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Fisiologia aplicada à Enfermagem Professora: Dra. Fabiana Maria Rodrigues Lopes de Oliveira SOMESTESIA Somestesia, ou, de modo equivalente, sensibilidade somática. A palavra grega soma significa corpo, o que explica o nome dado a essa modalidade sensorial. Deve-se ressaltar que a sensibilidade somestésica não se restringe, no entanto, à superfície externa do corpo, existindo também em locais como algumas mucosas, músculos e tendões, periósteo e algumas vísceras. Além disso, a modalidade somestésica não representa um tipo único de sensibilidade, mas divide- se em algumas submodalidades. Usaremos uma classificação que divide a sensibilidade somestésica em três submodalidades: tátil, térmica e dolorosa As submodalidades somestésicas, embora compartilhem algumas características comuns, diferem quanto à natureza do estímulo específico, da estrutura morfológica e funcional dos receptores sensoriais, e também das vias e circuitos neurais por quais trafegam ORGANIZAÇÃO GERAL DA SOMASTESIA A transdução sensorial converte os estímulos em potenciais graduados Como os receptores convertem os diversos estímulos físicos, como a luz ou o calor, em sinais elétricos? O primeiro passo é a transdução, a conversão da energia do estímulo em informação que pode ser processada pelo sistema nervoso. Em muitos receptores, a abertura ou fechamento de canais iônicos converte a energia mecânica, química, térmica ou luminosa diretamente em uma mudança no potencial de membrana. Alguns mecanismos de transdução sensorial envolvem a transdução do sinal e sistemas de segundos mensageiros, que iniciam a mudança no potencial de membrana. Cada receptor sensorial tem um estímulo adequado, uma forma particular de energia à qual ele é mais responsivo. Por exemplo, os termorreceptores são mais sensíveis a modificações na temperatura do que na pressão. Embora os receptores sejam específicos para uma forma de energia, eles podem responder a muitas outras formas se a intensidade for suficientemente alta. Os receptores sensoriais podem ser inacreditavelmente sensíveis a sua forma preferencial de estímulo. Por exemplo, um único fóton de luz estimula certos fotorreceptores. Como um estímulo físico ou químico é convertido em uma mudança no potencial de membrana? O estímulo abre ou fecha canais iônicos na membrana do receptor, direta ou indiretamente (via segundo mensageiro). Um neurônio sensorial tem um campo receptivo Os neurônios somatossensoriais são ativados pelos estímulos que ocorrem dentro de uma área física específica, conhecida como campo receptivo do neurônio. Por exemplo, um neurônio da pele sensível ao tato responde à pressão que ocorre dentro do seu campo receptivo. No caso mais simples, um campo receptivo está associado a um neurônio sensorial (o neurônio sensorial primário na via), o qual, por sua vez, faz sinapse com um neurônio do SNC (o neurônio sensorial secundário). Os campos receptivos frequentemente se sobrepõem aos campos receptivos vizinhos. O tamanho dos campos receptivos secundários determina o quanto uma dada área é sensível a um estímulo. Por exemplo, a sensibilidade tátil é demonstrada pelo teste da discriminação entre dois pontos. Em algumas regiões da pele, como os braços e as pernas, dois alfinetes colocados a uma distância de 20 mm um do outro são interpretados pelo encéfalo como uma única alfinetada. Nessas áreas, muitos neurônios primários convergem para um único neurônio secundário, de modo que o campo receptivo secundário é muito grande. Em contrapartida, áreas da pele mais sensíveis, como a ponta dos dedos, possuem campos receptivos menores, com uma proporção entre neurônios sensoriais primários e secundários de 1:1. Nessas áreas, dois alfinetes separados por uma distância de apenas 2 mm podem ser percebidos como dois toques separados Organização geral da somestesia Toda informação somestésica inicia com um estímulo, na forma de energia física, que atua em um receptor sensorial. O receptor é um transdutor, o qual converte o estímulo em um sinal intracelular, que normalmente é uma mudança no potencial de membrana. Se o estímulo produz uma mudança que atinge o limiar, são gerados potenciais de ação que são transmitidos de um neurônio sensorial até o sistema nervoso central (SNC), onde os sinais de entrada são integrados. Alguns estímulos chegam ao córtex cerebral, onde geram a percepção consciente, porém, outros agem inconscientemente, chegando até a medula. Uma área cutânea inervada por uma raiz dorsal é denominada dermátomo, sendo que dermátomos adjacentes superpõem-se parcialmente. Os dermátomos seguem um padrão topográfico bastante regular; porém, seus limites não são tão bem definidos como esquematizado na Figura Depois de entrarem na medula espinal, as fibras aferentes primárias ramificam-se na substância branca, além de emitirem colaterais cujas terminações estabelecem conexões sinápticas na substância cinzenta. Fibras que conduzem à sensibilidade térmica ou dolorosa não se projetam sobre a substância cinzenta logo que chegam à medula, mas trafegam, por meio do trato de Lissauer, para alguns segmentos acima e abaixo do nível de entrada, terminando então nas porções do corno posterior da medula que constituem as lâminas I e II de Rexed. Fibras grossas que conduzem à sensibilidade tátil e também a sensibilidade proprioceptiva muscular e articular ascendem diretamente para o bulbo por meio da coluna dorsal, além de emitirem colaterais que penetram no corno posterior da medula e terminam nas lâminas mais profundas da substância cinzenta. A informação sensorial de grande parte do corpo entra na medula espinal e segue por vias ascendentes até o encéfalo. Estas vias, junto àquelas que levam informações do sistema somatossensorial, projetam- se ao tálamo, o qual atua como uma estação de retransmissão e processamento antes que a informação seja repassada ao cérebro. Um aspecto interessante do processamento da informação sensorial pelo SNC é o limiar perceptivo, ou seja, a intensidade do estímulo necessária para que você tome consciência de uma determinada sensação. Os estímulos bombardeiam constantemente seus receptores sensoriais, mas seu cérebro pode filtrar e “desligar” alguns estímulos. Você vivencia uma mudança no limiar de percepção quando “ignora” o rádio enquanto está estudando, ou quando você fica “desligado” durante uma palestra. Em ambos os casos, o som é adequado para estimular os neurônios sensoriais na orelha interna, porém os neurônios superiores da via bloqueiam os sinais recebidos, não deixando que cheguem à consciência. A diminuição da percepção de um estímulo, ou habituação, é obtida por modulação inibidora. A modulação inibidora diminui um estímulo que atingiu o limiar até que o mesmo fique abaixo do limiar perceptivo Enquanto fibras grossas conduzem sensibilidade tátil e proprioceptiva, fibras finas conduzem as sensibilidades térmica e dolorosa. O calibre de um axônio e a presença ou ausência da bainha de mielina estão intimamente relacionados com a velocidade de propagação de um potencial de ação As vias da percepção somática projetam-se para o córtex e para o cerebelo. Os receptores dos sentidos somáticos são encontrados tanto na pele quanto nas vísceras. Na medula espinal, muitos dos neurônios sensoriais primários fazem sinapse com interneurônios, que funcionam como neurônios sensoriais secundários. A localização da sinapse entre os neurônios primário e secundário varia de acordo com o tipo de receptor (FIG. 10.8). Os neurônios associados aos receptores da nocicepção, temperatura e tato grosseiro fazem sinapse com seus neurônios secundários assim que entram na medula espinal. Contudo, a maior parte dos neurônios do tato discriminativo, da vibração e da propriocepção possuem axônios muito longos, os quais se projetam para cima, da medula espinal até o bulbo. Todos os neurônios sensoriaissecundários cruzam a linha média do corpo em algum ponto, de modo que as sensações do lado esquerdo do corpo são processadas pelo hemisfério direito do cérebro, e vice-versa. Os neurônios secundários da nocicepção, temperatura e tato grosseiro cruzam a linha média na me-dula espinal e se projetam para o encéfalo. Os neurônios do tato discriminativo, da vibração e da propriocepção cruzam a linha média no bulbo. No tálamo, os neurônios sensoriais secundários fazem sinapse com os neurônios sensoriais terciários, os quais, por sua vez, projetam-se para a região somatossensorial do córtex cerebral. Além disso, muitas vias sensoriais enviam ramos para o cerebelo, o que permite que ele possa usar a informação para coordenar equilíbrio e movimentos. O córtex somatossensorial é a parte do cére- bro que reconhece de onde se originam os tratos sensoriais ascendentes. Cada um dos tratos sensoriais possui uma região correspondente no córtex, seu campo sensorial. Todas as vias sensoriais da mão esquerda finalizam em uma área, todas as vias do pé esquerdo finalizam em outra área, e assim por diante (FIG. 10.9). Na região cortical destinada a uma parte específica do corpo, colunas de neurônios são dedicadas a tipos particulares de receptores. Por exemplo, uma coluna cortical ativada por receptores de frio da mão esquerda pode ser encontrada próxima a uma coluna ativada por receptores de pressão localizados na pele da mão esquerda. Este arranjo colunar cria uma estrutura extremamente organizada, a qual mantém a associação entre receptores específicos e a modalidade sensorial transmitida por eles. Quanto mais sensível for uma região do corpo aos estímulos táteis e a outros estímulos, maior será a região correspondente no córtex. De modo interessante, o tamanho das regiões não é fixo. Se uma parte do corpo em particular é mais utilizada, haverá uma expansão dessa região topográfica no córtex. Por exemplo, as pessoas com deficiência visual que aprendem a ler Braille com a ponta dos dedos ampliam a região do córtex somatossensorial dedicada à ponta dos dedos. Em contrapartida, se uma pessoa perde um dedo ou um membro, a porção do córtex somatossensorial destinada à estrutura que falta começa a ser assumida pelos campos sensoriais das estruturas adjacentes. A reorganização do “mapa” do córtex somatossensorial é um exemplo da notável plasticidade do encéfalo. Infelizmente, algumas vezes a reorganização não é perfeita e pode resultar em sensações sensoriais, incluindo dor, que o cérebro interpreta como localizadas no membro que falta (dor do membro fantasma). O que foi verificado, por Vernon Mountcastle e seus colaboradores, é que o córtex somestésico apresenta uma organização colunar, em que a mesma coluna de córtex, com algumas centenas de micrômetros de largura e contendo as seis camadas corticais, responde a uma classe específica de receptores sensoriais. Por exemplo, enquanto algumas colunas são ativadas por receptores de adaptação rápida de Meissner, outras respondem à ativação de receptores de adaptação lenta de Merkel, sendo que as células da mesma coluna recebem projeções da mesma região da pele. O papel das diferentes camadas corticais é estabelecer conexões com diferentes partes do encéfalo. As propriedades dinâmicas de um receptor sensorial são relativamente mantidas pelos neurônios centrais ao longo daquela via ascendente. Por exemplo, receptores de adaptação rápida conectam-se a neurônios talâmicos também de adaptação rápida, que por sua vez se projetam sobre neurônios com características semelhantes localizados nas áreas 3b e 3a, em SI. Dessa maneira, um sinal recebido pelo córtex, embora não seja uma mera repetição do padrão de descarga das fibras aferentes primárias, reproduz com certa fidelidade as características do estímulo, codificadas pelos receptores cutâneos. O processamento da informação somestésica ao longo dos vários estágios corticais vai se tornando cada vez mais elaborado. Assim, neurônios envolvidos nos primeiros estágios de processamento respondem a estímulos mais simples, como pressões pontuais sobre a pele, enquanto aqueles neurônios envolvidos nos estágios seguintes do processamento exibem respostas mais complexas, por exemplo, movimentos sobre a pele. Alguns grupos de neurônios são responsivos a direções particulares do movimento, não respondendo a movimentos em outras direções. A codificação e o processamento distinguem as propriedades do estímulo Se todos os estímulos são convertidos em potenciais de ação nos neurônios sensoriais, e todos os potenciais de ação são idênticos, como o SNC pode diferenciar, por exemplo, calor e pressão, ou uma alfinetada no dedo do pé ou da mão? Os atributos do estímulo devem ser preservados de alguma maneira quando o estímulo entra no sistema nervoso para ser processado. Isso significa que o SNC deve distinguir quatro propriedades de um estímulo: (1) sua natureza, ou modalidade, (2) sua localização, (3) sua intensidade e (4) sua duração. (1) A modalidade de um estímulo é indicada pelos neurônios sensoriais que são ativados e por onde as vias dos neurônios ativados terminam no encéfalo. Cada tipo de receptor é mais sensível a uma modalidade particular de estímulo. Por exemplo, alguns neurônios respondem mais fortemente ao toque; outros respondem a mudanças na temperatura. Além disso, o encéfalo associa um sinal proveniente de um grupo específico de receptores com uma modalidade específica. (2) A localização de um estímulo também é codificada de acordo com quais campos receptivos são ativados. As regiões sensoriais do cérebro são muito organizadas em relação aos sinais de entrada, e os sinais provenientes de receptores sensoriais adjacentes são processados em regiões adjacentes do córtex. Esse arranjo preserva a organização topográfica dos receptores da pele, dos olhos ou de outras regiões nos centros de processamento cerebral. Por exemplo, receptores táteis presentes na mão projetam--se para uma área específica do córtex cerebral. A estimulação experimental dessa área do córtex durante uma cirurgia cerebral é interpretada como um toque na mão, ainda que não tenha havido contato real. De forma similar, a dor do membro fantasma relatada por amputados ocorre quando neurônios sensoriais secundários da medula espinal se tornam hiperativos, resultando em sensação dolorosa em um membro que não está mais lá. (3) intensidade do estímulo é codificada em dois tipos de informações: o número de receptores ativados (outro exemplo de código populacional) e a frequência de potenciais de ação provenientes desses receptores, chamada de código de frequência. Somente os receptores mais sensíveis (aqueles com limiares mais baixos) respondem a um estímulo de baixa intensidade. Quando a intensidade de um estímulo aumenta, são ativados mais receptores. Assim, o SNC traduz o número de receptores ativados em uma medida de intensidade do estímulo. Para neurônios sensoriais individuais a discriminação da intensidade começa no receptor. Se um estímulo está abaixo do limiar, o neurônio sensorial primário não responde. Assim que a intensidade do estímulo atinge o limiar, o neurônio sensorial primário começa a disparar potenciais de ação. À medida que a intensidade do estímulo aumenta, a amplitude do potencial receptor aumenta proporcionalmente, e a frequência de potenciais de ação no neurônio sensorial primário aumenta, até uma frequência máxima (4) A duração do estímulo é codificada pela duração da série de potenciais de ação no neurônio sensorial. Em geral, um estímulo mais longo gera uma série mais duradoura de potenciais de ação no neurônio sensorial primário. Entretanto, se o estímulo persiste, alguns receptores se adaptam, ou deixam de responder. Os receptores dividem-se em duas classes, dependendo de como eles se adaptam a uma estimulação contínua ou sustentada. Os receptores tônicos são receptoresde adaptação lenta que disparam rapidamente no início da ativação, depois diminuem e mantêm seus disparos enquanto o estímulo estiver presente. Os barorreceptores sensíveis à pressão, os receptores de irritação e alguns receptores táteis e proprioceptores são classificados nessa categoria. Já os receptores fásicos são receptores de adaptação rápida que disparam quando recebem um estímulo, mas param de disparar se a intensidade do estímulo permanecer constante. Os receptores fásicos sinalizam especificamente as alterações em um parâmetro. Assim que o estímulo estiver em uma intensidade estável, os receptores fásicos adaptam-se a esse novo estado e se desligam Resumindo, a especificidade das vias sensoriais é estabelecida de diversas formas: 1. Cada receptor é mais sensível a um tipo particular de estímulo. 2. Um estímulo que atinja o limiar desencadeia potenciais de ação em um neurônio sensorial que se projeta ao SNC. 3. A intensidade e a duração do estímulo são codificadas pelo padrão de potenciais de ação que chegam ao SNC. 4. A localização e a modalidade do estímulo são codificadas de acordo com quais receptores são ativados ou (no caso do som) pela temporização da ativação do receptor. 5. Cada via sensorial se projeta para uma região específica do córtex cerebral dedicada a um campo receptivo particular. O cérebro pode, então, determinar a origem de cada sinal de entrada SENSIBILIDADE TÁTIL Esta submodalidade sensorial é mediada por mecanoceptores que se dividem em duas classes funcionais: mecanoceptores de adaptação rápida e de adaptação lenta. Os de adaptação rápida respondem apenas ao início de uma estimulação e frequentemente também ao seu término, mas não respondem a uma estimulação contínua. Os de adaptação lenta podem responder continuamente a uma estimulação persistente. Os receptores táteis estão entre os receptores mais comuns do corpo. Eles respondem a muitas formas de contato físico, como estiramento, pressão sustentada, vibração (baixa frequência) ou toque leve, vibração (alta frequência) e textura. Eles são encontrados tanto na pele (FIG. 10.10) como em regiões mais profundas do corpo. Os dois principais tipos de mecanoceptores na superfície da pele glabra (sem pelos) são os corpúsculos de Meissner e de Merkel, exemplos, respectivamente, de receptores de adaptação rápida e lenta. Ambos estão associados a estruturas acessórias que lhes conferem suas características funcionais O tecido subcutâneo, por sua vez, também contém dois tipos de mecanoceptores: o corpúsculo de Pacini, um receptor de adaptação rápida, e o corpúsculo de Ruffini, de adaptação lenta. Enquanto os receptores mais superficiais (Meissner e Merkel) se organizam em campos receptivos pequenos, os campos receptivos proporcionados pelos corpúsculos de Pacini e Ruffini são relativamente maiores. As características funcionais e morfológicas desses conjuntos de receptores vão definir suas especificidades quanto à resolução espacial e temporal dos estímulos táteis. Enquanto a resolução espacial está principalmente associada ao tamanho de campos receptivos, a resolução temporal associa-se ao curso temporal de adaptação do receptor Os corpúsculos de Meissner e Pacini são mais sensíveis a estímulos mecânicos vibratórios, fato que está associado a um tempo de adaptação mais curto para esses receptores. O receptor de Meissner, no entanto, possibilita melhor localização do estímulo, enquanto o segundo medeia uma sensação mais difusa, originada em tecidos mais profundos. Essa diferença na resolução espacial está vinculada ao tamanho dos campos receptivos constituídos por esses receptores. A Figura 17.5 resume as principais características dos diferentes tipos de mecanoceptores encontrados na pele. Estímulos naturais ativam, em geral, mais de uma classe de mecanoceptores, em diferentes combinações, e as qualidades desses estímulos serão reconstruídas a partir da ativação simultânea e diferenciada desses tipos distintos de “canais” sensoriais. Enquanto os receptores mais superficiais (Meissner e Merkel) se organizam em campos receptivos pequenos, os campos receptivos proporcionados pelos corpúsculos de Pacini e Ruffini são relativamente maiores. As características funcionais e morfológicas desses conjuntos de receptores vão definir suas especificidades quanto à resolução espacial e temporal dos estímulos táteis. A localização de um estímulo aplicado à superfície do corpo requer que a informação detectada e transmitida pelos neurônios de primeira ordem não se perca ao longo das várias estações de retransmissão. Isso é garantido por uma organização topográfica das vias somestésicas, que torna possível que um mapa do corpo seja preservado ao longo das projeções ascendentes SENSIBILIDADE TÉRMICA Somos sensíveis a uma faixa extremamente estreita de temperaturas, compreendida entre 10°C e 45°C. Abaixo de 10°C os processos biofísicos responsáveis pela transdução sensorial e propagação dos potenciais de ação são deprimidos, impedindo a geração e condução adequadas do estímulo térmico. Por isso, o frio pode funcionar como um bom anestésico local. Por outro lado, temperaturas acima de 45°C são lesivas aos tecidos e incompatíveis com a vida da maioria dos organismos pluricelulares. Um único tipo de sensor, cuja atividade variasse proporcionalmente à temperatura, poderia servir à finalidade de codificar a temperatura ambiente. No entanto, nossa sensibilidade térmica é fundamentada na existência de duas classes de termoceptores. Uma classe engloba os receptores de frio, e a outra os receptores de calor. A distinção entre essas duas classes é a faixa de temperatura mais eficiente na ativação de cada uma delas. Os receptores de frio, embora respondam a uma faixa ampla de temperaturas (entre 10°C e 40°C), exibem uma atividade máxima para temperaturas situadas em torno dos 25°C. Já os receptores de calor apresentam uma atividade máxima para temperaturas ao redor dos 40°C, embora respondam a temperaturas situadas entre 30°C e 45°C. Algumas terminações nervosas associadas a receptores de frio começam a descarregar novamente quando a temperatura ultrapassa os 40°C, aumentando a frequência dessa descarga em paralelo ao aumento da temperatura. Esse fenômeno é denominado resposta paradoxal, e é responsável por uma eventual sensação de frio provocada por temperaturas altas e potencialmente lesivas. Os termoceptores estão distribuídos sobre toda a superfície corpórea, e também, menos densamente, nas cavidades oral e nasal. A pele glabra das mãos e dedos apresenta uma grande sensibilidade térmica, contendo de 50 a 70 fibras/cm2 do tipo Aδ associadas a receptores de frio, e uma densidade semelhante para fibras C associadas a receptores de calor. A frequência de descarga dessas fibras não depende apenas da temperatura de estimulação, mas também da taxa de variação dessa temperatura. Assim, uma variação rápida da temperatura pode ocasionar um aumento transitório na frequência de descarga de uma fibra, seguido por um gradual retorno a um novo patamar de descarga. Enquanto receptores de frio aumentam transitoriamente sua atividade em função de bruscas diminuições da temperatura, receptores de calor respondem a bruscos aumentos da temperatura. Por isso, uma pequena, porém rápida, variação da temperatura é percebida mais prontamente do que lentas variações térmicas, as quais requerem maiores aumentos ou diminuições da temperatura até serem percebidas conscientemente. O processo de transdução, mediado pelos termoceptores, é iniciado por canais iônicos presentes na membrana de terminações nervosas livres. Foi clonada uma família de proteínas, denominada “termoTRP”, que compõe canais iônicos sensíveis à temperatura (a sigla origina-se do inglês e significa “receptor de potencial transiente”). A ampla família de proteínas TRP está envolvida tanto em vertebrados quanto em invertebrados, em umagrande variedade de processos de transdução, além da termocepção. Enquanto alguns membros da família termo-TRP são ativados por temperaturas baixas (receptores de frio), outros são ativados por temperaturas mais altas (receptores de calor). Em torno de 43°C ocorre a transição de uma sensação inócua de calor para uma sensação dolorosa de queimação. Essa transição coincide, aproximadamente, com o comportamento de diferentes subgrupos de proteínas termoTRP, que respondem a diferentes faixas de temperatura, acima ou abaixo de 43°C. Alguns tipos de proteínas termoTRP (sensíveis ao calor) também são ativados por substâncias vaniloides, tais como a capsaicina e a piperina, presentes em vários tipos de pimentas (e que também ativam nociceptores). Essa é a razão pela qual uma sensação de calor é atribuída ao sabor de muitas pimentas e por isso pratos apimentados também são chamados de “quentes”. Já outros representantes da família TRP, ativados por temperaturas mais baixas, em torno de 25°C a 28°C, são também sensíveis ao mentol e ao eucaliptol, o que explica a sensação de frescor que essas substâncias podem induzir Sensação térmica A sensação térmica é o resultado da atividade conjunta das duas classes de termoceptores. Uma sensação de conforto térmico é obtida para temperaturas próximas a 32°C ou 33°C, nas quais os receptores de frio e calor apresentam aproximadamente a mesma atividade. Um aumento da temperatura causará a sensação de calor não só pelo aumento da atividade dos receptores de calor, mas também pela concomitante redução na atividade dos receptores de frio, o inverso acontecendo no caso de reduções da temperatura. A intensidade de um estímulo térmico não depende, porém, apenas da magnitude da temperatura, mas também do número de receptores recrutados, que por sua vez depende da área sob estimulação. Dessa maneira, um estímulo térmico aplicado a maior superfície do corpo produz uma sensação mais intensa se comparada àquela provocada por um estímulo de igual temperatura aplicado a menor superfície. Nos extremos de nossa sensibilidade térmica, o julgamento da magnitude da temperatura fica bastante comprometido. Em temperaturas acima de 43°C, a ativação de receptores de dor, e também de receptores de frio envolvidos na resposta paradoxal, torna bastante confusa a informação aferente. Já em temperaturas inferiores a 15°C, receptores de dor também são ativados, podendo causar, para estímulos suficientemente frios, uma sensação às vezes semelhante à de uma queimadura. A atividade nas fibras aferentes cessa nas temperaturas ainda mais baixas. A identificação do local em que um estímulo térmico é aplicado depende, em sua maior parte, da estimulação concomitante de mecanoceptores responsáveis pela sensibilidade tátil e pressórica. A estimulação isolada de termoceptores, por exemplo, por meio de radiações, não possibilita uma identificação precisa do local do estímulo. Os termoceptores localizam-se um pouco abaixo da superfície da pele, e a temperatura por eles sinalizada reflete, na verdade, um conjunto de fatores. Dentre esses se incluem a temperatura da pele, que resulta da condução do calor e da incidência de energia radiante, o calor trazido pela circulação sanguínea e que expressa a temperatura central do organismo, e também a dissipação de calor promovida pela transpiração. Dada a relativa constância da temperatura do organismo, a sensação térmica reflete principalmente a temperatura ambiente, embora o estado vasomotor cutâneo contribua decisivamente para esse balanço. Assim, a vasodilatação cutânea torna-se uma influência dominante, e a temperatura da pele se aproxima da temperatura central do organismo. Por outro lado, durante a vasoconstrição, a pele tende a se equilibrar termicamente com o ambiente. Além da existência de termoceptores cutâneos, receptores sensíveis à temperatura são encontrados em outras regiões do organismo, como hipotálamo e medula espinal. Ainda que esses termoceptores sejam de grande importância na organização de respostas reflexas e comportamentais envolvidas na termorregulação do organismo, parecem não contribuir para a percepção consciente da temperatura, fazendo parte de uma modalidade sensorial denominada interoceptiva. Temperatura corporal é um equilíbrio A regulação da temperatura no corpo humano está relacionada à produção metabólica de calor (termogênese). Os seres humanos são animais homeotérmicos, ou seja, o nosso corpo regula a temperatura interna dentro de uma faixa relativamente estreita. A temperatura média é de 37°C, com uma faixa de variação normal entre 35,5 e 37,7°C. Esses valores estão sujeitos a uma variação considerável, tanto entre pessoas como em uma única pessoa ao longo do dia. O lugar no qual a temperatura é mensurada também faz diferença, visto que a temperatura do centro do corpo pode ser maior do que a temperatura da superfície da pele. A temperatura oral é cerca de 0,5°C mais baixa do que a temperatura retal. Vários fatores afetam a temperatura corporal em um determinado sujeito. A temperatura corporal aumenta com a realização de exercícios físicos ou mesmo após uma refeição (efeito térmogênico dos alimentos). A temperatura também se modifica conforme a hora do dia: sendo a mais baixa (basal) no início da manhã e a mais alta no início da noite. Mulheres em idade reprodutiva também apresentam ciclos de mudança de temperatura mensal: a temperatura basal fica em torno de 0,5°C maior na segunda metade do ciclo menstrual (após a ovulação) do que antes da ovulação. Todos os objetos com uma temperatura acima de zero absoluto emitem energia radiante (irradiação) com comprimentos de onda visível ou infravermelho. Essa energia pode ser absorvida por outros objetos e constitui ganho de calor por irradiação para esses objetos. Você absorve energia radiante cada vez que senta ao sol ou em frente ao fogo. O ganho de calor por condução é a transferência de calor entre objetos que estão em contato um com o outro, como a pele e uma almofada térmica ou a pele e a água quente. Nós perdemos calor do corpo por quatro vias: condução, radiação, convecção e evaporação. A perda de calor por condução é a perda do calor do corpo para um objeto mais frio que está tocando o corpo, como um saco de gelo ou um banco de pedra frio. Estima-se que a perda de calor radiante do corpo humano é aproximadamente a metade do calor perdido por uma pessoa em repouso em uma sala normal. A temperatura corporal é regulada homeostaticamente O corpo humano é normalmente mais aquecido do que o seu ambiente e, portanto, perde calor. Contudo, normalmente o metabolismo produz calor o suficiente para manter a temperatura corporal quando a temperatura média do ambiente varia entre 27,8 e 30°C. Essa variação é chamada de zona termoneutra. Em temperaturas acima da zona termoneutra, o corpo tem um ganho líquido de calor, uma vez que a produção de calor excede a perda de calor. Abaixo da zona termoneutra, a perda de calor excede a produção. Em ambos os casos, o corpo deve utilizar a compensação homeostática para manter a temperatura interna constante. Um ser humano sem roupa tem a capacidade de se termorregular em ambientes que variam de temperatura entre 10 e 55°C. Como raramente somos expostos a temperaturas mais altas do que essa faixa de temperatura, o nosso principal desafio fisiológico está na regulação térmica em ambientes frios. Os seres humanos têm sido descritos por alguns fisiologistas como animais tropicais, visto que somos geneticamente adaptados para viver em climas quentes. Todavia, mantivemos uma certa flexibilidade genética, e os mecanismos fisiológicos pelos quais a nossa termorregulação é feita têm alguma capacidade de se adaptar a mudanças de condições ambientais. O controle autonômico da regulação de temperatura corporal é geralmente considerado uma função de termorregulação central no hipotálamo.Os neurônios sensoriais, conhecidos como termorreceptores, estão alocados em partes periféricas, como na pele, e em partes centrais, como no hipotálamo. Esses sensores monitoram a temperatura da pele e a temperatura do centro do corpo, respectivamente, e mandam esta informação para o centro termorregulador. O chamado “termostato” hipotalâmico compara a quantidade de sinais emitidos e a temperatura desejável de ajuste. Isso permite que o centro da temperatura coordene a apropriada resposta fisiológica de aumento ou baixa de temperatura central. A perda de calor do corpo é promovida pela dilatação dos vasos sanguíneos na pele e pela sudorese. O ganho de calor é gerado pela termogênese com tremor e, possivelmente, pela termogênese sem tremor. A perda de calor através da superfície da pele é regulada pelo controle do fluxo sanguíneo cutâneo, o qual está muito próximo à superfície da pele. Esses vasos sanguíneos podem captar calor do ambiente por convecção e o transferir para o centro do corpo, ou podem perder calor para o ar circundante. O fluxo sanguíneo pelos vasos sanguíneos cutâneos varia desde próximo de zero, quando o calor precisa ser conservado, até quase um terço do débito cardíaco, quando o calor precisa ser liberado para o ambiente. O controle local influencia o fluxo sanguíneo cutâneo até certo ponto, possivelmente por meio de vasodilatadores produzidos pelo endotélio vascular. Contudo, a regulação neural é o fator determinante primário. No organismo, a maioria das arteríolas está sob o controle adrenérgico simpático tônico. Se a temperatura central do corpo cai, o hipotálamo seletivamente ativo neurônios simpáticos que inervam as arteríolas cutâneas. As arteríolas contraem-se, aumentando a sua resistência ao fluxo sanguíneo e desviando o sangue para vasos sanguíneos de menor resistência no interior do corpo. Essa resposta mantém o sangue central mais quente afastado da superfície da pele mais fria, reduzindo, assim, a perda de calor. Em temperaturas elevadas acontece o oposto: as arteríolas cutâneas dilatam-se, a fim de aumentar o seu aporte sanguíneo A perda de calor da superfície é aumentada pela evaporação do suor. Segundo algumas estimativas, o tegumento humano possui entre 2 e 3 milhões de glândulas sudoríparas. As concentrações mais altas são encontradas na testa, no couro cabeludo, nas axilas, nas palmas das mãos e nas solas dos pés. As glândulas sudoríparas são constituídas de epitélio transportador. As células profundas da glândula secretam uma solução isotônica similar ao líquido intersticial. À medida que esse líquido percorre o ducto em direção à pele, o NaCl é reabsorvido, resultando em suor hipotônico. Um valor típico para a produção de suor é 1,5 L/h. Com a aclimatação ao clima quente, algumas pessoas suam a taxas de 4 a 6 L/h. Contudo, elas podem manter essa alta taxa apenas por curtos períodos, a não ser que estejam ingerindo líquidos para repor o volume de líquido perdido. A produção de suor é regulada pelos neurônios simpáticos colinérgicos. O resfriamento pela perda de calor evaporativo depende da evaporação da água do suor na superfície da pele. Como a água evapora rapidamente em ambientes secos, mas lentamente ou não evapora em ambientes úmidos, a capacidade do corpo de suportar as altas temperaturas está diretamente relacionada à umidade relativa do ar. O ar movendo-se por uma superfície da pele suada aumenta a evaporação mesmo com umidade alta, e é uma das razões pelas quais os ventiladores são úteis em climas quentes. A produção de calor pelo corpo é classificada em duas categorias: (1) produção de calor não regulada devido à contração dos músculos voluntários e das vias metabólicas normais e (2) produção de calor regulada para a manutenção da homeostasia da temperatura corporal quando em temperaturas ambientais baixas. A produção de calor regulada é subdividida em termogênese com tremor e termogênese química (sem tremor). Na termogênese com tremor, o corpo usa o calafrio (tremor rítmico causado pela contração do músculo esquelético) para gerar calor. Sinais do centro termorregulador hipotalâmico iniciam esses tremores do músculo esquelético. O tremor do músculo gera cinco ou seis vezes mais calor do que o músculo em repouso. O tremor pode ser parcialmente suprimido por controle voluntário. A termogênese sem tremor é a produção de calor metabólico por outros meios que não o tremor. Em animais de laboratório, como ratos, a exposição ao frio promove aumentos significativos na produção de calor a partir do tecido adiposo marrom (BAT), também chamado de tecido marrom. O mecanismo de produção de calor no tecido marrom se deve ao desacoplamento mitocondrial, induzido pela proteína desacopladora 1 (UCP1) no tecido adiposo marrom. As respostas corporais às temperaturas alta e baixa estão resumias na FIGURA abaixo. Em ambientes frios, o corpo tenta reduzir a perda de calor enquanto aumenta a produção de calor interno. Em temperaturas quentes, ocorre o oposto. As respostas comportamentais voluntárias desempenham um papel significativo na regulação da temperatura. Reduzimos nossa atividade no clima quente, diminuindo a produção de calor pelos músculos. Em clima frio, usamos roupas extras, colocamos as mãos nas axilas, ou nos enroscamos como uma bola para diminuir a perda de calor. As variações na regulação da temperatura do corpo podem ser fisiológicas ou patológicas. Exemplos de variações fisiológicas incluem o ritmo circadiano da temperatura do corpo, variações durante o ciclo menstrual, fogachos na pós-menopausa e febre. Esses processos compartilham um mecanismo comum: o reajuste do termostato hipotalâmico. Os fogachos parecem ser uma diminuição transitória do ponto de ajuste do termostato, causada pela ausência de estrogênio. Quando o ponto de ajuste é mais baixo, uma temperatura ambiente que antes era confortável subitamente é percebida como muito quente. Esse desconforto dispara a resposta termorreguladora normal para o calor, incluindo sudorese e vasodilatação cutânea, o que leva à ruborização da pele. Por muitos anos, a febre foi considerada uma resposta patológica à infecção, mas agora é considerada parte da resposta imune normal do corpo. As toxinas de bactérias, entre outros patógenos, estimulam a liberação de fatores químicos pirogênicos a partir de células do sistema imune. Os pirogênios são citocinas indutoras de febre que também têm muitos outros efeitos. Experimentalmente, algumas interleucinas (IL-1, IL-6), alguns interferons e o fator de necrose tumoral são indutores de febre. Eles induzem a febre por reajustar o termostato hipotalâmico em um ponto superior. A temperatura ambiente normal é percebida como muito fria, e o paciente começa a tremer, gerando calor adicional. Os pirogênios podem também aumentar a termogênese sem tremor, provocando aumento da temperatura corporal. O significado adaptativo da febre ainda não está claro, mas ela parece aumentar a atividade dos leucócitos envolvidos na resposta imune. Por essa razão, algumas pessoas questionam se pacientes com febre devem tomar ácido acetilsalicílico e outros antitérmicos simplesmente por uma questão de conforto. Entretanto, a febre alta pode ser perigosa, uma vez que uma febre de 41°C por mais do que um breve período causa danos ao encéfalo. Condições patológicas nas quais o corpo não consegue manter a temperatura dentro do normal são normalmente chamadas de hipertermia e hipotermia. A exaustão por calor e o choque por calor são as formas mais comuns de hipertermia, uma condição na qual a temperatura do corpo aumenta para valores anormalmente altos. O excesso de calor, como, por exemplo, em temperaturas centrais de 37,5 a 39°C, tem como característica a desidratação grave. Nesta situação, pacientes costumam sentir náuseas, cefaleia e cãibras musculares. Eles geralmente estão pálidos e suando profusamente. A exaustão por calormuitas vezes ocorre em pessoas que estão fisicamente ativas em climas úmidos e quentes, para os quais elas não estão aclimatadas. Ela também ocorre em idosos, nos quais a capacidade de termorregulação está diminuída. Febre alta pode ser perigosa, uma vez que uma febre de 41°C por mais do que um breve período causa danos ao encéfalo. Condições patológicas nas quais o corpo não consegue manter a temperatura dentro do normal são normalmente chamadas de hipertermia e hipotermia. A exaustão por calor e o choque por calor são as formas mais comuns de hipertermia, uma condição na qual a temperatura do corpo aumenta para valores anormalmente altos. O excesso de calor, como, por exemplo, em temperaturas centrais de 37,5 a 39°C, tem como característica a desidratação grave. Nesta situação, pacientes costumam sentir náuseas, cefaleia e cãibras musculares. Eles geralmente estão pálidos e suando profusamente. A exaustão por calor muitas vezes ocorre em pessoas que estão fisicamente ativas em climas úmidos e quentes, para os quais elas não estão aclimatadas. Ela também ocorre em idosos, nos quais a capacidade de termorregulação está diminuída A hipertermia maligna, na qual a temperatura do corpo se torna elevada de forma anormal, é uma condição determinada geneticamente. Um defeito nos canais de Ca2+ libera demasiada quantidade de Ca2+ de músculos para o citoplasma da célula. Enquanto os transportadores celulares trabalham para mover o Ca2+ de volta para as mitocôndrias e o retículo sarcoplasmático, o calor liberado da hidrólise do ATP aumenta substancialmente a temperatura do corpo. Alguns investigadores têm sugerido que uma versão leve desse processo desempenha um papel na termogênese sem tremor em mamíferos. A hipotermia, uma condição na qual a temperatura do corpo cai anormalmente, também é uma condição perigosa. Quando a temperatura central do corpo cai, as reações enzimáticas ficam mais lentas, e a pessoa perde a consciência. Quando o metabolismo diminui, o consumo de oxigênio também diminui. Vítimas de afogamento em águas frias, podem algumas vezes, ser recuperadas sem danos ao encéfalo se elas entraram em um estado de hipotermia. Essa observação levou ao desenvolvimento de hipotermia induzida em certos procedimentos cirúrgicos, como as cirurgias do coração. O paciente é mantido em temperatura de resfriamento, em média de 21 a 24°C, de modo que a demanda de oxigênio tecidual pode ser atendida pela oxigenação artificial do sangue, feita através de uma bomba sanguínea. Após a cirurgia ter sido finalizada, o paciente é gradualmente reaquecido. SENSIBILIDADE DOLOROSA Embora a sensação de dor seja uma das mais primitivas modalidades sensoriais, ela pode ser modulada por um conjunto de fatores, em que se incluem, por exemplo, as experiências anteriores do indivíduo e seu estado emocional em um dado momento. A dor pode ser produzida por uma variedade de estímulos, tais como pressões mecânicas intensas, extremos de temperatura, pH ácido, soluções hipertônicas, luz intensa, e certos mediadores químicos. Os nociceptores são neurônios com terminações nervosas livres, os quais respondem a vários estímulos nocivos intensos (químico, mecânico ou térmico) que causam ou têm potencial para causar dano tecidual. Os nociceptores são encontrados na pele, nas articulações, nos músculos, nos ossos e em vários órgãos internos, mas não no sistema nervoso central. A ativação da via nociceptiva inicia respostas adaptativas protetoras. Por exemplo, o desconforto do uso excessivo de nossos músculos e articulações nos alerta a ir com calma, a fim de evitar mais danos a essas estruturas. Os sinais aferentes dos nociceptores são levados ao SNC por dois tipos de fibras sensoriais primárias: fibras Aδ (A-delta) e fibras C (TAB. 10.3). A sensação mais comum transmitida por essas vias é percebida como dor, mas quando a histamina ou algum outro estímulo ativa um subgrupo de fibras C, percebe-se a sensação chamada de prurido (coceira). A dor é uma percepção subjetiva As terminações nervosas nociceptivas têm seu corpo celular nos gânglios das raízes dorsais espinais ou no gânglio trigeminal, compõem diferentes classes de fibras aferentes, e são encontradas na pele e também em tecidos profundos. Fibras mielínicas do tipo Aδ estão associadas a nociceptores térmicos e mecânicos. Há duas classes distintas de nociceptores associados a fibras Aδ. Enquanto ambas respondem a estímulos mecânicos intensos, elas diferem entre si pela capacidade em responder ao calor intenso. Outro conjunto de nociceptores, denominado polimodal, está associado a fibras C, amielínicas, e é ativado por estímulos mecânicos, químicos e térmicos de alta intensidade. A transdução de estímulos térmicos nocivos (temperaturas acima de 43°C) é mediada por canais iônicos vaniloides da família TRP, que são diretamente ativados por calor. Já os mecanismos envolvidos na transdução de estímulos nocivos promovidos por baixas temperaturas ou deformações mecânicas permanecem obscuros. Podemos distinguir dois estágios distintos. Um deles denomina-se nocicepção e se refere à transdução, por receptores especializados (nociceptores), de estímulos realmente ou potencialmente lesivos aos tecidos. No entanto, a sensação de dor requer, em um segundo estágio, o processamento elaborado dessa informação nociceptiva, conduzindo à percepção consciente de uma sensação aversiva. A natureza subjetiva da sensibilidade dolorosa torna complexa a sua investigação experimental, e também sua abordagem clínica. A dor rápida, descrita como aguda e localizada, é rapidamente transmitida ao SNC por fibras finas mielinizadas do tipo Aδ. A dor lenta, descrita como surda e mais difusa, é transmitida por fibras finas não mielinizadas do tipo C. A distinção temporal entre as duas é mais evidente quando o estímulo se origina longe do SNC, como quando você bate seu dedo do pé. Você primeiro experimenta uma sensação aguda de fincada (dor rápida) seguida rapidamente de uma dor surda latejante (dor lenta). O prurido é proveniente somente de nociceptores da pele e é característico de muitas erupções cutâneas e outras doenças da pele. As vias superiores da coceira não são tão bem entendidas como as vias da dor, mas há uma interação antagonista entre as duas sensações. Quando sentimos coceira (prurido), nós coçamos, gerando uma sensação dolorosa leve que parece interromper a sensação de coceira. Muitos dos analgésicos opióides, como a morfina, aliviam a dor, porém, em algumas pessoas, produzem prurido como efeito colateral. As terminações nervosas nociceptivas têm seu corpo celular nos gânglios das raízes dorsais espinais ou no gânglio trigeminal, compõem diferentes classes de fibras aferentes, e são encontradas na pele e também em tecidos profundos. Fibras mielínicas do tipo Aδ estão associadas a nociceptores térmicos e mecânicos. Há duas classes distintas de nociceptores associados a fibras Aδ. Enquanto ambas respondem a estímulos mecânicos intensos, elas diferem entre si pela capacidade em responder ao calor intenso. Outro conjunto de nociceptores, denominado polimodal, está associado a fibras C, amielínicas, e é ativado por estímulos mecânicos, químicos e térmicos de alta intensidade. A transdução de estímulos térmicos nocivos (temperaturas acima de 43°C) é mediada por canais iônicos vaniloides da família TRP, que são diretamente ativados por calor. Já os mecanismos envolvidos na transdução de estímulos nocivos promovidos por baixas temperaturas ou deformações mecânicas permanecem obscuros. Os reflexos nociceptivos protetores iniciam com a ativação de terminações nervosas livres. Os canais iônicos respondem a estímulos químicos, mecânicos e térmicos dando origem a potenciais graduados, os quais disparam potenciais de ação se o estímulo for suficientemente intenso. Muitos desses canais são canais de potencial receptor transitório (TRP), da mesmafamília de canais dos termorreceptores. Por exemplo, os receptores vaniloides respondem ao calor de um fogão ou português) (canais TRPV1 de outra fonte que provoque dor, bem como à capsaicina, o princípio ativo responsável pelas pimentas picantes queimarem sua boca. No lado oposto do espectro de temperatura, os pesquisadores identificaram um canal relacionado, o TRPM8, que responde tanto ao frio quanto ao mentol, motivo que dá aos alimentos mentolados a sensação refrescante. Os agentes químicos que desencadeiam respostas inflamatórias no local da lesão no tecido ativam nociceptores ou os sensibilizam por reduzir seu limiar de ativação. As substâncias químicas locais liberadas em consequência da lesão tecidual incluem K+, histamina e prostaglandinas, liberadas pelas células lesionadas; serotonina liberada por plaquetas ativadas pelo dano tecidual; e o peptídeo substância P, secretado pelos neurônios sensoriais primários. A sensibilidade à dor aumentada no local do dano tecidual é denominada dor inflamatória. Os neurônios sensoriais primários da nocicepção terminam no corno dorsal da medula espinal. A ativação do nociceptor pode seguir duas vias: (1) respostas protetoras reflexas, que são integradas na medula espinal (reflexos espinais), e (2) vias ascendentes para o córtex cerebral, responsáveis pela sensação consciente (dor ou prurido). Os neurônios nociceptivos primários fazem sinapses com interneurônios nas respostas reflexas espinais ou em neurônios secundários que se projetam ao encéfalo. As respostas nociceptivas integradas na medula espinal iniciam reflexos protetores inconscientes rápidos que, automaticamente, retiram a área estimulada, afastando-a da fonte do estímulo. Por exemplo, se você acidentalmente tocar em uma placa quente, um reflexo de retirada automático fará você tirar a mão mesmo antes que tenha consciência do calor. A lesão de um tecido intensifica a experiência dolorosa por aumentar a sensibilidade dos nociceptores a estímulos térmicos e mecânicos (hiperalgesia). Este fenômeno resulta, em parte, da liberação de mediadores químicos das próprias terminações nervosas livres e também de células não neurais, intimamente relacionadas com o processo inflamatório, tais como mastócitos, neutrófilos e plaquetas. Algumas substâncias presentes nessa “sopa inflamatória” (prótons, ATP e serotonina, por exemplo) alteram a excitabilidade neuronal por interagirem diretamente com canais iônicos na membrana dos nociceptores, enquanto outras, ligam-se a receptores metabotrópicos e exercem seus efeitos por meio de uma cascata intracelular mediada por segundos mensageiros. Ao entrarem na medula espinal as fibras nociceptivas Aδ e C bifurcam-se ascendendo e descendendo alguns segmentos por meio do trato de Lissauer. Projetam-se, então, às lâminas I, II e V da substância cinzenta, estabelecendo conexões com neurônios envolvidos na retransmissão da informação dolorosa para outras regiões do sistema nervoso, na regulação desse fluxo de informação, e na integração de respostas motoras e vegetativas organizadas por circuitos locais da medula espinal. O glutamato é um importante neurotransmissor liberado por terminais de fibras nociceptivas, e está envolvido na geração de potenciais sinápticos rápidos observados em neurônios do corno posterior da medula. Potenciais sinápticos lentos são provocados pela liberação de outra classe de neurotransmissores, provavelmente peptídios, dos quais a substância P é uma das mais estudadas. Modulação da sensibilidade dolorosa Uma dor pode ser percebida mais ou menos intensamente em função de vários fatores fisiológicos. Sua modulação está, na verdade, integrada a outros circuitos neurais, particularmente aqueles envolvidos na elaboração de reflexos motores, respostas vegetativas, alerta, atenção e emoções. A atividade de neurônios, na medula espinal, que retransmitem informações nociceptivas pode ser alterada por aferências não dolorosas, indicando que o sistema nervoso possui sistemas envolvidos no controle eferente (descendente) da sensibilidade dolorosa. Uma das primeiras hipóteses sobre tal sistema modulatório foi proposta por Melzack e Wall nos anos 1960, e denominada teoria da comporta. De acordo com essa teoria, a atividade de neurônios nociceptivos do corno posterior da medula seria modulada, por intermédio de interneurônios inibitórios, pelo balanço entre as aferências nociceptivas veiculadas por fibras C e outras aferências, não nociceptivas, transmitidas por fibras mielínicas Aα e Aβ. Embora a teoria possa não ser correta em seus detalhes, a ideia de circuitos neurais envolvidos especificamente na modulação da dor despertou um grande interesse na investigação experimental desse sistema e na sua possível utilização terapêutica. A informação nociceptiva pode também ser modulada em outros pontos das vias centrais de projeção dolorosa. Desse modo, uma redução parcial ou total da dor (analgesia) pode ser induzida por estimulação elétrica adequada da substância cinzenta periaquedutal, e também de regiões do tálamo e da cápsula interna. Essa analgesia depende de projeções descendentes que alcançam neurônios nociceptivos na medula espinal. Tanto a substância cinzenta periaquedutal quanto o bulbo rostroventral são sensíveis à ação da morfina, indicando que o mecanismo envolvido na analgesia induzida por opiáceos está relacionado com a ativação de vias modulatórias descendentes. Além da substância cinzenta periaquedutal, que integra aferências autonômicas, límbicas, sensoriais e motoras, outras regiões do sistema nervoso também estão vinculadas ao processamento da sensibilidade dolorosa. Por exemplo, conexões com os núcleos da rafe, já mencionadas, e com o núcleo do trato solitário (NTS) e hipotálamo, tornam possível a integração da sensibilidade dolorosa com respostas vegetativas e neuroendócrinas. Nossa percepção da dor está sujeita à modulação em vários níveis do sistema nervoso. Ela pode ser exacerbada por experiências passadas ou suprimida em situações de emergência, nas quais a sobrevivência depende de se ignorar a lesão. Nessas condições de emergência, vias descendentes que trafegam pelo tálamo inibem neurônios nociceptores na medula espinhal. A estimulação destas vias inibidoras é uma das técnicas mais modernas que vêm sendo utilizadas para controlar a dor crônica. A dor também pode ser suprimida no corno dorsal da medula espinal, antes que os estímulos cheguem aos tratos espinais ascendentes. Os interneurônios inibidores tonicamente ativos da medula espinal geralmente inibem as vias ascendentes da dor. As fibras C nociceptivas fazem sinapses nesses interneurônios inibidores. Quando ativadas por um estímulo doloroso, as fibras C simultaneamente excitam a via ascendente e bloqueiam a inibição tônica. Essa ação permite que o sinal de dor da fibra C siga para o encéfalo sem impedimento. Na teoria do portão para a modulação da dor, as fibras Aδ que levam informação sensorial de estímulos mecânicos ajudam a bloquear a transmissão da dor. As fibras Aδ fazem sinapse com interneurônios inibidores e aumentam a atividade inibidora dos interneurônios. Se estímulos simultâneos de fibras C e Aδ chegam ao neurônio inibidor, a resposta integrada é a inibição parcial da via ascendente da dor, de modo que a dor percebida pelo cérebro é menor. A teoria do portão para o controle da dor explica por que esfregar um cotovelo ou uma canela esfolada diminui a dor: o estímulo tátil de esfregar ativa fibras Aδ e ajuda a diminuir a sensação de dor. Para pessoas com dor crônica grave, possíveis tratamentos incluem a estimulação elétrica inibidora das vias da dor para o encéfalo ou, em casos extremos, a secção cirúrgica dos nervos sensoriais na raiz dorsal. A acupuntura também pode ser eficaz, embora a razão fisiológica para a sua eficácia ainda não esteja clara. A teoria mais aceita de como a acupuntura funciona propõe queas agulhas da acupuntura, quando colocadas adequadamente, induzem a liberação de endorfinas no encéfalo Reflexos induzidos pela dor Além da eventual percepção consciente de dor, uma variedade de reflexos pode ser provocada por um estímulo doloroso. Esses reflexos podem não depender da sensação de dor, podendo ser causados mesmo em indivíduos com níveis rebaixados de consciência. A natureza do reflexo depende das características do estímulo doloroso tais como sua natureza, intensidade, duração e localização. Esses reflexos podem compreender tanto eferências motoras quanto vegetativas. O reflexo de retirada é um exemplo no qual um estímulo nocivo, aplicado à superfície do corpo, provoca a contração da musculatura responsável por afastar tal parte do corpo do estímulo lesivo. Esse reflexo, involuntário e mediado por conexões polissinápticas, é modulado por influências descendentes. O reflexo de retirada de um membro, por exemplo, pode ser acompanhado de outras ações reflexas que visam a uma resposta motora mais elaborada e, portanto, mais adaptativa. Exemplos dessas respostas motoras mais amplas, como o reflexo de extensão cruzada, serão vistos nos Capítulos 22 e 23, destinados à organização dos sistemas motores. Dores localizadas em estruturas mais profundas, como as vísceras, podem dar origem à contração da musculatura adjacente, e mesmo induzir a adoção de posturas específicas, cujo intuito é a imobilização e proteção da região afetada, produzindo, às vezes, posições antálgicas bastante características. Uma dor aguda e intensa geralmente provoca uma resposta vegetativa predominantemente simpática, incluindo, por exemplo, taquicardia, midríase, sudorese, vasoconstrição periférica. Uma dor em aperto, grave e contínua pode produzir bradicardia e vasodilatação, frequentemente acompanhadas de náuseas e podendo resultar em hipotensão. Processamento da dor O processamento da informação causada por estímulos nocivos ou potencialmente lesivos é obviamente adaptativo. Além de reflexos protetores que minimizam a exposição do organismo a danos maiores, o componente afetivo associado à sensibilidade dolorosa contribui para o aprendizado de comportamentos de esquiva, diminuindo a probabilidade de novos encontros com os mesmos estímulos nocivos. A contribuição da sensibilidade dolorosa pode ocorrer, às vezes, de maneira quase imperceptível. Por exemplo, uma postura mantida por um tempo prolongado, e de maneira frequente, pode levar cronicamente a processos degenerativos do sistema musculoesquelético. A atividade de nociceptores, mesmo em níveis sublimiares para a percepção consciente, participa da organização de respostas motoras que evitam a utilização prolongada e potencialmente nociva dessas estruturas de sustentação. A dor, como outras modalidades sensoriais, apresenta um conjunto de características que devem ser consideradas, sobretudo em procedimentos diagnósticos realizados por dentistas, médicos e outros profissionais da saúde. A investigação de uma queixa dolorosa inclui a determinação dessas características, dentre as quais se destacam: qualidade ou tipo de dor, localização, intensidade, início e evolução temporal, fatores de melhora e piora, e locais para onde se irradia. Alguns exemplos podem ilustrar a importância desses aspectos. A qualidade de uma sensação dolorosa é muitas vezes descrita em termos do principal estímulo que a causa, como dor em “pontada”, em “queimação” ou “aperto”. Determinar se uma dor retroesternal é em queimação ou em aperto pode ajudar no diagnóstico diferencial entre uma esofagite e um infarto do miocárdio. Obviamente, um diagnóstico como esse não é avaliado apenas por um critério único, mas amplo conjunto de sintomas, sinais e informações subsidiárias poderá levar a uma conclusão segura. As condições nas quais uma dor teve início, sua evolução temporal e os fatores que propiciam seu alívio ou intensificação são elementos preciosos no procedimento diagnóstico que envolve uma queixa dolorosa. A própria observação de atitudes ou posturas antálgicas adotadas por uma pessoa pode fornecer dados a respeito da origem do processo doloroso, e os aspectos aqui discutidos devem, em conjunto, ser investigados e cuidadosamente avaliados. Uma dor é localizada pelos mesmos mecanismos descritos em relação às demais sensibilidades somestésicas. A localização de uma dor é, na verdade, auxiliada pela ativação simultânea de outras submodalidades com melhor resolução espacial. Em função de nosso aprendizado, a ativação de uma via dolorosa em qualquer ponto de sua projeção ascendente leva à localização do estímulo como se estivesse aplicado à região naturalmente inervada por aquela via. Por exemplo, a compressão de uma raiz espinal dorsal projeta a dor ao dermátomo inervado por ela, e a atividade espontânea de terminações nervosas deixadas pela amputação de um membro pode levar a sensações dolorosas ou parestésicas como se o membro removido ainda estivesse presente (dor do membro fantasma). Um aspecto particularmente associado à localização de uma dor, e também de grande interesse clínico, é o que se denomina dor referida. Esse termo refere-se à dor causada pela atividade de nociceptores em uma dada estrutura, frequentemente uma víscera, mas percebida como se estivesse se originando em outra localização, em geral superficial ou cutânea. O exemplo clássico é a dor do infarto agudo do miocárdio sendo percebida como localizada no braço esquerdo, ou a dor cutânea periumbilical provocada por uma apendicite. Cefaleias ou outras dores craniofaciais podem ter uma origem dentária e, nesses casos, também são exemplos de dor referida, e um conhecimento sobre a organização do sistema trigeminal é essencial para sua compreensão. Não existe ainda uma explicação consensual para o fenômeno da dor referida. Uma das principais teorias propõe que fibras transmitindo informações nociceptivas, originadas em estruturas profundas e superficiais, convirjam sobre um mesmo neurônio de segunda ordem ou de ordem superior. Assim, uma dor provocada em uma estrutura profunda teria sua localização atribuída à estrutura superficial que, devido ao aprendizado, é aquela mais provavelmente exposta a uma lesão. Outra possibilidade é que a mesma fibra aferente apresente uma ramificação, inervando simultaneamente estruturas superficiais e profundas, e conduzindo, pelas mesmas razões que na proposta anterior, a um equívoco em relação à localização de um estímulo doloroso. Referências AIRES, M.M. Fisiologia. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2018 SILVERTHORN, D.U. Fisiologia humana : uma abordagem integrada. 7 ed. Porto Alegre: ARTMED, 2017.
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