas (trinca de corrosão sob tensão, “stress corrosion cracking”, SSC). Geralmente, nos aços inoxidáveis austeníticos, estas trincas são transgranulares, porém, pode ser também encontrada na forma intergranular se o processo estiver associado à corrosão intergranular ou a algum fenômeno de fragilização dos contornos. A grande susceptibilidade dos aços inoxidáveis austeníticos à corrosão sob tensão é em grande parte atribuída à baixa energia de falha de empilhamento destes materiais, que faz com que assumam arranjos planares de discordâncias [4]. Além disso, há uma grande influência da composição química, notadamente o teor de níquel e de impurezas. A resistência à corrosão sob tensão é mínima na faixa de 8 a 10%Ni, justamente onde se situam os aços AISI 304, 316, 321 e 347. As impurezas, como S e P são deletérios porque podem se segregar nos contornos de grão e provocar a trinca de corrosão sob tensão intergranular. Visto que a corrosão sob tensão surge quando se tem um material susceptível, tensões trativas e um meio agressivo, as medidas que podem ser tomadas para minimizar esse problema nos aços inoxidáveis austeníticos são: - Modificar as características do meio, utilizando inibidores de corrosão; - Utilizar um sistema de proteção catódica; 50 - Realizar tratamento térmico de alívio de tensões em juntas soldadas de inox austenítico (a ser detalhado a seguir). Tratamentos Térmicos Solubilização: Os aços inoxidáveis austeníticos convencionais (alguns exemplos já apresentados na tabela VII) não endurecem por tratamento térmico. Para estes é indicado um tratamento térmico de solubilização na faixa de 1000oC seguido de resfriamento rápido para evitar a formação de carbonetos. Estabilização: Nos aços estabilizados ao titânio (AISI 321) e ao nióbio (AISI 347) pode ser recomendado o tratamento térmico de estabilização na faixa de 840 – 900oC, justamente para provocar a precipitação máxima de carbonetos de titânio (TiC) e nióbio (NbC). Dessa forma, o aço fica apto a trabalhar nas temperaturas onde a precipitação do carboneto de cromo é mais rápida (500oC – 800oC). Solubilização e Envelhecimento: Os aços inoxidáveis endurecíveis por precipitação (A-286, por exemplo) são solubilizados em temperaturas da ordem de 1000oC e envelhecidos por volta de 700oC. Alívio de Tensões: Por fim, em juntas soldadas de aço inox austenítico, para algumas aplicações onde há o risco de corrosão sob tensão, pode ser especificado um tratamento térmico de alívio de tensões. Para ser efetivo, este tratamento deve ser realizado em temperaturas significativamente mais elevadas que às recomendadas para aços ferríticos, pois a estrutura austenítica é mais resistente ao amolescimento em altas temperaturas. Assim, enquanto se utiliza para aços ferríticos e martensíticos a faixa de 51 500oC a 700oC, nos inoxidáveis austeníticos o alívio de tensões deverá ser realizado na faixa de 900oC a 1100oC. Por outro lado, o resfriamento deve ser lento, para que não se re-introduzam tensões nesta etapa final. Esse fato é importante, pois, como se sabe, sob resfriamento o material pode ser sensitizado e tornar-se susceptível a corrosão intergranular. Dessa forma, para contornar esse problema, deve-se utilizar preferencialmente aços baixo carbono (304L, 316L) ou aços estabilizados ao Ti (321) ou Nb (347). A tabela XI apresenta alguns dos tratamentos recomendados. Tabela XI: Tratamentos térmicos pós soldagem de alívio de tensões recomendados para aços inox austeníticos sujeitos a corrosão sob tensão. Tratamento Material Recozer a 1090oC-1120oC e resfriar lentamente Aços extra baixo C ou estabilizados Recozer a 950oC e resfriar lentamente Aços estabilizados Recozer a 1090oC-1120oC e resfriar rapidamente Aços não estabilizados (pode introduzir tensões no resf.) Obs.: Tempo de tratamento recomendado: 4 horas / 2,5 mm de espessura de seção. Cuidados com a atmosfera do forno: Se fosse possível tratar os produtos de aço inoxidável a vácuo, com certeza isto seria o mais adequado. Entretanto, industrialmente, isto não é possível. Sendo assim, utilizam-se fornos com atmosfera controlada, as quais não devem ser nem carburantes nem excessivamente oxidantes. Para produzir um aspecto brilhante ao material o aço pode ser tratado em atmosfera contendo hidrogênio (amônia dissociada ou H2). As peças e o forno de recozimento devem estar extremamente limpos. A atmosfera deve ser livre de oxigênio e no caso da amônia, deve-se garantir que ela esteja completamente dissociada antes de 52 entrar no forno para evitar nitretação.Este recozimento brilhante (“brigth aneealing”) produz uma camada fina de óxido brilhante esverdeado muito difícil de se remover. 53 III.5. AÇOS INOXIDÁVEIS DUPLEX Os aços inoxidáveis duplex possuem uma microestrutura austeno-ferrítica. A figura 23 apresenta uma microestrutura típica de um aço inox duplex laminado, atacado com reagente de Murakami (10g de ferricianeto de potássio + 10g de hidróxido de potássio + 100ml de água) quente (90oC). Este reagente é ideal para distinguir as duas fases, porém não revela os contornos de grão de cada fase. Quando o objetivo for este, ou então analisar o grau de sensitização devido à precipitação de carbonetos de cromo, deve-se realizar o ataque eletrolítico em solução de 10% de ácido oxálico, o mesmo descrito na prática A da norma ASTM A262-93 [18]. Fig. 23 : Microestrutura de um aço duplex “2205”: a ferrita é escura e a austenita é clara. Os aços inox duplex se solidificam com uma estrutura ferrítica e a austenita se precipita no resfriamento a partir de 1350oC. A cinética desta precipitação é governada por curvas TTT que variam com a composição química do aço. Se o resfriamento a partir de 54 1350oC for muito rápido, a quantidade de austenita será muito inferior à de equilíbrio. As melhores propriedades dos aços inoxidáveis duplex trabalhados são obtidas com quantidades aproximadamente iguais de ferrita e austenita (proporção 1:1). Os fabricantes procuram ajustar composição e velocidade de resfriamento para se obter essa relação. Uma quantidade muito superior de ferrita traz o incoveniente da baixa tenacidade e perda de resistência à corrosão, enquanto que um excesso de austenita pode significar uma menor resistência à corrosão sob tensão. Há dois grandes grupos de aços inoxidáveis duplex: as ligas trabalhadas (“wrought”) e as ligas fundidas (“cast”). As tabelas XII e XIII apresentam algumas composições típicas de ligas trabalhadas e fundidas. No caso dos inox duplex trabalhados é comum identifica-los pela classificação UNS (“unificada”). Este sistema mais recente de designação de aços procurou unificar classificações anteriormente existentes, e manteve praticamente os mesmos dígitos da classificação AISI, acrescentando dois dígitos (exemplo: AISI 304 ≡ UNS S30400). No caso dos aços duplex, como muitos graus são recentes, eles não receberam desiginação pela norma AISI e sim pela sistema UNS. 55 Tabela XII: Composição de alguns aços inoxidáveis duplex trabalhados. % em peso (valores médios) Norma C (máx.) N Cr Ni Mo Outros (*) AISI 329 (UNS S32900) 0,06 - 23 -28 2,5 – 5,0 1 – 2 - UNS S31200 0,03 0,14 – 0,20 24 – 26 5,5 – 6,5 1,2 – 2,0 - UNS S23304 0,03 0,05 – 0,20 21,5 – 24,5 3,0 – 5,50 0,60 máx. - UNS S31803 0,03 0,08 – 0,20 21 – 23 4,5 – 6,5 2,5 – 3,5 - UNS S32550 0,03 0,10 – 0,25 24 – 27 4,5 – 6,5 2,9 – 3,9 UNS S32750 0,03 0,24 – 0,32 24 – 26 6 – 8 3 – 5 - UNS S32760 0,03 0,30 mín. 24 – 26 6 – 8 3 – 4 0,7%Cu;0,7%W DIN X8 CrNiMoNb 27 5 0,08 0,2 27 5 1,6 0,2%Nb (*) Teores de Mn e Si máximos em torno de 1,0%. Os teores de S devem ser inferiores a 0.005%. Tabela XIII: Composição de alguns aços inoxidáveis duplex fundidos. Norma % em peso DIN C N Mn Cr Ni Mo outros GX3 CrNiMoN 26 6 3 0,03 0,18 < 2,0 25,5 6 3 Si<1,0 GX3 CrNiMoN 26 6 3 0,03 0,18 <1,0 25 7 4,5 Si<1,0 GX3 CrNiMoCuN 26 6 3 0,03 0,18 <2,0 25,5 6 3 Cu – 3,0 GX40 CrNiMo 37 5 0,3-0,4 - <1,5 27 5 2,0-2,5 Si<2,0 GX40 CrNi 24 5 0,3-0,4 - <1,5 24 5 - 1 a 2%Si GX40 CrNiSi 27 4 0,3-0,4 - 0,5-1,5 26,5 4 - 1 a 2%Si Como principais características os aços inoxidáveis duplex apresentam: - Excelente resistência à corrosão, conferida pelas adições de Mo e N e pela elevação do teor de cromo. Esses elementos aumentam a resistência à corrosão por pites. Além disso, os aços inoxidáveis duplex possuem melhor resistência à corrosão sob tensão 56 do que os inoxidáveis austeníticos, devido à fase ferrítica. O teor de ferrita ideal nas ligas trabalhadas é cerca de 50%. Determinou-se que, com uma proporção de fases 1:1 consegue-se a otimização das propriedades do material. No caso das ligas fundidas, devido ao resfriamento mais lento e a fatores da composição química, o teor de ferrita geralmente é bem menor, ficando na faixa de 15 a 30%. - Resistência mecânica superior à dos aços austeníticos e ferríticos, devido ao efeito de refino de grão obtido pela estrutura bifásica e ao endurecimento por solução sólida. Além disso, os aços duplex fundidos com alto carbono possuem ainda boa resistência ao desgaste. A tabela XIV apresenta uma comparação genérica entre as propriedades em tração dos aços inox austenítico, ferrítico e duplex. A figura 24 mostra a comparação das curvas de tração típicas dos aços inox ferriticos, austeníticos, duplex, martensíticos e semi-martensíticos. Tabela XIV : Comparação das propriedades típicas dos aços inox ferrítico, austenítico e duplex, no estado recozido. Tipo de Propriedades mecânicas típicas em tração Aço Inox Limite de Escoamento (MPa) Limite de Resistência (MPa) Alongamento (%) Austenítico ≈ 250-300 ≈ 550-600 > 50 Ferrítico ≈ 300-350 ≈ 500-550 25 – 30 Duplex 500 – 550 700 – 800 ≈ 35 - Melhor ductilidade e tenacidade do que os aços ferríticos. Em corpos de prova de impacto Charpy padrão (seção de 10 x 10mm) o aço inox duplex de grãos finos que não tenha sofrido nenhum fenômeno de fragilização absorve 300J para fraturar. 57 - Melhor soldabilidade do que os ferríticos, no que diz respeito ao crescimento de grãos na ZTA e no metal de solda. Figura 24: Comparação das curvas de tração dos aços austeníticos, ferríticos, duplex, martensíticos e semi-martensíticos. Fenômenos de Fragilização com a temperatura Apesar das boas propriedades mecânicas no estado solubilizado, os aços inoxidáveis duplex podem ser fragilizados quando aquecidos em determinadas faixas de temperatura. No estágio atual de desenvolvimento, pode-se dizer que a temperatura de serviço dos aços inox duplex não deve ultrapassar em os 300oC. Além disso, cuidados 58 especiais devem ser tomados nas operações de fabricação que envolvam elevação da temperatura, tal como a soldagem e o dobramento a quente. Os principais fenômenos de fragilização que podem ocorrer nos inox duplex são os seguintes: Fragilização por fase sigma: Ocorre quando o duplex experimenta temperaturas na faixa de 600oC a 1000oC, sendo mais crítica a faixa de 700oC a 900oC. A fase σ se forma preferencialmente na ferrita, que possui mais cromo. Quando a fase σ se forma, as regiões ferríticas adjacentes ficam empobrecidas de cromo e, por isso, podendo se converter em austenita. Com a formação da fase σ o aço endurece e se fragiliza rapidamente. Esta fase pode ser detectada por metalografia, utilizando-se um ataque eletrolítico em solução de NaOH ou KOH. O ataque do aço duplex UNS S31803 por alguns segundos e voltagem de 3V com solução pouco concentrada (10%KOH ou NaOH) revela a fase sigma e mantém as fases ferrita e austenita praticamente não atacadas, conforme mostrado nas figura 25. Nos aços superduplex, uma solução um pouco mais concentrada deve ser utilizada. Os efeitos da fase σ nos aços duplex e superduplex são o endurecimento, fragilização e perda de resistência à corrosão. Pequenas quantidades de fase σ (~1 a 5%) provocam rápido decréscimo da tenacidade ao impacto Charpy, antes mesmo de provocar algum aumento significativo da dureza do material [22]. Teores elevados de fase σ podem ser detectados por medidas de dureza ou difração de raios-X, como mostrado na figura 26. Entretanto, na prática, o grande interesse 59 recai sobre métodos capazes de detectar e, se possível, quantificar teores pequenos de fase σ, sobretudo em juntas soldadas. Figura 25: Microestrutura contendo4,7% de fase σ em aço inoxidável duplex tratado a 800oC por 15 minutos. Ataque eletrolítico em solução 10%KOH, A fase sigma é revelada. Figura 26: Difração de raios-X de um aço UNS S39205 fragilizado por fase sigma. 30 40 50 60 70 80 90 100 0 200 400 600 800 1000 1200 γ γ γ γ α α α σ σ σ γ α σ σ In te ns id ad e (c on ta ge m /s eg un do ) 2θ 60 As fases σ e χ guardam bastante semelhança e são de difícil distinção nos aços duplex e superduplex, sobretudo porque se precipitam na mesma faixa de temperaturas e provocam efeitos semelhantes nas propriedades mecânicas. Precipitação de Carbonetos de Cromo: A precipitação de carbonetos de cromo, na faixa de 600oC a 950oC pode provocar a perda de resistência à corrosão e fragilização. Essa precipitação deve ocorrer nos contornos austenita/austenita ou austenita/ferrita, pois é na fase austenítica que se concentra a maior parte do carbono da liga. Esse tipo de fragilização se torna especialmente importante nos aços duplex de alto carbono (0,3-0,4) para fundição. Nestes aços uma rede de carbonetos pode se formar nos contornos de grão. Fragilização a 475oC: Tal como nos aços inoxidáveis ferríticos, os duplex também podem sofrer esse tipo de fragilização que se deve à precipitação de uma fase α’ rica em cromo. Essa precipitação ocorre por um mecanismo de decomposição spinoidal, pelo qual a ferrita se decompõe em uma ferrita rica e outra pobre em cromo. A precipitação é mais rápida a 475oC, mas pode ocorrer em temperaturas tão baixas quanto 350oC, para longos períodos de exposição. Comparado à cinética de precipitação da fase sigma, a precipitação de α’ costuma ser significativamente mais lenta. Por isso, é muito difícil que ocorra durante a soldagem, dobramento ou outro processo de fabricação a quente, mas pode acontecer em serviço nas aplicações em temperaturas próximas ou superiores a 350oC. A figura 27 mostra a queda da tenacidade e o aumento da dureza de um aço UNS S31803 durante o envelhecimento a 475oC. Nota-se que com 61 apenas 20 horas de envelhecimento o material já apresenta um significativo aumento da dureza e redução de cerca de 50% da energia absorvida para fratura. A observação da fase α’ é bem mais difícil do que a fase sigma, pois é muitas vezes mais fina. Alguns métodos para detecção e quantificação da fragilização devido à precipitação de α’ propostos na literatura são listados a seguir: - Microscopia eletrônica de transmissão – observação direta dos precipitados [23]; - Medidas de dureza ou microdureza da ferrita [24]; - ataque químico ou eletroquímico [25-26]; - medidas magnéticas (ciclo de histerese e análise termomagnética) [27-29]; - medidas elétricas (resistividade) [28]; - sonda atômica [30]; - espectroscopia Mössbauer [30]. 0 100 200 300 400 500 10 15 20 25 30 35 40 100 150 200 250 300 350 400 ST ST Energia de impacto Dureza (HB) D ureza (H B) En er gi a de im pa ct o (J ) Tempo a 475oC (horas) Figura 27: Variação de dureza e energia absorvida para fratura em um aço UNS S39205 envelhecido a 475oC. (as medidas de tenacidade foram realizadas com corpos de prova Charpy de seção reduzida (2,5mmx 10mm)). 62 Precipitação de nitretos de cromo na ferrita: Este problema pode acontecer quando, na soldagem, devido à alta taxa de resfriamento, a quantidade de austenita for muito pequena. Quando há pouca austenita, o nitrogênio é forçado a permanecer na ferrita, onde o seu limite de solubilidade é baixo. O nitrogênio da ferrita acaba se precipitando como nitreto de cromo do tipo Cr2N ou, mais raramente, CrN. A faixa usual de precipitação do Cr2N é entre 700oC e 900oC [32]. Precipitação de austenita secundária (γγγγ2): Se a quantidade de austenita presente no material na temperatura ambiente é inferior à quantidade de equilíbrio, o aquecimento a partir de 600oC pode provocar a reação de precipitação de mais austenita a partir da ferrita (α→γ2). Esta austenita “secundária” (γ2) pode assumir morfologias diversas, dependendo do aço e da temperatura. A figura 28 mostra a austenita secundária precipitada num aço UNS S39205 (2205) após um aquecimento a 800oC por 15 minutos. A precipitação se deu com uma morfologia de alotriomorfos de contorno de grão, seguindo as interfaces α/α. Conforme sugerido em [29], a precipitação de γ2 nos contornos de grão ferríticos pode ter também um efeito fragilizante sob aço, antes mesmo que ocorra a preciitação de fase σ. Outras fases: Dependendo da composição química do aço duplex, outras fases podem se precipitar em determinadas faixas de temperatura. Assim, são também citadas na literatura as fases R, G, π, τ, χ e os carbonetos M7C3. A tabela XV apresenta a estrutura, a composição química e as faixas de precipitação de todas as fases que podem ser encontradas nos aços inoxidáveis duplex. A figura 29 apresenta um diagrama TTT esquemático para as reações de precipitação e indica a influência dos elementos de liga na posição das curvas em C. 63 Figura 28: Austenita secundária (γ2) com morfologia alotriomorfa de contorno de grão [28]. Tabela XV: Fases encontradas nos aços inoxidáveis duplex [32]. Fase Estrutura Composição química nominal Faixa de precipitação (oC) α CCC γ CFC Abaixo de 1350 σ Tetragonal Fe-Cr-Mo 600-1000 Cr2Ni CFC Cr2N 700-900 CrNi CFC CrN - χ CCC Fe36Cr12Mo10 700-900 R Triclínico FeCr-Mo 550-650 π Cúbica Fe7Mo13N4 550-650 α' Cúbica (Ferrita rica em Cr) 350 - 550 τ Ortorrômbica 550-650 M7C3 Pseudo-hexagonal M7C3 950-1050 M23C6 CFC M23C6 600-950 G CFC Ti6Ni16Si7 ≤500 64 Figura 29: Diagrama TTT esquemático para os aços duplex. Resistência à Corrosão Corrosão por pites e o papel do nitrogênio: A resistência à corrosão por pites dos aços inoxidáveis duplex é conferida principalmente pelos elementos cromo, molibidênio e nitrogênio. O PRE (“Pitting Corrosion Equivalent”), ou Índice de corrosão por pites (IP), é o coeficiente que relaciona a resistência à corrosão com a composição química do aço. Ele é dado por: PRE = %Cr + 3,3(%Mo) + 16(%N). A tabela XVI exibe os valores do PRE dos principais tipos de aços inoxidáveis duplex. Os aços com PRE>35 são chamados de “superduplex”. Os aços inoxidáveis duplex de primeira geração, como o grau AISI 329, não continham nitrogênio como elemento de liga e, por isso, eram bastante susceptíveis à corrosão por pites. Os duplex modernos contém teores de nitrogênio na faixa de 0,1% a 0,35%, o que confere a austenita uma resistência a corrosão por pites comparável à da 65 ferrita. Além disso, o nitrogênio endurece por solução sólida a austenita, promove uma melhor distribuição do cromo entre as fases e melhora a soldabilidade. De fato, a adição de nitrogênio aos aços duplex mais modernos é considerada um dos grandes avanços no desenvolvimento desta família. Corrosão Intergranular: Conforme visto, a sensitização pode acontecer nos aços inoxidáveis duplex na faixa de 600 a 950oC. Este será um problema bastante crítico nos aços duplex fundidos com alto teor de carbono. Entretanto, mesmo as ligas trabalhadas com %C < 0.03% podem sofrer sensitização. Este é um teor considerado baixo para os aços austeníticos, mas, no caso dos aços duplex, deve-se lembrar que o carbono tende a se concentrar quase que totalmente na austenita. Considerando-se uma relação entre fases de 1:1, o teor de carbono, que na liga seria de 0.03%, na austenita passa a ser significativamente maior (0.05-0.06%). A precipitação deve-se dar, então, nesta fase nos contornos γ/γ ou γ/α. Tabela XVI: Coeficiente PRE (“Pitting Corrosion Resistance”) dos principais tipos de aços inoxidáveis duplex. Norma Graus comerciais Composição média (% em peso) PRE 2304 (Avesta) 23%Cr – 4%Ni – 0,10%N 25 Uranus 35N (CLI) 23%Cr – 4%Ni – 0,12%N 25 UNS S32304
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